Farmacêuticas Têm Vitória Com Projeto de Lei Polêmico Sobre Biodiversidade

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Farmacêuticas têm vitória com projeto de lei polêmico sobre biodiversidade Projeto de lei aprovado na Câmara 'destrava' mercado da biodiversidade no Brasil, mas cria polêmica Mariana Schreiber Da BBC Brasil em Brasília A Câmara dos Deputados aprovou na noite da terça-feira uma polêmica legislação sobre biodiversidade que facilita pesquisas a partir de recursos naturais brasileiros – mas que está sendo acusada por comunidades tradicionais de ameaçar seus direitos garantidos internacionalmente. As mudanças simplificam legislação criada no início da década passada, quando o governo brasileiros sofria grande pressão - inclusive internacional - para combater a chamada biopirataria. O projeto de lei (PL) enviado em regime de urgência pelo governo ao Congresso no ano passado, em meio à Copa do Mundo, regula o acesso ao patrimônio genético de animais, vegetais e microorganismos típicos do Brasil, assim como o uso de conhecimentos de comunidades tradicionais para gerar produtos a partir desses elementos - por exemplo, desenvolver medicamentos a partir de ervas.

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Farmacêuticas Têm Vitória Com Projeto de Lei Polêmico Sobre Biodiversidade

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Farmacuticas tm vitria com projeto de lei polmico sobre biodiversidade

Projeto de lei aprovado na Cmara 'destrava' mercadoda biodiversidade no Brasil, mas cria polmicaMariana SchreiberDa BBC Brasil em BrasliaA Cmara dos Deputados aprovou na noite da tera-feira uma polmica legislao sobre biodiversidade que facilita pesquisas a partir de recursos naturais brasileiros mas que est sendo acusada por comunidades tradicionais de ameaar seus direitos garantidos internacionalmente.As mudanas simplificam legislao criada no incio da dcada passada, quando o governo brasileiros sofria grande presso - inclusive internacional - para combater a chamada biopirataria.O projeto de lei (PL) enviado em regime de urgncia pelo governo ao Congresso no ano passado, em meio Copa do Mundo, regula o acesso ao patrimnio gentico de animais, vegetais e microorganismos tpicos do Brasil, assim como o uso de conhecimentos de comunidades tradicionais para gerar produtos a partir desses elementos - por exemplo, desenvolver medicamentos a partir de ervas.Visto como prioritrio para o governo, o PL 7735/2014 segue agora tambm em regime de urgncia para o Senado - o que significa que se no for apreciado em 45 dias passa a trancar a pauta de votao.As mudanas agradam farmacuticas interessadas em desenvolver produtos a partir da biodiversidade brasileira - uma das mais ricas do mundo -, que entendem que a atual legislao dificulta a pesquisa cientfica e o desenvolvimento de novos produtos e patentes.Porm, grupos tradicionais dizem ter sido excludos do debate e criticam as novas regras."O governo fez uma discusso de profundidade com as empresas e no ouviu os provedores (de conhecimento tradicional). A proposta ignorou o outro lado", criticou Joaquim Belo, presidente do Conselho Nacional das Populaes Extrativistas, organizao que representa grupos como seringueiros e extratores de leo e plantas medicinais.Mais dinheiro, menos direitosNem governo nem setor privado tm estimativas de quanto o mercado da biodiversidade pode movimentar com a aprovao das novas regras, mas ambos tm certeza de que h enorme potencial de crescimento.Dados da indstria farmacutica, por exemplo, mostram que os chamados fitomedicamentos (aqueles que usam recursos da biodiversidade) no so nem 2% do mercado varejista. O setor faturou R$ 58 bilhes com vendas no varejo em 2013, sendo que R$ 964 milhes vieram dos fitomedicamentos.O secretrio de Biodiversidade e Florestas do Ministrio do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti, disse que as mudanas beneficiaro as comunidades ao gerar mais pesquisas e, consequentemente, mais diviso de recursos. Dinheiro que pode ser revertido para preservao ambiental e de seus conhecimentos."Realmente h pouca gerao de recursos hoje para as comunidades por causa da burocracia, mas a legislao representa um retrocesso na proteo dos direitos das comunidades. Somos a favor de mudanas na atual legislao, mas no desse projeto", disse Maurcio Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA), ONG que tem atuado na defesa dos interesses desses grupos.A dificuldade embutida nas regras brasileiras para o setor produto da chamada biopirataria, cujo conceito se espalhou nos anos 90 em meio a notcias de patentes que estavam sendo registradas no exterior - Japo, Canad, Estados Unidos e Europa - a partir de plantas e organismos brasileiros.Entre os casos mais conhecidos esto produtos feitos a partir do cupuau, aa e do sapo-verde, cuja secreo usada por vrias tribos amaznicas para fins medicinais e ritualsticos.'Criminalizao da pesquisa'A ideia da legislao era proteger recursos da nossa biodiversidade e os conhecimentos de comunidades tradicionais. As regras estabeleceram um rito rigoroso para empresas, laboratrios e instituies cientficas solicitarem autorizao para essas pesquisas.Na viso do setor privado e do governo Dilma Rousseff, a lei muito burocrtica e atravanca o desenvolvimento cientfico do pas.Em junho de 2014, quando o projeto de lei foi enviado ao Congresso, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que a legislao em vigor "extremamente confusa" e que "h vrias instituies cientficas no Brasil criminalizadas, respondendo por crime ambiental".Na ocasio, ela afirmou tambm que "13 mil patentes esto paradas no momento devido a autuaes por terem tido acesso a recursos genticos".Desde 2005, quando entrou em vigor um decreto regulando as sanes no caso de desrespeito dessas regras, o Ibama j aplicou um total de R$ 231 milhes em multas, resultado de 581 autos de infraes contra instituies brasileiras e multinacionais.Entre elas esto grandes empresas (Avon, Natura, Ambev, Boticrio, Johnson & Johnson, L'Oral, Unilever, etc), laboratrios e farmacuticas (Pfizer, Abbott, Medley, Merck, etc); e at mesmo a Embrapa (estatal que faz pesquisas para o setor agropecurio) e universidades pblicas (USP, UERJ, UFMG, UFRGS, UFPB, etc), que costumam recorrer das multas.

Para Izabella Teixeira, a legislao anterior era 'extremamente confusa'Alguns casos vo parar na Justia, como a notria disputa entre a Natura e os ndios ashaninka que vivem s margens do rio Amnia, perto da fronteira com o Peru.Os ndios afirmam que a empresa no lhes pediu autorizao para uso do conhecimento sobre o murmuru, vegetal de gordura com capacidade hidratante; a Natura diz que as propriedades do murmuru j estavam documentadas em artigo cientfico.O Ministrio Pblico Federal, por sua vez, argumenta que esse artigo se baseou no conhecimento dos ashaninka. A empresa foi inocentada pela Justia Federal do Acre, mas o recurso da procuradoria ainda ser julgado pelo STJ.'Bola de cristal'Uma das principais queixas dos setor privado a regra que requer o chamado contrato de repartio de benefcios entre as empresas e as comunidades antes que seja dada a autorizao para acesso ao patrimnio gentico brasileiro ou de conhecimento tradicional.As empresas alegam que no possvel estabelecer compensaes sem antes fazer a pesquisa que indicar a viabilidade econmica e o potencial de lucro de um produto." preciso ter uma bola de cristal para fazer o acordo", critica Rodrigo Justos, assessor tcnico da rea de meio ambiente da Confederao Nacional da Agricultura (CNA).O projeto de lei prev que a solicitao de autorizao para pesquisa seja substituda, na maioria dos casos, por um simples registro eletrnico, com o contrato de repartio de benefcios sendo firmando at um ano depois que o produto for lanado no mercado. Os recursos vo diretamente para as comunidades ou para um fundo gerido pela Unio, dependendo do caso."Se o sistema informatizado for bem eficiente, ser praticamente automtico (o incio da pesquisa). Hoje em dia, chega a demorar dois, trs anos para se obter a autorizao", disse a diretora executiva adjunta do Grupo FarmaBrasil (GFB), Adriana Diafria.O GFB representa laboratrios farmacuticos nacionais e esteve frente das negociaes com o governo.

ndios ashaninka entraram em polmica com Natura por causa de pesquisaInstituies estrangeiras sem presena ou parceiros no Brasil sero submetidas a um processo mais burocrtico.Quando a pesquisa envolver prticas tradicionais haver duas possibilidades. Para os conhecimentos que j esto amplamente difundidos na sociedade brasileira, no ser necessria autorizao. J quando for possvel identificar em que grupo tal prtica surgiu, ser preciso obter o consentimento prvio da comunidade.O advogado do ISA Maurcio Guetta acredita que na prtica isso no acontecer. Ele observa que h conhecimentos que tm origem identificvel, mas que so compartilhados por mais de uma comunidade.Como o PL no prev expressamente a possibilidade de as comunidades negarem o acesso a sua tcnica, ele teme que acontea um "leilo" entre as comunidades, o que reduzir o poder de negociao desses grupos com as empresas.Na sua avaliao, as novas regras no respeitam a Conveno sobre Diversidade Biolgica - acordo firmado dentro da ONU durante a ECO-92."Essa conveno garante importantes direitos as esses povos e comunidades, como o consentimento prvio para o acesso a seu conhecimento e a repartio justa e equitativa dos benefcios", afirma."Com as novas regras, a repartio dos benefcios passa a ser injusta e insignificante."InteressesPara Guetta, a elaborao do Projeto de Lei dentro do governo e sua tramitao no Congresso evidenciam a desigualdade no jogo de foras poltico.O advogado do ISA reconhece ser legitimo que as empresas participem das discusses que afetam seus interesses, mas reclamou da "completa excluso dos povos tradicionais do debate".A BBC ouviu representantes dos diversos setores envolvidos - comunidades, agronegcio, cientistas e empresas farmacuticas - e todos afirmaram que o PL que saiu do governo para o Congresso foi baseado em proposta apresentada pelo setor privado.As discusses capitaneadas pela diretora do GFB Adriana Diafria levaram cerca de trs anos e contaram com o apoio de outros setores como cosmticos (Abihpec), produtos de limpeza (Abipla), indstria qumica (Abiquim), farmacos (Abifina e Alanac), CNI (Conferederao Nacional da Indstria) e Intistuto Ethos (que promove a responsabilidade empresarial e ligado Natura).

Crticos dizem que projeto de lei que 'destrava' mercadoda biodiversidade foi feito 'para o setor privado'"O Grupo FarmaBrasil tinha como uma certa meta prioritria trabalhar nesse tema. Quando a gente foi conversar no Ministrio do Meio Ambiente, o (secretrio-Executivo, Francisco) Gaetani, gostou da proposta e passou a chamar as outras entidades para conversar conosco. A gente fez uma coalizo", contou Diafria.O presidente da Sociedade Brasileira de Gentica, Fabricio Santos, disse que "a comunidade cientfica teve um papel muito pequeno" nas discusses.Ele elogiou mudanas que vo estimular a pesquisa aplicada (aquela que gera produtos), mas disse que as novas regras burocratizam a pesquisa bsica, que visam preservao ambiental."Hoje essa proposta reflete esse grande consenso que foi negociado com todos os setores e com o governo. Teve o conhecimento da academia, teve o conhecimento das comunidades, mas no teve uma participao (de cientistas e comunidades) na construo propriamente dita", observou Diafria.As comunidades tradicionais contaram com apoio de alguns parlamentares de partidos como PSOL, PT e PSB, mas no conseguiram influenciar os debates no Congresso a ponto de terem suas demandas atendidas. Todas as emendas apresentadas a seu favor foram rejeitadas pela maioria dos deputados na noite de tera-feira."So povos invisveis, claro, porque infelizmente no possuem qualquer representao poltica, seja no Poder Executivo, seja no Poder Legislativo. No existe deputado ndio", observou Guetta, do ISA.O setor agrcola rebateu as reclamaes. "As comunidades so ouvidas desde o ano 2000. Na verdade eles que so os contemplados, porque todos os outros (envolvidos na questo) so pagadores (de beneficios)", afirmou Justus, da CNA.O secretrio de Biodiversidade e Florestas fez uma mea culpa sobre o pouco espao dados as comunidades no debate. Roberto Cavalcanti disse que o governo ser mais ativo ao incluir esses grupos na discusso das regras que vo regulamentar a nova lei. "Estamos correndo atrs", afirmou.Aps a aprovao do PL na Cmara, a Natura enviou nota BBC dizendo que as novas regras "encerraro as dvidas que impedem o avano da economia e da pesquisa cientfica baseadas na sociobiodiversidade brasileira".A empresa destacou que mais de R$ 11 milhes de reais foram repartidos em benefcios pela empresa em 2013, conforme divulgado em relatrio anual. O Ministrio do Meio Ambiente no soube informar quantas compensaes j foram distribudas no total.