Fichamento COMUNIDADES IMAGINADAS

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Fichamento: Comunidades Imaginadas de Benedict Anderson. Por que sentimos uma emoção quase religiosa diante do túmulo do Soldado Desconhecido? Como é possível sentir-se mais vinculado a multidões anônimas de compatriotas do que ao próprio circulo familiar de rostos conhecidos? E como foi possível que, ao longo do século XX, tantos milhões de pessoas tenham se mostrado prontos para matar e morrer em nome de nação? Estas são algumas das questões tratadas por Benedict Anderson neste texto. Atenção: Inicialmente gostaria de dizer que Comunidades Imaginadas foi um grande desafio e que com certeza figura entre os mais difíceis fichamentos que já fiz. Não por sua linguagem, abordagem teórica ou tema, mas por ter que praticamente mutilar esta grande obra de 280 páginas em apenas 20. Peço desculpa, por alguns deslizes e juro que tentei de todas as formas, fazer este fichamento o mais fiel possível ao livro. Contudo, peço que primeiro leiam o livro e que só posteriormente utilizem este fichamento como uma forma de apoio didático. Boa Leitura! Benedict Anderson. Filhos de pais britânicos, Benedict O’Gorman Anderson nasceu em Kunming na China, em 1936, e cresceu na Califórnia. Estudou em Cambridge e Cornel, onde passou a lecionar; atualmente é professor emérito do Centro de Estudos Internacionais dessa universidade. Além de ser irmão do historiador marxista Perry Anderson. Autor de monografias sobre o Sudeste Asiático, Anderson reuniu alguns de seus ensaios sobre política e cultura em The Spectre of Comparisons (1998) e publicou um estudo de três figuras centrais da independência filipina sob o título de Under Three Flags: Anarchism and the Anti-Colonial Imagination. Comunidades Imaginadas foi originalmente publicado em 1983, fazendo rapidamente grande sucesso mundial. No Brasil, o livro aparece pela primeira vez em 1989, mas com uma tiragem limitada. Até esta nova versão da

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Fichamento: Comunidades Imaginadas de Benedict Anderson.

Por que sentimos uma emoção quase religiosa diante do túmulo do Soldado Desconhecido? Como é possível sentir-se mais vinculado a multidões anônimas de compatriotas do que ao próprio circulo familiar de rostos conhecidos? E como foi possível que, ao longo do século XX, tantos milhões de pessoas tenham se mostrado prontos para matar e morrer em nome de nação? Estas são algumas das questões tratadas por Benedict Anderson neste texto. Atenção:

Inicialmente gostaria de dizer que Comunidades Imaginadas foi um grande

desafio e que com certeza figura entre os mais difíceis fichamentos que já fiz.

Não por sua linguagem, abordagem teórica ou tema, mas por ter que

praticamente mutilar esta grande obra de 280 páginas em apenas 20. Peço

desculpa, por alguns deslizes e juro que tentei de todas as formas, fazer este

fichamento o mais fiel possível ao livro. Contudo, peço que primeiro leiam o

livro e que só posteriormente utilizem este fichamento como uma forma de apoio

didático.

Boa Leitura!

Benedict Anderson.

Filhos de pais britânicos, Benedict O’Gorman Anderson nasceu em Kunming na

China, em 1936, e cresceu na Califórnia. Estudou em Cambridge e Cornel, onde

passou a lecionar; atualmente é professor emérito do Centro de Estudos

Internacionais dessa universidade. Além de ser irmão do historiador marxista

Perry Anderson. Autor de monografias sobre o Sudeste Asiático, Anderson

reuniu alguns de seus ensaios sobre política e cultura em The Spectre of

Comparisons (1998) e publicou um estudo de três figuras centrais da

independência filipina sob o título de Under Three Flags: Anarchism and the

Anti-Colonial Imagination.

Comunidades Imaginadas foi originalmente publicado em 1983, fazendo

rapidamente grande sucesso mundial. No Brasil, o livro aparece pela primeira

vez em 1989, mas com uma tiragem limitada. Até esta nova versão da

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Companhia Das Letras, estudantes e pesquisadores brasileiros tinham

dificuldades em achar o velho título.

Comunidades Imaginadas.

Introdução.

(P.26) Benedict Anderson inicia sua obra buscando compreender o por que das

Guerras entre Vietnã, Camboja e China entre1978 e 1979. A primeira guerra

convencional em grande escala entre países socialistas e inegavelmente

revolucionários, que em tese compartilhavam da mesma ideologia.

(P.27) É interessante notar que desde a Segunda Guerra Mundial todas as

revoluções vitoriosas se definiram em termos nacionais – Republica Popular da

China, República Socialista do Vietnã, etc – e, com isso se afirmaram

solidamente em um espaço territorial e social herdado do passado pré-

revolucionário.

(P.28) Hobsbawm afirma que os estados marxistas estão se tornando, nacionais e

nacionalistas. E essa tendência não se restringe apenas ao mundo socialista.

Todos os anos a ONU admite membros novos. E muitas “nações antigas”

consolidadas, veem-se desafiadas por “sub-nacionalismos” em seu próprio

território, que sonham em se tornarem nações.

(P.29) Este livro pretende oferecer, a título de ensaio, algumas ideias para uma

interpretação da anomalia do nacionalismo.

(P.30) O ponto de partida de Anderson é que tanto a nacionalidade (ou condição

nacional), quanto o nacionalismo são produtos culturais específicos.

(P.31) Conceitos e Definições

(P.32) Ele considera dentro de um espírito antropológico a seguinte definição de

nação: uma comunidade política imaginada – e imaginada como sendo

intrinsecamente limitada e ao mesmo tempo soberana.

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Ela é imaginada por que mesmo os membros das mais minúsculas das nações

jamais conhecerão, encontraram ou nem sequer ouvirão falar de todos os seus

companheiros (compatriotas) embora todos tenham em mente a imagem viva da

comunhão entre eles. A única coisa que pode dizer que uma nação existe é

quando muitas pessoas se consideram uma nação.

(P.33) Na verdade, qualquer comunidade maior que uma aldeia primordial do

contato face a face é imaginada. Até mesmo ela.

Imagina-se a nação como limitada por que até mesmo a maior delas que agregue

um bilhão de habitantes, possui fronteiras finitas ainda que elásticas. Nenhuma

delas imagina ter a mesma extensão da humanidade. Nem os nacionalistas mais

messiânicos sonham com o dia em que todos os membros da espécie humana se

unirão à sua nação.

(P.34) Imagina-se a nação soberana por que o conceito nasceu na época em que

o Iluminismo e a Revolução estavam destruindo a legitimidade do reino dinástico

hierárquico da ordem divina. Amadurecendo em uma época em que mesmo os

adeptos mais fervorosos de qualquer religião se depararam com o pluralismo de

religiões no mundo. Notando então que a única maneira de serem livres é serem

soberanas sobre um pedaço determinado de terra.

E por último ela é imaginada como uma comunidade por que independente da

desigualdade e da exploração que possam existir dentro dela, a nação sempre é

concebida como uma profunda camaradagem horizontal. No fundo foi essa

fraternidade que tornou possível, nestes últimos dois séculos, que tantos milhões

de pessoas matassem e morressem por essas criações imaginárias e limitadas.

Essas mortes nos levam a pensar no problema central posto pelo nacionalismo: o

que faz com que parcas criações imaginativas de pouco mais de dois séculos

gerem sacrifícios tão descomunais? A resposta está nas raízes culturais do

nacionalismo.

(P.35) Cap. 1: Raízes Culturais.

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Não existem símbolos mais impressionantes da cultura moderna do nacionalismo

do que os cenotáfios e o túmulo do soldado desconhecido. Contudo, estes

túmulos vazios estão carregados de imagens nacionais espectrais.

(P.36) Se o nacionalismo se importa tanto com a morte e a imortalidade, isso

sugere sua grande afinidade com os imaginários religiosos. Com isso vale a pena

começar a avaliar as raízes do nacionalismo pela morte, o último elemento de

uma série de fatalidades. A morte, assim como a herança genética pessoal, nosso

sexo, a época em que viemos, nossas capacidades físicas, língua-materna, etc são

fatores contingentes e inelutáveis.

(P.37) O grande mérito das religiões (fora seu papel na legitimação do sistema de

dominação e exploração) é a sua preocupação com o homem no universo. Ela

tenta explicar o por que. A religião se interessa pelos vínculos entre os mortos e

os ainda não nascidos.

(P.38) O século XVIII na Europa marca o amanhecer do nacionalismo e o

anoitecer do pensamento religioso. A religião declinou, mas o sofrimento que ela

ajudava a apaziguar não desapareceu.

Admite-se que os estados nacionais são “novos” e “históricos”, ao passo que as

nações ao qual elas dão expressão política sempre assomam de um passado

imemorável, seguindo a um futuro ilimitado. É a magia do nacionalismo que

transforma o acaso em destino.

(P.39) Anderson não está sugerindo que o nacionalismo tenha substituído a

religião. O que ele está fazendo é alinhando o nacionalismo não a ideologias

políticas conscientemente adotadas, mas a sistemas culturais. Religião e

nacionalismo foram estruturados de forma a serem incontestáveis.

(P.40) A Comunidade Religiosa.

Todas as comunidades clássicas se consideravam cosmicamente centrais, através

de uma língua sagrada ligada a uma ordem supra-terrena de poder. Essas

comunidades clássicas ligadas por línguas sagradas tinham o caráter diferente das

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comunidades imaginadas das nações modernas: a confiança no sacramento único

de usas línguas e daí a aceitação de novos membros.

O árabe para os muçulmanos, o latim para os cristãos e o mandarim para os

budistas. Apesar destas serem línguas mortas para a maioria de seus seguidores,

elas funcionavam como símbolos para todos. Unindo fiéis de regiões diferentes

sob os signos do árabe, do mandarim e do latim. Uma vez aprendido os símbolos,

independente da região e da língua nativa, a pessoa era aceita naquela religião.

(P.47) O Reino Dinástico.

(P.48) Hoje em dia, talvez seja difícil sentir empatia com um mundo onde o reino

dinástico apareça como único sistema “político” viável. Pois a monarquia

contraria todas as concepções modernas da vida política. A realeza opera tudo de

um centro elevado, tem sua legitimidade por via divina e não da população, que é

composta por súditos e não por cidadãos.

Hoje o Estado opera sobre cada centímetro quadrado de um território legalmente

demarcado. Mas antigamente os Estados eram definidos por centros, com

fronteiras porosas e indistintas. Daí o paradoxo da facilidade com que esses

reinos pré-modernos conseguiram manter seu domínio sobre populações

heterogêneas por longo tempo.

Deve-se lembrar que esses antigos Estados se expandiam não só pela guerra

como também por uma política sexual de casamentos entre dinastias.

(P.51) Percepções Temporais.

Contudo, é um erro pensar que comunidades imaginadas das nações teriam

simplesmente surgido a partir das comunidades religiosas e dos reinos dinásticos

substituindo-as.

(P.52) Por sob o declínio das comunidades, línguas e linhagens sagradas estava

ocorrendo uma transformação nos modos de compreender o mundo, que

possibilitou “pensar a nação”.

(P.56) A ideia de um organismo sociológico atravessando cronologicamente um

tempo vazio e homogêneo é a analogia de nação, que também é concebida como

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uma comunidade sólida percorrendo constantemente a história, seja em sentido

ascendente ou descendente.

(P.57) Um americano nunca vai conhecer, e nem sequer saber o nome dos 240

milhões de compatriotas. Ele não têm ideia do que estão fazendo a cada

momento. Mas tem plena confiança na atividade constante, anônima e simultânea

deles.

(P.69) Recapitulando, Anderson sustenta que a própria possibilidade de imaginar

a nação só surgiu historicamente quando, e onde, três concepções culturais

fundamentais perderam o domínio sobre a mentalidade do homem.

A primeira é a ideia de que uma determinada língua escrita oferece acesso

privilegiado à verdade ontológica.

A segunda é a crença de que a sociedade se organiza naturalmente em torno e

abaixo de centros elevados (monarcas que governavam por graça divina).

O terceiro é uma concepção da temporalidade em que a cosmologia e a história

se confundem, e as origens do mundo dos homens são essencialmente as

mesmas.

O declínio lento e irregular dessas convicções mutualmente entrelaçadas,

primeiro na Europa Ocidental e depois em outros lugares, sob o impacto da

transformação econômica, das descobertas sociais e científicas e do

desenvolvimento de meios de comunicação cada vez mais velozes, levou a uma

brusca clivagem entre cosmologia e história.

(P.70) Desse modo, não admira que se iniciasse a busca de uma nova maneira de

unir significativamente a fraternidade, o poder e o tempo. O elemento que mais

catalisou e fez frutificar essa busca foi o capitalismo editorial, que permitiu que

as pessoas, em números sempre muito maiores, viessem a pensar sobre si

mesmas e a se relacionar com as demais de maneiras radicalmente novas.

(P.71) Cap.2: As Origens da Consciência Nacional.

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A imprensa foi determinante para a criação de ideias inteiramente novas sobre a

simultaneidade. E a nação se tornou tão popular dentro deste tipo de comunidade

principalmente graças ao capitalismo.

(P.73) Pois, sendo a gráfica uma empresa capitalista ela buscava cada vez mais

mercado e imprimia mais e mais livros.

(P.75) Três foram os fatores vernaculizantes[1] do capitalismo: Primeiro, a

mudança do próprio latim. Segundo, o impacto da Reforma e dos atos de

Martinho Lutero. A aliança entre o protestantismo e o capitalismo editorial,

explorando edições populares baratas, logo criou novos e vastos públicos

leitores, entre eles comerciantes e mulheres que sabiam pouco ou quase nada de

latim. E o terceiro, foi a difusão lenta, geograficamente irregular de determinados

vernáculos como instrumento de centralização administrativa. (P.76) A

fragmentação da Europa pós fim do Império Romano significava que nenhum

soberano poderia monopolizar o latim (como os imperadores chineses faziam

com o mandarim) e converte-lo em sua língua oficial, já que o latim não era

centralizado.

(P.82) Podemos resumir que a convergência do capitalismo e da tecnologia da

imprensa sobre a fatal diversidade da linguagem humana criou a possibilidade de

uma nova forma de comunidade imaginada, a qual, em sua morfologia básica,

montou o cenário para a nação moderna.

(P.84) Cap. 3: Pioneiros Crioulos[2].

Em primeiro lugar, quer se pense no Brasil, nos EUA ou nos países hispânicos, a

língua não era um elemento que os diferenciasse das respectivas metrópoles

imperiais. Todos inclusive os EUA, eram estados crioulos, formados e liderados

por gente que tinha a mesma língua e a mesma ascendência do adversário a ser

combatido. (P.85) Na verdade, cabe dizer que a língua nunca se colocou como

questão nesses primeiras lutas de libertação nacional.

Em segundo lugar, boa parte do hemisfério ocidental não segue a tese de Nairn

de que o “nacionalismo moderno esteve ligado ao batismo político das classes

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inferiores pela classe média descontente que tentava canalizar as energias

populares em favor de novos estados”. Pelo menos na América Central e do Sul,

a “classe média” ao estilo europeu era insignificante no século XVIII.

(P.86) Longe de tentar conduzir as “classes inferiores à vida política” a elite

tinha medo dela. Ainda era fresca a lembrança das revoltas de Tupac Amarú no

Perú e de Toussaint L’Ouverture no Haiti.

(P.87) O movimento Latino-Americano pela independência eram de “pouca

espessura social” e no entanto eram movimentos de independência social.

(P.88) Eis que surge o enigma: por que foram precisamente as comunidades

crioulas que desenvolveram concepções tão precoces sobre sua condição

nacional, bem antes que a maior parte da Europa? Por que essas colônias,

geralmente com grandes populações oprimidas e que não falavam o espanhol,

geraram crioulos que redefiniram conscientemente essas populações como

integrantes de uma mesma nacionalidade e a Espanha como inimigo estrangeiro?

Por que o império Hispano-americano que havia existido serenamente por quase

três séculos se fragmentou em dezoito Estados diferentes?

Os dois fatores geralmente apresentados são, o aumento do controle madrilenho e

a difusão das ideias do iluminismo.

(P.89) A vitória das 13 colônias (1770) e o inicio da Revolução Francesa (1789)

também exerceram vigorosa influência.

(P.90) Essas explicações, apesar de importantes, não explicam por que Chile,

Venezuela e México se mostraram emocionalmente plausíveis e politicamente

viáveis, e nem por que San Martín disse que certos aborígenes deviam ser

identificados como “peruanos”. Também não explica os sacrifícios feitos, pois

muitas pessoas perderam propriedades e até mesmo a vida nessa empreitada.

(P.91) A moldagem inicial das unidades administrativas americanas foi, em certa

medida arbitrária e fortuita. E a falta de comunicação entre elas possibilitou a

fragmentação.

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Além disso, a política comercial de Madri fez com que as unidades

administrativas se transformassem em zonas econômicas distintas. Sendo ainda o

comércio entre elas proibido.

(P.92) Para entender como as unidades administrativas puderam, ao longo do

tempo, serem vistas como terras pátrias, não só nas américas, mas também em

outras partes do mundo, é preciso observar de que modo as organizações

administrativas criam significado.

(P.93) Durante o período das religiões, a amplitude geográfica de uma religião

era determinada pela peregrinação que estes fiéis faziam para Roma, Meca ou

Benares. Em Meca encontravam-se pessoas das mais distantes regiões da África,

Ásia e Europa o que dava a ideia do alcance do islamismo e a sua amplitude

geográfica.

(P.94) Com a ascensão das monarquias absolutistas e a tentativa deste reis de

unificar o reino que era fragmentado pela nobreza feudal, outro tipo de viagem

surgiu para demarcar o território. O mensageiro real, como funcionário publico

que viajava todo o território demarcando-o conforme o alcance de suas viagens.

(P.95) A intercambialidade dos documentos, que reforçava a intercambialidade

dos homens, foi alimentada pelo desenvolvimento de uma língua oficial

padronizada. Qualquer língua escrita em princípio, serviria para essa função,

como mostra a pomposa sucessão, entre os séculos XI e XIV, do anglo-saxão,

latim, normando e médio-inglês em Londres. Com a vernaculatização da língua

houve um aumento da centralização, impedindo que funcionários de Madri

intercambiassem com os de Paris por exemplo. Sendo a expansão ultramarina

europeia uma extensão fracassada deste modelo.

A tendência absolutista de promover os funcionário mais pelo mérito do que pelo

berço não foi efetiva nas colônias. Dos 170 vice-reis somente 4 eram crioulos.

(P.97) Além de barrarem suas peregrinações. Se um funcionário espanhol podia

andar todo o continente americano, o funcionário crioulo ficava restrito ao seu

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território. Seu movimentos laterais eram restritos, assim como sua ascensão

vertical.

(P.100) Indiretamente, o Iluminismo também ajudou a cristalizar uma distinção

irreversível entre metropolitanos e crioulos. Os textos de Rousseau e Herder de

que o clima e a ecologia tinham um impacto decisivo sobre a formação da cultura

e do caráter, afastou ainda mais metropolitanos e crioulos que eram tidos como

selvagens e inadequados para cargos mais elevados.

(P.101) Até aqui, dedicamos nossa atenção aos mundos dos funcionários da

América, que apesar de importantes eram em dimensões muito reduzidas.

A peregrinação dos vice-reis não teria nenhuma consequência enquanto a

extensão territorial não pudesse ser imaginado como nação e isso só se deu com

o surgimento do capitalismo tipográfico.

(P.102) A imprensa chegou cedo a Nova Espanha, mas durante dois séculos

ficou sobre rígido controle da Coroa e da Igreja. Na América do Norte a

imprensa nem existia, mas no século XVIII houve uma revolução tipográfica nos

EUA.

Benjamim Franklin está intimamente ligado ao nacionalismo crioulo na América

do Norte. Contudo, deve-se entender que a imprensa só se desenvolveu nos EUA

quando os tipógrafos descobriram uma nova forma de renda – o jornal! Na

América Espanhola ocorreram processos semelhantes, contudo de modo mais

lento.

(P.103) No início estes jornais eram meramente informativos (datas de chegada e

partida de navios, preços vigentes, casamentos, decretos, etc). Foi só uma

questão de tempo até aparecerem elementos políticos.

(P.104) Um traço marcante desses jornais era o seu caráter local. E não existia a

ideia de simultaneidade entre as diversas regiões do império espanhol. Um

mexicano poderia receber informações sobre os fatos ocorridos em Buenos Aires,

e estes fatos lhe parecerem “semelhantes” mas não “partes” integrantes deles.

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Nesse sentido, o “malogro” da experiência hispano-americana e, criar um

nacionalismo para toda região reflete o nível de desenvolvimento capitalista e

tecnológico do século XVIII e o atraso “local” do capitalismo e da tecnologia

espanhola na administração do império.

(P.105) Os crioulos norte-americanos estavam numa situação mais favorável

para concretizar a ideia de “América”. As 13 colônias eram relativamente

pequenas e seus centros estavam em dinâmica comunicação, além de haver

traços bastante fortes entre seus respectivos habitantes, tanto pela imprensa

quanto pelo comércio. Sem contar que o avanço para o oeste foi feito por pessoas

do leste.

(P.106) Benedict Anderson quis explicar neste capitulo que não foi o liberalismo

e o iluminismo os criadores da ideia de nação, mas sim os funcionário-peregrinos

e a imprensa.

(P.107) Cap. 4: Velhas línguas, novos modelos.

O final da era dos movimentos vitoriosos de libertação nacional nas Américas

coincidiu com o inicio da era do nacionalismo que entre 1820 e 1920, mudaram a

face do Velho Mundo, dois traços notáveis os diferenciam de seus predecessores.

1° Línguas impressas nacionais: Elas foram de fundamental importância

ideológica e política (enquanto o espanhol e o inglês nunca foram questões

relevantes na América revolucionária).

2° Todos eles funcionaram a partir de modelos deixados por seus

antecessores.

Foi assim que na Europa a “nação” se tornou objeto de aspiração consciente a ser

buscado, e não uma perspectiva de mundo que ganhou foco aos poucos. Assim

veremos que nação foi uma invenção sem patente copiada e reproduzida várias e

várias vezes.

Neste capítulo o objeto de análise será a língua impressa e sua “cópia” pirata.

(P.108) A ideia de língua como propriedade privada de uma nação teve enorme

influência na Europa oitocentista e na teorização do nacionalismo.

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(P.109) Se durante a Idade Média o homem era incapaz de conceber a distância

temporal entre sua época (que ele acreditava ser o fim das eras, pois o Apocalipse

era algo iminente) e a Idade Antiga do Novo e do Velho Testamento. Neste

momento surgiu a “história comparada” que levou à concepção inédita de

“modernidade” que era contraposta à “antiguidade”.

Durante o século XVI, a “descoberta” europeias de civilizações grandiosas

(China, Japão, Índia) e do México Asteca e do Perú Incaico, mostrou um

irremediável pluralismo humano. De modo geral essas civilizações tinham se

desenvolvido autonomamente da Europa, da cristandade, da Antiguidade e até

mesmo do homem: pois suas genealogias não remetiam ao Éden. Apenas o

tempo vazio e homogêneo lhes ofereceu acomodação.

(P.110) Com efeito, os descobrimentos e as conquistas tornou possível pensar a

Europa como apenas uma entre muitas civilizações, além de provocar uma

revolução nas ideias europeias sobre as línguas.

(P.111) Com o estudo comparado das línguas, acabou-se com a ideia de que o

hebreu era a única língua antiga ou que possuía origem divina. A partir daí, as

antigas línguas sagradas (latim, grego e hebreu) foram obrigadas a se misturar em

pé de igualdade com a vastidão de línguas plebeias que agora eram rivais no

mercado editorial. Se todas as línguas eram mundanas todas mereciam estudo e

admiração. Mas de quem? Logicamente, de seus novos donos, os falantes e

leitores nativos de cada língua, pois agora nenhuma pertencia a Deus.

(P.112) Segundo Seton-Watson o século XIX na Europa, foi o século dos

linguistas – de todas as áreas. Estes intelectuais foram fundamentais para a

formação do nacionalismo europeu com a criação de seus dicionários

monolíngues que eram o tesouro de cada língua. Já os dicionários bilíngues

colocavam em pé de igualdade todas as línguas.

(P.117) É claro que todos esses lexicógrafos, filólogos, gramáticos, folcloristas,

jornalistas e compositores não desenvolviam suas atividades revolucionárias no

vazio. (P.118) Afinal produziam para o mercado editorial e assim para o publico

consumidor. Contudo o numero de letrados naquela época era pequeno.

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Na metade do século XIX, a Europa aumentou seus gastos públicos. Em alguns

países em mais de 90%. A expansão burocrática criou mais vagas no Estado e

agregou classes sociais muito variadas. Criando uma grande classe média

burocrática em quase todos os países europeus.

(P.119) Já o surgimento de uma burguesia mercantil e industrial foi algo

extremamente irregular.

Benedict Anderson considera a burguesia como a primeira classe a construir uma

solidariedade a partir de uma base essencialmente imaginada. Diferente da

nobreza que necessitava se casar para estreitar laços com outros nobres, a

burguesia era ligada apenas por acordos. Os burgueses não precisavam se

conhecer, nem casar seus filhos. Mas enxergavam a existência de milhares e

milhares e outros parecidos com eles, através de uma língua impressa, já que uma

burguesia iletrada e quase impossível.

(P.123) Com o aumento da alfabetização, por toda parte ficou mais fácil granjear

apoio popular, as massas descobrindo uma nova glória na consagração das

línguas que elas sempre, humildemente haviam falado.

Até certo ponto a formulação de Nairn é correta: de que a “nova intelectualidade

de classe média do nacionalismo tinha de convidar as massas para a história; e o

convite deveria ser feito numa língua que eles entendessem”.

Mas por que o convite foi tão atraente e por que alianças tão diferentes puderam

enviá-los. Para responder veremos a questão da “cópia pirata”.

(P.127) Cap. 5: Imperialismo e Nacionalismo Oficial.

No decorrer do século XIX, a revolução filológica-lexicográfica e o surgimento

de movimentos nacionalistas na Europa, frutos não só do capitalismo mas da

elefantíase dos estados dinásticos criaram várias dificuldades culturais e políticas

para muitas dinastias dominantes que não tinham nacionalidade.

(P.128) Na Europa continental, parentes da mesma família dinásticas

governavam estados diferentes e até rivais. Que nacionalidade poderíamos

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atribuir aos Bourbon na França e na Espanha, aos Hohenzollern na Prússia e na

Romênia, aos Wittelhach na Bavária e na Grécia?

Vimos também que estas dinastias escolheram como línguas vernaculares oficiais

as mais convenientes para elas.

Contudo na Europa existia a convicção de que as línguas eram propriedades

pessoais de grupos muito específicos e que esses grupos imaginados como

comunidades, tinham o direito de ocupar uma posição autônoma dentro de uma

confraria de iguais.

(P.131) A chave para situar o “nacionalismo oficial” – fusão deliberada entre a

nação e o império dinástico – é lembrar que ele se desenvolveu depois, e em

reação aos movimentos nacionais populares que proliferavam na Europa desde

1820. Se esses nacionalismos tinham se modelado pelas histórias americana e

francesa, agora se tornavam modulares. Bastava apenas um certo truque para que

o império se tornasse um travesti nacional atraente.

Anderson analisa três casos diferentes de “nacionalismo oficial”, o Russo, o

Inglês e o Japonês.

(P.160) Concluindo, sustentamos que, a partir do século XIX dentro da Europa

desenvolveram-se “nacionalismos oficiais”. Nacionalismos historicamente

“impossíveis” antes do surgimento de nacionalismos linguísticos populares, pois

no fundo, foram reações dos grupos de poder sobretudo dinásticos e

aristocráticos – ameaçados de exclusão ou marginalização nas comunidades

imaginadas populares.

(P.161) Tais nacionalismos oficiais eram políticas conservadoras, para não dizer

reacionárias, adaptadas do modelo dos nacionalismos populares, em larga medida

espontâneos, que os precederam.

Em nome do imperialismo, muitos políticas parecidas foram implantadas pelos

mesmos tipos de grupos nos vastos territórios asiáticos e africanos no decorrer do

século XIX.

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Por fim, vimos que refratados em culturas e histórias não europeias, eles foram

adotados e imitados por grupos dirigentes nativos nas poucas áreas (Japão e Sião)

que escaparam da sujeição direta.

(P.163) Cap. 6: A Última Onda.

A Primeira Guerra Mundial trouxe ao fim a era das grandes dinastias. Em 1922,

os Habsburgos, os Hobenzollern, os Romanov e os Otomanos tinham acabado. A

partir daí, a nome internacional era o Estado Nacional, de modo que mesmo as

potências imperiais restantes compareciam à Liga das Nações em trajes nacionais

e não mais em uniformes imperiais como nas época do Congresso de Berlim.

Após a II Guerra a maré de Estados Nacionais atingiu seu auge. E em 1970 até o

império português havia se tornado coisa do passado.

Os novos estados do segundo pós-guerra têm sua próprias características, que

seriam incompreensíveis a não ser como sucessores dos modelos que abordamos

anteriormente.

(P.164) Os novos “nacionalismos coloniais” são semelhantes aos nacionalismos

coloniais de épocas anteriores pelo isomorfismo, entre a extensão territorial de

cada nacionalismo e a extensão territorial da unidade administrativa imperial

anterior.

A semelhança não é mera coincidência pois, está relacionada com a geografia das

peregrinações nacionais anteriores.

(P.165) Lembremos que no século XVII, a unidade administrativa imperial

adquiriu um significado nacional em parte por que ela circunscrevia a ascensão

dos funcionário públicos. O mesmo vale para o século XX.

Contudo, em fins do século XIX e sobretudo no XX, essas viagens já não eram

feitas apenas por alguns viajantes, e sim por enormes multidões graças a três

fatores:

(P.166) 1°: Desenvolvimento e aprimoramento dos transportes. 2°: A

“russificação” imperial tinha o seu lado prático, além do lado ideológico. O

enorme tamanho dos impérios europeus impossibilitava a contratação de

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funcionários públicos apenas oriundos da metrópole. Sendo necessário contratar

entre os colonos. 3°: Houve uma difusão do ensino moderno, não só do Estado

Colonial, mas também particulares, religiosos e leigos. Essa expansão se deu

para completar os cargos públicos coloniais e pelo entendimento do colono de

que o conhecimento é importante.

(P.167) De modo geral, concorda-se que as camadas intelectuais foram

fundamentais para o surgimento do nacionalismo nos territórios coloniais. Uma

vez que era impedido aos nativos desempenha funções realmente rentáveis.

(P.170) Um traço interessante desta intelectualidade nacionalista da colônia era

sua juventude. Os intelectuais era compostos, sobretudo, da primeira geração

numericamente significativa a receber educação europeia.

(P.197) Revisando: a última onda do nacionalismo ocorreu em sua maioria nos

territórios colonizados da África e da Ásia e foi uma reação ao novo tipo de

imperialismo mundial, possibilitado pelas realizações do capitalismo industrial.

O nacionalismo oficial (solda entre o novo princípio nacional e o velho principio

dinástico) levou a russificação nas colônias extra-européias. Os impérios se

tornaram muito extensos para serem governados por nacionais então criaram

escolas para educar os nativos e formar quadros de subordinados especializados

para o Estado e para as empresas. Esses sistemas educacionais criaram novos

tipos de peregrinação (a estudantil) e o entrosamento entre os estudantes

peregrinos criou a base territorial para o surgimento de novas comunidades

imaginadas, onde os nativos puderam se imaginar como nacionais.

(P.199) Cap. 7: Patriotismo e Racismo.

Nos capitalismos anteriores Benedict Anderson tentou delinear os processos

pelos quais a nação veio a ser imaginada, modelada, adaptada e transformada.

Agora é a hora de explicar porquê das pessoas se disporem a morrer por tais

invenções.

Numa época em que é tão comum que intelectuais cosmopolitas e progressistas

insistam no caráter quase patológico do nacionalismo, nas suas raízes encravadas

Page 17: Fichamento COMUNIDADES IMAGINADAS

no medo e no ódio do outro e nas afinidades com o racismo, cabe lembrar que as

nações inspiram amor, e em um amor de profundo autosacrifícios.

(P.200) Os frutos culturais do nacionalismo (poesia, monumentos, musicas)

mostram esse amor com clareza. Sendo muito difícil encontrar elementos de ódio

e de desprezo.

(P.202) A ideia de sacrifício supremo vem apenas como uma ideia de pureza,

através da fatalidade. Morrer pela pátria, assume uma grandeza moral que não se

pode comparar por morrer pelo Partido Trabalhista, ou pela Associação Médica

Americana, pois estão são entidades nas quais pode-se ingressar e sair a vontade.

A grandeza de morrer pela Revolução também deriva do grau de sentimento de

que ela é algo fundamentalmente puro.

(P.203) Aqui voltamos à língua.

1° Nota-se o caráter primordial da língua, mesmo as sabidamente modernas.

Ninguém é capaz de dizer a data em que nasce uma língua. Todas se avultam

imperceptivelmente de um passado sem horizonte. Assim, as línguas se mostram

mais enraizadas do que praticamente qualquer outra coisa e é ao mesmo tempo, o

que nos liga afetivamente ao mortos.

2° Existe um tipo específico de comunidade contemporânea que apenas a língua

é capaz de sugerir. Tomemos o exemplo dos hinos nacionais. Por mais banal que

seja a letra e medíocre a melodia, há nesse canto uma experiência de

simultaneidade. Precisamente neste momento, pessoas totalmente desconhecidas

entre si pronunciam os mesmo versos seguindo a mesma música.

(P.208) Nairn se enganou ao dizer que o racismo e o antissemitismo derivam do

nacionalismo.

O fato é que o nacionalismo pensa em termos de destinos históricos, ao passo que

o racismo sonha com contaminação eternas, transmitidas desde as origens dos

tempos por uma sequencia interminável de cópulas abomináveis: fora da história.

Os negros devido à nodoa invisível do sangue, serão sempre negros; os judeus

devidos ao sêmen de Abraão, serão sempre judeus.

Page 18: Fichamento COMUNIDADES IMAGINADAS

(P.209) Os sonhos do racismo têm, na verdade, a sua origem nas ideologias de

classe, e não nas de nação: sobretudo nas pretensões de divindade entre os

dirigentes e nas pretensões de “linhagem” e de “sangue azul” ou “branco” entre

os aristocratas.

(P.210) Onde o racismo se desenvolveu fora da Europa no século XIX, sempre

esteve associado com a dominação europeia por duas razões. 1° Por causa do

nacionalismo oficial e do processo de russificação colonial. 2° O império

colonial, com seu aparato burocrático e suas políticas “russificantes” permitiu a

muitos burgueses se fazerem aristocratas fora da corte central.

(P.216) Cap. 8: O Anjo da História.

Começaremos este breve capitulo com as guerras entre as republicas socialistas

do Vietnã, Camboja e China.

(P.222) Como foi dito anteriormente e se encaixa perfeitamente neste caso os

revolucionários vietnamitas, cambojanos e chineses, assim que conquistam o

Estado, fazem uso de todas a estrutura já existente em seu favor assim como o

nacionalismo que já existia. A guerra entre eles foi uma guerra de chancelaria.

(P.226) Cap. 9: Censo, Mapa e Museu.

Na edição original deste livro, Anderson escreveu que “nas políticas de

construção da nação dos novos Estados vemos um grande entusiasmo

nacionalista popular através dos meios de comunicação, da educação, da

administração, e assim por diante”.

O que o autor supunha em sua visão limitada daquela época era que o

nacionalismo oficial dos mundos colonizados da África e da Ásia vinham

diretamente modelados sobre o nacionalismo oficial dos estados dinásticos

europeus do século XIX.

Contudo, ele percebeu que a genealogia próxima deveria ser buscada na criação

da imagem do Estado Colonial.

(P.227) Por isso, para entender melhor iremos estudas 3 instituições de poder: o

censo, o mapa e o museu. Que Anderson ressalta o fato de como elas moldaram a

Page 19: Fichamento COMUNIDADES IMAGINADAS

forma como as potências coloniais viam e tentavam manter o controle sobre suas

colônias.

(P.222) O Censo.

A ideia fictícia do censo é que todos estão presentes nele, e que todos ocupam

um – e apenas um – lugar extremamente claro e sem frações. Essa é uma maneira

de criar imagens, adotada pelo Estado colonial tinha origens muito anteriores às

do censos dos anos 1870.

(P.236) O Mapa.

Aos poucos localidades como Cairo e Meca deixaram de ser vistas somente

como simples localidades numa geografia muçulmana e passaram a ser pontos

em folhas de papel que incluíam outros pontos como Caracas, Paris e Moscou. A

relação plana entre estes pontos não tinham relação com a importância real destes

lugares e sim determinadas matematicamente.

(P.246) O Museu.

O museu e a imaginação museológica são profundamente políticos. Tentando

criar uma imagem gloriosa junto à população do novo Estado.

(P.253) Assim, mutuamente interligados, censo, mapa e museu iluminam o estilo

do pensamento do Estado colonial tardio em relação a seus domínios. A

“urdidura” desse pensamento era uma grade classificatória totalizante que podia

ser aplicada com uma flexibilidade ilimitada a qualquer coisa sobre o controle

real ou apenas visual do Estado: povos, regiões, religiões, línguas, objetos

produzidos, monumentos, etc. O efeito dessa grade era sempre poder dizer que

tal coisa era isso e não aquilo, que fazia parte disso e não daquilo. Essa coisa

qualquer era delimitada, determinada e, portanto, enumerável.

(P.256) Cap. 10: Memória e Esquecimento.

Espaço: Novo e Velho.

New York, Nueva Leon, Nouvelle Orléans, Nova Lisboa, Nieuw Amsterdam. Já

no século XVI, os europeus tinham começado a adotar o estranho hábito de

Page 20: Fichamento COMUNIDADES IMAGINADAS

denominar lugares remotos, primeiro nas Américas e na África, depois na Ásia,

Austrália e Oceania, como “novas” versões de “velhos” topônimos em suas terras

de origem. Além disso, eles mantiveram a tradição mesmo em lugares que

passaram para outros senhores imperiais, de modo que Nouvelle Orléans se

tornou New Orleans e Nieuw Zeeland para Nem Zeland.

(P.257) O que é interessante nos nomes americanos dos séculos XVI a XVIII

“novo” e “velho” eram entendidos sincronicamente, coexistindo dentro do tempo

vazio e homogêneo. Vizcaya ao lado de Nueva Vizcaya, New London ao lado de

London: o que mais indica rivalidade entre irmãos do que uma sucessão

hereditária.

Essa inédita novidade sincrônica só podia surgir historicamente quando houvesse

grupos consideráveis de pessoas em condições de se conceberem vivendo vidas

paralelas às de outros grupos consideráveis de gente. Entre 1500 e 1800, a

construção de navios e os avanços tecnológicos tornou possível a criação destas

imagens. Pois a pessoa poderia morar no planalto peruano, nos pampas

argentinos ou na Nova Inglaterra e mesmo assim sentir-se ligado a certas regiões

ou comunidades, a milhares de quilômetros de distância.

(P.258) Para que esse senso de paralelismo ou simultaneidade pudesse surgir e

também ter vastas consequências políticas era necessário que a distância entre os

grupos paralelos fosse grande, e que o mais novo deles tivesse um tamanho

considerável e fosse estabelecido de forma duradoura, além de estar solidamente

subordinado ao mais velho. Essas condições foram encontradas nas Américas,

como nunca ocorrera antes por três motivos.1°, a imensidão do oceano

impediram a gradual absorção dos povos dentro de unidades políticos-culturais

mais amplas como a que submergiu a Escócia dentro do Reino Unido. 2° a

migração europeia para a América foi gigantesca. (P.259) 3° a metrópole

imperial dispunha de formidáveis aparatos burocráticos e ideológicos que

permitiram subjugar os crioulos por vários séculos.

(P.261) Essas fatores ajudam a explicar por que o nacionalismo surgiu primeiro

no Novo Mundo. Além de elucidar duas características peculiares das guerras

Page 21: Fichamento COMUNIDADES IMAGINADAS

revolucionárias que assolaram o Novo Mundo entre 1776 e 1825. Pois nenhum

revolucionário Crioulo sonhou em manter o império intacto apenas transferindo a

metrópole de uma sede europeia para uma sede americana. Ou seja, não

desejava-se que Nem London sucedesse Old London, mas sim salvaguardar o

paralelismo entre elas.

(P.262) Além disso, apesar das guerras serem extremamente sangrentas, os

crioulos não precisavam temer o extermínio físico nem a escravidão, ao contrário

do que ocorreu com tantos outros povos que estavam no caminho do

imperialismo europeu. Afinal, eles eram brancos, cristãos e falavam espanhol ou

inglês, além de serem os intermediários entre as colônias e o império. Eram

guerras entre parentes, o que garantiu que após um certo período de

ressentimento, fosse possível reatar laços culturais, as vezes políticos e

econômicos.

Tempo: Novo e Velho.

Para os crioulos do Novo Mundo, os estranhos topônimos discutidos acima

representam sua capacidade de se imaginarem como comunidades paralelas e

comparáveis às da Europa; contudo alguns acontecimentos súbitos em fins do

século XVIII, conferiram a essa novidade um significado inteiramente novo.

(P.263) O primeiro foi a Declaração de Independência das Treze Colônias em

1776, e a sua defesa militar republicana. Essa independência e o fato dela ter sido

republicana, foi visto como algo inteiramente inédito. Logo depois, em 1789,

houve a explosão no Velho Mundo com a Revolução Francesa.

Ambas, não criaram um sentimento de continuidade, mas sim uma sensação de

ruptura radical com o passado. Nada exemplifica melhor isso do que a abolição

do calendário cristão e a adoção do calendário secular.

(P.266) Na Europa, os novos nacionalismos começaram a se imaginar

“despertando de um sono”. Imagem totalmente diferente do que ocorreu na

América. Pois enquanto os nacionalistas das Américas olhavam para o futuro, os

nacionalistas europeus buscavam suas glórias no passado. Contudo, com o tempo

Page 22: Fichamento COMUNIDADES IMAGINADAS

essa duplicidade desapareceu e os americanos começaram a buscar sua origem

aborígene.

(P.271) O Fratricídio Tranquilizador.

Enquanto Michelet, o historiador da Revolução Francesa, buscava resgatar as

pessoas que morreram durante Revolução Francesa do esquecimento, evitando

assim o seu desaparecimento nas correntezas da história, Renan surgiu com a

ideia da necessidade de esquecer certas coisas.

(P.273) Para Renan, “já ter esquecido” antigas tragédias é um dever cívico

contemporâneo de primeira importância.

O fratricídio tranquilizador é a forma do Estado criar uma capa sobre assuntos

desconcertantes para ele. Como massacres, guerras e crimes contra a

humanidade. Contudo, o ato deve ser distante temporalmente dos

contemporâneos. Um exemplo é a Guerra Civil Norte Americana, ensinada hoje

nas escolas como uma guerra entre irmãos, algo que seria representado de

maneira diferente caso o país estivesse dividido ao meio ainda hoje.

(P.278) A Biografia das Nações.

(P.279) Assim como com as pessoas modernas, as nações precisam gerar uma

narrativa de identidade. Entretanto, na história secular de uma pessoa, há um

começo e um fim, já as nações não possuem data de nascimento claramente

identificada, e sua morte (quando acontece) nunca é natural. Como não há um

criador original é praticamente impossível criar uma genealogia de gerações,

sendo a única maneira moldar a biografia das nações os “recuos no tempo” do

presente para o passado.

Fonte: ANDERSON, Benedict: Comunidades Imaginadas. São Paulo. Cia das Letras, 2008.