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Transporte e logística: as ferrovias no Brasil Márcio Rogério Silveira Resumo O presente texto procura fazer uma análise das consecutivas mudanças que vem sofrendo os setores de serviços públicos no Brasil, principalmente o setor ferroviário de cargas, que, a partir de 1995, é concedido à iniciativa privada. Busca-se, ainda, entender as mudanças gerenciais e de logística das novas empresas ferroviárias, como também, propomos um novo modelo de concessão dos serviços públicos, em função dos modelos realizados nos governos Collor e FHC não contribuírem para o desenvolvimento econômico nacional. Palavras-chave: Privatizações, Estradas de Ferro, Transporte de Carga, Setor Público, Setor Privado. Abstract This text presents an analysis of changes in the public service sectors in Brazil, principally the railroad cargo sector, which since 1995 has been privatized. It also sought to understand changes in management and logistics made by the new railroad companies. We also propose a new model for concession of public services, since the models realized in the Collor and Cardoso Administrations did not contribute to national economic development. Key-words: privatizations, railroads, transport cargo, public sector, private sector. Graduado em Geografia pela Faculdade de Educação – FAED da Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC e Doutorando no Curso de Pós-Graduação em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia – FCT da Universidade Estadual Paulista – UNESP, campus de Presidente Prudente ([email protected]). Geosul, Florianópolis, v.17, n.34, p 63-86, jul./dez. 2002

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  • Transporte e logstica: as ferrovias no Brasil

    Mrcio Rogrio Silveira

    Resumo O presente texto procura fazer uma anlise das

    consecutivas mudanas que vem sofrendo os setores de servios pblicos no Brasil, principalmente o setor ferrovirio de cargas, que, a partir de 1995, concedido iniciativa privada. Busca-se, ainda, entender as mudanas gerenciais e de logstica das novas empresas ferrovirias, como tambm, propomos um novo modelo de concesso dos servios pblicos, em funo dos modelos realizados nos governos Collor e FHC no contriburem para o desenvolvimento econmico nacional. Palavras-chave: Privatizaes, Estradas de Ferro, Transporte de

    Carga, Setor Pblico, Setor Privado.

    Abstract This text presents an analysis of changes in the public

    service sectors in Brazil, principally the railroad cargo sector, which since 1995 has been privatized. It also sought to understand changes in management and logistics made by the new railroad companies. We also propose a new model for concession of public services, since the models realized in the Collor and Cardoso Administrations did not contribute to national economic development. Key-words: privatizations, railroads, transport cargo, public sector,

    private sector.

    Graduado em Geografia pela Faculdade de Educao FAED da

    Universidade Estadual de Santa Catarina UDESC e Doutorando no Curso de Ps-Graduao em Geografia pela Faculdade de Cincias e Tecnologia FCT da Universidade Estadual Paulista UNESP, campus de Presidente Prudente ([email protected]).

    Geosul, Florianpolis, v.17, n.34, p 63-86, jul./dez. 2002

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    Introduo Esse texto uma tentativa de chamar a ateno para a

    importncia dos estudos relacionados Geografia dos Transportes (e Logstica ou Circulao) e da necessidade de reincluso dessa disciplina (ou do tema) nos cursos de Geografia e de reas afins. Um dos objetivos deste trabalho, ento, contribuir para a superao desta lacuna.

    Ao longo das ltimas dcadas1 o tema foi se extinguindo dos currculos dos cursos de graduao em Geografia e das pesquisas acadmicas. Se forem consideradas as dissertaes e teses elaboradas por gegrafos, verifica-se uma diminuio ainda mais acentuada.

    Atualmente, dentre os cursos de Geografia mais conceituados do Brasil, apenas o da UNESP de Presidente Prudente oferece a disciplina de Geografia da Circulao e dos Transportes. Entretanto, h poucas pesquisas ligadas a esse tema, tanto na graduao quanto na ps-graduao (mestrado e doutorado). J em outros conceituados cursos de Geografia, como na UNESP de Rio Claro, na USP, na UFSC, na UDESC, na UFPA, na UFBA, na UFF, na UFRJ e na UFPE no encontramos nenhuma disciplina relacionada aos transportes. Enquanto os gegrafos deixam de lado esses estudos, outras cincias interessam-se em pesquis-los, como a Economia, a Administrao e as Engenharias (principalmente a Engenharia de Produo), com maior nfase na dcada de 1980, pela importncia dos transportes no custo logstico das empresas. O aumento (em volume e em importncia) do

    1 Entre os gegrafos descendentes da segunda gnese da Geografia, com

    Humboldt e Ritter na Alemanha, continuou a defesa de uma Geografia mais totalizadora. Para estes era importante o estudo dos transportes e da circulao, como observamos em Paul Vidal de La Blache, Frederich Ratzel, Jean Brunhes, Max Derruau e os brasileiros Josu de Castro, Delgado de Carvalho, Milton Santos e outros. Com a fragmentao e especializao que vem sofrendo a Geografia a tendncia tem sido eliminar dos estudos geogrficos algumas determinantes importantes, como os estudos dos transportes e da circulao.

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    transporte internacional, por exemplo, passa a ser de forte interesse para os profissionais em logstica.

    Estudar esses elementos e suas caractersticas, no perdendo de vista sua formao, nos parece ser de fundamental importncia. Cabe a Geografia e aos gegrafos no deixar no ostracismo essa possibilidade.

    Breve histrico do desenvolvimento das estradas de ferro no Brasil

    A mquina-a-vapor, uma inovao tecnolgica conseqente da Primeira Revoluo Industrial, foi capaz de reestruturar todo o sistema produtivo, sendo durante muito tempo a principal fora motriz para as mais variadas mquinas das indstrias, para a movimentao de locomotivas, de tratores e de navios. justamente no capitalismo industrial que as estradas de ferro vo ser criadas, expandindo-se para os mais diversos cantos do planeta.

    Com isso, as ferrovias podem ser entendidas pelos benefcios (facilitou a circulao de produtos, passageiros, gerou riquezas etc.) ou pelos malefcios (formou monoplios e oligoplios, contribuindo para o imperialismo econmico) que trouxeram para a humanidade. Para a lgica capitalista, por sua vez, as estradas de ferro foram e ainda so de vital importncia, mesmo na atualidade sofrendo forte concorrncia dos outros modais. Desta forma, o centro do sistema capitalista ainda investe e inova o setor (locomotivas diesel, diesel-eltrticas, eltricas, Trens de Grande Velocidade - TGV; vages frigorficos, tanques, para contineres, autotrens; sistemas de acoplamentos; sistemas computadorizados de trafego; sistemas de comunicaes; novos sistemas de logstica e outros), como ocorre na Inglaterra, Frana, Estados Unidos, Alemanha, Japo e China. A China e a ndia, por exemplo, transportam mais de 60% de suas cargas por ferrovias e, juntas, possuem uma malha de 120 mil Km.

    A expanso do setor ferrovirio para a Amrica ocorreu, primeiramente, para os Estados Unidos que, aps 1834, passaram a fabricar suas prprias locomotivas. No Brasil, a primeira

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    locomotiva foi implantada no Rio de Janeiro, em 1854 e, em seguida, em So Paulo, objetivando o transporte das safras de caf do interior para o litoral, propiciando a exportao atravs dos portos (agro-exportao).

    Portanto, nas regies consideradas agro-exportadoras (grande parte da rea tropical e de topografia plana), os sistemas ferrovirios formaram verdadeiros corredores de exportao, tendo os traados ferrovirios quase sempre uma direo interior-litoral (sistema longitudinal). J no Sul (clima temperado, topografia mais acidentada e com importantes vales frteis) se estabeleceu a pequena produo mercantil e os principais ncleos produtores (produo essencialmente para o mercado interno) foram mais bem servidos pelas ferrovias (sistema radial). As ferrovias no Sul exerceram a funo de agrupar (vrias ferrovias e trechos regionais) e exportar (atravs da Estrada de Ferro So Paulo-Rio Grande) sua produo, primeiramente para o mercado consumidor emergente do Sudeste, nas reas em urbanizao e industrializao e, secundariamente, para o prprio mercado do Sul e para a exportao (Silveira, 2002a).2

    No mbito nacional, a partir da dcada de 1930, o setor enfrentou uma fase de estagnao ou de fraco crescimento, quando se acelera de forma seqenciada (para no dizer planejada) a construo do parque industrial brasileiro (Bastos, 2000, p. 150). Nesse momento, o setor procura atender mais o mercado interno, objetivando o escoamento da produo industrial nacional. Para viabilizar a eficincia das ferrovias, Getlio Vargas passou a estatizar parte da malha nacional. As estatizaes s foram concretizadas em 1957, com a criao da RFFSA (Rede

    2 O transporte terrestre registrado na regio Sul no ano de 1967 mostrou

    que, primeiramente, a maior parte da produo sulina direcionava-se para o Sudeste (72,4% - 4,6 milhes de toneladas) e, secundariamente, para o mercado do Sul (20,5% - 1,3 milhes de toneladas). Por cabotagem, os maiores mercados aos quais se destinaram a produo sulina foram os do Sudeste, com 786.085 toneladas e os do Nordeste, com 213.433 toneladas (Strauch, 1977).

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    Ferroviria Federal S/A). Esses acontecimentos foram fundamentais para que o setor no entrasse em decadncia. A fase de estagnao durou at a dcada de 1960, perodo em que o pas passou a ter 38.287 Km de linhas ferrovirias, ou seja, em relao a 1930, houve apenas crescimento de 6.000 Km. Agrega-se a esse perodo o desenvolvimento do sistema rodovirio que passa a eliminar as barreiras regionais, iniciando a formao de um mercado nacional, com novos espaos comerciais para o capital industrial (Pereira, 1997). Assim, a constituio de um territrio unificado se deu pelo sistema rodovirio.

    Na dcada de 1970 todo o sistema ferrovirio brasileiro entra em decadncia em razo da maturao e da concorrncia com o sistema rodovirio (rodovias federais, estaduais e municipais) e da falta de investimentos no setor ferrovirio pelo Estado e pela iniciativa privada. Esse perodo de decadncia durou at a metade da dcada de 1990, quando foi concedida iniciativa privada. Nesse perodo foram desativados, no territrio brasileiro, em torno de 8.000 Km de extenso ferroviria.

    A partir de 1995 tem incio o processo de desestatizaes das ferrovias federais (RFFSA, Ferronorte, Norte-Sul e outras) e estaduais (Fepasa Ferrovia Paulista S/A e Ferropar Ferrovia Paran S/A), concedidas empresas privadas, gerando forte processo de reestruturao (compra de locomotivas e vages no mercado internacional, melhora nos sistemas de logstica e de comunicaes, desativao de trechos antieconmicos e formao de oligoplios) no setor ferrovirio brasileiro.

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    A concesso da malha ferroviria brasileira Com relao ao contexto nacional, afirmamos que, nos

    ltimos vinte anos, houve uma drstica reduo da poupana pblica, inibindo futuros investimentos estatais em setores fundamentais da sociedade.3 Essa incapacidade do Estado brasileiro trouxe deficincia para muitos setores de infraestrutura, como o ferrovirio. Agrega-se a esse fato a inaptido do Estado em promover o direcionamento dos recursos ociosos gerados pelas indstrias de bens de produo durante o II Plano Nacional Desenvolvimento (PND) para as reas antiociosas, sobretudo as infraestruturas (Rangel, 1985).

    As conseqncias para o modal ferrovirio foram expressas: 1) pela imagem de ineficincia medida pela produo estagnada e pela inapetncia na competio intra e intermodal no mercado de transportes, 2) pelos seus dficits operacionais, 3) pela presso por recursos fiscais compensatrios, 4) pela deteriorao de seus nveis de servios, 5) pelos desinvestimentos e problemas regulamentares aguados em tempos de crise fiscal (quando um novo modelo ideolgico, centrado na reforma do Estado e na necessidade de incrementar a eficincia global da economia alcana o pas), 6) pela falta de congruncia da RFFSA e da FEPASA s lgicas de entidade empresarial e, 7) por servir como instrumento da poltica de governo e outras.

    Portanto, esses argumentos estimularam a crena de que as concesses iriam desonerar o Estado de encargos operacionais, reduziriam custos das atividades delegadas e estimulariam a vinda de capitais privados para a prestao de servios pblicos. Os investimentos privados redundariam numa maior eficincia operacional (gesto e logstica), investimentos em material rodante 3 Em 1996 a taxa de investimentos no pas girou em torno de 15% do PIB

    e a participao dos investimentos pblicos ficou em torno de 6%, o que levou a deteriorao das infraestruturas (Branco, 1997). Com a recesso, aps 1996, houve diminuio dos investimentos, resultando na lentido das obras do Plano Brasil em Ao. A crise energtica em 2001 e 2002 outro exemplo.

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    e permanente, reduo do Custo Brasil nos transportes ferrovirios, fomento de diversos novos empreendimentos ligados ao setor de transporte ferrovirio, como a indstria de equipamentos e a construo civil, mudana na matriz de transporte (substituio do domnio das rodovias pelas ferrovias) e, por conseguinte, crescimento econmico do pas.

    Aproveitando-se do contexto e dos discursos a favor das concesses e privatizaes, os interessados em assumir as empresas pblicas passaram a incentivar a desregulamentao e a privatizao dos setores de utilidade pblica, em nome da economia de mercado. Assim, o Brasil entraria no rol dos Estados modernos e globalizados. Esse discurso est em consonncia com os interesses particulares de grandes grupos econmicos estrangeiros e nacionais, na inteno de assumir as empresas pblicas por preos simblicos, sem regras, sem limites de ganhos e sem compromissos sociais. Esse fato, segundo Branco (1997, p. A-3) a prpria negao dos princpios bsicos da prestao de servios pblicos, mas acabou permeando a prpria legislao brasileira das concesses.

    Por conseqncia destes fatos formou-se o Conselho Nacional de Desestatizao, que incluiu, entre outros setores, aps estudos do BNDES, a RFFSA, no Programa Nacional de Desestatizao, institudo pela Lei no 8.031 de 1990 e legislao complementar. O Decreto foi o no 473 de 1992 e concede a RFFSA e sua subsidiria Armazns Gerais Ferrovirios S.A. AGEF (criada em 1959 para operar armazns e silos complementando o transporte de carga efetuado pela Rede) por trinta anos, com possibilidade de renovao do contrato por mais trinta anos.

    O governo federal dividiu, assim, as doze superintendncias regionais da RFFSA (com 22.069 Km) em seis malhas, compostas pela Estrada de Ferro Tereza Cristina, pela Malha Centro-Leste, pela Malha Nordeste, pela Malha Oeste, pela Malha Sudeste e pela Malha Sul. O primeiro leilo foi o da malha Oeste, em maro de 1995, e o ltimo foi o da Fepasa, no final de 1998. A RFFSA foi vendida por R$ 1,5 bilho (exceo da Fepasa), metade do valor da

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    dvida que o setor acumulou. A Fepasa depois de transferida para a RFFSA foi vendida por R$ 245 milhes.

    Aps a entrega do setor ferrovirio iniciativa privada houve uma srie de modificaes na estrutura ferroviria nacional. Algumas concessionrias conseguiram avanos e outras se encontram sucateadas e contribuindo muito pouco para o desenvolvimento das regies onde exercem influncia. Dentro deste contexto, cabe fazer uma breve avaliao do setor nacional na atualidade.

    O modelo de concesso (Fernando Henrique) realizado

    Para a equipe econmica do BNDES liderada por Igncio Rangel, deveria existir uma lei de concesso que regulasse a relao entre o poder concedente, isto , o Estado e os concessionrios. Essa lei deveria valer para todos os contratos de concesses, seja para o setor ferrovirio, energtico, saneamento, porturio etc. Assim, se teria claro os direitos e deveres dos concessionrios e dos usurios, representados pelo Estado. Essa lei deveria dar amplos poderes ao Estado para que ele decidisse onde investir, priorizando a ampliao das obras pblicas, qualidade dos servios e o valor das tarifas.

    Segundo Pizzo (1997), o Projeto-Lei foi apresentado ao congresso nacional, mas sofreu uma srie de mudanas e acabou sendo aprovado como Projeto Fernando Henrique, perdendo a caracterstica inicial. O oportunismo dos defensores das privatizaes foi vencedor dessa batalha.

    A idia original seria dar concesso ao setor privado para que ele investisse em setores sucateados e, por conseguinte, setores que estariam precisando de investimentos. Assim, se protegeria aqueles setores que esto supercapitalizados e dando lucro ao Estado ou que so importantes para a manuteno da soberania nacional, como a CVRD, a Telebrs, o setor petroqumico e outros.

    A funo do Estado, na proposta de Rangel (1980), seria de regulador, planejador, fiscalizador, poder concedente e ficaria responsvel por uma considervel parcela da intermediao

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    financeira (credor hipotecrio). Mas o que aconteceu foi a formulao e a aprovao de um Projeto-Lei, durante o Governo Collor, baseado nas idias neoliberais de gerao de recesso, de Estado Mnimo, onde o Estado se ausenta de uma srie de responsabilidades. Para Rangel o Estado deveria ser forte, gil e eficiente e participar de alguns projetos importantes, inclusive com parcela das inverses necessrias, para atrair a iniciativa privada.

    Portanto, Collor e FHC so responsveis por jogar no lixo uma alternativa importante para a sada da crise brasileira, ou seja, uma concesso eficiente de servios pblicos e gerador de efeito multiplicador, capaz de atingir o pleno emprego. Ao mesmo tempo em que o governo ficou aliviado da administrao e despesas de certos setores pblicos, perdeu a lucratividade de alguns, como a CRVD, o sistema mvel celular, inviabilizou a retirada de impostos futuros das empresas estatais para investimentos prioritrios, facilitou que o efeito multiplicador (com isso tambm levou as indstrias de equipamentos de infraestrutura a falncia, a serem vendidas a empresas estrangeiras, como ocorreu com a Mafersa, a Maxion, a Villares e outras) ocorresse fora do Brasil, permitiu a fuga de capitais oriundos dos lucros dessas empresas, abriu mo de empresas estratgicas do ponto de vista nacional e entregou empresas lucrativas por preos irrisrios (A CRVD e o setor petroqumico so casos assustadores).

    Proposta de concesso de empresas pblicas iniciativa privada: alternativa ao modelo realizado

    As idias trabalhadas por John Maynard Keynes (1982) e por Igncio Rangel (1980) so decorrentes, de seus papeis de crticos contundentes de diversos elementos da economia de seus pases e exteriores a ele, ou seja, das crises internacionais e de seus reflexos nas economias nacionais. No caso de Rangel a preocupao estava mais ligada as crises cclicas que geravam diversas reaes na economia brasileira, como transferncia de recursos de reas ociosas para reas antiociosas etc. Essas transferncias, responsveis pelo desenvolvimento industrial brasileiro, perderam intensidade a partir

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    da dcada de 1980 (falta de planos de desenvolvimento econmicos consistentes, como o Plano de Metas, o I PND e o II PND). Mas para esse estudioso construir essas idias foi preciso, alm das teorias marxistas e da teoria dos ciclos, buscar outras, como o princpio da demanda efetiva4 de Keynes.

    Para Keynes, o capitalismo funciona mal por falta de demanda (procura) e essa caracterstica obra da prpria deficincia do sistema. Como conseqncia mais cruel tem-se elevao dos nveis de desemprego. Para resolver esse problema, acredita-se, preciso haver maior produo e para haver maior produo necessrio aumentar a demanda. Assim, quem determina o volume da produo e, portanto, o volume do emprego a demanda efetiva que no apenas a demanda efetivamente realizada, mas ainda o que se espera seja gasto em consumo mais o que se espera seja gasto em investimento (Arajo, 1998, p. 115). Os empresrios agem com os olhos postos nos lucros futuros e, caso as perspectivas sejam boas, conseguem capital (prprios pelas transferncias intersetoriais, emprstimos ou a combinao de ambas) e realizam investimentos, viabilizando muitos projetos, desde que os lucros sejam superiores aos juros.

    Como j constatado, o Brasil um pas com capacidade produtiva ociosa instalada, com plantas industriais, mquinas, equipamentos e mo-de-obra disponvel. clara a existncia de setores necessitando de investimentos, como os servios pblicos.

    4 Nessa teoria Keynes teve predecessores, como Thomas Malthus, Sismomdi,

    Karl Marx, Robertson e Wicksell, mas foi ele o primeiro autor a apresentar uma viso terica alternativa a escola neoclssica capaz de explicar o caos econmico de sua poca, como a depresso do final da dcada de 1920. Sua preocupao era as duas principais fraquezas do capitalismo, o desemprego e a distribuio excessivamente desigual e arbitrria da renda e da riqueza. Para controlar essas disparidades Keynes previa a interveno estatal na economia (enfraquecimento do liberalismo econmico e do laissez-faire) atravs de investimentos macios em infraestruturas pblicas, capazes de abrandar o desemprego, gerar aumentos da renda, do consumo, da poupana e da produo (Arajo, 1988).

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    O Estado precisa, ento, carrear esses recursos dos setores superavitrios para os subinvestidos, criando expectativas de lucros futuros para os empresrios e/ou aumentando os investimentos na produo atravs de endividamentos no mercado financeiro. Para isso, responsabilidade do Estado proporcionar s inverses uma taxa de retorno superior taxa de juros (eficincia marginal o capital), caso contrrio os empresrios aplicaro seu dinheiro no mercado financeiro e/ou no buscaro financiamentos, inibindo os investimentos.

    Ao contrrio do que acreditam os economistas neoclssicos, o determinante do investimento no simplesmente a poupana (p-de-meia que leva ao auto-ajustamento do mercado), mas tambm a expectativa de lucro do empresrio. Portanto, aumentando os investimentos, h aumento da renda e, aumentando-se a renda, a poupana, que um resduo (renda no gasta), tambm aumenta (Arajo, 1998).5

    Caso o aumento dos investimentos retirados das reas superinvestidas no leve a economia nacional ao pleno emprego, as autoridades monetrias podero abaixar os juros (at um limite que no torne a liquidez mais interessante), viabilizando outros projetos que, com a ajuda do efeito multiplicador, aumentar o nvel do produto nacional. Quando as taxas de juros ficarem superiores a 5 A diminuio da renda levar a uma diminuio da poupana (...).

    Este fato conhecido na literatura econmica como paradoxo da parcimnia e mostra que a poltica econmica no tem meios de agir diretamente sobre a poupana. Se ela quiser aumentar a poupana, ter de procurar um aumento da renda e no uma diminuio do consumo (Arajo, 1998, p. 125). Percebemos que os governos federais com mandatos entre 1990-2002 tiveram polticas econmicas que apostaram muito no mercado, intervindo pouco na economia, diminuindo as possibilidades de investimentos, de aumento da renda, do consumo e da poupana. Ver dados do DIEESE referentes ao Plano Real (aumento da cesta bsica, decrscimo do PIB, aumento das dvidas interna e externa, balana comercial negativa, diminuio das reservas internacionais, aumento do desemprego, aumento do tempo mdio para a procura de emprego e outros).

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    eficincia marginal do capital, os investidores particulares no se efetivaro e ento o momento do Estado reforar seus investimentos.

    A interveno estatal, para gerar investimentos, poder vir atravs de uma poltica monetria (diminuio das taxas de juros) e de uma poltica fiscal. Os aumentos dos impostos e dos gastos governamentais podero ser transformados em investimentos produtivos. Entretanto, para aumentar as inverses o Estado dever aumentar seus recursos e a melhor forma de se fazer isso, para Keynes, no o aumento dos impostos, mas a gerao de dficits oramentrios. Esse parece ser o caminho mais vivel, mas muitos pases perderam o controle do aumento do endividamento, como o Brasil nas dcadas de 1970 e de 1990. J para desaquecer a economia o governo pode cortar seus gastos ou aumentar os impostos, diminuindo a demanda.

    O efeito multiplicador, apontado por Rangel, facilmente identificado na obra de Keynes (efeito circular),6 que tem como principal preocupao o pleno emprego. Usaremos como exemplo dessa discusso o setor de infraestrutura ferroviria.

    A contratao de novos trabalhadores, pelos investimentos privados ou estatais, para a construo de estradas de ferro, tem como resultado o pagamento de salrios, aumentando a renda de uma determinada parcela da populao. Esses salrios sero gastos, por exemplo, com a aquisio de bens de consumo, aquecendo a economia atravs da gerao de mais empregos no comrcio, nas indstrias de bens de consumo e na agropecuria. O aumento da

    6 Para Keynes, no fluxo circular o dinheiro flui das empresas para o

    pblico sob a forma de salrios, remuneraes, rendas, juros e lucros; em seguida, esse dinheiro retorna para as empresas quando o pblico adquire os bens e servios oferecidos por elas. O processo perdura, enquanto as empresas puderem vender tudo o que produzirem e obter lucros satisfatrios (Hunt & Sherman, 2001, p. 167). Mas o fluxo circular apresenta vazamentos que se expressam em forma de poupana, como relatamos anteriormente. Entretanto, parte da poupana usada para a realizao de investimentos.

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    renda desses setores, incluindo os novos salrios, tambm aquecero o comrcio e a indstria de bens de consumo, resultando, com isso, no aquecimento das indstrias de bens de produo, insumos agrcolas e assim por diante. O desemprego vai ser eliminado pelo aumento da demanda. Ao atingir uma parcela da populao, h reproduo dos benefcios sobre toda a comunidade, pois o efeito multiplicador tem efeito sobre a renda. Portanto, quanto maior a propenso a consumir, maior ser a renda e mais eficaz o efeito multiplicador.

    No entanto, como j vimos, parte da renda poupada pelos trabalhadores e pelo capitalista, outra parte gasta no consumo no mercado internacional (movimentando o efeito multiplicador em outros paises) e outra se destina ao pagamento de impostos, havendo vazamentos no fluxo circular, ou seja, diminuio do efeito multiplicador. A sada seria resolver o problema da balana comercial negativa (aumentando as exportaes), utilizar os impostos para financiar a aquisio de bens e servios e a poupana para financiar os investimentos dos empresrios. Assim, o vazamento seria controlado e o governo teria uma srie de polticas capazes de gerar melhorias em diversos setores.

    preciso lembrar, ainda, que quando se inicia uma obra do porte de uma ferrovia, h o aquecimento das indstrias de mquinas e de equipamentos ferrovirios e, conseqentemente das indstrias de peas e de matrias-primas e do comrcio e servios. Envolve-se todo um sistema. Haver, portanto, efeito multiplicador por vrios ngulos, contemplando toda a macroeconomia nacional. Keynes e seus discpulos desenvolveram clculos para identificar o grau de atuao do efeito multiplicador em vrios setores de infraestruturas, discusso, entretanto, no oportuna para o momento.

    O sistema capitalista imperfeito e o nico meio de levar equidade para toda a populao seria mudando o modo de produo. Como o momento histrico mostra que essa mudana invivel, resta lutar para que haja, no capitalismo, maior justia social. O modelo de Keynes no totalmente justo, pois a capacidade para consumir e para poupar maior por parte do

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    capitalista do que por parte do trabalhador assalariado. Outra questo sobre esse modelo que ele justifica a economia de guerra, como fizeram/fazem Hitler, na dcada de 1930, e os Estados Unidos, ao longo de sua histria, sobretudo aps a Segunda Grande Guerra e, posteriormente, na Guerra do Vietn, do Golfo, do Afeganisto e na provvel Guerra (portanto, no somente uma guerra psicolgica) no Iraque (incio do sculo XXI). Para o Governo George Bush a guerra tambm uma questo de sobrevivncia poltica prpria, pois sua campanha eleitoral foi financiada pelas indstrias blicas dos Estados Unidos e h que se retribuir o apoio. Atualmente, fica fcil associar Bush a Hitler. Mas esses problemas podem ser amenizados pela interveno estatal, direcionando inverses para as obras pblicas subinvestidas. A eliminao completa desses problemas ocorrer somente numa economia onde as necessidades dos homens sejam superiores as necessidades da produo (baseada, antes de tudo, no princpio do lucro excessivo).

    A atual situao da rede ferroviria nacional

    Aps a concesso da RFFSA e da Fepasa, assumiram a malha nacional as companhias privadas, com destaque para a Companhia Siderrgica Nacional (CSN), a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e o Grupo Garantia (Participao na ALL, na Ferropar e na Ferroban Ferrovias Bandeirantes S.A. controlando o trecho sudoeste da antiga Fepasa). Essas empresas controlam mais de 60% da malha ferroviria nacional, o que nos faz lembrar do controle exercido pelo Sindicato Farquhar sobre a maioria das ferrovias do pas nas primeiras dcadas do sculo XX.

    A CVRD controla a Estrada de Ferro Vitria a Minas, a Estrada de Ferro Carajs, a Ferrovia Norte-Sul, a MRS Logstica (32% de participao acionria) e a Ferrovia Centro Atlntica (apesar de possuir 18,31% das aes) e faz parte dos acionistas da Companhia Ferroviria do Nordeste e da Ferrovia Bandeirantes. Possui, tambm, interesse na viabilizao do projeto da Ferrovia Transnordestina (coleta de cargas do Rio So Francisco para lev-

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    las at Recife e Fortaleza, atingindo os portos de Pecem/CE, Suape/PE e outras praas). A Vale est presente em outros setores, com operaes em terminais porturios, como o Tecon de Sepetiba (50%), o Rio Doce Pasha Terminal RDP (Los Angeles/EUA) e o terminal de Vila Velha/ES. Tambm tem operaes prprias nos terminais martimos de Ponta de Madeira/PE, Tubaro/ES, Paul/ES, Praia Mole/ES e Incio Barbosa/SE. A empresa alcanou, em 2001, uma lucratividade de US$ 449 milhes somente com o transporte de cargas para terceiros (principalmente o setor siderrgico e agroindustrial), o que representa 20% de todo seu faturamento. A Vale tambm acionria da Companhia Siderrgica de Tubaro (22,85%), Usiminas (11,57%) e Aominas (3,48% via Docenave).7 Fica evidente a formao de monoplio da CVRD no setor de transportes ferrovirio.

    A ALL tambm no foge a regra e atualmente controla grande parte das ferrovias na regio Sul do Brasil, no sul de So Paulo e tambm na Argentina (Silveira, 2002b). Podemos tambm incluir o sistema multimodal, com a participao da ALL na empresa rodoviria Delara. O que ocorre que essas empresas vo contra a livre concorrncia. A Vale produz e transporta minrio at o porto, tambm controlado por ela. O problema que a empresa est usando isso para limitar a atuao dos concorrentes, redigindo contratos onde o usurio da ferrovia se compromete a no exportar para certos pases onde a Vale tem interesse comercial.8

    Dentre as empresas que controlam as ferrovias, a nica com experincia na administrao do setor de transporte so a Interfrrea, empresa com acionistas rodovirios, e que

    7 SANTOS, Suzana. Vale presta servios a terceiros. Jornal Gazeta

    Mercantil, 21 set. 1999, p. 1 (Relatrio Logstica) e HAFEZ, Andra; FERREIRA, Jorge. Transporte ferrovirio ainda ineficiente. Jornal Gazeta Mercantil, 06 de set. 1999, p. A-5.

    8 Paulo Fleury (Professor do Centro de Estudos de Logstica do Coppead) em entrevista a Carlos Vasconcellos. Jornal Gazeta Mercantil, 21 set. 1999, p. 4 (Relatrio Gazeta Mercantil).

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    responsvel, em parte, pela implantao dos planos intermodais, como ocorre na ALL. Com essas informaes, observa-se que a maioria das ferrovias ficou nas mos dos seus grandes clientes, de grupos de investimentos, um pouco na mo de industriais e praticamente nada na mo de consagradas operadoras de transportes. Estas ltimas, no Brasil, so formadas por empresas estrangeiras, como a Railtex e a Noel Group. A entrada destes grupos serviu para dar legalidade ao consrcio, como exigncia do edital de concesso.

    Outros pontos negativos so verificados atravs do pouco crescimento das indstrias de equipamentos ferrovirios nacionais, sobretudo pelas companhias ferrovirias estarem comprando equipamentos no mercado internacional, reformando sucatas de locomotivas e vages, como a Ferropar e a Ferrovia Tereza Cristina e substituindo trilhos e dormentes em bom estado nos trechos antieconmicos e recolocando-os nos trechos mais lucrativos, como vem acontecendo no vale do Rio do Peixe, em Santa Catarina, e no trecho da antiga Ferrovia Sorocabana, no Oeste paulista. Ambos os trechos esto sob o domnio da ALL.

    Outras mudanas observadas atualmente se referem ao enxugamento do quadro de pessoal, que diminuiu consideravelmente, a reduo da ociosidade dos equipamentos, a implementao do sistema logstico, com a modernizao das comunicaes, a reformulao das estratgias comerciais e a atualizao dos modelos de gesto.

    Os sistemas de logstica e a reestruturao das estradas de ferro no Brasil

    O termo logstica (do francs logistique) foi desenvolvido pelos militares para expressar as estratgias de abastecimentos para os batalhes militares nas frentes de batalha (planejamento de armazenamento, de transporte, de distribuio, de reparao, de manuteno, de evacuao de materiais, de recrutamento, de incorporao, de hospitalizao etc.). Assim, nenhum tipo de suprimento (armamentos, munies, alimentos, medicamentos,

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    correspondncias, vesturio etc.) faltaria. O primeiro general a utilizar o termo foi Von Claussen, de Frederico da Prssia. Posteriormente a logstica foi desenvolvida pela Inteligncia Americana (CIA), juntamente com os professores de Harvard, para a Segunda Guerra Mundial, adequando-se, mais tarde, ao mundo dos negcios, surgindo como matria na Universidade de Harvard nos cursos de Administrao de Empresas e Engenharias, espalhando-se por vrios cantos do mundo.

    O termo logstica apresenta-se, atualmente, como um conceito revolucionrio, capaz de explicar as diversas mudanas nos sistemas produtivo e de transportes. Muitos acreditam que somente a logstica capaz de resolver diversos problemas e explicar, inclusive, a evoluo da sociedade mundial. A logstica, acredita-se, importante, mas no mais que a produo e o comrcio, pois assessrio destes. O termo tambm no explica, certamente, a evoluo da humanidade (revoluo logstica a partir da revoluo dos transportes e da circulao).

    Na verdade, a logstica simples e limitada, apresentando-se, na atualidade, como contribuio a um novo modelo econmico, espacialmente mais amplo, ou seja, a globalizao, como resultado de uma poltica econmica neoclssica, o neoliberalismo (Hayek, Dornbusch e outros). A importncia da logstica est na utilizao da tecnologia da informao, atuando em conjunto com novas formas de gesto mais preocupadas com a diminuio dos custos de produo, dos transportes e da comercializao.

    Assim, os servios de logstica envolvem alguns segmentos, como a distribuio fsica, a administrao de materiais e suprimentos, as operaes de movimentao de materiais, de produtos, transportes e outros. A inteno acelerar a disponibilidade de produtos e materiais nos mercados e pontos de consumo com mxima eficincia, rapidez e qualidade, com custos controlados e conhecidos (Fontana & Aguiar, 2001, p. 211). Portanto, o conceito de logstica abarca diversas situaes ligadas movimentao e a estocagem de produtos, com objetivo principal

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    de aumentar a competitividade em diversas escalas. Dessa forma, as operaes logsticas atuam da jusante (aquisio de matrias-primas) montante (entrega ao consumidor final) do sistema, realizando operaes multimodais e contribuindo com o desenvolvimento de equipamentos especiais.

    A modernizao tecnolgica e as novas estratgias de gerenciamento contribuem para diferenciar os servios das transportadoras e agenciadoras com o das operadoras logsticas. Essas ltimas utilizam mais tecnologias da informao. Tais mudanas auxiliaram no aumento da competitividade, reformulando na empresa os setores de distribuio, de layouts, de equipamentos de movimentao e de armazenagem, atravs dos softwares de gesto, de roteirizao e de radiofreqncia.

    A movimentao de mercadorias, sobretudo para longas distncias, sempre representou a maior fatia dos custos fora da linha de produo, o que justifica, em parte, nossa preocupao quanto eficincia dos modais de transportes, sobretudo o ferrovirio. Uma empresa de transporte quando adota a viso logstica visa eliminar os desperdcios, as gorduras, principalmente em relao a melhores rotas e menor tempo de percurso. O transporte deve fluir retilineamente, evitando curvas e gargalos e, assim ter os custos diminudos (evitando pedgios, substituindo e/ou intercalando modais, escolhendo melhores rotas, diminuindo o tempo de entrega, personalizando servios, armazenando, cuidando de burocracias, como impostos e liberalizaes em alfndegas etc.).

    Nos transportes, a rede tecnolgica, sobretudo a virtual, como a tecnologia da informao (encontro da informativa com as telecomunicaes radiofreqncia, GPS, softwares especializados e outros) se superpe a rede fsica concreta (as linhas e os ns estaes ferrovirias, por exemplo). Com os novos sistemas de roteirizao algumas rotas so priorizadas, outras so eliminadas, melhora-se a eficincia operacional das ferrovias e escolhem-se trechos antieconmicos que sero desativados. Muitas redes e/ou linhas fsicas ferrovirias regionais desativadas foram/so importantes para o desenvolvimento das

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    regies (comercializao), servindo como pontos de contato com o exterior. O interesse econmico das concessionrias prevalece sobre as necessidades de desenvolvimento das regies e a rede urbana regional perde um de seus laos com o exterior (Rochefort, 1998). As linhas antieconmicas so compensadas pela rede virtual que se compe e se sobrepe a rede concreta, organizando-a.

    Nessa perspectiva, as empresas ferrovirias tambm substituem os trechos desativados por outros modais, como faz a ALL, evitando investimentos no trecho entre Maring/PR e Presidente Epitcio/SP, preferindo assim transportar por caminhes a soja e outros produtos do Mato Grosso do Sul at o Porto Seco de Maring. As empresas ferrovirias esto, com isso, preferindo adequar-se aos novos conceitos logsticos, aumentando sua eficincia operacional e cobrando mais por esses servios, aumentando seu lucro sem precisar aumentar a quantidade de carga transportada, o que levaria a altos investimentos em trechos abandonados e a construes de outros.

    Todas essas transformaes que vem passando o transporte ferrovirio de cargas no Brasil, a partir da dcada de 1990, precisam ser analisadas atentamente. Entre essas transformaes, a mais recente opo no atuar mais isoladamente, mas em conjunto, atravs da multimodalidade.

    O Brasil diante das mudanas logsticas

    Aps a abertura econmica, as privatizaes e as concesses (que no caso do Brasil so tambm desnacionalizaes) das empresas privadas nacionais, o Brasil teve que se adaptar a nova ordem comercial internacional. Essa mudana brusca resultou na entrada de empresas internacionais para operar os servios de logstica, j que as operadoras de transportes nacionais levaram tempo para se adaptar as mudanas tecnolgicas. Algumas das empresas estrangeiras foram/so a Brasildocks (criada em 1986 pela Pirelli), a gigante estadunidense Ryder (1997) que presta servios a General Motors, a sua Danzas Worldwide (comprou a

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    DDF Logstica do grupo Philips) em 1999, a Penske Logistics (formou joint venture com a Cotia Trading), a McLane (grupo Wal Mart) que atua como operadora da Philip Morris, a Mark VII, A Energy Worldwide que atua com a General Motors, a Hellmann Logistics que opera os produtos da Ford e da alem Mosolf, que parceira da Tranzero (especializada em transportes de veculos), a CAT que opera com a Renault e muitas outras.9

    S a partir de 1995 que comeam a surgir algumas empresas brasileiras importantes, como a Columbia, a Hrcules, a Delta Records e a Unidock. Outras empresas deixaram de ser agenciadoras de cargas e transportadoras para atuarem como operadoras logsticas. Das empresas estrangeiras que adaptaram suas atividades cita-se a Circle e Schenker (comprou a TDF em 1997) e a TNT (empresa holandesa) que passou de transportadora para operadora logstica e opera com a FIAT em Betim/MG.

    Segundo a Associao Brasileira de Movimentao e Logstica (ABML), a logstica representa de 15% a 18% do PIB brasileiro (nos Estados Unidos de 11% do PIB) e pode ser abaixado at em 25% do valor de um produto se esse servio for bem administrado.10 Portanto, o setor de logstica considerado parte essencial da economia nacional e um setor estratgico.

    Conforme observou-se acima, a grande maioria das empresas de servios logsticos citadas so estrangeiras, o que demonstra que o Brasil precisaria de mais tempo para se adequar s novas mudanas do mercado. Mas com a abertura econmica as empresas nacionais foram pegas de surpresa e no conseguiram competir com os preos, com as experincias e com a estrutura das empresas estrangeiras. Desta forma, so poucas, atualmente, as

    9 HESSEL, Rosana. Gigantes do setor descobrem o Brasil. Jornal Gazeta

    Mercantil. 21 set. 1999, p. 1 (Relatrio Logstica). 10 Ainda segundo a ABML, no setor de varejo, o custo de logstica pode

    chegar a 80% do faturamento e na indstria automobilstica varia prximo dos 20%. HESSEL, Rosana. Gigantes do setor descobrem o Brasil. Jornal Gazeta Mercantil. 21 set. 1999, p. 1 (Relatrio Logstica).

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    grandes empresas brasileiras de servios de logsticas, sendo excees a CVRD, a ALL, a FCA, a MRS Logstica e outras concessionrias ferrovirias que aps a concesso investiram em tecnologia da informao para transformar as empresas ferrovirias em operadoras logsticas (uma forma alternativa para compensar a no construo de novos trechos e manter altos lucros com pouco aumento de cargas transportadas).

    Outro ponto a ser destacado que empresas estrangeiras, como a General Motors, a Ford etc. do preferncia a empresas de logstica associadas a elas em outros pases e com preos mais competitivos.

    Concluso

    Em mbito nacional, a proporo em que se consolida o processo republicano, considerveis mudanas so gestadas e a Nova Repblica surge com profundas alteraes no quadro geral da economia nacional. Aqui, a expanso do mercado interno, o crescimento da indstria, o desenvolvimento voltado para dentro (fase recessiva do terceiro ciclo longo de Kondratieff 1921-1948) vo levar o setor ferrovirio a fazer o transporte da produo industrial entre regies produtoras e os mercados consumidores regionais. Devido ao direcionamento que tomou as ferrovias, no seu perodo de desenvolvimento, elas no conseguiram integrar o mercado nacional e a construo de um sistema ferrovirio voltado para o mercado interno no se tornou vivel.

    Todas as mudanas que envolveram a economia nacional, nas ultimas dcadas, influenciaram o setor ferrovirio, ocasionando o sucateamento deste. O governo federal, ento, concedeu iniciativa privada a RFFSA e a Fepasa. Criticamos o modelo de concesso adotado, pois este originou um contrato de concesso simples e cheio de falhas. A preocupao do governo era livrar-se dos prejuzos que deixava a RFFSA aos cofres pblicos, ocasionando a estagnao desse modal e a mudana, na matriz de transporte nacional, ficou em segundo plano. O resultado a m utilizao da malha nacional por parte das empresas que a

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    exploram, com investimentos escassos e retornos financeiros imediatos, deixando de lado o desenvolvimento regional, como ocorreu no Oeste Agro-industrial de Santa Catarina, com a desativao da Ferrovia do Contestado. Acredita-se que somente a concluso dos projetos ferrovirios parados poderia mudar essa situao (Ferrovia Transnordestina, Ferropar, Ferrovia Norte-Sul, Ferronorte, Ferrovias Litornea, Ferrovia do Frango, entre outras). Com esses projetos concludos o Brasil teria um modal econmico integrando as vrias regies produtoras s consumidoras e aos principais portos, rodovias e hidrovias, formando um verdadeiro sistema multimodal.

    Comparando-se o momento em que a RFFSA, a Fepasa e a Ferropar exerciam o controle dos servios prestados a eficincia dos mesmos, aps as concesses, melhorou em alguns aspectos, mas no o suficiente para afirmar que as concesses esto sendo benficas para o setor de transporte e para a economia nacional. Para possveis melhorias no modo ferrovirio, propomos: 1) a reduo do Custo Brasil nos transportes (vale ressaltar que o subsdio dos pases centrais que causa as maiores dificuldades para os produtos brasileiros competirem no mercado internacional; 2) a modernizao do material rodante (a maioria dos vages tem capacidade de 45 a 50 toneladas, a mesma quantidade de 30 anos atrs, mas a Ferronorte opera com vages de at 90 toneladas) e permanente (dormentes de ao e concreto, trilhos mais resistentes e bitolas mais largas); 3) a reduo das tarifas ferrovirias que continuam elevadas se comparadas as dificuldades desse modal; 4) a diminuio do tempo de trnsito que continua muito elevado e irregular; 5) o aumento da oferta de transportes, principalmente para alguns produtos mais especializados, como frigorificados, industriais de alto valor agregado, autotrens etc.; 6) a melhora nos acordos de tracking e trfego mtuo (cada empresa prioriza seus fluxos originais); 7) a diminuio dos percentuais de quebra de peso (0,5% contra 0,25% do rodovirio); 8) a melhora nas articulaes com os outros modais, j que estes tambm se

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    encontram sucateados; 9) a diminuio da defasagem tecnolgica e; 10) o aumento da velocidade mdia (hoje em 25 Km/h).

    Portanto, acreditamos que um modelo adequado de concesso, permisso, delegao ou autorizao da explorao de servios pblicos subinvestidos iniciativa privada, combinada com o nacionalismo econmico, seria capaz de atuar na estrutura macroeconmica nacional de forma que tiraria o pas da presente crise econmica (fase recessiva do quarto ciclo longo). Assim, retornar-se-ia aos perodos de ascenso econmica, substituindo, em especial, importaes de equipamentos de infraestrutura (construes ferrovirias, hidrovirias, rodovirias, aerovirias, dutovirio, saneamento bsico, hidroeltricas, termoeltricas etc.). O efeito positivo sobre a economia se multiplicaria dando um importante impulso ao desenvolvimento nacional (atravs da demanda efetiva Keynes, 1982). Referncias bibliogrficas BASTOS, Jos Messias. Urbanizao, comrcio e pequena

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    ResumoAbstractIntroduoA concesso da malha ferroviria brasileiraO modelo de concesso (Fernando Henrique) realizadoA atual situao da rede ferroviria nacionalConclusoReferncias bibliogrficas