Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

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V Figura 1 - Enfermagem histórica

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V

Figura 1 - Enfermagem histórica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA/UFSC

CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO/PPGE

Figura 2: Tecendo ideias

“Me abriga nas metáforas

Da minha colcha tecida ao

longo do tempo.... Múltiplos

retalhos coloridos. Sem

nenhum alinhavo. Teci

todos com fios de fibra, para

resistir ao tempo, ao relento,

Assim mesmo na

eternidade todos poderão

ler. Solidão, o silêncio e a

introspecção... São os tons

neutros. O amor e a

esperança... São os mais

vivos que tanto marcam

minha vida. Os

fluorescentes... São os

momentos em que viajo fantasiando

os sonhos meus. Com todos me

emocionei, me entreguei, arrematei

suas franjas, e com as minhas

iniciais... Firmei retalhos poéticos”.

(www.reticenciasrj.com.br/retalhos-

de-mim)

Denise Consuelo Moser Aguiar

Setembro 2016

Fonte:www.balear.blogespot.com.br/

2010/02/colcha-retalhos

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Aguiar, Denise Consuelo Moser Corporeidade e cuidado: labirinto na formação dasenfermeiras. / Denise Consuelo Moser Aguiar ;orientadora, Dra. Ana Maria Borges de Sousa ;coorientadora, Dra. Patrícia de Moraes Lima. -Florianópolis, SC, 2016. 137 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de SantaCatarina, Centro de Ciências da Educação. Programa de PósGraduação em Educação.

Inclui referências

1. Educação. 2. formação das enfermeiras. 3. cotidiano.4. labirinto. 5. cuidado e corporeidade. I. Sousa, Dra.Ana Maria Borges de . II. Lima, Dra. Patrícia de Moraes .III. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa dePós-Graduação em Educação. IV. Título.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA/UFSC

CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO/PPGE

DENISE CONSUELO MOSER AGUIAR

CORPOREIDADE E CUIDADO: LABIRINTO NA

FORMAÇÃO DAS ENFERMEIRAS

Tese apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal de Santa

Catarina, para obtenção do título de

Doutora em Educação.

Orientadora: Dra. Ana Maria Borges

de Sousa

Coorientadora: Dra. Patrícia de

Moraes Lima

Setembro 2016

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca

Universitária da UFSC.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA/UFSC

CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO/PPGE

DENISE CONSUELO MOSER AGUIAR

CORPOREIDADE E CUIDADO: LABIRINTO NA

FORMAÇÃO DAS ENFERMEIRAS.

Banca Examinadora

_______________________________________

Prof.ª Drª. Ana Maria Borges de Sousa (Orientadora)

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

_________________________________________

Prof.ª Drª. Patrícia de Moraes Lima (Coorientadora)

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

______________________________________________

Prof.ª Drª. Rosane Nitschke (Examinadora)

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

_________________________________________________

Prof.ª Drª. Henriqueta Kruse (Examinadora)

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

_______________________________________________________

Prof.ª Drª. Marcela Martins Fulan de Leo (Examinadora)

Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS

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___________________________________________

Prof.ª Drª. Adriana Dutra Tholl (Examinadora)

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

________________________________________

Prof.ª Drª. Joana Célia dos Passos (Examinadora)

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

_________________________________________

Prof.ª Drª. Jeane Barros de Souza (Suplente)

Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS

_________________________________________

Profo. Dr. Gelson Aguiar da Silva (Suplente)

Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS

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Refletindo o Cuidado...

Amor... como ferramenta

principal no cuidado Gostar de

gente Ciência da mudança... A

linguagem é a ferramenta

principal na promoção da

cura...

A capacidade de amar é muito

importante...

Quem é o enfermeiro do

hospital? Reformulação...

Sempre evoluir...

Hierarquia hospitalar.

Abrangência... Ciências...

Análise crítica com relação aos

métodos usados no cuidado,

durante a experiência vivida

como paciente...

Profissionais sem perfil para

cuidar se caracteriza como um

dos problemas na área da saúde...

Amor- quando se faz algo que se

ama...tende a ficar tudo bom...

Conhecimento sempre...

Ser bons profissionais...

Não parar de aprender...

Valorização do curso e do

profissional, pois há uma

mudança de visão... tem que

haver união- trabalho em

conjunto...

Adaptação de acordo com a

necessidade do paciente...

Paciência. Pois é preciso calma

com o paciente...

Empatia: se colocar no lugar do

paciente...

Conhecer os nossos limites...

Conhecimento: o profissional

precisa saber o que estar

fazendo...

Carinho além do conhecimento...

Medir os atos... pode ser um pai,

mãe...

Respeito com o paciente e com o

profissional...

A enfermagem é uma mudança

de vida...

Fazer a diferença...

Satisfação de trabalhar em um

espaço bom...

Cuidar de pessoas...

Educação e Afeto...

Autoconhecimento...

Sabedoria e bom senso...

Cuidadoso, saber priorizar o

paciente...

Conhecimento, compreensão e

entendimento.... Colocar em

prática o saber e compreender

seu paciente...

Dedicação, saber e carisma...

Aprendizado...

Trabalho em equipe...

A mudança da visão do

paciente sobre o

enfermeiro...

Não rotular as pessoas...

Diferença, fazer a diferença...

saber a teoria e a prática...

Contato interpessoal...

Respeitar as diferença e

diversidade, enxergando os

outros além da aparência....

Relatos e expressões dos alunos

da primeira fase do curso de

enfermagem de uma

Universidade Federal de Santa

Catarina, ao falar sobre o

cuidado, durante as vivências do

componente e rodas de conversa.

A autora, setembro 2016.

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Dedicatória...

Ao meu Amor Gelson, que a cada

dia me acolhe e ensina reafirmando

que o amor, a dedicação e a

harmonia podem tornar nosso Viver

Valer a Pena, obrigada pelo existir

em nossas…Te Amo!

Aos meus filhos do coração, Isabela

e Breno, vocês foram essenciais

nessa travessia, tornando

significativo o meu existir, nossos

laços são eternos.

Amo vocês!

“Ninguém cruza nosso caminho e

nós não entramos na vida de alguém

sem nenhuma razão” Chico Xavier.

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AGRADECIMENTOS

Às Famílias

Á minha família, meu Amor e companheiro Gelson e meus

filhos do coração, Isabela e Breno, obrigada pelos Entrelaços de cada

dia, o amor presente, e por estarem comigo nessa travessia de costuras

e linhas da vida!!

À Mãe Diva e ao Pai Alfredo, que sempre me apoiaram no

caminhar da vida. Irmãos e irmãs, cunhadas e cunhados, sobrinhos e

sobrinhas, e minha querida Ju (Jucélia) e sua sempre acolhida

afetuosa. A Helo (Heloisa), pela ajuda e traduções de sempre!

Afilhada adorável e amada! Com vocês minha existência se tornou

possível. Obrigada!

À família alinhavada no coração... outras riquezas aprendidas

com a Laiza (Lizete) Rico (Ricardo), Manu (Manoela) e Rodrigo, sem

essa vivencia não teria chegado aqui! Especiais para sempre. Amo

vocês!!

Às amigas e aos Amigos

Nos alinhavos da vida cheguei ao doutorado... e assim poder

encontrar outras pessoas especiais: Samantha, Chirley, Liane, Vera,

Nadja. Esta tese alinhava nossos “bons encontros”, À Gi (Gisely), o

meu especial agradecimento pelo carinho, pelas trocas, pelos estudos,

pela parceria, pelo amor e pelos encontros conversados. Amiga eterna!

Na Pesquisa

Minha gratidão a todos os (as) participantes e, em especial, às

estudantes e professoras do curso de Enfermagem da UFFS, que

dividiram comigo suas histórias e permitiram que esta tese ganhasse

vida. Muito obrigada!

À banca examinadora:

Agradeço pela disponibilidade da leitura e pelas contribuições

que trazem ao texto. As atenciosas e acolhedoras Professoras: Rosane,

Joana, Adriana, Marcela, Henriqueta, Jeane e Gelson.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, aos (às)

funcionários (as) e professores (as) com os (as) quais aprendi muito

nesse tempo de doutoramento. Orientação: À Prof.ª Drª. Ana Maria Borges de Sousa, Ana

Baiana, inspiração de professora, com quem tive o prazer de

compartilhar e aprender nesses anos do meu no doutorado.

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Obrigada pelo encontro, pelas aulas, conselhos, trocas,

costuras e conhecimentos. Foi com você professora querida que

retomei o olhar para a enfermagem vivida. Seu carinho, acolhida e

nossos encontros afetuosos serão eternos em mim. À Prof.ª Drª.

Patrícia de Moraes Lima, pelo carinho, atenção e disponibilidade ao

final do percurso.

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RESUMO

O cuidado na enfermagem é concebido como ação que envolve o ser

humano na sua totalidade. Para cuidar é necessário o encontro,

dialogar, ouvir, tocar, calar, ensinar, respeitar e compartilhar

experiências. A construção desta tese ensaia metáforas inspiradas no

labirinto do minotauro, em busca do fio de Ariadne para alinhavar

uma colcha de retalhos, a qual problematiza e traça a corporeidade e o

cuidado no processo formativo das alunas do curso de enfermagem e

suas dimensões estético-afetivas, com a intenção de situar os

significados constitutivos das relações ser-cuidado-corporeidade. O

bordado começa com uma questão de pesquisa: como a corporeidade e

o cuidado se constituem no processo formativo das alunas do curso de

enfermagem? Os pontos que adornam tal percurso nascem do auto

olhar-se da pesquisadora, ao assumir as perspectivas e narrativas dos

estudos pós críticos, a partir do referencial de Michel Maffesoli e

Michel Foucault. Com o primeiro me alinhei às noções da pós-

modernidade, querendo compreender o sentido das metáforas, o uso

das imagens e o imaginal. Com o segundo, as relações do saber-poder,

noções de cuidado e o cenário do hospital. No contexto da escolha

metodológica sigo com uma etnografia nômade, com os adereços dos

estudos culturais. Para compor os sujeitos da pesquisa elenquei as

alunas do curso de enfermagem de uma Universidade Pública Federal,

de diferentes fases, docentes supervisoras do campo de prática

hospitalar e alunas egressas (enfermeiras) da primeira turma do curso,

totalizando treze participantes. Como fonte documental utilizei a

matriz curricular do curso, que está em fase de reconstrução. As

imersões contínuas em campo se deram com as rodas de conversas,

encontros agendados e diálogos informais, apoiados em algumas

questões de pesquisa registradas no meu diário de campo, alimentadas

pela observação participante dos/nos espaços do labirinto hospitalar.

Boa parte das conversas e observações ocorreu durante as práticas

hospitalares, no período de março a junho de 2015, além de outras

informações coletadas ao longo de 2014. Para as alunas, as narrativas

que se destacam referem-se ao processo formativo, que segundo elas,

“não aborda de maneira mais efetiva o cotidiano da profissão.

Ressaltam que as necessidades e exigências são inúmeras, levando ao

sentimento de fragilidade e despreparo para lidar com as tarefas

excessivas, com a demanda dos pacientes e as atribuições

administrativas. Assim, contam que a entrada no labirinto é inevitável,

mas quase sempre imperceptível, pois são envolvidas na ordem das

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tarefas cotidianizada. A rotina das tarefas consome a afetividade no

encontro com o outro ser- cuidado, mas ao mesmo tempo, a tarefa

compartilhada na equipe de enfermagem permite que as diferentes

tribos se alinhem e configurem rotas de fuga, assegurando um

processo de cuidado qualificado. Esta pesquisa possibilitou a vivência

do espaço hospitalar, trazendo à tona os aspectos do cotidiano da

enfermagem, suas experiências no encontro com o paciente e a

afetividade implícita no cuidado, bem como as potências envoltas

nesse percurso e as possibilidades no processo de formação da

enfermeira.

Palavras-chave: corporeidade, cuidado, corpo, enfermagem,

formação, labirinto, atividades cotidianas.

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ABSTRACT

The care in nursing is designed as an action that involves the human

being in its entirety. To care is necessary to meet, talk, hear, touch,

silence, teach, observe and share experiences. The construction of this

thesis rehearses inspired metaphors in the minotaur's labyrinth in

search of Ariadne's thread to baste a quilt, which discusses and

outlines the corporeality and care in the education process of the

nursing course students and their aesthetic and affective dimensions

with the intention of placing the constituent meanings of relations be-

carefulcorporeality. The embroidery begins with a research question:

how the corporeality and care constitute the formative process of the

nursing course students? The points that lined this route are born of

self-ohar to the researcher, to take the perspectives and narratives of

póscríticos studies from the reference of Michel Maffesoli and Michel

Foucault. With the first lined me the notions of postmodernity,

wanting to understand the meaning of metaphors, the use of images

and imaginal. With the second, the relations of power-knowledge, care

and notions of the hospital setting. In the context of methodological

choice to follow a nomadic ethnography, with the trappings of cultural

studies. To compose the subjects elenquei the students of the nursing

course of a Public University Federal of different phases, supervisory

teachers hospital practice field and graduates students (nurses) of the

first class of the course, totaling ten participants. As documentary

source was used in curriculum course, which is undergoing

reconstruction. Continuous immersion in the field have taken with the

wheels of conversations, scheduled meetings and informal dialogues,

supported by some research questions recorded in my diary, fed by

participant observation of / in the hospital labyrinth spaces. Many of

the conversations and observations occurred during hospital practices

in the period from March to June 2015, and other information

collected over 2014. For the students, the narratives that stand out

refer to the training process, which according to them , "does not

address more effectively the daily life of the profession. They

emphasize that the needs and requirements are numerous, leading to

feelings of weakness and unpreparedness to deal with excessive tasks,

with the demand of patients and administrative duties. So have that

entry to the maze is inevitable, but often imperceptible as they are

involved in the order of cotidianizada tasks. Routine tasks consume

affectivity in the encounter with the other being careful, but at the

same time, the shared task of nursing staff allows the different tribes

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align and configure escape routes by ensuring skilled care process.

This research allowed the experience of hospital space, bringing to

light aspects of the daily nursing, their experiences in the encounter

with the patient and the implicit affectivity in care. The powers

wrapped in this way and the possibilities in the nurse training process.

Keywords: corporeality, care, body, nursing, training maze, Activities

of Daily Living

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RESUMEN

El cuidado de enfermería está diseñado como una acción que implica

el ser humano en su totalidad. Para cuidar es necesario conocer,

hablar, oír, tocar, el silencio, enseñar, observar e intercambiar

experiencias. La construcción de esta tesis ensaya inspiró metáforas en

el laberinto del minotauro en busca del hilo de Ariadna para hilvanar

una colcha, que analiza y describe la corporalidad y la atención en el

proceso de educación de los estudiantes del curso de enfermería y su

estética y dimensiones afectivas con la intención de colocar los

significados constitutivos de las relaciones be-cuidado-corporeidad. El

bordado comienza con una pregunta de investigación: ¿cómo la

corporalidad y la atención constituyen el proceso formativo de los

estudiantes del curso de enfermería? Los puntos que se alineaban en

esta ruta nacen de la auto-ohar el investigador, para tomar las

perspectivas y narrativas de los estudios póscríticos de la referencia de

Michel Maffesoli y Michel Foucault. Con el primero me forrada las

nociones de posmodernidad, con ganas de entender el significado de

las metáforas, el uso de imágenes y imaginal. Con el segundo, las

relaciones de poder-conocimiento, cuidado y nociones del ámbito

hospitalario. En el contexto de la elección de la metodología a seguir

una etnografía nómada, con la parafernalia de los estudios culturales.

Para componer los temas elenquei los alumnos del curso de

enfermería de una Universidad Pública Federal de diferentes fases, los

maestros de supervisión campo de la práctica hospitalaria y graduados

estudiantes (enfermeras) de la primera clase del curso, por un total de

diez participantes. Como se usa fuente de documentación supuesto

plan de estudios, que se someterá a reformas. la inmersión continua en

el campo de haber tomado con las ruedas de conversaciones,

reuniones programadas y diálogos informales, apoyados por algunas

preguntas de investigación grabadas en mi diario, alimentada por la

observación participante de / en los espacios laberínticos hospital.

Muchas de las conversaciones y observaciones se produjeron durante

las prácticas hospitalarias en el período de marzo a junio de 2015, y

otra información recogida durante el año 2014. Para los estudiantes,

las narrativas que se destacan se refieren al proceso de formación, que

según ellos , "no se refiere de manera más eficaz la vida cotidiana de

la profesión. Hacen hincapié en que las necesidades y los requisitos

son numerosas, lo que lleva a sentimientos de debilidad y falta de

preparación para hacer frente a un exceso de tareas, con la demanda de

los pacientes y tareas administrativas. Así que tiene que entrar en el

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laberinto es inevitable, pero a menudo imperceptible ya que están

involucrados en el orden de las tareas cotidianizada. Las tareas de

rutina consumen la afectividad en el encuentro con el otro ser

cuidadoso, pero al mismo tiempo, la tarea compartida de personal de

enfermería permite a las diferentes tribus se alinean y configurar rutas

de evacuación haciendo proceso de atención especializada. Esta

investigación permitió la experiencia del espacio del hospital, con lo

que a los aspectos de la luz diaria de enfermería, sus experiencias en el

encuentro con el paciente y la afectividad implícita en la atención. Los

poderes envueltos de esta manera y las posibilidades en el proceso de

formación de enfermeras.

Palabras clave: la corporalidad, la atención, el cuerpo, la formación

de enfermería, labirinto, atividades cotidianas.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Enfermagem histórica .......................................................... 1

Figura 2: Tecendo ideias ...................................................................... 3

Figura 3: Enfermagem histórica cuidado ........................................... 25

Figura 4: Bordando ideias .................................................................. 28

Figura 5: Labirinto ............................................................................. 37

Figura 6: Hospital da região oeste Catarin ense ................................. 45

Figura 7: Construção do Hospital (1982). .......................................... 51

Figura 8: O hospital (2016) ................................................................ 51

Figuras 9, 10 e 11: Corredores internos do hospital ........................... 52

Figuras 12: Quarto/Enfermaria de uma unidade do Hospital ............. 53

Figura 13: Rodas de conversa ............................................................ 55

Figuras 14: Rodas de conversas/encontros e desencontros ................ 58

Figura 15: Diário de campo/ o registro silencioso .............................. 58

Figura 16: Observação/ o que o olhar fala.......................................... 58

Figura 17: Currículo do curso/ potências e ausências na formação.... 59

Figura 18: Mosaico da história da enfermagem ................................. 63

Figura 19: Enfermagem histórica ..................................................... 103

Figura 20: Enfermagem histórica ..................................................... 115

Figura 21: Enfermagem histórica ..................................................... 121

Figura 22: Enfermagem histórica ..................................................... 128

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Page 23: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

SUMÁRIO

ANÚNCIO DOS PRIMEIROS PASSOS ....................................... 27

ENTRELAÇOS E ALINHAVOS NA TRAJETÓRIA DA

PESQUISADORA ............................................................................. 27

O FIO DE ARIADNE: A OPÇÃO PELA METÁFORA DO

LABIRINTO ...................................................................................... 39

DESVELANDO O LABIRINTO .................................................... 47

TECENDO RETALHOS E ARREMATANDO FIOS ...................... 48

NARRATIVAS VIVENCIADAS NA PESQUISA

ETNOGRÁFICA .............................................................................. 65

FORMAÇÃO DAS ALUNAS: O COTIDIANO E OS ENTRE

LUGARES DO LABIRINTO ............................................................ 65

DISPOSIÇÃO AFETIVA: O SER-JUNTO-COM NO CUIDADO DE

ENFERMAGEM ................................................................................ 85

CORPOREIDADE E CUIDADO: UMA COLCHA POSSÍVEL NA

FORMAÇÃO? ................................................................................. 105

INSTITUIÇÃO HOSPITALAR: UM OBSERVATÓRIO DO VIVER

E DO MORRER ............................................................................... 117

POR FIM, ESCREVER PARA EXISTIR.................................... 123

POR ONDE ANDEI... .................................................................... 127

Page 24: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC
Page 25: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

25

Fonte: history of nursing andmedical care (http://www.pinterest.com/scrubsgiant)

Figura 3: Enfermagem histórica cuidado

Page 26: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

26

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27

ANÚNCIO DOS PRIMEIROS PASSOS

ENTRELAÇOS E ALINHAVOS NA TRAJETÓRIA DA

PESQUISADORA

Por elas...

Que vivam muito,

Com força e saúde,

E com imenso espírito aberto aos

ventos.

(PÍNKOLA, 2007, p. 92)

Ao iniciar esta escrita, ao falar sobre meu percurso para

compreender a temática em foco, sinto-me a tear os fios que

entrelaçam o retomar de uma velha colcha tecida há algum tempo, este

misturado entre o que se mede em cronologias, que se quantifica em

realizações e outro, que também é qualificado pelo que não se pode

determinar, ou validar com provas, mas, simplesmente marcar pela

experiência dos passos percorridos para chegar até aqui. Um percurso

que me desperta uma boa nostalgia e uma certa apreensão, afinal, falar

de e sobre si, as costuras e tecidos que me constituem, requer um

esforço de reflexão com responsabilidade e franqueza para narrar os

alinhavos da própria vida. Com o espírito aberto ao vento (Pínkola,

2007, p. 92) me deixo rebuscar estações da minha jornada pessoal e

profissional, com o desejo de me aproximar das minhas vivências, das

experiências e emoções significativas que assinaram as trilhas neste

caminhar. O que busco? Conjugar a sabedoria com o conhecimento,

bordar e tracejar pontos e cores que dão feição à trajetória e apontam

as aprendizagens agregadas em mim. Qual o desejo neste momento?

Saber como construir diálogos neste pequeno ensaio. Bom, só há uma

forma de saber: arriscando-se na arte de escrever uma tese, com a

intenção de alinhavar um texto bem cuidado, com estudos, pesquisa

contínua, partilha de aprendizados das aulas e orientações, uma

relação intensa com o campo.

Nesse ir e vir minha corporeidade vai se delineando no labirinto

onde estão sínteses da minha formação e do exercício da minha docência, entre o hospital e a sala de aula, implicada no conjunto de

afazeres que compõem a formação das enfermeiras. Um labirinto que

esta tese não pretende desvendar, mesmo conhecendo, de modo

insuficiente, os “fios de Ariadne” que ligam o obscuro e o que o olhar

consegue ver, que afirmam e negam práticas de cuidado com a vida,

Page 28: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

28

que confundem os entrelaços entre a formação inicial e o estar no

cotidiano hospitalar. São fios que tentam assegurar saídas que levem

ao cuidado intencional do outro, para sensibilizar as ações

profissionais em presença da dor do outro. O que almejam? Talvez

não se perderem nas rotinas, quebrarem alguns traços da rigidez que

historicamente ocupa-se do diagnóstico, de uma compreensão que

decompõe o corpo do paciente em partes. Por aí sigo a caminhar.

Figura 4: Bordando ideias

Fonte: www.balear.blogespot.com. br/2010/02/colcha-retalhos

Para compor esta tese destaco, inicialmente, aspectos do meu

percurso acadêmico que possibilitem situar o leitor frente às minhas

escolhas teóricas e metodológicas. A intenção? Contextualizar o tema

central desta pesquisa. A proposição dessa tese se inspira em

metáforas que escolhem a colcha de retalho para apresentar o mosaico

de concepções que vai tecer os sentidos e significados da pesquisa.

Metáforas que contemplam olhar o hospital como um labirinto onde se

configuram os meandros da formação das enfermeiras, que anunciam

fios que tecem a corporeidade na enfermagem, a fim de usar um

marco conceitual que entrelace os adereços que compõem a

textualidade. O grande desafio? Percorrer as encruzilhadas do

labirinto. Ao lançar mão do “mito do minotauro”, quero tramar os

alinhavos que entremeiam o cuidado nas entradas e saídas da

instituição hospitalar. Metáforas com a possibilidade do devaneio,

com a permissão para me aproximar das questões de pesquisa, contar

“O universo da enfermagem: bordados, cores e cuidado”

Page 29: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

29

as vivências no campo escolhido e desenhar analogias e

estranhamentos do percurso.

Revisitar minha trajetória de vida significa olhar os caminhos

que trilhei para estar aqui. A formação na graduação se deu no curso

de enfermagem, momento em que eu ainda não compreendia a

essência do cuidado humano, porém reconhecia a lacuna que gerou a

inquietação. O percurso acadêmico na graduação foi repleto de

revelações, aprendizados e conquistas. Graduei-me em 1993 e recebi o

convite para atuar como docente na mesma instituição. Ali iniciei as

atividades como professora substituta no curso de enfermagem, na

área em que havia me especializado, durante 15 anos. Paralelamente

atuei em diversos hospitais, com o desejo de criar uma teia de

proximidade com a prática de cuidado com o outro, ou seja, dar vida à

colcha de retalhos entrelaçando-a com o cuidado e à docência.

Tornar-me professora já me mobilizava em vários sentidos e a

formação tecnicista de enfermeira, naquele momento, parecia não

comportar o conhecimento e o envolvimento com uma docência

diferenciada, que assumisse o outro em sua legitimidade. A partir

dessa percepção e ansiosa por ligar alguns fios com as portas possíveis

do labirinto, como por exemplo, aquelas que se distanciassem do

modelo tecnicista, procurei me aprofundar nas questões pedagógicas e

nos saberes que corroboram para uma docência integrada ao cuidado.

A intencionalidade? Apreender os processos de formação que

poderiam ser tramados com outros saberes, com feições

humanizadoras para exercer o lugar do “ser professor (a) ”.

Em 2004 percebia que a colcha iniciada há muito carecia

encontrar novos retalhos, agora mais coloridos e vibrantes. Onde fui

buscar estes retalhos? Na formação continuada. Escolhi o Mestrado

em Educação por entender que seria nesta área que minhas angústias

pedagógicas poderiam ser minimizadas. Mais uma alegria ao ser

aprovada no Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade e naquelas circunstâncias, as inquietações se constituíam

no âmbito das atividades teórico-práticas do curso de enfermagem em

que atuava. Imersa nessa experiência, aos poucos observava as

fragilidades dos conteúdos curriculares, os limites e também as

possibilidades que poderiam adornar o mosaico da formação das

enfermeiras. O que fazer? Debruçar-me sobre a relação implicada

entre teorias e práticas, para compreender alguns aspectos

constitutivos do processo formativo e profissional da enfermagem.

Page 30: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

30

Na caminhada percorrida para tornar-me mestre em educação

encontrei passagens e movimentos que se fizeram presentes para

produzirem outros desafios. As vivências e (com) vivências, os

encontros com diferentes cenários, autores, professores e textos, me

guiaram a um novo olhar, a um desalinho, ou seria um realinho da

visão de mundo? A sensação era do encontro e (re) encontro com algo

que ansiava. Fui surpreendida com poucas respostas, porém, animada

com várias indagações que continuaram como companheiras da

caminhada. Ao finalizar o Mestrado em 2006 tendo como foco da

pesquisa a aprendizagem, o currículo e a relação entre teoria e prática

na formação do enfermeiro, meu olhar agora se encontrava aberto e

impregnado de muitas incertezas. A ansiedade para encontrar

respostas havia diminuído e eu continuei a desenvolver estudos e

projetos em torno das questões que envolvem os processos de

formação, a partir de modelos e teorias de ensino propostos e da

organização curricular.

Em 2009 fui aprovada no concurso público para ingresso na

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Nesta Instituição

encontrei outros sentidos que fortaleceram a docência e encorajaram a

busca de novos desafios. Lá permaneci até final de 2011, mas, devido

à distância familiar solicitei minha redistribuição para a Universidade

Federal da Fronteira Sul - UFFS, localizada na cidade de Chapecó,

onde desenvolvo atividades de ensino, pesquisa e extensão e participo

da comissão que está reconstruindo o projeto político pedagógico do

curso de Enfermagem.

A inserção na Universidade Pública me trouxe aprendizados e

perspectivas e o mundo da pesquisa ganhou importância. Na UFFS o

projeto institucional tem caráter público e popular, o qual considera o

acesso aos estudantes de baixa renda provenientes das comunidades

locais, como indígenas e movimentos sociais. Neste encontro com a

educação popular, outras abordagens emergiram e com elas

vislumbrava que era possível conectar o curso de enfermagem e os

processos formativos com o campo popular. Nesta nova caminhada

optei pelo processo de seleção do doutorado em Educação da UFSC,

na linha de Pesquisa Ensino e Formação de Educadores, a qual trazia

um olhar desafiador nas discussões e estudos. A contextualização do

ensino, da aprendizagem e da própria formação dos educadores do

ensino superior, seria um caminho para buscar interpretações que

permitissem a construção de outros caminhos.

Page 31: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

31

Aprovada na seleção do doutorado ansiava por experiências,

algo que tocasse a minha corporeidade viva para continuar a

formação. Na condição de aluna me deparei com as primeiras

expectativas, já que ali eu estava do outro lado, o que é sempre muito

instigante para um/a professor/a. Quais possibilidades virão? O que

esperar nesse percurso? Outros lugares, outros sujeitos e uma jornada

de procuras. Em toda travessia deixamos um pouco de nós e trazemos

algo do outro, e nesse movimento agradável, inspirador de mudanças,

me deparei com a primeira disciplina, “questões de epistemologia na

pesquisa em educação”. No primeiro dia de aula eu vi que as

proposições teóricas e metodológicas seriam problematizadas em

torno de correntes de pensamento que eu ainda não havia estudado, o

que de fato se concretizou ao longo do semestre, e provocou

desassossegos internos. Como diria Mário

Quintana em “As indagações”, a resposta certa, não importa

nada: o essencial é que as perguntas estejam certas. Era tempo de

perguntar, de querer adentrar abordagens que me aproximassem

criticamente do tema da minha tese.

Os conteúdos propostos no plano de trabalho apresentado pela

professora para o semestre já delineavam autores e questões que

contornavam a pós modernidade, com diálogos em torno dos estudos

culturais, aportes aproximados do pós-estruturalismo e das teorias pós

críticas. Ali se anunciavam distinto jeito de conceber-questionar o

mundo, valorizando as ambiguidades, as incertezas e ambivalências, a

complexidade que encarna a pesquisa. Nesse amálgama convivi com

estilos inovadores de estar-junto, em com-junto, de sentir a presença

do outro. E o que para mim estava dado como certo no campo teórico

com o qual alimentava meus pensamentos e minhas práticas, em

particular meu projeto de tese, escorria por entre os dedos quando me

vi interrogada a respeito dos cenários que deram e dão feições à

enfermagem.

Comecei a repensar a minha proposição de tese e percebi que

me distanciava, progressivamente, das ideias assimiladas no decorrer

da formação inicial, das questões centrais que aprendi com o mosaico

curricular do curso de graduação, através do qual fui titulada como

enfermeira. A cada encontro aula observava que as discussões dos

processos de formação na saúde estavam muito presentes no meu dia a

dia, tanto como enfermeira, quanto docente, muito mais do que

imaginava e, em especial, as questões do cuidado, o lugar da

afetividade, do amor, do corpo e da corporeidade. Corporeidade que

Page 32: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

32

agrega todos os aspectos da existência, da fisiologia aos mistérios da

mente, as noções de espírito, de inteligência, as inscrições

socioculturais, os sentires e afirmações que assinalam os gestos com

os quais nos comunicamos. Que contempla a disposição afetiva de

amar e odiar, de cuidar e abandonar, de se saber humano e relacional.

Posso dizer que aí iniciei brechas para a novidade, conheci outras

paisagens para olhar a enfermagem renovadamente, com pistas em

torno da formação das enfermeiras. Surge outro movimento: rever a

problemática a ser construída para a tese e decifrar-me nos processos

de subjetivação que me co-habitam. Entre alquimias, danças e

desejos, a colcha de retalhos vai sendo urdida peça a peça, retalho a

retalho e me faz perceber como tudo isso afeta meu corpo, realça um

olhar sensível e vibrátil Rolnik (2014) e transfigura Maffesoli (2011),

a minha caminhada. Na enfermagem, a formação e seus alinhavos

com o cuidado se constituíram num tema sempre atual na minha

docência. Já não sou a mesma, hoje me sinto mais afetual, imaginal,

apaixonadamente recriada e, nessa circulação cadenciada, de

encontros e desencontros com a tese, coube aportar em Nietzsche

numa das questões mais emblemáticas: “como nos tornamos o que

somos? ”. Como me torno o que sou? Enfermeira, professora, mulher,

sujeito, pesquisadora. O que me constitui e quais as leituras de mundo

que faço ou posso fazer? Permito-me ensaiar outros olhares sem

vislumbrando respostas a priori, mais atenta às perguntas que me

guiam pelo labirinto da pesquisa, interessada em conhecer os cenários

da formação das alunas1, a relação de afetividade com o corpo, sua

corporeidade e o cuidado. Para tanto, assumo narrativas dos estudos

pós-críticos, que na perspectiva de (VORRABER COSTA 2007, p.

68)

1 Usarei a expressão “alunas” ao longo do texto para caracterizar o contexto

do gênero e da profissão pesquisada, considerando que as alunas estão em

processo de formação no curso de enfermagem, em diferentes fases e

envolvidas tanto com os cenários das práticas hospitalares, quanto com o seu

currículo de formação. Ao concluir as etapas recebem o título de Enfermeira.

O signo escolhido “aluna”, busca dar referência às narrativas, entendendo que

a nossa profissão ainda traz consigo a marca da mulher, cuidadora, que se doa

ao outro no cuidar, com traços maternais, e por vezes com obediência frente à

profissão médica, predominantemente masculina. Nos cursos de graduação de

enfermagem, ainda se faz presente o grande número do gênero feminino.

Page 33: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

33

[…] inscrevem-se nas trilhas de deslocamentos

que obliteram qualquer direção investigativa

apoiada na admissão de um lugar privilegiado

que ilumine, inspire ou sirva de parâmetro para

o conhecimento. Sua realização mais

importante seja a de celebrar o fim de um

elitismo edificado sobre distinções arbitrárias

da cultura.

Estas admitem a convivência com outros estudos e lidam, há

um só tempo, com as ambivalências, considerando que os estudos

pós-críticos surgem de correntes teóricas sob os rótulos de pós-

estruturalismo e pós-modernismo e da chamada “virada linguística”,

com o uso de diferentes ferramentas conceituais e processos

investigativos (PARAÍSO, 2012). Para a autora, uma linguagem que

bebe na fonte da chamada “filosofia da diferença”, nos estudos de

gênero, étnicos e feministas, na teoria queer e nos estudos pós-

coloniais e multiculturalistas. Considera, assim, frestas e fissuras

num estudo e numa escrita que corteja a abertura para a subversão e a

transgressão, os sentidos e as diferenças.

Atento para me distanciar das normas que se pautam pelo

estado de exceção, ou seja, daquilo que falta, para me consentir o

direito às possibilidades e potências que também transitam pelo

universo da formação das enfermeiras. Com isso posso entender que

é possível peregrinar por entre as diferenças, sem se prender

forçosamente a isso, ou aquilo, nas contradições e nos consensos.

Quero compartilhar os paradoxos (Maffesoli, 1997), trazer à tona

novas formas de olhar e dizer o mesmo objeto, porém, sem os

“ferrolhos da pesquisa” (CORAZZA, 2007). Anseio outros mundos,

inspirados na delícia de poder sentir as coisas mais simples

(BANDEIRA, 2014).

Ao percorrer as sinuosidades da enfermagem observo um

percurso de incertezas que se entrecruzam nos pressupostos iniciais,

como o corpo e a corporeidade das alunas; o paciente a ser cuidado2;

a formação das alunas; as referências culturais que constituem as

alunas; e as relações de poder-saber sobre os corpos de passagem,

2 Ao anunciar o ser cuidado, me reporto a ele como “Paciente”, por percebê-lo

como tal na instituição hospitalar, esse lugar que exerce e se constitui como

poder estabelecido, no qual a única forma de ter direito ao cuidado é sendo

paciente.

Page 34: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

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termo este apresentado por Sant‟Anna (2001), metaforicamente

articulado para evidenciar os diferentes corpos que habitam o

hospital, entendido por Foucault (1994) como instituição de

sequestro.

Cuidei de acompanhar junto-com as alunas do curso de

enfermagem, todas as atividades teórico-práticas (ATPs), que se

realizam nas instituições hospitalares. Com elas aprendi a escutar

atentamente suas críticas durante a longa experiência acadêmica nos

espaços do hospital, onde observam, muitas vezes, os modos

distanciados de afetividade manifestados pelos profissionais da saúde

no artifício de cuidar, em especial das enfermeiras. Algo me mobiliza

nesse território de passagem, pois, num primeiro plano remete a um

lugar de cuidado e hospitalidade, porém, quando reencontro as

egressas (alunas), já na condição de enfermeiras, intuo que há

mudanças na disposição de cuidar, o que é alterado pelo cotidiano e

pela reprodução de atitudes de afastamento e esfriamento afetual com

os corpos cuidados. E nesse cenário, os pacientes por vezes são

invisibilizados, ou se mantêm como mudos expectadores dos palcos

do hospital.

Minha longa trajetória na enfermagem, tanto como enfermeira,

quanto como docente me permitiu identificar fragmentos dessas

ambiguidades, também nas práticas das enfermeiras que atuam nos

espaços hospitalares. Por vezes retomo o assunto da hospitalidade

que dá corpo ao termo Hospital em sua origem, e constato que em

diversos momentos o que ganha centralidade são as hostilidades no

modo de estar em presença do outro. Ser hostil parece justificar a

exaustão provocada pelo cotidiano, o esgotamento pela repetição das

tarefas, certa aflição para dar conta de prontuários e prescrições. A

hospitalidade, por sua vez, implica disposição afetiva para bem

acolher o outro em sua singularidade, para antecipar-se ao seu bem-

estar, para manifestar uma maneira peculiar de estar ali. Por vezes, a

hospitalidade pode ser hostil, conforme a qualidade afetiva que

orienta o encontro interpessoal. É possível imaginar o labirinto

hospitalar sob a égide da hospitalidade x hostilidade?

Retomo uma questão proposta por Rosito e Lotério (2012),

quando questionam a essência do atual esvaziamento do cuidado

humano nas práticas hospitalares. Ao que parece, os dados de

realidade anunciam porque o cuidado torna-se hostil na relação entre

profissionais e pacientes, como as aprendizagens durante a formação

Page 35: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

35

vão sendo guardadas em baús deixados ao longo das lutas para

encontrar saídas neste labirinto.

O exposto até aqui quer afirmar a relevância da temática para a

formação das alunas. Destaco, novamente, que nesta pesquisa a

corporeidade e o cuidado entrelaçados ao processo formativo das

alunas do curso de enfermagem e suas dimensões estético-afetivas,

sinalizam os retalhos mais importantes da grande colcha, a qual

pretende situar os significados constitutivos nas relações ser-cuidado-

corporeidade-poder. Essa intencionalidade se alinha à minha questão

de pesquisa: como a corporeidade e o cuidado se constituem no

processo formativo das alunas do curso de enfermagem? Muitas são

as indagações, então ensaio algumas perguntas de pesquisa, que

alcançaram sentido especialmente com a estada em campo:

1. Como se constituem, no processo formativo, a

corporeidade e a disposição afetiva das alunas?

2. O cuidado sofre um processo de esfriamento no decorrer

da formação das alunas?

3. Quais dispositivos forjam o esfriamento no cuidar do

outro, em uma profissão poeticamente cuidadora?

4. Os processos de esvaziamento no labirinto hospitalar são

da ordem do cotidiano?

5. Como as alunas transitam no labirinto hospitalar?

Essas inquietações me convidaram a um debruçar-se em torno

de algumas noções- categorias mais abrangentes, presentes no

labirinto hospitalar e na formação das alunas, tais como: cuidado-

cura; corpo-corporeidade; hospital-instituição; enfermagem-

formação-currículo em curso e disposição afetiva.

Cabe destacar que na esperança de vislumbrar possíveis saídas

do labirinto, busquei nos referenciais teóricos adotados para esta

tese, um caminho que nasceu do auto olhar-se da pesquisadora, ao

assumir compreensões teóricas nos campos estudados por Michel

Maffesoli e Michel Foucault, entre outros que contribuem para

alargar as reflexões. Ao assumir uma abordagem etnográfica,

pautada numa escuta sensível dos sujeitos pesquisados, anseio para

que a construção desta tese possa estar apoiada em metáforas,

especialmente no labirinto do minotauro com seu fio de Ariadne. A

pretensão é alinhavar uma colcha de retalhos que entrelace os marcos

teóricos, os indicadores do campo, as narrativas e as interpretações.

Page 36: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

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Esta tese aposta numa originalidade, não no âmbito da

temática em si, mas ao adotar uma narrativa que percorre outros

jeitos de olhar-sentir o campo pesquisado. Os aspectos metafóricos

do cuidado-corpo-corporeidade pretendem observar os detalhes sutis

que também estão latentes no currículo da formação das alunas do

curso de enfermagem, referenciado no Mito do labirinto. Na segunda

parte dessas considerações iniciais, a metáfora principal vai compor

as narrativas e gestar as interpretações que virão ao longo do texto.

No labirinto, o fio tem como intencionalidade encontrar

algumas saídas, que podem estar nos corredores, nas enfermarias, nos

quartos privados, nos leitos hospitalares, nos centros cirúrgicos, nos

consultórios, nas recepções, nos espaços administrativos, nas práticas

de atenção e cuidado, nos afazeres cotidianos com suas rotinas

historicamente preestabelecidas. É nessa complexidade de caminhos

que as alunas da enfermagem exercitam tornarem-se enfermeiras,

deparam-se com desafios, aprendem e ensinam, criam cenários

inovadores e mergulham no que já está ali e que não conseguem

alterar. Contudo, no isolamento correm riscos de perderem-se,

distanciam-se das aprendizagens da formação, adaptam-se ao já

instituído e raramente rebelam-se. As linhas precisam dos tecidos

para juntar os retalhos da misteriosa colcha de retalhos que compõe o

cotidiano, o que não é uma tarefa simples. Bordar as emendas, criar a

conjunção de cores que possam dar beleza às passagens do labirinto

implica enfrentar as relações de poder que engendram o modo de ser

das ações de todos os profissionais que atuam no hospital. Sigo por

aí, sem garantias de que chegarei ao pretendido.

Page 37: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

Labirinto: “Jardim cortado por caminhos tão

entrelaçados que facilmente se perde a

pessoa que nele penetrou”.

Figura 5: Labirinto

Fonte: www.dicio.com.br/labirinto

O tempo e os Labirintos... (Jorge Luis Borges).

Não haverá nunca uma porta. Estás dentro. E o alcácer abarca o universo. E não tem nem anverso nem reverso... Nem externo muro nem secreto centro. Não esperes que o rigor de teu caminho, que teimosamente se bifurca em outro, que obstinadamente se bifurca em outro, tenha fim. É de ferro teu destino, como teu juiz. Não aguardes a investi da, do touro que é um homem e cuja estranha, forma plural dá horror à maranha de interminável pedra entretecida.

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Page 39: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

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O FIO DE ARIADNE: A OPÇÃO PELA METÁFORA DO

LABIRINTO

Por elas...

Que sempre sejam corajosas; que

suas almas sejam protegidas por

muitas outras, pois ao nosso mundo

carente elas trazem recursos

conquistados a duras penas.

(PÍNKOLA 2007, p. 94)

Minos, o rei de Creta, recebe de Poseidon um touro de presente.

No entanto, o deus dos mares exige que esse animal seja ofertado em

sacrifício. Minos nega-se a devolvê-lo. Como punição Poseidon,

através de Afrodite, faz com que a esposa de Minos, a rainha Pasífae,

se apaixone pelo touro. Dessa união nasce um monstro, o Minotauro,

metade homem, metade touro. Para esconder aquilo que se tornou a

vergonha de Minos, o artesão Dédalo cria o labirinto. Minos, impondo

o seu poder sobre a cidade rival de Atenas, passa a exigir anualmente,

como tributo, quatorze jovens que servirão de alimento para a fera.

Teseu, de Atenas, se oferece para embarcar no navio que levaria o

tributo a Creta. Teseu, porém, não irá despreparado para tal jornada.

Contará com a ajuda de Ariadne, filha de Minos, que se apaixonou por

ele e obteve de Dédalo o segredo para sair: o fio que teria que ser

amarrado na entrada do labirinto (BRUNEL, 1998).

Nas diferentes faces do labirinto encontramos o belo e o

obscuro, o encantamento e a decepção e é nesse lugar adverso de

buscas, que as alunas da enfermagem adentram e tanto se encantam,

quanto desencantam. Nessa ciranda não tive a pretensão de tirá-las do

labirinto, mas tão somente apresentar seu caminhar, suas potências e

como lidam com os entremeios do percurso. Para Borges (1998), o

labirinto atravessa o tempo como um desafio à imaginação e ao

pensamento universal. Sua imagem nos leva à mitologia Grega. Ao

labirinto de Creta, construído por Dédalo, para encerrar o Minotauro

numa arquitetura repleta de encruzilhadas e dificuldades. Vem daí a

noção do labirinto como uma construção tortuosa que se destina a desorientar as pessoas. Um labirinto é uma casa edificada para

confundir os homens; sua arquitetura, pródiga em simetrias, está

subordinada a esse fim (Borges, 1998). Mas se o labirinto é lugar do

perder-se, é também lugar próprio de buscas e de investigação.

Page 40: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

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Explorar as bifurcações e os caminhos tortuosos dessa metáfora torna-

se uma inspiração (HAVT et al. 2003).

Uma criatura metade touro, metade homem, a qual me

possibilita pensar a enfermagem onde as alunas adentram o labirinto

numa condição de metade aluna, metade enfermeira e ali são expostas

às rotinas, aprendem a lidar com as cobranças e tarefas, se deparam

com os anseios de uma profissão encantadora, mas que pode, há um só

tempo, decepcionar. Nos grifos de Havt et al. (2003), o labirinto teria

como fim confundir e desorientar e mesmo que as entradas, saídas e

frestas do hospital não tenham esta intencionalidade, nele os que

adentram perdem-se em meio a estrutura, tarefas e aos ritos

profissionais.

E nos labirintos do poeta não há portas, nem saídas, a menos

que reencontremos o seu segredo, reconheçamos as suas

encruzilhadas, os descaminhos e tenhamos o fio que nos conduza por

seus trajetos. A um só tempo ele nos desalinha quando nos faz sentir

as amarras, tal como prisioneiros sendo levados e mantidos

intencionalmente nesse lugar inimaginável. Relendo Sontag (2007, p.

42), em “A Doença como Metáfora”, me vem à lembrança a definição

mais antiga e suscita sobre metáfora, inspirada em Aristóteles, que em

sua poética escreveu: “a metáfora, consiste em dar a uma coisa o

nome de outra”; e dizer que uma coisa parece outra que não ela

mesma é uma operação mental tão antiga quanto a filosofia e a poesia,

origem de quase todos os saberes.

Transito neste lugar para dizer que ao vislumbrar o cenário do

labirinto fui incentivada pelas metáforas de Maffesoli (1998), quando

me deparei com “O elogio da razão sensível”. A forma de perceber a

pesquisa e a sua visão de mundo transcende a poética para alcançar

uma estética livre de dogmas normativos, o que me mostrou a

possibilidade de criar e recriar a razão, a partir do sensível, considerar

um mundo figurado, transfigurado pelo olhar para perguntar pelo que

está dito como certo. Assim, abrir espaços para a dúvida, para o

efêmero, para o obscuro. É como falar do que está no fundo das

aparências e deslocar-se do fixo para o provisório. O autor afirma que

“nada está em linhas duras ou distintas, tudo funciona com base na

ambiguidade” (1997, p. 39). E diz também que

[...] a metáfora tem um lugar privilegiado, por

integrar os sentidos à progressão intelectual, ela

situa-se exatamente a meio caminho entre o

lugar ocupado pelo sentido na vida social e sua

Page 41: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

41

integração no ato do conhecimento. Impõe a

elevação do sensível ao inteligível

(MAFFESOLI, 1997, p.22).

Impregnada de sentidos me aventuro metaforicamente nesse

universo e percebo que ao adentrarmos a instituição hospitalar, na

condição de docentes enfermeiras e com as alunas do curso de

enfermagem, este recinto nos remete a um cotidiano que dança entre a

rigidez do já instituído e as brechas da inovação. Perdemo-nos em

silenciamentos ocultos que habitam cada quarto, as enfermarias e

corredores, num habitual que parece esfriar e esvaziar a disposição

afetiva das alunas ao longo do tempo. Ao se encontrarem com o

paciente nesta ordem instituída, regidas por tarefas, regras e normas,

elas observam que hospitalizar-se legitima a posse sobre os corpos e

estabelece um cotidiano envolvente, que a um só tempo mantém

alunas eficientes tecnicamente e aparentemente exauridas de

afetividade.

A metáfora do labirinto conduz a uma trama que enreda a

enfermagem e o hospital, entendidos por Foucault (1999a), como uma

das instituições de sequestro, cuja função é o controle dos corpos,

assim como o faz a escola, o presídio, o quartel, o asilo, os antigos

hospícios e manicômios. O sequestro seria necessário para disciplinar

os indivíduos e escondê-los do ver social, com isso, manter a assepsia

da normalidade. Aos indivíduos colocados em confinamento,

conforme os preceitos de cada instituição, a tarefa principal seria

tornar dóceis os seus corpos Foucault, (2007, p. 119), para que se

mostrem aptos a aceitar ordens, tornando-se submissos. Veiga Neto

(2007) destaca que a docilização dos corpos exigia das instituições

retirar, compulsoriamente, os indivíduos do espaço familiar ou social

para interná-los durante um período longo, propício a moldar suas

condutas.

Ao supor a possibilidade de encontrar nexo entre a metáfora do

labirinto e o hospital, considero que há um espaço, no qual todos os

indivíduos adentram, seja como alunas, enfermeiras, professoras,

pacientes ou familiares, são circunstanciados às situações de fulanos

sequestrados, disciplinados por normatizações já institucionalizas,

erigidas em uma arquitetura que lembra uma prisão. Nesta, as rotinas

são sincronizadas pelas regras que estabelecem os horários de visita,

dos banhos dos pacientes, as medicações, exames, coletas. Volto ao

cotidiano do labirinto para perguntar: por que aí as alunas se perdem?

Como retornam? Quando possível, como atuam de modo diferente? A

Page 42: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

42

pesquisa sugere que não saímos dele como entramos. Entra-se sem

deixar uma ponta do fio para guiar a volta, como fez Ariadne, ao

tentar manter um caminho para seu amado. As alunas continuam

embebidas de muitos sonhos e afetividade, encadeada com a

possibilidade de uma profissão que cuida cura. No decorrer das

práticas curriculares as alunas parecem permanecer no labirinto,

sistematizadas pelos afazeres do dia a dia que é fraturante pela dor e

pelo sofrimento, e ambiguamente, pelo encantamento que se expressa

nas práticas de cuidado. As mãos que hora afagam, cuidam, afetuam,

tornam-se também aprisionadas em suas normas e regras.

O cotidiano normatizado está estabelecido no labirinto

hospitalar e é vivenciado pelas alunas durante as atividades teórico-

práticas do curso de enfermagem. Outras reflexões emergem dessa

percepção: como as alunas adentram o labirinto e percorrem seus (des)

caminhos? Quem adentra o labirinto entende que entrou? Pretendem

sair dele? Os espaços esquadrinhados, engavetados, encarceram os

que lá estão legitimando a ordem estabelecida? Serres (2004, p. 76)

poetiza que para sairmos do labirinto sem perder o fio multicor de

Ariadne é imprescindível reencontrar os desejos. O fio precisa ser

forte, resistente para garantir a caminhada. Outra vez perguntar é

preciso: o que torna resistente um fio do labirinto? O que as alunas

fazem para sobreviver no labirinto? É na rotina vivenciada durante as

práticas curriculares guiadas pelos procedimentos já confirmados?

Onde se deixam ser abatidas, consumidas? É na rotina do cotidiano? É

na relação com os demais expectadores que adentram e circulam no

labirinto do hospital?

Algumas aproximações são passíveis, como considerar o

sentido da docência que se apresenta na produção das pedagogias de

aprendizagens do cuidado, da afetividade e do amor que vêm

carregados de sentidos e bem fazer e se constituem nas práticas

vivenciadas. No hospital, como na escola, há pedagogias já instaladas

como únicas e prováveis, e para que sejam transformadas é preciso

que a formação dê a aluna a perspectiva de fazer a crítica e a

autocrítica dos conteúdos que a constituíram como mulher e como

aluna. Somente fazendo a crítica é que podem produzir uma nova

pedagogia, num percurso contínuo, concebendo o aprender e o

desaprender com esta crítica. As pedagogias instaladas remetem às

práticas constituídas e reproduzidas no cotidiano do labirinto

hospitalar. Não é perceptível o caminhar no labirinto e, por vezes, o

fazer da enfermagem e a autocrítica em torno da sua formação poderia

Page 43: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

43

permitir rever as ações, questionar-se e sensibilizar-se frente a

emergência do cuidado que é inerente à profissão de enfermeiras.

Outro fio importante a ser considerado é a questão de gênero

que transversalizam a enfermagem. Embora não tenha a pretensão de

adentrar a especificidade do tema, o qual exigiria uma imersão

detalhada e ampliada, este aspecto é de extrema relevância quando as

questões do cuidado na enfermagem são abordadas, já que

historicamente o gênero feminino perfaz o maior número de alunas

nos cursos de graduação em enfermagem. A opção pelo curso, muitas

vezes é constituído da intencionalidade pensada no cuidado, sem

evidenciar o caráter de submissão implícito nesta escolha, entendendo

que as “meninas” ainda são ensinadas a cuidar dos filhos, do marido e

assim, a profissão de enfermeira parece permitir a continuidade desta

modalidade de cuidado.

Para Padilha, Vaghetti e Brodersen, (2006, p. 298), como a

prática é essencialmente feminina, mantém-se o papel submisso. As

enfermeiras, na sua quase totalidade, são mulheres e, historicamente,

têm sido sujeitadas a lugares de inferioridade, parecendo ter suas

raízes na religião e no patriarcalismo. As enfermeiras enfrentam a

dualidade de se libertarem de sua opressão e, ao mesmo tempo, de se

sentirem receosas em assumir atitudes de poder. Nas práticas das

pessoas que executam uma construção em torno do “modo de ser” das

enfermeiras há, em geral, mais inquietação do que regozijo com o que

encontram no dia a dia do hospital.

Na enfermagem encontramos inúmeros exemplos de

estereótipos que retratam o que se espera de uma enfermeira, isto é,

que seja bondosa, dedicada, carinhosa, abnegada, obediente, servil.

Esses atributos nada mais são, ou eram, do que aqueles almejados

pelos pais, maridos, patrões ou quaisquer outras pessoas que

convivem ou conviveram com a mulher. A maior parte do fazer em

enfermagem reproduz as atividades da vida privada, que são

essenciais à sobrevivência humana (PADILHA; VAGHETTI;

BRODERSEN, 2006).

Diante disso, também se faz necessário compreender que essa

aluna entra na Universidade menina, e ali se torna mulher e

profissional. Ao constituir-se no percurso da formação lida com suas

escolhas. Agregado a isso, suas relações familiares, emocionais, o

contexto da saúde em sua região, bem como, as dificuldades para

chegar ao ensino superior mostram os percalços do labirinto. Essa

aluna, muitas vezes proveniente de uma condição financeira precária,

Page 44: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

44

na qual sua condição de universitária apresenta-se como um privilégio

e não como um direito, enfrenta desde cedo as questões da condição

de ser mulher. Encara também os medos da profissão que cuida da

vida e da morte, da dor e das violências, bem como os enfrentamentos

com o saber-poder médico constituído historicamente. E assim, ela

(menina, aluna, mulher), se torna enfermeira em meio às condições do

seu contexto de vida, mas também com muitos sonhos e expectativas

de tornar-se uma profissional de sucesso.

O período de formação das alunas simboliza a fase do

encantamento no labirinto, em busca do fio de Ariadne, que representa

essas possibilidades da profissão. Elas entram no labirinto seduzidas

pelas aprendizagens e se perdem neste quando as práticas desenham

outras realidades. A formação parece não fazer sentido quando se

deparam com os métodos vivenciados no cotidiano do hospital.

Adentrei o labirinto para dizer dele e assim compreender as relações

estabelecidas, regidas e vivenciadas em sua essência no percurso da

enfermagem. Faço parte dele e, ao narrar a caminhada, lanço mão do

fio de Ariadne na tentativa de não perder o percurso, permitindo

outros olhares nos espaços pesquisados.

A formação é o grande emblema frente ao exercício da

profissão, já que existe uma lógica instalada nas unidades hospitalares

onde as alunas tornar-se-ão profissionais de saúde, imbuídas de

atitudes de excelência para cuidar. Para compreender a lógica do

labirinto, o fio de Ariadne não é inútil só na entrada, também o é na

saída. O emblemático que adorna a colcha de retalhos na sucessão dos

dias hospitalares, expressa o interminável, o imprevisível, o

imponderável, o insondável, o limite inalcançável de um labirinto que

compõem as muralhas sem teto: um céu estrelado e ensolarado, a

escuridão e o misterioso. Ser enfermeira nos padrões esperados pelas

instituições de sequestro (hospital e escola) requer, tanto a disposição

afetiva para estar por inteiro ali, quanto a legitimação do modelo

encravado na história do hospital. Elas se despem de si para vestirem-

se de enfermeiras.

Page 45: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

40

Figura 6: Hospital da região oeste Catarin ense

Fonte: www.hro.com.br

Page 46: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

46

Page 47: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

47

DESVELANDO O LABIRINTO

Por elas...

Que continuem sempre a nos ensinar

a amar

Este mundo e todos que nele estão...

Das formas que mais importam para

a Alma.

(PÍNKOLA 2007, p. 97)

Na investigação para assegurar um referencial teórico

compatível com a composição da tese e para apresentar-me como

autora, considerei as narrativas e as análises conceituais de Michel

Maffesoli e Michel Foucault, como já assinalado anteriormente. Desta

forma, com o primeiro me alinhei às noções da pós-modernidade,

compreendendo o sentido das metáforas, o uso das imagens e o

imaginal. Com o segundo, as relações do saber-poder, noções de

cuidado, as normas e o cenário do hospital. Entre outros autores

aliados como Alfredo Veiga-Neto, Tomaz Tadeu da Silva, Rosa Maria

Bueno Ficher, Rosa Maria Hessel Silveira, Jorge Larrosa e Carlos

Skliar, Sandra Mara Corazza, Guacira Louro, Marisa Vorraber Costa e

Suely Rolnik.

Descrevo os modos de enfrentamento e a transfiguração no

percurso da pesquisa, a partir do meu olhar sobre textos e imagens

representativas, selecionados de maneira intencional porquanto

dialogam com meu texto, apoiado nos territórios teóricos com os quais

compus algumas categorias. A opção por este percurso teórico me

remete a Corazza (2007), para observar que foi uma construção

assentada na disposição esteticamente enredada, tortuosa e intricada,

que nunca repete sua própria forma, num admirável emaranhado.

Partilho com Veiga Neto (2007, p. 78), que fazer aproximações e

tentar conectar autores e campos de conhecimentos numa mesma

matriz de pensamento, ou mesmo em paradigmas, pode ser produtivo

na busca do entendimento para dar um novo sentido ao mundo.

No emaranhado da pesquisa de campo constato que as

perguntas são mais profícuas do que as prováveis respostas que se espera numa tese. Enredar pela complexidade do labirinto para

compor a colcha de retalhos não é simples, demanda compreensões

que transitam entre equívocos e reflexões assertivas para anunciar o

percurso da formação das enfermeiras. Realidades complexas

compõem um mosaico combinado por processos e compreensões,

Page 48: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

48

entrelaçados aos indicadores do campo para fomentar conversas em

torno desta temática. São fotografias de uma profissão que emerge no

processo formativo e se afirma no labirinto hospitalar, mediada pelas

rotinas instituídas e pelas possíveis saídas para alterar o que está posto

com suas normatividades.

TECENDO RETALHOS E ARREMATANDO FIOS

Para sistematizar os retalhos do campo optei por uma

“etnografia nômade”, que pudesse flanar pelos esconderijos do

labirinto, perambular pelos cantos, enxergar as frestas onde pequenos

raios de luz poderiam anunciar possíveis saídas. Uma etnografia que

ansiava por uma escuta sensível dos sujeitos pesquisados, o que me

permitiu um movimento de diálogo com o campo, a partir de

observações e acompanhamentos. Precisei me distanciar das

antecipações acerca do tema de pesquisa e imergir nas realidades

observadas para organizar e rever minhas percepções. As questões de

pesquisa foram assumindo outros contornos, à medida que adentrei o

campo-labirinto e teci o contato com os sujeitos pesquisados para

gerar outras interlocuções.

Geertz (2014) destaca que no século XX, os estudos

etnográficos privilegiavam as relações de convivência no processo de

construção da pesquisa e, com efeito, a autoridade etnográfica era

construída ao longo do tempo, a partir do argumento da experiência do

“estar lá” e de “práticas de convivência intensiva”. Embora nos

apresente a etnografia como um método inerente à Antropologia,

propõe como relevante atividade de pesquisa a imersão duradoura e

contínua em campo, a interpretação densa das culturas dos povos e a

valorização de suas narrativas. Com esse autor aprendi a importância

de realizar esse estudo por vivência direta na realidade onde a

pesquisa está inserida para compreender, como ele ressalta, as

relações socioculturais, comportamentais, os ritos e técnicas, saberes e

práticas de grupo, por vezes desconhecidos. Isso exigiu uma

convivência sucessiva em cenários diferenciados. Ao realizar a

pesquisa construí a aproximação com o campo para poder me mover

pelos entre lugares, sem me fixar em nenhum deles. De acordo com Moraes (2014, p. 06), para compor um percurso como este é

necessário que o pesquisador possa

viajar em uma etnografia nômade, sem um rosto

antropológico previamente definido, [para]

Page 49: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

49

sentir as vibrações e ressonâncias do Diário de

Campo, expressão cuidadosa que valorizou as

narrativas do grupo pesquisado, a imersão em

campo, a seleção das fontes documentais, os

registros tecidos nos momentos de construção

do currículo.

Nessa viagem, também fui viajante e me consenti compreender

outros mundos, apoiada nos referenciais que me ajudaram a compor a

minha própria autoria. Para Sousa (2002), o território do olhar

etnográfico vislumbra alguns pressupostos, no qual uma fala do lugar

social onde se encontra, o que vem sempre implicado na cultura, na

história, em conhecimentos e saberes atrelados aos nossos sentidos e

subjetividades.

Arriscar-se numa pesquisa etnográfica exigiu cuidados

metodológicos, o que me inspirou a buscar o que Maffesoli (1996)

aponta como o fundo das aparências, uma proposta de entender-ver-

sentir o que está no detalhe. Retomo Sousa (2002), para ressaltar uma

pergunta: seria possível perceber o real além do espelho? E o que é

real na pesquisa etnográfica? Como ela se configura? Quem e quais

são os sujeitos do nosso olhar? Ao escolher o cenário do campo

pesquisado, é possível olhar o outro a partir de nós mesmos? E o que

subjetiva nosso-esse olhar? No Elogio da Razão Sensível, Maffesoli

(1997, p. 167) sugere a procura por um saber que não violenta, que se

situa num mundo social e natural, que não conceitua, que age sem

precauções para conhecer aquilo que é observado. Um saber que se

contenta em levar em conta, de um modo acariciante, o dado mundano

como tal.

Ao estar com o grupo pesquisado, alguns princípios foram

adotados, como a disposição afetiva para estar-junto no labirinto, ser

capaz de descrever e não prescrever, interessada em relatar como se

constituem os processos e não como deveriam ocorrer; criatividade no

registro das observações, bem como disciplina na transcrição

(SOUSA, 2002).

Ao assumir o campo fez-se necessário o entrelaçamento dos

retalhos com o arremate dos fios simbolizados nas questões gerais e

específicas, o interesse do observador que também é observado, a sensibilidade de encontrar o não visível. Para Sousa (2002) é preciso

considerar uma etnografia que não se constitui por intenções a priori e

especialmente, ter a “delicadeza para integrar as peças coletadas, sem

Page 50: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

50

deformar a paisagem, sem escolher a espetacularização do campo e

dos dados”.

Nessa intencionalidade há um trânsito com e sobre a

corporeidade e o cuidado no processo formativo das alunas do Curso

de Enfermagem. E para tanto alinho as falas das alunas e docentes-

supervisoras no campo hospitalar e o currículo em curso, este, como

fonte documental da Universidade Pública Federal da Fronteira Sul -

UFFS3.

A abordagem etnográfica nômade permite outros

deslocamentos junto-com os sujeitos pesquisados e em seu território,

perpassando diferentes processos que deflagram suas experiências,

modos de ser e viver, a partir dos aspectos culturais e o cotidiano

presente. Retomo Sousa (2010) em diálogo com Maffesoli (1996-

1997), para entender que nesse labirinto não é possível operar na

lógica do ser preciso, a qual aponta para uma ação impositiva,

prescritiva e normativa. Para Klein e Damico (2012), Geertz (2014),

na esteira das estratégias etnográficas é admissível afirmar que o

modo de ver a pesquisa conecta-se com o modo de narrar, para

capturar indivíduos e a multiplicidade humana.

O cenário da pesquisa estava localizado nos espaços de um

Hospital situado no meio Oeste de Santa Catarina, com 400 leitos de

internação, sendo 80% do atendimento pelo Sistema Único de Saúde

(SUS). Uma instituição que atende 92 municípios da Região Oeste, 26

municípios do Paraná e Rio Grande do Sul, num total de

3 A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) é multicampi, com campus

nas cidades Gaúchas: Cerro Largo e Erechim e nas cidades Paranaenses:

Realeza e Laranjeiras do Sul. Envolve 396 municípios, que compõem a

Mesorregião da Fronteira Sul. Nasce dos movimentos sociais e com uma

proposta de ser pautada pelo aspecto público, democrático e popular, voltado

às necessidades que emergem da Mesorregião da Fronteira Sul. Tem em seu

projeto, a busca por uma qualidade comprometida com a formação de

cidadãos conscientes com o desenvolvimento sustentável e solidário da

Região Sul do País, democrática, autônoma, que respeite a pluralidade de

pensamento e a diversidade cultural, com a garantias de espaços de

participação dos diferentes sujeitos sociais. Que estabeleça dispositivos de

combate às desigualdades sociais e regionais, incluindo condições de acesso e

permanência no ensino superior, especialmente da população excluída, que

tenha na agricultura familiar um setor estruturador e dinamizador do processo

de desenvolvimento e que tenha como premissa a valorização e a superação

da matriz produtiva existente.

Page 51: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

51

aproximadamente 1.000.000 habitantes. Nele são desenvolvidas as

práticas hospitalares durante o período de formação das alunas do

curso de enfermagem da UFFS.

O prédio tem um espaço físico que lembra um labirinto, com

suas janelas e portas esquadrinhadas, organizado em unidades de

internação, leitos e clínicas, permeados por corredores, frestas,

entradas e saídas. O acompanhamento se deu nos leitos de internação,

banheiros, camas, salas de atendimentos e espera, não com o intuito de

registrar o andamento das atividades, mas de capturar o percurso e o

movimento dos pesquisados no labirinto, o qual foi possível no

período de observação.

Figura 7: Construção do Hospital (1982)4.

Fonte da Imagem: www.hro.com.br

Figura 8: O hospital (2016)

Fonte da Imagem: www.hro.com.br

4 No ano de 1982 inicia-se a construção do Hospital Regional de Chapecó,

sendo que a cidade crescia bastante e tornava-se a maior cidade do oeste

catarinense. A obra foi concluída em 1986, e considerada tardia pela

configuração da cidade. Atualmente, caracteriza-se como importante

referência à nível regional e sua arquitetura deve ser preservada.

Page 52: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

52

Na vivência por entre os espaços, os adereços impunham uma

dinâmica singular em cada dia, desdobrando-se em diferentes estéticas

a configurar o labirinto. Ir ao encontro dos imprevistos e das

transitoriedades emergentes neste lugar solicitava da pesquisadora

abrir-se a outros olhares e práticas sobre o que é convencional na

atenção clínica para com os sujeitos, um desafio constante em meus

aprendizados (LIMA 2011, p. 40). Como assinala Maffesoli (2007),

são estéticas harmonizadas por uma ambiência transversal que

contamina as situações, os fatos e os sentimentos do cotidiano.

Figuras 9, 10 e 11: Corredores internos do hospital

Fonte: Foto da autora (2015)

Page 53: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

53

Ao penetrar os corredores do hospital pouco se vislumbrava e

assim, como no labirinto, o fio de Ariadne não estava disponível. O

que se vive nesse lugar são as experiências, por vezes inesquecíveis. A

espera por uma notícia, a alegria da chegada de um filho, mas também

a dor da perda, do sofrimento, manifestados num silêncio envolvente.

A higiene destaca-se nos pisos claros, nas paredes brancas e nas

janelas amplas, informando uma assepsia segura e a incerteza dos

momentos que seguem.

Figuras 12: Quarto/Enfermaria de uma unidade do Hospital

Fonte: Foto da autora (2015).

Os quartos de internação se diferenciam de acordo com a

especialidade atendida, algumas mais organizadas que outras, na qual

a assepsia impera ao visualizar o espaço. O arranjo ritualizado do

mobiliário, cadeiras, criados mudo, escadinhas, armários, mostram um

labirinto que diz de si e subjetivamente traz as marcas da religiosidade

implícitas no crucifixo na parede, numa perspectiva angelical, de

silêncio e resiliência. As janelas amplas remetem a integração dos

ambientes e denota a possibilidade de outros mundos do lado de fora,

do qual não fazemos parte nesse momento. A segurança fica

demarcada na ambientação, assim como os aspectos técnicos,

apontando para um cuidado sistematizado.

Para compor as narrativas busquei as alunas do curso de

enfermagem da UFFS, de diferentes fases, docentes-supervisoras dos

campos de prática e alunas egressas (enfermeiras) da primeira turma

do curso, sendo oito alunas em formação; duas alunas egressas

(enfermeiras) e três docentes-supervisoras, totalizando 13

participantes. Esta escolha se fez a partir de alguns critérios,

Page 54: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

54

considerando o período de formação das alunas, o qual se constitui em

10 períodos semestrais (5 anos) para sua integralização, organizados

em componentes teóricos e práticos e estágios supervisionados. As

atividades teórico práticas (ATPs) do curso iniciam na quarta fase do

curso (2º ano), com componentes da área hospitalar e da saúde

coletiva (Hospital e Unidade Básica de Saúde). Nesse momento as

alunas iniciam a colcha da formação, associando os conhecimentos

teóricos, à prática. Na 9ª e 10ª fase, as alunas vivenciam e integralizam

o Estágio Curricular Supervisionado (ECS).

Alunas da fase inicial das ATPs (4ª fase), na tentativa de

capturar as primeiras impressões e experiências no labirinto;

Alunas da fase intermediária das ATPs (6ª fase), as quais já

vivenciaram a inserção na instituição hospitalar e a relação com a

profissão;

Alunas da fase final do ECS (10ª fase), estas, com um olhar

mais direcionado ao exercício da profissão e, ao mesmo tempo,

experenciando a proximidade do final da graduação.

Alunas egressas (enfermeiras) da primeira turma (2014), por já

vivenciarem todas as etapas da formação e agora desempenham a

profissão.

Docentes-Supervisoras, as quais participaram do processo de

formação e da reorganização do currículo do curso.

Adotei ainda o projeto pedagógico do curso e seu currículo em

fase de reconstrução, como fonte documental.

Com o intuito de não caracterizar os sujeitos da pesquisa,

indaguei o grupo e optamos por codinomes, no sentido de manter a

confidencialidade dos sujeitos. Além disso, foi apresentado ao grupo,

este selecionado intencionalmente, conforme já descrito nos critérios,

os objetivos, finalidades e tipo de pesquisa, assegurando os aspectos

éticos e assinatura do TCLE. Consideramos codinomes que remetem a

Deusas da Mitologia e metaforicamente ao labirinto do Minotauro.

Estas destacam e homenageiam a figura feminina, sua força,

determinação e vitalidade, tal qual a aluna, mulher, enfermeira. Cabe

destacar, que as participantes da pesquisa se auto descreveram, pois

entenderam que seria o momento de registrar a percepção de si

mesma. Assim, seguem as identificações, as quais assegurei a

fidelidade do relato.

Page 55: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

55

Figura 13: Rodas de conversa

Fonte: Foto da autora (2015)

Isis - significa "nasci de mim mesma, "dona do trono". Isis tem

19 anos, de família de classe média, solteira e mãe. Vaidosa, com

cabelos longos e castanhos. Sempre preocupada em falar

corretamente, com um estilo que demonstrava a vontade de fazer o

curso e de ser uma profissional de excelência. Falava de maneira

tranquila nos encontros. A escolha do codinome se deu pela postura e

a certeza de que estava fazendo exatamente o que queria.

Diana - significa “divina”, “celestial”. Tem 26 anos, técnica de

enfermagem e trabalha num hospital da cidade; tem experiência.

Sempre soube que faria o curso e por já atuar na área tem seu sustento

garantido. Filha de agricultores do interior da região Oeste de SC.

Durante os encontros fez colocações importantes e sempre fez questão

de dar sua opinião. A escolha do codinome foi devido ao seu aspecto

angelical e dócil.

Afrodite: significa "Deusa do amor". A participante que leva

esse codinome tem muita ternura em sua fala e, durante os encontros,

sempre esteve preocupada em destacar que o cuidado com o outro

precisa ter amor e respeito. Solteira, negra, depende da ajuda dos pais

para manter-se na Universidade.

Maya - significa "água", "mãe", "grande”. Tem 22 anos,

também já atua na área da saúde, bem determinada. Sempre fez boas

colocações e se mantinha atenta nos encontros. A cada encontro

apresentava-se com unhas feitas. A certeza de que suas contribuições

poderiam ajudar na profissão. Seu codinome foi escolhido devido a

sua postura doce e maternal.

Page 56: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

56

Diane - significa "divina" ou "brilhante". Essa participante

trouxe alegria e vitalidade aos encontros, com 23 anos, solteira,

origem alemã e com muitas expectativas com relação à profissão.

Estava envolvida com projetos da área e se mostrava prestativa com

todos e com muitos sonhos. Pretende fazer residência ao formar-se e ir

para um grande centro de estudos. Filha de mãe e pai que juntos

sempre apoiaram os seus estudos. Disposta nos encontros, seu

codinome foi escolhido pelo seu brilho.

Aurora - significa "o nascer do sol", "o raiar do dia", “a que

nasce do oriente” “aquela que brilha como o ouro”. A participante

Aurora se apresentou nos encontros com muita disposição, postura

imponente. Uma grande autoestima e com a certeza da sua escolha.

Com 28 anos, cabelos longos e pretos, iniciou os estudos mais tarde

devido às dificuldades da família e pessoais. Com uma filha, está na

busca de um lugar ao sol, por isso seu codinome. Sempre altiva e feliz

nos encontros, destacou o gosto pelo batom vermelho, do qual não

abria mão.

Cibele - significa “espírito criador do calor e da vida”, “a

grande mãe dos deuses”. Essa participante tem 26 anos, é casada,

classe média, parda, independente e já atuante na área da saúde, mais

contida e serena, de pouca fala e muito dedicada nos encontros.

Vaidosa, apresentava-se tranquila. Na busca da profissão ideal e com

sonhos a serem realizados. Seu codinome veio da sua serenidade.

Flora - significa “florida”. A querida Flora, tímida, mais

recolhida em suas colocações; nos encontros buscava os lugares mais

escondidos. Com seus 20 anos, era de pequena estatura, negra. Sentia-

se privilegiada em cursar seus estudos em uma Universidade Federal.

Irene - significa "a pacificadora". A partir da palavra eiréne

"paz". Sempre esteve presente com uma postura mediadora das

conversas, docente-supervisora, com 34 anos, casada, 2 filhos, ciente

do seu papel na profissão na área da saúde. Trazia muitas

contribuições durante os encontros e comparecia munida de muitas

observações.

Ariadne – significa a “Deusa da Guerra, da sabedoria e da

espiritualidade. A participante, como seu codinome diz, tem uma

espiritualidade aguçada e com conhecimentos sobre a temática.

Docente-supervisora, casada, 1 filho, fez questão de colocar nos

encontros sua visão de mundo e a compreensão da profissão, porém,

muitas vezes, com um certo tom de tristeza e decepção, devido aos

caminhos que a enfermagem tem seguido. Dedicada e atuante.

Page 57: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

57

Anfitrite – significa Deusa do mar. Docente há alguns anos,

sempre ativa e com uma visão positiva e otimista da profissão. Com

significativas contribuições durante os encontros e se apresentava

muito disposta as discussões.

Ártemis - Tida como virgem e defensora da pureza, era também

protetora das parturientes e estava ligada a ritos de fecundidade. Nossa

participante participou em alguns encontros, devido suas atividades

docentes, mas sempre demostrou interesse na temática e a necessidade

de mais discussões no campo do corpo e da corporeidade.

Atena - Era o símbolo da inteligência, da guerra justa, da casta

mocidade e das artes domésticas e uma das divindades mais

veneradas. Participante extremamente questionadora, atua na docência

e na supervisão de enfermagem há 05 anos, se apresentava ansiosa.

A convivência e a observação com grupo se deu nos espaços do

hospital, no período de março a junho de 2015, a partir de rodas de

conversa, permeadas pelas entrevistas, considerando as questões

norteadoras, as quais se delinearam nas seguintes perguntas: Como se

constituem, no processo formativo, a corporeidade e a disposição

afetiva das alunas? O cuidado sofre um processo de esfriamento no

decorrer da formação das alunas? Quais dispositivos forjam o

esfriamento no cuidar do outro, em uma profissão poeticamente

cuidadora? Os processos de esvaziamento no labirinto hospitalar são

da ordem do cotidiano? Como as alunas transitam no labirinto

hospitalar?

A observação participante e as anotações no diário de campo

também fizeram parte da coleta de dados. Os encontros totalizaram

dezesseis momentos, sempre com conversas coletivas, uma vez por

semana, no período da manhã e/ou da tarde, de acordo com os

respectivos horários disponibilizados pelos participantes. Os encontros

foram gravados e posteriormente transcritos, permitindo o registro e a

análise minuciosa das discussões. O acompanhamento e a imersão no

processo de coleta, produziu a vivência na vida cotidiana do grupo, a

qual permitiu à pesquisadora construir suas observações.

Page 58: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

58

Figuras 14: Rodas de conversas/encontros e desencontros

Figura 15: Diário de campo/ o registro silencioso

DATA PARTICIPANTE

OBSERVAÇÕES

REGISTRO

Figura 16: Observação/ o que o olhar fala

Page 59: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

59

Figura 17: Currículo do curso/ potências e ausências na formação

Fontes: foto da autora (2015)

O currículo do curso de enfermagem foi a fonte documental da

pesquisa,5

o qual se encontrava cadenciado pelo processo de

reconstrução. A primeira matriz se organizou em 2009, quando teve

início as atividades da Universidade Federal da Fronteira Sul. As fotos

registradas demarcam alguns encontros que realizamos para a

reorganização da nova matriz. Esse momento foi fundamental no

percurso da pesquisa, considerando as discussões decorridas sobre o

processo de formação das alunas e como desenvolvê-las, a partir do

cuidado. A preocupação desde o início foi com a escuta de docentes e

alunas, o que permitiu diferentes olhares, já que cada docente

considerou a trajetória pessoal e acadêmica envolvidas na formação.

Nessa travessia de encontros, muitas certezas se transfiguraram

e a cada novo olhar a escrita sofria contornos, permitia outros

movimentos e aberturas. Estive presente em cada entrelinha e ao

descrevê-la retomo os encontros com o grupo, a vivência e

convivência com o labirinto. Apropriar-se dos dados, registros e

5 O Curso de Enfermagem nasce a partir da necessidade da região e das

parcerias dos movimentos sociais, tendo em seu projeto pedagógico, (2009), o

compromisso de propiciar uma formação contemporânea, contextualizada e

dinâmica, pautada na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e

extensão/assistência. Pretende gerar um Enfermeiro generalista e crítico, apto

para atuar em todas as dimensões do cuidado, como promotor da saúde do

cidadão, família e comunidade, tal como preconizam as Diretrizes

Curriculares Nacionais CNE/CES no 03/2001. Propõe formar um profissional

enfermeiro generalista com capacidade critica reflexiva e criativa, habilitado

para o trabalho de enfermagem nas dimensões do cuidar, gerenciar, educar e

pesquisar, com base em princípios éticos, conhecimentos específicos,

interdisciplinares, considerando o perfil epidemiológico e o contexto

sociopolítico, econômico e cultural da região e do País, contribuindo para a

concretização dos princípios do SUS.

Page 60: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

60

reflexões, me inundou de expectativas e ao trazer para a reflexão,

surgiram as inquietações. Ao ler e reler os registros, as sutilezas das

falas, os detalhes dos encontros assinalaram a minha entrega em cada

descrição.

Ao retomar os pressupostos iniciais dessa tese, aponto as

próximas páginas envoltas em certa nostalgia, pois em um dado

momento é tempo de encerrar o trajeto com costuras sutis e tênues, na

confiança de que nada está acabado. As noções que apresentarei a

seguir ensaiam olhares e interpretações que denotam um pequeno

recorte vivido intensamente. Retomando Sousa (2011), “os fios que

tecem esse enredo não podem estar desconectados do lugar social

onde o outro se situa”. Segundo Maffesoli (1997, p. 142), para que

tenhamos uma “justa visão daquilo que é o outro, talvez seja

necessário identificar-se com ele, ainda que seja de modo provisório”

e então podemos analisar suas ações a luz do estar dentro (SOUSA,

2011).

A experiência com a pesquisa me trouxe indicadores que

anunciam a complexidade implícita na formação das enfermeiras. É

disso que vou falar na continuidade, atenta às narrativas dos sujeitos

pesquisados, com o desejo de apresentar as falas mais importantes

para dar sentido a esta tese. Tudo parece indicar que a colcha de

retalhos não termina, que sua aparência será inacabada, com fissuras

que não podem ser remendadas. Uma colcha que também está atrelada

ao labirinto, mesmo quando pretende criar a novidade.

Page 61: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

61

Por elas...

Que sempre sejam mantidas em

segurança,

Alimentadas por muitas fontes, que

sempre recebam demonstrações de

amor e gratidão, que mantenham sua

alma vicejante A céu aberto para que

todos vejam.

(PÍNKOLA, 2007, p. 99).

Recorro ao mito do Minotauro, com a figura do Labirinto, para

problematizar a formação das enfermeiras e suas interfaces, já que a

vida se apresenta com múltiplas nuances como no labirinto, onde uma

sucessão de fatos e opções, com inúmeras portas, traz junto medos,

necessidades, desejos, sonhos, confiança e aflições, como nos diz

SANTOS (2004, p. 31). Essa escolha é possível a partir de uma

abordagem etnográfica que me possibilitou compor as narrativas

capturadas em campo, com a intenção de construir interpretações

vinculadas às vivências na pesquisa. No campo vivi encontros e

ensaiei escritas, como gestos tecidos para tornarem-se uma colcha

interessada nos retalhos observados em certos rastros do labirinto.

O hospital é a principal metáfora que nesta tese denomino

labirinto, no qual controles, regulações, dispersões, excesso de

atividades, pessoas e equipes profissionais se entrecruzam, por vezes

na mesma direção, em outras não. Qual o fio que as alunas percorriam

e o que ambicionavam encontrar? O que experienciam nas

sinuosidades do labirinto? Guiada pelas observações em campo,

muitas vezes enxergava o que não queria ver como enfermeira, ou

indagava como proteger o meu olhar do já conhecido para estranhar as

familiaridades históricas que habitam a formação e o exercício

profissional da enfermagem. Num labirinto como o hospital, nada é

óbvio porque tudo é complexo, então, enquanto alguns aparentavam

permanecer atados às suas zonas de conforto, muitos/as tentavam,

incansavelmente, sair delas para mostrar que nada está determinado a

priori, que não há enclausuramentos absolutos, que é possível

encontrar algumas das tantas portas.

Quando consegue sair ocasionalmente de labirinto – instituição total, a pessoa está livre lá fora? Livre do que? Da norma? Ou ela

adentra outros labirintos? Ela sai ilesa do contato com o labirinto?

As narrativas aqui apresentadas foram (com) partilhadas na

convivência com o grupo de alunas, inspiradas em reflexões e

Page 62: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

62

alinhavadas num percurso de quatro meses em campo. Essas são da

ordem das percepções, do cuidado com e para com o outro, que me

envolveram, me acalentaram e fizeram meu olhar se distanciar de

marcas pré-definidas. Ao me deparar com o labirinto, os aspectos da

formação tornaram-se mais visíveis e as cenas mostraram que o

caminhar se faz com potências e ausências, as quais serão enunciadas

nas próximas linhas.

Page 63: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

63

Fonte: Mosaico elaborado pela autora a partir das imagens rebuscadas em:

www.tumblr.com (nursing history on Tumblr. Acesso em 20.06.2016.

Figura 18: Mosaico da história da enfermagem

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NARRATIVAS VIVENCIADAS NA PESQUISA

ETNOGRÁFICA

FORMAÇÃO DAS ALUNAS: O COTIDIANO E OS ENTRE

LUGARES DO LABIRINTO

Um labirinto arquitetado como um espaço físico chamado

hospital, ganha forma com suas salas, quartos e outras dependências

que anunciam um ritual instituído, um campo de prática integrado à

formação das alunas, as futuras enfermeiras. Por isto consideram que

este labirinto é um lugar de vivências, coabitado por vidas e mortes.

Essa descrição atrela o hospital à metáfora do labirinto, o qual se tece

no cotidiano onde acontece um conjunto de procedimentos para

proporcionar aos pacientes, sujeitos centrais em cada dobradura,

conforto e bem-estar. Eis porque as experiências de todos os dias

operam a partir de afazeres ritualizados, do ir e vir de pacientes,

profissionais da saúde e familiares.

Essa tessitura apresenta um cenário imerso nos entre lugares do

labirinto, o que me leva a pensar nas rotinas que transfiguram o

aprender-fazer das alunas e enfermeiras. A noção de transfigurar-se de

acordo com Maffesoli (2011), traz a possibilidade que cada um possa

ser o que ainda não é, de que os cenários possam ser alterados nessa

metamorfose que provoca transformações e considera novas e

maneiras de pensar, de agir, de sentir. Para o autor “nada está em

linhas duras ou distintas, tudo funciona com base na ambiguidade” (p.

39).

Mas, de que cotidiano falamos? Daquele feito múltiplos

conteúdos, tanto os de senso comum, o corriqueiro, quanto os mais

complexos, uma reunião dos atos habituais e permanentes que uma

pessoa desenvolve no decorrer do seu dia. Para Maffesoli (1997),

indica uma relação espaço-temporal na qual se dá essa vivência, e

onde o cotidiano conforma diferentes dimensões relacionado com a

capacidade (disposição afetiva) de sentir em comum o mundo em

movimento. O labirinto torna-se, de muitos jeitos, um campo de

afirmações nas quais parece caber os diversos estilos singulares aos

sujeitos que nele transitam. Para Maffesoli (2011, p. 188), o cotidiano tem uma estética “que contamina o conjunto da vida e torna-se uma

parte nada desconsiderável do imaginário contemporâneo”.

Nos ritos institucionalizados estão os procedimentos habituais

que contemplam a vestimenta, a luva, o avental, a técnica da

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medicação, o banho, a sequência do curativo, a visita médica em seu

quase (des) file ritualístico pelos corredores do hospital, seguidos

pelos residentes, pelas alunas e enfermeiras, enfileiradas com seus

prontuários e registros em mãos, ocupados em configurar a ordem

ritualizada do labirinto. No senso comum, a rotina é entendida como

aquilo que se realiza sempre da mesma forma; rotina matinal, um

itinerário, caminho habitual, que se faz todos os dias6.

No tensionamento que este cotidiano provoca no labirinto, o

cuidado qualificado é balizado pela disposição afetiva e os modos de

sentir e ser em comum com o outro. Nesse entremeado ganha

importância a capacidade das alunas e das enfermeiras, que se

expressa no domínio da técnica, no controle das informações

registradas e prescritas, na assimilação dos diagnósticos e os

medicamentos que precisam ser ministrados para garantir a vida do

paciente.

O médico, historicamente está em destaque na hierarquia desses

ordenamentos e a sociedade espera dele uma atitude de ordem e poder.

Um poder-saber constituído e autorizado pelo labirinto, “que em vez

de se apropriar e de retirar, tem como função maior „adestrar‟; ou sem

dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor”

(FOUCAULT, 1979, p. 153). Como essa aluna sente o estado de ser

paciente, de ser médico, essa rotina esfriada chamada internação,

imbricada (da e na) enfermidade? Esse mundo ali?

Explorando os entre lugares que Souza (2011, p. 03) traz como

o momento de “raptar outras saídas numa ação de desler, deslocar,

descentrar, desconstruir; tirar ou mudar de lugar, numa perspectiva de

rever as premissas e os princípios”. Há aí contornos de um cotidiano

pelo qual as alunas trilham no labirinto, numa disposição afetiva por

vezes esfriada de afetividade e bem querer, isso sem responsabilizar

docentes ou a matriz curricular do curso, mas, segundo os dados

evidenciados nesta pesquisa, devido a existência de um espaço entre a

concepção da formação e a vivência das alunas no cotidiano do

hospital. Na relação entre a formação e o cotidiano hospitalar, denota-

se um espaço historicamente conformado, a partir do positivismo-

cartesianismo e um modelo médico organicista.

Perguntar é preciso: o que as alunas fazem para sobreviver no

labirinto cotidianizado? Que fios usam? As alunas e enfermeiras

vislumbram linhas de fuga como potência possível, e nesse meandro,

6 Descrição de senso comum identificado no dicionariodoaurelio.com.

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encontrariam o fio que as levariam num movimento de

questionamento da rotina.

Eu atendi uma paciente que pediu que queria

uma enfermeira para dar banho na mãe dela,

devido ser idosa, mas a rotina não permite

escolhas no hospital. Tem que ser o que tem

naquela hora, porque banho tem horário para ser

dado e se não tiver uma enfermeira ou aluna

para fazer, ninguém se preocupa com a vontade

do paciente. Isso me deixa pensativa quando

estou em estágio. Não podemos fazer nada?

(Diana, 19 maio, 2015).

Me parece que as enfermeiras não conseguem

acompanhar o trabalho da equipe e olhar para o

paciente como um indivíduo que também está

ali com seus direitos. O direito ao cuidado

também inclui as pequenas coisas, como a

escolha pelo horário do banho, da visita, da

informação, do respeito. A enfermeira poderia

organizar e planejar seu tempo e oferecer

atenção e afeto ao paciente e sua família. Talvez

fazer uma supervisão com o olhar para o outro

com maior atenção. Eu trabalho na área e vejo

que vamos tocando a rotina como dá, mas o

paciente merece mais de nós (Afrodite, 05 de

maio, 2015).

As alunas lutam no labirinto para encontrar o fio de Ariadne,

mas, as rotinas e a falta de uma direção, ou supervisão de

enfermagem, mais integradas ao curso impedem outros movimentos

possíveis. De acordo com as falas das alunas, uma enfermeira

mediadora com disposição afetiva e ação efetiva faria o papel desse

mediador, criando as linhas de fuga dentro do labirinto. A mediação

com a família, o paciente e a equipe de enfermagem, seria uma rota

viável nesse percurso no qual o paciente ocupa o seu papel, se

apresenta obediente e submisso na hierarquia hospitalar.

Para as alunas, os dispositivos afetivos que operam o estar-

junto-com os demais membros da equipe e o paciente, permeiam esse cotidiano instituído por diferentes dimensões. Na rotina esfriada que

as envolve e sequestra seus corpos, impedindo-as de constituírem suas

linhas de fuga de (DELEUZE, 1998). Estas indicariam rotas e brechas

para escapar das regularidades que, aos poucos, se transformam em

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mandatos internalizados, tanto para a obediência, quanto para a

rebeldia (MORAES, 2014, p. 39). Reverberam um movimento de ser

capaz de sair do convencional, escapar do estabelecido como pontos

fixos, partir de uma distribuição nômade, para alterar o percurso do

cotidiano entendido por elas como

O dia a dia das tarefas, muitas coisas por fazer e

repetida vezes, todos os dias, pegar o plantão,

ver os prontuários, sem mexer ou desorganizar

uma pasta do lugar, porque depois o médico vai

passar e tem que estar tudo no lugar certinho...

olha as vezes a gente sente-se impotente ainda

porque como é aluna, às vezes sabe que muita

coisa não pode fazer ou que não faz direito.

Muita cobrança e muitas rotinas que não pode

ser feito de outro jeito. Temos que nos

transformar todo dia, para fazer do jeito que o

hospital quer, que o professor quer. Você

recebe ordens e é vigiado o tempo todo. Sabe,

depois que acaba o estágio, você fala "nossa,

podia ter feito daquele jeito diferente, mais com

mais afeto, mais sensível. (Afrodite, 14 maio,

2015).

Retomo o locus de enunciação desse capítulo, que apresenta um

contorno no cotidiano e na formação, para dizer deles, para retomar

uma pergunta: os processos de esvaziamento no labirinto hospitalar,

são da ordem do cotidiano? Isso me faz pensar como se dá a

interpretação desse cotidiano, sentido pelas alunas e visto como uma

ordem sistematizada de tarefas e normas a serem cumpridas por todos

da equipe, com um sentido de obediência submissão, e uma

compreensão de rotina instituída. Para Maffesoli (1997, p. 170), numa

concepção mais abrangente da vida cotidiana, talvez se possa falar, a

esse respeito, de solidariedade orgânica, pois os pequenos rituais

cotidianos confortam o sentimento de pertença, a impressão de fazer

parte de uma comunidade. A aluna destaca a ordem instituída e as

ações vigiadas e remete o aspecto anunciado por Foucault (1987), o

hospital como local de vigilância e controle.

Nesse sentido, as alunas buscariam a inserção no espaço do labirinto, através da reprodução do modelo, ou seja, repetem os rituais

na tentativa de pertencerem a esta comunidade-tribo. Ao reproduzirem

o cotidiano, ela legitima no grupo a sua presença e isso lhe conforta,

lhe dá segurança, trazendo um “ganho secundário”, pela aceitação no

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grupo. Isto refere-se a “natureza social dos sentimentos e é neste

quadro que se exprime a paixão, que as crenças comuns são

elaboradas, ou simplesmente, que se procura a companhia daqueles

que pensam e sentem como nós (MAFFESOLI, 1997 p. 18 -19). Para

elas a rotina é compreendida como cotidiano, sentindo-se vigiada

pelas normas do hospital, do professor, sobrecarregada dos afazeres. A

concepção da ordem remete ao labirinto numa perspectiva de

organização e ritual adotado pelos membros da equipe que nele estão

inseridos. Seria importante às alunas a inserção em experiências de

um reencantamento do mundo, Maffesoli (1997, p. 171), sob a

perspectiva de retomarem a disposição afetiva nessa ordem e poder

estabelecidos.

As alunas deveriam aprender a sobreviver no cotidiano desse

modelo? Ou mudar a realidade? Percebemos o quão dura é a missão

de transfigurar essa realidade “posta” e já pensamos em aceitá-la, mas

criando mecanismos para viver nela.

O cotidiano apresenta uma estética, esta entendida como a

capacidade de sentir em comum o mundo em movimento, o qual,

aliado a ética, compõe a sensibilidade necessária para a realização de

novos mundos, onde caibam todos, independentemente dos lugares

sociais em que cada um está situado. A solidariedade, o cuidado, a

com-paixão são alguns dos atributos que enlaçam uma gestão centrada

na vida (SOUSA; MIGUEL; LIMA, 2011). Ao conceder uma

entrevista7 sobre pós-modernidade, tribos urbanas e estética, Maffesoli

(2011), compartilha:

Quando eu digo estética é no sentido

etimológico da palavra (stesis em grego), é esse

partilhar emoções, partilhar paixões, o que eu

quero mostrar é que esse meio social que se

vive e se vê como tribo é um partilhar de

emoções.

Essa norma envolta no cotidiano e vivida pelas alunas é

compreendida aqui como forma de poder, algo que circula, que só

funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, jamais está nas

mãos de alguns, ou é apropriado como uma riqueza ou um bem. O

poder é uma forma de relação e funciona e se exerce em rede (FOUCAULT, 2003, p. 183). O autor nos mostra que instituições, as

quais intitula de sequestro, como o hospital e a escola, exercem o

7 Entrevista concedida sobre cotidiano em 09.09.201 à Revista Ascatia.com

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poder de forma capilar, alcançando suas extremidades, em suas

últimas ramificações. Perceptível em suas formas e instituições mais

regionais e locais, e por consequência, um poder disciplinar que

produz saber, mantém-se, é aceito e praticado por todos os membros

da instituição numa relação hierárquica (FOUCAULT, 2003).

Nessa concepção, a rotina vivenciada pelas alunas, aborda um

caráter de normalização e poder exercido pelo hospital, quando

implanta regras organizadas e sistematizadas, esvaziando a essência

do cuidado num cotidiano vivido pelas alunas.

Eu vejo como uma rotina de cuidados a fazer

com o paciente, família. No começo eu ficava

bastante ansiosa e com medo do contato com o

paciente, ter que conversar e saber da vida dele.

E isso se repete todo dia, penso as vezes... será

que será sempre assim depois de formado? Não

podemos fazer diferente? (Maya, 15 junho,

2015).

Quando chego no estágio do hospital, já sei o

que tem que fazer, não penso muito, apenas

faço e mostro para a professora e assim, passa a

manhã ou a tarde. Eu executo as tarefas, os

cuidados, levo os exames do paciente, vou na

farmácia e isso é a rotina, é como vejo o

cotidiano. Todo dia fazemos as mesmas coisas.

Eu gostei bastante, ainda mais que eu tive o

reconhecimento de um paciente e isso foi muito

legal. Até então eu não sabia da minha

importância e o que eu signifiquei no cuidado

do paciente (Maya, 18 março, 2015).

Nos relatos ficam evidenciados, em um primeiro momento a

percepção que as alunas têm do contexto que integra a rotina instituída

e a vontade que expressa de deslocar-se para desconstruir a norma.

Também a alegria evidenciada pelo paciente e seus familiares após os

cuidados realizados, caracterizando a potência da qualidade afetiva

que pode ser vivida na relação do estar-junto-com. Maffesoli (1997),

argumenta que todos esses rituais cotidianos, aos quais não se presta

atenção, que são mais vividos do que conscientizados, raramente

verbalizados, são eles, de fato, que constituem a verdadeira densidade

da existência individual e social, chamado de socialidade.

No labirinto-hospital, a arquitetura física e a formação das

alunas provocam reflexões que são demarcadas por um espaço-escola

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destinado também à aplicação das aprendizagens curriculares. Aí são

fomentados os encontros que fazem emergir narrativas, conversas,

atitudes, modos de ser-estar na equipe, no grupo pesquisado. Para Hart

e Arrias (2013, p. 16), estar no labirinto requer “entender seu

funcionamento e buscar apoio para sair dele, ou fazer dele um outro

espaço para viver. Alguém poderia dizer: por que sair? Por que

mudar? Estou confortável no interior dele”! Mas não é assim para

todos/as, especialmente para as alunas do curso de enfermagem, que

entendem que o hospital-labirinto, assim como a escola torna-se “um

espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os

indivíduos estão inseridos num lugar físico, os menores movimentos

são controlados, e todos os acontecimentos são registrados”

(FOUCAULT, 1979, p. 174).

Como integrante da equipe de formação das alunas que estão

no curso de enfermagem, ao longo da pesquisa ouvi muitos relatos que

trouxeram um desacomodar de certezas, que não foi confortável. Estes

relatos apontavam um forte desejo de sair do labirinto, mesmo

desconhecendo onde estaria o fio para auxiliar a encontrar as portas.

Narravam potências e ausências que estavam latentes nesse labirinto-

hospital, escola de formação e vivências, o que tornava possível

identificar saídas, oportunidades de aproximação, alinhados em

diferentes processos onde ocorriam as atividades relacionadas às

propostas curriculares.

No percurso de formação das alunas, os fios se enredam nos

aspectos históricos da profissão, os quais ficaram evidenciados em

vários relatos durante os encontros com o grupo. Questões como o

gênero feminino ainda predominante na formação da enfermagem e as

relações de poder individualizadas pelo saber médico em relação a

enfermagem, bem com, à própria condução do processo formativo

pelas docentes.

Nesse estágio eu saía do hospital chorando...

chorando, chorando... para supervisionar um

estágio, o professor tem que ter didática antes

de tudo... ele tem que saber como lidar com os

alunos. E tem o fato, do que encontramos no

hospital e como somos preparados para isso

(Flora, 13 junho, 2015).

Acho que algumas questões são bem

importantes no aspecto da nossa formação,

como essa visão que temos do médico. Como

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ainda são poucos enfermeiros homens na

profissão, eu acho que por isso esse temor ainda

é mais forte. Nós mulheres infelizmente nos

submetemos bem mais (Isis, 16 abril, 2015).

Rebusco, a partir de Kruse (2003, p. 21), aponta que no

percurso histórico da profissão, as mulheres desempenham papeis

designados culturalmente a elas. Dessa forma, seu processo de

formação tem uma íntima relação com esses papeis. Isso está

diretamente relacionado com a manutenção e a reprodução das

relações do poder, em especial as de gênero. Mesmo com mudanças,

esta questão, ainda se mantem quase intocável na trajetória da

profissão. Nesse labirinto imbricado por relações e com vivências, o

fio de Ariadne se constitui tricotado de intenções formativas. Ficam

evidenciados os aspectos arraigados de uma trajetória pautada na

reafirmação de um saber que diz das enfermeiras.

Produzir alinhavos com estes elementos é entrecortar contextos

que tornaram e tornam possíveis entender como se instituiu a

formação das enfermeiras, a partir da sua origem, nos grupos nômades

primitivos e com um trabalho feminino marcado pela “prática do

cuidar”. No itinerário da profissão entre o período colonial e o início

do século XX, vemos que na época da colonização a enfermagem foi

exercida com base em conhecimentos empíricos e que os cuidados

àqueles que adoeciam eram praticados por mulheres religiosas,

voluntárias leigas e escravas. Com o cuidar nas mãos das religiosas,

fundam-se, por volta de 1543, as primeiras Santas Casas de

Misericórdia8, com o intuito de abrigar pobres, órfãos e enfermos

miseráveis, propondo um atendimento exclusivamente curativo

(GEOVANINI, 2002).

Configura-se assim uma enfermagem intuitiva que se

caracterizava por atividades elementares e autônomas, independente

de qualquer aprendizado, com objetivos mais curativos que

preventivos. Era dada pouca atenção ou mesmo considerados

simplificados os requisitos para o exercício das funções de enfermeira,

não havendo, portanto, exigência de qualquer nível de escolarização

para aquelas que a exerciam. A prática de saúde passou por diferentes

momentos e os espaços reservados às práticas de saúde eram

8 Santas Casas de Misericórdia, casas de saúde que realizavam o atendimento

aos doentes, com intuito apenas curativo e que deram origem aos hospitais e

instituições de saúde.

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insalubres depósitos de doentes, onde homens, mulheres e crianças

utilizavam as mesmas dependências, amontoados em leitos coletivos

(GEOVANINI 2002, p. 54).

Nesse período, a prática de enfermagem era considerada um

serviço doméstico, o que contribuiu para torná-la indigna e sem

atrativos para as mulheres de casta social elevada. Há muitos aspectos

na prática da enfermagem contemporânea que se inspiram nas marcas

da história, como a predominância feminina na profissão e a

submissão das mulheres que a exerciam, as questões insalubres nos

hospitais, os riscos das constantes infecções, os corredores com

amontoados de corpos doentes, fragilizados, torturados pela dor e, por

vezes, sem identidade.

Nestes contornos, me volto para as questões do cuidado no

cotidiano atual, alinhando tecituras com o presente da enfermagem e

um passado de marcas profundas, demarcando o contexto da mulher

na profissão e sua inserção durante a evolução do saber. Na escolha da

profissão as alunas do curso de enfermagem entram na universidade,

muitas vezes sem a certeza de que querem de fato atuar como

enfermeiras, por vezes utilizam como porta de entrada para migrarem

para outros cursos. Ainda é presente alguns aspectos não atrativos da

profissão, devido a baixos salários, condições desiguais na carreira e

carga de trabalho elevada, porém essa premissa ainda se dá nas

diferentes profissões, nas quais a mulher está inserida.

Os profissionais da área da saúde identificam, através de suas

vivências, que o processo de cuidar historicamente recebe fortes

influências do pensamento cartesiano, principalmente com relação às

questões que envolvem o corpo humano. Um corpo que, em muitas

circunstâncias pode ser comparado a uma máquina onde os

profissionais de saúde o consideram apenas em seu aspecto

biomecânico, sem vontade própria, sem desejos e sem o

reconhecimento da intencionalidade do movimento humano, o qual é

explicado através da mera reação a estímulos externos, sem qualquer

relação com a subjetividade (DOLTO, 1992).

Nesse sentido, pode-se dizer que atualmente a enfermagem se

vê diante de um grande desafio, encontrar fios que possam tecer a

união de saberes do corpo e do cuidado, com o desejo de estar-junto-

com o outro numa disposição afetiva que permita novos olhares. Um

olhar centrado na pessoa e sua singularidade profissional. Buscar nas

potências do cotidiano as possibilidades de caminhar no labirinto, sem

as amarras dos rituais impostos pela rotina fraturante do hospital.

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FOUCAULT (2007, p.39), ressalta que uma das formas mais

superficiais e mais visíveis de realizar o controle é aquela que se

coloca sob o nome de “rituais”. Este fixa preceitos e estabelece ações

que forjam um cuidado mecanizado, sistemático e envolto de

repetições. Há uma tensão que se dilata no jogo do saber-poder, já que

os ritos fundadores emergem como verdades de um campo de saber e

colocam as alunas e enfermeiras no labirinto, com precárias

possibilidades para acharem os fios que as conduza o repensar das

ações.

Eu aprendi bastante na faculdade, mas quando

chegamos no hospital, a rotina e as atividades

são desgastantes e repetidas e por vezes você

não pode questionar, tentar fazer diferente.

Qualquer ação ou técnica diferente, ou uma

outra forma de fazer é questionada, proibida.

Então percebo que preciso ser outra pessoa para

estar lá. Será que devo esquecer tudo o que sou

e daqui para frente ser outra Enfermeira? A

faculdade cobra isso da gente. Você precisa se

transformar em enfermeira, mas nos padrões

que o hospital e a escola querem. Sempre quis

ser enfermeira, mas ser eu (Isis, 21 abril, 2015).

O labirinto-hospital permeia outras frestas e permite, auxiliado

pela escola, faculta às alunas sentimentos de prisioneiras de sua

arquitetura e cotidiano. A metamorfose sentida do ser eu como

mulher, e o ser enfermeira transborda os sentimentos e sensações das

alunas. Elas transformam-se e mudam seus rituais, vestimentas e

comportamentos, para se enquadrarem nas normas estabelecidas pelas

instituições de sequestro (hospital e escola). Isto me deixou atenta

para as percepções transitórias que buscava no percurso das

mudanças, já que a colcha também se faz nas possibilidades das

alunas experenciarem o ser enfermeira, quando são encantadas pelos

corredores, salas e vivências desse entre lugar. Existem saídas. Senti

como Moraes (2014 p. 73), que “no ir e vir de diferentes escutas, que

envolveu as alunas e também enfermeiras e docentes, eu vi um curso

ser cortado, remexido e rompido para ser costurado de outros modos”. Azevedo (2015), em Modos de conhecer e intervir a

constituição do corpo no cuidado de enfermagem no hospital, assinala

que o

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hospital também se revelou como um corpo

“construído” que, ao mesmo tempo, “constrói”

corpos. Corpo construído para abrigar, receber

outros corpos, que ao adentrarem no mundo do

hospital são tomados pela doença passando a

obedecer a uma lógica organizadora,

legitimadora, disciplinadora e “sabedora” de

seus corpos.

É possível compreender que os processos de esvaziamento no

labirinto hospitalar, são também, da ordem do cotidiano, quando

diante da dor do outro se instaura uma incapacidade de reagir e

reconstruir novas rotas, e outros alinhavos na busca do fio que as leve

para a saída do labirinto. As alunas e enfermeiras passam a existir com

a dor dos pacientes, embora se compadeçam, a ponto de quase não

enxergarem uma ponta do fio que possa levá-las a uma saída. Isso as

esfria na disposição afetiva do cuidar, mas também se vislumbra que

numa profissão poeticamente cuidadora, os dispositivos forjam outras

saídas, outras fronteiras e a colcha recomeça sua tecitura, com outros

fios, outras cores. Reconfigura-se o labirinto, seus ladrilhos e

meandros, numa tentativa de acarinhar outros contornos, sendo

possível encontrar nesse mundo aí do hospital, as potências na

formação das alunas, mas é necessário um movimento de

desnudamento e perceber que há rotas a serem encontradas, podemos

reinventar e ressignificar cada ponta enovelada do fio.

O fio que as alunas podem usar vem sendo tecido desde a

infância, em sua historicidade – daí a importância de novas

abordagens pedagógicas que busquem na história pessoal das alunas,

as perguntas pessoais para esse mundo aí. As alunas, futuras

enfermeiras desenvolvem resiliência em um nível pessoal, ao longo

das experiências da vida, que também perpassam situações de

doença/perda/morte/luto. Também construíram suas impressões

pessoais sobre cuidado e hospital.

Na formação das alunas o cotidiano, as rotinas e normas se

alinhavam com o cuidado com e para o outro e nesse caminho as

fronteiras com o que é ensinado no currículo e o que é aprendido pelas

alunas, permite perguntar: de que cuidado falamos na formação das

alunas? No Projeto Pedagógico do Curso (PPC-2009), aqui

pesquisado, o cuidado se alinhava no processo formativo, vivenciado

nas diferentes fases, sob o olhar holístico, humanizado e tecnicista.

No cuidar do outro o nosso corpo se investe de uma sabedoria

zelosa onde a plenitude da vida é o grande alvo. Essa sabedoria se

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aplica na sensibilidade e na perspectiva do cuidar, como disposição

afetiva de antecipar-se ao bem-estar do outro Sousa et al. (2011), de

zelar por tudo que lhe é importante, de proteger a sua fragilidade

circunstanciada pela doença. Cuidar do outro, especialmente no

hospital, implica abrir as janelas da alma para enxergar o essencial,

para ser-junto.

Cuidado vivido como expressão de direitos, de

responsabilização pelo outro, como demonstração de diferentes

combinações de tecnologias efetivas e adequadas a cada situação, e

como reconhecimento de um trabalho que acontece em equipe,

solidário e articulado.

Ao falar do cuidado quero me inspirar nas contribuições de

Heidegger (1994), pois com ele pude compreender que há uma prática

capaz de promover curas existenciais: aquelas que se traduzem como

disposição afetiva de se antecipar, com zelo, ao conforto integral do

outro, estar em presença, junto-com para criar experiências de bem-

estar. Um cuidado que requer, no cotidiano, assegurar aconchego,

entusiasmo para despertar o desejo de cura, tranquilidade para que o

paciente possa confiar no profissional que está com ele. Entrelaçar

com a prática do cuidado, como diz Boff (2002), circunstâncias

convenientes ao restabelecimento pleno da saúde, como uma atitude

de ocupação, de prévia ocupação, responsabilização e de

envolvimento afetivo com o outro.

Observava como as alunas de enfermagem reagiam frente às

questões afetivas do cuidado. Elas percebiam que a disposição afetiva

interfere nas ações cotidianas da enfermagem, bem como na relação

com o paciente.

Eu percebo a importância do meu cuidado, com

atenção e afeto você consegue cuidar com

qualidade e isso é muito gratificante. Tem dias

que você não está muito bem e isso afeta a

relação com o paciente e com os colegas. Então,

não posso fazer minhas atribuições de maneira

correta, também os professores cobram que

estejamos dispostos e bem, acho importante,

pois o paciente percebe nossa atenção, nosso

corpo fala (Isis, 06 de março, 2015).

Nós orientamos as alunas da importância de

estar bem para cuidar e isso implica corpo e

mente. Precisam entender que cuidar não se

resume a tarefas realizadas, mas todo um

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envolvimento afetivo nessa relação. A cobrança

é necessária, é preciso estimular e fazê-los ver

que a profissão que escolheram é exercida com

responsabilidade e precisa de compromisso no

cuidado (Flora, 12 de março, 2015).

A enfermagem traz consigo uma dimensão cuidadora e as

alunas entendem porque esse processo exige delas estarem bem

emocionalmente, já que isso muda a relação de cuidado. As futuras

profissionais compreendem que a interação com o outro pode ser mais

significativa quando elas estão disponíveis, afetivamente, para

cuidarem. A narrativa de Isis mostra a “cobrança” docente para que as

alunas estejam bem, levando em conta que a corporeidade de um e de

outro compõe a relação e interfere na qualidade do cuidado. Também

porque há a percepção do paciente, o que pode diminuir as

oportunidades para que ele se sinta bem e acolhido no cuidar.

Flora assinala uma dicotomia nas dimensões do ser: corpo e

mente, compreendendo estas como dissociáveis, o que demarca um

entendimento fragmentado do cuidar pelas alunas.

Nessa paisagem as alunas redescobrem a atenção e buscam

desenvolver seus afazeres olhando os detalhes com cuidado. Um

turbilhão de afetos ecoa dos corpos das alunas e das enfermeiras,

dispostos na corporeidade, aqui inspirada na fenomenologia de Ponty

(2002), a qual na visão epistemológica é supostamente animada pela

alma humana, que lhe daria transcendência pelo nosso corpo, e na

visão biológica, a maneira pela qual o cérebro reconhece e utiliza o

corpo como instrumento relacional com o mundo. Para vivenciar as

minúcias dos afazeres da enfermagem, as alunas lidam com

metamorfoses e muitas vezes operam na lógica do saber-fazer,

entendendo que há um poder a ser respeitado; o do professor e o do

hospital. O mundo contemporâneo, no qual a fluidez e a rapidez se

fazem presentes, mostra um cotidiano que assusta, permite a mesmice,

a chatice, mas, neste mesmo movimento nos mostra o viver nos

detalhes (MAFFESOLI, 2001, p.14).

O professor também percorre o labirinto e nele pode encontrar

adereços para estimular as alunas com relação ao cuidado e mostrar a

elas a importância disso no espaço hospitalar. O corpo está

intrinsecamente envolvido nessa relação e nesse caso, o corpo que se

fala é do paciente, da aluna e da professora, pois há uma subjetividade

a ser considerada nesse convívio, com uma corporeidade constituída

(SANTIN, 2001). Nesse movimento de entrelace com o corpo-

Page 78: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

78

cuidado-corporeidade, a percepção das alunas com o seu sentir-se bem

para cuidar do outro, sugere o que Foucault (2010, p. 6), chama de

cuidado de si, no qual “é preciso que te ocupes contigo mesmo, que

não te esqueças de ti mesmo, que tenhas cuidado contigo mesmo” para

então ocupar-se do outro. O ocupar-se consigo mesmo indica uma

relação “singular, transcendente, do sujeito em relação ao que o

rodeia, aos objetos que dispõe, como também aos outros com os quais

se relaciona, ao seu próprio corpo e, enfim, a ele mesmo”

(FOUCAULT, 2010, p. 50).

Algumas aproximações sobre o cuidado mostram uma estreita

relação com a prática médica, o que assegura uma estreita correlação

entre alma e corpo. Foucault ressalta que o cuidado com o corpo, na

condição de sujeitos da ação, é um investimento nas práticas de si, por

isso, as pessoas não podem dispensar a si próprios. Cuidar de si se

constitui em preocupações de toda ordem, como “o medo do excesso,

a economia do regime, a escuta dos distúrbios, a atenção detalhada ao

disfuncionamento, a consideração de todos os elementos (estação,

clima, alimentação, modo de vida) que podem perturbar o corpo e,

através dele, a alma” (FOUCAULT,1985, p.62). Assim, a prática de si

envolve o sujeito de forma que se reconheça como alguém que precisa

ser cuidado, seja por si próprio, ou por alguém quem tenha a

capacidade de fazê-lo.

A enfermagem cuidadora tem a sua identidade marcada pelas

definições do movimento da “enfermagem moderna”, caracterizada

pela divisão técnica do trabalho e advinda, principalmente, do avanço

da medicina e da reorganização dos hospitais. Foucault (1979, p. 109)

ressalta que nessas instituições, o posicionamento do médico era, e,

ainda é predominante, pois ele é o sujeito que “pensa e determina o

que fazer”; aos profissionais de enfermagem cabe obedecer e executar

as ações determinadas, mas isso não ocorre de maneira linear, na

forma de um consenso passivo. Não há transgressões sutis que

potencializam o modo de cuidar na enfermagem, embora se observe

que está configurada uma relação de sujeição da enfermagem para

com o saber médico, além do caráter feminino presente desde sempre.

Esse aspecto foi salientado pelas alunas ao mencionarem as

relações do cuidado, dimensionadas com as outras profissões

envolvidas no cotidiano do labirinto e nas tarefas da enfermagem

A gente percebe que, por mais que os

professores tentem desmistificar essa questão

da medicina e do médico para com a

Page 79: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

79

enfermagem, ainda parece que ficamos sujeitas

a eles. Muitas vezes não somos consideradas

importantes, e a condição de aluna só piora isto,

ficamos tendo que dar lugar ao doutor o tempo

todo. Porque que a medicina não entende a

importância da enfermagem? Ou não demonstra

isso? Às vezes desanimo um pouco, porque nós

cuidamos do paciente 24 horas e sabemos tudo

dele. Nos dedicamos (Cibele, 14 de abril,

2015).

Conforme Cibele, falta um trabalho multidisciplinar na atenção

à saúde das pessoas que estão internadas nos hospitais e o respeito

entre as diferentes profissões que atuam no cuidado do paciente. Neste

ponto podemos alinhar um breve olhar de gênero quando o

predomínio na enfermagem é de mulheres, enquanto médicos são, na

maioria, homens. Nesse campo se estabelecem os aspectos do poder,

dado importante e fortemente presente nessa relação. Há uma tênue

proximidade entre a medicina e a enfermagem, de cunho histórico-

cultural, que ainda marca a condição das alunas e das enfermeiras.

Parece que o aspecto de gênero e poder se entrelaçam nesse percurso.

Foucault (2010, p.164) destaca que as relações de poder não se

passam, fundamentalmente, nem no nível do direito, nem no da

violência; tampouco são basicamente contratuais ou unicamente

repressivas. Pela visão tradicional, o poder é facilmente definido como

algo que diz não, que impõe limite e que castiga. Ao contrário disto,

“o poder é algo que circula, ou melhor, algo que só funciona em

cadeia. Funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos

não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e

de sofrer sua ação.

Outro aspecto importante para compreendermos algumas

relações aqui apresentadas está no fato do ensino de enfermagem,

durante longo período, ser oferecido em instituições religiosas, sem

um programa formal de aprendizado teórico e prático. Acreditava-se

que o cumprimento de tarefas diárias, relacionadas aos cuidados dos

pacientes e com as atividades de limpeza e higiene do ambiente,

mereciam mais atenção do que o desenvolvimento intelectual das

alunas9

. Além disso, as instituições de enfermagem da época

9 O gênero feminino usado na época era justificado devido ao trabalho

exercido basicamente por mulheres religiosas.

Page 80: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

80

estabeleceram, por muitos anos, práticas como o internato obrigatório

para as alunas. Neste esquema de aprendizado esperavam das

estudantes obediência aos seus superiores, dedicação, disciplina e

abnegação, atributos idealizados pela enfermagem desde as suas

origens (ALMEIDA; ROCHA, 1995, p. 233).

A partir disso é possível enunciar que alguns fatores se

constituíram na enfermagem, pautados em noções de cuidado e

doutrinamento, sem destaque para o conhecimento científico. Os

aspectos da obediência parecem se perpetuarem até os dias atuais, o

que ressalta as falas das alunas com relação a submissão frente a outra

profissão. Porém, cabe destacar que muitas mudanças significativas

ocorreram nesse contexto e a enfermagem tem em sua trajetória,

marcas das reivindicações que forjaram mudanças na profissão.

Na rota das alterações do currículo e da história da enfermagem

no Brasil estão os ideais de Florence Nightingale,10

que

redimensionou o modelo da formação para as futuras escolas, as quais

teriam como princípios essenciais: a submissão, o espírito de serviço,

a obediência e a disciplina. Com relação à conduta pessoal das alunas,

a postura física, a maneira de vestir e comportar-se aliavam-se aos

seguintes pressupostos: a) o treinamento de enfermeiras deveria ser

considerado tão importante quanto qualquer outra forma de ensino e

ser mantido pelo dinheiro público; b) as escolas de treinamento

deveriam ter uma estreita associação com os hospitais, mas manter sua

independência financeira e administrativa; c) as enfermeiras

profissionais deveriam ser responsáveis pelo ensino no lugar de

pessoas não envolvidas com a enfermagem; d) as estudantes deveriam,

durante o período de treinamento, ter residência à disposição e que

lhes oferecesse ambientes confortáveis e agradáveis, próximos ao

hospital (GEOVANINI 2002 p. 145).

Esses aspectos ilustram como a formação da enfermeira foi

bordada com desiguais fios, constituída por cores diferenciadas que

traçaram sua historicidade até os dias atuais. Um fazer atrelado a

ordem, normas de submissão e obediência que juntaram os retalhos da

10

Florence Nightingale, precursora da Enfermagem moderna, nasceu em 12

de maio de 1820, em Florença, na Itália. Era filha de ingleses. Mesmo contra

a vontade da família decidiu seguir sua vocação com as irmãs de Caridade de

São Vicente de Paulo, na Maison de La Providence, em Paris, ampliando seus

conhecimentos na área de Enfermagem. Sua grande contribuição se deu na

guerra da Criméia, no atendimento aos soldados.

Page 81: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

81

colcha de princípios de subserviência das alunas, mulheres. Quais as

noções envolvidas nessa hierarquia? Para Almeida; Rocha, (1995), o

fato de ser jovens, provenientes de famílias humildes, alunas-

enfermeiras encontravam mais dificuldades para enfrentar as questões

culturais que compõem o universo masculino, como por exemplo, o

fato de que, em sua maioria, a profissão médica é exercida por

homens, um dos indícios dessa hierarquia. Não poderia, portanto,

admitirem-se questionamentos ou contestações às regras instituídas,

diferente do que observei durante a pesquisa, realizada na atualidade.

Há uma mudança de conduta voltada para o conhecimento e o cuidado

profissional, sem a vertente caridosa, maternal, subserviente e

religiosa de outras épocas.

A disciplinarização dos corpos produziu atitudes plurais na

relação entre enfermeira, paciente, hospital, outros profissionais. Isso

me fez alinhavar outro ponto interessante, o qual remete as normas

que regiam a enfermagem, onde se ensinava que essas regras, assim

como a obediência, eram mostras de boa conduta e distanciaria as

mulheres da sensualidade da profissão. Uma pedagogia que afastava

as enfermeiras de seus pacientes, isto, com o intuito de ordenar os

“corpos retos”. A história expõe que essa ordem emitida sobre o

corpo, não permitia a docilidade nos gestos e a disposição afetiva para

cuidar de quem tanto precisava de uma atenção de perto.

Para Godoy e Souza (2001) partimos de uma condição religiosa

e maternal, para uma profissionalização tecnológica que denotou um

distanciamento do cuidado afetivo e próximo. A disciplina e a ordem

estavam fortemente presentes, mas, com as conquistas profissionais

que as lutas empreendidas pelas mulheres alcançaram, várias políticas

fortaleceram o papel profissional que passaram a desempenhar, o que

ocorreu também com as enfermeiras. Constatam-se dois extremos na

enfermagem: um cuidado disciplinar, religioso, com feições rígidas,

para a formação de um profissional técnico e distanciado dos afetos.

Algumas narrativas apontaram para este olhar.

Não conseguia ser leve no começo do curso, era

muita cobrança, muita técnica, a gente nem

podia se soltar e olhar para a família; com o

paciente, tudo era em excesso formal. Depois,

com o passar das disciplinas e com a abertura

de alguns professores criamos autonomia para

atuar com mais atenção ao paciente (Afrodite,

22 abril, 2015).

Page 82: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

82

Eu vejo como estamos começando a entrar no

hospital e a cuidar dos pacientes; é normal que

os professores cobrem muito e queiram que a

gente aprenda as técnicas, pois temos que fazer

certo. Sinto-me receosa de não fazer certo;

muitas vezes não dá tempo de conversar com a

família e ainda não me sinto segura para isso

(Atena, 12 maio, 2015).

As alunas descreviam o medo, a angústia presente no início da

formação, a insegurança para encarar um processo em construção e

que envolveria os primeiros contatos com o paciente, a família e

demais profissionais. Elas experimentavam os espaços do viver e do

morrer ao enfrentarem seus medos, suas alegrias e um amálgama de

sentimentos, aliados à exigência de se apropriarem de conhecimentos

técnicos e científicos. Outro fator importante estava na preocupação

com os afazeres profissionais, ou seja, com a incerteza se

conseguiriam realizar os cuidados técnicos de maneira adequada, para

cumprirem com as necessidades do paciente e as expectativas do

professor.

Agora que estou quase no final do curso, me

sinto à vontade e próxima do paciente, segura e

em condições de lidar com a família” (Diana,

24 abril, 2015).

Para as alunas, o início da formação foi marcado fortemente

pelo controle das atribuições e das técnicas sistematizadas. É ao longo

da formação que os professores vão consentindo mais leveza na

aprendizagem, então, criam situações pedagógicas para que as alunas

conquistem mais autonomia nas ações a serem desenvolvidas. Em

períodos mais avançados do curso, elas vão aos poucos se sentindo

fortalecidas, com segurança para um cuidado afetuoso, próximo da

família e do paciente e com autonomia para lidar com as

intersubjetividades. No decorrer da formação das alunas, o fio de

Ariadne despontou indicando algumas saídas que tornassem possíveis

outras formas de vivenciarem o labirinto, sendo a maturidade, uma das

possibilidades percebidas para lidar com o percurso da profissão.

No ensino de enfermagem, várias mudanças curriculares

importantes ocorreram a partir de um projeto pedagógico elaborado

em 1962, no qual eram contemplados na matriz curricular, apenas os

conteúdos que garantissem a destreza, a habilidade técnica e os

Page 83: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

83

conhecimentos científicos básicos para tal. Assim, a formação se

pautava por um conteúdo de cunho técnico e biologicista,

considerando disciplinas como anatomia, fisiologia e técnicas

específicas para dar o banho, a medicação, aplicar sondas. Esse

formato de ensino era pautado no modelo médico, o qual estudava e

intervinha sobre peças anatômicas, tendo por finalidade restituir ou

provocar o funcionamento no nível mais pleno para cada órgão –

fragmentando o corpo e o vendo como sucessão de sinais e sintomas.

Desta forma, coagindo a indicação de fármacos, considerando que a

ação de prescrever o fármaco, é do médico, em um poder instituído,

baseado somente em evidencias-sintomas, de origem cartesiana (vejo,

penso). O intuito era formar profissionais para atuarem no mercado de

trabalho, assegurando os saberes padronizados de enfermagem, sem

considerar o paciente como ser um integral. (GEOVANINI 2002).

Estas alterações curriculares demarcaram, de maneira

significativa, as práticas de cuidado na enfermagem. A visão

biologicista implantada em 1962 e interessada em um cuidado

tecnicista que não considerava os aspectos subjetivos da corporeidade

do paciente, mas buscava o fazer técnico e curativo, passou por

inúmeras mudanças. Dez anos depois, em 1972, a mudança que

alterou a formação do profissional de enfermagem para generalista

denota que estamos mais próximos de um currículo integral,

multidisciplinar, com ênfase em diferentes áreas. Isso possibilitou uma

concepção ampliada das práticas de cuidado e outras ações de saúde

foram incorporadas à formação das enfermeiras.

A literatura sobre o ensino da enfermagem tem trazido

questionamentos e considerações sobre as modificações dos padrões

tradicionais de formação das enfermeiras, a partir dos currículos de

graduação. O currículo pretendia formar profissionais com

competências para atender às exigências da realidade e para contribuir

com a ruptura de antigos paradigmas, como a centralização do

cuidado na esfera curativa. Análises feitas por autores como Rocha e

Almeida (1995), indicam que pouca coisa mudou com relação ao

enfoque dado, pela enfermagem, ao cuidado. As ações continuaram

sendo de caráter curativo e centradas no modelo médico.

Os educadores que atuam na docência da enfermagem têm

buscado respiradouros para enfrentar e superar os problemas técnico-

pedagógicos e as noções de obediência e disciplina mantidas por

muito tempo na formação das enfermeiras. Estas são no campo do

ensino formação, das tecnologias educacionais apropriadas, bem

Page 84: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

84

como, aproximar precocemente as alunas das vivências práticas,

inserindo-as nas unidades de saúde e nos hospitais, desde as primeiras

fases do curso.

Surgem outros movimentos de mudança, sendo a reforma

sanitária uma das mais importantes, considerando que nesse período

ocorreu a aprovação da Lei n.7498, de 1986, que dispunha

expressamente sobre a atribuição do enfermeiro como integrante da

equipe de saúde. Até a reforma sanitária, os modelos de ensino foram,

e, ainda são marcados pela fragmentação, o que tornou a atividade

uma prática meramente técnica.

À medida que a profissão se fortaleceu como categoria e

organizou seus processos de formação, avançou na construção de um

saber institucionalizado, que põe nas rodas das discussões: o ato de

cuidar, a afetividade e a corporeidade das enfermeiras. Retomando a

ponta do fio de Ariadne e considerando o percurso da profissão é

possível assinalar que a entrada no labirinto se dá durante o processo

formativo das alunas. Para enfermeiras com mais tempo de atuação

nos espaços do hospital, a rotina dos afazeres e técnicas inviabilizam

um cuidado afetivo. Pensar que a formação das alunas se constitui nos

modos de ensinar-formar as levariam para o distanciamento do

paciente?

Para as alunas ocorre um distanciamento nas ações cotidianas e

as tarefas por vezes inviabilizam o aconchego do cuidado. Encontrar o

fio, segundo elas, é uma busca constante, pois a arquitetura do

labirinto e os processos pedagógicos nele vivenciados não se esgotam

no âmbito da formação. Porém, muitas saídas se constituem nesse

lugar enigmático, cheio de imprevistos e com pessoas diferentes, com

desejos, alegrias, mas também com suas dores

Eu tenho dúvidas. Às vezes acho que a nossa

formação não nos prepara para viver nesse

labirinto, mas também penso que aprendemos

dentro dele, são tantas coisas no dia a dia,

pessoas, vida, morte, alegrias, aprendizados.

Em alguns momentos estamos mais distantes do

paciente e prestamos um cuidado meio

automático. E em outros dias chegamos com

tanta vontade de cuidar e ajudar; acho que

depende de como estamos. Precisamos estar

bem para cuidar bem (Anfitrite, 25 de maio,

2015).

Page 85: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

85

Nos encontros que ocorreram durante a pesquisa foi possível

perceber a preocupação das alunas com os relatos, bem como a

disposição no cuidar. Entendiam que, desta forma, o cuidar se tornava

mais próximo e afetivo. Assim, a corporeidade percebida e vivida no

labirinto cotidianizado foi entrelaçada ao cuidado com o outro e à

formação pedagógica. Faço uso das palavras de Hart (2013, p. 100)

quando afirmam que “a formação e o cuidado são temperos de

qualquer processo educacional”.

Nos alinhavos da formação das alunas, para dizer do cuidado e

da corporeidade, os quais permeiam o hospital e a escola, encontram

recursos para uma reflexão sobre os processos pedagógicos. Na

percepção de Rosa (2011, p. 78), a escola, como instituição, ocupa um

espaço e um lugar, logo ela produz saberes e estabelece poderes que

fundam adequados modos para o mundo nela habitar. A escola, assim

como o hospital, também demarca espaços de ordem e disciplina,

organizadas em rituais, que sacraliza os corpos com suas estratégias,

ritos e exercícios emblemáticos. Talvez ainda tenhamos que profanar a

pedagogia, a escola, suas práticas, seus saberes e fazeres, como

argumenta Larrosa (2011).

Na compreensão das alunas, ao dizer da escola e do hospital

rebusco os escritos de Moraes (2014, p. 104), que apresenta as “trilhas

nebulosas”, entendida como rotas que encadeiam um processo de

formação, pautado no currículo do curso. É nesse devaneio nômade

que penso a formação e partilho com Silva (2007, p. 56), que

“currículo é identidade”. Lembremos que Gilles Deleuze não afirmou

o aprendizado como um ato isolado, solitário. Aquele que aprende não

o faz sozinho, em absoluta independência. Aquele que aprende não faz

como, mas faz com alguém, alguém que o alimenta e possibilita a ele

que cresça, pense e aja. (AZEVEDO, 2005).

DISPOSIÇÃO AFETIVA: O SER-JUNTO-COM NO CUIDADO DE

ENFERMAGEM

Sousa; Miguel e Lima (2011), inspiradas em Heidegger,

entendem que para habitar o cuidado, é necessária uma compreensão

filosófica. O autor sugere que o ato de cuidar é entrelaçado ao ser e ao tempo, porque somos os únicos seres que podem ocupar-se com o

futuro e com as possibilidades que a vida pode nos ofertar. Na

concepção de Heidegger, o cuidado contempla o modo positivo de

cuidar dos entes, portanto, não é sinônimo de bondade, é entender

Page 86: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

86

autenticamente o que é importante nessa partilha. Nesse território do

cuidar, Heidegger destaca a base ontológica do fenômeno da vida, o

que significa a busca do sentido da vida, o sentido de viver, fazendo

uma crítica ao uso indiscriminado de técnicas modernas nas relações

entre pessoas.

De acordo com Boff (2002), cuidar, mais que um ato, é uma

atitude. Se espera, portanto, que o cuidador tenha disposição para

atendê-lo e que o faça de modo a considerá-lo "como ser humano".

O paciente considera como atributos mais importantes para um

cuidado de qualidade, aqueles voltados para aspectos interpessoais no

relacionamento, entre ele (paciente) e o profissional que pratica o

cuidado. Conhecer a percepção do paciente sobre o cuidado recebido

tem sido uma preocupação dos pesquisadores e profissionais

responsáveis pela assistência aos mesmos (OLIVEIRA;

GUIRARDELLO, 2006). Ser-sentir junto com o paciente parece ser o

que perspectiva o cuidado de enfermagem, quando assumida pelas

alunas. Ele traceja uma linha que habita o recebido/vivido pelo

paciente é o somatório de um grande número de pequenos cuidados

parciais que vão se complementando, de maneira mais ou menos

consciente e negociada, entre os vários cuidadores que circulam e

produzem a vida do hospital (CECÍLIO; MERHY, 2003).

Cuidado é relação, um fenômeno que se transforma de acordo

com as necessidades do ser, e se mostram quando este está fechado

para as possibilidades da vida. Para que o ser se abra em suas

necessidades é fundamental um ponto de partida, compreendendo que

o “ser” precisa estar ciente que é na angústia que o sujeito pode se

mobilizar (DOURADO, 2010).

Entre poesias e bordados retomo o cuidado que pode ser aqui

encenado como “dos afetos”, sendo possível perceber suas diferentes

rotas no percurso da enfermagem, onde lidamos com o desconforto, o

aprisionamento e a tristeza frente à dor do outro. O sofrimento que a

enfermagem vivencia diariamente dificulta as possibilidades de

metamorfose que a profissão enseja, no nascer e renascer da dor, no

cheiro da carne rompida, cortada, esfacelada, ou diante da dor de uma

mãe com seu filho. Como agimos diante da dor do outro? (SONTAG,

2003). O sofrimento humano em circunstância de internação

hospitalar, não tem como dispensar o cuidado, na sua melhor

potencialidade, aquela que afeta o paciente de modo a intervir na sua

recuperação, na restauração da sua saúde. Essa qualidade é intrínseca

Page 87: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

87

ao exercício profissional da enfermagem, embora nem sempre seja

uma realidade no dia a dia do labirinto hospitalar.

São inúmeros os motivos para a enfermeira cuidar, assistir, não

cuidar, mecanizar as rotinas, dispersar a qualidade da atenção,

negligenciar procedimentos fundamentais, dedicar-se aos doentes com

amorosidade ou indiferença, por exemplo. Entre estes estão, a jornada

excessiva de trabalho, a exaustão que a relação com a dor produz; o

papel de subordinação que a hierarquia hospitalar institui desde o seu

nascimento; a precariedade material para assegurar todos os princípios

éticos e estéticos da atenção à saúde; as questões emocionais que cada

uma experimenta em seu viver; os aspectos assimilados no processo

formativo, o que atribui a cada uma o “grau de competência” teórica e

prática.

Diante da dor do outro e o cuidar de alunas e enfermeiras, o

sofrimento do paciente recai sobre elas, identificando-se com ele e

remetendo as próprias vivências pessoais, numa relação muitas vezes,

de contra referência, pois ela não tem oportunidade de refletir sobre os

sentimentos que são mobilizados no ato intencional do cuidado. Nem

sempre é possível trazer isso à consciência sozinha, o que gera uma

situação de sofrimento na aluna e na enfermeira, que se afasta. Na arte

de cuidar, a aluna e a enfermeira se depara com as interfaces do sofrer,

o que, de algum modo mobiliza a sua responsabilidade, dita certas

regras do cotidiano que podem espetacularizar a dor do outro e

desafiar as alunas para uma atuação ousada, autorizada pelo seu saber-

fazer. Há proveitos e inconvenientes nesse contexto, já que, por vezes,

o paciente é colocado numa condição de impotência, em um processo

afetivo questionável. A enfermeira também vivencia situações de

impotência ao enfrentar o labirinto hospital, com seus corredores,

quartos e frestas, o saber-poder médico.

A enfermagem é uma profissão que abarca o conhecimento em

torno do cuidado. Ao médico, em geral, é atribuído um conhecimento

adequado para tratar as doenças, numa perspectiva que aponta mais

para o sentido de assistir-curar. Essa distinção nas atribuições de um e

de outro, afeta o papel da enfermeira, perpassa a formação das alunas

e professoras, sujeitos que nas atividades práticas convivem com estas

situações.

O poder-saber da enfermagem e da medicina é abordado nas

rodas de conversas durante a pesquisa, a partir dos relatos das alunas.

Foucault (2012, p. 87), em a Microfísica do Poder mostra que os

saberes se engendram e se organizam para “atender” a uma vontade de

Page 88: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

88

poder e, sobretudo, se constituem com base em uma vontade de poder,

que funciona como correias transmissoras do próprio poder a que

servem. O poder atuaria naquilo que temos de mais concreto, o corpo,

e passaria pelos aspectos do micro poder, um poder molecular, que se

distribui capilarmente sobre os corpos dóceis, supliciados,

domesticados, marcados, mutilados, decompostos, obrigados e

sujeitados, repartidos, organizados, separados, reunidos.

No labirinto hospitalar é possível encontrar pistas e rotas do

poder-saber que configuram o ato de cuidar na enfermagem, em

muitos momentos caracterizados por uma relação muito próxima de

contato físico intenso, tanto quanto por práticas distanciadas,

permeados por vários sentimentos. A atuação direta sobre o corpo do

outro faz com que a enfermeira entre em contato com a intimidade do

paciente e exerça uma relação de saber poder. O que se imagina desta

relação é respeito, compreensão, conhecimento, toque, diálogo, e não

apenas a execução de uma técnica ou procedimento.

Quando estou cuidando de um paciente levo

comigo a crença de que sou eu, enfermeira, que

sei o que é melhor para ele. Às vezes, a família

discorda de algumas coisas, ou o paciente; tento

explicar que é o melhor a fazer, porque tenho o

conhecimento da técnica, da doença. Respeito

muito o paciente, mas naquele momento eu

tenho o conhecimento (Afrodite, 23 de maio,

2015).

Na reflexão de Afrodite, evidencia-se uma visão prática de

apropriação do paciente, exercendo assim, o poder, que lhe seduz

desde a condição de aluna. Cabe salientar o aspecto emblemático da

sua fala, quando afirma saber o que é melhor para o paciente,

destacando a condição de subordinação em que o paciente se encontra,

quando internado.

Nas reflexões de Labronici, em “A corporeidade propiciando o

coexistir da racionalidade e da sensibilidade nas práticas de cuidar”

(1998, p. 78), trata-se de um corpo autorizado que cuida e de um

corpo a ser cuidado. Corpo que não se reduz a matéria, mas que está

vivo, por isso pulsa, pensa, sente, faz, calcula. Por vezes, esse cuidado se perde nos esgotamentos do cotidiano, a ponto de provocar um

esfriamento nos afetos, lançar uma inquietação, pois esse corpo que

cuida também sofre, adoece diante da dor do outro (SONTAG, 2003).

Page 89: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

89

Corpo, nas narrativas de Sant‟ Anna (2001), é compreendido

como de passagem, a qual os considera metaforicamente um

passageiro

Um corpo tornado passagem é, ele mesmo,

tempo e espaço dilatados. O presente é

substituído pela presença. A duração e o

instante coexistem. Cada gesto expresso por

esse corpo tem pouca importância “em si”. O

que conta é o que se passa entre os gestos, o que

liga um gesto a outro e, ainda um corpo a outro

(p. 105).

De que corpo se fala no habitual da enfermagem? Questão

apresentada por (Sari, et al, 2009), quando destaca que o cuidado

realizado pelas enfermeiras é visto como tarefa a ser cumprida,

complementarmente às prescrições médicas e, esta enfermeira, por

vezes replica funções, sem se dar conta que invade a privacidade do

paciente sem pedir licença. Ao invés de limitado aos procedimentos

puramente técnicos, espera-se que o foco do cuidado esteja na relação

entre os corpos dos sujeitos envolvidos, ou seja, o corpo cuidado e o

corpo cuidador, numa relação de afetividade. Labronici e Polak (2000)

aventam que em todos esses momentos, o corpo do cuidador se depara

com situações que requerem, além do conhecimento técnico-científico

a disposição afetiva de estar ali, em presença, interessada,

sensivelmente, no bem-estar do paciente. A enfermagem tem uma

estreita relação com o corpo, já que há um corpo que cuida, e um

corpo cuidado

...corpos que devem ser vistos como o rio, em

cujas águas está escrita a partitura das nossas

vidas, em cujas águas corre, se agita e se acalma

a nossa existência; lugar no qual o passado, o

presente e o futuro se fundem (POLAK, 1997,

p. 96).

Percorri as diferentes produções de cena, artigos, textos e teses,

da ciência à arte, na educação, saúde e psicologia e observei diferentes

abordagens sobre corpo e a corporeidade. Desde o corpo torturado,

glorioso, de passagem, até os poderes dos corpos frios, a pedagogia

dos corpos retos, para compor corpo e corporeidade no saber da

enfermagem. Além das diferentes comparações entre corpo e

máquina, o qual deve ser revisado e ter as suas peças trocadas para

manter o funcionamento adequado, sendo que este último, aborda

Page 90: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

90

claramente o modelo organicista. As discussões e estudos se debruçam

a compreender a apresentar o corpo numa dimensão além da

anatomia, considerando o aspecto relacional entre corpo e mente com

o mundo. A corporeidade interage os aspectos biológicos e

fenomenológicos do corpo de maneira experiencial.

Corpos em evidência de sofrimento, atenção, expectativas de

cura, etc., mas vinculados por laços de afetos marcados tanto pela

hospitalidade, quanto pela hostilidade. É relevante considerar que a

dor e o sofrimento só podem ser compreendidos no âmbito de uma

ética humanizada pela empatia, por uma estética que adorna a

corporeidade para estar bem. É inerente à condição humana a

suscetibilidade ao sofrimento, a aflição por não saber, a priori, como

será o instante seguinte ao agora, então, em cada experiência de

tornar-se humano há um esforço para não lembrar a sua finitude.

O hospital é como uma oficina de corpos que afina, desafina,

ajusta, remove ou substitui peças desta engrenagem. Ressel, Dias e

Gualda, (2004), afirmam que para promover a desmecanização e a

desfragmentação do corpo no processo de cuidado, é necessário

ressignificar não apenas os discursos e os conhecimentos, mas,

particularmente, a forma como assistem11

, e, neste caso, valorizar o

sentido da escuta, da compressão e da restauração do humano nos

relacionamentos.

Dentro do labirinto, os rituais da prática da enfermagem são

traduzidos em procedimentos sistematizados e cuidados técnicos, nos

quais o corpo se submete às ações dos profissionais de saúde. Para

Polak (2000, p. 67) “o corpo é submetido a trações, os ossos são

fixados com pinos, as vísceras, os músculos, os tecidos suturados”.

Nos alinhavos das ações de enfermagem, os procedimentos aplicados

ao corpo, tal como os tecidos de uma colcha, se constituem em partes

que são suturadas nesse labirinto chamado hospital.

No decorrer da pesquisa de campo pude vivenciar a trama da

colcha alinhavada no labirinto hospitalar, na tentativa de seguir o fio

lançado, o movimento junto-com as alunas, o qual me permitiu sentir

e registrar o cadenciar das ações dos diferentes grupos. Alunas,

enfermeiras e docentes supervisoras envolvidas com a formação em

suas potências e ausências. Durante o acompanhamento das

11

Assistir, termo adotado a partir da Lei do Conselho Federal de Enfermagem

(COFEN), 2002, entendido como uma forma sistemática e documental de

registro da enfermagem no exercício da profissão.

Page 91: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

91

acadêmicas entendi que nesse labirinto as angústias e incertezas fazem

parte do cuidado das alunas, ora porque sentem medo de não ter o

conhecimento adequado ou suficiente para cuidar, ora porque não se

sentem seguras para realizá-lo. Parece que falta destreza, já que não é

possível, durante as atividades práticas, desenvolver inúmeros

cuidados técnicos. Isso forma uma trama de sentimentos.

Parece que quando chegamos para as práticas

ficamos meio perdidas. O dia a dia do hospital é

diferente, tem rotinas, muitos profissionais (Isis,

27.05.16).

Tenho medo de fazer as coisas e, ao mesmo

tempo, muita vontade e curiosidade de fazer.

Não sei se sei o bastante para dar conta das

coisas, e, além disso, tem o paciente te olhando,

cobrando, e a família. Ah, sem esquecer o

professor que está ali o tempo todo, o que é

importante, mas deixa a gente com medo

(Aurora, 21 de maio, 2015).

Os sentimentos das alunas ficam confusos, pois a rotina

instituída no cotidiano do labirinto apresenta uma gama de ações a

serem desenvolvidas expressadas no compartilhamento e na (com) -

vivência com pacientes e professores. O ser aluna experiência sentidos

e sensações do ser-em, que para Heidegger (2008) é ser-com os outros

e para habitar esse labirinto é preciso encontrar as saídas para lidar

com os anseios de uma profissão que cuida.

Percebo que a universidade não mostra o que

vamos encontrar no hospital, porque não temos

a noção do que acontece na prática (Flora,

11.04.15)

Agora que estamos quase no final do curso, nos

damos conta de que a realidade do hospital nos

mostra que a faculdade nem sempre nos prepara

para enfrentar a profissão (Maia, 16.04.15).

Nas narrativas do grupo, a preocupação é com as rotinas que

estão estruturadas no labirinto, as quais se constituem de seus medos, angústias e alegrias. Em alguns momentos parece não se sentirem

preparadas para atuar como enfermeiras, e admitem que a formação

não aponta para os desafios que adornam a realidade vivida no

labirinto hospitalar. Ao abordar a questão do corpo e da corporeidade,

Page 92: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

92

as alunas demonstram a importância de um olhar diferenciado que

assegure o respeito, mas também relatam que tocar o corpo desnudo,

mobilizado, machucado, causa dor e medo.

No começo da faculdade a cobrança é muito

técnica e a gente não consegue olhar o paciente

de maneira mais integral, temos medo de chegar

perto, de tocar e ao mesmo tempo fazer as

técnicas, dar banho, medicação (Diane, 12 de

abril, 2015).

Ao observar as alunas no treinamento do cuidado acompanhei

os momentos em que entravam em contato com o paciente.

Demonstravam carinho e preocupação, mas, ao mesmo tempo, agiam

de maneira disciplinar, sugerindo que alinhavar o cuidado afetivo e as

tarefas a serem cumpridas nem sempre é algo fácil durante o percurso

de formação. Os espaços parecem limitar os sentimentos e as reações

das alunas, envoltas no cumprimento das normas estabelecidas.

Quando próximas do paciente denotam afeto, mas, de um jeito

distanciado. Ao relatar esses aspectos o grupo ressaltou a importância

da afetividade e as alunas que cursavam a fase final afirmavam que

neste período da formação, a atenção e o afeto ficam mais evidentes e

possíveis no cuidado prestado. É possível que o cotidiano leve ao

esgotamento e ao esvaziamento, mas também pode ser um lugar de

inventividades.

No final da faculdade temos que ter a visão do

todo, olhar mais integral, mais amplo e parece

que, como já vivemos todas as etapas da

formação, conseguimos ter tranquilidade para

ver o paciente com mais calma, ouvir o que tem

a dizer, ser mais atenciosas (Aurora, 07 de

maio, 2015).

Sabemos que a rotina não permite muitos afetos,

temos que fazer e pronto, não dá tempo. Somos

cobradas principalmente pelo professor. Acho

que, às vezes, isso não é visto como o mais

importante. A gente consegue ser mais

carinhoso e dedicado ao paciente, agora na fase

final e adequar novas formas de cuidar, mais

aprofundado, com outras perspectivas (Irene, 03

de junho, 2015).

Page 93: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

93

Como lidar com as ambiguidades? As alunas concebem o afeto,

o amor e o cuidado integradamente, porém, sentem uma barreira para

colocar em prática quando se deparam com as exigências docentes e

com a própria rotina. Talvez os professores estivessem olhando para o

cuidado também a partir das frestas do labirinto, sem entender que a

ponta do fio pode estar solta em meio à sucessão dos dias. Para cuidar,

as alunas precisam familiarizar-se com todas as nuances que adornam

essa disposição afetiva, e para isso, a formação tem uma importância

fundamental.

Dentro do labirinto, o paciente passageiro sente-se feliz ao

receber um olhar de carinho, um gesto afetuoso, e ao deparar-se com

as estagiárias observa um cuidado qualificado e atento, o qual é

retribuído com gratidão pela atenção recebida, contudo, o interno

mantém a postura de quem não quer incomodar, pois estar

hospitalizado implica de certa forma ser resiliente, paciente. Para

Sant‟Anna (2001), esse passageiro que se encontra nos quartos e nos

corredores do hospital, se assemelha a um viajante aguardando a

ocasião do embarque, do atendimento, uma espera que exige

paciência. Para autora, o hospital, compreendido nesse ensaio como

labirinto compara-se ao aeroporto, um lugar de idas e vindas, esperas,

alegrias e ansiedade, numa espera similar a um conta gotas. A palavra

hospital sugere termos como hospedaria e hóspede, mas conforme os

escritos de SANT‟ ANNA (2001),

Uma vez internado, o paciente sofre uma

ruptura com seu cotidiano, desencadeadora de

um sentimento de „falta de existência‟, como se

ele ficasse repentinamente em déficit para com

o mundo. Separa-se da família, da residência,

do bairro; do trabalho, dos amigos e começa a

experimentar um constante desfazer de suas

certezas e identidades. Em diversas alas do

hospital, a ausência de rostos, paisagens e

objetos familiares acentua a perda de

referências e o sentimento de abandono (p.31).

Silveira, et al (2003), apresentam o aspecto do corpo sexuado,

remetendo ao corpo da cuidadora, enfermeira, mulher, aluna, como predominantemente feminino e em sua conotação de gênero. A

enfermagem pode ser entendida nesse sentido, a partir de uma

formação constituída historicamente na profissão, atrelada a imagem

do paternalismo, que “submete” essa mulher-enfermeira ao saber do

Page 94: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

94

médico, vinculando a profissão ao caráter de uma ocupação

complementar a outra área.

Este olhar está entrelaçado com a absorção do modelo religioso

na prática de enfermagem, o qual baseava-se em valores religiosos e

morais cristãos que, além de definirem o lugar da mulher como

submissa em relação a Deus e seus representantes, subvertiam aqueles

veiculados ao corpo concreto, lugar de prazer e desprazer, satisfação e

desconforto, bem-estar e dor. Por meio da história da enfermagem

pode-se compreender a luta contra estigmas e preconceitos impostos

pela ignorância social, o qual ainda assegura uma visão da enfermeira

como objeto sexual e a manutenção do assédio na profissão (COLPO,

CAMARGO, MATTOS, 2006).

O corpo objeto do paciente, para Ressel e Silva (2001) traz a

ideia de corpo cuidado e cuidador como um instrumento, utensílio

despersonalizado e impessoal. O corpo revela uma vivência singular

que ao se entregar ao cuidado, muitas vezes perde a sua identidade, é

condenado à passividade nas relações e reduzido a um caso clínico, a

uma ferida, a uma lesão. Imprescindível é desobjetificar aquele que é

cuidado, afastar a visão técnica do fazer e vinculá-la a uma ação

respeitosa, ao contato interativo, ao crescimento conjunto da

confiança, à possibilidade de compartilhar saberes e culturas, tudo isso

com muita afetividade.

A impessoalidade ratificada no cotidiano da prática da

enfermagem proporcionava um afastamento entre o corpo cuidado e o

corpo do cuidador, sugerindo a ausência de uma comunicação

justificada pela falta de tempo para uma escuta sensível. Com isso, a

desmitificação dos medos, a manifestação das emoções diante da dor,

do sofrimento e da morte, se traduzia em aspectos sem relevância.

Essas atitudes pareciam representar um mecanismo de defesa frente à

vivência no labirinto hospitalar, onde as alunas, enfermeiras e

professoras blindavam os sentimentos, numa tentativa de não sentir as

angústias da profissão. O corpo no hospital, conforme Polak, Maia e

Lisniowski (1998), é internado em alas, recebe números, códigos,

uniformes, e passa a conviver com estranhos.

Para Bois, (2012), quando se toca um corpo não se toca apenas

um organismo, mas uma pessoa em sua totalidade. O tocar não se

restringe apenas a um coração, um fígado, um osso, mas a um ser com

seus medos e com suas potencialidades. O paciente espera,

primeiramente, que aquele ou aquela que chega ao seu leito seja capaz

de cuidar afetivamente, de tocar o seu Eu, como um pacto que pode

Page 95: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

95

ser sustentado por uma escuta profunda. As mãos que cuidam

afetivamente são carregadas de interesse no bem-estar do paciente,

trazem consigo uma alma que se encontra com o outro por inteiro, que

proporciona trocas com ele e com a sua família, forjando um

desencadear de processos de cura.

A mão passa a desempenhar o papel de um

ouvido da alma no projeto de escutar o

paciente. Trata-se de um „tocar de escuta, de

reencontro‟, um tocar de reconhecimento que

legitima e reconhece (BOIS, 2006).

Algumas enfermeiras têm dificuldade na aproximação com o

paciente. Por vezes, um olhar mais atento se perdia no subterfúgio da

técnica e as levava para o distanciamento. Nesse caso, o cuidado

tornou-se uma assistência disciplinada e normatizada, seja porque esse

contato as incomodava, por uma questão de pudor, seja por

insegurança. Algumas situações parecem tão controladas pelos ritos

formais do labirinto, que provocam o afastamento demasiado do

paciente, identificadas com circunstâncias de extrema indiferença

(BOIS, 2012).

Nesse aspecto a corporeidade se evidencia com as informações

que guarda ao longo do processo evolutivo, mediada pelas interações

com o meio e com as pessoas, com as experiências intersubjetivas e é

através dessa corporeidade que a fragilidade humana se apresenta.

Diferentes manifestações subjetivas percorrem a corporeidade que, de

acordo com Boff (2002, p.194), implica compreendê-las também

como um conceito que exprime a totalidade humana, enquanto ser

vivo, parte da criação e da natureza. Corporeidade aqui se diferencia

de corporalidade, um termo da antropologia dualista que interpreta o

ser humano como a união de duas partes distintas, o corpo e a alma.

Articular a noção de corpo e corporeidade nos estudos que envolvem

os profissionais da saúde, com diferentes trajetórias, significa

reconhecer a implicabilidade dos sentimentos que marcam a presença

de cada ser-no-mundo.

Le Breton (2006, p. 11) assume que o corpo é

uma espécie de escrita viva no qual as forças

imprimem vibrações, ressonâncias e cavam

caminhos. O sentido nele se desdobra e nele se

perde como num labirinto onde o próprio corpo

traça os caminhos. O corpo pode ser intuído

como legitimação, como espaço tempo do Ser

Page 96: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

96

aqui, encharcado pela mundaneidade viva que

lhe acentua diferentes nuances, necessárias para

compor a corporeidade e os jeitos como esta se

traduz na dinâmica entre o visível e o obscuro

da subjetividade humana.

A corporeidade está imbricada na própria existência de cada

indivíduo, integra suas vivências, sua história, sua cultura, os traços de

suas arquiteturas internas habitadas inclusive pelas sombras do viver

comunitário. Nesse sentido, corporeidade e educação se manifestam

como um encontro para celebrar a vida. É o que Maffesoli (1996, p.

134) nomeia como “epifanização do corpo”. Uma experiência que

oferece, sobretudo, um aspecto comunicacional. O corpo, nas suas

interações sociais é capaz de despertar a comunicação entre os

sujeitos, à medida que a corporeidade, onde este se aloja, é gerativa de

múltiplos diálogos. Para o autor é, portanto, o horizonte de

comunicação que serve de pano de fundo à exacerbação da aparência.

O corpo alienado e dócil abordado por Foucault (1987) traz a

visão do cuidador e do ser cuidado, enquanto passivo, submisso,

disciplinado e desinteressado de si, numa imagem comum de corpo,

aquela que torna cuidador e ser cuidado subordinado, alienado em

relação ao próprio corpo, docilizados diante do poder que disciplina

que normatiza condutas, prescreve e impõe rotinas na prática das

tarefas da enfermagem.

De certa forma, também há uma disciplina exigida nos corpos

das enfermeiras, quando destacamos os aspectos relacionados aos

adereços específicos que marcam o seu corpo, como a roupagem

branca, o jaleco, a proibição de adornos pessoais que sugerem

personalidade à sua postura corporal. Estes estão imbuídos de poder

institucionalizado, na busca da descaracterização da imagem

sensualizada da mulher enfermeira.

O ser cuidado é passível de ser considerado dócil quando se

oferece sem questionar, quando não se opõe ao que lhe é estabelecido

como “ideal” de cuidado, permanece calado na cena instalada, quase

inexpressivo, e então renuncia aos seus anseios, às suas aspirações,

aos medos e crenças que a doença faz emergir. Para ganhar a melhor

atenção do cuidador, em certas circunstâncias o paciente pode, até

mesmo, abrir mão de seus valores. O corpo enfermo é alvo das

prescrições e das intervenções institucionais, por conseguinte assume

a passividade, aliena-se do confronto e deixa-se ser regido pelo

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97

silenciamentos de suas emoções (POLAK, MAIA e LISNIOWSKI,

1998).

Para os autores, o enfermo transita pelas entranhas do labirinto,

em muitos casos, confuso entre a passividade subjacente à ação dos

cuidadores e a sua resiliência para alcançar o foco mais desejado: a

restauração da saúde. Seu corpo, em nome do cuidado se deixa

invadir, é esquartejado em partes para atender os estudos clínicos, aos

procedimentos curativos, aos banhos e a colocação de sondas, por

exemplo. E por incrível que pareça, durante a pesquisa de campo pude

constatar que muitos pacientes se submetem aos ritos hospitalares, e o

fazem, quase sempre, com expressão de alegria, com satisfação pelo

cuidado recebido.

Para Sontag (2003) é na exposição que o corpo ganha

publicidade. Até bem pouco tempo, os doentes eram tratados e

morriam em casa, os penicos ficavam debaixo da cama, a menorreia

passava pelas mãos que lavavam as toalhinhas higiênicas, o sangue, as

fezes e a urina, faziam parte da rotina domiciliar. “Na medida em que

o corpo ganha direito de exposição, conquista o dever de ser civilizado

e fotogênico” (p. 69). Os tecnológicos, a perda de fronteiras

geográficas e comunicacionais alteraram, significativamente, as

concepções e práticas em torno da doença, do doente, dos estilos de

tratamento, e do modo de cuidar. O paciente, hoje, está incorporado ao

hospital e um “saber médico”, portanto, a família e os cuidados

caseiros são coadjuvantes. São considerando apenas, quando não se

vislumbram outras possibilidades terapêuticas, ou seja, quando o

hospital se esgota em oferta.

Ao fazer parte do labirinto hospitalar o paciente entrega seu

corpo aos cuidados de estranhos, aqueles e aquelas que sabem o que é

o melhor para ele. Estar doente não é mais natural! E a dor, que no

século XIX era sinônimo de coragem e persistência, deve ser banida.

A vida do paciente é como se não fosse vida, passa a ser um momento

intervalar, como na ideia de possessão, um lugar de passagem. Aquela

noção feminista da década de 1960 de que o “nosso corpo nos

pertence”, que pretendia ser um contraponto à dominação do homem

sobre a mulher, não só se esvaziou como nos remete a pensarmos que

nossos corpos não pertencem a ninguém, nem a nós mesmos.

Para Susan Sontag (2003), o corpo é paradoxal à medida em

que não é algo pronto, mas também não é um rascunho. Somos e

temos um corpo sempre de passagem, não no sentido cristão de

Page 98: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

98

terminalidade, mas no sentido da plasticidade ontológica que nos torna

humanos, em diferentes momentos.

Ao me aproximar mais uma vez a Sant‟ Anna (2001, p 29), e

fazendo uso das metáforas, retomo a compreensão do paciente e seu

corpo esquadrinhado por máquinas e pessoas, o qual vive no labirinto

hospitalar, mergulhado em estranhamentos e solidão. Este,

dependendo de qual local está internado-sequestrado, se vê solitário,

impedido de suas vontades e desejos, e impregnado de ausências de

rostos, paisagens e objetos familiares, o que acentua a perda de

referências e o sentimento de abandono. Deitados, permanecem

diminutos na aparelhagem a qual estão ligados, numa cadência do

viver e do morrer.

A vivência de separações inclui a fragmentação

do tempo, do corpo e das atividades. A imagem

do conta-gotas é, nesse caso, exemplar, e não

menos metafórica. Por vezes, os visitantes e

familiares são admitidos a conta-gotas,

enquanto todo a rotina cotidianizada do

hospital, parece ritmada pelo pinga-pinga. As

informações são passadas aos pedaços. Vive-se

sob a angústia da espera, espera-se o próximo

remédio, o próximo diagnóstico, a próxima

visita, a próxima refeição, o próximo banho, o

próximo dia e a próxima noite. A rotina de

esperas cria para o paciente, com seus

sofrimentos e solicitações, a constrangedora

sensação de que ele é um obstáculo ao bom

funcionamento do hospital (Sant‟ Anna, 2001 p.

29-30).

Cabe destacar, a partir do olhar da autora, que durante as

práticas de campo na instituição hospitalar percebia que o cotidiano do

labirinto-hospital, por vezes privilegiava as rotinas esfriadas e

esgotadas de afeto. O hospital ainda se configura como um templo da

doença, que faz o paciente-passageiro vivenciar uma experiência única

de solidão. Ao adentrar o labirinto, ele se despe de tudo, da sua

identidade, pessoalidade, que são marcados em seus objetos, agora

proibidos pela lógica instituída, sendo que o único companheiro, em alguns momentos, é o criado, que ironicamente é mudo. Nele reside,

neste momento, uma resistência silenciosa, na qual aceita o que se

apresenta para ser bem cuidado, demonstrando resiliência.

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99

O tempo do hospital se transfigura, uma manhã é imensa de

ações, cuidados, tarefas e rotinas. Ao final do turno, pretende-se que o

mesmo esteja pronto, finalizado. Outra questão se apresenta ao olhar

este cenário: Considerando o momento de transição em que se

encontra, o aluno está pronto para este tempo?

Às vezes, não sei se estamos prontos para cuidar

do paciente, vendo todas as mudanças que vejo.

Tenho pena dele e de sua família, mas também

me vejo imersa nesse labirinto, porque é difícil

lidar com a doença, a dor e como compreender

um paciente que por vezes está ligado a tubos,

sondas. Que não fala. Difícil atender suas

necessidades. Como posso compreender a sua

necessidade ou expressar carinho? Muitas vezes

não sei como agir (Afrodite, 08 de junho,2015).

O paciente fica passivo quando cuidamos,

poucas vezes ele participa, ou é ouvido. Admito

que nós não conseguimos juntar a vontade do

paciente e as técnicas que temos que fazer,

parece que são coisas diferentes. Aprendemos

que devemos considerar e respeitar a vontade e

o direito do paciente em receber o cuidado, mas

as normas do hospital não permitem isso e os

enfermeiros não estão dispostos a mudar ou

questionar isso (Artêmis, 05 de abril, 2015).

As narrativas das alunas, enfermeiras e professoras denotam

que o corpo do ser cuidado e do cuidador é visto sob muitos olhares.

O corpo fala e a cena permite outras reflexões, e nesse movimento

trago a beleza poética de Clarissa Pínkola Estés, no seu corpo

jubiloso, em “Mulheres que correm com lobos” (1994, p. 251),

O corpo usa sua pele, sua fáscia e sua carne

mais profunda para registrar tudo que ocorre

com ele. Como a pedra de Rosetta, para aqueles

que sabem decifrar, o corpo é um registro vivo

de vida transmitida, de vida levada, de

esperança de vida e de cura. Seu valor está na

capacidade expressiva para registrar reações

imediatas, para ter sentimentos profundos, para

pressentir.

A autora trata do corpo como um ser multilíngue, contando que

ele fala através da cor, da temperatura, do rubor, do reconhecimento,

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do brilho, do amor, das cinzas da dor, do calor da excitação, da frieza

e da falta de convicção. O corpo revestido da pele, uma pele vista

como sexto sentido é capaz de metaforicamente lembrar.

Os ossos lembram, as articulações lembram, e

até mesmo o dedo mínimo. A memória se aloja

em imagens e sensações nas próprias células,

como esponja cheia de água, em qualquer lugar

que a carne seja pressionada, torcida, ou mesmo

tocada com leveza, pode jorrar dali uma

recordação (1994, p. 251).

Na compreensão de Foucault (1987), o corpo sujeito às regras

do poder e do saber é aceito pela maioria sem contestação e, muitas

vezes, vítima de desmandos. O cliente no contexto hospitalar, é visto

como ser passivo; tendo sua identidade diluída ou pouco considerada,

passa a ser conhecido por um número, como o paciente da ala azul, ou

o paciente do seguro tal; ou passa a ser conhecido, segundo o

diagnóstico, como o canceroso, o gotoso, o comatoso (POLAK, 1997).

A autora salienta que as questões da disciplina mostram o

quanto o corpo se submete às regras do saber cientifico e obedece a

esse tipo de saber e de fazer. A obediência é expressa quando o

paciente se entrega aos procedimentos e aceita o que é imposto, por

considerá-los verdadeiros.

Devo enfatizar que é em nome dessas verdades

que a enfermagem, possuidora de saber e de

poder, presta cuidados aos corpos viventes, que

se submetem a tratamentos, dentro de um

cenário frio e totalmente diferente e do seu

ambiente anterior, ambiente onde a luz, os

cheiros, as cores, as faces que o cercam, são

totalmente estranhos. Para reiterar todo esse

clima angustiante, até a linguagem difere e o

faz sentir-se cada vez mais estranho; no entanto,

ironicamente, aceita com aparente resignação a

nova situação, pois é isto que a sociedade lhe

oferece, e o sistema reitera que é bom (POLAK,

1997 p. 89).

A circulação instalada no labirinto mostra que o paciente se

coloca numa dimensão docilizada do cuidar, resignada e porque não,

alienada de conhecimentos sobre a sua condição. É através dos modos

de cuidar que se dão as interações e os encontros entre os profissionais

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e os pacientes. Há um corpo não é isento de história, e ao potencializar

as subjetividades abrimos espaços de viver que possibilitam aflorar

um ser que sofre as mutações do labirinto, e mesmo assim insiste na

busca pelo fio de Ariadne ao provocar mudanças e apontar outras

saídas. Na trama que enredou o cuidado e a corporeidade no percurso

da formação das enfermeiras, a colcha sofreu muitos arremates e

alinhavos, e estes precisam ser resistentes na tentativa de permitir uma

costura possível e delicada. Ocupar-me-ei destes chuleios nas

próximas linhas.

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10

Figura 19: Enfermagem histórica

Fonte: history of nursing andmedical care (http://www.pinterest.com/scrubsgiant)

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105

CORPOREIDADE E CUIDADO: UMA COLCHA POSSÍVEL NA

FORMAÇÃO?

A pele é esta superfície nada superficial que revela o que há de

mais profundo em um corpo. E cada corpo sabe a dor e/ou o prazer, o

significado de seus sinais, sem necessariamente desejar sua revelação.

Sinais estes que mantêm a memória viva no cotidiano desses corpos e

anunciam/denunciam seus lugares (MAFESOLLI, 2007).

Nas entradas, saídas e não saídas do labirinto, a corporeidade

das alunas se constitui e suscita enfrentamentos com o outro que nos

habita. Isto indica uma compreensão do ser humano como unidade

integrada, composta, a um só tempo, de corpo, mente (espírito) e

subjetividades. A corporeidade abarca tudo aquilo que funda a nossa

humanidade, com seus múltiplos processos de subjetivação. A

corporeidade, portanto, sugere o lugar dos sentidos, das emoções e da

materialidade viva, o que reúne a noção de multiplicidade e

individualidade conectadas à existência (SOUSA; MIGUEL; LIMA,

2011, p. 46).

Corporeidade sou eu. Corporeidade é você.

Corporeidade somos nós, seres humanos

carentes, por isso mesmo, dotados de

movimentos para a superação de nossas

carências. Corporeidade somos nós na

íntima relação com o mundo, pois sem o

outro é inconcebível (MOREIRA e

SIMÕES, 2006, p. 87).

A noção de corporeidade compreendida por Polak (1997),

pautada em conceitos trazidos da fenomenologia hermenêutica de

Ponty, assim pode ser apresentada:

[...] como mais que a materialidade do corpo,

que o somatório de suas partes; é o contido em

todas as dimensões humanas; não é algo

objetivo, pronto e acabado, mas processo

contínuo de redefinições; é o resgate do corpo,

é o deixar fluir, falar, viver, escutar, permitir ao

corpo ser o ator principal, é vê-lo em sua

dimensão realmente humana. Corporeidade é o

existir, é a minha, a sua, é a nossa história

(Polak, 1997, p. 37).

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106

Nessa dança labiríntica trançada por muitos fios de diferentes

cores e texturas, o cuidado e o corpo-corporeidade se apresentam

alinhavados na formação das alunas. Lendo “Ser e Tempo” de

Heidegger (2008), percebe-se que a arte de curar, (cura-cuidado em

latim), está em antecipar-se ao bem-estar do outro, sem esperar nada

em troca. A qualidade afetiva e estética do encontro entre pessoas

diferentes pode gestar a hospitalidade desejada, especialmente no

campo da saúde, ao contrário da hostilidade, que pode afetar o

organismo como um todo e favorecer os estados de adoecimento.

O autor lembra a fábula de Higino, que apresenta o Mito do

cuidado, como "um testemunho pré-ontológico" da sua doutrina. Essa

fábula termina com estas palavras: "como foi cuidado quem primeiro

imaginou o homem, que fique com ele enquanto ele viver". O filósofo,

em suas concepções, indaga sobre o ser-no-mundo, como presença no

tempo e no mundo, e o homem, nessa perspectiva, nunca é uma

subjetividade em si mesmo, senão na inter-relação com os outros e

com as coisas. O autor nos oferece recurso teórico que permite o

reconhecimento de que conviver no cotidiano das ações da

enfermagem é um desafio que nos remete a um novo olhar para a

magnitude do cuidado.

Inspirada em Heidegger (2008), entendo que talvez seja

possível vislumbrar as ações da enfermagem sem o esquecimento-do-

ser, para abrir as portas da percepção de que ali há um ser em si

mesmo, portanto, há com ele uma ordem de compromisso com o seu

bem. Estar junto-com e experienciando a ética e o respeito com o

outro. O cuidado ocupa um sentido que vai além do ato, além do que

se pode perceber e contempla uma disposição sustentada na qualidade

afetiva de proteger, zelar, despertar a confiança na vida. Não é

sinônimo de pura bondade.

A convivência diária com os espaços e as estruturas do labirinto

hospitalar relaciona-se com o sentido de cuidado e de cura, como um

ato que se empenha na construção da liberdade profissional. O

movimento constante deste ato tem um sentido que se manifesta na

estética das práticas diárias, mesmo com todas as normas e rotinas

estabelecidas. Aí está uma possibilidade de não se esgotarem em si

mesmas, de encontrarem significados que potencializem o desejo de

viver do paciente para retornar ao seu habitat. A enfermagem não

pode perder de vista seu supremo objetivo: colocar seu conhecimento

e sua disposição afetiva a serviço da vida.

Page 107: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

107

O cuidado nos diversos campos da saúde tem uma expressão

relevante na enfermagem, onde se lança uma expectativa de ir além

dos procedimentos técnicos conclusivos que podem provocar mais

sofrimentos. Envolve um compromisso entrecruzado com o outro e

com nós mesmos, feito de palavras que honram a dignidade, de gestos

que abrigam, de procedimentos que se mesclam com a sensibilidade, a

fim de compor uma ação humana - humanizada. A partir do cuidar

como atitude institucionalizada na enfermagem, forjam-se aberturas

para a hibridização de processos que entrelacem racionalidade e

sensibilidade, reflita e indague sobre a complexidade da relação

cuidar-ser-cuidado.

Nas observações de campo, o cuidado se fazia presente nas

relações entre pacientes, cuidadores, família. As alunas denotavam

atenção, preocupação com o enfermo, mas havia questões pontuais

que surgiam no cotidiano e que pareciam contribuir para esfriar as

ações afetivas da cuidadora. O tecnicismo e a rotina das tarefas

distanciavam os afetos e para as alunas era difícil entender esse

processo.

Eu não sei por que é tão difícil ficar mais

próximo do paciente; sentimos preocupação,

pena da condição dele, mas logo nos

acostumamos com o passar dos dias dos

estágios. Acho que vira uma rotina mesmo e a

gente logo começa a fazer tudo automático,

porque não dá tempo para conversarmos e dar

mais atenção. Acho que enquanto cuidamos

damos atenção e carinho (Isis, 11 de abril,

2015).

A piedade não fortalece o vínculo entre a enfermeira e o

enfermo, quando restrita às situações de assistência técnica. Uma

pessoa doente, assim como qualquer ser vivo, para curar-se e

permanecer bem tem necessidade de amor e respeito, de

reconhecimento de sua condição ontológica. Para Maturana (2003), o

amor é um gesto de consideração à legitimidade do outro, um

fundamento do social que assinala uma convivência de direitos. Esse

pode ser um compromisso importante nas práticas da enfermagem

porque ele traz sentido ao conhecimento técnico, aos procedimentos

habituais, mas precisa ser inventariado durante a formação acadêmica

das enfermeiras.

Page 108: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

108

As narrativas, embora evidenciassem que havia o desejo de

cuidar, sugeriam como elas são enredadas pelas rotinas que esfriam os

sentimentos e pareciam embaçar o olhar mais atento à corporeidade do

outro. As alunas, sob o olhar das professoras dedicavam-se ao cuidado

com atenção e empenho e circulavam nos corredores do labirinto

imbuídas de atuarem de acordo com os ensinamentos aprendidos no

decorrer da formação.

Tem o fato de que temos poucos enfermeiros e

técnicos para cuidar. São muitas as ações a

serem feitas: cuidados, banho, medicação,

sondas, exames, aí não conseguimos perceber

esse outro lado do afeto, do corpo. Também

precisamos nos cuidar para podermos cuidar do

paciente (Aurora, 29 de abril, 2015).

Aurora ressaltava a precarização da enfermagem na

organização do trabalho, que não assegura um número adequado de

profissionais para as práticas de cuidados nos hospitais. O fazer da

enfermagem ainda sofre com os artifícios da cotidianização e nem

sempre sabe como lidar com estas questões no labirinto.

A partir do pensamento de Maffesoli (1996, p. 134), penso que

há um imaginal que admite configurar as questões corpo-corporeidade

e cuidado, apresentadas até aqui. Para o autor, a relação sujeito-outro é

sujeito-corpo. A este fenômeno o autor denomina corporeidade,

ambiente geral no qual os corpos se situam uns em relação aos outros;

sejam os corpos pessoais ou os corpos metafóricos (instituições,

grupos). É, portanto, o horizonte de comunicação que serve de pano

de fundo à aparência. O olhar de Foucault (1999) destaca a relevância

do corpo e da alma como sustentáculos das forças de poder e de saber,

que também se constituem no fazer da enfermagem.

Na genealogia foucaultiana, em vez da preocupação com as

forças próprias do corpo, há a indagação acerca das práticas

discursivas e não-discursivas que se investem sobre este com interesse

pelas condições concretas que o constitui. O autor destaca a

importância do corpo como realidade biopolitica-histórica e lembra

que a sensorialidade corpórea é constantemente construída e

reconstruída, a partir das alterações políticas de cada momento. Ela

faz deste corpo um palco no qual os saberes e poderes se articulam,

produzindo a individualidade (FOUCAULT 1999, p. 73).

A enfermeira parece perceber a sua corporeidade, quando diz

que

Page 109: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

109

O meu corpo faz parte do cuidado que realizo;

eu estou presente nas ações, mas no dia a dia

não pensamos nisso e não levamos isso em

conta. Sou eu enfermeira naquele momento,

cuidando de outro corpo, que tem vontades,

vida e desejos. Quem sabe, um aprofundamento

teórico maior sobre estas questões poderia

ajudar nessa compreensão. Não podemos parar

as ações para discutir isso na correria do dia.

Mas entendo e vejo importância, só não nos

debruçamos sobre essas questões durante a

vivencia do trabalho (Flora, 29, maio 2015).

Flora identifica seu corpo-corporeidade travestidos durante o

cuidado praticado no labirinto, porém imersa no cotidiano dos fazeres

da enfermagem, configura-se num corpo instituído e envolto com a

ordem das tarefas. Durante seu relato, o qual se deu de pé, no balcão

dos prontuários, entre um atendimento à um paciente que aguardava a

inserção de uma sonda, e outro que necessitava da medicação, a qual

precisava ser conferida. Marcada pelas sinuosidades de um fazer, que

aponta para uma rotina que consome e abate as enfermeiras.

Sua expressão de “urgência” em relatar aos fatos ansiava a

continuidade, demarcando o “não podemos parar as ações”. Os

desejos implícitos nos detalhes sinalizaram a necessidade de ser

efetivo como enfermeira, mas essa cadência não permitiu o ser-

afetivo.

Imbuídas de percepções e afetos, as alunas e enfermeiras

compreendem a dimensão subjetiva do paciente e buscam tecituras

capazes de configurar um cuidado afetivo e qualificado. Ao

dimensionarem o seu espaço-corpo em suas ações diárias, mostram

que o paciente está presente, perceptível em sua condição de não ser

mais um mero expectador do hospital, mas como um ser que nos

provoca em sua essência e condição de ser-estar no labirinto. Durante

o período de observação e acompanhamento das enfermeiras e alunas

em seus afazeres ritualizados, foi possível notar os confrontos e

embates diários, frente ao autoritarismo institucionalizado da

hierarquia hospitalar e dos saberes médicos. Em diversos momentos as

enfermeiras questionaram as ordens instituídas e numa tentativa de construir alternativas com a inventividade que habita o ser humano,

transgrediram a norma, retomando para si as decisões que

tangenciavam o cuidado do paciente.

Page 110: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

110

Eu vejo que nós cuidamos e nos preocupamos

com o paciente, mas é meio automático, não sei

se é inexperiência ou a preocupação com a

técnica, mas ainda é meio mecânico. A

faculdade e os professores falam e nos ensinam

sobre cuidar de maneira humanizada, mas acho

que não pensamos no corpo do outro mais

aprofundado, cuidamos e naquele momento

esse cuidado é o que importa. Não pensamos

em nós ou como nos sentimos, eu acho (Irene,

12, maio 2015).

Nas observações de Irene, a humanização é uma concepção

amplamente discutida no processo de formação das alunas de

enfermagem, mas não dimensiona os aspectos do corpo e da

corporeidade. No dia em que conversamos sobre este tema, ela estava

na sala do café, confortável, em um raro momento de pausa, já que a

enfermeira do outro turno, veio ajuda-la naquele dia. Sua sutileza em

descrever os sentimentos sobre a formação voltada para um cuidado

humanizado, e a fragilidade em que se colocava ao falar e dimensionar

o seu corpo, se evidenciavam na fala e nos seus gestos corporais, os

dispostos de acanhamento e introspecção evidenciados. O que pode

sugerir certa “virtualidade” nas concepções de humanizar as ações, as

quais aparecem como imagens de um filme que será exibido nos

corredores do labirinto, quando as alunas estiverem trabalhando como

enfermeiras. O modo como cada uma vê o filme, assimila seus

conteúdos, está imbricado na história que trazem e que ampliam com a

formação.

Não me vejo pensando sobre corporeidade,

agora com as discussões e os encontros, consigo

me perceber melhor (Isis, 01 de maio, 2015).

A narrativa da participante da pesquisa indicava que há uma

lacuna da temática da corporeidade na formação, ou seja, para ela,

essa ausência está atrelada à matriz curricular do curso e à docência.

Ao cuidar do outro, as alunas se veem numa relação de poder-saber,

instituídas de um conhecimento a priori, no qual o corpo do ser

cuidado é prioridade em suas ações e elas se apropriam dele. Mas,

nem sempre há um olhar que alcance além das partes anatômicas. Ao

observar a matriz de formação do curso, constatei que a relação do

cuidado corpo-corporeidade não estava explicitada, nem nos

conteúdos disciplinares, nem nas ementas propostas e trabalhadas no

Page 111: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

111

curso. Então, o observado vislumbra que, embora exista um discurso

direcionado a uma abordagem contornada pela humanização, pelo

cuidado integral e pela hospitalidade na relação com a família, havia

carências quanto ao olhar, a subjetividade e a intencionalidade do

corpo. A matriz curricular envolta na trama de uma aprendizagem

generalista, focada na humanização e no aspecto técnico, aparece sem

alinhavos significativos entre o corpo e a corporeidade na sua

dimensão subjetiva.

O projeto pedagógico do curso de enfermagem da UFFS

(2009), em sua proposta inicial discorre sobre as questões da

humanização e técnica do futuro enfermeiro, em conformidade com as

Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de 2001. De acordo com o

disposto no projeto pedagógico do curso, a organização curricular

segue a Portaria 263/GR/UFFS/2010, e regulamenta os Cursos de

Graduação da UFFS, bem como as exigências das Diretrizes

Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Enfermagem.

A matriz não avançou nas discussões sobre o corpo e suas inúmeras

dimensões e deixa em aberto um aspecto particular na formação do

enfermeiro

Nunca aprendemos ou discutimos sobre

corporeidade e nem a cuidar olhando para o

corpo. Vimos as questões da anatomia,

fisiologia, as técnicas, a humanização. Devemos

ter um olhar integral. (Diane, 12 de junho,

2015).

Nos encontros com Diane, era possível entender que a

formação para ela se pautava nas disciplinas das áreas básicas, e se

mostrou inquieta com o fato de nunca ter ouvido falar sobre outros

aspectos do cuidado, a partir do corpo. Nos sucessivos encontros e nas

rodas de conversa, quando estas questões se apresentavam, o grupo

não conseguia discorrer sobre suas percepções, mas entendiam a

necessidade de inserir conversas sobre esse tema durante o processo

de formação. Traçamos diálogos nos encontros que seguiram, porém,

as inquietações por parte do grupo continuaram, demarcadas por

angústias, evidenciadas pelas seguintes expressões: não sabemos sobre

este tema, precisamos aprender e discutir sobre isso. Ensaio dizer que, a ausência de discussões e conteúdos sobre corpo-corporeidade

no corpo-curso de enfermagem e sua matriz curricular, se

caracterizam pelas escolhas dos conteúdos que se ensinam as alunas,

sobre rotinas instituídas no labirinto-hospitalar. O poder exercido

Page 112: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

112

pelos saberes entendidos como fundamentais na formação das alunas,

qualificam a técnica em si, e, minimizam o ser-paciente, ser-

enfermeira, ser-aluna. Ao reafirmar a necessidade de formação sobre

os afazeres técnicos, como: o banho, as medicações, os exames, os

curativos, nutre-se um olhar fragmentado, negligenciando as

subjetividades, o detalhe, comprometendo os alinhavos necessários

numa formação afetiva. A colcha tecida e arrematada, não é capaz de

cobrir o leito por completo, denotando que outras frestas precisam ser

olhadas e revisitadas, as potencias estão nas entrelinhas e podem ser

novamente alinhavadas, tecendo outros fios de Ariadne.

E o paciente? Percebe-se nesse labirinto, frente as normas e

tarefas estabelecidas? O paciente parece se apresentar resiliente, se

adequando ao espaço no qual se encontra, não se permite a ele

autonomia. A observação do campo e a (com) vivência mostraram

para Afrodite, que o paciente “se sente impotente frente às tantas

rotinas no hospital, eu vejo que às vezes ele quer ajudar, participar”

(Afrodite, 07 de abril, 2015). Ele nos mostra um silenciamento com o

sequestro vivido no hospital, este entendido por Foucault (1979),

como local que aprisiona, permitindo experimentar junto-com a

enfermagem outras formas de ser passageiro nesta viagem.

A narrativa de Afrodite aponta para os sentimentos do paciente,

a partir da sua percepção e vivência, pois ele também vive uma

condição de disciplina e espera no labirinto, a partir da manutenção

dos corpos dóceis. Para Foucault (1992), a disciplina é tida como a

arte da dominação do corpo humano que busca não só aumentar suas

habilidades e produtividade, mas também numa relação direta,

aumentar sua capacidade de obediência e sujeição (LUNARDI, 1995).

Alguns silenciamentos se constituem nesse labirinto e conforme as

reflexões de Orlandi (2007), silenciamentos que por vezes, causamos

forçosamente ao paciente, ao impor disciplina nessa rotina instituída.

O reencontro do corpo-corporeidade, a partir do olhar do

cuidado constitui um convite para rever nossa concepção do mundo,

da vida e, consequentemente a formação e o ato de cuidar. Ao

transitar os caminhos do cuidado, este pressupõe imediatamente

relação, ele se estabelece em uma relação. Isso implica o

reconhecimento de uma dimensão ética no cuidar, de seu caráter

essencialmente relacional. Porém, toda relação ética com o outro,

constitui uma relação de cuidado que só existe pelo real interesse e

preocupação com o outro. Ela contribui para que o outro possa ser

verdadeiramente sujeito, e não apenas uma função social ou um

Page 113: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

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instrumento de meu querer ou de meu desejo (RUGIRA e

LAPOINTE, 2012, p. 56).

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Page 115: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

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Figura 20: Enfermagem histórica

Fonte: history of nursing andmedical care (http://www.pinterest.com/scrubsgiant)

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Page 117: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

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INSTITUIÇÃO HOSPITALAR: UM OBSERVATÓRIO DO VIVER

E DO MORRER

No labirinto alinho as metáforas de

vida e morte, tanto a vida, quanto a

finitude do corpo permitem um olhar

para a renovação, o recomeço…

(Elaborado pela autora)

Ao percorrer a metáfora do labirinto-hospital, inspiro-me no

olhar do observatório, mas o que configura um “observatório”? Na

metáfora do viver e morrer, muitos adereços podem ser incorporados à

reflexão. O labirinto-hospital remete a um observatório, o qual

metaforicamente pode ser compreendido como do viver e do morrer,

configura e desalinha muitos olhares, o da enfermeira, da aluna, da

docente, do médico. Os pacientes são observados (vigiados), tanto na

sua condição de doente a espera do cuidado, quanto etapas da

terminalidade da vida, ou no pós-morte. Kruse (2003, p. 94) sugere

que a enfermaria na acepção de Foucault (1999) é um dos

“observatórios da multiplicidade humana”. Para a autora privilegia a

vigilância como estratégia, permitindo uma observação completa das

ações humanas.

Ao pensar esse espaço, lanço-me a olhar para a hospitalidade, e

também o imaginal da hostilidade, pois no caminhar da pesquisa e na

(com) -vivência percebi que essa relação ambígua se alinha de

maneira multidimensional. A aluna que cuida e afeta o outro com sua

disposição afetiva e hospitalidade, ao mesmo tempo, traz hostilidade

em suas imposições de saber.

Este observatório vivido por nós profissionais da enfermagem

mostra que o lugar de alívio da dor e do sofrimento, caracteriza-se

pela vigilância e tira de cena o afeto e o amor. Vemos e convivemos

com as perdas, com a morte e suas ausências, mas também com

espaços de vida, nascer e potências que configuram outras

possibilidades. Na relação com o grupo participante da pesquisa

percebia que os momentos de dor e alegria eram experimentados por

todos os integrantes, e que a formação desempenhava um papel

fundamental no trajeto. Observei a preocupação com a dor do outro,

do ser cuidado e também a alegria vivida a cada dia desse labirinto,

quando o enfermo tinha alta por ter se recuperado. A enfermagem,

nessa perspectiva, é uma profissão que permeia o cuidado, pois é

nessa vinculação que aparecem as margens, as demandas mais

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periféricas, o fronteiriço entre os saberes hierarquizados. A qualidade

que cada uma imprimia diariamente para bem cuidar se deparava com

as fragilidades dos espaços desse cuidado, mas também com retalhos

vibrantes e com grandes potencialidades.

Gosto muito da profissão que escolhi, mas sei

que não será fácil lidar com a dor e a perda, mas

tem coisas boas também, ver a alegria, a

gratidão dos pacientes, ver eles bem cuidados

(Aurora, 23 de maio 2015).

Aurora vivenciou uma perda significativa na família e ao

deparar-se com a morte de um paciente em uma unidade de tratamento

oncológico, denotou apreensão sobre as situações vividas. A unidade

em que se encontrava, não possibilitava muitos espaços de aconchego

e a sua expressão era de vazio diante da perda. Porém, mesmo diante

da dor emerge o interesse pela escolha da profissão, porque as alunas

entendem que a enfermagem é feita também de potências que podem

ser exploradas. Percebem que o cotidiano também pode apontar novas

rotas no cuidado e na afetividade para com o outro, considerando o

maior envolvimento da família e um trabalho efetivamente

interdisciplinar. Assim como um olhar mais atento para a formação e

seu entrelaçamento com as vivencias práticas da profissão.

Precisamos rever muitas coisas da formação,

esses aspectos da afetividade, da corporeidade e

do corpo não estão inseridos nos conteúdos.

Desta forma acredito que não seja um assunto

abordado de maneira efetiva. Vejo como muito

importante (Flora, 22 de abril, 2015).

Agora como formada vejo que essas coisas

podiam ser mais bem trabalhadas no curso; a

gente tem tanto conteúdo, tanta informação,

mas quando chegamos à prática, parece que

ainda não sabemos (Isis, 21 de junho, 2015)

No ir vir dos encontros, os relatos se fazem cheios de intensão e

desejos de dizer de si, seus anseios, e o que esperam da formação.

Apresenta-se na fala das alunas, o cuidado aplicado e vivenciado no

dia a dia da enfermagem as faz reconhecer as fragilidades pertinentes

ao percurso formativo. Este ainda é marcado por concepções

conteudistas, que se destacam revigorantes e apontam nosso dizer

como docentes. Ao pensar e organizar um currículo que não traz

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adereços para o cuidado afetivo, constata-se a metamorfose

experenciada pelas alunas, que ao finalizarem o curso, experimentam-

se esvaziadas de outros saberes, porém o contexto do labirinto e a sua

inserção como instituição, denota que a norma e rotina as levariam ao

esvaziamento da disposição afetiva das alunas e enfermeiras.

Foucault (1992), em o Nascimento do Hospital, situa o contexto

hospitalar como lugar que aprisiona e sequestra os doentes e destaca

uma inversão das relações hierárquicas, citadas como “a tomada do

poder médico, o qual se manifesta num ritual de visitas, desfile quase

religioso” (p. 187).

[…] o médico na frente, vai ao leito de cada

doente seguido de toda a hierarquia do hospital:

assistentes, alunos, enfermeiras. Essa

codificação, ritual da visita, que marca o

advento do poder médico é encontrada nos

regulamentos de hospitais do século XVIII. E se

diz, onde cada pessoa deve estar colocada, que

o médico deve ser anunciado por uma sineta,

que a enfermeira deve estar na porta com um

caderno nas mãos e deve acompanhar o médico

quando ele entrar (1992, p. 187).

Para o autor, os ritos da enfermagem se perfazem históricos e

configurados pelo poder médico que é datado de uma época em que

este saber dominava os espaços esquadrinhados do labirinto

hospitalar. Além disso, muitos destes “rituais”, iniciados nos séculos

XVII e XVIII, se até mantêm até hoje, em particular no que tange ao

poder-saber instituído para o médico. O autor também chama a

atenção para o aspecto do hospital ter se tornado um lugar do saber, de

formação e transmissão de conhecimentos. Destaca o caráter

disciplinar que vislumbra o hospital como um local que permite a

cura, o registro das doenças, formar e acumular saber. “Eis que o

doente será observado, seguido e curado e passa a ser alvo de

intervenção e saber” (FOUCAULT, 1992 P. 189).

O paciente, nos dias atuais convive com a disciplina do

labirinto hospitalar, apregoada por médicos, gestores e também pela

enfermagem, profissionais que cerceiam sua vontade, seus desejos e sua rotina. Talvez a historicidade seja capaz de nos apontar linhas de

fuga para algumas questões aqui discutidas, já que os ritos

permanecem cristalizados no cotidiano do labirinto e a colcha, tecida

pelas diferentes tribos que configuram este labirinto, ainda precisa do

fio de Ariadne para encontrar saídas.

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Figura 21: Enfermagem histórica

Fonte: history of nursing andmedical care (http://www.pinterest.com/scrubsgiant)

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POR FIM, ESCREVER PARA EXISTIR...

Por elas…

Por todos os corações peregrinos…

Que sempre possam se encontrar

E não passar sem se ver,

Mas que permaneçam perto umas

Das outras e que se fortaleçam,

E com isso fortaleçam os perímetros

E portais do mundo da Alma

Confiados à sua guarda.

(PINKOLA, 2007, p. 101, 102)

Encontro-me outra daquela que iniciou a rota, quando tudo parecia

distante e este momento era quase impensável. Cá estou confiante de

que a rota se fez, o percurso foi trilhado, e que eu me fiz outra nessa

viagem. Despi-me de muito, aproximei-me de tantos e refiz-me

diferente, mas feliz nesta margem. Finalizada? Ou agora recomeçada?

Como ressaltam em Sousa, Miguel e Lima (2011),

Aceitar pensar o mundo onde vivemos só

acontece na intencionalidade de nos pensarmos,

na coragem de não nos excluirmos da reflexão.

É nessa dança de rupturas e acolhidas que

podemos nos tornar melhores como seres

humanos, enfrentar o outro que habita nossa

corporeidade, os outros afora e de dentro de nós

(p.17).

Inspirada na reflexão acima comunico que a escrita foi

costurada com intencionalidade, por isso me reconheço em cada

parágrafo já que não me exclui da reflexão, dos processos de

subjetivação e da colcha tecida a muitas mãos. Várias foram as

questões trazidas e problematizadas para que essa tese assentasse seus

contornos, e foram necessárias acolhidas e rupturas com diferentes

visões de mundo, nos enfrentamentos que a escrita apresenta.

Ao longo do percurso vislumbrei como rota o olhar sobre si,

numa relação com o outro. Para Foucault (2004), é preciso que o

sujeito inteiro se volte para si e se consagre a si mesmo, para que

possa comunicar-se com o mundo a sua volta, com o outro situado

neste mundo. Retomo as metáforas pensadas e construídas nesta tese

para delinear um alinhavo que possibilitasse compreender o

movimento do cuidado e da corporeidade, na formação das

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124

enfermeiras. Inicialmente me detive nas primeiras pistas e entrelaço,

para compreender as linhas que bordaram a tecitura que envolveu e

tomou corpo, apresentando meu percurso acadêmico e a

sistematização desta pesquisa.

Bordei nesse labirinto as entrelinhas do percurso e o mapa que

usei para me aproximar da intencionalidade da tese, considerando uma

etnografia nômade e seus olhares. Segui, e trouxe a formação das

alunas e o cotidiano da enfermagem e seus entre lugares no labirinto,

abordando o processo histórico da formação, o caráter cuidador da

profissão, e como se apresenta a matriz do curso de enfermagem,

objeto também esboçado nesta pesquisa. Na feitura da tese vivi-

observei o cuidado e a corporeidade das alunas. Nesta configuração

compreendi como o corpo, se entrelaça nas tramas do labirinto

hospitalar e como as tarefas da enfermagem estão envoltas em normas

tecidas em relações de poder-saber. A disciplina e a norma demarcam

a ordem das tarefas realizadas pelas alunas e a com vivência com os

pacientes em uma formação pautada por potências e ausências de uma

matriz fragmentada e que ainda privilegia conteúdos técnicos. Nesse

caminho etnográfico, o referencial teórico adotado e a interação com

os diferentes grupos, me permitiu entender que não tinha a pretensão

de apresentar respostas, mas caminhos, na travessia do labirinto.

As alunas, enfermeiras e docentes me inspiraram a perceber

que o cuidado e a corporeidade transitam imbricados no cotidiano de

seus afazeres e que a rotina interfere na vivência no labirinto-

hospitalar, mostrando que por vezes a saída se faz por outros

alinhavos.

A pesquisa mostrou que as estratégias para sair do labirinto e

encontrar a disposição afetiva para cuidar do-e-com o outro é buscar

linhas de fuga, a partir de outros olhares ao cuidar.

A corporeidade e o cuidado compoem uma travessia possível

na formação, mas indicam que é necessário mudanças prospectem

uma formação que vá além dos conteúdos de cunho técnico, para

consolidar um olhar que contemplem as subjetividades do cuidado,

animem as costuras que dão feições a colcha para que todas e todos

possam experimentar o saber de ser-estar-junto das alunas e das

enfermeiras no cotidiano do labirinto.

A instituição hospitalar como um observatório do viver e do

morrer, evidenciei que a norma e a disciplina vigiadas se delineiam no

labirinto e permitem que a vida, o nascer, a cura, as alegrias do

paciente na alta hospitalar e o vínculo estabelecido com as enfermeiras

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125

e alunas, forjem potências nesse lugar de sequestro. Assim como a

convivência com a dor do outro, o sofrimento, a morte, a doença,

levam as alunas a não perceberem as saídas do labirinto, não

encontrando o fio de Ariadne. Anuncia dos pesquisados e como

percebem o percurso no labirinto, o cuidado, o paciente e suas

perspectivas nesse espaço esquadrinhado de dor, sofrimento, mas

também de vida e possibilidades.

As convivências com os sujeitos da pesquisa possibilitaram

localizar no campo noções curriculares relevantes, como por exemplo,

olhar para entender como o cuidado integra o programa da formação

das alunas da enfermagem, como é concebido, do mesmo modo que a

corporeidade. Temas que se revelaram ausentes dos conteúdos

formativos e que, no início da formação e com as normas

estabelecidas para esta fase da graduação, prevalece um fazer técnico,

quase desprovido de afetividade, o qual não considera a corporeidade

no processo.

Para as alunas das fases finais, esse processo se parece mais

suavizado porque estão quase formadas, então é permitido a elas

praticarem certos modos de cuidado, mais afetuosos, próximos e com

um olhar para a corporeidade. Para as egressas do curso, agora

enfermeiras da instituição, a preocupação era com os fazeres e saberes

da profissão. Mergulhadas num cotidiano que esvazia e se esgota, elas

destacam que as atribuições e responsabilidades que envolvem o dia a

dia não permitem buscar outros olhares e ver o paciente de maneira

individualizada. São muitas as pertinências, as tarefas burocráticas e

administrativas, as demandas de atividades, além dos recursos

humanos deficitários e das normas a serem aplicadas.

As alunas ao chegarem no labirinto, se perdem no fazer

cotidianizado e entendem ser difícil sair dele. A metáfora traduz bem a

ideia de um cotidiano que esvazia e esgota o cuidado e o ser cuidado.

Com vivendo com o grupo observei que existem linhas de fuga e que

as alunas, lançam mão delas no meandro do cotidiano. As diferentes

tribos (equipes de trabalho de diferentes turnos), atuam de maneira

sistematizada, mas ao compartilhar as vivências lançam o fio de

Ariadne, e se articulam em ações coletivas, o que mobiliza um

enfrentamento para as tarefas da enfermagem e o cuidado com o

outro. O fio de Ariadne pode ser a ponta que religa e alinhava o olhar,

ao considerar a afetividade e o cuidado em suas ações cotidianas.

Nessa viagem a formação tem um papel fundamental, pois

conduz aos processos e permite às alunas vislumbrarem um estilo de

Page 126: Figura 1 - Enfermagem histórica - UFSC

126

cuidado que considera o corpo e sua corporeidade, conteúdos e

atividades que facilitem a entrada no labirinto e que lance os alunos as

práticas, no fazer das tarefas com um olhar mais próximo da realidade

vivida.

Dizer que a tese se encerra aqui é necessário no âmbito da

formalidade, mas estou ciente que ela como um tema de pesquisa

continuará viva em outros labirintos; bordada com diferentes retalhos.

As metáforas que me permitiram traçar este ensaio, ficaram marcadas

como um momento de possibilidades e aprendizados. A travessia foi

apaixonante e me permitiu outros olhares. Sinto-me gratificada na

escolha da colcha e do labirinto, tecidos por muitos para enunciar a

complexidade desta profissão que convive com sensações de perdas e

conquistas, afetos e desafetos, amores e rancores, indiferença e

atenção, descuidos e cuidados. A vida e a morte revelam-se como um

poema inacabado, que pode ser qualificado por uns, deixado assim por

outros, mas são expressões existenciais que não se rendem a qualquer

estilo de determinismo. A enfermagem se realiza nesse berço,

labirinto, cujo fio condutor parece transitar o ser humano.

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