Farmacologia Dos Anestesicos Locais

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 Farmacologia dos Anestésicos Locais 10 Joshua M. Schulman e Gary R. Strichartz Introdução Caso Fisiologia da Nocicepção  T ransmissão da Sensação da Dor Primeira Dor e Segunda Dor Percepção da Dor Analgesia e Anestesia Classes e Agentes Farmacológicos Química dos Anestésicos Locais Grupo Aromático Grupo Amina Mecanismo de Ação dos Anestésicos Locais Considerações Anatômicas Canal de Sódio Regulado por Voltagem Outros Receptores para Anestésicos Locais Farmacocinéti ca dos Anestésicos Locais Absorção Sistêmica Distribuição Metabolismo e Excreção Administração de Anestésicos Locais Anestesia Tópica Anestesia Infiltrativa Bloqueio de Nervos Periféricos Bloqueio Nervoso Central Anestesia Regional Intravenosa Principais Toxicidades Agentes Individuais Anestésicos Locais com Ligação Éster Anestésicos Locais com Ligação Amida Conclusão e Perspectivas Futuras Leituras Sugeridas INTRODUÇÃO A palavra anestesia provém diretamente do grego: an, que sig- nifica sem, e aisthesis, que significa sensação. Os anestésicos locais (AL) compreendem uma série de substâncias químicas localmente aplicadas, com estruturas moleculares semelhantes, capazes de inibir a percepção das sensações (sobretudo a dor) e também de prevenir o movimento. Os anestésicos locais são utilizados em uma variedade de situações, desde a sua aplicação tópica para queimaduras e pequenos cortes, até injeções durante tratamento dentário e bloqueio epidural e intratecal (espinal) durante procedimentos obstétricos e cirurgia de grande porte. A cocaína, o primeiro ane stésico loc al, provém das fol has do arbusto coca (  Erythroxylon coca). A cocaína foi isolada pela primeira vez em 1860 por Albert Niemann, que obser- vou seus poderes de produzir entorpecimento. Em 1886, Carl Koller introduziu a cocaína na prática clínica como anestésico oftalmológico tópico. Entretanto, suas propriedades aditivas e toxicidade levaram à pesquisa de substitutos. A  procaína, o primeiro desses substitutos, foi sintetizada em 1905. Conhecida como Novocain ® , ainda continua sendo utilizada hoje em dia, embora com menos freqüência do que alguns AL mais recen- temente desenvolvidos. Os anestésicos locais exercem seu efeito através do bloqueio dos canais de sódio regulados por voltagem, inibindo, assim, a propagação dos potenciais de ação ao longo dos neurônios (ver Cap. 6). Através da inibição da propagação do potencial de ação, os AL impedem a transmissão da informação para o sistema nervoso central (SNC) e a partir dele. Os AL não são seletivos para as fibras de dor; bloqueiam também outras fibras sensoriais, motoras e autônomas, bem como potenciais de ação no músculo esquelético e no músculo cardíaco. Esse bloqueio não-seletivo pode servir para outras funções úteis (ver Cap. 18) ou pode constituir uma fonte de toxicidade. Caso EM, de 24 anos de idade, é um estudante de pós-graduação em química orgânica. Uma tarde, enquanto está trabalhando no labo- ratório, ele derrama um béquer de ácido fluorídrico (HF) na capela. Apesar do reflexo de retirar imediatamente a mão, algum líquido atinge as pontas dos dedos de sua mão esquerda. Alguns minutos depois, EM começa a sentir dor em ardência, que aumenta de intensidade e que é seguida de dor em queimação e latejante. Conhecendo a natureza corrosiva do ácido, EM começa a lavar as mãos com água e com uma solução de sulfato de magnésio (o magnésio atua como quelante para os íons fluoreto tóxicos). Liga também para o 911 e é levado ao pronto-socorro. A médica residente verifica que o ácido penetrou nos leitos ungueais dos dedos afetados e que EM está sentindo uma intensa dor. Ela o elogia pela sua conduta apropriada e no momento oportu- no e decide tratá-lo com gliconato de cálcio (outro agente quelante do fluoreto) para neutralizar o HF remanescente, juntamente com um bloqueio nervoso digital para reduzir a dor. Injeta lidocaína sem

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10Farmacologia dos Anestsicos LocaisJoshua M. Schulman e Gary R. StrichartzIntroduo Caso Fisiologia da Nocicepo Transmisso da Sensao da Dor Primeira Dor e Segunda Dor Percepo da Dor Analgesia e Anestesia Classes e Agentes Farmacolgicos Qumica dos Anestsicos Locais Grupo Aromtico Grupo Amina Mecanismo de Ao dos Anestsicos Locais Consideraes Anatmicas Canal de Sdio Regulado por Voltagem Outros Receptores para Anestsicos Locais Farmacocintica dos Anestsicos Locais Absoro Sistmica Distribuio Metabolismo e Excreo Administrao de Anestsicos Locais Anestesia Tpica Anestesia Infiltrativa Bloqueio de Nervos Perifricos Bloqueio Nervoso Central Anestesia Regional Intravenosa Principais Toxicidades Agentes Individuais Anestsicos Locais com Ligao ster Anestsicos Locais com Ligao Amida Concluso e Perspectivas Futuras Leituras Sugeridas

INTRODUOA palavra anestesia provm diretamente do grego: an, que significa sem, e aisthesis, que significa sensao. Os anestsicos locais (AL) compreendem uma srie de substncias qumicas localmente aplicadas, com estruturas moleculares semelhantes, capazes de inibir a percepo das sensaes (sobretudo a dor) e tambm de prevenir o movimento. Os anestsicos locais so utilizados em uma variedade de situaes, desde a sua aplicao tpica para queimaduras e pequenos cortes, at injees durante tratamento dentrio e bloqueio epidural e intratecal (espinal) durante procedimentos obsttricos e cirurgia de grande porte. A cocana, o primeiro anestsico local, provm das folhas do arbusto coca (Erythroxylon coca). A cocana foi isolada pela primeira vez em 1860 por Albert Niemann, que observou seus poderes de produzir entorpecimento. Em 1886, Carl Koller introduziu a cocana na prtica clnica como anestsico oftalmolgico tpico. Entretanto, suas propriedades aditivas e toxicidade levaram pesquisa de substitutos. A procana, o primeiro desses substitutos, foi sintetizada em 1905. Conhecida como Novocain, ainda continua sendo utilizada hoje em dia, embora com menos freqncia do que alguns AL mais recentemente desenvolvidos. Os anestsicos locais exercem seu efeito atravs do bloqueio dos canais de sdio regulados por voltagem, inibindo, assim, a propagao dos potenciais de ao ao longo dos neurnios (ver Cap. 6). Atravs da inibio da propagao do potencial

de ao, os AL impedem a transmisso da informao para o sistema nervoso central (SNC) e a partir dele. Os AL no so seletivos para as fibras de dor; bloqueiam tambm outras fibras sensoriais, motoras e autnomas, bem como potenciais de ao no msculo esqueltico e no msculo cardaco. Esse bloqueio no-seletivo pode servir para outras funes teis (ver Cap. 18) ou pode constituir uma fonte de toxicidade.

Caso

EM, de 24 anos de idade, um estudante de ps-graduao em qumica orgnica. Uma tarde, enquanto est trabalhando no laboratrio, ele derrama um bquer de cido fluordrico (HF) na capela. Apesar do reflexo de retirar imediatamente a mo, algum lquido atinge as pontas dos dedos de sua mo esquerda. Alguns minutos depois, EM comea a sentir dor em ardncia, que aumenta de intensidade e que seguida de dor em queimao e latejante. Conhecendo a natureza corrosiva do cido, EM comea a lavar as mos com gua e com uma soluo de sulfato de magnsio (o magnsio atua como quelante para os ons fluoreto txicos). Liga tambm para o 911 e levado ao pronto-socorro. A mdica residente verifica que o cido penetrou nos leitos ungueais dos dedos afetados e que EM est sentindo uma intensa dor. Ela o elogia pela sua conduta apropriada e no momento oportuno e decide trat-lo com gliconato de clcio (outro agente quelante do fluoreto) para neutralizar o HF remanescente, juntamente com um bloqueio nervoso digital para reduzir a dor. Injeta lidocana sem

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epinefrina, nos dedos, seguida de gliconato de clcio. A princpio, EM percebe um alvio da ardncia, embora a dor leve mais tempo para diminuir. Uma vez efetuados os curativos das feridas, EM j no sente nenhuma sensao nos dedos. No decorrer das prximas 2 semanas, as feridas cicatrizam espontaneamente, e a dor, que agora est bem controlada com ibuprofeno, desaparece. EM consegue voltar a dedicar-se a seu trabalho no laboratrio, porm esse contratempo com grave leso o afeta de uma maneira imprevista: comea a planejar fazer medicina.

QUESTES 1. Qual o mecanismo de ao da lidocana? A que classe de frmacos pertence a lidocana? 2. Por que EM apresentou inicialmente uma dor em ardncia antes da dor de localizao imprecisa, e por que a dor em ardncia cede mais rapidamente do que a dor indistinta aps a administrao de lidocana? 3. Por que a epinefrina algumas vezes administrada com lidocana, e por que ela no o foi neste caso?

FISIOLOGIA DA NOCICEPOA nocicepo refere-se ativao de fibras nervosas sensoriais primrias (nociceptores) por estmulos nocivos, isto , estmulos que potencialmente provocam leso tecidual. Esses estmulos incluem temperaturas elevadas, perturbaes mecnicas intensas e substncias qumicas adstringentes. Os nociceptores possuem terminaes nervosas livres localizadas na pele, nos tecidos profundos e nas vsceras. Os corpos celulares dos nociceptores

localizam-se nos gnglios da raiz dorsal, prximo medula espinal, ou no gnglio trigeminal para inervao da face (Fig. 10.1). Os nociceptores transmitem impulsos da periferia para o corno dorsal da medula espinal, onde a informao subseqentemente processada atravs de circuito sinptico e transmitida a diversas partes do crebro. Por conseguinte, os nociceptores so os primeiros na cadeia de neurnios responsveis pela percepo da dor. Como os nociceptores transmitem a informao ao crebro, so denominados neurnios aferentes. A leso tecidual constitui o principal estmulo para a ativao dos nociceptores. Os nociceptores no transmitem, por exemplo, informaes acerca de uma brisa sobre a pele ou toque firme (os nervos que desempenham essa funo so denominados mecanorreceptores tteis ou de baixo limiar). Na verdade, os nociceptores so ativados quando, por exemplo, colocamos a mo sobre um fogo quente ou fechamos uma porta sobre os dedos (ou derramamos cido sobre eles). Os nociceptores possuem, em suas membranas celulares, receptores para substncias, como a bradicinina, que so liberadas quando clulas adjacentes sofrem leso. Esses receptores de transduo convertem os estmulos nocivos em correntes geradoras, que despolarizam o neurnio, podendo resultar em potenciais de ao (Fig. 10.1). Para os estmulos sensoriais cuja intensidade est acima do limiar do nociceptor (por exemplo, acima de determinada temperatura), a freqncia de gerao de potenciais de ao aumenta medida que cresce a intensidade do estmulo. Se os impulsos nos aferentes nociceptivos forem freqentes o suficiente, so percebidos como dolorosos. Em uma resposta de circuito local (ou segmental), os axnios dos aferentes nociceptivos tambm se conectam indiretamente, atravs de interneurnios, com neurnios eferentes (motores) na medulaGnglio da raiz dorsal Para o crebro

1a Trmico Mecnico Qumico 2 Ativao dos nociceptores Terminaes nervosas livresMedula espinal

1b Leso das clulas adjacentes Bradicinina Serotonina Prostaglandinas

Axnio Serotonina 3 CGRP e substncia P liberados pelos nociceptores ativados

4b Desgranulao do mastcito 4a Dilatao do vaso sangneo

Fig. 10.1 Ativao dos nociceptores. Os nociceptores transmitem a informao de dor atravs de uma variedade de mecanismos. Alguns receptores transduzem estmulos nocivos (trmicos, mecnicos ou qumicos) em potenciais eltricos. Outros receptores so estimulados por substncias que so liberadas quando clulas adjacentes sofrem leso (bradicinina, serotonina, prostaglandinas). A liberao de K + das clulas adjacentes lesadas despolariza diretamente as membranas dos nociceptores. Todos esses estmulos causam sensibilizao dos nociceptores, diminuindo o limiar para ativao. 1a. Um estmulo nocivo leva ativao dos nociceptores e gerao de potenciais de ao (2). 1b. A leso simultnea das clulas adjacentes causa sensibilizao dos nociceptores. 3. Os nociceptores ativados liberam substncias, incluindo a substncia P e o peptdio relacionado com o gene da calcitonina (CGRP), que contribuem para uma maior sensibilizao e que iniciam respostas inflamatrias para promover a cicatrizao. Por exemplo: 4a. A dilatao de um vaso sangneo promove o recrutamento de leuccitos para a rea; e 4b. A desgranulao dos mastcitos libera histamina e serotonina, aumentando, assim, a sensibilizao.

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espinal que, a seguir, seguem o seu percurso at a periferia, produzindo movimento muscular. O movimento de afastar imediatamente a mo aps tocar um fogo quente, que representa uma resposta mais complexa do que a resposta de circuito local descrito anteriormente, iniciado, entretanto, dessa maneira por nociceptores e mediado por circuitos espinais.

TRANSMISSO DA SENSAO DA DOREm sua forma mais simples, os neurnios so compostos de dendritos, de um corpo celular e um axnio. Os axnios transmitem a informao ao longo do neurnio a partir do corpo celular ou de terminaes nervosas livres para os dendritos, que fazem sinapse em outros neurnios. Dependendo do dimetro dos axnios e de seu estado de mielinizao, os axnios so classificados em fibras A, fibras B ou fibras C. As fibras A e as fibras B so mielinizadas, enquanto as fibras C so no-mielinizadas (Quadro 10.1). A mielina constituda das membranas celulares de clulas de sustentao no sistema nervoso, incluindo clulas de Schwann no sistema nervoso perifrico e oligodendrcitos no SNC. Essas membranas de clulas de suporte envolvem muitas vezes os axnios neuronais, formando uma bainha de isolamento eltrico, que aumenta acentuadamente a velocidade de transmisso dos impulsos. As fibras mais importantes para percepo da dor so os axnios dos nociceptores aferentes, incluindo as fibras A e as fibras C anatomicamente classificadas. Os nociceptores aferentes incluem nociceptores trmicos, que so ativados em temperaturas acima de 45oC (fibras C) ou abaixo de 5oC (fibras A), nociceptores mecnicos de alto limiar, que transmitem exclusivamente informaes indicando uma fora lesiva sobre a pele (fibras A e algumas fibras A) e nociceptores polimodais, que so ativados por estmulos trmicos, qumicos e mecnicos (fibras C).

transmitem impulsos numa velocidade de aproximadamente 1 m/s. A transmisso de impulsos mais lenta nas fibras C, primariamente pelo fato de essas fibras no serem mielinizadas. As fibras A transmitem a denominada primeira dor. A primeira dor transmitida rapidamente, de natureza aguda (semelhante a uma alfinetada) e altamente localizada no corpo. A densidade das fibras A apresenta-se alta nas pontas dos dedos das mos, na face e nos lbios, porm relativamente baixa nas costas. As fibras A necessitam de um estmulo mais fraco do que as fibras C para a sua excitao. Os nociceptores das fibras C so predominantemente polimodais, o que significa que eles podem ser ativados por estmulos trmicos, qumicos e mecnicos nocivos. Os impulsos nas fibras C so responsveis pela denominada segunda dor. A segunda dor de aparecimento mais lento, porm de maior durao; indistinta, latejante ou em queimao, pode ser localizada apenas difusamente e perdura aps a cessao do estmulo. No caso apresentado anteriormente, EM sentiu inicialmente uma primeira dor em ardncia transmitida pelas fibras A mielinizadas e, mais tarde, uma segunda dor em queimao e latejante transmitida pelas fibras C no-mielinizadas.

PERCEPO DA DOROs impulsos gerados na pele pela ativao dos nociceptores so transportados pelas fibras A e C at o corno dorsal da medula espinal. No corno dorsal, os nociceptores formam sinapses com interneurnios e neurnios de segunda ordem. Os neurnios de segunda ordem seguem o seu trajeto nas reas laterais da medula espinal e projetam-se principalmente para o tlamo, uma estrutura de substncia cinzenta logo acima do tronco enceflico. O tlamo possui clulas que se projetam para o crtex somatossensorial do lobo parietal e para outras reas do crtex (Fig. 10.3). A percepo da dor um processo complexo, que normalmente resulta da ativao de aferentes no-nociceptivos, bem como nociceptivos, e que pode ser alterada, dependendo da situao, do estado mental da pessoa e de outros fatores. O SNC utiliza projees eferentes no crebro e na medula espinal para modular os sinais nociceptivos de entrada e modificar, assim, a percepo da dor. Por exemplo, um atleta concentrado em uma partida importante pode no sentir intensamente a dor de uma leso at o final da partida. O seu crebro modula o efeito do

Primeira Dor e Segunda DorAs fibras A mielinizadas transmitem impulsos em velocidade muito maior do que as fibras C no-mielinizadas (Fig. 10.2). A fibra A transmite impulsos ao longo de seu axnio numa velocidade de 5-25 metros por segundo (m/s), enquanto as fibras C

QUADRO 10.1 Tipos de Fibras Nervosas PerifricasTIPO DE FIBRA MIELINIZADA DIMETRO (m) VELOCIDADE DE CONDUO (m/s) FUNO SENSIBILIDADE LIDOCANA

A, A A A B C (simptica) C (raiz dorsal)

Sim Sim Sim Sim No No

6-22 3-6 1-4 0,5% peso/volume), embora as solues diludas empregadas em obstetrcia raramente sejam txicas. Frmacos mais novos e quimicamente semelhantes, como a ropivacana e a levobupivacana, podem ser mais seguros.

A odontologia moderna depende da ao de anestsicos locais: sem um controle adequado da dor, seria impossvel submeter os pacientes, de maneira confortvel, maioria dos procedimentos dentrios. Por conseguinte, no surpreendente que os anestsicos locais sejam os frmacos mais comumente utilizados em odontologia. Com freqncia, um anestsico injetvel e um anestsico tpico so utilizados nos procedimentos dentrios; o agente injetado bloqueia a sensao da dor durante o procedimento (e, algumas vezes, aps o seu trmino), enquanto o agente tpico permite a penetrao indolor da agulha quando se administra o agente injetado. Os anestsicos tpicos so aplicados mucosa e penetram at uma profundidade de 2 a 3 milmetros. Como os anestsicos tpicos precisam difundir-se atravs dessa distncia, so utilizadas concentraes relativamente altas, e preciso ter cuidado para evitar a sua toxicidade local e sistmica. A benzocana e a lidocana dois anestsicos tpicos de uso comum so insolveis em gua e pouco absorvidos na circulao, diminuindo a probabilidade de toxicidade sistmica. Os anestsicos injetados so administrados na forma de anestesia infiltrativa local ou bloqueio de campo ou nervoso. Na infiltrao local, a soluo anestsica depositada no local onde ser efetuado o procedimento dentrio. A soluo banha as terminaes nervosas livres nesse local, bloqueando a percepo da dor. Nos bloqueios de campo e nervoso, a soluo anestsica depositada mais proximalmente ao longo do nervo, distante do local de inciso. Essas tcnicas so utilizadas quando h necessidade de anestesiar regies maiores da boca. So utilizados numerosos anestsicos injetados na prtica odontolgica, e a escolha do agente para determinado procedimento reflete diversos fatores, como velocidade de incio, durao de ao e propriedades vasodilatadoras do agente. A lidocana o anestsico injetado mais amplamente utilizado; notvel pela sua rpida velocidade de incio, longa durao de ao e incidncia extremamente baixa de reao alrgica. A mepivacana menos vasodilatadora do que a maioria dos outros anestsicos locais, permitindo a sua administrao sem vasoconstritor. Devido a essa propriedade, a mepivacana idealmente apropriada para odontologia peditrica, visto que eliminada da rea de administrao mais rapidamente do que muitos agentes administrados com vasoconstritores. Em conseqncia, a mepivacana proporciona um perodo relativamente curto de anestesia dos tecidos moles, minimizando o risco de traumatismo inadvertido causado pelo prprio paciente ao morder ou mastigar sobre o tecido anestesiado. A bupivacana um anestsico mais potente e de ao mais longa do que a lidocana e a mepivacana. utilizada para procedimentos dentrios prolongados e para o manejo da dor ps-operatria.

Anestesia Regional IntravenosaEsse tipo de anestesia local tambm denominado bloqueio de Bier. Um torniquete e uma faixa elstica colocada distalmente so aplicados a um membro elevado, resultando em exsanginao parcial do membro. A seguir, o torniquete insuflado e a faixa, removida. Injeta-se ento o AL numa veia da extremidade, para produzir anestesia local, e o torniquete impede a sua toxicidade sistmica ao limitar o fluxo sangneo pela extremidade. A anestesia regional intravenosa algumas vezes utilizada para cirurgia de brao e de mo.

PRINCIPAIS TOXICIDADESOs anestsicos locais podem ter muitos efeitos txicos potenciais, incluindo efeitos sobre os tecidos locais, a vasculatura perifrica, o corao e o SNC. tambm possvel a ocorrncia de reaes de hipersensibilidade. A administrao de um frmaco a uma rea definida limita habitualmente os efeitos colaterais sistmicos, porm importante considerar essas toxicidades potenciais sempre que se administra um anestsico local. Os anestsicos locais podem causar irritao local. O msculo esqueltico parece ser muito sensvel irritao em decorrncia da administrao de anestsicos locais. Os nveis plasmticos de creatinocinase apresentam-se elevados aps a injeo intramuscular de AL, indicando leso das clulas musculares. Esse efeito habitualmente reversvel, e a regenerao muscular completa dentro de poucas semanas aps a injeo. Os anestsicos locais possuem efeitos complexos sobre a vasculatura perifrica. Por exemplo, a lidocana provoca inicialmente vasoconstrio; todavia, mais tarde, produz vasodilatao. Essas aes bifsicas podem ser atribuveis a efeitos separados sobre o msculo liso vascular e sobre os nervos simpticos que inervam as arterolas de resistncia. O msculo liso brnquico tambm afetado de modo bifsico. No incio, os anestsicos locais causam broncoconstrio; todavia, posteriormente, produzem relaxamento brnquico. O evento inicial pode refletir a liberao induzida pelo AL de ons clcio das reservas intracelulares no citoplasma, enquanto o efeito mais tardio pode ser causado pela inibio dos canais de sdio e de clcio da membrana plasmtica pelo AL (ver adiante). O efeito cardaco dos AL consiste primariamente em reduzir a velocidade de conduo do potencial de ao cardaco. Os anestsicos locais podem atuar como agentes antiarrtmicos, em virtude de sua capacidade de prevenir a taquicardia ventricular e a fibrilao ventricular (trata-se de um exemplo de bloqueio

ao desejada. A epinefrina ajuda a prolongar a durao de ao do bloqueio de nervos perifricos (mas tambm pode causar hipoxia tecidual, conforme descrito anteriormente). Os bloqueios do plexo braquial so particularmente teis nos membros superiores, visto que todo o brao pode ser anestesiado. Outros bloqueios perifricos teis incluem bloqueios intercostais para a parede abdominal anterior, bloqueios do plexo cervical para cirurgia do pescoo e bloqueios dos nervos citico e femoral para partes distais dos membros inferiores. No caso descrito na introduo, foi administrado um bloqueio nervoso digital, que um tipo de bloqueio perifrico.

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dependente do uso; ver anteriormente). Por exemplo, a lidocana atua tanto como anestsico local quanto como antiarrtmico de classe I (ver Cap. 18). Os anestsicos locais tambm produzem uma reduo da contratilidade cardaca dependente da dose (efeito inotrpico negativo). O mecanismo desse efeito no est totalmente elucidado, mas pode ser produzido pela liberao lenta de clcio do retculo sarcoplasmtico mediada pelo AL, com conseqente reduo das reservas de clcio disponveis para impulsionar as contraes subseqentes. Os AL tambm podem inibir diretamente os canais de clcio na membrana plasmtica. A combinao de reduo das reservas intracelulares de clcio e diminuio da entrada de clcio leva a uma reduo da contratilidade miocrdica. Os anestsicos locais podem ter efeitos graves sobre o SNC. Os AL so molculas anfipticas pequenas, capazes de atravessar rapidamente a barreira hematoenceflica. Inicialmente, os AL produzem sinais de excitao do SNC, incluindo tremores, zumbido, calafrios, espasmos musculares e, algumas vezes, convulses generalizadas. A excitao do SNC seguida de depresso. Foi formulada a hiptese de que, inicialmente, os anestsicos locais bloqueiam seletivamente vias inibitrias no crtex cerebral, resultando na fase excitatria da toxicidade do SNC. medida que as concentraes de AL aumentam no SNC, todas as vias neuronais excitatrias, bem como inibitrias so bloqueadas, resultando em depresso do SNC. Por fim, pode ocorrer morte por insuficincia respiratria. A hipersensibilidade aos anestsicos locais rara. Esse efeito adverso manifesta-se, habitualmente, na forma de dermatite alrgica ou asma. Ocorre hipersensibilidade induzida por AL quase exclusivamente com os AL de ligao ster. Por exemplo, um metablito da procana, o cido para-aminobenzico (PABA), um alrgeno conhecido (bem como o agente ativo em muitos protetores solares).

Um dos metablitos da procana o PABA, um composto necessrio para a sntese de purina e de cidos nuclicos de algumas bactrias. As sulfonamidas antibacterianas so anlogos estruturais do PABA que inibem competitivamente a sntese de um metablito essencial na biossntese de folato (ver Cap. 31). O excesso de PABA pode reduzir a eficincia das sulfonamidas e, conseqentemente, exacerbar as infeces bacterianas. Conforme assinalado anteriormente, o PABA tambm um alrgeno.

TetracanaA tetracana um AL com ligao ster, de ao longa e altamente potente. Sua longa durao de ao resulta de sua elevada hidrofobicidadepossui um grupo butila ligado a seu grupo aromtico, permitindo a permanncia do frmaco no tecido que circunda um nervo por um longo perodo. A hidrofobicidade da tetracana tambm promove uma interao prolongada com o seu stio de ligao no canal de sdio, determinando uma maior potncia do que a da lidocana e procana. A tetracana utilizada principalmente na anestesia espinal e tpica. Seu metabolismo efetivo lento, apesar do potencial de rpida hidrlise pelas esterases, visto que liberada apenas gradualmente dos tecidos para a corrente sangnea.

CocanaA cocana, o prottipo e o nico AL de ocorrncia natural, possui uma ligao ster. Tem potncia mdia (metade daquela da lidocana) e durao mdia de ao. A estrutura da cocana ligeiramente incomum para os anestsicos locais. Sua amina terciria faz parte de uma estrutura cclica complexa qual est fixado um grupo ster secundrio. Os principais usos teraputicos da cocana so na anestesia oftlmica e como parte do anestsico tpico TAC (tetracana, adrenalina, cocana; ver anteriormente). semelhana da prilocana (ver adiante), a cocana possui acentuada ao vasoconstritora, que resulta da inibio da captao de catecolaminas nas terminaes sinpticas do sistema nervoso perifrico e sistema nervoso central (ver Cap. 9). A inibio desse sistema de captao tambm constitui o mecanismo do potencial cardiotxico pronunciado da cocana e da excitao associada a seu uso. A cardiotoxicidade e a euforia limitam o valor da cocana como anestsico local.

AGENTES INDIVIDUAISUma vez discutidas as propriedades gerais dos anestsicos locais, esta seo trata sucintamente dos anestsicos individuais de uso clnico atual, dando nfase s diferenas na potncia e meia-vida desses agentes.

Anestsicos Locais com Ligao sterProcanaA procana (Novocain) um AL com ligao ster de ao curta. Em virtude de sua baixa hidrofobicidade, a procana rapidamente removida do local de administrao pela circulao, resultando em pouco seqestro do frmaco no tecido local que circunda o nervo. Na corrente sangnea, a procana rapidamente degradada por pseudocolinesterases plasmticas, e os metablitos so subseqentemente excretados na urina. A baixa hidrofobicidade da procana tambm resulta em sua rpida dissociao de seu stio de ligao no canal de sdio, explicando a baixa potncia desse agente. O uso primrio da procana restrito anestesia infiltrativa e procedimentos dentrios. Em certas ocasies, utilizada em bloqueios nervosos diagnsticos. A procana raramente utilizada para bloqueio de nervos perifricos devido sua baixa potncia, incio lento e curta durao de ao. Entretanto, o homlogo da procana de ao curta e rapidamente hidrolisado, a 2-cloroprocana (Nesacaine), popular como anestsico obsttrico, algumas vezes administrado como anestesia epidural logo antes do parto para controlar a dor.

Anestsicos Locais com Ligao AmidaLidocana e PrilocanaA lidocana, o AL mais comumente utilizado e que foi administrado no caso de EM, um frmaco com ligao amida de hidrofobicidade moderada. Sua ao possui incio rpido e durao mdia (cerca de 1-2 horas), com potncia moderada. A lidocana apresenta dois grupos metila no anel aromtico, que aumentam a sua hidrofobicidade em relao procana e que reduzem a sua velocidade de hidrlise. A lidocana possui um valor relativamente baixo de pKa, e uma grande frao do frmaco encontra-se presente na forma neutra em pH fisiolgico. Isso resulta em rpida difuso da lidocana atravs das membranas e em rpido bloqueio. A durao de ao da lidocana baseia-se em dois fatores: a sua hidrofobicidade moderada e a ligao amida. A ligao amida impede a degradao do frmaco pelas esterases, e a hidrofobicidade permite ao frmaco permanecer prximo rea de administrao (isto , no tecido local) por muito tempo. A hidrofobicidade tambm permite que a lidocana tenha uma ligao mais firme

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do que procana ao stio de ligao dos AL no canal de sdio, aumentando a sua potncia. Os efeitos vasoconstritores da epinefrina co-administrada podem estender significativamente a durao de ao da lidocana. A lidocana utilizada na anestesia infiltrativa, no bloqueio de nervos perifricos e na anestesia epidural, espinal e tpica. tambm administrada como antiarrtmico de classe I. O mecanismo de ao antiarrtmica consiste no bloqueio dos canais de sdio nos micitos cardacos. Em virtude de seu metabolismo lento na circulao, a lidocana um agente antiarrtmico til (ver Cap. 18). Os AL com ligao amida mais potente, como a bupivacana, ligam-se muito firmemente aos canais de sdio cardacos para atuarem como agentes antiarrtmicos teis; esses frmacos causam bloqueio de conduo ou taquiarritmias (ver adiante). A lidocana sofre metabolismo no fgado, onde inicialmente N-desalquilada por enzimas do citocromo P450 (ver Cap. 4). Subseqentemente, sofre hidrlise e hidroxilao. Os metablitos da lidocana possuem atividade anestsica apenas fraca. Os efeitos txicos da lidocana manifestam-se principalmente no SNC e no corao. Os efeitos adversos podem incluir sonolncia, zumbido, espasmo muscular e at mesmo convulses. Ocorrem depresso do SNC e cardiotoxicidade com nveis plasmticos elevados do frmaco. A prilocana assemelha-se lidocana, exceto que possui atividade vasoconstritora, bem como atividade anestsica local. Como a prilocana no exige a administrao concomitante de epinefrina para prolongar a sua durao de ao, esse frmaco constitui uma boa escolha para pacientes nos quais a epinefrina est contra-indicada.

prilocana, a articana singular entre os anestsicos locais, em virtude de seu grupo amina secundrio. (Praticamente todos os outros AL possuem um grupo amina tercirio.) A articana tambm estruturalmente singular, visto que contm um grupo ster ligado a um anel tiofeno; a presena do grupo ster significa que a articana pode ser parcialmente metabolizada no plasma pelas colinesterases, assim como no fgado. O seu rpido metabolismo no plasma pode minimizar a toxicidade potencial da articana. A articana atualmente utilizada em odontologia, mas poder ter aplicaes adicionais com a realizao de mais estudos sobre as suas propriedades clnicas.

EMLAA EMLA (Mistura Euttica de Anestsico Local) uma combinao de lidocana e prilocana administrada topicamente como creme ou emplastro. A EMLA clinicamente til, visto que possui uma maior concentrao de anestsico local por gota em contato com a pele do que as preparaes tpicas convencionais. Mostra-se efetiva em diversas situaes, incluindo funo venosa, canulao arterial, puno lombar e procedimentos dentrios, particularmente em crianas que tm pavor da dor das injees.

Concluso e Perspectivas FuturasOs anestsicos locais so vitais para a prtica da medicina e da cirurgia, visto que so capazes de produzir bloqueio regional da sensao da dor. Suas aes clnicas envolvem o bloqueio dos neurnios de dor, denominados nociceptores. Os nociceptores so neurnios aferentes cujos axnios so classificados em fibras A ou C. Os anestsicos locais bloqueiam todos os tipos de fibras nervosas que percorrem os nervos perifricos, incluindo as fibras dos nociceptores, bloqueando os canais de sdio regulados por voltagem nas membranas neuronais. Os AL atuam sobre os canais de sdio a partir do lado citoplasmtico da membrana. Em geral, os anestsicos locais possuem um grupo aromtico ligado a uma amina ionizvel atravs de uma ligao ster ou amida. Essa estrutura comum a quase todos os anestsicos locais e contribui para sua funo. Tanto a hidrofobicidade, que atribuvel, em grande parte, ao anel aromtico e seus substituintes, quanto a ionizabilidade (pKa) da amina determinam a potncia dos AL e a cintica da ao anestsica local. As molculas com valores de pKa de 8-10 (bases fracas) so as mais efetivas como anestsicos locais. A forma neutra pode atravessar as membranas, alcanando o stio de ligao dos AL no canal de sdio, enquanto a forma protonada est disponvel para ligar-se com alta afinidade ao stio-alvo. O canal de sdio ocorre em trs estados: aberto, inativado e em repouso. Existem tambm vrias formas fechadas transitrias entre os estados de repouso e aberto. Os anestsicos locais ligam-se fortemente s conformaes fechada, aberta e inativada do canal de sdio. Essa ligao firme inibe o retorno do canal ao estado de repouso, prolonga o perodo refratrio e inibe a transmisso de potenciais de ao. Os anestsicos locais parecem ter efeitos alm da inibio dos canais de sdio nas fibras nervosas. Alguns desses efeitos auxiliares representam uma promessa teraputica e podem levar potencialmente a outras indicaes dos AL. Por exemplo, foi relatado que os AL afetam a cicatrizao de feridas, a trombose, a leso cerebral induzida por hipoxia/isquemia e a hiperatividade brnquica. Os AL tambm esto sendo pesquisados para uso

BupivacanaA bupivacana um AL com ligao amida de longa durao de ao. altamente hidrofbica (e, portanto, altamente potente) em decorrncia de um grupo butila fixado ao nitrognio tercirio. A bupivacana diluda, administrada como anestesia epidural, tem mais efeito sobre a nocicepo do que sobre a atividade locomotora. Essa propriedade, somada longa durao de ao e alta potncia do frmaco, torna a bupivacana til no bloqueio espinal, epidural e de nervos perifricos, bem como na anestesia infiltrativa. A bupivacana metabolizada no fgado, onde sofre N-desalquilao por enzimas do citocromo P450. Tem sido amplamente utilizada em baixas concentraes para anestesia no trabalho de parto e no ps-operatrio, visto que proporciona 2-3 horas de alvio da dor sem o bloqueio motor imobilizante. Entretanto, devido sua cardiotoxicidade em concentraes mais altas, a bupivacana no mais utilizada com tanta freqncia para esses propsitos. (O frmaco bloqueia os canais de sdio do micito cardaco durante a sstole, porm muito lento para dissociar-se durante a distole. Em conseqncia, pode deflagrar arritmias atravs da promoo de vias de reentrada.) Como a bupivacana contm um centro quiral, ela ocorre numa mistura racmica de enantimeros R e enantimeros S especulares. Os enantimeros R e S possuem afinidades diferentes pelo canal de sdio e, conseqentemente, diferentes efeitos cardiovasculares. O enantimero S foi separado e comercializado como levobupivacana, mais segura e menos cardiotxica, assim como o seu correspondente estruturalmente homlogo, a ropivacana.

ArticanaA articana um AL com ligao amida que foi aprovado para uso clnico nos Estados Unidos em 2000. Juntamente com a

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Captulo Dez

no manejo da dor crnica e neuroptica, como aquela observada em pacientes com neuropatia diabtica, neuralgia psherptica, queimaduras, cncer e acidente vascular cerebral. O desenvolvimento de AL de ao ultralonga (cujos efeitos podem estender-se por vrios dias) continua sendo investigado; esses estudos envolvem a alterao da estrutura dos AL em nvel molecular, o uso de variedade de sistemas de liberao do frmaco e a descoberta de diferentes classes de bloqueadores do impulso neuronal. O efeito potencial dos AL sobre a resposta inflamatria representa uma rea muito interessante de pesquisa. Foi constatado que os AL inibem o recrutamento e a funo dos granulcitos polimorfonucleares (PMN). Como os PMN no expressam canais de sdio, o mecanismo de inibio provavelmente difere do mecanismo de anestesia induzida pelos AL. Estudos preliminares verificaram que os AL afetam vrias etapas da inflamao, incluindo a liberao de citocinas, a migrao de PMN no local de leso, e o seu acmulo neste local e a liberao de radicais livres. No momento atual, esto sendo investigadas aplicaes a doenas nas quais a resposta inflamatria hiperativa como a sndrome de angstia respiratria aguda (SARA), a doena

intestinal inflamatria e o infarto do miocrdio e leso de reperfuso.

Leituras SugeridasCousins MJ, Bridenbaugh PO. Neural blockade. 3rd ed. New York: Lippincott-Raven; 1998. (Texto detalhado mas de leitura agradvel. Uma boa referncia para os conceitos apresentados neste captulo.) McLure HA, Rubin AP. Review of local anaesthetic agents. Minerva Anestesiol 2005;71:5974. (Discusso clara de conceitos gerais e agentes especficos.) Strichartz GR, Berde CB. Local anesthetics. In: Miller RD, et al, eds. Millers anesthesia. Philadelphia: Elsevier Churchill Livingstone; 2005. (Resumo dos mecanismos e, principalmente, das aplicaes clnicas dos anestsicos locais.) Ulbricht W. Sodium channel inactivation: molecular determinants and modulation. Physiol Rev 2005;85:12711301. (Excelente reviso tcnica.) Yanagidate F, Strichartz G. Local anesthetics. In: Stein C, ed. Analgesia: handbook of experimental pharmacology, vol. 177. Berlin: Springer-Verlag; 2006. (Reviso detalhada e complexa para os leitores que desejam conhecimentos mais profundos sobre os anestsicos locais.)

Resumo FarmacolgicoEfeitos Adversos Graves e Comuns Contra-Indicaes Consideraes Teraputicas

Captulo 10 Farmacologia dos Anestsicos Locais

Frmaco

Aplicaes Clnicas

ANESTSICOS LOCAIS COM LIGAO STER Parada cardaca e hipotenso em conseqncia da absoro sistmica excessiva, depresso ou excitao do SNC, parada respiratria Dermatite de contato Iguais aos da procana Alm disso, ceratoconjuntivite induzida pelo frmaco Acelera a aterosclerose Hipersensibilidade a produtos contendo coronariana, taquicardia, cocana convulses Depresso ou excitao do SNC, ansiedade Infeco localizada no local necessrio de aplicao tpica Utilizar a anestesia epidural com extrema cautela em pacientes com doena neurolgica, deformidades espinais, septicemia ou hipertenso grave A hidrofobicidade da procana permite a rpida remoo do frmaco do seu local de administrao atravs da circulao, mas tambm responsvel pela sua baixa potncia e meia-vida curta O excesso de PABA (metablito da procana) pode reduzir a eficincia das sulfonamidas A alta hidrofobicidade confere maior durao de ao e maior potncia; a tetracana mais potente do que a lidocana e a procana No injetar grandes doses em pacientes com bloqueio cardaco Potncia mdia (metade daquela da lidocana), durao mdia de ao, acentuada ao vasoconstritora, cardiotxica A cardiotoxicidade e a euforia limitam o valor da cocana como anestsico local

Mecanismo Inibem os canais de sdio regulados por voltagem nas membranas excitveis

Procana 2-cloroprocana

Anestesia infiltrativa Anestesia obsttrica, administrao epidural antes do parto (2-cloroprocana)

Tetracana

Anestesia tpica Anestesia espinal

Cocana

Anestsico local das mucosas e oftlmico Diagnstico da pupila da sndrome de Horner

ANESTSICOS LOCAIS COM LIGAO AMIDA Parada cardaca e respiratria, arritmias, diminuio da contratilidade do miocrdio, metemoglobinemia, convulses Zumbido, tontura, parestesias, tremor, sonolncia, hipotenso, irritao cutnea, obstipao Iguais aos da lidocana Iguais s da lidocana Hipersensibilidade a anestsicos locais com ligao amida Metemoglobinemia congnita ou idioptica A lidocana possui rpido incio de ao, durao mdia de ao (cerca de 1-2 horas) e potncia moderada, devido sua hidrofobicidade moderada Pode ser necessria a administrao concomitante de epinefrina para prolongar a sua durao de ao

Mecanismo Inibem os canais de sdio regulados por voltagem nas membranas celulares excitveis

Lidocana

Anestesia infiltrativa Bloqueio de nervos perifricos Anestesia epidural, espinal e tpica Antiarrtmico de classe I

Prilocana

Anestesia infiltrativa dentria e bloqueio nervoso Iguais aos da lidocana Alm disso, cardiotoxicidade em concentraes mais altas

A prilocana no necessita de epinefrina para prolongar a sua durao de ao, tornando-a uma boa escolha para pacientes nos quais a epinefrina est contra-indicada Altamente hidrofbica, alta potncia e longa durao de ao A sua cardiotoxicidade em concentraes mais altas limita o seu uso O enantimero R e o enantimero S possuem diferentes afinidades pelo canal de sdio e, conseqentemente, diferentes efeitos cardiovasculares; o enantimero S a levobupivacana; seu homlogo estrutural a ropivacana

Bupivacana

Anestesia infiltrativa, regional, epidural e espinal Bloqueio nervoso simptico

Infeco no local necessrio de anestesia espinal Contra-indicada para uso na anestesia espinal na presena de septicemia, hemorragia grave, choque ou arritmias, como bloqueio cardaco completo Infeco no local de injeo (especialmente puno lombar) Choque Hipersensibilidade a anestsicos locais com ligao amida

Farmacologia dos Anestsicos Locais

Articana

Anestesia dentria Anestesia epidural, espinal e regional

Iguais aos da lidocana

A aplicao clnica atual da articana , em grande parte, na odontologia

EMLA (mistura euttica de lidocana e prilocana)

Anestsico local tpico para a pele intacta normal, mucosas e procedimentos dentrios

Iguais aos da lidocana

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Administrao tpica como creme, swab ou emplastro Clinicamente til, devido maior concentrao de anestsico local por gota em contato com o tecido do que as preparaes tpicas convencionais

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