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341 Universidade da Madeira Fernando Figueiredo Herberto Helder, 16ºW-32ºN – Recepção Crítica No final da década de Cinquenta do século XX, surgiu a primeira obra impressa de Herberto Helder, O Amor em Visita. Eram catorze páginas publicadas em Sintra, numa edição de autor de 1958 1 . Nos dez anos seguintes, o poeta dá largas à sua criatividade e os editores divulgam-na de forma abundante. Até 1968 são dados à estampa mais quinze títulos de Herberto, saídos em Santarém, em Lisboa e no Funchal. Depois da edição de autor de 1958, na fase inicial da sua carreira literária, o poeta contou com a iniciativa editorial de diversas instituições, de que são exemplo Contraponto 3 , Ática 4 , Guimarães Editores 5 , Portugália 6 , Ulisseia 7 , Estampa 8 , Dom Quixote 8 , Plátano 9 1 O Amor em Visita (Sintra: ed. aut. 14 p., 1958). 2 Poemacto [1ª ed.]. (s.l.: Contraponto. Impr. em Santarém: Tip. Jornal do Ribatejo, 1961), p. 30. 3 A Colher na Boca (Lisboa: Ática,1961), p. 130. 4 Lugar (Col. Poesia e Verdade. Lisboa: Guimarães Editores, 1962), p. 75; Poemacto. [2ª ed.]. (Col. Poesia e Verdade. Lisboa: Guimarães, 1963), p. 42; Electronicolírica (título post. A máquina Lírica), (Col. Poesia e verdade. Lisboa: Guimarães Editores, 1964), p. 50; Húmus: poema-montagem (Col. Poesia e Verdade. Lisboa: Guimarães Editores, 1967), p. 37. 5 Os Passos em Volta – contos (Col. Novos Contistas, 1. 1ª ed.. Lisboa: Psortugália, 1963), p. 160; Os Passos em Volta – contos (Col. Novos Contistas, 3. 2ª ed., Lisboa: Portugália Editora, 1964), p. 172; Ofício Cantante 1953-1963 (Col. Poetas Hoje, 26. Lisboa: Portugália Editora, 1967), p. 258. 6 Retrato em Movimento [1ª ed.] (Poesia e ensaio, 17. Lisboa: Ulisseia, 1967), p. 88; Apresentação do Rosto (Col. Sucessos Literários, 51. Lisboa: Ulisseia, 1967), p. 217. 7 Os Passos em Volta (3ª ed., Lisboa: Estampa, 1970), p. 165. 8 Vocação Animal (Cadernos de poesia, 19. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1971), p. 75.

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Universidade da Madeira

Fernando Figueiredo

Herberto Helder, 16ºW-32ºN – Recepção Crítica

No final da década de Cinquenta do século XX, surgiu a primeira obra impressa de Herberto Helder, O Amor em Visita. Eram catorze páginas publicadas em Sintra, numa edição de autor de 19581. Nos dez anos seguintes, o poeta dá largas à sua criatividade e os editores divulgam-na de forma abundante. Até 1968 são dados à estampa mais quinze títulos de Herberto, saídos em Santarém, em Lisboa e no Funchal. Depois da edição de autor de 1958, na fase inicial da sua carreira literária, o poeta contou com a iniciativa editorial de diversas instituições, de que são exemplo Contraponto3, Ática4, Guimarães Editores5, Portugália6, Ulisseia7, Estampa8, Dom Quixote8, Plátano9

1 O Amor em Visita (Sintra: ed. aut. 14 p., 1958).2 Poemacto [1ª ed.]. (s.l.: Contraponto. Impr. em Santarém: Tip. Jornal do Ribatejo,

1961), p. 30.3 A Colher na Boca (Lisboa: Ática,1961), p. 130.4 Lugar (Col. Poesia e Verdade. Lisboa: Guimarães Editores, 1962), p. 75; Poemacto.

[2ª ed.]. (Col. Poesia e Verdade. Lisboa: Guimarães, 1963), p. 42; Electronicolírica (título post. A máquina Lírica), (Col. Poesia e verdade. Lisboa: Guimarães Editores, 1964), p. 50; Húmus: poema-montagem (Col. Poesia e Verdade. Lisboa: Guimarães Editores, 1967), p. 37.

5 Os Passos em Volta – contos (Col. Novos Contistas, 1. 1ª ed.. Lisboa: Psortugália, 1963), p. 160; Os Passos em Volta – contos (Col. Novos Contistas, 3. 2ª ed., Lisboa: Portugália Editora, 1964), p. 172; Ofício Cantante 1953-1963 (Col. Poetas Hoje, 26. Lisboa: Portugália Editora, 1967), p. 258.

6 Retrato em Movimento [1ª ed.] (Poesia e ensaio, 17. Lisboa: Ulisseia, 1967), p. 88; Apresentação do Rosto (Col. Sucessos Literários, 51. Lisboa: Ulisseia, 1967), p. 217.

7 Os Passos em Volta (3ª ed., Lisboa: Estampa, 1970), p. 165.8 Vocação Animal (Cadernos de poesia, 19. Lisboa: Publicações Dom Quixote,

1971), p. 75.

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e a editora & etc10, em Lisboa, tendo ainda sido editado um pequeno texto seu, Ascensão dos Hipopótamos, pela Escola Salesiana de Artes e Ofícios, Funchal11. Desde a primeira edição de Photomaton & Vox, em 1979, salvo raras excepções12, Herberto Helder tem-se mantido fiel à Assírio & Alvim, onde passou a publicar os originais e as reedições das suas obras13 até à presente data.

Esta profusa divulgação das criações do poeta suscitou o nosso propósito de estudar o respectivo eco junto da comunidade cultural do arquipélago de onde o autor é originário, a Madeira.

Desde cedo, Herberto Helder recebeu manifestações de interesse por parte da crítica nacional. Tanto na sua dimensão lírica como na importante poética traçada ao longo da sua obra, o poeta tem sido alvo de numerosos estudos. Decorria ainda a década de Cinquenta do século XX e já António Ramos Rosa, um dos autores mais interessados no então jovem poeta, sobre ele escrevia em dois artigos. Referimo-nos a “Arquipélagos”, publicado em Lisboa, no mês de Abril de 1953, no número 13 de Ler, Jornal de Letras, Artes e Ciências (pp. 3-4)14 e a uma recensão crítica de 195815 sobre O Amor em Visita que, como vimos, o poeta publicara nesse mesmo ano. Se este segundo artigo de Ramos Rosa não causa estranheza cronológica, no primeiro o autor parece conhecer Herberto do exterior do circuito editorial. Efectivamente, o

9 Poesia Toda (Obras de Herberto Helder, 2. 1ª ed., Lisboa: Plátano, 2 vol., 1973).10 Cobra (Lisboa: & Etc., 1977), p. 79; O Corpo o Luxo a Obra (2ª ed., Col.

Subterrâneo três, Lisboa: & etc., 1978), p. 19.11 Ascensão dos Hipopótamos (Funchal: Escola Salesiana de Artes e Ofícios. 1 fl. il.,

1966).12 V. Flash (Lisboa: ed. de autor, 1980) e algumas das traduções feitas por Herberto

Helder, de que é exemplo a 1ª ed. de As Magias (Lisboa: Hiena, 1987).13 Os Passos em Volta (4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª ed., 1980, 85, 94, 97 e 2001), Poesia Toda,

1953-1980 (em 1981, 90 e 96), Photomaton & Vox (1979, 87 e 95), A Cabeça entre as Mãos (1982), Edoi Lelia Doura (1985), Última Ciência (1988), Fonte (1990 e 98) Do Mundo (1994), Ou o Poema Contínuo – súmula (2001) e, finalmente, Ou o Poema Contínuo (poemas reunidos) (2004).

14 V. Margarida Gil dos Reis (dir.), Textos Pretextos 1 (Inverno 2002): Herberto Helder: ensaios, inquérito, bibliografia, cronologia e entrevista (Lisboa: Centro de Estudos Comparatistas / Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2002).

15 V. Cadernos do Meio-Dia, nº 3 (Faro: s.n., Outubro de 1958), pp. 41-42.

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poeta madeirense já era conhecido e até solicitado literariamente, como o atestam algumas publicações em revistas sob pseudónimo e duas pequenas e curiosas produções poético-humorísticas no livro de curso dos “Quartanistas de Medicina” de Coimbra, em 195216.

Na década seguinte, anos sessenta do século passado, o interesse pela produção herbertiana alarga-se, manifestando-se numa bibliografia crítica já abundante. Voltamos a encontrar textos de António Ramos Rosa17, mas surgem também outros nomes conhecidos da crítica literária portuguesa, desde cedo atentos à obra do poeta madeirense radicado em Lisboa desde 1957. De entre eles, podemos destacar Eduardo Prado Coelho e Gastão Cruz18, Maria Aliete Galhoz19, Dórdio Guimarães20, Óscar Lopes21, João Palma-Ferreira22, Arnaldo Saraiva23, António Quadros e João Gaspar Simões24.

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16 Herberto Helder, “Aguarela” (dedicado a Armando Pereira Domingos Pedro), Camilo de Araújo Correia (org.) [Livro de curso dos] Quartanistas de Medicina (Coimbra. Impr. em Imprensa do Douro – Régua), p. 42; ibidem, “Hoje / Amanhã”, p. 44. Agradecimento especial merece o Professor Doutor João Adriano Ribeiro que, tendo em sua posse um exemplar do referido livro (encontrado casualmente na Madeira) e conhecendo o nosso interesse por Herberto Helder, facultou cópia das páginas citadas.

17 António Ramos Rosa, “Herberto Helder, poeta órfico”, in “Vida Literária e Artística”, Diário de Lisboa. (6 de Julho de 1961), ibidem, “Herberto Helder” (nota de introdução), in “António Ramos Rosa” (Sel., pref. e notas), Líricas Portuguesas (4ª série, Lisboa: Portugália, 1969), pp. 27-28.

18 Eduardo Prado Coelho e Gastão Cruz (Recensão Crítica a Os Passo Em Volta) Seara Nova, nº 1418 (Lisboa, Dezembro de 1963), p. 218; Eduardo Prado Coelho, “A poesia Portuguesa em 1968”, “Suplemento Literário”, Diário de Lisboa (Lisboa, 2 de Janeiro de 1969), pp. 1, 5 e 6.

19 Maria Aliete Galhoz, “Recensão Crítica a A Colher na Boca”, Colóquio, Revista de Artes e Letras, 18 (Lisboa, Maio de 1962), pp. 65-66.

20 Dórdio Guimarães, “Poemacto de Herberto Helder ou ‘o ilimite em poesia’”, Távola Redonda, 15 (Julho de 1962), p.11.

21 Óscar Lopes (Recensão Crítica a Ofício Cantante), Comércio do Porto (23 de Janeiro de 1968), p. 13.

22 João Palma-Ferreira, (Recensão crítica a Ofício Cantante e O Bebedor Nocturno), Diário Popular (Lisboa, 18 de Julho de 1969), pp. 45-59.

23 Arnaldo Saraiva, “Poemacto de Herberto Helder”, Rumo, 63 (Lisboa, Maio de 1962), pp. 403-408.

24 João Gaspar Simões, (Recensão Crítica a Os Passos em Volta), Diário de Notícias

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Aferido o evidente interesse suscitado por Herberto Helder, que a excelência do crivo dos autores referidos cauciona, procuramos, agora, perceber a dimensão, a orientação crítica e o objecto da recepção ensaística que, no Arquipélago da Madeira, tomou o poeta como núcleo de divulgação e análise. Constitui o nosso corpus de trabalho a produção jornalística regional, bem como as abordagens ensaísticas (integrais ou parcelares) de autores que de alguma forma decorram da comunidade cultural madeirense, ou contribuam para a sua (in)formação, publicadas sob diversas formas, editadas no arquipélago ou fora dele.

Não será este ensaio suficiente para determinar globalmente a relação de Herberto Helder com o arquipélago cultural de onde é originário. Nem as coordenadas geográficas (16ºW-32ºN) da ilha terão impedido o contributo das publicações vindas do continente, para a formação literária da região. Parece-nos, no entanto, pertinente verificar de que modo esta comunidade leitora recebeu cada proposta literária em circulação, pelo que pretendemos traçar algumas linhas de orientação que nos permitam, por um lado, conhecer o grau de interacção da obra poética e do pensamento crítico do poeta com a sua recepção, demandando, por outro lado, o desenho de mais uma pequena parcela do mapa cultural do Arquipélago.

Na Madeira, só em 1967 há nota de registo na recepção de Herberto Helder. Na Voz da Madeira, com direcção de Horácio Bento de Gouveia, surge um texto do poeta, intitulado “II dos sete poemas para a mãe”25. São vinte e oito versos construídos num discurso monologado, em que o sujeito poético se apresenta a si próprio como “um ponto escuro”. A partir daqui, desenvolve uma metáfora dialéctica entre bem e mal, vida e morte, pecado e redenção, onde apenas se insere um elemento aparentemente díspar, as mãos que “escrevem poemas” (verso 22). Esta

(Lisboa, 31 de Outubro de 1963); (Recensão Crítica a Electronicolírica), Diário de Notícias (Lisboa, 7 de Maio de 1964), pp.15-16; (Recensão a Ofício Cantante), Diário de Notícias (Lisboa, 22 de Fevereiro de 1968), pp.1-2; (Recensão crítica a Apresentação do Rosto), Diário de Notícias (Lisboa, 18 de Setembro de 1968).

25 Herberto Helder, “II dos sete poemas para a mãe”, Voz da Madeira (Funchal, 14 de Fevereiro de 1967), p. 2.

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funciona, porém, como a metáfora redentora, pois a escrita, desta forma tornada auto-referencial, ganha dinâmica dialógica, permitindo o início e o fim, a produção e a reflexão, portanto, proporcionando a síntese, vislumbrando a totalidade e purgando o paradoxo autoral. As referência ao poeta madeirense na Voz da Madeira ficariam, contudo, por esta publicação, não se verificando nenhum comentário ou reflexão crítica sobre este autor, ao contrário do que seria de esperar num jornal com algum dinamismo cultural, muito por influência do seu director.

No primeiro número de Janeiro desse mesmo ano, o Comércio do Funchal surgira com uma imagem renovada e um grafismo modernizado que incluía como alteração significativa, porventura, mais significativa, a alteração da cor do papel em que o jornal passou a ser impresso, e que eram agora cor-de-rosa. A nível editorial, já em Dezembro do ano anterior havia sido anunciada uma nova dinâmica que se manifestou, no mês seguinte em diversos aspectos, nomeadamente com o fim da inclusão de uma citação de Salazar, no cabeçalho da primeira página de cada número. Esta nova fase reforçou a tradição cultural que o jornal já cultivava, materializando-se em diversos rubricas especializadas de entre as quais se destacaram os suplementos “Ângulo” e “Pedra”.

Na edição de 6 de Agosto de 1967 do suplemento “Ângulo”, surge um texto de António Ramos Rosa que parece ter aberto o interesse pelo poeta madeirense26. Na verdade, no dia 1 de Outubro do mesmo ano, no número cinco da segunda série do outro suplemento do Comércio do Funchal, (a primeira série havia sido publicada pela Editorial Eco do Funchal), deparamos com uma bem frequentada abordagem crítica de alguns textos de Herberto Helder.

Esta página literária abre com uma caixa delimitando algumas notas biobibliográficas, acompanhadas por um retrato do autor, desenhado por Martha Brüll. É curiosa a distinção feita entre Os Passos em Volta, “livro de contos” e o restante da sua obra “toda (…) dedicada à poesia”. A questão genológica parece arrumada de forma insuspeita, mas, como veremos, alguns dos articulistas deste suplemento vão problematizar este mesmo assunto.

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26 António Ramos Rosa, “Retrato em Movimento de Herberto Helder”, in “Ângulo”, Comércio do Funchal (Funchal, 06-08-1967), p. 2.

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O jornalista, cronista, crítico literário e romancista da Maia, Mário Dias Ramos, publica ali um ensaio acerca das quatro primeiras obras de Herberto (O Amor em Visita, A Colher na Boca, Poemacto e Lugar) que, segundo o autor, constituem “o primeiro ciclo” da sua poesia27. A abordagem feita parte da matéria lírica dos textos, fundando-se na sua análise temática e estilística. Contudo, o autor apresenta-se consciente da “pessoalíssima raíz expressional” (p. 4) de Poemacto, para, depois, considerar o “novo clima poético onde a sensualidade e o amor se fundiam dentro da mais original das formas líricas” (p. 4) de Amor em Visita. Mais à frente, quando sente a necessidade de rela-cionar a poesia herbertiana com as correntes em voga, vê-se perante uma impossibilidade concreta de o fazer, pois “Herberto Helder não é um poeta de motivação, antes um criador livre da realidade” (p. 7). Na verdade, o que Ramos diz em 1967 é que dificilmente a produção herbertiana é aprisionável pelas características de um determinado movimento artístico descrito – “Não prejudica que se rotule a poesia de Helder. Mas prejudica que seja rotulada de surrealista” (p. 7). A obra do poeta madeirense é sentida como possuidora de uma dinâmica própria, capaz de instaurar algo novo, uma nova poética.

O registo que Mário Dias Ramos utiliza denota, pois, a consciência de que a produção herbertiana não se esgota nos modelos líricos canonizados. O ensaísta caminha já para a valorização de Herberto Helder como alguém que organiza o seu discurso de forma a configurar ideias que hão-de constituir-se enquanto poética autónoma, orientadora da sua produção literária.

António José Vieira de Freitas publica no mesmo suplemento literário um artigo intitulado “Retrato em Movimento, de Herberto Helder”28. Partindo de uma abordagem filosófica da obra do poeta, em torno da questão humanista e existencialista, o autor confronta a sua leitura com o que a este propósito disseram Malraux, Heidegger e

27 Mário Dias Ramos, “Mundividência e Antiguidade na poesia de Herberto Helder”, in “Pedra” – pág. literária, nº 5, 2ª série, Comércio do Funchal (Funchal, 01-10-1967), pp. 4 e 7.

28 António José Vieira de Freitas, “Retrato em Movimento de Herberto Helder”, ibidem, p. 4.

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Sartre, para concluir, com Herberto, que “o homem como tal não pode fixar-se num determinado estilo: tem que transformar-se com o tempo, sem perder, claro está, a personalidade”. Neste momento do seu ensaio, António José de Freitas está já a suscitar no leitor a noção de que esta poesia, o seu aparente nonsense, decorre de “uma consciência evolutiva de metafísica estética”. Definitivamente, Herberto Helder é recebido como um organizador do pensamento estético, para além de, ele próprio, nos mesmos textos, praticar também a arte literária, substância e forma do texto.

Mais adiante, o articulista vai à procura do que está aferido para James Joyce ou Rilke, no plano literário, recuando ainda ao “Conceptismo” do século XVII para, por contraste, provar que Herberto Helder é suficientemente conhecedor do universo literário e crítico, para “não ser vítima” de nenhum movimento específico. Termina com uma síntese elucidativa do desconforto teórico-crítico que a obra herbertiana terá suscitado e que hoje é aceite como característica fulcral dos textos deste escritor: “Não se pode exigir a um poeta o que pedimos a um filósofo. Mas a poesia é um caminho aberto para a revelação total do ser” (4).

Vicente Jorge Silva também participou neste número de “Pedra” inteiramente dedicado a Herberto Helder. Publicou um pequeno artigo intitulado “Uma geografia do amor”29 em que esboça uma tese com alguma reminiscência magnética, pois considera a poesia herbertiana como um “rio circular” (5) em que a nascente e a foz se confundem, “identificam-se, possuem-se na mesma essência” (5). A argumentação que ilustra este pressuposto de circularidade conduz o autor à noção de totalidade, de perfeição e de amor, construídas pela viagem circular “que é encontro entre as origens, a memória, a infância e a plenitude de um trajecto cumprido” (7). Isto é escrito em 1967, mas já está identificada a linha que a crítica actual indica como um dos fortes vectores desta poesia: a procura do sentido de totalidade.

A página cinco deste suplemento, para além das linhas iniciais do já mencionado artigo de Vicente Jorge Silva, é inteiramente ocupada

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29 Vicente Jorge Silva, “Uma geografia do amor”, ibidem, pp. 5 e 7.

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por “4 poemas a Herberto Helder”, de José de Sainz-Trueva, e por um inédito do próprio Herberto, em prosa: “Em forma de carta, acerca de”. O estilo epistolar permite ao autor interpelar um interlocutor que proporciona um registo explicativo acerca da funcionalidade do espaço no âmbito da demanda de totalidade. “Um grande lençol branco” agitado pelas mãos de duas mulheres é a metáfora que, anunciada no segundo parágrafo, encerra uma “desavinda multidão de metáforas”. Por metáforas procura o autor falar “em forma de carta, acerca de” si próprio. Porque a fractura do mundo impede a totalidade, “temos de recorrer às fábulas laterais”, apesar de a metáfora já não garantir “a segurança da linguagem (..) de pessoas e bens. Ainda assim, o poeta diz/usa a metáfora para expressar a sua absoluta necessidade de identificação, de totalidade, arquitectando o seu espaço como único caminho para a sabedoria. Porque a totalidade é, afinal, um conjunto de elementos “ligados (…) por partes mortas” e porque o autor confessa “levar às costas todos os (seus) cadáveres”, então, não pode “ficar numa ilha, assistindo (e participando talvez nela) à acumulação de imagens”, criando o seu espaço, estendendo um “lençol sobre uma espécie de vazio, noite, desabitação, de solidão” (p. 5). Metáfora do percurso do poeta no processo de criação artística, esta é também a metáfora que faltava para que a saída empírica da ilha (imagem de fragmentação) ganhasse coerência e pudesse desfragmentar a memória, arquitectando uma renovada unidade.

Não esqueçamos que este texto surge uma década depois de Herberto Helder ter saído da Madeira, num jornal madeirense que lhe dedica inteiramente um suplemento literário e, muito provavelmente, publicado por insistência de amigos. O certo é que este é um documento fundamental para a percepção do pensamento crítico do poeta e do homem, céptico, complexo e perfeitamente consciente da impossibilidade intrínseca de a linguagem promover a tão desejada comunhão/construção absoluta de uma ideia. Simultaneamente veículo e obstáculo da comunicação, a palavra é assumida como construtora de imagens (criação) lançadas ao mar numa garrafa que alguém há-de colher, reiniciando o processo interminável de compreensão da vida e do mundo (recepção).

Depois destas recheadas iniciativas de O Comércio do Funchal, nada de relevante se publica sobre Herberto Helder, no Funchal,

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durante quase vinte anos. Nem mesmo o surgimento de uma revista cultural dinamizada pela então Secretaria Regional de Turismo e Cultura. A Islenha nasceu no segundo semestre de 1987 e surge com a intenção de funcionar como “um traço de união entre Arquipélagos”30, referindo-se à Madeira, Açores e Canárias. Esta publicação veio, de facto, proporcionar um espaço novo e mais acessível de publicação nas diversas áreas do conhecimento produzidas nos referidos arquipélagos – um “espaço para diferentes matizes culturais das sociedades insulares atlânticas”31 –, com especial vantagem para os madeirenses, pois é aqui que se situa a respectiva sede. Contudo, seria necessário esperar quase uma década para podermos ler um artigo sobre Herberto Helder.

Consequência provável dessa falta de exposição ao público, decorrida quase metade da década de Noventa do século XX, o poeta ainda permanece arredio da pouca crítica que por cá se fazia. É disso exemplo um artigo de José Laurindo Goes, “Idade da Poesia”32, de 1994, que percorre a literatura produzida na Madeira, desde os primórdios até à década de publicação do ensaio. Neste exercício de síntese, remete para alguma bibliografia que sobre este assunto já fora publicada33 desde o século XIX. Porém, para as décadas de sessenta a noventa do século XX, o autor refere e/ou cita alguns poetas entre os quais Herberto Helder parece não encontrar lugar. Surgem nomes mais ou menos (des)conhecidos como Fernando Correia ou João Henrique Gonçalves, ao lado de poetas publicados como João David Pinto Correia, Irene Lucília, ou ainda Tolentino Mendonça, que, na altura, publicara apenas Os dias Contados (1989). É certo que qualquer ensaio que aborde as questões da história literária pressupõe sempre a inevitável dimensão subjectiva de uma escolha. Parece-nos, porém, evidente que, se se queria traçar, mesmo que em traços largos, a “idade da poesia” madeirense, a

30 João Carlos Abreu, “Introdução”, Nelson Veríssimo (dir.), Islenha, nº 1 (Funchal: DRAC/SRTC, Jul.-Dez. de 1987), p. 3.

31 Nelson Veríssimo, “Editorial”, ibidem, p. 5.32 José Laurindo Goes, “Idade da poesia”, ibidem, pp. 72-75.33 Cf. Visconde do Porto da Cruz, O Movimento intelectual do Arquipélago da

Madeira (1º período 1420-1820), Aveiro, 1958; antologia Flores da Madeira, 1870; revista Das Artes e da História da Madeira, 1953, entre outras obras mais recentes.

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obra de Herberto seria incontornável, sob pena de um forte hiato na credibilidade do ensaio.

Só em 1995 surge novo texto de algum fôlego que toma o poeta como tema central. Falamos de “Photomaton & Vox de Herberto Helder”, da autoria de Maria Isabel Figueira de Sousa34. A autora faz uma análise literária da obra do poeta saída em 1979. Percorre o(s) texto(s) de Photomanto & Vox como que à procura de uma explicação para a sensação de desconforto genológico sentido. Isabel Figueira Sousa explora a potencialidade semântica da imagem (“photomaton”) e da voz (“vox”), lendo na relação entre ambas a premente necessi-dade de identificação (ser) e constante tentativa de revelação (dizer) do sujeito poético. Conclui, numa análise que sistematiza uma linha orientadora de toda a obra herbertiana, que o “poeta é, pelo canto, o guardião do sagrado, simultaneamente indicando e protegendo o enigma, o silêncio” (p. 100). Contudo, um dos aspectos mais interes-santes deste ensaio é a manifestação de estranheza que percorre todo o texto. A autora traduz a expectativa do leitor que se aproxima pela primeira vez da obra em causa, quando manifesta surpresa perante a forma híbrida de Photomaton & Vox, “desconcertante a nível formal”. Mais adiante, tenta perceber a aparente fragmentação da obra e utiliza uma imagem do próprio Herberto, quando descreve os textos que compõem este livro como “unidades mínimas de uma unidade maior, como as contas de um colar”. De estranheza em estranheza, Isabel Figueira de Sousa acaba por estabelecer o padrão de comportamento do poeta nesta obra, “um constante avaliar do processo literário” (p. 94). Herberto Helder volta, pois, a surgir, na segunda metade da década de Noventa, como um filão importante para os críticos madeirenses, não só na sua dimensão literária, mas também enquanto sistematizador do processo de criação.

O ano seguinte, 1996, parece ter assistido a um verdadeiro interesse dos críticos e jornalistas madeirenses pelo autor de Photomaton & Vox. Em Maio, a Câmara Municipal do Funchal dedica integralmente o número 3 da sua revista cultural, Margem-2, a Herberto Helder. Al

34 Maria Isabel Figueira de Sousa, “Photomaton & Vox de Herberto Helder”, Islenha, nº 17 (Funchal: DRAC, Jul-Dez. de 1995), pp. 93-100.

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Berto publica um poema dedicado ao poeta, “a mão sobre o mar”35, e surgem diversos ensaios de um grupo de intelectuais de reconhecido mérito, que faz lembrar um pouco o que se passou em 1967, com o Comércio do Funchal.

Em “O poder de criar a canção”36, Fernando Pinto do Amaral demonstra o poder intrinsecamente criador da linguagem poética herbertiana, conferindo-lhe dramatismo e uma dimensão quase afectiva, quando joga com os sentimentos do leitor, recorrendo à imagem do “grito silencioso de um relâmpago” (a linguagem herbertiana) que antecede o ribombar do trovão (o necessário e estridente processo de recomeçar a ordem, depois do caos de sentido). Jogando com as mesmas ferramentas da composição literária, o articulista confessa não ser possível aproximar-se de forma inócua de uma “escrita que deflagra com tal carga explosiva”, que chamuscará quem dela se aproximar. Na parte final do seu texto, o poeta e crítico literário retoma a ideia do potencial criador da linguagem herbertiana, associando-a ao “idioma imaculado” (p. 25) de onde lhe virá esse estranho poder de criar a beleza. É uma reflexão eminentemente literária, não sendo o poeta directamente convocado para além da construção lírica dos seus textos, embora se insinue a leitura metatextual, quando o articulista aborda a questão da linguagem e do seu poder transformacional sobre o leitor.

José Agostinho Baptista compõe uma página de prosa que recupera, a cada frase, uma ideia, uma palavra, expressão ou mesmo verso de Herberto. O resultado é um texto dividido em dois “andamentos” cara-cterizados por algum silêncio da sintaxe habitual da prosa, o que nos remete para o universo de significação dos versos. O primeiro parece condensar um ambiente de algum controlo por parte do sujeito poético (“se quiser posso nunca voltar”). No segundo andamento, o sujeito lírico apresenta-se “calcinado”, “velho”, queimado, “escrevendo” e “enlouquecendo, ao lado das pás” e “das picaretas”, metáfora laboral para os instrumentos de inscrição da ideia no texto.

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35 Al Berto, “a mão sobre o mar”, Margem – 2, nº 3 (Funchal: Câmara Municipal, Maio de 1996), p. 19.

36 Fernando Pinto do Amaral, “O poder de criar a canção”, ibidem, pp. 24-25.

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“Herberto Helder: uma variação cósmica” é o título do contributo do também poeta José António Gonçalves. Imbuído da energia telúrica que lhe abraçava a alma, José António Gonçalves interroga-se acerca do homem, mais do que sobre o poeta. Há, porém, uma ideia que tem implicações na percepção teórica da não submissão do poeta a movimentos pré-existentes ou a modas literárias provisórias: “Herberto Helder é o viandante que não consultou prospectos, não previu destinos, nem esquematizou programas. Tem o mar na cabeça, onde também existem cais de todos os tamanhos.” (p. 41).

Herberto é ainda homenageado nos contributos de Maria de Fátima Marinho37 e de Manuel Hermínio Monteiro38. No seu testemunho, Hermínio sublinha o carácter íntegro de Herberto e interpreta a sua recusa permanente em falar da sua produção literária como “a atitude do poeta entregue à sua obra e às suas amizades” e nunca “em bicos de pés” como tantos “escribas” andam postos. Na parte final do seu texto, o editor da Assírio & Alvim quase reivindica um estatuto demiúrgico para Herberto, quando o considera predestinado, ou, no mínimo, merecedor da bênção de Deus que o mantém são e persistente no caminho do silêncio.

Ainda no número 3 da Margem, podemos ler os contributos de João Rui de Sousa39 e de José Sainz-Trueva40. Este último oferece ao leitor uma curiosa nota biográfica sobre Herberto Helder, fazendo-a acompanhar por alguns aspectos bibliográficos e por fotos do próprio, bem como de três casas onde o poeta viveu e estudou na sua juventude de ilhéu.

Ainda em 1996, todo este entusiasmo em torno do autor de Photomaton & Vox é, de certa forma, explicado quando lemos, no Diário de Notícias da Madeira, um artigo não assinado, intitulado

37 Maria de Fátima Marinho, “Do angélico ao demoníaco (algumas considerações sobre a poesia de Herberto Helder)”, ibidem, pp. 34-35.

38 Manuel Hermínio Monteiro, “Herberto Helder o homem de palavra”, ibidem, p. 5.39 João Rui de Sousa, “A Dialéctica Linguagem-realidade na Poesia de Herberto

Helder”, ibidem, pp. 9-13.40 José Sainz-Trueva, “As casas de Herberto Helder: passos para uma fotobiografia”,

ibidem, pp. 44-49.

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“Herberto Helder homenageado na Feira do Livro do Funchal”41. O título reflecte o interesse da comunidade local pelo poeta, encerrando também a consciência da necessidade de divulgação do mesmo na sua terra natal. O regozijo pela homenagem está presente em todo o artigo e no “Ponto de vista” assinado por L. R. (Luís Rocha) na quarta coluna da página 17. Ilustrado com uma foto da feira e com a capa de uma das edições de Poesia Toda, de Herberto Helder (silhueta de mulher nua, vista de costas, como que sobre linhas de sisal que se cruzam sobre papel pardo meio amarrotado). O jornalista faz referência à estratégia de dinamização cultural expressamente manifestada, na feira, pelo Presidente da Câmara, Miguel Albuquerque, e por Teresa Brazão.

Alguns dias depois, o público recebe mais informações sobre o autor que viveu no número 33 da rua do Quebra Costas, Funchal, através de mais uma notícia, desta vez relativa à colocação de uma placa de identificação da dita casa, em homenagem ao poeta por lá ter vivido na infância. Este tipo de notícias é recorrente no corpus de textos jornalísticos sobre esta matéria. São textos rápidos, curtos e normal-mente despojados de grandes pretensões ensaísticas.

Num outro matutino regional, o Jornal da Madeira, surgiu, no dia seguinte à notícia referida no parágrafo anterior, um artigo sem autoria expressa, “Poesia nova que queima como a lava de um vulcão”42. É uma referência à feira do livro do Funchal que, no dia 12 do mesmo mês de Junho 96, seria dedicada a Herberto Helder. Menciona-se o número especial da revista Margem, inteiramente dedicado ao poeta e tomam- -se as palavras de Fernando Pinto do Amaral para caracterizar a obra do poeta madeirense. Terá dito o conferencista de então que “o poeta […] o fascinou desde muito cedo e que o ensinou a perceber até que ponto a palavra escrita e a poesia têm a capacidade de transformar as pessoas por dentro.” A mesma notícia refere, ainda segundo Pinto do Amaral, que Herberto “é um poeta completamente novo, pois ninguém tinha feito até então o que ele fez.” Citando, agora directamente, o autor, o

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41 S.n., “Herberto Helder homenageado na Feira do Livro do Funchal”, Diário de Notícias (Funchal, 23-05-1996), p. 17.

42 S.n., “Poesia nova que queima como a lava de um vulcão”, Jornal da Madeira (Funchal, 02-06-1996), p. 14.

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jornalista refere que “foi também um poeta que desenvolveu um cosmos que é só dele e não é de mais ninguém. Por outro lado, soube criar uma atmosfera, um clima mágico nos seus poemas com uma capacidade de criação verbal e uma articulação das palavras umas com as outras de um modo que é quase uma alquimia. Essa capacidade de transformar as palavras que usamos todos os dias em material que nos queima. Que nos transforma quase como a lava de um vulcão, sendo ainda uma poesia muito visceral que nos toca por dentro.” No centro do espaço de página dedicado à notícia, surge uma “caixa” com a informação de que a casa onde nasceu Herberto Helder, na Rua do Quebra Costas, estará assinalada com uma placa comemorativa, a partir do dia 12 de Junho de 1996. Teresa Brazão, então referida como vereadora da cultura da CMF, menciona a universalidade dos poetas (“são cidadãos do mundo”), mas revela o orgulho que os madeirenses sentem por este grande poeta ter nascido entre nós.

Em 1997, vamos encontrar nas páginas do número 20 da revista Islenha, um novo artigo sobre o nosso poeta. Desta vez, o texto é da autoria de Fátima Pitta Dionísio43. A autora cita Herberto a partir de PO-EX. – textos teóricos e documentos da poesia experimental portu-guesa44. Encontramos o poeta como pensador interessado na descrição do facto literário, sistematizando, neste caso, o significado histórico do experimentalismo como “movimento e adequação do homem(testemunho e depressão) ao movimento da realidade (coisas e acon-tecimentos)” (p. 13). O texto é, pois, um exemplo do interesse da comunidade leitora da região pela dimensão crítica de Herberto Helder e não apenas pelo seu eventual lirismo.

Em mais uma acção de impacte público, a Revista do Diário de Notícias da Madeira publica, em 26 de Abril de 1998, uma peça de

43 Fátima Pitta Dionísio, “O Experimentalismo em António Aragão”, Islenha, nº 20 (Funchal: DRAC, 1997), pp. 12-20.

44 Ana Hatherly e E. M. de Melo e Castro, PO-EX: textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa (Lisboa: Moraes Editores, 1981). O artigo refere 1971 como a data de publicação do livro e o sítio da Biblioteca Nacional menciona uma edição em 1979. No primeiro caso, a própria autora referiu ser um lapso de impressão. A data correcta é 1981.

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Miguel Silva intitulada “Livro de Herberto Helder entre os 100 do século XX”. Convém esclarecer que, pelo facto de a escolha se ter realizado em Portugal, aquando da Expo 98, o júri foi autorizado a colocar até 10 autores de nacionalidade portuguesa, na referida lista. Este número da Revista Diário, aliás, tem como tema de capa Herberto Helder, “Poeta do século”. Curiosa, muito curiosa mesmo, é a composição desta capa. Apresenta uma fotografia de fundo a preto e branco, a todo o tamanho da capa, em que Herberto tem o rosto voltado para a sua direita, num olhar simultaneamente circunspecto e atento, desviando os olhos do leitor e fixando-os em direcção ao exterior do papel, algures ao lado esquerdo de quem pega na revista fechada. Casaco xadrez que se imagina castanho sobre camisa clara desapertada no colarinho e sem gravata. É um rosto de meia-idade, barba grisalha e sobrancelhas negras, orientando o olhar e deixando ver três quase descontraídas linhas ondulantes sobre a horizontal da testa. Em sobreposição à foto surge o título principal (“Poeta do século XX”) e três indicações laterais de outros tantos assuntos tratados no interior. Em baixo, no rodapé inferior esquerdo da capa, à nossa direita, portanto, a indicação da data. O nome do homem não aparece. E este é o principal motivo de interesse desta escolha jornalística. Ao contrário de vários artigos que, nos anos seguintes, surgirão ainda em alguns jornais madeirenses, esta capa parece pressupor que o público a quem se dirige identifica o poeta apenas pela foto. Ou então, é o compositor da capa que nela provocatoriamente investe o seu saber, remetendo a satisfação da curiosidade de quem lê para o desenvolvimento que surge na página 13.

No texto, Miguel Silva começa por identificar o homem da capa (agora em nova foto, mais pequena, no topo esquerdo da página, olhando para o lado, quase para a fotografia da casa onde nasceu, que surge em imagem colocada no topo direito da página). Depois, numa assumpção, porventura realista, do desconhecimento público da figura retratada, refere que, embora “pouco conhecido entre o grande público”, Herberto Helder é já “uma verdadeira referência no mundo das letras”. Apresenta, então, os intervenientes e os critérios de escolha dos autores a figurar entre os cem livros do século. Por este facto, a divulgação de que Herberto integra os 100 maiores livros do séc. XX

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engrandece, não apenas o nome do poeta, mas também o da cultura regional que, iniludivelmente, transporta consigo, ao surgir assim, num jornal regional da terra onde é sabido ter nascido. O jornalista não se esquece de incluir alguns dos principais nomes também presentes nesta selecção, uma outra informação pertinente para o reforço do carácter excepcional do facto. Nas duas páginas seguintes, apresenta--se um percurso biobibliográ-fico e realça-se o carácter obstinado e surpreendente do poeta, nomeadamente quando recusou sete mil contos que lhe tinham sido atribuídos ao ganhar o Prémio Pessoa, em 1994.

Estes artigos jornalísticos são elementos muito importantes na formação de uma comunidade cultural. Funcionam como divulgadores dos aspectos mais empíricos e quotidianos da história do(s) poeta(s), captando a empatia do público e conseguindo maior eficácia de penetração nas faixas sociais menos habituadas à leitura, do que grandes, embora bons, ensaios.

Fátima Pitta Dionísio, embora em artigo de muito menor fôlego, volta a publicar sobre Herberto Helder, em 1999, novamente na Islenha, com um artigo intitulado “Herberto Helder: a busca graálica do amor”45. É um breve artigo sobre “Tríptico II” que Herberto incluiu em Poesia Toda. A autora aborda o poema numa perspectiva herdada do estru-turalismo, separando a análise ideológica da estrutural e simbólica. Contudo, a expressa referência de uma constante “subversão lírica” revela a atenção crítico-teórica com que o poeta é recebido na Madeira, na segunda metade da década de Noventa. O leitor do artigo fica com a sensação de que a novidade surge do facto de o poeta suplantar a eventual expectativa do público que o julgaria ser cumpridor do cânone. Herberto subverte-o, para sobre ele poder reflectir. Desta estranheza nasce o interesse pelo autor, embora se perceba que a sua leitura não é simples.

As implicações teóricas inerentes a uma exploração crítica da obra de Herberto Helder são tratadas também por Fátima Matos num artigo intitulado “O estado puro da fala – A confluência de teorias: Martin Heidegger e Herberto Helder”. Desde o início, a autora assume

45 Fátima Pitta Dionísio, “Herberto Helder: a busca graálica do amor”, Islenha, nº 25 (Funchal: DRAC, 1999), pp. 26-28.

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a perspectiva teórica que preside ao seu trabalho e di-lo de forma explícita, logo no primeiro parágrafo, quando afirma “Pretende-se com o presente trabalho abordar numa perspectiva comparativa a posição de dois grandes teorizadores da literatura (…), Heidegger e Herberto Helder.” Mais à frente, reforça o enfoque colocado na abordagem que fará ao poeta madeirense, referindo que Photamaton & Vox se revela “um imprescindível instrumento de trabalho para quem deseje, por um lado, melhor compreender os seus conceitos teóricos de linguagem (fala e escrita), acto de criação poesia, por outro, constatar na prática o modo como a sua teoria se aplica no próprio texto”. Não é aqui o lugar nem o momento para analisar o ensaio em causa. Fica o registo da recepção de Herberto Helder, não apenas como produtor de textos literários, mas também como teorizador do facto literário.

Prosseguindo a sua função de proporcionar uma melhor informa-ção da comunidade cultural regional, a revista Islenha eleva a fasquia da exigência ao publicar nas suas páginas ilustradas um nome como o de Maria Alzira Seixo46. O seu ensaio, “A Aventura do Canto em Edmundo de Bettencourt”, corresponde a uma conferência proferida pela Professora, no Funchal, em 1 de Fevereiro de 1999. Herberto Helder é citado a partir do seu texto introdutório à obra completa de Edmundo de Bettencourt, de 196347, e funciona como interlocutor da ensaísta para caracterizar a poesia da Presença e o seu efeito sobre os poetas seus contemporâneos e sucessores. É recebido, pois, em função do seu pensamento teórico, sistematizador da prática literária. Apesar de a autora fazer uma actualização do pensamento de Herberto, partindo da evolução histórica que o tempo permite aferir, em 1999, o autor de Os passos em volta é tomado como caução de uma visão crítica do modernismo português, ao lado de Jorge de Sena, Gastão Cruz e do próprio Edmundo de Bettencourt. É curiosa esta aceitação do discurso crítico herbertiano, posta ao nível de poetas e ensaístas de renome e sem necessidade de qualquer legitimação. Pelo contrário, é com o próprio

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46 Maria Alzira Seixo, “A Aventura do Canto em Edmundo de Bettencourt”, Islenha – 24 (Funchal: DRAC, 1999), pp. 5-12.

47 Herberto Helder, “Relance sobre a poesia de Edmundo de Bettencourt”, in Edmundo Bettencourt, Poemas 1930-1962 (Col. Poetas de hoje, 14, Lisboa: Arcádia, 1963).

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Herberto que Maria Alzira Seixo dialoga, caucionando a sua tese. Nos ensaios de autores madeirenses parece haver ainda, nesta época, uma certa dificuldade em assumir Herberto Helder como poeta e crítico reconhecido e canonizado, como se fosse sempre necessário legitimar a referência a um autor, apenas porque nasceu na ilha e, por esse facto, poder eventualmente sugerir que o interesse manifestado assenta na conterraneidade entre crítico e autor e não na competência poética e ensaística do citado. A publicação, pela Islenha, desta comunicação da Professora Alzira Seixo enriquece, logicamente, o leque de colaboradores da revista e traz uma aragem renovada ao ensaio publicado na região, abrindo horizontes e redimensionando expectativas.

No âmbito do congresso “O Feminino na Línguas, Culturas e Literaturas” (Universidade da Madeira, Novembro de 1999) Herberto Helder volta a ser citado em função da sua capacidade de a partir “do interior do processo criativo [remeter-nos] para a escrita como síntese, como construção artística reveladora” (p.154)48. O escritor e pensador surge aqui caucionando o discurso ensaístico ao lado de outros poetas como David Mourão-Ferreira e Tolentino Mendonça e junto de estudiosos da teoria literária como Vítor Manuel Aguiar e Silva ou Raman Selden.

Nos periódicos de 1999 e 2000 há, porém, uma aparente contra-dição no que diz respeito à abrangência da recepção de Herberto Helder. No Jornal da Madeira de 12 de Março de 99, surge o título “Herberto Helder é ainda desconhecido: conferências sobre poetas madeirenses”49. A duas colunas com altura de um terço de página, perdidas na zona central superior de uma secção dedicada à “socie-dade”, entre anúncios institucionais de cartórios e câmaras municipais, lista de aniversariantes e necrologia, esta pequena notícia denuncia o interesse da classe docente pelo poeta e a reclamação do seu nome como pertencente ao meio cultural regional. O artigo está assinado por

48 Fernando Figueiredo, “O feminino para além do género: da literatura à poética”, O Feminino nas Línguas, Culturas e Literaturas (Funchal: Metagram / Universidade da Madeira, 2000), pp. 151-158.

49 C. S., “Herberto Helder é ainda desconhecido: conferências sobre poetas madei-renses”, Jornal da Madeira (Funchal, 12-03-1999), p. 25.

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C. S., Cristina Sousa, e faz referência a umas “conferências sobre poetas madeirenses” que decorreram na Escola Secundária Francisco Franco, organizadas pelo grupo de estágio de Estudos Portugueses e Ingleses. O prelector da referida conferência é apenas referido como João Abel, o que revela familiaridade pública ou privada (do próprio jornalista) com o conferencista, ou então – hipótese que nos parece mais viável –, desconhecimento da respectiva identidade completa, transcrevendo-se apenas a forma académica de designação do docente. Esta apreciação não será de menor importância, pois, associada à composição da página do JM onde surgiu publicada, ela pode revelar um tratamento jornalístico menos exigente e, portanto, de suposto reduzido interesse público pelo objecto da notícia. Há, contudo, mérito na divulgação desta informação. Ficamos a saber que a opinião crítica – aqui incluídos os professores de português, no seu exercício diário de selecção, análise e divulgação da literatura – está, nesta altura, atenta ao que Herberto Helder produz e àquilo que sobre ele é dito. Percebemos, também, que há a consciência de que o poeta não penetrou o ambiente de leitura do público em geral. Por isso, é apresentado como “desconhecido”.

Interessante, também, é o enfoque com que João Abel (muito provavelmente João Abel Fernandes), o orador, terá organizado o seu discurso. As palavras do jornalista publicam a constatação, quase em jeito de lamento, de que “aqui na Região não foi feito qualquer estudo à sua [de Herberto] obra”. Este tom crítico é balanceado por uma segunda vertente na abordagem feita ao poeta. De facto, mais à frente, o jornalista refere o cuidado da classe docente em tornar presente o poeta nas aulas de português, apesar de não fazer parte do programa oficial. Diz-nos ainda que o interesse da sua obra está não propriamente no seu objecto, mas reside fundamentalmente na “reflexão sobre a própria palavra”, “o pensar da própria metalinguagem”, revelando a abrangência da poesia herbertiana, pela explicitação de questões teóricas nela latentes.

No Diário de Notícias da Madeira, por altura da comemoração do 70º aniversário do poeta, em Novembro de 2000, aparece o título “Herberto Helder, o poeta desconhecido: é madeirense e faz 70 anos

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quinta-feira”50. O artigo surge na página da cultura e denuncia o interesse pelo poeta e a reclamação do seu nome como pertencente ao meio cultural regional. Para além disso, a composição do título transporta a ideia de que o poeta é, de facto, ainda desconhecido neste meio, servindo, porventura, a notícia para divulgar a sua obra, pela ocasião do seu septuagésimo aniversário.

No Jornal da Madeira51 o assunto é o mesmo, mas já não aparece a referência ao desconhecimento de que o poeta seria alvo. Indicações biográficas e algumas referências à obra do poeta preenchem o espaço da notícia que é acompanhado de uma foto de Herberto. É manifesto o interesse pelo poeta e reclama-se a sua pertença ao meio cultural regional, estando subjacente o regozijo pelo facto de ter origem madeirense.

Alternando entre dois dos três jornais diários que nesta época se publicavam no Funchal, surgem ainda títulos como “Poeta madeirense recusa estátua em Lisboa” (JM)52 – que realça o carácter de independência do poeta, tal como já havia provado em 1994 – e “Em honra de Herberto Helder” (NM)53 – notícia centrada numa conferência (e nas extroversões) de Pedro Paixão para o Cine-Forum do Funchal.

Já em 2003 vamos encontrar mais notícias que envolvem o poeta: “Os criadores da poesia experimental: Ana Hatherly, António Aragão e Herberto Helder” (Revista do JM)54, “Falando sobre arte” (DN) – em que o jornalista Luís Rocha refere Herberto Helder a propósito deuma conferência de Ana Hatherly, no Funchal, sobre experimenta-lismo –, e uma sequência de três títulos de peças da mesma jornalista do Jornal da Madeira, Marisa Santos, em torno de um jantar literário com o poeta como motivação: “Uma vez mais antologiado, Herberto

50 S. n., “Herberto Helder, o poeta desconhecido: é madeirense e faz 70 anos quinta-feira”, Diário de Notícias (Funchal, 20-11-2000), p. 22.

51 S. n., “Herberto Helder faz 70 anos: poeta madeirense é dos maiores do século XX”, Jornal da Madeira (Funchal, 20-11-2000), p. 2.

52 S. n.,“Poeta madeirense recusa estátua em Lisboa”, in Jornal da Madeira (Funchal, 30-01-2001), p. 14.

53 Luís Pinto Castro, “Em honra de Herberto Helder”, Notícias da Madeira (Funchal, 09-02-2001), p. 16.

54 Vera Luza, “Os criadores da poesia experimental: Ana Hatherly, António Aragão e Herberto Helder”, Revista do Jornal da Madeira (Funchal, 21-06-2003), p. 7.

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Helder”55, “Herberto Helder no Golden Gate”56 e “Jantar literário dedicado a Herberto Helder”57.

A este propósito escreve também Odília Gouveia58 “Poesia de Herberto Helder no Golden Gate”, que saiu no jornal Notícias da Madeira, dando conta do interesse editorial e, certamente, também do de algum público por Herberto Helder. A notícia decorre da conferência de Ana Margarida Falcão acerca do poeta, num dos jantares literários do Golden intitulada “Imagens da Madeira”. A jornalista refere a capa-cidade geradora de imagens da ilha que a poesia de Herberto Helder tem. Faz um breve apontamento biográfico e inventaria algumas das suas participações literárias: “Graal, Cadernos do Meio-Dia, Pirâmide, Poesia Experimental, Hidra e Nova”. Herberto é associado à poesia experimental enquanto “poeta visionário e órfico”, sendo conotado com o surrealismo por ter uma “poética hermética, dificultando a reordenação das referências feitas nos textos”. Provavelmente reproduzindo uma ideia de Ana Margarida Falcão, a jornalista escreve que “ao ler poesia de Herberto Helder é impossível não se sair com um grande sentimento de inquietação” e termina elogiando a sua “escrita muito singular e cuidada”.

Entretanto, Luís Rocha desenvolve o tema em debate no jantar no Golden, em “Herberto Helder e as imagens da Ilha”59. Discorre acerca da conferência de Ana Margarida Falcão, que a escritora, docente e investigadora intitulou “Imagens da ilha na poesia de Herberto Helder”. Refere ser este um poeta da eleição da oradora que “relacionou o poder evocativo da paisagem na palavra de Herberto com uma série de fotografias captadas há muitas décadas, utilizadas para ilustrar o livro de

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55 Marisa Santos “Uma vez mais antologiado, Herberto Helder”, Jornal da Madeira (Funchal, 18-01-2003), p. 21.

56 Ibidem “Herberto Helder no Golden Gate”, Jornal da Madeira (Funchal, 22-01- -2003), p. 18.

57 Ibidem “Jantar literário dedicado a Herberto Helder”, Jornal da Madeira (Funchal 23-01-2003), p. 21.

58 Odília Gouveia, “Poesia de Herberto Helder no Golden Gate”, Notícias da Madeira (Funchal, 23 de Janeiro de 2003), p. 23.

59 Luís Rocha, “Herberto Helder e as imagens da Ilha”, in “Cultura & Espectáculos”, Diário de Notícias (Funchal, 24-01-2003), p. 23.

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Maria Lamas, Arquipélago da Madeira, Maravilha Atlântica. O artigo de Luís Rocha continua, dando conta da leitura pessoal que Margarida Falcão faz da “paisagística que surge a partir da imagética das palavras” (explícita ou implícita) que sente ser relacionada com as ilhas. Para o demonstrar, utilizou as referidas fotos do livro de Maria Lamas e outras ilustrações de Arquipélagos (il. de Diniz Conefrey) que, projectadas simultaneamente à leitura de alguns poemas de Herberto, permitiram extrair da sua poesia uma “dimensão visual, procurando projectar uma perspectiva da Madeira do passado que Herberto, ausente da ilha há muitas décadas, certamente carrega no seu imaginário”. Curiosa é também a referência ao facto de algumas ilustrações de Conefrey se assemelharem a outras tantas fotos do livro de Maria Lamas.

Do ponto de vista da recepção de Herberto Helder, esta e outras iniciativas do género, embora de alcance limitado em termos de público directo, aumentam exponencialmente o seu efeito sobre o públicoquando são, como esta, noticiadas. Se o simples facto de se ter organi-zado um jantar cultural em torno da obra herbertiana já revela o inte-resse da comunidade cultural activa, o efeito multiplicador de imagens relativas ao poeta vai alargando o leque daqueles que o conhecem, ou, pelo menos, dele ouviram falar.

O contributo, porventura mais importante, deste conjunto de notícias saídas a propósito de um jantar literário é que se percebe que a poesia e o nome de Herberto Helder começam a ter lugar nas páginas dos jornais diários, sinal de uma política de divulgação cultural (que crie futura necessidade de notícias nesta área e/ou sobre o assunto e autor em causa), mas também já de óbvia receptividade por parte de algum público. É natural que o enfoque seja colocado numa perspectiva temática da obra do poeta. Não deixa, contudo, de ser interessante que o Notícias da Madeira opte pelos caminhos da análise (embora muito breve) de questões como o estilo, a linguagem e a (tentativa de) inscrição do poeta em termos de movimentos literários.

Finalmente, duas breves referências a “Herberto Helder, Ou o Poema contínuo – tradução, prémio Gulbenkian de Poesia”60, texto

60 S. n., “Herberto Helder, Ou o Poema contínuo – tradução, prémio Gulbenkian de Poesia”, in “Cultura e Espectáculos”, Diário de Notícias (Funchal, 31-10-2004), p. 28.

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saído no DN não assinado e “Herberto Helder”, in “Ruas com vida: a Rua da Carreira”61, pequena nota biobibliográfica a propósito da Rua da Carreira, onde terá nascido o poeta. A inclusão desta rubrica reflecte o interesse da comunidade local pelo autor. Contudo, o texto apresenta-se demasiado sintético e impreciso, colocando o enfoque na “instabilidade biográfica” de Herberto Helder e fazendo apenas algumas menções à sua obra e ao contexto histórico em que surgiu.

O funcionamento do sistema cultural da região tem as suas naturais limitações. Mas tem também uma dinâmica apreciável, nomeadamente no Funchal. Estas duas conclusões aparentemente paradoxais têm a sua razão de ser. Na verdade, sendo o universo demográfico reduzido (cerca de 245.000 habitantes62) e tendo muitas gerações anteriores vivido com dificuldades económicas, é natural que parte da população não sinta ainda necessidade de adquirir produtos culturais. Muito maior é a dificuldade em conseguir a empatia com o público, quando um poeta como Herberto Helder apresenta uma escrita de significação não imediata ou até de nonsense. A necessidade de imediatismo na aquisição semântica do texto gera conflito com o hiato manifesto entre a leitura e a compreensão mínima do texto poético. Para além disso, uma breve análise da história recente do ensino na Madeira daria conta de que só nas últimas três décadas se iniciou o acesso em massa aos níveis secundários de escolarização. Esta limitação científica e cultural está, certamente, a gerar tensões dentro do universo populacional já atingido pelas estratégias de divulgação dos eventos culturais, mas ainda não suficientemente motivado para participar. É uma questão de mais uma ou duas gerações, persistência dos organizadores e dos decisores políticos, para que o Funchal, em particular, e a Madeira, em geral, possam aderir com maior facilidade e convicção ao domínio da arte.

Do ponto de vista do enfoque analítico que Herberto Helder tem merecido no arquipélago, ficámos a saber que segue padrões

61 S. n., “Herberto Helder”, in “Ruas com vida: a Rua da Carreira”, Tribuna da Madeira (Funchal: O Liberal, 07-04-2006), p. VI.

62 V. Instituto Nacional de Estatística: http://www.ine.pt/prodserv/retrato/retrato.asp?x_nut=3_-_-_00Regiao_Autonoma_da_Madeira.

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espectáveis. Ou seja, privilegia-se a sua dimensão lírica em detrimento da sistematização conceptual e crítica que surge nos seus textos. Aos poucos, aspectos extrínsecos ao texto literário vão interagindo com ele e com a formação de quem o recepciona. Neste processo, não será de desprezar a presença de várias escolas de formação superior no Funchal, como catalizadores da evolução desejada. Para além do ensino especializado de línguas, de enfermagem e de música, realçamos a importância das extensões da Universidade Católica Portuguesa (sobretudo nas décadas de 80 e 90 do século XX) e da Universidade de Lisboa (extensões de letras e de ciências, na década de 80), dada a iniludível competência e influência dos seus docentes sobre as opções de investigação da academia em formação. É também de realçar o papel da jovem Universidade da Madeira, a formar alunos desde o início dos anos Noventa. Se analisarmos os nomes dos autores de textos críticos nas duas últimas décadas, veremos que um razoável número terá passado por uma destas instituições de ensino superior.

Para que se consiga a harmonia interpretativa mínima, tem o leitor que penetrar minimamente no universo da obra literária o que pode envolver, como no caso de Herberto Helder, alguma exigência conceptual. Se é verdade que a fruição do texto poético é possível desde a sua dimensão material sonora e rítmica, não é menos certo que a empatia entre os universos do leitor e da obra artística têm que tocar-se minimamente para que se proceda à troca de influências semânticas, para que “os vasos comunicantes” exerçam a sua função. Estamos a presenciar e cremos, desta forma, estar a contribuir para o desenvolvimento do processo de evolução do mapa cultural da Madeira.