ficha de avaliação sumativa nº 3 cesário verde

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Escola Secundária José Gomes Ferreira Departamento de Línguas Disciplina: Português Ano: 11.º Ficha de Avaliação Sumativa – 3.º período Nome: _________________________________________________________ N.º: ____ Turma: _____ Leia com atenção o seguinte texto. CONTRARIEDADES 5 10 15 20 25 30 35 Eu hoje estou cruel, frenético, exigente; Nem posso já tolerar os livros mais bizarros. Incrível! Já fumei três maços de cigarros Consecutivamente. Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos: Tanta depravação nos usos, nos costumes! Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes E os ângulos agudos. Sentei-me à secretária. Ali defronte mora Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes; Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes E engoma para fora. Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas! Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica. Lidando sempre! E deve conta à botica! Mal ganha para as sopas... O obstáculo estimula, torna-nos perversos; Agora sinto-me eu cheio de raivas frias, Por causa de um jornal me rejeitar, há dias, Um folhetim de versos. Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta No fundo da gaveta. O que produz o estudo? Mais uma redação, das que elogiam tudo, Me tem fechado a porta. A crítica segundo o método de Taine Ignoram-na. Juntei uma fogueira imensa Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa Vale um desdém solene. Com raras excepções merece-me o epigrama. Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo, Soluça um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho Diverte-se na lama. Eu nunca dediquei poemas às fortunas, Mas sim, por deferência, a amigos ou artistas. Independente! Só por isso os jornalistas Me negam as colunas. 40 45 50 55 60 65 Receiam que o assinante ingénuo os abandone, Se forem publicar tais coisas, tais autores. Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores Deliram por Zacone. Um prosador qualquer desfruta fama honrosa, Obtém dinheiro, arranja a sua «coterie»; E a mim, não há questão que mais me contrarie Do que escrever em prosa. A adulação repugna aos sentimentos finos; Eu raramente falo aos nossos literatos, E apuro-me em lançar originais e exactos, Os meus alexandrinos... E a tísica? Fechada, e com ferro aceso! Ignora que asfixia a combustão em brasas, Não foge do estendal que lhe humedece as casas, E fina-se ao desprezo! Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova. Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente, Oiço-a cantarolar uma canção plangente Duma opereta nova! Perfeitamente. Vou findar sem azedume. Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas, Conseguirei reler essas antigas rimas, Impressas em volume? Nas letras eu conheço um campo de manobras; Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague, E esta poesia pede um editor que pague Todas as minhas obras E eu estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha? A pobre engomadeira ir-se-à deitar sem ceia? Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia... Que mundo! Coitadinha! Cesário Verde . O Livro de Cesário Verde. Assírio & Alvim. Docente: Margarida Espiguinha - 1- Ano Lectivo: 2010/2011

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Escola Secundária José Gomes FerreiraDepartamento de Línguas

Disciplina: Português Ano: 11.º

Ficha de Avaliação Sumativa – 3.º período

Nome: _________________________________________________________ N.º: ____ Turma: _____

Leia com atenção o seguinte texto.

CONTRARIEDADES

5

10

15

20

25

30

35

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;

Nem posso já tolerar os livros mais bizarros.

Incrível! Já fumei três maços de cigarros

Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:

Tanta depravação nos usos, nos costumes!

Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes

E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora

Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;

Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes

E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!

Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.

Lidando sempre! E deve conta à botica!

Mal ganha para as sopas...

O obstáculo estimula, torna-nos perversos;

Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,

Por causa de um jornal me rejeitar, há dias,

Um folhetim de versos.

Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta

No fundo da gaveta. O que produz o estudo?

Mais uma redação, das que elogiam tudo,

Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine

Ignoram-na. Juntei uma fogueira imensa

Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa

Vale um desdém solene.

Com raras excepções merece-me o epigrama.

Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,

Soluça um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho

Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei poemas às fortunas,

Mas sim, por deferência, a amigos ou artistas.

Independente! Só por isso os jornalistas

Me negam as colunas.

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45

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Receiam que o assinante ingénuo os abandone,

Se forem publicar tais coisas, tais autores.

Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores

Deliram por Zacone.

Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,

Obtém dinheiro, arranja a sua «coterie»;

E a mim, não há questão que mais me contrarie

Do que escrever em prosa.

A adulação repugna aos sentimentos finos;

Eu raramente falo aos nossos literatos,

E apuro-me em lançar originais e exactos,

Os meus alexandrinos...

E a tísica? Fechada, e com ferro aceso!

Ignora que asfixia a combustão em brasas,

Não foge do estendal que lhe humedece as casas,

E fina-se ao desprezo!

Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.

Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,

Oiço-a cantarolar uma canção plangente

Duma opereta nova!

Perfeitamente. Vou findar sem azedume.

Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,

Conseguirei reler essas antigas rimas,

Impressas em volume?

Nas letras eu conheço um campo de manobras;

Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague,

E esta poesia pede um editor que pague

Todas as minhas obras

E eu estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?

A pobre engomadeira ir-se-à deitar sem ceia?

Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...

Que mundo! Coitadinha!

Cesário Verde . O Livro de Cesário Verde. Assírio & Alvim.

Docente: Margarida Espiguinha -1- Ano Lectivo: 2010/2011

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GRUPO I – 120 pt

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas ao questionário.

1. Caracterize o estado psicológico do sujeito poético.1.1. Explicite os motivos subjacentes a esse estado psicológico.

2. Delimite o texto em partes lógicas, explicitando o conteúdo de cada uma delas.

3. Verificamos que o poema apresenta, alternadamente, as situações do sujeito lírico e da engomadeira. Complete o seguinte esquema abaixo:

SITUAÇÃO PSICOLÓGICA E SOCIALSujeito Poético Engomadeira

4. Comente o efeito expressivo da imagem presente no verso «Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas» (v.13)

5. Explique o paralelo que se pode estabelecer entre a actividade do sujeito poético e o cantar do «populacho».

6. Refira os principais alvos da crítica social feita por parte do sujeito lírico.

NOTAS:adulação (v.45): elogio interesseiro, graxista

blague (v.62): história inventada, piada, conversa.

botica (v.15): farmácia

coterie (v.42): grupo de pessoas unidas na defesa de interesses comuns.

deferência (v.34): delicadeza

epigrama (v.29): pequeno poema com tema festivo ou satírico

letras (v.61): universo literário

lidando (v.15): trabalhando

plangente (v.55): triste

tísica (v.49): tuberculosa

réclame (v.62): promoção

sol-e-dó (v.31): música de filarmónica de província, de baixa categoria

Taine (v.25): filósofo francês positivista.

Zacone (v.40): romancista francês popular, autor de novelas e folhetins.

Docente: Margarida Espiguinha -2- Ano Lectivo: 2010/2011

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GRUPO II – 30 pt

Tendo em conta a leitura da obra Os Maias, de Eça de Queirós, verifique o grau de conhecimento que possui sobre a obra.

1. Leia, atentamente, o texto a seguir transcrito.

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Os Maias, um romance masculino A presença masculina é avassaladora n'Os Maias. Ocupam os homens maior espaço, quantitativa e

qualitativamente. O foco narrativo, por exemplo, quase nunca se fixa na consciência de mulher alguma e sempre as

conhecemos através do seu discurso ou do seu agir, de outras personagens ou do olhar omnisciente do narrador que,

eventualmente, nelas se detém. É o ponto de vista masculino dominante. É possível conhecer-se intimamente o

interior de Carlos, de Ega, até Afonso ou de um outro frequentador do Ramalhete. Mas a Gouvarinho, a Raquel, e

mesmo a própria Maria Eduarda, nós somente as vemos de fora. […]

Mostrando o casamento português na burguesia e na nobreza, como resultado de arranjos económicos – é o caso

dos Gouvarihos, entre outros, no qual o marido contribui com o sangue nobre, o título histórico, e ela com a fortuna do

pai comerciante – Eça de Queirós critica o matrimónio burgês. Em muitos casos não passa de uma farsa, sendo o

casamento uma instituição minada e que se nega a si mesma, uma das causas e um dos frutos da decadência social

e moral do País, num círculo vicioso.

Como são outros casamentos presentes nos textos de Eça de Queirós e ainda não referidos? Eusebiozinho, no

fim d'Os Maias, surge-nos ainda mais fúnebre, ainda mais tísico, “dando o braço a uma senhora muito forte”. Continua

“descaído e molengo”, apenas agora caminha ao lado da avantesma da mulher que – ao que parece – o derreira à

pancada. É a conclusão da sua vida de solteiro despendida pelos lupanares.

O Dâmaso, ainda n'Os Maias, casa-se também. O seu dinheiro alcança obter uma das filhas dos condes de

Águeda, uma gente arruinada. Constituíra-se, o Dâmaso, em “verdadeira sorte grande para aquela distinta família”,

explica Ega a Carlos. E acrescenta: a mulher “faz aí a felicidade de um rapazote simpático, chamado Barroco”.

Assim, ou o casamento como um acordo comercial, em que se troca dinheiro por um título histórico, ou o

adultério.Beatriz Berrini, Portugal de Eça de Queirós, INCM, 1984

1. Para cada um dos quatro itens que se seguem, indique a letra correspondente à alternativa correcta, de acordo com o sentido do texto.

1.1. Ao afirmar, relativamente às personagens femininas d'Os Maias, que “somente as vemos de fora” (l.6), a autora quer dizer:A. que só conhecemos o seu aspecto físico.

B. que o seu ponto de vista nunca é transmitido.

C. que as observamos sempre a agir em sociedade.

D. que as olhamos sempre pelos olhos das outras personagens.

1.2. A expressão “círculo vicioso” (l.11), significa que o matrimónio burguês”:A. se repete indefinidamente.

B. resulta de uma sociedade minada por vícios.

C. é, simultaneamente, causa e consequência da degradação social.

D. impede as ligações sentimentais.

Docente: Margarida Espiguinha -3- Ano Lectivo: 2010/2011

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1.3. Na oração “sendo o casamento uma instituição minada”, (l.10) o constituinte sublinhado éA. complemento directo..

B. o sujeito.

C. o nome predicativo do sujeito.

D. o complemento indirecto.

1.4. A expressão entre travessões “ – ao que parece – “ (l.14) transmiteA. uma probabilidade.

B. o ponto de vista da autora.

C. uma explicação.

D. uma comparação.

GRUPO III – 50 pt

1. Tenha em atenção a seguinte afirmação:“A poesia de Cesário Verde revela a sua faceta de um observador atento da realidade da sua época.”

Partindo da afirmação acima transcrita e evocando leituras feitas nas aulas, elabore um texto expositivo, entre oitenta a cento e trinta palavras, onde esclareça a faceta de Cesário Verde como o poeta-repórter da cidade.

Docente: Margarida Espiguinha -4- Ano Lectivo: 2010/2011