Fig. 3 Lançadeira · 2020. 11. 12. · A notória evolução e diversificação das práticas...

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BIBLIOGRAFIA BERNAL CASASOLA, Darío (2008) – Arqueología de las redes de pesca. Un tema crucial de la economia maríma hispanorromana. Mainake. Málaga. XXX, pp. 181-215. BERNAL CASASOLA, Darío (2010) – Fishing tackle in Hispania: reflecons, proposals and first results. In BEKKER-NIELSEN, Tonnes, BERNAL CASASOLA, Darío, eds. - Ancient nets and fishing gear: proceedings of the Internaonal Workshop on Nets and Fishing Gear in Classical Anquity: a first approach. Cádiz, pp. 83-138. FERNÁNDEZ, Adolfo; SILVA, Ricardo C.; SANTOS, F.; BOTELHO, P. (no prelo) – Vajillas finas importadas tardoanguas de los niveles de abandono de la fac- toría de salazones de la calle Francisco barreto en Faro (Portugal). Proce- edings of the 7th Internaonal Conference on Late Roman Coarse Wares Cooking. Roman and Late Anque Mediterranean Poery. Archaeopress: Oxford. LOURENÇO, Pedro R. (2010) - A pesca na Anguidade: o caso de Monte Mo- lião (Lagos). Tese de Mestrado em Arqueologia—FLUL. PONSICH, Michel (1988) - Aceite de oliva y salazones de pescado. Factores geo-económicos de Beca y Tingitania. Madrid: Universidad Complutense de Madrid. VARGAS GIRÓN, José M. (2011) - La pesca com caña y sedal en el Círculo del Estrecho. In BERNAL CASASOLA, Darío, ed. - Pescar con Arte. Fenícios y ro- manos en el origen de los aparejos andaluces. Catálogo de la exposición (Baelo Claudia, Diciembre 2011- Julio 2012). Cádiz. pp. 199-230 (Monograas del Proyecto Sagena 3). VARGAS GIRÓN, José M. (2017) - Evidencias de instrumental pesquero en Loulé. Recientes resultados de un estudio de materiales realizado en el mar- co de la exposición Loulé - territórios, memórias e idendades. Al – Úlyá - Revista do Arquivo Municipal de Loulé, 18, pp. 9-24. Em 2017 foi identificada uma nova unidade de preparados piscícolas em intervenção arqueológica preventiva na área ribeirinha de Faro (Rua Francisco Barreto) – zona de cariz industrial da antiga cidade portuária de Ossonoba, da qual se conheciam escassas referências (Fig. 1 e 2). A actividade pesqueira seria absolutamente fundamental ao funcionamento destes complexos fabris, onde é frequente a recolha de materiais associados à pesca. Nesta etapa preliminar da investigação do sí- tio, em que se dá primazia ao estudo e divulgação da cultura material, apresenta-se a colecção de instru- mentos de pesca recuperada neste local composta, à semelhança de officinae análogas, por agulhas (3), anzóis (10) e peso de rede. Entre as agulhas identificadas (Tabela 1) distinguem-se duas tipologias de acordo com a sua morfo- logia e função – a confecção ou a reparação de redes. À primeira função atribui-se um exemplar comple- to do que vulgarmente se designa por lançadeira (Fig. 3) ou agulha de naveta”. As restantes duas agu- lhas (Fig. 4) identificadas destinavam-se à reparação de redes de pesca. Na região, não são estranhos es- tes instrumentos, registando-se a sua presença em Monte Molião (Lourenço, 2010: 40-41), Loulé Velho e Cerro da Vila (Quarteira) (Vargas Girón, 2017: 18-19). Já os anzóis analisados não revelam diferenças consideráveis ao nível da morfologia e da dimensão (cf. Tabela 2), podendo ser enquadrados no grupo dos anzóis simples, com a extremidade martelada e sem qualquer tipo de ranhuras ou marcas horizontais (Fig. 5), pequenos, na sua maioria (com compri- mento de haste entre os 2,5 e 4cm, excepto exemplar com 4,2 cm de comp.). A predominância deste tipo de anzóis já fora apontada na zona do Círculo do Estreito (Vargas Girón, 2011: 214), atestando a prática de pesca com cana e linha a partir da costa ou em pequenas embarcações. Por último, junta-se uma peça em cerâmica de classificação controversa – de formato cilíndrico e oco, com estreitamento na extremidade superior (Fig. 6) – que se optou por inserir na categoria dos pe- sos de rede. Embora sem paralelo formal absoluto, pela sua morfologia e dimensão aproxima-se aos pesos fusiformesrelacionados com redes de médio ou grande porte. (Bernal Casasola, 2008: 197) identificados nalguns sítios costeiros da antiga província Mauritânia Tingitana como as fábricas de pro- cessamento de peixe em Tahaddart (Tânger) (Ponsich, 1988: 149-150, fig. 32-4) ou em Septem Frates (Península de Almina, Ceuta) (Bernal Casasola, 2010: 101 e fig. 9 – CIV). Os artefactos aqui dados à estampa procedem dos níveis de colmatação dos tanques de salga desco- bertos. Salvaguardada a possibilidade da ocorrência de material residual mais antigo, tudo indica que a generalidade da colecção se enquadra no momento precedente ao abandono do sítio estimado e fixado nos finais do séc. VI (Fernández & alii, no prelo). A notória evolução e diversificação das práticas pesqueiras na Antiguidade ficam a dever-se, essencial- mente, ao desenvolvimento de um conjunto de instrumentos que tornaram a pesca uma actividade genera- lizada e rentável. No campo da investigação arqueológica, o estudo destes testemunhos materiais encontra -se ainda pouco desenvolvido, revelando algumas lacunas ao nível da sua perfeita contextualização e ca- racterização. O recorrente aparecimento de instrumental pesqueiro em sítios arqueológicos costeiros teste- munha a ampla difusão e prática generalizada das diferentes técnicas de pesca. Os artefactos que integram a amostra analisada remetem para o uso complementar de duas técnicas pes- queiras em particular: a pesca à linha e anzol e a utilização de redes que proporcionam capturas mais nu- merosas. A análise destes materiais terá de ser necessariamente correlacionada com os vestígios ictiológicos que começam, finalmente, a ser também contemplados nalguns projectos interdisciplinares. Apesar da fauna marinha surgir bem representada na iconografia (e.g. mosaicos e moedas) e referida na literatura, existem ainda algumas falhas de conhecimento relativamente às espécies capturadas e ao tipo de pesca praticada na Antiguidade. Será, provavelmente, na complementaridade entre estes dois ramos, ictiologia e o estudo do instrumental pesqueiro, que residirá a chave para o esclarecimento de algumas questões pendentes acerca desta actividade económica que seria de vital relevância para as populações costeiras, já nos primeiros sé- culos da nossa era. Anzol Área/ U.E. Comp. Abertura Garganta Espessura da haste Farpa Extremidade da haste Conservação 1 Área F [707] 4,2 cm 1,5 cm 1,2 cm 0,3 cm Presente Martelada Completo 2 Área F [707] 3,6 cm 1,5 cm 1,4 cm 0,2 cm Presente Martelada Completo 3 Área F [708] 2,7 cm 1,3 cm 0,7 cm 0,15 cm Presente Subtilmente martelada Completo 4 Área A [719] 3,8 cm 1,5 cm 1,15 cm 0,3 cm Presente Martelada Completo 5 Área L [865] 2,6 cm 1,3 cm 1,15 cm 0,2 cm Presente Martelada Completo 6 Área D [894] 3,2 cm 1,2 cm 0,85 cm 0,2 cm Presente Martelada Completo 7 Área H [940] (Comp. VIII) 3,35 cm 1,4 cm 1,1 cm 0,25 cm Presente Martelada Completo 8 Área H [942] (Comp. VIII) 2,9 cm 1,35 cm 0,85 cm 0,25 cm Presente fragmentada Indeterminada Fragmentado 9 Área J [967] 1,8 cm - - 0,25 cm Ausente Ausente Incompleto 10 Área J [967] 3 cm 1,4 cm 0,85 cm 0,25 cm Presente Martelada Completo Designação Área e U.E. Comp. Espessura Estado de Conservação Outras informações Lançadeira Área F [707] 21,5 cm 0,35 cm Completa Duas forquilhas, uma em cada extremi- dade da haste; Amplitude da abertura: 0,5x1,5cm e 0,4x1,2cm Agulha Área A [719] 11,6 cm 0,5 cm Incompleta Agulha Comp. V [860] 10,2 cm 0,2 cm Completa, mas dobrada Fig. 3 - Lançadeira Fig. 4 - Agulhas Fig. 5 - Anzóis Fig. 6 - Peso de rede em cerâmica Tabela 1 - Agulhas Tabela 2 - Anzóis Fig. 1 - Localização da intervenção na malha urbana da actual cidade de Faro (base do Google Earth). Fig. 2 - Vista geral da área de intervenção.

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BIBLIOGRAFIA BERNAL CASASOLA, Darío (2008) – Arqueología de las redes de pesca. Un tema crucial de la economia marítima hispanorromana. Mainake. Málaga. XXX, pp. 181-215.

BERNAL CASASOLA, Darío (2010) – Fishing tackle in Hispania: reflections, proposals and first results. In BEKKER-NIELSEN, Tonnes, BERNAL CASASOLA, Darío, eds. - Ancient nets and fishing gear: proceedings of the International Workshop on Nets and Fishing Gear in Classical Antiquity: a first approach. Cádiz, pp. 83-138.

FERNÁNDEZ, Adolfo; SILVA, Ricardo C.; SANTOS, F.; BOTELHO, P. (no prelo) – Vajillas finas importadas tardoantiguas de los niveles de abandono de la fac-toría de salazones de la calle Francisco barreto en Faro (Portugal). Proce-edings of the 7th International Conference on Late Roman Coarse Wares Cooking. Roman and Late Antique Mediterranean Pottery. Archaeopress: Oxford.

LOURENÇO, Pedro R. (2010) - A pesca na Antiguidade: o caso de Monte Mo-lião (Lagos). Tese de Mestrado em Arqueologia—FLUL.

PONSICH, Michel (1988) - Aceite de oliva y salazones de pescado. Factores geo-económicos de Betica y Tingitania. Madrid: Universidad Complutense de Madrid.

VARGAS GIRÓN, José M. (2011) - La pesca com caña y sedal en el Círculo del Estrecho. In BERNAL CASASOLA, Darío, ed. - Pescar con Arte. Fenícios y ro-manos en el origen de los aparejos andaluces. Catálogo de la exposición (Baelo Claudia, Diciembre 2011- Julio 2012). Cádiz. pp. 199-230 (Monografías del Proyecto Sagena 3).

VARGAS GIRÓN, José M. (2017) - Evidencias de instrumental pesquero en Loulé. Recientes resultados de un estudio de materiales realizado en el mar-co de la exposición Loulé - territórios, memórias e identidades. Al – Úlyá - Revista do Arquivo Municipal de Loulé, 18, pp. 9-24.

Em 2017 foi identificada uma nova unidade de preparados piscícolas em intervenção arqueológica

preventiva na área ribeirinha de Faro (Rua Francisco Barreto) – zona de cariz industrial da antiga cidade

portuária de Ossonoba, da qual se conheciam escassas referências (Fig. 1 e 2).

A actividade pesqueira seria absolutamente fundamental ao funcionamento destes complexos fabris,

onde é frequente a recolha de materiais associados à pesca. Nesta etapa preliminar da investigação do sí-

tio, em que se dá primazia ao estudo e divulgação da cultura material, apresenta-se a colecção de instru-

mentos de pesca recuperada neste local composta, à semelhança de officinae análogas, por agulhas (3),

anzóis (10) e peso de rede.

Entre as agulhas identificadas (Tabela 1) distinguem-se duas tipologias de acordo com a sua morfo-

logia e função – a confecção ou a reparação de redes. À primeira função atribui-se um exemplar comple-

to do que vulgarmente se designa por lançadeira (Fig. 3) ou agulha de “naveta”. As restantes duas agu-

lhas (Fig. 4) identificadas destinavam-se à reparação de redes de pesca. Na região, não são estranhos es-

tes instrumentos, registando-se a sua presença em Monte Molião (Lourenço, 2010: 40-41), Loulé Velho

e Cerro da Vila (Quarteira) (Vargas Girón, 2017: 18-19).

Já os anzóis analisados não revelam diferenças consideráveis ao nível da morfologia e da dimensão

(cf. Tabela 2), podendo ser enquadrados no grupo dos anzóis simples, com a extremidade martelada e

sem qualquer tipo de ranhuras ou marcas horizontais (Fig. 5), pequenos, na sua maioria (com compri-

mento de haste entre os 2,5 e 4cm, excepto exemplar com 4,2 cm de comp.). A predominância deste tipo

de anzóis já fora apontada na zona do Círculo do Estreito (Vargas Girón, 2011: 214), atestando a prática

de pesca com cana e linha a partir da costa ou em pequenas embarcações.

Por último, junta-se uma peça em cerâmica de classificação controversa – de formato cilíndrico e

oco, com estreitamento na extremidade superior (Fig. 6) – que se optou por inserir na categoria dos pe-

sos de rede. Embora sem paralelo formal absoluto, pela sua morfologia e dimensão aproxima-se aos

“pesos fusiformes” relacionados com redes de médio ou grande porte. (Bernal Casasola, 2008: 197)

identificados nalguns sítios costeiros da antiga província Mauritânia Tingitana como as fábricas de pro-

cessamento de peixe em Tahaddart (Tânger) (Ponsich, 1988: 149-150, fig. 32-4) ou em Septem Frates

(Península de Almina, Ceuta) (Bernal Casasola, 2010: 101 e fig. 9 – CIV).

Os artefactos aqui dados à estampa procedem dos níveis de colmatação dos tanques de salga desco-

bertos. Salvaguardada a possibilidade da ocorrência de material residual mais antigo, tudo indica que a

generalidade da colecção se enquadra no momento precedente ao abandono do sítio estimado e fixado

nos finais do séc. VI (Fernández & alii, no prelo).

A notória evolução e diversificação das práticas pesqueiras na Antiguidade ficam a dever-se, essencial-

mente, ao desenvolvimento de um conjunto de instrumentos que tornaram a pesca uma actividade genera-

lizada e rentável. No campo da investigação arqueológica, o estudo destes testemunhos materiais encontra

-se ainda pouco desenvolvido, revelando algumas lacunas ao nível da sua perfeita contextualização e ca-

racterização. O recorrente aparecimento de instrumental pesqueiro em sítios arqueológicos costeiros teste-

munha a ampla difusão e prática generalizada das diferentes técnicas de pesca.

Os artefactos que integram a amostra analisada remetem para o uso complementar de duas técnicas pes-

queiras em particular: a pesca à linha e anzol e a utilização de redes que proporcionam capturas mais nu-

merosas.

A análise destes materiais terá de ser necessariamente correlacionada com os vestígios ictiológicos que

começam, finalmente, a ser também contemplados nalguns projectos interdisciplinares. Apesar da fauna

marinha surgir bem representada na iconografia (e.g. mosaicos e moedas) e referida na literatura, existem

ainda algumas falhas de conhecimento relativamente às espécies capturadas e ao tipo de pesca praticada na

Antiguidade. Será, provavelmente, na complementaridade entre estes dois ramos, ictiologia e o estudo do

instrumental pesqueiro, que residirá a chave para o esclarecimento de algumas questões pendentes acerca

desta actividade económica que seria de vital relevância para as populações costeiras, já nos primeiros sé-

culos da nossa era.

Anzol Área/ U.E. Comp. Abertura Garganta Espessura da haste

Farpa Extremidade da haste

Conservação

1 Área F [707]

4,2 cm 1,5 cm 1,2 cm 0,3 cm Presente Martelada Completo

2 Área F [707]

3,6 cm 1,5 cm 1,4 cm 0,2 cm Presente Martelada Completo

3 Área F [708]

2,7 cm 1,3 cm 0,7 cm 0,15 cm Presente Subtilmente martelada

Completo

4 Área A [719]

3,8 cm 1,5 cm 1,15 cm 0,3 cm Presente Martelada Completo

5 Área L [865]

2,6 cm 1,3 cm 1,15 cm 0,2 cm Presente Martelada Completo

6 Área D [894]

3,2 cm 1,2 cm 0,85 cm 0,2 cm Presente Martelada Completo

7 Área H [940]

(Comp. VIII) 3,35 cm 1,4 cm 1,1 cm 0,25 cm Presente Martelada Completo

8 Área H [942]

(Comp. VIII) 2,9 cm 1,35 cm 0,85 cm 0,25 cm Presente

fragmentada Indeterminada Fragmentado

9 Área J [967]

1,8 cm - - 0,25 cm Ausente Ausente Incompleto

10 Área J [967]

3 cm 1,4 cm 0,85 cm 0,25 cm Presente Martelada Completo

Designação

Área e U.E.

Comp. Espessura Estado de Conservação

Outras informações

Lançadeira Área F [707]

21,5 cm 0,35 cm Completa Duas forquilhas, uma em cada extremi-dade da haste;

Amplitude da abertura: 0,5x1,5cm e 0,4x1,2cm

Agulha

Área A [719]

11,6 cm 0,5 cm Incompleta

Agulha

Comp. V [860]

10,2 cm 0,2 cm Completa, mas dobrada

Fig. 3 - Lançadeira

Fig. 4 - Agulhas

Fig. 5 - Anzóis Fig. 6 - Peso de rede em cerâmica

Tabela 1 - Agulhas

Tabela 2 - Anzóis

Fig. 1 - Localização da intervenção na malha urbana da actual cidade de Faro (base do Google Earth).

Fig. 2 - Vista geral da área de intervenção.