FernandoSabino PauloMendesCampos CarlosDrummonddeAndrade PARAGOSTARDELER Volume2 … ·...

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Fernando Sabino Paulo Mendes Campos Rubem Braga Carlos Drummond de Andrade PARA GOSTAR DE LER Volume 2 18ª edição 2ª impressão Editora Ática Crônicas Editor da coleção Fernando Paixão Edição de arte Ary Almeida Normanha Mário Cafiero/ilustração da capa Aderbal Moura/ilustrações internas Antônio do Amaral Rocha Paulo César Pereira René Etiene Ardanuy Revisão Marina Birche de Carvalho Colaboração na seleção de textos Edson Lima Gonçalves Francisco Marto de Moura Icléa Mello Gonçalves Il a Brunhilde Laurito José Inaldo Godoy José Luiz Pieroni Rodrigues Sarah Ortiz Capellari Editora afiliada Impressão e acabamento: Lis Gráfica e Editora Ltda. ISBN 85 08 00776 0 2001 Editora Ática - Rua Barão de lguape, 110 CEP 01507-900 Caixa Postal 2937- CEP 01065-970 São Paulo - SP Tel.: 0XX11 3346-3000-Fax: 0XX11 3277-4146

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Fernando Sabino Paulo Mendes Campos Rubem Braga Carlos Drummond de Andrade

PARA GOSTAR DE LER

Volume 2

18ª edição 2ª impressão

Editora Ática Crônicas

Editor da coleçãoFernando Paixão

Edição de arteAry Almeida NormanhaMário Cafiero/ilustração da capaAderbal Moura/ilustrações internasAntônio do Amaral RochaPaulo César PereiraRené Etiene Ardanuy

RevisãoMarina Birche de Carvalho

Colaboração na seleçãode textosEdson Lima GonçalvesFrancisco Marto de MouraIcléa Mello GonçalvesIl�a Brunhilde LauritoJosé Inaldo GodoyJosé Luiz Pieroni RodriguesSarah Ortiz Capellari

Editora afiliada

Impressão e acabamento: Lis Gráfica e Editora Ltda.

ISBN 85 08 00776 0

2001

Editora Ática - Rua Barão de lguape, 110CEP 01507-900Caixa Postal 2937- CEP 01065-970São Paulo - SPTel.: 0XX11 3346-3000-Fax: 0XX11 3277-4146

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Internet: http://www.atica.com.bre-mail: editora@atica. com. br

Cronologia da vida e obra de Fernando Sabino

1923 Nasce a 12 de outubro, em Belo Horizonte, MG. 1930 Inicia curso primário no Grupo Escolar Afonso Pena, BH. 1934 Já aos onze anos, começava a escrever seus primeiros trabalhosliterários. 1935 Inicia curso secundário no Ginásio Mineiro, BH. 1936 Publica seu primeiro trabalho literário, um conto policial, numarevista especializada da polícia mineira. 1938 Início de publicaçãoregular de artigos, contos e crônicas na revista literária Mensagem enas revistas Alterosa e Belo Horizonte. Concorre regulajrmente aoConcurso Permanente de Crônicas Radiofônicas e ao Concurso de Contos darevista Carioca, RJ, sendo premiado seguidamente. 1941 Publicação de seu primeiro livro, Os Grilos Não Cantam Mais,contos. 1942 Início do curso superior na Faculdade de Direito de BeloHorizonte. Entra para o serviço público, como funcionário da Secretariadas Finanças. Dá aulas de português no Instituto Padre Machado. 1943 Nomeado Oficial de Agricultura de Minas Gerais. 1944 Publica A Marca, novela. Muda-se para o Rio, sendo nomeado Oficialdo Registro de Interdições e Tutelas da Justiça do Distrito Federal.Transfere-se para a Faculdade Nacional de Direito. 1945 Participa do Congresso de Escritores em São Paulo. 1946 Forma-se em Direito pela Faculdade Nacional de Direito. Muda-separa Nova Iorque, onde trabalha como auxiliar no Escritório Comércial doBrasil. 1947 Regressa de Nova Iorque. É nomeado para o cargo de escrivão da Varade Õrfãos e Sucessões. 1950 Publica A Cidade Vazia. 1952 Publica A Vida Real, novelas. Inicia colaboração regular naManchete. 1954 Publica Lugares-Comuns - Dicionário de lugares-comuns e idéiasconvencionais, edição "Cadernos de Cultura" do MEC. 1956 Publica O Encontro Marcado, romance. 1957 Exonerado, a pedido, do cargo de escrivão da Vara de Õrfãos eSucessões. Inicia crônica diária no Jornal do Brasil. 1960 Viagem a Cuba como correspondente do Jornal do Brasil, na comitivade Jânio Quadros. Funda com Rubem Braga e Walter Acosta a Editora doAutor. Publica O Homem Nu, crônicas e histórias curtas. 1962 Publica A Mulher do Vizinho, crônicas e histórias curtas. 1963 Nomeado redator da Agência Nacional. 1964 Convidado para exercer as funções de adido cultural junto àEmbaixada Brasileira em Londres. Correspondente em Londres do Jornal doBrasil. Crônica semanal no programa para o Brasil da BBC de Londres.

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1965 Publica A Companheira de Viagem, crônicas e contos. Representa oBrasil no Congresso do PEN Club em BIed, na Iugoslávia.

1966 Regressa de Londres. Deixa a Editora do Autor.

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1967 Funda com Rubem Braga a Editora Sabiá. Publica A InglesaDeslumbrada.

1972 Funda a Bem-Te-Vi Filmes Ltda., para produção de filmesdocumentários. Vende a Editora Sabiá.

1973 Inicia a produção e direção da série de documentários sobreescritores brasileiros "Literatura Nacional Contemporânea". Reinicia suacolaboração regular no Jornal do Brasil, com crônicas e reportagenssemanais, e na Manchete.

1975 Publica Gente- 1 e II, crônicas e reportagens.

1976 Publica Deixa o Alfredo Falar!, crônicas e histórias curtas. Viagema Nova Iorque, de onde escreve para a revista Ele e Ela. Deixa o Jornaldo Brasil.

1977 Inicia publicação semanal de crônicas em O Globo, do Rio, Correiodo Povo, de Porto Alegre, Gazeta do Povo, de Curitiba, Estado de Minas,de Belo Horizonte, Jornal da Bahia, de Salvador, Diário de Pernambuco,de Recife, A Tribuna, de Vitória, Liberal, de Belém do Pará e dezenas deoutros jornais do interior do país.

Cronologia da Vida e Obra de Paulo Mendes Campos

1922 Nasce em Belo Horizonte, a 28 de fevereiro. Passa a primeirainfância em Saúde (hoje Dom Silvério) no interior de Minas Gerais.

1929 Em Belo Horizonte, inicia o curso primário no Grupo Escolar Barãodo Rio Branco.

1933 É reprovado no primeiro ano ginasial do Colégio Arnaldo.

1934/36 Cursa os três primeiros anos de ginásio no Colégio Dom Bosco, emCachoeira do Campo, recebendo "bilhete azul" no fim do ano.

1937/38 Termina o curso ginasial no Ginásio de Santo Antônio, em SãoJoão del-Rei.

1939 Faz o primeiro ano do Curso Complementar para a Escola deOdontologia, em Belo Horizonte.

1940 Querendo ser aviador, cursa o terceiro ano da Escola Preparatóriade Cadetes, em Porto Alegre. Pede desligamento no fim do ano.

1941 Faz o segundo ano do Curso Complementar, em Belo Horizonte. Porintermédio do escritor João Etienne Filho, liga-se a Hélio Pellegrino,

1942/44 Começa a publicar seus primeiros artigos em O Diário. Mais tardeescreverá nos jornais Folha de Minas e O Estado de Minas. Torna-se amigode Vinícius de Moraes, que pronuncia em Belo Horizonte uma conferênciasobre poesia inglesa. Além de seus companheiros de geração, está sempreem contato com os escritores Emilio Moura, Murilo Rubião, João DomasFilho, Edgar Mata Machado. Conhece Augusto Frederico Schmidt, Portinari,Oswald de Andrade, Santa Rosa, Burle Marx, Paulo Emilio Saies Gomes,Carlos Drummond de Andrade, Oswaldo Alves, Lúcio Cardoso, José Lins doRego. Em 1944, os jovens escritores de Minas recebem a visita de Mário

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de Andrade, com o qual convivem animadamente durante alguns dias.

1945 Participa em fevereiro do I Congresso Brasileiro de Escritores,realizado em São Paulo. Mais uma semana de encontros com Mário de

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Andrade, que faleceria pouco depois. Em agosto vai ao Rio de Janeiro,com a intenção de conhecer o poeta chileno Pablo Neruda. Fica um mês.Volta a Belo Horizonte, transfere-se definitivamente para o Rio.

1946/48 Augusto Frederico Schmidt consegue-lhe um emprego de redator noCorreio da Manhã, ao lado de Graciliano Ramos, Mário Pedrosa, ÁlvaroLins, Aurélio Buarque de Holanda. Carlos Drummond de Andradeconsegue-lhe dois "bicos" um no Instituto Nacional do Livro e outro numarevista publicada pela Câmara de Comércio Chileno-Brasileira. Trabalhaainda para o Diário Carioca e O Jornal.

1949 Passa vários meses em Paris, visita Londres, percorre a Itália.

1950/77 Casa-se. Publica diversos livros. Volta a Europa. Conhece aSuécia, a União Soviética, a China, os Estados Unidos. Mora no Leblon,tem dois filhos, uma casa de campo, sempre casado com Dona Joan.

1991 Falece no Rio de Janeiro.

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Cronologia da Vida e Obra de Rubem Braga

1913 Nasce a 12 de janeiro, em Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo.

1922 Depois do colégio de D. Palmira Wanderiey, no Centro Operário,cursa, a partir do 4º primário, o Colégio Pedro Palácios.

1928 No meio do 5º ginasial, transfere-se para o Salesiano de SantaRosa, Niteroi. Colabora no Correio do Sul, de Cachoeiro.

1929 Entra para a Faculdade de Direito do Rio.

1931 Transfere-se para a Faculdade de Belo Horizonte. Faz Linha de Tiro.

1932 Trabalha no Diário da Tarde. Em julho é mandado para a Frente daMantiqueira onde faz cobertura da revolução paulista para os DiáriosAssociados. Termina o curso de Direito.

1934 Faz reportagens e crônica diária no Diário de S. Paulo.

1935 Trabalha no Diário da Noite e O Jornal, do Rio. Vai para o Recifetrabalhar no Diário de Pernambuco, que deixa para fundar a Folha doPovo. Volta para o Rio e trabalha na A Manhã até o golpe comunista.

1936 Publica O Conde e o Passarinho. Trabalha na Folha de Minas. 1937 Umdos fundadores da revista Problemas, em São Paulo.

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1938 Escreve no O Imparcial, do Rio. Um dos fundadores de Diretrizes.

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Como correspondente de guerra assiste à rendição de um general alemão àstropas da FEB, na Itália, em 1945. R.B. é o de bigode.

1939 Trabalha no Correio do Povo e Folha da Tarde, em Porto Alegre.

1940 Trabalha em O Estado de S. Paulo, onde fica um ano.

1944 Publica O Morro do Isolamento. Vai para a Itália pelo DiárioCarioca, como correspondente de guerra.

1945 De volta, publica Com a FEB na Itália.

1947 Alguns meses em Paris, como correspondente de O Globo.

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1948 Publica Um Pé de Milho e, no ano seguinte, O Homem Rouco.

1950 Passa o ano em Paris, correspondente do Correio da Manhã.

1952 Um dos fundadores de Comício.

1953 Começa a escrever na Manchete, o que fará durante anos.

1955 Chefe do Escritório Comercial do Brasil no Chile durante algunsmeses. Publica A Borboleta Amarela.

1960 Publica Ai de Ti, Copacabana! Funda a Editora do Autor, juntamentecom Fernando Sabino e Walter Acosta.

1961 Embaixador no Marrocos.

1967 Funda a Editora Sabiá, juntamente com Fernando Sabino. Publica ATraição das Elegantes.

1968 Trabalha por vários anos no Diário de Noticias, depois em ÚltimaHora.

1977 Publica 200 Crônicas Escolhidas. Trabalha na TV-Globo.

1990 Falece no Rio de Janeiro.

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Cronologia da Vida e Obra de Carlos Drumond de Andrade

1902 Nasce em Itabira (Minas Gerais), filho dos fazendeiros Carlos dePaula Andrade e Julieta Drummond de Andrade.

1910/13 Cursa o primário em sua cidade natal. 1916 Cursa o ColégioArnaldo, em Belo Horizonte.

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1918/19 Aluno interno do Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (Estado doRio).

1920/21 Relaciona-se em Belo Horizonte com jovens poetas e escritores,iniciando a carreira literária.

1922 Ganha o prêmio de 50 mil-réis da revista Novela Mineira, emconcurso de contos.

1923/25 Faz o curso de Farmácia, cuja profissão nunca exercerá. Casa-seno último ano e lança com Emílio Moura e Martins de Almeida A Revista,órgão do modernismo mineiro.

1926 Inicia a carreira de jornalista profissional, como redator doDiário de Minas.

1928 Inicia a carreira de funcionário público, na Secretaria de Educaçãode Minas Gerais.

1934 Publica Brejo das Almas e muda-se para o Rio de Janeiro, como chefede gabinete do Ministro da Educação, Gustavo Capanema.

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1940 Publica Sentimentos do Mundo.

1942 Publica Poesias, seu primeiro livro em edição comercial.

1944 Publica Confissões de Minas, seu primeiro livro de prosa.

1945 Deixa a chefia de gabinete e passa a trabalhar na Diretoria doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional. Publica A Rosa do Povo.

1946 Recebe o prêmio de conjunto de obra, concedido pela SociedadeFelipe d'Oliveira.

1948 Publica Poesia até Agora.

1951 Publica Claro Enigma e Contos de Aprendiz.

1952 Publica Passeios na Ilha e Viola de Bolso.

1954 Publica Fazendeiros do Ar e inicia no Correio da Manhã uma série decrônicas sob o título geral de "Imagens", que irá até 1969.

1957 Publica Fala, Amendoeira.

1959 O Tablado encena sua tradução de Dona Rosita la Soltera, peça deGarcia Lorca. Por esse trabalho ganha o prêmio "Padre Ventura", doCírculo Independente de Críticos Teatrais.

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1962 Publica Lição de Coisas e A Bolsa & a Vida. Aposenta-se comofuncionário público.

1963 Recebe os prêmios "Fernando Chinaglia", da União Brasileira deEscritores, e "Luisa Cláudio de Sousa", do PEN Clube do Brasil.

1964 Aparecimento de sua Obra Completa.

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1966 Publica Cadeira de Balanço.

1967 Publica Versiprosa e Uma Pedra no Meio do Caminho.

1968 Publica Boitempo.

1969 Passa a escrever crônicas no Jornal do Brasil.

1970 Publica Caminhos de João Brandão.

1972 Publica O Poder Ultrajovem.

1973 Publica As Impurezas do Branco e Menino Antigo. Em Paris, edita-seRéunion, seleção de seus poemas traduzidos para o francês. Antes,seleções de sua obra, traduzidas, apareceram na Argentina, Chile, Cuba,Estados Unidos, Espanha, Alemanha Ocidental, Suécia e Tchecoslováquia.

1974 Publica De Noticias & Não-Notícias Faz-se a Crônica.

1975 Recebe o Prêmio Nacional Walmap.

1987 Falece no Rio de Janeiro.

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17 Em casa 29 No trabalho 39 Na conduçãp 53 Na escola 67 Na rua

Em casa 17

Fuga Fernando Sabino O médico e o monstro Paulo Mendes Campos Quem sabe Deus está ouvindo Rubem Braga Horóscopo Carlos Drummond de Andrade

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Fuga Mal o pai colocou o papel na máquina, o menino começou aempurrar uma cadeira pela sala, fazendo um barulho infernal.

- Pára com esse barulho, meu filhofalou, sem se voltar.

Com três anos já sabia reagir como homem ao impacto das grandesinjustiças paternas: não estava fazendo barulho, estava só empurrandouma cadeira.

- Pois então pára de empurrar a cadeira.

- Eu vou emborafoi a resposta.

Distraído, o pai não reparou que ele juntava ação às palavras,no ato de juntar do chão suas coisinhas, enrolando-as num pedaço depano. Era a sua bagagem: um caminhão de plástico com apenas três rodas,um resto de biscoito, uma chave (onde diabo meteram a chave dadespensa?a mãe mais tarde irá dizer), metade de uma tesourinhaenferrujada, sua única arma para a grande aventura, um botão amarradonum barbante.

A calma que baixou então na sala era vagamente inquietante. Derepente, o pai olhou ao redor e não viu o menino. Deu com a porta da ruaaberta, correu até o portão:

- Viu um menino saindo desta casa?gritou para o operário quedescansava diante da obra do outro lado da rua, sentado no meio-fio.

Em casa - 19

- Saiu agora mesmo com uma trouxinhainformou ele.

Correu até a esquina e teve tempo de vê-lo ao longe, caminhandocabisbaixo ao longo do muro. A trouxa, arrastada no chão, ia deixandopelo caminho alguns de seus pertences: o botão, o pedaço de biscoito e-saíra de casa prevenidouma moeda de 1 cruzeiro. Chamou-o, mas eleapertou o passinho, abriu a correr em direção à Avenida, como disposto aatirar-se diante do ônibus que surgia a distância. - Meu filho, cuidado!

O ônibus deu uma freada brusca, uma guinada para a esquerda, ospneus cantaram no asfalto, O menino, assustado, arrepiou carreira, O paiprecipitou-se e o arrebanhou com o braço como a um animalzinho:

- Que susto você me passou, meu filhoe apertava-o contra opeito, comovido.

- Deixa eu descer, papai. Você está me machucando.

Irresoluto, o pai pensava agora se não seria o caso de lhe darumas palmadas:

- Machucando, é? Fazer uma coisa dessas com seu pai.

- Me larga. Eu quero ir embora.

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Trouxe-o para casa e o largou novamente na salatendo antes ocuidado de fechar a porta da rua e retirar a chave, como ele fizera coma da despensa.

- Fique aí quietinho, está ouvindo? Papai está trabalhando.

- Fico, mas vou empurrar esta cadeira.

E o barulho recomeçou.

(F.S.)

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O médico e o monstro Avental branco, pincenê vermelho, bigodes azuis, ei-lo, grave,aplicando sobre o peito descoberto duma criancinha um estetoscópio, edepois a injeção que a enfermeira lhe passa.

O avental na verdade é uma camisa de homem adulto a bater-lhepelos joelhos; os bigodes foram pintados por sua irmã, a enfermeira; acriancinha é uma boneca de olhos cerúleos, mas já meio careca, queatende pelo nome de Rosinha; os instrumentos para exame e cirurgia saemduma caixinha de brinquedos.

Ela, seis anos e meio; o doutor tem cinco. Enquanto trabalham, aenfermeira presta informações:

- Esta menina é boba mesmo, não gosta de injeção, nem devitamina, mas a irmãzinha dela adora.

O médico segura o microscópio, focaliza-o dentro da boca deRosinha, pede uma colher, manda a paciente dizer aaá. Rosinha diz aaápelos lábios da enfermeira. O médico apanha o pincenê, que escorreu deseu nariz, rabisca uma receita, enquanto a enfermeira continua:

Em casa - 21

- O senhor pode dar injeção que eu faço ela tomar de qualquerjeito, porque é claro que se ela não quiser, né, vai ficar muitomagrinha que até o vento carrega.

O médico, no entanto, prefere enrolar uma gaze em torno dopescoço da boneca, diagnosticando:

- Mordida de leão.

- Mordida de leão, pergunta, desapontada, a enfermeira, paralogo aceitar este faz-de-conta dentro do outro faz-de-conta; eu já dissetanto, meu Deus, para essa garota não ir na floresta brincar comChapeuzinho Vermelho...

Novos clientes desfilam pela clínica: uma baiana de acarajé, umurso muito resfriado, porque só gostava de neve, um cachorro atropelado

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por lotação, outras bonecas de vários tamanhos, um papai noel, uma bolade borracha e até mesmo o pai e a mãe do médico e da enfermeira.

De repente, o médico diz que está com sede e corre para acozinha, apertando o pincenê contra o rosto. A mãe se aproveita dissopara dar um beijo violento no seu amor de filho e também parapreparar-lhe um copázio de vitaminas: tomate, cenoura, maçã, banana,limão, laranja e aveia. O famoso pediatra, com um esgar colérico,recusa a formidável droga.

- Tem de tomar, senão quem acaba no médico é você mesmo, doutor.

Ele implora em vão por uma bebida mais inócua, O copo é levadocom energia aos seus lábios, a beberagem é provada com uma careta. Emseguida, propõe um trato:

- Só se você depois me der um sorvete.

A terrível mistura é sorvida com dificuldade e repugnância,seus olhos se alteram nas órbitas, um engasgo devolve o restinho. Aoperação durou um quarto de hora.

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A mãe recolhe o copo vazio com a alegria da vitória e aplica no meninouma palmadinha carinhosa, revidada com a ameaça dum chute. Já estamos aessa altura, como não podia deixar de ser, presenciando a metamorfose domédico em monstro.

Ao passar zunindo pela sala, o pincenê e o avental são atiradossobre o tapete com um gesto desabrido. Do antigo médico resta um lindobigode azul. De máscara preta e espada, Mr. Hyde penetra no quarto, ondea doce enfermeira continua a brincar, e desfaz com uma espadeiradatodo o consultório: microscópio, estetoscópio, remédios, seringa,termômetro, tesoura, gaze, esparadrapo, bonecas, tudo se derrama pelochão. A enfermeira dá um grito de horror e começa a chorar nervosamente.O monstro, exultante, espeta-lhe a espada na barriga e brada:

- Eu sou o Demônio do Deserto!

Ainda sob o efeito das vitaminas, preso na solidão escura domal, desatento a qualquer autoridade materna ou paterna, com o diabo nocorpo, o monstro vai espalhando o terror a seu redor: é a televisãoligada ao máximo, é o divã massacrado sob os seus pés, é uma cornetaindo tinir no ouvido da cozinheira, um vaso quebrado, uma cortina que sedespenca, um grito, um uivo, um rugido animal, é o doce derramado, atorneira inundando o banheiro, a revista nova dilacerada, é, enfim, oflagelo à solta no sexto andar dum apartamento carioca.

Subitamente, o monstro se acalma. Suado e ofegante, senta-sesobre os joelhos do pai, pedindo com doçura que conte uma história oulhe compre um carneirinho de verdade.

E a paz e a ternura de novo abrem suas asas num lar ameaçadopelas forças do mal.

(P.M.C.)

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Em casa - 23

Quem sabe Deus está ouvindo Outro dia eu estava distraído, chupando um caju na varanda, efiquei com a castanha na mão, sem saber onde botar. Perto de mim haviaum vaso de antúrio; pus a castanha ali, calcando-a um pouco para entrarna terra, sem sequer me dar conta do que fazia.

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Na semana seguinte a empregada me chamou a atenção: a castanhaestava brotando. Alguma coisa verde saía da terra, em forma de concha.Dois ou três dias depois acordei cedo, e vi que durante a noite aquelacoisa verde lançara para o ar um caule com pequenas folhas. Eimpressionante a rapidez com que essa plantinha cresce e vai abrindofolhas novas. Notei que a empregada regava com especial carinho aplanta, e caçoei dela:

- Você vai criar um cajueiro aí?

Embaraçada, ela confessou: tinha de arrancar a mudinha,naturalmente; mas estava com pena.

- Mas é melhor arrancar logo, não é?

Fiquei em silêncio. Seria exagero dizer: silêncio criminoso-mas confesso que havia nele um certo remorso. Um silêncio covarde. Nãotenho terra onde plantar um cajueiro, e seria uma tolice permitir queele crescesse ali mais alguns centímetros, sem nenhum futuro. Eu fora oculpado, com meu gesto leviano de enterrar a castanha, mas isso aempregada não sabe; ela pensa que tudo foi obra do acaso. Arrancar aplantinha com a minha mão - disso eu não seria capaz; nem mesmo dar ordempara que ela o fizesse. Se ela o fizer, darei de ombros e não pensareimais no caso; mas que o faça com sua mão, por sua iniciativa. Para acastanha e sua linda plantinha seremos dois deuses contrários, masigualmente ignaros: eu, o deus da Vida; ela, o da Morte.

Hoje pela manhã ela começou a me dizer alguma coisa-"seu Rubem,o cajueirinho. . ." - mas o telefone tocou, fui atender, e a frase não secompletou. Agora mesmo ela voltou da feira; trouxe um pequeno vaso comterra e transplantou para ele a mudinha.

Em casa - 25

Veio me mostrar:

- Eu comprei um vaso...

- Ahn...

Depois de um silêncio, eu disse:

- Cajueiro sente muito a mudança, morre a toa..

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Ela olhou a plantinha e disse com convicção:

- Esse aqui não vai morrer, não senhor.

Eu devia lhe perguntar o que ela vai fazer com aquilo, daqui auma, duas semanas. Ela espera, talvez, que eu o leve para o quintal dealgum amigo; ela mesma não tem onde plantá-lo. Senti que ela tivera medode que eu a censurasse pela compra do vaso, e ficara aliviada com minhaindiferença. Antes de me sentar para escrever, eu disse, sorrindo, umafrase profética, dita apenas por dizer:

- Ainda vou chupar muito caiu desse cajueiro!

Ela riu muito, depois ficou séria, levou o vaso para a varanda,e, ao passar por mim na sala, disse baixo, com certa gravidade:

- É capaz mesmo, seu Rubem; quem sabe Deus está ouvindo o que osenhor está dizendo ...

Mas eu acho, sem falsa modéstia, que Deus deve andar muitoocupado com as bombas de hidrogênio e outros assuntos maiores.

(R.B.)

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Horóscopo - Telefonaram do escritório, bem. Seu chefe mandou perguntarpor que você não foi trabalhar.

- E você deu o motivo?

- Não.

- Podia ter dado.

- Ora, Alfredinho, isso é motivo que se dê?

- Por que não? Se há motivo, está justificado. Sem notivo é quenão cola.

- Então eu ia dizer ao seu chefe que você não trabalha hojeporque o seu horóscopo aconselha:"Fique em casa descansando"?

- E daí, amor? Se meu signo é Touro, e se Touro acha convenienteque eu não faça nada, como e que eu vou desobedecer a ele?

Em casa - 27

- É, mas com certeza seu chefe não é Touro, e não vai achargraça nisso.

- Ele é Aries, está ouvindo? E o dia não está para relações

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entre Aries e Touro. Pega aí o jornal. Faz favor de ler com esses belosolhos cor de pervinca:"Aries- Evite rigorosamente discussões comsubordinados".

- Mas se ele evitar, não tem perigo para voce.

- Ele pode evitar, sim, deve evitar. E para colaborar com ele,eu fico em casa.

- Mas se você não comparece, ele pode vir ao telefone e pegarnuma discussão danada com você, dessas de sair fogo.

- Não atendo telefone durante o dia. Não posso atender. Não vêque estou descansando, que o horóscopo me mandou descansar? É favor nãofazer rebuliço nesta casa. Amor e paz, para o descanso do guerreiro.

- Pra mim você está é com preguiça, e das bravas.

- Posso estar com preguiça, e daí? Preguiça é relaxante,restaura as energias, predispõe para o trabalho no dia seguinte. Mas umacoisa não tem nada a ver com a outra. Se eu não faço nada hoje, não éporque estou com preguiça. É em atenção a um mandamento superior, àmensagem que vem dos astros, você não percebe?

- Percebo, sim, mas não concordo.

- Pode-se saber por que a excelentíssima não concorda comaquilo que percebe e que está devidamente explicado?

- Pode.

- Então explica, vamos.

- Gozado, Alfredinho, até parece que para você só existem doissignos no zodíaco: Touro e Aries, você e o patrão.

28

- Espera lá, você queria que eu não prestasse atenção emTouro? Aries eu li hoje por acaso, porque está ao lado de Touro, emcoluna paralela.

- Coincidência: você saber que seu chefe é Aries, e...

- E, sim.

- E por que você guardou na cabeça que ele é Aries?

- Ora por quê! Ele fez anos no mês passado, amorzinho. Atécontei a você que oferecemos a ele uma batedeira. Soubemos que amulher dele precisava de batedeira, fizemos uma vaquinha, pronto. Maspor que você diz que para mim só existem dois signos?

- Pelo menos Sagitário você ignora.

- Como que eu ia ignorar Sagitário, se é o signo de você, minhaorquídea de novembro 25?

- É, mas esqueceu de ler que o dia é propício para reuniõessociais de Sagitário, e saiba que esta sua orquídea de novembro 25 vai

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reunir hoje as amigas aqui em casa. Trate de se mandar, querido.

- Sem essa! Touro me manda descansar em casa, e você me enche acasa com mulheres? - E Sagitário que recomenda, mon ange.

- Sagitário não ia fazer isso comigo! Eu já tinha harmonizadoTouro com Aries!

- Pode continuar harmonizando, se for descansar em casa doTostes, que é Virgem, eu sei, ele é nosso padrinho de casamento. Ohoróscopo do Tostes recomenda prestar serviço a um amigo. Assim, Touro,Virgem, Aries e Sagitário ficam inteiramente harmonizados, cada um nasua, um por todos, todos por um. Ande, vá se vestir rapidinho,rapidinho, e rua, seu vagabundo!

(C. D. A.)

29

No trabalho 29 Recenseamento Carlos Drummond de Andrade Flor de maio Rubem Braga "Chatear" e "Encher" Paulo Mendes Campos Turco Fernando Sabino

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Caso de recenseamento O agente do recenseamento vai bater numa casa de subúrbiolongínquo, aonde nunca chegam as notícias.

- Não quero comprar nada.

- Eu não vim vender, minha senhora. Estou fazendo o censo dapopulação e lhe peço o favor de me ajudar.

- Ah moço, não estou em condições de ajudar ninguém. Tomara euque Deus me ajude. Com licença, sim?

E fecha-lhe a porta.

Ele bate de novo.

- O senhor, outra vez?! Não lhe disse que não adianta me pedirauxilio?

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No trabalho - 31

- A senhora não me entendeu bem, desculpe. Desejo que me auxiliemas é a encher este papel. Não vai pagar nada, não vou lhe tomar nada.Basta responder a umas perguntinhas.

- Não vou responder a perguntinha nenhuma, estou muito ocupada,até logo!

A porta é fechada de novo, de novo o agente obstinado tentarestabelecer o diálogo.

- Sabe de uma coisa? Dê o fora depressa antes que eu chame meumarido!

- Chame sim, minha senhora, eu me explico com ele.

(Só Deus sabe o que irá acontecer. Mas o rapaz tem uma idéia nacabeça: é preciso preencher o questionário, é preciso preencher oquestionário, é preciso preencher o questionário).

- Que é que há?resmunga o marido, sonolento, descalço e semcamisa, puxado pela mulher.

- É esse camelô aí que não quer deixar a gente sossegada!

- Não sou camelô, meu amigo, sou agente do censo...

- Agente coisa nenhuma, eles inventam uma besteira qualquer,depois empurram a mercadoria! A gente não pode comprar mais nada estemês, Ediraldo!

O marido faz-lhe um gesto para calar-se, enquanto ele estuda orapaz, suas intenções. O agente explica-lhe tudo com calma, convence-ode que não é nem camelô nem policial nem cobrador de impostos nemenviado de Tenório Cavalcanti. A idéia de recenseamento, pouco a pouco,vai-se instalando naquela casa, penetrando naquele espírito. Não custaatender ao rapaz, que é bonzinho e respeitoso.

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E como não há despesa nem ameaça de despesa ou incômodo de qualquerordem, começa a informar, obscuramente orgulhoso de ser objeto - pelaprimeira vez na vida - da curiosidade do governo.

- O senhor tem filhos, seu Ediraldo?

- Tenho três, sim senhor.

- Pode me dizer a graça deles, por obséquio? Com a idade de cadaum?

- Pois não. Tenho o Jorge Independente, de 14 anos; o MiguelUrubatã, de 10; e a Pipoca, de 4.

- Muito bem, me deixe tomar nota. Jorge... Urubatã... E aPipoca, como é mesmo o nome dela?

- Nós chamamos ela de Pipoca porque é doida por pipoca.

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- Se pudesse me dizer como é que ela foi registrada...

- Isso eu não sei, não me lembro.

E voltando-se para a cozinha:

- Mulher, sabes o nome da Pipoca?

A mulher aparece, confusa.

- Assim de cabeça eu não guardei. Procura o papel na gaveta.

Reviram a gaveta, não acham a certidão de registro civil.

- Só perguntando à madrinha dela, que foi quem inventou o nome.Pra nós ela é Pipoca, tá bom?

- Pois então fica se chamando Pipoca, decide o agente. Muitoobrigado, seu Ediraldo, muito obrigado, minha senhora, disponham!

(C.D.A.)

No trabalho - 33

Flor-de -maio Entre tantas notícias do jornal - o crime do Sacopã, o discovoador em Bagé, a nova droga antituberculosa, o andaime que caiu, ohomem que matou outro com machado e com foice, o possível aumento dopão, a angústia dos Barnabés - há uma pequenina nota de três linhas, quenem todos os jornais publicaram.

Não vem do gabinete do prefeito para explicar a falta dágua, nemdo Ministério da Guerra para insinuar que o país está em paz. Não containcidentes de fronteira nem desastre de avião. É assinada pelo senhordiretor do Jardim Botânico, e nos informa gravemente que a partir do dia27 vale a pena visitar o Jardim, porque a planta chamada"flor-de-maio"está, efetivamente, em flor.

Meu primeiro movimento, ao ler esse delicado convite, foi deixara mesa da redação e me dirigir ao Jardim Botânico, contemplar a flor ecumprimentar a administração do horto pelo feliz evento. Mas havia aindamuita coisa para ler e escrever, telefonemas a dar, providências atomar.

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Agora, já desce a noite, e as plantas em flor devem ser vistas pelamanhã ou à tarde, quando há sol - ou mesmo quando a chuva as despenca eelas soluçam no vento, e choram gotas e flores no chão.

Suspiro e digo comigo mesmo que amanhã acordarei cedo e irei.Digo, mas não acredito, ou pelo menos desconfio que esse impulso quetive ao ler a notícia ficará no que foium impulso de fazer uma coisaboa e simples, que se perde no meio da pressa e da inquietação dosminutos que voam. Qualquer uma destas tardes é possível que me dê vontade

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real, imperiosa, de ir ao Jardim Botânico, mas então será tarde, nãohaverá mais"flor-de-maio", e então pensarei que é preciso esperar avinda de outro outono, e no outro outono posso estar em outra cidade emque não haja outono em maio, e sem outono em maio não sei se em algumacidade haverá essa"flor-de-maio".

No fundo, a minha secreta esperança é de que estas linhas sejamlidas por alguém - uma pessoa melhor do que eu, alguma criatura correta esimples que tire desta crônica a sua única substância, a informaçãoprecisa e preciosa: do dia 27 em diante as"flores-de-maio" do JardimBotânico estão gloriosamente em flor. E que utilize essa informaçãosaindo de casa e indo diretamente ao Jardim Botânico ver a"flor-de-maio"talvez com a mulher e as crianças, talvez com anamorada, talvez só.

Ir só, no fim da tarde, ver a"flor-de-maio"; aproveitar a únicanotícia boa de um dia inteiro de jornal, fazer a coisa mais bela eemocionante de um dia inteiro da cidade imensa. Se entre vós houver essacriatura, e ela souber por mim a notícia, e for, então eu vos direi quenem tudo está perdido, e que vale a pena viver entre tantos sacopãs depaixões desgraçadas e tantas COFAPs de preços irritantes; que ahumanidade possivelmente ainda poderá ser salva, e que às vezes aindavale a pena escrever uma crônica.

(R.B.)

No trabalho - 35

"Chatear" e"encher" Um amigo meu me ensina a diferença entre"chatear" e"encher".Chatear é assim: você telefona para um escritório qualquer na cidade.

- Alô! Quer me chamar por favor o Valdemar?

- Aqui não tem nenhum Valdemar.

Daí a alguns minutos você liga de novo:

- O Valdemar, por obséquio.

- Cavalheiro, aqui não trabalha nenhum Valdemar.

- Mas não é do número tal?

- É, mas aqui nunca teve nenhum Valdemar.

Mais cinco minutos, você liga o mesmo número:

- Por favor, o Valdemar já chegou?

- Vê se te manca, palhaço. Já não lhe disse que o diabo desseValdemar nunca trabalhou aqui?

- Mas ele mesmo me disse que trabalhava aí.

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- Não chateia.

Daí a dez minutos, liga de novo.

- Escute uma coisa! O Valdemar não deixou pelo menos um recado?

O outro desta vez esquece a presença da datilógrafa e diz coisasimpublicáveis.

Até aqui é chatear. Para encher, espere passar mais dez minutos,faça nova ligação:

- Alô! Quem fala? Quem fala aqui é o Valdemar. Alguém telefonoupara mim?

(P.M.C.)

36

Turco Assim que chegou a Paris, foi cortar o cabelo - coisa que naotivera tempo de fazer ao sair do Rio, O barbeiro, como os de toda parte,procurou logo puxar conversa:

- Eu tenho aqui uma dúvida, que o senhor podia me esclarecer.

- Pois não.

No trabalho - 37

Eu estava pensando... A Turquia tomou parte na última guerra?

- Parte ativa, propriamente, não. Mas de certa maneira esteveenvolvida, como os outros países. Por quê?

- Por nada, eu estava pensando... A situação política lá é meiocomplicada, não?

Seu forte não era a Turquia. Em todo caso respondeu:

- Bem, a Turquia, devido a sua situação geográfica... Posiçãoestratégica, não é isso mesmo? O senhor sabe, o Oriente Médio...

O barbeiro pareceu satisfeito e calou-se, ficou pensando.

Alguns dias depois ele voltou para cortar novamente o cabelo.Ainda não se havia instalado na cadeira, o barbeiro começou:

- Os ingleses devem ter muito interesse na Turquia, não?

Que diabo, esse sujeito vive com a Turquia na cabeça pensou.Mas não custava ser amável - além do mais, ia praticando o seu francês:

- Devem ter. Mas têm interesse mesmo é no Egito. O canal deSuez.

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- E o clima lá?

- Onde? No Egito?

- Na Turquia.

Antes de voltar pela terceira vez, por via das dúvidas procurouinformar-se com um conterrâneo seu, diplomata em Paris e que já servirana Turquia.

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- Desta vez eu entupo o homem com Turquia - decidiu-se.

Não esperou muito para que o barbeiro abordasse seu assuntopredileto:

- Diga-me uma coisa, e me perdoe a ignorância: a capital daTurquia é Constantinopla ou Sófia?

- Nem Constantinopla nem Sófia: é Ancara.

E despejou no barbeiro tudo que aprendera com seu amigo sobre aTurquia. Nem assim o homem se deu por satisfeito, pois na vez seguintefoi começando por perguntar:

- O senhor conhece muitos turcos aqui em Paris?

Era demais:

- Não, não conheço nenhum. Mas agora chegou a minha vez deperguntar: por que diabo o senhor tem tanto interesse na Turquia?

- Estou apenas sendo amáveltornou o barbeiro, melindrado:-Mesmo porque conheço outros turcos além do senhor.

- Além de mim? Quem lhe disse que sou turco? Sou brasileiro,essa é boa.

- Brasileiro?e o barbeiro o olhou, desconsolado: - Quem diria!Eu seria capaz de jurar que o senhor era turco...

Mas não perdeu tempo:

- O Brasil fica é na América do Sul, não é isso mesmo?

(F.S.)

Na condução 39

Neide Rubem Braga A avobrinha

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Carlos Drummond de Andrade Confusão com São Pedro Fernando Sabino Coração Materno Paulo Mendes Campos

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Neide O céu está limpo, não há nenhuma nuvem acima de nós. O avião,entretanto, começa a dar saltos, e temos de pôr os cintos para evitaruma cabeçada na poltrona da rente. Olho pela janela: é que estamossobrevoando de perto um grande tumulto de montanhas. As montanhas sãobelas, cobertas de florestas; no verde-escuro há man-

Na condução - 41

chas de ferrugem de palmeiras, algum ouro de ipê, alguma prata deembaúba - e de súbito uma cidade linda e um rio estreito. Dizem-me que éPetrópolis.

É fácil explicar que o vento nas montanhas faz corrente parabaixo e para cima, como também o ar é mais frio debaixo da leve nuvem. Aum passageiro assustado o comissário diz que"isso é natural". Mas oavião, com o tranqüilo conforto imóvel com que nos faz vencer milhas emsegundos, havia nos tirado o sentimento do natural. Somos hóspedes damáquina. Os motores foram revistos, estão perfeitos, funcionam bem, etemos nossas passagens no bolso; tudo está em ordem. Os solavancos noslembram de que a natureza insiste em existir, e ainda nos precipita alémdela, para os remos azuis da Metafísica. Pode o avião vencer a montanha,e desprezar as passagens antigas que a humanidade sempre trilhou. Massua vitória não pode ser saboreada de perto: mesmo debaixo, a montanhaainda fez sentir que existe e à menor imprudência da máquina o gigantevencido a sorverá de um hausto, e a destruirá. Assim a hUmilde lagoa,assim a pequena nuvem: a tudo isso somos sensíveis dentro de nossomonstro de metal.

A meninA disse que era mentira, que não se via anjo nenhum nasnuvens. O homem, porém, explicou que sim, e pediu que eu confirmasse. Eudisse:

- Tem anjo sim. Mas tem muito pouco. Até agora desde que saímoseu só vi um, e assim mesmo de longe. Hoje em dia há muito poucos anjosno céu. Parece que eles se assustam com os aviões. Nessas nuvens maioresnunca se encontra nenhum. Você deve procurar nas nuvenzinhas pequenas,que ficam separadas umas das outras; é nelas que os anjos gostam debrincar. Eles voam de uma para outra.

A menina queria saber de que cor eram as asas dos anjos, e deque tamanho eles eram. O homem explicou

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que os anjos tinham as asas da mesma cor daquele vestidinho da menina;e eram de seu tamanho. Ela começou a duvidar novamente, mas chamamos ocomissário de bordo. Ele confirmou a existência dos anjos com aautoridade de seu ofício; era impossível duvidar da palavra docomissário de bordo, que usa uniforme e voa todo dia para um lado eoutro, e além disso ele tinha um argumento impressionante:"Então vocênão sabia que tem anjos no céu?" E perguntou se ela tinha vontade de seranjo.

- Não.

- Que é que você quer ser?

- Aeromoça!

E começou a nos servir biscoitos; dois passageiros que estavamcochilando acordaram assustados porque ela apertou o botão que fazdescer as costas das poltronas; mas depois riram e aceitaram osbiscoitos.

- A Baía de Guanabara!

Começamos a descer. E quando o avião tocava o solo, naqueleinstante de leve tensão nervosa, ela se libertou do cinto e gritoualegremente:

- Agora tudo vai explodir!

E disse que queria sair primeiro porque estava com muita pressa,para ver as horas na torre do edifício ali perto: pois já sabia ver ashoras.

Não deviam ter-lhe ensinado isso. Ela já sabe tanta coisa! Ashoras se juntam, fazem os dias, fazem os anos, e tudo vai passando, e osanjos depois não existem mais, nem no céu, nem na terra.

(R.B)

Na condução - 43

A abobrinha Quando a senhora foi descer do lotação, o motorista coçou acabeça:

- Mil cruzeiros! Como é que a senhora quer que eu troque milcruzeiros?

- Desculpe, me esqueci completamente de trazer trocado.

- Não posso não, madame não leu o aviso - olha ele ali - que otroco máximo é de 200 cruzeiros?

- Eu sei, mas que é que hei de fazer agora? O senhor nuncaesqueceu nada na vida?

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- Quem sabe se procurando de novo na bolsa...

- Já procurei.

- Procura outra vez.

Ela vasculhava, remexia, nada. Nenhum cavalheiro (como se diziano tempo de meu pai) se moveu para salvar a situação, oferecendo trocoou se prontificando a pagar a passagem. Aquela hora, não haviacavalheiros, pelo menos no lotação.

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- Então o senhor me dá licença de saltar e ficar devendo.

- Pera aí. Vou ver se posso trocar.

Podia. Tirou do bolso de trás um bolo respeitável, foi botandoas cédulas sobre o joelho, meticulosamente.

- Tá aqui o seu tróco. De outra vez a madame já sabe, hem?

Ela desceu, o carro já havia começado a chispar, como é destinodos lotações, quando de repente o motorista freou e botou as mãos àcabeça:

- A abobrinha! Ela ficou com a abobrinha! Voltando-se para ospassageiros:

- Os senhores acreditam que em vez de guardar a nota de mil, eude burro devolvi com o troco?

Botou a cabeça fora do carro, à procura da senhora, queatravessava a rua, lá atrás:

- Dona! Ó dona! A nota de mil cruzeiros!

Ela não escutava. Ele fazia sinais, pedia aos transeuntes quea chamassem, o trânsito entupigaitava-se, buzinas soavam.

- Toca! Toca!

Os passageiros não pareciam interessados no prejuízo, como antesnão se condoeram do vexame da senhora.

- Como é que eu posso tocar se perdi mil cruzeiros, gente? Quemvai me pagar esses mil cruzeiros?

Encostou o veículo e, num gesto solene:

- Vou buscar meu cabral. A partir deste momento confio estecarro, com todos os seus pertences, à distinção dos senhorespassageiros.

Na condução - 45

- Deixa que eu vou - disse um deles, garoto. E precipitou-se parafora, antes do motorista.

- Será que esse tiquinho de gente consegue?

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Via-se o garoto correndo para alcançar a senhora, tocando-apelo braço, os dois confabulando. Ela abria de novo a bolsa, tiravaobjetos, o pequeno ajudava. Enquanto isso, o motorista carpia:

- Esta linha é de morte. Primeiro querem que a gente troque umconto de réis, como se o papai fosse o Tesouro Nacional ou o Banco doBrasil. Depois carregam o troco e o dinheiro trocado, que nem juro. Essanão! E esse garoto que nao acaba com a conversa mole, sei lá até se elevolta.

Os passageiros impacientavam-se com a demora da expedição. Oguarda veio estranhar o estacionamento e recebeu a explicação deforça-maior, quem é que me paga meus mil cruzeiros? o Serviço deTrânsito?

Voltou o garoto, sem a nota. A senhora tinha apenas 987cruzeiros, ele vira e jurava por ela.

- Toca! Toca!

- Tão vendo? Um prejuízo desses antes do almoço é de tirar afome e a vontade de comer.

Disse isso em tom frio, sem revolta, como simples remate. Etocou. Perto do colégio, o garoto desceu, repetindo, encabulado:

- Pode acreditar, ela não tinha mesmo o dinheiro não.

O motorista respondeu-lhe baixinho:

- Eu sei. Já vi que está ali debaixo da caixa de fósforos. Masse eu disser isso, esse povo me mata.

(C.D.A)

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Confusão com São Pedro Você vai neste avião, eu vou no próximo- decidiu de súbito, no último instante, quando o alto-falante já invocava ospassageiros: queiram apresentar suas despedidas e boa viagem.

Ele deu um suspiro desalentado. Já fora um custo convencer amulher de viajarem de avião. Ela dizia que tinha medo, por que não vamosde trem? E passara a noite

Na condução - 47

toda naquela conversa, olha, meu bem, tenho um pressentimento ruim.Quando já estavam praticamente embarcados, vinha com novidade.

- Que bobagem é essa?

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- Eu vou no outro- insistiu ela, aflita: - Tem outro aviãodaqui a meia hora.

- Mas por que isso assim de repente?

Ela o olhava nos olhos como se se despedisse dele para sempre:

- Não podemos correr tanto risco juntos, meu bem, seja razoável.Temos nossos filhos, imagine se acontece alguma coisa.

- Não vai acontecer nada, mulher.

- Eu sei que não tem perigo, que é o transporte mais seguro domundo, e as estatísticas, e essa coisa toda, você já me explicou. Maspense um pouco nos nossos filhos, pelo amor de Deus! Eu indo num e vocênoutro, sempre é uma chance de pelo menos um de nós dois escapar.

- Olha aí, já estão chamando de novo. Vamos embora, mulher.

Ela fincara pé, irredutível. Sem mais tempo para argumentar,ele acabou cedendo:

- Está bem, seja como você quiser! Mas então vai nesse, eu vouno outro. Se eu deixar você aqui, você acaba não indo.

Despediu-se dela, aborrecido, e foi tratar da transferência desua passagem.

A mulher entrou no avião como num túmulo, o coração aos pulos.A porta se fechou, desligando-a para sempre

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do mundo. A seu lado, viajava um padre, alheio a tudo, mergulhado nobreviário.

De súbito o avião, já em pleno vôo, começou a jogar. Eu nãodisse? eu não disse? Entraram numa nuvem escura e nunca mais que saíamdela.

Em pânico, chamou o comissário: não é nada, minha senhora, umapequena tempestade, estamos fazendo vôo cego.

Vôo cego! Sentindo-se perdida, voltou-se para o padre:

- Estou com tanto medo, seu padre.

O padre a olhou, desconfiado:

- Reza, que é melhor.

E voltou ao seu breviário. Rezar? Não, ela não sabia rezar.Lembrou-se de São Pedro, que era quem devia manobrar chuvas etempestades - juntou as mãos e pediu-lhe auxilio:

- São Pedro, piedade de mim. Tenho meus filhos para criar. Fuicriada sem mãe, o senhor não imagina a falta que uma mãe faz. Todos naminha família ficaram assim feito eu, só porque não tiveram mãe. Queserá dos meus filhos sem mãe, São Pedro, mãe faz muito mais falta quepai, por favor me protege, se for preciso transfere essa tempestade para

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o avião dele, mas me salva desta que noutra eu nunca mais hei de memeter.

A falta de mãe não lhe abalara o prestígio junto a São Pedro-tanto assim que em pouco o avião deixava para trás a tempestade e saíapara um céu azul, e logo descia no aeroporto sem mais novidades. Estavasalva!

Comprou uma revista, sentou-se num canto e pôs-se a esperar oavião do marido. Esperou meia hora. Como

Na condução - 49

ele nunca mais chegasse, correu, já aflita, a informar-se no balcão.Soube que não havia nada de especial: as más condições do tempo às vezesocasionavam algum atraso.

- Más condições do tempo?

Não tinha dúvida, era a tempestade que mandara para ele. Roídade remorsos, juntou as mãos ali mesmo, em frente ao funcionárioassombrado:

- São Pedro, essa não! não faça isso comigo. Era mentira, osenhor não vai me levar a sério. O pai faz muito mais falta que a mãe,quem é que foi meter uma bobagem dessa na minha cabeça? Ele trabalhapara sustentar a familha, eu não faço nada que preste. E logo ele, tãobom que ele é, tão carinhoso, por favor, São Pedro, não faça isso comele, joga essa tempestade para cima de outro que não tenha filhos, paracima dele não!

Em pouco São Pedro voltava a atendê-la, fazendo o maridodesembarcar no aeroporto, são e salvo:

- Que cara é essa? Você está parecendo um fantasma! Aconteceualguma coisa?

Ela se abraçou a ele, ansiosa:

- Você está bem? Você me perdoa?

- Eh, que novidade você vai inventar agora? Perdoar o quê,mulher?

- Tudo por minha culpachoramingou ela.- Mas graças a Deus vocêestá salvo. Fiz uma confusão enorme com São Pedro, você nem imagina. Dapróxima vez, quer saber de uma coisa? vou com você, morreremos juntos,nossos filhos que se danem.

Ele a olhou, francamente apreensivo."Acho que essa minha mulherestá ficando maluca", pensou.

(F.S)

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Coração materno Duas horas da tarde. Ali no início do Morro da Viúva fizeramsinal: duas senhoras, ambas de cabelos brancos, preparavam-se paraentrar no lotação, quando o motorista gritou:"Um lugar só". A velhinhamais velha, já com o pé colocado no carro com imensa dificuldade,conseguiu retirar a perna comprometida, com dificuldade ainda maior, sobos protestos persuasivos da velha mais moça, que dizia:

- Vai, mamãe, vai a senhora, eu vou em outro.

A mãe se desmanchando em timidez, medo e bondade, sorria:

Na condução - 51

- Não, minha filha, eu não posso te deixar aqui sozinha.

- Vai, mamãe.

- Não, minha filha.

- Pelo amor de Deus, mãe; o homem está esperando.

- Mas.., minha filha?!

Os passageiros aguardavam com a tolerante paciência de quem temou já teve mãe. O motorista fez força (e o conseguiu, parabéns) pararefrear a sua fúria de Averno.

- Vai, mãezinha; aqui neste ponto é difícil arranjar doislugares.

- Não posso te deixar sozinha, minha filha. Nunca!

Diante do impasse, levantou-se, resoluto um senhor sentado nobanco da frente, oferecendo-se para ir em pé, as duas senhoras iriamsentadas. Ah, mas isso não, aparteou o motorista, era contra oregulamento, dava multa. O amável passageiro descompôs o regulamento dotráfego e os demais regulamentos: eram desumanos. Ao pé da calçada, otorneio sentimental de mãe e filha continuava:

- Vai, vai, mãe.

- Não posso ir sem você, minha filha.

Quem viu a necessidade eventual de perder docemente a paciênciafoi a filha. Usando de energia adequada ao momento, segurou o braço davelhinha (mas velhinha mesmo, frágil, frágil), empurrou-a com o mínimode força necessária, proferiu uma ordem imperiosa:

- Vai, mãe.

E a velha mais moça se afastou em passadas compridas, impedindoa contramarcha da velha mais velha, que estava no limite extremo de suatimidez, e não teve outro jeito senão agarrar-se ao braço do motorista,entrar penosamente,

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sorrir pedindo perdão para todos os passageiros. Ajeitou-se no banco,

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esperou o barulho do motor e comentou para a vizinha (que a olhava,compreendendo tudo, as velhas, as mães, o cosmos):

- Coitadinha! Eu fico morrendo de pena de deixar ela aí, só, tãolonge!

Longe de onde? Das entranhas que criaram uma menina. Longe. Só.

A viagem para o centro foi recomeçada, sem novidades, todosvoltaram para dentro de si mesmos, esquecidos do episódio. A mãe, noentanto, furtiva (certa de que já causara bastante transtornos naqueledia) inspecionava todos os lotações que ultrapassavam o nosso, aflita emsua quietude, buscando lobrigar a filha. Mas foi só quando o lotaçãoentrou na Avenida, e parou diante de um sinal, que, enfim, a velha maismoça, a filha, apareceu em um lotação ao nosso lado. As duas se sorriramcomo depois de uma longa e apreensiva travessia. A velhinha chegou afazer graça:

- Graças a Deus, minha filha! Você ainda chegou antes de mim.

- Eu não disse, mãe, que não tinha perigo?

A filha desceu na esquina, chegou até perto da janela do nossolotação, segurou a mão de sua mãe:

- Agora vai direitinha, viu?

- Você pode ir descansada, minha filha.

O lotação arrancou de novo, gestos de adeus, a harmonia voltouao rosto da nossa velhinha, que tranqüilizou também a vizinha de banco:

- Ela vai trabalhar no Ministério; eu vou para casa, moro no RioComprido.

(P. M. C.)

Na escola 53

Na escola Carlos Drummond de Andrade Reunião de mães Fernando Sabino A risadinha (I) Paulo Mendes Campos Aula de inglês Rubem Braga

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Na escola Democrata é Dona Amarílis, professora na escola pública de umarua que não vou contar, e mesmo o nome de Dona Amarílis é inventado, maso caso aconteceu.

Ela se virou para os alunos, no começo da aula, e falou assim:

- Hoje eu preciso que vocês resolvam uma coisa muito importante.Pode ser?

Na escola - 55

- Pode - a garotada respondeu em coro.

- Muito bem. Será uma espécie de plebiscito. A palavra écomplicada, mas a coisa é simples. Cada um dá sua opinião, a gente somaas opiniões e a maioria é que decide. Na hora de dar opinião, não falemtodos de uma vez só, porque senão vai ser muito difícil eu saber o que éque cada um pensa. Está bem?

- Está - respondeu o coro, interessadíssimo.

- Ótimo. Então, vamos ao assunto. Surgiu um movimento para asprofessoras poderem usar calça comprida nas escolas. O governo disse quedeixa, a diretora também, mas no meu caso eu não quero dicidir por mim.O que se faz na sala de aula deve ser de acordo com os alunos. Paratodos ficarem satisfeitos e um não dizer que não gostou. Assim não temproblema. Bem, vou começar pelo Renato Carlos. Renato Carlos, você achaque sua professora deve ou não deve usar calça comprida na escola?

- Acho que não deve - respondeu, baixando os olhos.

- Por quê?

- Porque é melhor não usar.

- E por que é melhor não usar?

- Porque minissaia é muito mais bacana.

- Perfeito. Um voto contra. Marilena, me faz um favor, anote aíno seu caderno os votos contra. E você, Leonardo, por obséquio, anote osvotos a favor, se houver. Agora quem vai responder é Inesita.

- Claro que deve, professora. Lá fora a senhora usa, por que vaideixar de usar aqui dentro?

- Mas aqui dentro é outro lugar.

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- É a mesma coisa. A senhora tem uma roxo-cardeal que eu vioutro dia na rua, aquela é bárbara.

- Um a favor. E você, Aparecida?

- Posso ser sincera, professora?

- Pode, não. Deve.

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- Eu, se fosse a senhora, não usava.

- Por quê?

- O quadril, sabe? Fica meio saliente...

- Obrigada, Aparecida. Você anotou, Marilena? Agora você,Edmundo.

- Eu acho que Aparecida não tem razão, professora. A senhoradeve ficar muito bacana de calça comprida. O seu quadril é certinho.

- Meu quadril não está em votação, Edmundo. A calça, sim. Você écontra ou a favor da calça?

- A favor 100%.

- Você, Peter?

- Pra mim tanto faz.

- Não tem preferência?

- Sei lá. Negócio de mulher eu não me meto, professora.

- Uma abstenção. Mônica, você fica encarregada de tomar nota dosvotos iguais ao de Peter: nem contra nem a favor, antes pelo contrário.

Assim iam todos votando, como se escolhessem o Presidente daRepública, tarefa que talvez, quem sabe? no

Na escola - 57

futuro sejam chamados a desempenhar. Com a maior circunspeção. A vezde Rinalda:

- Ah, cada um na sua.

- Na sua, como?

- Eu na minha, a senhora na sua, cada um na dele, entende?

- Explique melhor.

- Negócio seguinte. Se a senhora quer vir de pantalona, venha.Eu quero vir de midi, de máxi, de hort, venho. Uniforme é papo furado.

- Você foi além da pergunta, Rinalda. Então é a favor?

- Evidente. Cada um curtindo à vontade.

- Legal!exclamou Jorgito.- Uniforme esta superado, professora.A senhora vem de calça comprida, e a gente aparecemos de qualquer jeito.

- Não pode - refutou Gilberto.- Vira bagunça. Lá em casa ninguémanda de pijama ou de camisa aberta na sala. A gente tem de respeitar ouniforme.

Respeita, não respeita, a discussão esquentou, Dona Amarílispedia ordem, ordem, assim não é possível, mas os grupos se haviam

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extremado, falavam todos ao mesmo tempo, ninguém se fazia ouvir, peloque, com quatro votos a favor de calça comprida, dois contra, e umtanto-faz, e antes que fosse decretada por maioria absoluta a aboliçãodo uniforme escolar, a professora achou prudente declarar encerrado oplebiscito, e passou à lição de História do Brasil.

(C.D.A.)

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Reunião de mães Na reunião de pais só havia mães. Eu me sentiria constrangido emmeio a tanta mulher, por mais simpáticas me parecessem, e acabaria nementrando - se não pudesse logo distinguir, espalhadas no auditório, duasou três presenças masculinas que partilhariam de meu ressabiado zelopaterno.

Na escola - 59

Sentei-me numa das últimas filas, para não causar espécie àseleta assembléia de progenitoras. Uma delas fazia tricô, e váriasconversavam, já confraternizadas de outras reuniões. O Padre-Diretortomou assento à mesa, cercado de professoras, e deu início à sessão.

Eu viera buscar Pedro Domingos para levá-lo ao médico, masdesta vez cabia-me também participar antes da reunião. Afinal de contasandava mesmo precisando de verificar pessoalmente a quantas o meninoandava.

O Padre-Diretor fazia considerações gerais sobre o uniforme degala a ser adotado. A gravatinha é azul?perguntou uma das mães. Meiatrês-quartos?perguntou outra. E o emblema no bolsinho?perguntou umaterceira. Outra ainda, à minha frente, quis saber se tinha pesponto-mas sua pergunta não chegou a ser ouvida.

Invejei-lhes a desenvoltura. Tive vontade de perguntar tambémalguma coisa, para tornar mais efetivo meu interesse de pai - mas temiaquelas mães todas voltando a cabeça, curiosas e surpreendidas, ante umadestoante voz de homem, meio gaguejante talvez de insegurança. Poderiatambém não ser ouvido - e se isso me acontecesse eu sumiria na cadeira.Além do mais, não me ocorria nada de mais prático para perguntar senão oque vinha a ser pesponto.

Acabei concluindo que tanta perguntação quebrava um pouco asolene compostura que devíamos manter, como responsáveis pelo destino denossos filhos. E dispensei-me de intervir, passando a ouvir a explanaçãodo Padre-Diretor:

- Chegamos agora ao ponto que interessa: o quinto ano. Depois decuidadosa seleção, foi dividido em três turmas - a turma 14, dos maisadiantados; a turma 13, dos regulares; e a turma 12, dos atrasados,relapsos, irre-

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quietos, indisciplinados. Os da 13 já não são lá essas coisas, mas os da12 posso assegurar que dificilmente irão para a frente, não querem nadacom estudo.

Fiquei atento: em qual delas estaria o menino? Pensei que oDiretor ia ler a lista de cada turma - o meu certamente na 14. Não leu,talvez por consideração para com as mães que tinham filhos na 12.Várias, que já sabiam disso, puseram-se a falar ao mesmo tempo: não eraculpa delas; levavam muito dever para casa, não se habituavam com osemi-internato. Uma - a do tricô, se não me engano - chegou mesmo a sequeixar do ensino dirigido, que a seu ver não estava dando resultado.Outra disse que tinha três filhos, faziam provas no mesmo dia, comoprepará-los de uma só vez? O Padre-Diretor sacudiu a cabeça, sorrindocom simpatia - não posso nem ao menos lastimar que a senhora tenha tantofilho. E voltou a falar nos relapsos, um caso muito sério. Não vai essePadre dizer que meu filho está entre eles, pensei. Irrequieto,indisciplinado. Ah, mas ele havia de ver comigo: entre os piores!

E por que não? Quietinho, muito bem mandado, filhinho do papai,maria-vai-com-as-outras ele não era mesmo não. Desafiei o auditório,acendendo um cigarro: ninguém tinha nada com isso. Criança ainda, naidade mesmo de brincar e não levar as coisas tão a sério. O curioso éque não me parecesse assim tão vadio - jogava futebol na rua, assistia àtelevisão, brincava de bandido, mas na hora de estudar o rapazinhoestudava, então eu não via? Quem sabe se procurasse ajudá-lo, dar umamãozinha... Mas essas coisas que ele andava estudando eu já não sabiade cor, tinha de aprender tudo de novo. Outro dia, por exemplo, meembatucou perguntando se eu sabia como se chamam os que nascem na NovaGuiné. Ninguém sabe isso, meu filho, respondi gravemente. Ah, não sabe?Pois ele sabia: guinéu! Não acreditei, fui olhar no dicioná-

Na escola - 61

rio para ver se era mesmo. Era. Talvez estivesse na turma 13, bem quesabia lá uma coisa ou outra, o danadinho.

Agora o Diretor falava na comida que serviam ao almoço. Damelhor qualidade, mas havia um problema - os meninos se recusavam a comerverdura, ele fazia questão que comessem, para manter dieta adequada. Noentanto, algumas mães não colaboravam. Mandavam bilhetinhos pedindo quenão dessem verdura aos filhos.

Eis algo que eu jamais soube explicar: por que menino não gostade verdura? Quando menino eu também não gostava.

- Pedem às mães que mandem bilhetinhos e não é só isso: usamqualquer recurso para não comer verdura. Hoje mesmo me apareceu um comum bilhete da mãe dizendo: não obrigar meu filho a comer verdura. Só queestava escrito com a letra do próprio menino.

Chegava era a hora de levá-lo ao médico - uma professora amigafoi buscá-lo para mim.

- Meu filho - perguntei, ansioso, assim que saímos: - Em queturma você está? Na 12 ou na 13?

- Na 14ele respondeu, distraído. Respirei com alívio: e nempodia ser de outra maneira, não era isso mesmo?

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- Fico satisfeito de saber - comentei apenas.

Ele não perdeu tempo:

- Então eu queria te pedir um favor - aproveitou-se logo:- Quevocê mandasse ao Padre-Diretor um bilhete dizendo que eu não posso comerverdura.

(F.S.)

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O risadinha (1) Seria melhor dizer que ele não teve infância. Mas não é verdade.Eu o conheci menino, trepando às árvores, armando alçapão paracanários-da-terra, bodoqueando as rolinhas, rolando pneu velho pelasruas, pegando traseira de bonde, chamando o Professor Asdrúbal deJaburu. Foi este último um dos mais divertidos e perigosos brinquedos danossa infância: o velho corria atrás da gente brandindo a bengala, seusbastos bigodes amarelos fremindo sob as ventas vulcânicas.

Nestor, em suma, teve a meninice normal de um filho defuncionário público em nosso tempo, tempo incerto, pois os recursos daFazenda na província eram magros, e os pagamentos se atrasavam,enervando a população.

Seus companheiros talvez nem soubessem que se chamasse Nestor;era para todos o Risadinha. Falava pouco e ria muito, um riso de fatodiminutivo, nascido de reserva-

Na escola - 63

dos solilóquios, quase sempre extemporâneo. Certa feita, na aula defrancês, quando entoávamos em coro o presente do subjuntivo do verbosôen aller, Risadinha pespegou uma bólide de papel bem na ponta do narizdo professor, que era muito branco, pedante a capricho e tinha o nome deDemóstenes. O rosto do mestre passou do pálido ao rubro das suastremendas cóleras. Um dos seus prazeres, sendo-lhe vetado por leicastigar-nos com o bastão, era desfiar em cima do culpado uma série deinsultos preciosos, que ele ia escandindo um por um, sem pressa e comódio.

- Levante-se, seu Nestor! Sa-cri-pan-ta! Ne-gli-gen- te!Si-co-fan-ta! Tu-nan-te! Man-dri-ão! Ca-la-cei-ro! Pan-di-lha! Bil-tre!Tram-po-li-nei-ro! Bar-gan-te! Es-trói-na! Val-de-vi-nos!Va-ga-bun-do!...

Pegando a deixa da única palavra inteligível, Risadinha erguiao dedo no ar e protestava, com ar ofendido:

- Vagabundo, não, professor.

Era um artista do cinismo, e sua momice de inocência era detal arte que até mesmo seu Demóstenes não conseguia conter o riso.

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Como também somente ele já arrancara uma gargalhada do padre-prefeito,um alemão da altura da catedral de Colônia, num dia em que vinhacaminhando lento e distraído, fora da forma.

- Por que o senhorr não está na forma?perguntou-lhe rosnandoo padre, como se estivesse de promotor da Inquisição, diante de umherege horripilante.

- E porque estou com meu pezinho machucado, respondeu com doçurao Risadinha.

- E por que senhorr não está mancando?

Risadinha olhou com espanto para os seus próprios pes, começandoa mancar vistosamente: - Desculpe, seu padre, é porque eu tinha esquecido.

(P.M.C.)

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Aula de inglês - Is this an elephant? Minha tendência imediata foi responder que não; mas a gente nãodeve se deixar levar pelo primeiro impulso. Um rápido olhar que lancei àprofessora bastou para ver que ela falava com seriedade, e tinha o ar dequem propõe um grave problema. Em vista disso, examinei com a maioratenção o objeto que ela me apresentava. Não tinha nenhuma tromba visível, de onde uma pessoa levianapoderia concluir às pressas que não se tratava de um elefante. Mas setirarmos a tromba a um elefante, nem por isso deixa ele de ser umelefante; e mesmo que morra em conseqüência da brutal operação, continuaa ser um elefante; continua, pois um elefante morto é, em princípio, tãoelefante como qualquer outro. Refletindo nisso, lembrei-me deaveriguar se aquilo tinha quatro patas, quatro grossas patas, comocostumam ter os elefantes. Não tinha. Tampouco consegui descobrir opequeno rabo que caracteriza õ grande animal e que, às vezes, como jánotei em um circo, ele costuma abanar com uma graça infantil.

Terminadas as minhas observações, voltei-me para a professora edisse convictamente:

- No, it's not! Ela soltou um pequeno suspiro, satisfeita: a demora de minharesposta a havia deixado apreensiva. Imediatamente me perguntou: - Is it a boo�? Sorri da pergunta: tenho vivido uma parte de minha vida no meiode livros, conheço livros, lido com livros, sou capaz de distinguir umlivro à primeira vista no meio de quaisquer outros objetos, sejam elesgarrafas, tijolos ou

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cerejas maduras - sejam quais forem. Aquilo não era um livro, e mesmo

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supondo que houvesse livros encadernados em louça, aquilo não seria umdeles: não parecia de modo algum um livro. Minha resposta demorou nomáximo dois segundos: - No, it's not! Tive o prazer de vê-la novamente satisfeita - mas so por algunssegundos. Aquela mulher era um desses espíritos insaciáveis que estãosempre a se propor questões, e se debruçam com uma curiosidade aflitasobre a natureza das coisas. - Is it a hand�erchief? Fiquei muito perturbado com essa pergunta. Para dizer a verdade,não sabia o que poderia ser um hand�erchief; talvez fosse hipoteca...Não, hipoteca não. Por que haveria de ser hipoteca? Hand�erchief! Erauma palavra sem a menor sombra de dúvida antipática; talvez fosse chefede serviço ou relógio de pulso ou ainda, e muito provavelmente,enxaqueca. Fosse como fosse, respondi impávido: - No, it's not! Minhas palavras soaram alto, com certa violência, pois merepugnava admitir que aquilo ou qualquer outra coisa nos meus arredorespudesse ser um hand�erchief. Ela então voltou a fazer uma pergunta. Desta vez, porém, apergunta foi precedida de um certo olhar em que havia uma luz demalícia, uma espécie de insinuação, um longínquo toque de desafio. Suavoz era mais lenta que das outras vezes; nao sou completamente ignoranteem psicologia feminina, e antes dela abrir a boca eu já tinha a certezade que se tratava de uma pergunta decisiva. - Is it an ash-tray? Uma grande alegria me inundou a alma. Em primeiro lugar porqueeu sei o que é um ash-tray: um ash-tray é um cinzeiro. Em segundo lugarporque, fitando o objeto que ela me apresentava, notei umaextraordinária semelhança

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entre ele e um ash-tray. Sim. Era um objeto de louça de forma oval, comcerca de treze centímetros de comprimento. As bordas eram da alturaaproximada de um centímetro, e nelas havia reentrâncias curvas - duas outrêsna parte superior. Na depressão central, uma espécie de baciadelimitada por essas bordas, havia um pequeno pedaço de cigarro fumado(uma bagana) e, aqui e ali, cinzas esparsas, além de um palito defósforos já riscado. Respondi: - Yes! O que sucedeu então foi indescritível. A boa senhora teve orosto completamente iluminado por uma onda de alegria; os olhosbrilhavam - vitória! vitória!e um largo sorriso desabrochou rapidamentenos lábios havia pouco franzidos pela meditação triste e inquieta.Ergueu-se um pouco da cadeira e não se pôde impedir de estender o braçoe me bater no ombro, ao mesmo tempo que exclamava, muito excitada: - Very well! Very well! Sou um homem de natural tímido, e ainda mais no lidar commulheres. A efusão com que ela festejava minha vitória me perturbou;tive um susto, senti vergonha e muito orgulho. Retirei-me imensamente satisfeito daquela primeira aula; andeina rua com passo firme e ao ver, na vitrine de uma loja, alguns beloscachimbos ingleses, tive mesmo a tentação de comprar um. Certamenteteria entabulado uma longa conversação com o embaixador britânico, se oencontrasse naquele momento. Eu tiraria o cachimbo da boca e lhediria: - It's not an ash-tray! E ele na certa ficaria muito satisfeito por ver que eu sabiafalar inglês, pois deve ser sempre agradável a um embaixador ver que sua

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língua natal começa a ser versada pelas pessoas de boa-fé do país juntoa cujo governo é acreditado.

(R.B.)

Na rua 67

Ousadia Fernando Sabino Mendigo Paulo Mendes Campos Diploma Carlos Drummond de Andrade A outra noite Rubem Braga

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Ousadia A moça ia no ônibus muito contente desta vida, mas, ao saltar, acontrariedade se anunciou:

- A sua passagem já está paga - disse o motorista.

- Paga por quem?

- Esse cavalheiro aí.

E apontou um mulato bem vestido que acabara de deixar o ônibus,e aguardava com um sorriso junto à calçada.

- É algum engano, não conheço esse homem. Faça o favor dereceber.

- Mas já está paga...

- Faça o favor de receber!insistiu ela, estendendo odinheiro e falando bem alto para que o homem ouvisse:- Já disse que nãoconheço! Sujeito atrevido, ainda fica ali me esperando, o senhor nãoestá vendo? Vamos, faço questão que o senhor receba minha passagem. O motorista ergueu os ombros e acabou recebendo:

melhor para ele, ganhava duas vezes.

A moça saltou do ônibus e passou fuzilando de indignação pelohomem.

Foi seguindo pela rua, sem olhar para ele.

Na rua - 69

Se olhasse, veria que ele a seguia, meio ressabiado, a alguns

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passos.

Somente quando dobrou à direita para entrar no edifício ondemorava, arriscou uma espiada: lá vinha ele! Correu para o apartamento,que era no térreo, pôs-se a bater, aflita:

- Abre! Abre aí!

A empregada veio abrir e ela irrompeu pela sala, contando aospais atônitos, em termos confusos, a sua aventura: - Descarado, como é que tem coragem? Me seguiu até aqui!

De súbito, ao voltar-se, viu pela porta aberta que o homem aindaestava lá fora, no saguão. Protegida pela presença dos pais, ousouenfrentá-lo:

- Olha ele ali! É ele, venham ver! Ainda está ali, osem-vergonha. Mas que ousadia!

Todos se precipitaram para a porta. A empregada levou as mãos àcabeça:

- Mas a senhora, como é que pode! É o Marcelo.

- Marcelo? Que Marcelo?a moça se voltou, surpreendida.

- Marcelo, o meu noivo. A senhora conhece ele, foi quem pintou oapartamento.

A moça só faltou morrer de vergonha:

- É mesmo, é o Marcelo! Como é que eu não reconheci! Você medesculpe, Marcelo, por favor.

No saguão, Marcelo torcia as mãos, encabulado:

- A senhora é que me desculpe, foi muita ousadia...

(F.S.)

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Mendigo Eu estava diante duma banca de jornais na Avenida, quando a mãodo mendigo se estendeu. Dei-lhe uma nota tão suja e tão amassada quantoele. Guardou-a no bolso, agradeceu com um seco obrigado e começou a leras manchetes dos vespertinos. Depois me disse:

Na rua - 71

- Não acredito um pingo em jornalistas. São muito mentirosos.Mas tá certo: mentem para ganhar a vida. O importante é o homem ganhar avida, o resto é besteira.

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Calou-se e continuou a ler notícias eleitorais:

- O Brasil ainda não teve um governo que prestasse. Nem rei, nempresidente. Tudo uma cambada só.

Reconheceu algumas qualidades nessa ou naquela figura (aliás,com invulgar pertinência para um mendigo), mas isso, a seu ver, nãoqueria dizer nada:

- O problema é o fundo da coisa: o caso é que o homem nãopresta. Ora, se o homem não presta, todos os futuros presidentes tambémserão ruínas. A natureza humana é que é de barro ordinário. Meu pai,por exemplo, foi um homem bastante bom. Mas não deu certo ser bomdurante muito tempo: então ele virou ruim.

Suspeitando de que eu não estivesse convencido da sua teoria,passou a demonstrar para mim que também ele era um sujeito ordináriocomo os outros:

- O senhor não vê? Estou aqui pedindo esmola, quando poderiaestar trabalhando. Eu não tenho defeito físico nenhum e até que nãoposso me queixar da saúde.

Tirei do bolso uma nota de cinqüenta e lhe ofereci pela suafranqueza.

- Muito obrigado, moço, mas não vá pensar que eu vou tirar osenhor da minha teoria. Vai me desculpar, mas o senhor também no fundo éigualzinho aos outros. Aliás, quer saber de uma coisa? Houve um homem defato bom, cem por cento bom. Chamava-se Jesus Cristo. Mas o senhor viu oque fizeram com ele?!

(P.M.C.)

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Diploma - Olha o diploma da mamãe! Quem tem sua mamãe deve lhe oferecereste diploma!

Era atrás do edifício da Noite, na passagem lamacenta onde seaglomeram vendedores de canetas automáticas de dez cores, e outrosartigos. O rapaz aproximou-se da banca onde se exibiam os diplomas.Pediu licença para pegar num deles, enquanto o vendedor continuavagritando a mercadoria sentimental.

Na rua - 73

Mirou e remirou o papel com atençao.

- Onde é que bota o retrato?

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- Que retrato?inquiriu o camelô.

- O meu, para oferecer a ela...

- Ah, compreendo, o cavalheiro quer oferecer um retratinho a suamamãe. Muito bem, pode colocar sua bonita estampa nas costas do diploma,está vendo?

Timidamente, o rapaz formulou a objeção:

- Mas, se ela enquadrar o diploma e pendurar na parede, oretrato fica escondido nas costas.

- Perfeitamente, nesse caso ela pode pendurar o quadro decostas, e o amigo fica aparecendo.

- Isso não. Eu queria botar meu retrato na frente do diploma,junto disso tudo que está escrito aí.

- Não tem problema, cola aqui neste canto, fica até maisinteressante.

O rapaz tirou um embrulhinho do bolso, tirou do embrulhinhosua fotografia em tamanho de postal, aplicou-a sobre o diploma, no lugarindicado pelo vendedor. Reconheceu, consternado:

- Cabe não.

- Cabe sim. Com licença, cavalheiro. Olhe como ficou bacana.

- Assim ele tapa as letras da escrita.

- Ora, só umas letrinhas. A maioria das palavras continuavisível. Que importância tem tapar algumas palavras? O cavalheirocobre elas com o carinho da sua fotografia.

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O rapaz continuava indeciso. Dar um diploma a sua mãe, no Diadas Mães, era idéia nova, excitante. Não entendia bem o que fossediploma, porém, certamente, sua mãe o merecia; e se o diploma levasse oretrato dele, deixava de ser um diploma qualquer, oferecido a qualquermãe. Mas, como, se não tinham previsto o lugar para o retrato do filho?

- Vai levar?perguntou o camelô, desejoso de fechar o negócio evoltar à pregação oratória - pois eles gostam ainda mais de falar àmultidão do que de vender.

- Bem... eu levo. Corto o peito do meu retrato, assim ele cabesem ofender as palavras. E como é que eu faço para mandar paraInajaroba?

- Onde fica isso, meu chapa?

- Sergipe, então não sabe?

- Até este momento não sabia, mas não tem problema. Enrola,bota no Correio, vai de avião.

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- Chega todo esbandalhado.

- Então, passa ali na papelaria e pede para botar enchimento,fazer uma embalagem bem legal.

- Mais um favorzinho, moço - e o rapaz baixou a voz e a cabeça.

- Vai dizendo, vai dizendo.

- Pode ler para mim o que está escrito aí? Eu não gostava queminha mãe recebesse o diploma sem eu saber o que estou mandando dizernele...

- Com todo o prazer - e leu com ênfase, para o rapaz e para ogrupo em redor, a declaração de amor de um filho a sua mamãe, em formade diploma.

(C.D.A.)

Na rua - 75

A outra noite Outro dia fui a São Paulo e resolvi voltar à noite, uma noite devento sul e chuva, tanto lá como aqui. Quando vinha para casa de táxi,encontrei um amigo e o trouxe até Copacabana; e contei a ele que lá emcima, além das nuvens, estava um luar lindo, de Lua cheia; e que asnuvens feias que cobriam a cidade eram, vistas de cima, enluaradas,colchões de sonho, alvas, uma paisagem irreal.

Depois que o meu amigo desceu do carro, o chofer aproveitou umsinal fechado para voltar-se para mim:

- O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa.Mas, tem mesmo luar lá em cima?

Confirmei: sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada etorpe havia uma outra - pura, perfeita e linda.

- Mas, que coisa...

Ele chegou a pôr a cabeça fora do carro para olhar o céu fechadode chuva. Depois continuou guiando mais lentamente. Não sei se sonhavaem ser aviador ou pensava em outra coisa.

- Ora, sim senhor...

E, quando saltei e paguei a corrida, ele me disse um"boa noite"e um"muito obrigado ao senhor" tão sinceros, tão veementes, como se eulhe tivesse feito um presente de rei.

(R.B.)

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Referências bibliográficas das crônicas utilizadas

Fernando Sabino "Fuga". In: A Mulher do Vizinho. 7.a ed. Rio de Janeiro,Record, 1976. p. 73-75.

"Turco". In: A Mulher do Vizinho. 7.a ed. Rio de Janeiro, Record, 1976.p. 102-04.

"Confusão com São Pedro". In: A Companheira de Viagem. 2.a ed. Rio deJaneiro, Sabiá, 1972. p. 115-18.

"Reunião de Mães". In: O Homem Nu. 13.a ed. Rio de Janeiro, Record,1976. p. 61-64.

"Ousadia". In: A Mulher do Vizinho. 7.a ed. Rio de Janeiro, Record,1976. p. 160-62.

Paulo Mendes Campos "O Médico e o Monstro". In: O Cego de Ipanema. Riode Janeiro, Ed. do Autor, 1960. p. 27-30.

"Chatear" e "Encher". In: Revista Pedagógica Brasileira. São Paulo, n.os19-20, p. 270.

"Coração Materno. In: Homenzinho na Ventania. Rio de Janeiro, Ed. doAutor, 1962. p. 56-59.

"O Risadinha". In: O Cego de Ipanema. Rio de Janeiro, Ed. do Autor,1960. p. 67-69.

78

"Mendigo". Transmissão na Rádio Ministério da Educação e Cultura,programa"Quadrante". Rio de Janeiro, 1963.

Rubem Braga "Quem Sabe Deus Está Ouvindo". In: Ai de Ti, Copacabana. Riode Janeiro, Ed. do Autor, 1960. p. 209-11.

"Flor-de-Maio". In: A Borboleta Amarela. 2. ed. Rio de Janeiro, JoséOlympio, 1956. p. 261-62.

"Neide". In: A Cidade e a Roça. 3.a ed. Rio de Janeiro, Ed. Sabiá,[s.d.]. p. 51-53.

"Aula de Inglês". In: 50 Crônicas Escolhidas. Rio de Janeiro,- JoséOlympio, 1951. p. 135-38.

"A Outra Noite". In: Ai de Ti, Copacabana. Rio de Janeiro, Ed. do Autor,1960. p. 183-84.

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Carlos Drummond de Andrade "Horóscopo". In: De Noticias & Não-NoticiasFaz-se a Crônica. 2. ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1975. p. 37-39.

"Caso de Recenseamento". In: Cadeira de Balanço. 8.a ed. Rio de Janeiro,José Olympio, 1976. p. 9-10.

"Abobrinha". In: Cadeira de Balanço. 8.a ed. Rio de Janeiro, JoséOlympio, 1976. p. 91-93.

"Na Escola". In: O Poder Ultra jovem e mais 79 Textos em Prosa e Verso.4.a ed. Rio de Janeiro. José Olympio, 1975. p. 11-13.

-"Diploma". In: Caminhos de João Brandão. 2. ed. Rio de Janeiro, JoséOlympio, 1976. p. 40-42.

Indice

Cronologia da vida e obra de Fernando Sabino 4 Cronologia da vida e obra de Paulo Mendes Campos 7 Cronologia da vida e obra de Rubem Braga 10 Cronologia da vida e obra de Carlos Drummond de Andrade 13

Crônicas Fuga (FS) 18 O médico e o monstro (PMC) 20 Quem sabe Deus está ouvindo (RB) 23 Horóscopo (CDA) 26 Caso de recenseamento (CDA) 30 Flor-de-maio (RB) 33 "Chatear e"encher" (PMC) 35 Turco (FS) 36 Neide (RB) 40 A abobrinha (CDA) 43 Confusão com São Pedro (FS) 46 Coração materno (PMC) 50 Na escola (CDA) 54 Reunião de mães (FS) 58 O risadinha (1) (PMC) 62 Aula de inglês (RB) 64 Ousadia (FS) 68 Mendigo (FMC) 70 Diploma (CDA) 72 A outra noite (RB) 75

Referências bibliográficas das crônicas utilizadas 77

Para gostar de ler

Fácil de ler e de gostar. Textos de grandes autores, apresentados deforma atraente para quem está começando a ler.

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CARA OU COROA? FERNANDO SABINOFESTA DE CRIANÇA Luís FERNANDO VERÍSSIMO