V
Figura 1 - Enfermagem histórica
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA/UFSC
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO/PPGE
Figura 2: Tecendo ideias
“Me abriga nas metáforas
Da minha colcha tecida ao
longo do tempo.... Múltiplos
retalhos coloridos. Sem
nenhum alinhavo. Teci
todos com fios de fibra, para
resistir ao tempo, ao relento,
Assim mesmo na
eternidade todos poderão
ler. Solidão, o silêncio e a
introspecção... São os tons
neutros. O amor e a
esperança... São os mais
vivos que tanto marcam
minha vida. Os
fluorescentes... São os
momentos em que viajo fantasiando
os sonhos meus. Com todos me
emocionei, me entreguei, arrematei
suas franjas, e com as minhas
iniciais... Firmei retalhos poéticos”.
(www.reticenciasrj.com.br/retalhos-
de-mim)
Denise Consuelo Moser Aguiar
Setembro 2016
Fonte:www.balear.blogespot.com.br/
2010/02/colcha-retalhos
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.
Aguiar, Denise Consuelo Moser Corporeidade e cuidado: labirinto na formação dasenfermeiras. / Denise Consuelo Moser Aguiar ;orientadora, Dra. Ana Maria Borges de Sousa ;coorientadora, Dra. Patrícia de Moraes Lima. -Florianópolis, SC, 2016. 137 p.
Tese (doutorado) - Universidade Federal de SantaCatarina, Centro de Ciências da Educação. Programa de PósGraduação em Educação.
Inclui referências
1. Educação. 2. formação das enfermeiras. 3. cotidiano.4. labirinto. 5. cuidado e corporeidade. I. Sousa, Dra.Ana Maria Borges de . II. Lima, Dra. Patrícia de Moraes .III. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa dePós-Graduação em Educação. IV. Título.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA/UFSC
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO/PPGE
DENISE CONSUELO MOSER AGUIAR
CORPOREIDADE E CUIDADO: LABIRINTO NA
FORMAÇÃO DAS ENFERMEIRAS
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Santa
Catarina, para obtenção do título de
Doutora em Educação.
Orientadora: Dra. Ana Maria Borges
de Sousa
Coorientadora: Dra. Patrícia de
Moraes Lima
Setembro 2016
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,
através do Programa de Geração Automática da Biblioteca
Universitária da UFSC.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA/UFSC
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO/PPGE
DENISE CONSUELO MOSER AGUIAR
CORPOREIDADE E CUIDADO: LABIRINTO NA
FORMAÇÃO DAS ENFERMEIRAS.
Banca Examinadora
_______________________________________
Prof.ª Drª. Ana Maria Borges de Sousa (Orientadora)
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
_________________________________________
Prof.ª Drª. Patrícia de Moraes Lima (Coorientadora)
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
______________________________________________
Prof.ª Drª. Rosane Nitschke (Examinadora)
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
_________________________________________________
Prof.ª Drª. Henriqueta Kruse (Examinadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
_______________________________________________________
Prof.ª Drª. Marcela Martins Fulan de Leo (Examinadora)
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS
___________________________________________
Prof.ª Drª. Adriana Dutra Tholl (Examinadora)
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
________________________________________
Prof.ª Drª. Joana Célia dos Passos (Examinadora)
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
_________________________________________
Prof.ª Drª. Jeane Barros de Souza (Suplente)
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
_________________________________________
Profo. Dr. Gelson Aguiar da Silva (Suplente)
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
Refletindo o Cuidado...
Amor... como ferramenta
principal no cuidado Gostar de
gente Ciência da mudança... A
linguagem é a ferramenta
principal na promoção da
cura...
A capacidade de amar é muito
importante...
Quem é o enfermeiro do
hospital? Reformulação...
Sempre evoluir...
Hierarquia hospitalar.
Abrangência... Ciências...
Análise crítica com relação aos
métodos usados no cuidado,
durante a experiência vivida
como paciente...
Profissionais sem perfil para
cuidar se caracteriza como um
dos problemas na área da saúde...
Amor- quando se faz algo que se
ama...tende a ficar tudo bom...
Conhecimento sempre...
Ser bons profissionais...
Não parar de aprender...
Valorização do curso e do
profissional, pois há uma
mudança de visão... tem que
haver união- trabalho em
conjunto...
Adaptação de acordo com a
necessidade do paciente...
Paciência. Pois é preciso calma
com o paciente...
Empatia: se colocar no lugar do
paciente...
Conhecer os nossos limites...
Conhecimento: o profissional
precisa saber o que estar
fazendo...
Carinho além do conhecimento...
Medir os atos... pode ser um pai,
mãe...
Respeito com o paciente e com o
profissional...
A enfermagem é uma mudança
de vida...
Fazer a diferença...
Satisfação de trabalhar em um
espaço bom...
Cuidar de pessoas...
Educação e Afeto...
Autoconhecimento...
Sabedoria e bom senso...
Cuidadoso, saber priorizar o
paciente...
Conhecimento, compreensão e
entendimento.... Colocar em
prática o saber e compreender
seu paciente...
Dedicação, saber e carisma...
Aprendizado...
Trabalho em equipe...
A mudança da visão do
paciente sobre o
enfermeiro...
Não rotular as pessoas...
Diferença, fazer a diferença...
saber a teoria e a prática...
Contato interpessoal...
Respeitar as diferença e
diversidade, enxergando os
outros além da aparência....
Relatos e expressões dos alunos
da primeira fase do curso de
enfermagem de uma
Universidade Federal de Santa
Catarina, ao falar sobre o
cuidado, durante as vivências do
componente e rodas de conversa.
A autora, setembro 2016.
Dedicatória...
Ao meu Amor Gelson, que a cada
dia me acolhe e ensina reafirmando
que o amor, a dedicação e a
harmonia podem tornar nosso Viver
Valer a Pena, obrigada pelo existir
em nossas…Te Amo!
Aos meus filhos do coração, Isabela
e Breno, vocês foram essenciais
nessa travessia, tornando
significativo o meu existir, nossos
laços são eternos.
Amo vocês!
“Ninguém cruza nosso caminho e
nós não entramos na vida de alguém
sem nenhuma razão” Chico Xavier.
AGRADECIMENTOS
Às Famílias
Á minha família, meu Amor e companheiro Gelson e meus
filhos do coração, Isabela e Breno, obrigada pelos Entrelaços de cada
dia, o amor presente, e por estarem comigo nessa travessia de costuras
e linhas da vida!!
À Mãe Diva e ao Pai Alfredo, que sempre me apoiaram no
caminhar da vida. Irmãos e irmãs, cunhadas e cunhados, sobrinhos e
sobrinhas, e minha querida Ju (Jucélia) e sua sempre acolhida
afetuosa. A Helo (Heloisa), pela ajuda e traduções de sempre!
Afilhada adorável e amada! Com vocês minha existência se tornou
possível. Obrigada!
À família alinhavada no coração... outras riquezas aprendidas
com a Laiza (Lizete) Rico (Ricardo), Manu (Manoela) e Rodrigo, sem
essa vivencia não teria chegado aqui! Especiais para sempre. Amo
vocês!!
Às amigas e aos Amigos
Nos alinhavos da vida cheguei ao doutorado... e assim poder
encontrar outras pessoas especiais: Samantha, Chirley, Liane, Vera,
Nadja. Esta tese alinhava nossos “bons encontros”, À Gi (Gisely), o
meu especial agradecimento pelo carinho, pelas trocas, pelos estudos,
pela parceria, pelo amor e pelos encontros conversados. Amiga eterna!
Na Pesquisa
Minha gratidão a todos os (as) participantes e, em especial, às
estudantes e professoras do curso de Enfermagem da UFFS, que
dividiram comigo suas histórias e permitiram que esta tese ganhasse
vida. Muito obrigada!
À banca examinadora:
Agradeço pela disponibilidade da leitura e pelas contribuições
que trazem ao texto. As atenciosas e acolhedoras Professoras: Rosane,
Joana, Adriana, Marcela, Henriqueta, Jeane e Gelson.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, aos (às)
funcionários (as) e professores (as) com os (as) quais aprendi muito
nesse tempo de doutoramento. Orientação: À Prof.ª Drª. Ana Maria Borges de Sousa, Ana
Baiana, inspiração de professora, com quem tive o prazer de
compartilhar e aprender nesses anos do meu no doutorado.
Obrigada pelo encontro, pelas aulas, conselhos, trocas,
costuras e conhecimentos. Foi com você professora querida que
retomei o olhar para a enfermagem vivida. Seu carinho, acolhida e
nossos encontros afetuosos serão eternos em mim. À Prof.ª Drª.
Patrícia de Moraes Lima, pelo carinho, atenção e disponibilidade ao
final do percurso.
RESUMO
O cuidado na enfermagem é concebido como ação que envolve o ser
humano na sua totalidade. Para cuidar é necessário o encontro,
dialogar, ouvir, tocar, calar, ensinar, respeitar e compartilhar
experiências. A construção desta tese ensaia metáforas inspiradas no
labirinto do minotauro, em busca do fio de Ariadne para alinhavar
uma colcha de retalhos, a qual problematiza e traça a corporeidade e o
cuidado no processo formativo das alunas do curso de enfermagem e
suas dimensões estético-afetivas, com a intenção de situar os
significados constitutivos das relações ser-cuidado-corporeidade. O
bordado começa com uma questão de pesquisa: como a corporeidade e
o cuidado se constituem no processo formativo das alunas do curso de
enfermagem? Os pontos que adornam tal percurso nascem do auto
olhar-se da pesquisadora, ao assumir as perspectivas e narrativas dos
estudos pós críticos, a partir do referencial de Michel Maffesoli e
Michel Foucault. Com o primeiro me alinhei às noções da pós-
modernidade, querendo compreender o sentido das metáforas, o uso
das imagens e o imaginal. Com o segundo, as relações do saber-poder,
noções de cuidado e o cenário do hospital. No contexto da escolha
metodológica sigo com uma etnografia nômade, com os adereços dos
estudos culturais. Para compor os sujeitos da pesquisa elenquei as
alunas do curso de enfermagem de uma Universidade Pública Federal,
de diferentes fases, docentes supervisoras do campo de prática
hospitalar e alunas egressas (enfermeiras) da primeira turma do curso,
totalizando treze participantes. Como fonte documental utilizei a
matriz curricular do curso, que está em fase de reconstrução. As
imersões contínuas em campo se deram com as rodas de conversas,
encontros agendados e diálogos informais, apoiados em algumas
questões de pesquisa registradas no meu diário de campo, alimentadas
pela observação participante dos/nos espaços do labirinto hospitalar.
Boa parte das conversas e observações ocorreu durante as práticas
hospitalares, no período de março a junho de 2015, além de outras
informações coletadas ao longo de 2014. Para as alunas, as narrativas
que se destacam referem-se ao processo formativo, que segundo elas,
“não aborda de maneira mais efetiva o cotidiano da profissão.
Ressaltam que as necessidades e exigências são inúmeras, levando ao
sentimento de fragilidade e despreparo para lidar com as tarefas
excessivas, com a demanda dos pacientes e as atribuições
administrativas. Assim, contam que a entrada no labirinto é inevitável,
mas quase sempre imperceptível, pois são envolvidas na ordem das
tarefas cotidianizada. A rotina das tarefas consome a afetividade no
encontro com o outro ser- cuidado, mas ao mesmo tempo, a tarefa
compartilhada na equipe de enfermagem permite que as diferentes
tribos se alinhem e configurem rotas de fuga, assegurando um
processo de cuidado qualificado. Esta pesquisa possibilitou a vivência
do espaço hospitalar, trazendo à tona os aspectos do cotidiano da
enfermagem, suas experiências no encontro com o paciente e a
afetividade implícita no cuidado, bem como as potências envoltas
nesse percurso e as possibilidades no processo de formação da
enfermeira.
Palavras-chave: corporeidade, cuidado, corpo, enfermagem,
formação, labirinto, atividades cotidianas.
ABSTRACT
The care in nursing is designed as an action that involves the human
being in its entirety. To care is necessary to meet, talk, hear, touch,
silence, teach, observe and share experiences. The construction of this
thesis rehearses inspired metaphors in the minotaur's labyrinth in
search of Ariadne's thread to baste a quilt, which discusses and
outlines the corporeality and care in the education process of the
nursing course students and their aesthetic and affective dimensions
with the intention of placing the constituent meanings of relations be-
carefulcorporeality. The embroidery begins with a research question:
how the corporeality and care constitute the formative process of the
nursing course students? The points that lined this route are born of
self-ohar to the researcher, to take the perspectives and narratives of
póscríticos studies from the reference of Michel Maffesoli and Michel
Foucault. With the first lined me the notions of postmodernity,
wanting to understand the meaning of metaphors, the use of images
and imaginal. With the second, the relations of power-knowledge, care
and notions of the hospital setting. In the context of methodological
choice to follow a nomadic ethnography, with the trappings of cultural
studies. To compose the subjects elenquei the students of the nursing
course of a Public University Federal of different phases, supervisory
teachers hospital practice field and graduates students (nurses) of the
first class of the course, totaling ten participants. As documentary
source was used in curriculum course, which is undergoing
reconstruction. Continuous immersion in the field have taken with the
wheels of conversations, scheduled meetings and informal dialogues,
supported by some research questions recorded in my diary, fed by
participant observation of / in the hospital labyrinth spaces. Many of
the conversations and observations occurred during hospital practices
in the period from March to June 2015, and other information
collected over 2014. For the students, the narratives that stand out
refer to the training process, which according to them , "does not
address more effectively the daily life of the profession. They
emphasize that the needs and requirements are numerous, leading to
feelings of weakness and unpreparedness to deal with excessive tasks,
with the demand of patients and administrative duties. So have that
entry to the maze is inevitable, but often imperceptible as they are
involved in the order of cotidianizada tasks. Routine tasks consume
affectivity in the encounter with the other being careful, but at the
same time, the shared task of nursing staff allows the different tribes
align and configure escape routes by ensuring skilled care process.
This research allowed the experience of hospital space, bringing to
light aspects of the daily nursing, their experiences in the encounter
with the patient and the implicit affectivity in care. The powers
wrapped in this way and the possibilities in the nurse training process.
Keywords: corporeality, care, body, nursing, training maze, Activities
of Daily Living
RESUMEN
El cuidado de enfermería está diseñado como una acción que implica
el ser humano en su totalidad. Para cuidar es necesario conocer,
hablar, oír, tocar, el silencio, enseñar, observar e intercambiar
experiencias. La construcción de esta tesis ensaya inspiró metáforas en
el laberinto del minotauro en busca del hilo de Ariadna para hilvanar
una colcha, que analiza y describe la corporalidad y la atención en el
proceso de educación de los estudiantes del curso de enfermería y su
estética y dimensiones afectivas con la intención de colocar los
significados constitutivos de las relaciones be-cuidado-corporeidad. El
bordado comienza con una pregunta de investigación: ¿cómo la
corporalidad y la atención constituyen el proceso formativo de los
estudiantes del curso de enfermería? Los puntos que se alineaban en
esta ruta nacen de la auto-ohar el investigador, para tomar las
perspectivas y narrativas de los estudios póscríticos de la referencia de
Michel Maffesoli y Michel Foucault. Con el primero me forrada las
nociones de posmodernidad, con ganas de entender el significado de
las metáforas, el uso de imágenes y imaginal. Con el segundo, las
relaciones de poder-conocimiento, cuidado y nociones del ámbito
hospitalario. En el contexto de la elección de la metodología a seguir
una etnografía nómada, con la parafernalia de los estudios culturales.
Para componer los temas elenquei los alumnos del curso de
enfermería de una Universidad Pública Federal de diferentes fases, los
maestros de supervisión campo de la práctica hospitalaria y graduados
estudiantes (enfermeras) de la primera clase del curso, por un total de
diez participantes. Como se usa fuente de documentación supuesto
plan de estudios, que se someterá a reformas. la inmersión continua en
el campo de haber tomado con las ruedas de conversaciones,
reuniones programadas y diálogos informales, apoyados por algunas
preguntas de investigación grabadas en mi diario, alimentada por la
observación participante de / en los espacios laberínticos hospital.
Muchas de las conversaciones y observaciones se produjeron durante
las prácticas hospitalarias en el período de marzo a junio de 2015, y
otra información recogida durante el año 2014. Para los estudiantes,
las narrativas que se destacan se refieren al proceso de formación, que
según ellos , "no se refiere de manera más eficaz la vida cotidiana de
la profesión. Hacen hincapié en que las necesidades y los requisitos
son numerosas, lo que lleva a sentimientos de debilidad y falta de
preparación para hacer frente a un exceso de tareas, con la demanda de
los pacientes y tareas administrativas. Así que tiene que entrar en el
laberinto es inevitable, pero a menudo imperceptible ya que están
involucrados en el orden de las tareas cotidianizada. Las tareas de
rutina consumen la afectividad en el encuentro con el otro ser
cuidadoso, pero al mismo tiempo, la tarea compartida de personal de
enfermería permite a las diferentes tribus se alinean y configurar rutas
de evacuación haciendo proceso de atención especializada. Esta
investigación permitió la experiencia del espacio del hospital, con lo
que a los aspectos de la luz diaria de enfermería, sus experiencias en el
encuentro con el paciente y la afectividad implícita en la atención. Los
poderes envueltos de esta manera y las posibilidades en el proceso de
formación de enfermeras.
Palabras clave: la corporalidad, la atención, el cuerpo, la formación
de enfermería, labirinto, atividades cotidianas.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Enfermagem histórica .......................................................... 1
Figura 2: Tecendo ideias ...................................................................... 3
Figura 3: Enfermagem histórica cuidado ........................................... 25
Figura 4: Bordando ideias .................................................................. 28
Figura 5: Labirinto ............................................................................. 37
Figura 6: Hospital da região oeste Catarin ense ................................. 45
Figura 7: Construção do Hospital (1982). .......................................... 51
Figura 8: O hospital (2016) ................................................................ 51
Figuras 9, 10 e 11: Corredores internos do hospital ........................... 52
Figuras 12: Quarto/Enfermaria de uma unidade do Hospital ............. 53
Figura 13: Rodas de conversa ............................................................ 55
Figuras 14: Rodas de conversas/encontros e desencontros ................ 58
Figura 15: Diário de campo/ o registro silencioso .............................. 58
Figura 16: Observação/ o que o olhar fala.......................................... 58
Figura 17: Currículo do curso/ potências e ausências na formação.... 59
Figura 18: Mosaico da história da enfermagem ................................. 63
Figura 19: Enfermagem histórica ..................................................... 103
Figura 20: Enfermagem histórica ..................................................... 115
Figura 21: Enfermagem histórica ..................................................... 121
Figura 22: Enfermagem histórica ..................................................... 128
SUMÁRIO
ANÚNCIO DOS PRIMEIROS PASSOS ....................................... 27
ENTRELAÇOS E ALINHAVOS NA TRAJETÓRIA DA
PESQUISADORA ............................................................................. 27
O FIO DE ARIADNE: A OPÇÃO PELA METÁFORA DO
LABIRINTO ...................................................................................... 39
DESVELANDO O LABIRINTO .................................................... 47
TECENDO RETALHOS E ARREMATANDO FIOS ...................... 48
NARRATIVAS VIVENCIADAS NA PESQUISA
ETNOGRÁFICA .............................................................................. 65
FORMAÇÃO DAS ALUNAS: O COTIDIANO E OS ENTRE
LUGARES DO LABIRINTO ............................................................ 65
DISPOSIÇÃO AFETIVA: O SER-JUNTO-COM NO CUIDADO DE
ENFERMAGEM ................................................................................ 85
CORPOREIDADE E CUIDADO: UMA COLCHA POSSÍVEL NA
FORMAÇÃO? ................................................................................. 105
INSTITUIÇÃO HOSPITALAR: UM OBSERVATÓRIO DO VIVER
E DO MORRER ............................................................................... 117
POR FIM, ESCREVER PARA EXISTIR.................................... 123
POR ONDE ANDEI... .................................................................... 127
25
Fonte: history of nursing andmedical care (http://www.pinterest.com/scrubsgiant)
Figura 3: Enfermagem histórica cuidado
26
27
ANÚNCIO DOS PRIMEIROS PASSOS
ENTRELAÇOS E ALINHAVOS NA TRAJETÓRIA DA
PESQUISADORA
Por elas...
Que vivam muito,
Com força e saúde,
E com imenso espírito aberto aos
ventos.
(PÍNKOLA, 2007, p. 92)
Ao iniciar esta escrita, ao falar sobre meu percurso para
compreender a temática em foco, sinto-me a tear os fios que
entrelaçam o retomar de uma velha colcha tecida há algum tempo, este
misturado entre o que se mede em cronologias, que se quantifica em
realizações e outro, que também é qualificado pelo que não se pode
determinar, ou validar com provas, mas, simplesmente marcar pela
experiência dos passos percorridos para chegar até aqui. Um percurso
que me desperta uma boa nostalgia e uma certa apreensão, afinal, falar
de e sobre si, as costuras e tecidos que me constituem, requer um
esforço de reflexão com responsabilidade e franqueza para narrar os
alinhavos da própria vida. Com o espírito aberto ao vento (Pínkola,
2007, p. 92) me deixo rebuscar estações da minha jornada pessoal e
profissional, com o desejo de me aproximar das minhas vivências, das
experiências e emoções significativas que assinaram as trilhas neste
caminhar. O que busco? Conjugar a sabedoria com o conhecimento,
bordar e tracejar pontos e cores que dão feição à trajetória e apontam
as aprendizagens agregadas em mim. Qual o desejo neste momento?
Saber como construir diálogos neste pequeno ensaio. Bom, só há uma
forma de saber: arriscando-se na arte de escrever uma tese, com a
intenção de alinhavar um texto bem cuidado, com estudos, pesquisa
contínua, partilha de aprendizados das aulas e orientações, uma
relação intensa com o campo.
Nesse ir e vir minha corporeidade vai se delineando no labirinto
onde estão sínteses da minha formação e do exercício da minha docência, entre o hospital e a sala de aula, implicada no conjunto de
afazeres que compõem a formação das enfermeiras. Um labirinto que
esta tese não pretende desvendar, mesmo conhecendo, de modo
insuficiente, os “fios de Ariadne” que ligam o obscuro e o que o olhar
consegue ver, que afirmam e negam práticas de cuidado com a vida,
28
que confundem os entrelaços entre a formação inicial e o estar no
cotidiano hospitalar. São fios que tentam assegurar saídas que levem
ao cuidado intencional do outro, para sensibilizar as ações
profissionais em presença da dor do outro. O que almejam? Talvez
não se perderem nas rotinas, quebrarem alguns traços da rigidez que
historicamente ocupa-se do diagnóstico, de uma compreensão que
decompõe o corpo do paciente em partes. Por aí sigo a caminhar.
Figura 4: Bordando ideias
Fonte: www.balear.blogespot.com. br/2010/02/colcha-retalhos
Para compor esta tese destaco, inicialmente, aspectos do meu
percurso acadêmico que possibilitem situar o leitor frente às minhas
escolhas teóricas e metodológicas. A intenção? Contextualizar o tema
central desta pesquisa. A proposição dessa tese se inspira em
metáforas que escolhem a colcha de retalho para apresentar o mosaico
de concepções que vai tecer os sentidos e significados da pesquisa.
Metáforas que contemplam olhar o hospital como um labirinto onde se
configuram os meandros da formação das enfermeiras, que anunciam
fios que tecem a corporeidade na enfermagem, a fim de usar um
marco conceitual que entrelace os adereços que compõem a
textualidade. O grande desafio? Percorrer as encruzilhadas do
labirinto. Ao lançar mão do “mito do minotauro”, quero tramar os
alinhavos que entremeiam o cuidado nas entradas e saídas da
instituição hospitalar. Metáforas com a possibilidade do devaneio,
com a permissão para me aproximar das questões de pesquisa, contar
“O universo da enfermagem: bordados, cores e cuidado”
29
as vivências no campo escolhido e desenhar analogias e
estranhamentos do percurso.
Revisitar minha trajetória de vida significa olhar os caminhos
que trilhei para estar aqui. A formação na graduação se deu no curso
de enfermagem, momento em que eu ainda não compreendia a
essência do cuidado humano, porém reconhecia a lacuna que gerou a
inquietação. O percurso acadêmico na graduação foi repleto de
revelações, aprendizados e conquistas. Graduei-me em 1993 e recebi o
convite para atuar como docente na mesma instituição. Ali iniciei as
atividades como professora substituta no curso de enfermagem, na
área em que havia me especializado, durante 15 anos. Paralelamente
atuei em diversos hospitais, com o desejo de criar uma teia de
proximidade com a prática de cuidado com o outro, ou seja, dar vida à
colcha de retalhos entrelaçando-a com o cuidado e à docência.
Tornar-me professora já me mobilizava em vários sentidos e a
formação tecnicista de enfermeira, naquele momento, parecia não
comportar o conhecimento e o envolvimento com uma docência
diferenciada, que assumisse o outro em sua legitimidade. A partir
dessa percepção e ansiosa por ligar alguns fios com as portas possíveis
do labirinto, como por exemplo, aquelas que se distanciassem do
modelo tecnicista, procurei me aprofundar nas questões pedagógicas e
nos saberes que corroboram para uma docência integrada ao cuidado.
A intencionalidade? Apreender os processos de formação que
poderiam ser tramados com outros saberes, com feições
humanizadoras para exercer o lugar do “ser professor (a) ”.
Em 2004 percebia que a colcha iniciada há muito carecia
encontrar novos retalhos, agora mais coloridos e vibrantes. Onde fui
buscar estes retalhos? Na formação continuada. Escolhi o Mestrado
em Educação por entender que seria nesta área que minhas angústias
pedagógicas poderiam ser minimizadas. Mais uma alegria ao ser
aprovada no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade e naquelas circunstâncias, as inquietações se constituíam
no âmbito das atividades teórico-práticas do curso de enfermagem em
que atuava. Imersa nessa experiência, aos poucos observava as
fragilidades dos conteúdos curriculares, os limites e também as
possibilidades que poderiam adornar o mosaico da formação das
enfermeiras. O que fazer? Debruçar-me sobre a relação implicada
entre teorias e práticas, para compreender alguns aspectos
constitutivos do processo formativo e profissional da enfermagem.
30
Na caminhada percorrida para tornar-me mestre em educação
encontrei passagens e movimentos que se fizeram presentes para
produzirem outros desafios. As vivências e (com) vivências, os
encontros com diferentes cenários, autores, professores e textos, me
guiaram a um novo olhar, a um desalinho, ou seria um realinho da
visão de mundo? A sensação era do encontro e (re) encontro com algo
que ansiava. Fui surpreendida com poucas respostas, porém, animada
com várias indagações que continuaram como companheiras da
caminhada. Ao finalizar o Mestrado em 2006 tendo como foco da
pesquisa a aprendizagem, o currículo e a relação entre teoria e prática
na formação do enfermeiro, meu olhar agora se encontrava aberto e
impregnado de muitas incertezas. A ansiedade para encontrar
respostas havia diminuído e eu continuei a desenvolver estudos e
projetos em torno das questões que envolvem os processos de
formação, a partir de modelos e teorias de ensino propostos e da
organização curricular.
Em 2009 fui aprovada no concurso público para ingresso na
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Nesta Instituição
encontrei outros sentidos que fortaleceram a docência e encorajaram a
busca de novos desafios. Lá permaneci até final de 2011, mas, devido
à distância familiar solicitei minha redistribuição para a Universidade
Federal da Fronteira Sul - UFFS, localizada na cidade de Chapecó,
onde desenvolvo atividades de ensino, pesquisa e extensão e participo
da comissão que está reconstruindo o projeto político pedagógico do
curso de Enfermagem.
A inserção na Universidade Pública me trouxe aprendizados e
perspectivas e o mundo da pesquisa ganhou importância. Na UFFS o
projeto institucional tem caráter público e popular, o qual considera o
acesso aos estudantes de baixa renda provenientes das comunidades
locais, como indígenas e movimentos sociais. Neste encontro com a
educação popular, outras abordagens emergiram e com elas
vislumbrava que era possível conectar o curso de enfermagem e os
processos formativos com o campo popular. Nesta nova caminhada
optei pelo processo de seleção do doutorado em Educação da UFSC,
na linha de Pesquisa Ensino e Formação de Educadores, a qual trazia
um olhar desafiador nas discussões e estudos. A contextualização do
ensino, da aprendizagem e da própria formação dos educadores do
ensino superior, seria um caminho para buscar interpretações que
permitissem a construção de outros caminhos.
31
Aprovada na seleção do doutorado ansiava por experiências,
algo que tocasse a minha corporeidade viva para continuar a
formação. Na condição de aluna me deparei com as primeiras
expectativas, já que ali eu estava do outro lado, o que é sempre muito
instigante para um/a professor/a. Quais possibilidades virão? O que
esperar nesse percurso? Outros lugares, outros sujeitos e uma jornada
de procuras. Em toda travessia deixamos um pouco de nós e trazemos
algo do outro, e nesse movimento agradável, inspirador de mudanças,
me deparei com a primeira disciplina, “questões de epistemologia na
pesquisa em educação”. No primeiro dia de aula eu vi que as
proposições teóricas e metodológicas seriam problematizadas em
torno de correntes de pensamento que eu ainda não havia estudado, o
que de fato se concretizou ao longo do semestre, e provocou
desassossegos internos. Como diria Mário
Quintana em “As indagações”, a resposta certa, não importa
nada: o essencial é que as perguntas estejam certas. Era tempo de
perguntar, de querer adentrar abordagens que me aproximassem
criticamente do tema da minha tese.
Os conteúdos propostos no plano de trabalho apresentado pela
professora para o semestre já delineavam autores e questões que
contornavam a pós modernidade, com diálogos em torno dos estudos
culturais, aportes aproximados do pós-estruturalismo e das teorias pós
críticas. Ali se anunciavam distinto jeito de conceber-questionar o
mundo, valorizando as ambiguidades, as incertezas e ambivalências, a
complexidade que encarna a pesquisa. Nesse amálgama convivi com
estilos inovadores de estar-junto, em com-junto, de sentir a presença
do outro. E o que para mim estava dado como certo no campo teórico
com o qual alimentava meus pensamentos e minhas práticas, em
particular meu projeto de tese, escorria por entre os dedos quando me
vi interrogada a respeito dos cenários que deram e dão feições à
enfermagem.
Comecei a repensar a minha proposição de tese e percebi que
me distanciava, progressivamente, das ideias assimiladas no decorrer
da formação inicial, das questões centrais que aprendi com o mosaico
curricular do curso de graduação, através do qual fui titulada como
enfermeira. A cada encontro aula observava que as discussões dos
processos de formação na saúde estavam muito presentes no meu dia a
dia, tanto como enfermeira, quanto docente, muito mais do que
imaginava e, em especial, as questões do cuidado, o lugar da
afetividade, do amor, do corpo e da corporeidade. Corporeidade que
32
agrega todos os aspectos da existência, da fisiologia aos mistérios da
mente, as noções de espírito, de inteligência, as inscrições
socioculturais, os sentires e afirmações que assinalam os gestos com
os quais nos comunicamos. Que contempla a disposição afetiva de
amar e odiar, de cuidar e abandonar, de se saber humano e relacional.
Posso dizer que aí iniciei brechas para a novidade, conheci outras
paisagens para olhar a enfermagem renovadamente, com pistas em
torno da formação das enfermeiras. Surge outro movimento: rever a
problemática a ser construída para a tese e decifrar-me nos processos
de subjetivação que me co-habitam. Entre alquimias, danças e
desejos, a colcha de retalhos vai sendo urdida peça a peça, retalho a
retalho e me faz perceber como tudo isso afeta meu corpo, realça um
olhar sensível e vibrátil Rolnik (2014) e transfigura Maffesoli (2011),
a minha caminhada. Na enfermagem, a formação e seus alinhavos
com o cuidado se constituíram num tema sempre atual na minha
docência. Já não sou a mesma, hoje me sinto mais afetual, imaginal,
apaixonadamente recriada e, nessa circulação cadenciada, de
encontros e desencontros com a tese, coube aportar em Nietzsche
numa das questões mais emblemáticas: “como nos tornamos o que
somos? ”. Como me torno o que sou? Enfermeira, professora, mulher,
sujeito, pesquisadora. O que me constitui e quais as leituras de mundo
que faço ou posso fazer? Permito-me ensaiar outros olhares sem
vislumbrando respostas a priori, mais atenta às perguntas que me
guiam pelo labirinto da pesquisa, interessada em conhecer os cenários
da formação das alunas1, a relação de afetividade com o corpo, sua
corporeidade e o cuidado. Para tanto, assumo narrativas dos estudos
pós-críticos, que na perspectiva de (VORRABER COSTA 2007, p.
68)
1 Usarei a expressão “alunas” ao longo do texto para caracterizar o contexto
do gênero e da profissão pesquisada, considerando que as alunas estão em
processo de formação no curso de enfermagem, em diferentes fases e
envolvidas tanto com os cenários das práticas hospitalares, quanto com o seu
currículo de formação. Ao concluir as etapas recebem o título de Enfermeira.
O signo escolhido “aluna”, busca dar referência às narrativas, entendendo que
a nossa profissão ainda traz consigo a marca da mulher, cuidadora, que se doa
ao outro no cuidar, com traços maternais, e por vezes com obediência frente à
profissão médica, predominantemente masculina. Nos cursos de graduação de
enfermagem, ainda se faz presente o grande número do gênero feminino.
33
[…] inscrevem-se nas trilhas de deslocamentos
que obliteram qualquer direção investigativa
apoiada na admissão de um lugar privilegiado
que ilumine, inspire ou sirva de parâmetro para
o conhecimento. Sua realização mais
importante seja a de celebrar o fim de um
elitismo edificado sobre distinções arbitrárias
da cultura.
Estas admitem a convivência com outros estudos e lidam, há
um só tempo, com as ambivalências, considerando que os estudos
pós-críticos surgem de correntes teóricas sob os rótulos de pós-
estruturalismo e pós-modernismo e da chamada “virada linguística”,
com o uso de diferentes ferramentas conceituais e processos
investigativos (PARAÍSO, 2012). Para a autora, uma linguagem que
bebe na fonte da chamada “filosofia da diferença”, nos estudos de
gênero, étnicos e feministas, na teoria queer e nos estudos pós-
coloniais e multiculturalistas. Considera, assim, frestas e fissuras
num estudo e numa escrita que corteja a abertura para a subversão e a
transgressão, os sentidos e as diferenças.
Atento para me distanciar das normas que se pautam pelo
estado de exceção, ou seja, daquilo que falta, para me consentir o
direito às possibilidades e potências que também transitam pelo
universo da formação das enfermeiras. Com isso posso entender que
é possível peregrinar por entre as diferenças, sem se prender
forçosamente a isso, ou aquilo, nas contradições e nos consensos.
Quero compartilhar os paradoxos (Maffesoli, 1997), trazer à tona
novas formas de olhar e dizer o mesmo objeto, porém, sem os
“ferrolhos da pesquisa” (CORAZZA, 2007). Anseio outros mundos,
inspirados na delícia de poder sentir as coisas mais simples
(BANDEIRA, 2014).
Ao percorrer as sinuosidades da enfermagem observo um
percurso de incertezas que se entrecruzam nos pressupostos iniciais,
como o corpo e a corporeidade das alunas; o paciente a ser cuidado2;
a formação das alunas; as referências culturais que constituem as
alunas; e as relações de poder-saber sobre os corpos de passagem,
2 Ao anunciar o ser cuidado, me reporto a ele como “Paciente”, por percebê-lo
como tal na instituição hospitalar, esse lugar que exerce e se constitui como
poder estabelecido, no qual a única forma de ter direito ao cuidado é sendo
paciente.
34
termo este apresentado por Sant‟Anna (2001), metaforicamente
articulado para evidenciar os diferentes corpos que habitam o
hospital, entendido por Foucault (1994) como instituição de
sequestro.
Cuidei de acompanhar junto-com as alunas do curso de
enfermagem, todas as atividades teórico-práticas (ATPs), que se
realizam nas instituições hospitalares. Com elas aprendi a escutar
atentamente suas críticas durante a longa experiência acadêmica nos
espaços do hospital, onde observam, muitas vezes, os modos
distanciados de afetividade manifestados pelos profissionais da saúde
no artifício de cuidar, em especial das enfermeiras. Algo me mobiliza
nesse território de passagem, pois, num primeiro plano remete a um
lugar de cuidado e hospitalidade, porém, quando reencontro as
egressas (alunas), já na condição de enfermeiras, intuo que há
mudanças na disposição de cuidar, o que é alterado pelo cotidiano e
pela reprodução de atitudes de afastamento e esfriamento afetual com
os corpos cuidados. E nesse cenário, os pacientes por vezes são
invisibilizados, ou se mantêm como mudos expectadores dos palcos
do hospital.
Minha longa trajetória na enfermagem, tanto como enfermeira,
quanto como docente me permitiu identificar fragmentos dessas
ambiguidades, também nas práticas das enfermeiras que atuam nos
espaços hospitalares. Por vezes retomo o assunto da hospitalidade
que dá corpo ao termo Hospital em sua origem, e constato que em
diversos momentos o que ganha centralidade são as hostilidades no
modo de estar em presença do outro. Ser hostil parece justificar a
exaustão provocada pelo cotidiano, o esgotamento pela repetição das
tarefas, certa aflição para dar conta de prontuários e prescrições. A
hospitalidade, por sua vez, implica disposição afetiva para bem
acolher o outro em sua singularidade, para antecipar-se ao seu bem-
estar, para manifestar uma maneira peculiar de estar ali. Por vezes, a
hospitalidade pode ser hostil, conforme a qualidade afetiva que
orienta o encontro interpessoal. É possível imaginar o labirinto
hospitalar sob a égide da hospitalidade x hostilidade?
Retomo uma questão proposta por Rosito e Lotério (2012),
quando questionam a essência do atual esvaziamento do cuidado
humano nas práticas hospitalares. Ao que parece, os dados de
realidade anunciam porque o cuidado torna-se hostil na relação entre
profissionais e pacientes, como as aprendizagens durante a formação
35
vão sendo guardadas em baús deixados ao longo das lutas para
encontrar saídas neste labirinto.
O exposto até aqui quer afirmar a relevância da temática para a
formação das alunas. Destaco, novamente, que nesta pesquisa a
corporeidade e o cuidado entrelaçados ao processo formativo das
alunas do curso de enfermagem e suas dimensões estético-afetivas,
sinalizam os retalhos mais importantes da grande colcha, a qual
pretende situar os significados constitutivos nas relações ser-cuidado-
corporeidade-poder. Essa intencionalidade se alinha à minha questão
de pesquisa: como a corporeidade e o cuidado se constituem no
processo formativo das alunas do curso de enfermagem? Muitas são
as indagações, então ensaio algumas perguntas de pesquisa, que
alcançaram sentido especialmente com a estada em campo:
1. Como se constituem, no processo formativo, a
corporeidade e a disposição afetiva das alunas?
2. O cuidado sofre um processo de esfriamento no decorrer
da formação das alunas?
3. Quais dispositivos forjam o esfriamento no cuidar do
outro, em uma profissão poeticamente cuidadora?
4. Os processos de esvaziamento no labirinto hospitalar são
da ordem do cotidiano?
5. Como as alunas transitam no labirinto hospitalar?
Essas inquietações me convidaram a um debruçar-se em torno
de algumas noções- categorias mais abrangentes, presentes no
labirinto hospitalar e na formação das alunas, tais como: cuidado-
cura; corpo-corporeidade; hospital-instituição; enfermagem-
formação-currículo em curso e disposição afetiva.
Cabe destacar que na esperança de vislumbrar possíveis saídas
do labirinto, busquei nos referenciais teóricos adotados para esta
tese, um caminho que nasceu do auto olhar-se da pesquisadora, ao
assumir compreensões teóricas nos campos estudados por Michel
Maffesoli e Michel Foucault, entre outros que contribuem para
alargar as reflexões. Ao assumir uma abordagem etnográfica,
pautada numa escuta sensível dos sujeitos pesquisados, anseio para
que a construção desta tese possa estar apoiada em metáforas,
especialmente no labirinto do minotauro com seu fio de Ariadne. A
pretensão é alinhavar uma colcha de retalhos que entrelace os marcos
teóricos, os indicadores do campo, as narrativas e as interpretações.
36
Esta tese aposta numa originalidade, não no âmbito da
temática em si, mas ao adotar uma narrativa que percorre outros
jeitos de olhar-sentir o campo pesquisado. Os aspectos metafóricos
do cuidado-corpo-corporeidade pretendem observar os detalhes sutis
que também estão latentes no currículo da formação das alunas do
curso de enfermagem, referenciado no Mito do labirinto. Na segunda
parte dessas considerações iniciais, a metáfora principal vai compor
as narrativas e gestar as interpretações que virão ao longo do texto.
No labirinto, o fio tem como intencionalidade encontrar
algumas saídas, que podem estar nos corredores, nas enfermarias, nos
quartos privados, nos leitos hospitalares, nos centros cirúrgicos, nos
consultórios, nas recepções, nos espaços administrativos, nas práticas
de atenção e cuidado, nos afazeres cotidianos com suas rotinas
historicamente preestabelecidas. É nessa complexidade de caminhos
que as alunas da enfermagem exercitam tornarem-se enfermeiras,
deparam-se com desafios, aprendem e ensinam, criam cenários
inovadores e mergulham no que já está ali e que não conseguem
alterar. Contudo, no isolamento correm riscos de perderem-se,
distanciam-se das aprendizagens da formação, adaptam-se ao já
instituído e raramente rebelam-se. As linhas precisam dos tecidos
para juntar os retalhos da misteriosa colcha de retalhos que compõe o
cotidiano, o que não é uma tarefa simples. Bordar as emendas, criar a
conjunção de cores que possam dar beleza às passagens do labirinto
implica enfrentar as relações de poder que engendram o modo de ser
das ações de todos os profissionais que atuam no hospital. Sigo por
aí, sem garantias de que chegarei ao pretendido.
Labirinto: “Jardim cortado por caminhos tão
entrelaçados que facilmente se perde a
pessoa que nele penetrou”.
Figura 5: Labirinto
Fonte: www.dicio.com.br/labirinto
O tempo e os Labirintos... (Jorge Luis Borges).
Não haverá nunca uma porta. Estás dentro. E o alcácer abarca o universo. E não tem nem anverso nem reverso... Nem externo muro nem secreto centro. Não esperes que o rigor de teu caminho, que teimosamente se bifurca em outro, que obstinadamente se bifurca em outro, tenha fim. É de ferro teu destino, como teu juiz. Não aguardes a investi da, do touro que é um homem e cuja estranha, forma plural dá horror à maranha de interminável pedra entretecida.
38
39
O FIO DE ARIADNE: A OPÇÃO PELA METÁFORA DO
LABIRINTO
Por elas...
Que sempre sejam corajosas; que
suas almas sejam protegidas por
muitas outras, pois ao nosso mundo
carente elas trazem recursos
conquistados a duras penas.
(PÍNKOLA 2007, p. 94)
Minos, o rei de Creta, recebe de Poseidon um touro de presente.
No entanto, o deus dos mares exige que esse animal seja ofertado em
sacrifício. Minos nega-se a devolvê-lo. Como punição Poseidon,
através de Afrodite, faz com que a esposa de Minos, a rainha Pasífae,
se apaixone pelo touro. Dessa união nasce um monstro, o Minotauro,
metade homem, metade touro. Para esconder aquilo que se tornou a
vergonha de Minos, o artesão Dédalo cria o labirinto. Minos, impondo
o seu poder sobre a cidade rival de Atenas, passa a exigir anualmente,
como tributo, quatorze jovens que servirão de alimento para a fera.
Teseu, de Atenas, se oferece para embarcar no navio que levaria o
tributo a Creta. Teseu, porém, não irá despreparado para tal jornada.
Contará com a ajuda de Ariadne, filha de Minos, que se apaixonou por
ele e obteve de Dédalo o segredo para sair: o fio que teria que ser
amarrado na entrada do labirinto (BRUNEL, 1998).
Nas diferentes faces do labirinto encontramos o belo e o
obscuro, o encantamento e a decepção e é nesse lugar adverso de
buscas, que as alunas da enfermagem adentram e tanto se encantam,
quanto desencantam. Nessa ciranda não tive a pretensão de tirá-las do
labirinto, mas tão somente apresentar seu caminhar, suas potências e
como lidam com os entremeios do percurso. Para Borges (1998), o
labirinto atravessa o tempo como um desafio à imaginação e ao
pensamento universal. Sua imagem nos leva à mitologia Grega. Ao
labirinto de Creta, construído por Dédalo, para encerrar o Minotauro
numa arquitetura repleta de encruzilhadas e dificuldades. Vem daí a
noção do labirinto como uma construção tortuosa que se destina a desorientar as pessoas. Um labirinto é uma casa edificada para
confundir os homens; sua arquitetura, pródiga em simetrias, está
subordinada a esse fim (Borges, 1998). Mas se o labirinto é lugar do
perder-se, é também lugar próprio de buscas e de investigação.
40
Explorar as bifurcações e os caminhos tortuosos dessa metáfora torna-
se uma inspiração (HAVT et al. 2003).
Uma criatura metade touro, metade homem, a qual me
possibilita pensar a enfermagem onde as alunas adentram o labirinto
numa condição de metade aluna, metade enfermeira e ali são expostas
às rotinas, aprendem a lidar com as cobranças e tarefas, se deparam
com os anseios de uma profissão encantadora, mas que pode, há um só
tempo, decepcionar. Nos grifos de Havt et al. (2003), o labirinto teria
como fim confundir e desorientar e mesmo que as entradas, saídas e
frestas do hospital não tenham esta intencionalidade, nele os que
adentram perdem-se em meio a estrutura, tarefas e aos ritos
profissionais.
E nos labirintos do poeta não há portas, nem saídas, a menos
que reencontremos o seu segredo, reconheçamos as suas
encruzilhadas, os descaminhos e tenhamos o fio que nos conduza por
seus trajetos. A um só tempo ele nos desalinha quando nos faz sentir
as amarras, tal como prisioneiros sendo levados e mantidos
intencionalmente nesse lugar inimaginável. Relendo Sontag (2007, p.
42), em “A Doença como Metáfora”, me vem à lembrança a definição
mais antiga e suscita sobre metáfora, inspirada em Aristóteles, que em
sua poética escreveu: “a metáfora, consiste em dar a uma coisa o
nome de outra”; e dizer que uma coisa parece outra que não ela
mesma é uma operação mental tão antiga quanto a filosofia e a poesia,
origem de quase todos os saberes.
Transito neste lugar para dizer que ao vislumbrar o cenário do
labirinto fui incentivada pelas metáforas de Maffesoli (1998), quando
me deparei com “O elogio da razão sensível”. A forma de perceber a
pesquisa e a sua visão de mundo transcende a poética para alcançar
uma estética livre de dogmas normativos, o que me mostrou a
possibilidade de criar e recriar a razão, a partir do sensível, considerar
um mundo figurado, transfigurado pelo olhar para perguntar pelo que
está dito como certo. Assim, abrir espaços para a dúvida, para o
efêmero, para o obscuro. É como falar do que está no fundo das
aparências e deslocar-se do fixo para o provisório. O autor afirma que
“nada está em linhas duras ou distintas, tudo funciona com base na
ambiguidade” (1997, p. 39). E diz também que
[...] a metáfora tem um lugar privilegiado, por
integrar os sentidos à progressão intelectual, ela
situa-se exatamente a meio caminho entre o
lugar ocupado pelo sentido na vida social e sua
41
integração no ato do conhecimento. Impõe a
elevação do sensível ao inteligível
(MAFFESOLI, 1997, p.22).
Impregnada de sentidos me aventuro metaforicamente nesse
universo e percebo que ao adentrarmos a instituição hospitalar, na
condição de docentes enfermeiras e com as alunas do curso de
enfermagem, este recinto nos remete a um cotidiano que dança entre a
rigidez do já instituído e as brechas da inovação. Perdemo-nos em
silenciamentos ocultos que habitam cada quarto, as enfermarias e
corredores, num habitual que parece esfriar e esvaziar a disposição
afetiva das alunas ao longo do tempo. Ao se encontrarem com o
paciente nesta ordem instituída, regidas por tarefas, regras e normas,
elas observam que hospitalizar-se legitima a posse sobre os corpos e
estabelece um cotidiano envolvente, que a um só tempo mantém
alunas eficientes tecnicamente e aparentemente exauridas de
afetividade.
A metáfora do labirinto conduz a uma trama que enreda a
enfermagem e o hospital, entendidos por Foucault (1999a), como uma
das instituições de sequestro, cuja função é o controle dos corpos,
assim como o faz a escola, o presídio, o quartel, o asilo, os antigos
hospícios e manicômios. O sequestro seria necessário para disciplinar
os indivíduos e escondê-los do ver social, com isso, manter a assepsia
da normalidade. Aos indivíduos colocados em confinamento,
conforme os preceitos de cada instituição, a tarefa principal seria
tornar dóceis os seus corpos Foucault, (2007, p. 119), para que se
mostrem aptos a aceitar ordens, tornando-se submissos. Veiga Neto
(2007) destaca que a docilização dos corpos exigia das instituições
retirar, compulsoriamente, os indivíduos do espaço familiar ou social
para interná-los durante um período longo, propício a moldar suas
condutas.
Ao supor a possibilidade de encontrar nexo entre a metáfora do
labirinto e o hospital, considero que há um espaço, no qual todos os
indivíduos adentram, seja como alunas, enfermeiras, professoras,
pacientes ou familiares, são circunstanciados às situações de fulanos
sequestrados, disciplinados por normatizações já institucionalizas,
erigidas em uma arquitetura que lembra uma prisão. Nesta, as rotinas
são sincronizadas pelas regras que estabelecem os horários de visita,
dos banhos dos pacientes, as medicações, exames, coletas. Volto ao
cotidiano do labirinto para perguntar: por que aí as alunas se perdem?
Como retornam? Quando possível, como atuam de modo diferente? A
42
pesquisa sugere que não saímos dele como entramos. Entra-se sem
deixar uma ponta do fio para guiar a volta, como fez Ariadne, ao
tentar manter um caminho para seu amado. As alunas continuam
embebidas de muitos sonhos e afetividade, encadeada com a
possibilidade de uma profissão que cuida cura. No decorrer das
práticas curriculares as alunas parecem permanecer no labirinto,
sistematizadas pelos afazeres do dia a dia que é fraturante pela dor e
pelo sofrimento, e ambiguamente, pelo encantamento que se expressa
nas práticas de cuidado. As mãos que hora afagam, cuidam, afetuam,
tornam-se também aprisionadas em suas normas e regras.
O cotidiano normatizado está estabelecido no labirinto
hospitalar e é vivenciado pelas alunas durante as atividades teórico-
práticas do curso de enfermagem. Outras reflexões emergem dessa
percepção: como as alunas adentram o labirinto e percorrem seus (des)
caminhos? Quem adentra o labirinto entende que entrou? Pretendem
sair dele? Os espaços esquadrinhados, engavetados, encarceram os
que lá estão legitimando a ordem estabelecida? Serres (2004, p. 76)
poetiza que para sairmos do labirinto sem perder o fio multicor de
Ariadne é imprescindível reencontrar os desejos. O fio precisa ser
forte, resistente para garantir a caminhada. Outra vez perguntar é
preciso: o que torna resistente um fio do labirinto? O que as alunas
fazem para sobreviver no labirinto? É na rotina vivenciada durante as
práticas curriculares guiadas pelos procedimentos já confirmados?
Onde se deixam ser abatidas, consumidas? É na rotina do cotidiano? É
na relação com os demais expectadores que adentram e circulam no
labirinto do hospital?
Algumas aproximações são passíveis, como considerar o
sentido da docência que se apresenta na produção das pedagogias de
aprendizagens do cuidado, da afetividade e do amor que vêm
carregados de sentidos e bem fazer e se constituem nas práticas
vivenciadas. No hospital, como na escola, há pedagogias já instaladas
como únicas e prováveis, e para que sejam transformadas é preciso
que a formação dê a aluna a perspectiva de fazer a crítica e a
autocrítica dos conteúdos que a constituíram como mulher e como
aluna. Somente fazendo a crítica é que podem produzir uma nova
pedagogia, num percurso contínuo, concebendo o aprender e o
desaprender com esta crítica. As pedagogias instaladas remetem às
práticas constituídas e reproduzidas no cotidiano do labirinto
hospitalar. Não é perceptível o caminhar no labirinto e, por vezes, o
fazer da enfermagem e a autocrítica em torno da sua formação poderia
43
permitir rever as ações, questionar-se e sensibilizar-se frente a
emergência do cuidado que é inerente à profissão de enfermeiras.
Outro fio importante a ser considerado é a questão de gênero
que transversalizam a enfermagem. Embora não tenha a pretensão de
adentrar a especificidade do tema, o qual exigiria uma imersão
detalhada e ampliada, este aspecto é de extrema relevância quando as
questões do cuidado na enfermagem são abordadas, já que
historicamente o gênero feminino perfaz o maior número de alunas
nos cursos de graduação em enfermagem. A opção pelo curso, muitas
vezes é constituído da intencionalidade pensada no cuidado, sem
evidenciar o caráter de submissão implícito nesta escolha, entendendo
que as “meninas” ainda são ensinadas a cuidar dos filhos, do marido e
assim, a profissão de enfermeira parece permitir a continuidade desta
modalidade de cuidado.
Para Padilha, Vaghetti e Brodersen, (2006, p. 298), como a
prática é essencialmente feminina, mantém-se o papel submisso. As
enfermeiras, na sua quase totalidade, são mulheres e, historicamente,
têm sido sujeitadas a lugares de inferioridade, parecendo ter suas
raízes na religião e no patriarcalismo. As enfermeiras enfrentam a
dualidade de se libertarem de sua opressão e, ao mesmo tempo, de se
sentirem receosas em assumir atitudes de poder. Nas práticas das
pessoas que executam uma construção em torno do “modo de ser” das
enfermeiras há, em geral, mais inquietação do que regozijo com o que
encontram no dia a dia do hospital.
Na enfermagem encontramos inúmeros exemplos de
estereótipos que retratam o que se espera de uma enfermeira, isto é,
que seja bondosa, dedicada, carinhosa, abnegada, obediente, servil.
Esses atributos nada mais são, ou eram, do que aqueles almejados
pelos pais, maridos, patrões ou quaisquer outras pessoas que
convivem ou conviveram com a mulher. A maior parte do fazer em
enfermagem reproduz as atividades da vida privada, que são
essenciais à sobrevivência humana (PADILHA; VAGHETTI;
BRODERSEN, 2006).
Diante disso, também se faz necessário compreender que essa
aluna entra na Universidade menina, e ali se torna mulher e
profissional. Ao constituir-se no percurso da formação lida com suas
escolhas. Agregado a isso, suas relações familiares, emocionais, o
contexto da saúde em sua região, bem como, as dificuldades para
chegar ao ensino superior mostram os percalços do labirinto. Essa
aluna, muitas vezes proveniente de uma condição financeira precária,
44
na qual sua condição de universitária apresenta-se como um privilégio
e não como um direito, enfrenta desde cedo as questões da condição
de ser mulher. Encara também os medos da profissão que cuida da
vida e da morte, da dor e das violências, bem como os enfrentamentos
com o saber-poder médico constituído historicamente. E assim, ela
(menina, aluna, mulher), se torna enfermeira em meio às condições do
seu contexto de vida, mas também com muitos sonhos e expectativas
de tornar-se uma profissional de sucesso.
O período de formação das alunas simboliza a fase do
encantamento no labirinto, em busca do fio de Ariadne, que representa
essas possibilidades da profissão. Elas entram no labirinto seduzidas
pelas aprendizagens e se perdem neste quando as práticas desenham
outras realidades. A formação parece não fazer sentido quando se
deparam com os métodos vivenciados no cotidiano do hospital.
Adentrei o labirinto para dizer dele e assim compreender as relações
estabelecidas, regidas e vivenciadas em sua essência no percurso da
enfermagem. Faço parte dele e, ao narrar a caminhada, lanço mão do
fio de Ariadne na tentativa de não perder o percurso, permitindo
outros olhares nos espaços pesquisados.
A formação é o grande emblema frente ao exercício da
profissão, já que existe uma lógica instalada nas unidades hospitalares
onde as alunas tornar-se-ão profissionais de saúde, imbuídas de
atitudes de excelência para cuidar. Para compreender a lógica do
labirinto, o fio de Ariadne não é inútil só na entrada, também o é na
saída. O emblemático que adorna a colcha de retalhos na sucessão dos
dias hospitalares, expressa o interminável, o imprevisível, o
imponderável, o insondável, o limite inalcançável de um labirinto que
compõem as muralhas sem teto: um céu estrelado e ensolarado, a
escuridão e o misterioso. Ser enfermeira nos padrões esperados pelas
instituições de sequestro (hospital e escola) requer, tanto a disposição
afetiva para estar por inteiro ali, quanto a legitimação do modelo
encravado na história do hospital. Elas se despem de si para vestirem-
se de enfermeiras.
40
Figura 6: Hospital da região oeste Catarin ense
Fonte: www.hro.com.br
46
47
DESVELANDO O LABIRINTO
Por elas...
Que continuem sempre a nos ensinar
a amar
Este mundo e todos que nele estão...
Das formas que mais importam para
a Alma.
(PÍNKOLA 2007, p. 97)
Na investigação para assegurar um referencial teórico
compatível com a composição da tese e para apresentar-me como
autora, considerei as narrativas e as análises conceituais de Michel
Maffesoli e Michel Foucault, como já assinalado anteriormente. Desta
forma, com o primeiro me alinhei às noções da pós-modernidade,
compreendendo o sentido das metáforas, o uso das imagens e o
imaginal. Com o segundo, as relações do saber-poder, noções de
cuidado, as normas e o cenário do hospital. Entre outros autores
aliados como Alfredo Veiga-Neto, Tomaz Tadeu da Silva, Rosa Maria
Bueno Ficher, Rosa Maria Hessel Silveira, Jorge Larrosa e Carlos
Skliar, Sandra Mara Corazza, Guacira Louro, Marisa Vorraber Costa e
Suely Rolnik.
Descrevo os modos de enfrentamento e a transfiguração no
percurso da pesquisa, a partir do meu olhar sobre textos e imagens
representativas, selecionados de maneira intencional porquanto
dialogam com meu texto, apoiado nos territórios teóricos com os quais
compus algumas categorias. A opção por este percurso teórico me
remete a Corazza (2007), para observar que foi uma construção
assentada na disposição esteticamente enredada, tortuosa e intricada,
que nunca repete sua própria forma, num admirável emaranhado.
Partilho com Veiga Neto (2007, p. 78), que fazer aproximações e
tentar conectar autores e campos de conhecimentos numa mesma
matriz de pensamento, ou mesmo em paradigmas, pode ser produtivo
na busca do entendimento para dar um novo sentido ao mundo.
No emaranhado da pesquisa de campo constato que as
perguntas são mais profícuas do que as prováveis respostas que se espera numa tese. Enredar pela complexidade do labirinto para
compor a colcha de retalhos não é simples, demanda compreensões
que transitam entre equívocos e reflexões assertivas para anunciar o
percurso da formação das enfermeiras. Realidades complexas
compõem um mosaico combinado por processos e compreensões,
48
entrelaçados aos indicadores do campo para fomentar conversas em
torno desta temática. São fotografias de uma profissão que emerge no
processo formativo e se afirma no labirinto hospitalar, mediada pelas
rotinas instituídas e pelas possíveis saídas para alterar o que está posto
com suas normatividades.
TECENDO RETALHOS E ARREMATANDO FIOS
Para sistematizar os retalhos do campo optei por uma
“etnografia nômade”, que pudesse flanar pelos esconderijos do
labirinto, perambular pelos cantos, enxergar as frestas onde pequenos
raios de luz poderiam anunciar possíveis saídas. Uma etnografia que
ansiava por uma escuta sensível dos sujeitos pesquisados, o que me
permitiu um movimento de diálogo com o campo, a partir de
observações e acompanhamentos. Precisei me distanciar das
antecipações acerca do tema de pesquisa e imergir nas realidades
observadas para organizar e rever minhas percepções. As questões de
pesquisa foram assumindo outros contornos, à medida que adentrei o
campo-labirinto e teci o contato com os sujeitos pesquisados para
gerar outras interlocuções.
Geertz (2014) destaca que no século XX, os estudos
etnográficos privilegiavam as relações de convivência no processo de
construção da pesquisa e, com efeito, a autoridade etnográfica era
construída ao longo do tempo, a partir do argumento da experiência do
“estar lá” e de “práticas de convivência intensiva”. Embora nos
apresente a etnografia como um método inerente à Antropologia,
propõe como relevante atividade de pesquisa a imersão duradoura e
contínua em campo, a interpretação densa das culturas dos povos e a
valorização de suas narrativas. Com esse autor aprendi a importância
de realizar esse estudo por vivência direta na realidade onde a
pesquisa está inserida para compreender, como ele ressalta, as
relações socioculturais, comportamentais, os ritos e técnicas, saberes e
práticas de grupo, por vezes desconhecidos. Isso exigiu uma
convivência sucessiva em cenários diferenciados. Ao realizar a
pesquisa construí a aproximação com o campo para poder me mover
pelos entre lugares, sem me fixar em nenhum deles. De acordo com Moraes (2014, p. 06), para compor um percurso como este é
necessário que o pesquisador possa
viajar em uma etnografia nômade, sem um rosto
antropológico previamente definido, [para]
49
sentir as vibrações e ressonâncias do Diário de
Campo, expressão cuidadosa que valorizou as
narrativas do grupo pesquisado, a imersão em
campo, a seleção das fontes documentais, os
registros tecidos nos momentos de construção
do currículo.
Nessa viagem, também fui viajante e me consenti compreender
outros mundos, apoiada nos referenciais que me ajudaram a compor a
minha própria autoria. Para Sousa (2002), o território do olhar
etnográfico vislumbra alguns pressupostos, no qual uma fala do lugar
social onde se encontra, o que vem sempre implicado na cultura, na
história, em conhecimentos e saberes atrelados aos nossos sentidos e
subjetividades.
Arriscar-se numa pesquisa etnográfica exigiu cuidados
metodológicos, o que me inspirou a buscar o que Maffesoli (1996)
aponta como o fundo das aparências, uma proposta de entender-ver-
sentir o que está no detalhe. Retomo Sousa (2002), para ressaltar uma
pergunta: seria possível perceber o real além do espelho? E o que é
real na pesquisa etnográfica? Como ela se configura? Quem e quais
são os sujeitos do nosso olhar? Ao escolher o cenário do campo
pesquisado, é possível olhar o outro a partir de nós mesmos? E o que
subjetiva nosso-esse olhar? No Elogio da Razão Sensível, Maffesoli
(1997, p. 167) sugere a procura por um saber que não violenta, que se
situa num mundo social e natural, que não conceitua, que age sem
precauções para conhecer aquilo que é observado. Um saber que se
contenta em levar em conta, de um modo acariciante, o dado mundano
como tal.
Ao estar com o grupo pesquisado, alguns princípios foram
adotados, como a disposição afetiva para estar-junto no labirinto, ser
capaz de descrever e não prescrever, interessada em relatar como se
constituem os processos e não como deveriam ocorrer; criatividade no
registro das observações, bem como disciplina na transcrição
(SOUSA, 2002).
Ao assumir o campo fez-se necessário o entrelaçamento dos
retalhos com o arremate dos fios simbolizados nas questões gerais e
específicas, o interesse do observador que também é observado, a sensibilidade de encontrar o não visível. Para Sousa (2002) é preciso
considerar uma etnografia que não se constitui por intenções a priori e
especialmente, ter a “delicadeza para integrar as peças coletadas, sem
50
deformar a paisagem, sem escolher a espetacularização do campo e
dos dados”.
Nessa intencionalidade há um trânsito com e sobre a
corporeidade e o cuidado no processo formativo das alunas do Curso
de Enfermagem. E para tanto alinho as falas das alunas e docentes-
supervisoras no campo hospitalar e o currículo em curso, este, como
fonte documental da Universidade Pública Federal da Fronteira Sul -
UFFS3.
A abordagem etnográfica nômade permite outros
deslocamentos junto-com os sujeitos pesquisados e em seu território,
perpassando diferentes processos que deflagram suas experiências,
modos de ser e viver, a partir dos aspectos culturais e o cotidiano
presente. Retomo Sousa (2010) em diálogo com Maffesoli (1996-
1997), para entender que nesse labirinto não é possível operar na
lógica do ser preciso, a qual aponta para uma ação impositiva,
prescritiva e normativa. Para Klein e Damico (2012), Geertz (2014),
na esteira das estratégias etnográficas é admissível afirmar que o
modo de ver a pesquisa conecta-se com o modo de narrar, para
capturar indivíduos e a multiplicidade humana.
O cenário da pesquisa estava localizado nos espaços de um
Hospital situado no meio Oeste de Santa Catarina, com 400 leitos de
internação, sendo 80% do atendimento pelo Sistema Único de Saúde
(SUS). Uma instituição que atende 92 municípios da Região Oeste, 26
municípios do Paraná e Rio Grande do Sul, num total de
3 A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) é multicampi, com campus
nas cidades Gaúchas: Cerro Largo e Erechim e nas cidades Paranaenses:
Realeza e Laranjeiras do Sul. Envolve 396 municípios, que compõem a
Mesorregião da Fronteira Sul. Nasce dos movimentos sociais e com uma
proposta de ser pautada pelo aspecto público, democrático e popular, voltado
às necessidades que emergem da Mesorregião da Fronteira Sul. Tem em seu
projeto, a busca por uma qualidade comprometida com a formação de
cidadãos conscientes com o desenvolvimento sustentável e solidário da
Região Sul do País, democrática, autônoma, que respeite a pluralidade de
pensamento e a diversidade cultural, com a garantias de espaços de
participação dos diferentes sujeitos sociais. Que estabeleça dispositivos de
combate às desigualdades sociais e regionais, incluindo condições de acesso e
permanência no ensino superior, especialmente da população excluída, que
tenha na agricultura familiar um setor estruturador e dinamizador do processo
de desenvolvimento e que tenha como premissa a valorização e a superação
da matriz produtiva existente.
51
aproximadamente 1.000.000 habitantes. Nele são desenvolvidas as
práticas hospitalares durante o período de formação das alunas do
curso de enfermagem da UFFS.
O prédio tem um espaço físico que lembra um labirinto, com
suas janelas e portas esquadrinhadas, organizado em unidades de
internação, leitos e clínicas, permeados por corredores, frestas,
entradas e saídas. O acompanhamento se deu nos leitos de internação,
banheiros, camas, salas de atendimentos e espera, não com o intuito de
registrar o andamento das atividades, mas de capturar o percurso e o
movimento dos pesquisados no labirinto, o qual foi possível no
período de observação.
Figura 7: Construção do Hospital (1982)4.
Fonte da Imagem: www.hro.com.br
Figura 8: O hospital (2016)
Fonte da Imagem: www.hro.com.br
4 No ano de 1982 inicia-se a construção do Hospital Regional de Chapecó,
sendo que a cidade crescia bastante e tornava-se a maior cidade do oeste
catarinense. A obra foi concluída em 1986, e considerada tardia pela
configuração da cidade. Atualmente, caracteriza-se como importante
referência à nível regional e sua arquitetura deve ser preservada.
52
Na vivência por entre os espaços, os adereços impunham uma
dinâmica singular em cada dia, desdobrando-se em diferentes estéticas
a configurar o labirinto. Ir ao encontro dos imprevistos e das
transitoriedades emergentes neste lugar solicitava da pesquisadora
abrir-se a outros olhares e práticas sobre o que é convencional na
atenção clínica para com os sujeitos, um desafio constante em meus
aprendizados (LIMA 2011, p. 40). Como assinala Maffesoli (2007),
são estéticas harmonizadas por uma ambiência transversal que
contamina as situações, os fatos e os sentimentos do cotidiano.
Figuras 9, 10 e 11: Corredores internos do hospital
Fonte: Foto da autora (2015)
53
Ao penetrar os corredores do hospital pouco se vislumbrava e
assim, como no labirinto, o fio de Ariadne não estava disponível. O
que se vive nesse lugar são as experiências, por vezes inesquecíveis. A
espera por uma notícia, a alegria da chegada de um filho, mas também
a dor da perda, do sofrimento, manifestados num silêncio envolvente.
A higiene destaca-se nos pisos claros, nas paredes brancas e nas
janelas amplas, informando uma assepsia segura e a incerteza dos
momentos que seguem.
Figuras 12: Quarto/Enfermaria de uma unidade do Hospital
Fonte: Foto da autora (2015).
Os quartos de internação se diferenciam de acordo com a
especialidade atendida, algumas mais organizadas que outras, na qual
a assepsia impera ao visualizar o espaço. O arranjo ritualizado do
mobiliário, cadeiras, criados mudo, escadinhas, armários, mostram um
labirinto que diz de si e subjetivamente traz as marcas da religiosidade
implícitas no crucifixo na parede, numa perspectiva angelical, de
silêncio e resiliência. As janelas amplas remetem a integração dos
ambientes e denota a possibilidade de outros mundos do lado de fora,
do qual não fazemos parte nesse momento. A segurança fica
demarcada na ambientação, assim como os aspectos técnicos,
apontando para um cuidado sistematizado.
Para compor as narrativas busquei as alunas do curso de
enfermagem da UFFS, de diferentes fases, docentes-supervisoras dos
campos de prática e alunas egressas (enfermeiras) da primeira turma
do curso, sendo oito alunas em formação; duas alunas egressas
(enfermeiras) e três docentes-supervisoras, totalizando 13
participantes. Esta escolha se fez a partir de alguns critérios,
54
considerando o período de formação das alunas, o qual se constitui em
10 períodos semestrais (5 anos) para sua integralização, organizados
em componentes teóricos e práticos e estágios supervisionados. As
atividades teórico práticas (ATPs) do curso iniciam na quarta fase do
curso (2º ano), com componentes da área hospitalar e da saúde
coletiva (Hospital e Unidade Básica de Saúde). Nesse momento as
alunas iniciam a colcha da formação, associando os conhecimentos
teóricos, à prática. Na 9ª e 10ª fase, as alunas vivenciam e integralizam
o Estágio Curricular Supervisionado (ECS).
Alunas da fase inicial das ATPs (4ª fase), na tentativa de
capturar as primeiras impressões e experiências no labirinto;
Alunas da fase intermediária das ATPs (6ª fase), as quais já
vivenciaram a inserção na instituição hospitalar e a relação com a
profissão;
Alunas da fase final do ECS (10ª fase), estas, com um olhar
mais direcionado ao exercício da profissão e, ao mesmo tempo,
experenciando a proximidade do final da graduação.
Alunas egressas (enfermeiras) da primeira turma (2014), por já
vivenciarem todas as etapas da formação e agora desempenham a
profissão.
Docentes-Supervisoras, as quais participaram do processo de
formação e da reorganização do currículo do curso.
Adotei ainda o projeto pedagógico do curso e seu currículo em
fase de reconstrução, como fonte documental.
Com o intuito de não caracterizar os sujeitos da pesquisa,
indaguei o grupo e optamos por codinomes, no sentido de manter a
confidencialidade dos sujeitos. Além disso, foi apresentado ao grupo,
este selecionado intencionalmente, conforme já descrito nos critérios,
os objetivos, finalidades e tipo de pesquisa, assegurando os aspectos
éticos e assinatura do TCLE. Consideramos codinomes que remetem a
Deusas da Mitologia e metaforicamente ao labirinto do Minotauro.
Estas destacam e homenageiam a figura feminina, sua força,
determinação e vitalidade, tal qual a aluna, mulher, enfermeira. Cabe
destacar, que as participantes da pesquisa se auto descreveram, pois
entenderam que seria o momento de registrar a percepção de si
mesma. Assim, seguem as identificações, as quais assegurei a
fidelidade do relato.
55
Figura 13: Rodas de conversa
Fonte: Foto da autora (2015)
Isis - significa "nasci de mim mesma, "dona do trono". Isis tem
19 anos, de família de classe média, solteira e mãe. Vaidosa, com
cabelos longos e castanhos. Sempre preocupada em falar
corretamente, com um estilo que demonstrava a vontade de fazer o
curso e de ser uma profissional de excelência. Falava de maneira
tranquila nos encontros. A escolha do codinome se deu pela postura e
a certeza de que estava fazendo exatamente o que queria.
Diana - significa “divina”, “celestial”. Tem 26 anos, técnica de
enfermagem e trabalha num hospital da cidade; tem experiência.
Sempre soube que faria o curso e por já atuar na área tem seu sustento
garantido. Filha de agricultores do interior da região Oeste de SC.
Durante os encontros fez colocações importantes e sempre fez questão
de dar sua opinião. A escolha do codinome foi devido ao seu aspecto
angelical e dócil.
Afrodite: significa "Deusa do amor". A participante que leva
esse codinome tem muita ternura em sua fala e, durante os encontros,
sempre esteve preocupada em destacar que o cuidado com o outro
precisa ter amor e respeito. Solteira, negra, depende da ajuda dos pais
para manter-se na Universidade.
Maya - significa "água", "mãe", "grande”. Tem 22 anos,
também já atua na área da saúde, bem determinada. Sempre fez boas
colocações e se mantinha atenta nos encontros. A cada encontro
apresentava-se com unhas feitas. A certeza de que suas contribuições
poderiam ajudar na profissão. Seu codinome foi escolhido devido a
sua postura doce e maternal.
56
Diane - significa "divina" ou "brilhante". Essa participante
trouxe alegria e vitalidade aos encontros, com 23 anos, solteira,
origem alemã e com muitas expectativas com relação à profissão.
Estava envolvida com projetos da área e se mostrava prestativa com
todos e com muitos sonhos. Pretende fazer residência ao formar-se e ir
para um grande centro de estudos. Filha de mãe e pai que juntos
sempre apoiaram os seus estudos. Disposta nos encontros, seu
codinome foi escolhido pelo seu brilho.
Aurora - significa "o nascer do sol", "o raiar do dia", “a que
nasce do oriente” “aquela que brilha como o ouro”. A participante
Aurora se apresentou nos encontros com muita disposição, postura
imponente. Uma grande autoestima e com a certeza da sua escolha.
Com 28 anos, cabelos longos e pretos, iniciou os estudos mais tarde
devido às dificuldades da família e pessoais. Com uma filha, está na
busca de um lugar ao sol, por isso seu codinome. Sempre altiva e feliz
nos encontros, destacou o gosto pelo batom vermelho, do qual não
abria mão.
Cibele - significa “espírito criador do calor e da vida”, “a
grande mãe dos deuses”. Essa participante tem 26 anos, é casada,
classe média, parda, independente e já atuante na área da saúde, mais
contida e serena, de pouca fala e muito dedicada nos encontros.
Vaidosa, apresentava-se tranquila. Na busca da profissão ideal e com
sonhos a serem realizados. Seu codinome veio da sua serenidade.
Flora - significa “florida”. A querida Flora, tímida, mais
recolhida em suas colocações; nos encontros buscava os lugares mais
escondidos. Com seus 20 anos, era de pequena estatura, negra. Sentia-
se privilegiada em cursar seus estudos em uma Universidade Federal.
Irene - significa "a pacificadora". A partir da palavra eiréne
"paz". Sempre esteve presente com uma postura mediadora das
conversas, docente-supervisora, com 34 anos, casada, 2 filhos, ciente
do seu papel na profissão na área da saúde. Trazia muitas
contribuições durante os encontros e comparecia munida de muitas
observações.
Ariadne – significa a “Deusa da Guerra, da sabedoria e da
espiritualidade. A participante, como seu codinome diz, tem uma
espiritualidade aguçada e com conhecimentos sobre a temática.
Docente-supervisora, casada, 1 filho, fez questão de colocar nos
encontros sua visão de mundo e a compreensão da profissão, porém,
muitas vezes, com um certo tom de tristeza e decepção, devido aos
caminhos que a enfermagem tem seguido. Dedicada e atuante.
57
Anfitrite – significa Deusa do mar. Docente há alguns anos,
sempre ativa e com uma visão positiva e otimista da profissão. Com
significativas contribuições durante os encontros e se apresentava
muito disposta as discussões.
Ártemis - Tida como virgem e defensora da pureza, era também
protetora das parturientes e estava ligada a ritos de fecundidade. Nossa
participante participou em alguns encontros, devido suas atividades
docentes, mas sempre demostrou interesse na temática e a necessidade
de mais discussões no campo do corpo e da corporeidade.
Atena - Era o símbolo da inteligência, da guerra justa, da casta
mocidade e das artes domésticas e uma das divindades mais
veneradas. Participante extremamente questionadora, atua na docência
e na supervisão de enfermagem há 05 anos, se apresentava ansiosa.
A convivência e a observação com grupo se deu nos espaços do
hospital, no período de março a junho de 2015, a partir de rodas de
conversa, permeadas pelas entrevistas, considerando as questões
norteadoras, as quais se delinearam nas seguintes perguntas: Como se
constituem, no processo formativo, a corporeidade e a disposição
afetiva das alunas? O cuidado sofre um processo de esfriamento no
decorrer da formação das alunas? Quais dispositivos forjam o
esfriamento no cuidar do outro, em uma profissão poeticamente
cuidadora? Os processos de esvaziamento no labirinto hospitalar são
da ordem do cotidiano? Como as alunas transitam no labirinto
hospitalar?
A observação participante e as anotações no diário de campo
também fizeram parte da coleta de dados. Os encontros totalizaram
dezesseis momentos, sempre com conversas coletivas, uma vez por
semana, no período da manhã e/ou da tarde, de acordo com os
respectivos horários disponibilizados pelos participantes. Os encontros
foram gravados e posteriormente transcritos, permitindo o registro e a
análise minuciosa das discussões. O acompanhamento e a imersão no
processo de coleta, produziu a vivência na vida cotidiana do grupo, a
qual permitiu à pesquisadora construir suas observações.
58
Figuras 14: Rodas de conversas/encontros e desencontros
Figura 15: Diário de campo/ o registro silencioso
DATA PARTICIPANTE
OBSERVAÇÕES
REGISTRO
Figura 16: Observação/ o que o olhar fala
59
Figura 17: Currículo do curso/ potências e ausências na formação
Fontes: foto da autora (2015)
O currículo do curso de enfermagem foi a fonte documental da
pesquisa,5
o qual se encontrava cadenciado pelo processo de
reconstrução. A primeira matriz se organizou em 2009, quando teve
início as atividades da Universidade Federal da Fronteira Sul. As fotos
registradas demarcam alguns encontros que realizamos para a
reorganização da nova matriz. Esse momento foi fundamental no
percurso da pesquisa, considerando as discussões decorridas sobre o
processo de formação das alunas e como desenvolvê-las, a partir do
cuidado. A preocupação desde o início foi com a escuta de docentes e
alunas, o que permitiu diferentes olhares, já que cada docente
considerou a trajetória pessoal e acadêmica envolvidas na formação.
Nessa travessia de encontros, muitas certezas se transfiguraram
e a cada novo olhar a escrita sofria contornos, permitia outros
movimentos e aberturas. Estive presente em cada entrelinha e ao
descrevê-la retomo os encontros com o grupo, a vivência e
convivência com o labirinto. Apropriar-se dos dados, registros e
5 O Curso de Enfermagem nasce a partir da necessidade da região e das
parcerias dos movimentos sociais, tendo em seu projeto pedagógico, (2009), o
compromisso de propiciar uma formação contemporânea, contextualizada e
dinâmica, pautada na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão/assistência. Pretende gerar um Enfermeiro generalista e crítico, apto
para atuar em todas as dimensões do cuidado, como promotor da saúde do
cidadão, família e comunidade, tal como preconizam as Diretrizes
Curriculares Nacionais CNE/CES no 03/2001. Propõe formar um profissional
enfermeiro generalista com capacidade critica reflexiva e criativa, habilitado
para o trabalho de enfermagem nas dimensões do cuidar, gerenciar, educar e
pesquisar, com base em princípios éticos, conhecimentos específicos,
interdisciplinares, considerando o perfil epidemiológico e o contexto
sociopolítico, econômico e cultural da região e do País, contribuindo para a
concretização dos princípios do SUS.
60
reflexões, me inundou de expectativas e ao trazer para a reflexão,
surgiram as inquietações. Ao ler e reler os registros, as sutilezas das
falas, os detalhes dos encontros assinalaram a minha entrega em cada
descrição.
Ao retomar os pressupostos iniciais dessa tese, aponto as
próximas páginas envoltas em certa nostalgia, pois em um dado
momento é tempo de encerrar o trajeto com costuras sutis e tênues, na
confiança de que nada está acabado. As noções que apresentarei a
seguir ensaiam olhares e interpretações que denotam um pequeno
recorte vivido intensamente. Retomando Sousa (2011), “os fios que
tecem esse enredo não podem estar desconectados do lugar social
onde o outro se situa”. Segundo Maffesoli (1997, p. 142), para que
tenhamos uma “justa visão daquilo que é o outro, talvez seja
necessário identificar-se com ele, ainda que seja de modo provisório”
e então podemos analisar suas ações a luz do estar dentro (SOUSA,
2011).
A experiência com a pesquisa me trouxe indicadores que
anunciam a complexidade implícita na formação das enfermeiras. É
disso que vou falar na continuidade, atenta às narrativas dos sujeitos
pesquisados, com o desejo de apresentar as falas mais importantes
para dar sentido a esta tese. Tudo parece indicar que a colcha de
retalhos não termina, que sua aparência será inacabada, com fissuras
que não podem ser remendadas. Uma colcha que também está atrelada
ao labirinto, mesmo quando pretende criar a novidade.
61
Por elas...
Que sempre sejam mantidas em
segurança,
Alimentadas por muitas fontes, que
sempre recebam demonstrações de
amor e gratidão, que mantenham sua
alma vicejante A céu aberto para que
todos vejam.
(PÍNKOLA, 2007, p. 99).
Recorro ao mito do Minotauro, com a figura do Labirinto, para
problematizar a formação das enfermeiras e suas interfaces, já que a
vida se apresenta com múltiplas nuances como no labirinto, onde uma
sucessão de fatos e opções, com inúmeras portas, traz junto medos,
necessidades, desejos, sonhos, confiança e aflições, como nos diz
SANTOS (2004, p. 31). Essa escolha é possível a partir de uma
abordagem etnográfica que me possibilitou compor as narrativas
capturadas em campo, com a intenção de construir interpretações
vinculadas às vivências na pesquisa. No campo vivi encontros e
ensaiei escritas, como gestos tecidos para tornarem-se uma colcha
interessada nos retalhos observados em certos rastros do labirinto.
O hospital é a principal metáfora que nesta tese denomino
labirinto, no qual controles, regulações, dispersões, excesso de
atividades, pessoas e equipes profissionais se entrecruzam, por vezes
na mesma direção, em outras não. Qual o fio que as alunas percorriam
e o que ambicionavam encontrar? O que experienciam nas
sinuosidades do labirinto? Guiada pelas observações em campo,
muitas vezes enxergava o que não queria ver como enfermeira, ou
indagava como proteger o meu olhar do já conhecido para estranhar as
familiaridades históricas que habitam a formação e o exercício
profissional da enfermagem. Num labirinto como o hospital, nada é
óbvio porque tudo é complexo, então, enquanto alguns aparentavam
permanecer atados às suas zonas de conforto, muitos/as tentavam,
incansavelmente, sair delas para mostrar que nada está determinado a
priori, que não há enclausuramentos absolutos, que é possível
encontrar algumas das tantas portas.
Quando consegue sair ocasionalmente de labirinto – instituição total, a pessoa está livre lá fora? Livre do que? Da norma? Ou ela
adentra outros labirintos? Ela sai ilesa do contato com o labirinto?
As narrativas aqui apresentadas foram (com) partilhadas na
convivência com o grupo de alunas, inspiradas em reflexões e
62
alinhavadas num percurso de quatro meses em campo. Essas são da
ordem das percepções, do cuidado com e para com o outro, que me
envolveram, me acalentaram e fizeram meu olhar se distanciar de
marcas pré-definidas. Ao me deparar com o labirinto, os aspectos da
formação tornaram-se mais visíveis e as cenas mostraram que o
caminhar se faz com potências e ausências, as quais serão enunciadas
nas próximas linhas.
63
Fonte: Mosaico elaborado pela autora a partir das imagens rebuscadas em:
www.tumblr.com (nursing history on Tumblr. Acesso em 20.06.2016.
Figura 18: Mosaico da história da enfermagem
64
65
NARRATIVAS VIVENCIADAS NA PESQUISA
ETNOGRÁFICA
FORMAÇÃO DAS ALUNAS: O COTIDIANO E OS ENTRE
LUGARES DO LABIRINTO
Um labirinto arquitetado como um espaço físico chamado
hospital, ganha forma com suas salas, quartos e outras dependências
que anunciam um ritual instituído, um campo de prática integrado à
formação das alunas, as futuras enfermeiras. Por isto consideram que
este labirinto é um lugar de vivências, coabitado por vidas e mortes.
Essa descrição atrela o hospital à metáfora do labirinto, o qual se tece
no cotidiano onde acontece um conjunto de procedimentos para
proporcionar aos pacientes, sujeitos centrais em cada dobradura,
conforto e bem-estar. Eis porque as experiências de todos os dias
operam a partir de afazeres ritualizados, do ir e vir de pacientes,
profissionais da saúde e familiares.
Essa tessitura apresenta um cenário imerso nos entre lugares do
labirinto, o que me leva a pensar nas rotinas que transfiguram o
aprender-fazer das alunas e enfermeiras. A noção de transfigurar-se de
acordo com Maffesoli (2011), traz a possibilidade que cada um possa
ser o que ainda não é, de que os cenários possam ser alterados nessa
metamorfose que provoca transformações e considera novas e
maneiras de pensar, de agir, de sentir. Para o autor “nada está em
linhas duras ou distintas, tudo funciona com base na ambiguidade” (p.
39).
Mas, de que cotidiano falamos? Daquele feito múltiplos
conteúdos, tanto os de senso comum, o corriqueiro, quanto os mais
complexos, uma reunião dos atos habituais e permanentes que uma
pessoa desenvolve no decorrer do seu dia. Para Maffesoli (1997),
indica uma relação espaço-temporal na qual se dá essa vivência, e
onde o cotidiano conforma diferentes dimensões relacionado com a
capacidade (disposição afetiva) de sentir em comum o mundo em
movimento. O labirinto torna-se, de muitos jeitos, um campo de
afirmações nas quais parece caber os diversos estilos singulares aos
sujeitos que nele transitam. Para Maffesoli (2011, p. 188), o cotidiano tem uma estética “que contamina o conjunto da vida e torna-se uma
parte nada desconsiderável do imaginário contemporâneo”.
Nos ritos institucionalizados estão os procedimentos habituais
que contemplam a vestimenta, a luva, o avental, a técnica da
66
medicação, o banho, a sequência do curativo, a visita médica em seu
quase (des) file ritualístico pelos corredores do hospital, seguidos
pelos residentes, pelas alunas e enfermeiras, enfileiradas com seus
prontuários e registros em mãos, ocupados em configurar a ordem
ritualizada do labirinto. No senso comum, a rotina é entendida como
aquilo que se realiza sempre da mesma forma; rotina matinal, um
itinerário, caminho habitual, que se faz todos os dias6.
No tensionamento que este cotidiano provoca no labirinto, o
cuidado qualificado é balizado pela disposição afetiva e os modos de
sentir e ser em comum com o outro. Nesse entremeado ganha
importância a capacidade das alunas e das enfermeiras, que se
expressa no domínio da técnica, no controle das informações
registradas e prescritas, na assimilação dos diagnósticos e os
medicamentos que precisam ser ministrados para garantir a vida do
paciente.
O médico, historicamente está em destaque na hierarquia desses
ordenamentos e a sociedade espera dele uma atitude de ordem e poder.
Um poder-saber constituído e autorizado pelo labirinto, “que em vez
de se apropriar e de retirar, tem como função maior „adestrar‟; ou sem
dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor”
(FOUCAULT, 1979, p. 153). Como essa aluna sente o estado de ser
paciente, de ser médico, essa rotina esfriada chamada internação,
imbricada (da e na) enfermidade? Esse mundo ali?
Explorando os entre lugares que Souza (2011, p. 03) traz como
o momento de “raptar outras saídas numa ação de desler, deslocar,
descentrar, desconstruir; tirar ou mudar de lugar, numa perspectiva de
rever as premissas e os princípios”. Há aí contornos de um cotidiano
pelo qual as alunas trilham no labirinto, numa disposição afetiva por
vezes esfriada de afetividade e bem querer, isso sem responsabilizar
docentes ou a matriz curricular do curso, mas, segundo os dados
evidenciados nesta pesquisa, devido a existência de um espaço entre a
concepção da formação e a vivência das alunas no cotidiano do
hospital. Na relação entre a formação e o cotidiano hospitalar, denota-
se um espaço historicamente conformado, a partir do positivismo-
cartesianismo e um modelo médico organicista.
Perguntar é preciso: o que as alunas fazem para sobreviver no
labirinto cotidianizado? Que fios usam? As alunas e enfermeiras
vislumbram linhas de fuga como potência possível, e nesse meandro,
6 Descrição de senso comum identificado no dicionariodoaurelio.com.
67
encontrariam o fio que as levariam num movimento de
questionamento da rotina.
Eu atendi uma paciente que pediu que queria
uma enfermeira para dar banho na mãe dela,
devido ser idosa, mas a rotina não permite
escolhas no hospital. Tem que ser o que tem
naquela hora, porque banho tem horário para ser
dado e se não tiver uma enfermeira ou aluna
para fazer, ninguém se preocupa com a vontade
do paciente. Isso me deixa pensativa quando
estou em estágio. Não podemos fazer nada?
(Diana, 19 maio, 2015).
Me parece que as enfermeiras não conseguem
acompanhar o trabalho da equipe e olhar para o
paciente como um indivíduo que também está
ali com seus direitos. O direito ao cuidado
também inclui as pequenas coisas, como a
escolha pelo horário do banho, da visita, da
informação, do respeito. A enfermeira poderia
organizar e planejar seu tempo e oferecer
atenção e afeto ao paciente e sua família. Talvez
fazer uma supervisão com o olhar para o outro
com maior atenção. Eu trabalho na área e vejo
que vamos tocando a rotina como dá, mas o
paciente merece mais de nós (Afrodite, 05 de
maio, 2015).
As alunas lutam no labirinto para encontrar o fio de Ariadne,
mas, as rotinas e a falta de uma direção, ou supervisão de
enfermagem, mais integradas ao curso impedem outros movimentos
possíveis. De acordo com as falas das alunas, uma enfermeira
mediadora com disposição afetiva e ação efetiva faria o papel desse
mediador, criando as linhas de fuga dentro do labirinto. A mediação
com a família, o paciente e a equipe de enfermagem, seria uma rota
viável nesse percurso no qual o paciente ocupa o seu papel, se
apresenta obediente e submisso na hierarquia hospitalar.
Para as alunas, os dispositivos afetivos que operam o estar-
junto-com os demais membros da equipe e o paciente, permeiam esse cotidiano instituído por diferentes dimensões. Na rotina esfriada que
as envolve e sequestra seus corpos, impedindo-as de constituírem suas
linhas de fuga de (DELEUZE, 1998). Estas indicariam rotas e brechas
para escapar das regularidades que, aos poucos, se transformam em
68
mandatos internalizados, tanto para a obediência, quanto para a
rebeldia (MORAES, 2014, p. 39). Reverberam um movimento de ser
capaz de sair do convencional, escapar do estabelecido como pontos
fixos, partir de uma distribuição nômade, para alterar o percurso do
cotidiano entendido por elas como
O dia a dia das tarefas, muitas coisas por fazer e
repetida vezes, todos os dias, pegar o plantão,
ver os prontuários, sem mexer ou desorganizar
uma pasta do lugar, porque depois o médico vai
passar e tem que estar tudo no lugar certinho...
olha as vezes a gente sente-se impotente ainda
porque como é aluna, às vezes sabe que muita
coisa não pode fazer ou que não faz direito.
Muita cobrança e muitas rotinas que não pode
ser feito de outro jeito. Temos que nos
transformar todo dia, para fazer do jeito que o
hospital quer, que o professor quer. Você
recebe ordens e é vigiado o tempo todo. Sabe,
depois que acaba o estágio, você fala "nossa,
podia ter feito daquele jeito diferente, mais com
mais afeto, mais sensível. (Afrodite, 14 maio,
2015).
Retomo o locus de enunciação desse capítulo, que apresenta um
contorno no cotidiano e na formação, para dizer deles, para retomar
uma pergunta: os processos de esvaziamento no labirinto hospitalar,
são da ordem do cotidiano? Isso me faz pensar como se dá a
interpretação desse cotidiano, sentido pelas alunas e visto como uma
ordem sistematizada de tarefas e normas a serem cumpridas por todos
da equipe, com um sentido de obediência submissão, e uma
compreensão de rotina instituída. Para Maffesoli (1997, p. 170), numa
concepção mais abrangente da vida cotidiana, talvez se possa falar, a
esse respeito, de solidariedade orgânica, pois os pequenos rituais
cotidianos confortam o sentimento de pertença, a impressão de fazer
parte de uma comunidade. A aluna destaca a ordem instituída e as
ações vigiadas e remete o aspecto anunciado por Foucault (1987), o
hospital como local de vigilância e controle.
Nesse sentido, as alunas buscariam a inserção no espaço do labirinto, através da reprodução do modelo, ou seja, repetem os rituais
na tentativa de pertencerem a esta comunidade-tribo. Ao reproduzirem
o cotidiano, ela legitima no grupo a sua presença e isso lhe conforta,
lhe dá segurança, trazendo um “ganho secundário”, pela aceitação no
69
grupo. Isto refere-se a “natureza social dos sentimentos e é neste
quadro que se exprime a paixão, que as crenças comuns são
elaboradas, ou simplesmente, que se procura a companhia daqueles
que pensam e sentem como nós (MAFFESOLI, 1997 p. 18 -19). Para
elas a rotina é compreendida como cotidiano, sentindo-se vigiada
pelas normas do hospital, do professor, sobrecarregada dos afazeres. A
concepção da ordem remete ao labirinto numa perspectiva de
organização e ritual adotado pelos membros da equipe que nele estão
inseridos. Seria importante às alunas a inserção em experiências de
um reencantamento do mundo, Maffesoli (1997, p. 171), sob a
perspectiva de retomarem a disposição afetiva nessa ordem e poder
estabelecidos.
As alunas deveriam aprender a sobreviver no cotidiano desse
modelo? Ou mudar a realidade? Percebemos o quão dura é a missão
de transfigurar essa realidade “posta” e já pensamos em aceitá-la, mas
criando mecanismos para viver nela.
O cotidiano apresenta uma estética, esta entendida como a
capacidade de sentir em comum o mundo em movimento, o qual,
aliado a ética, compõe a sensibilidade necessária para a realização de
novos mundos, onde caibam todos, independentemente dos lugares
sociais em que cada um está situado. A solidariedade, o cuidado, a
com-paixão são alguns dos atributos que enlaçam uma gestão centrada
na vida (SOUSA; MIGUEL; LIMA, 2011). Ao conceder uma
entrevista7 sobre pós-modernidade, tribos urbanas e estética, Maffesoli
(2011), compartilha:
Quando eu digo estética é no sentido
etimológico da palavra (stesis em grego), é esse
partilhar emoções, partilhar paixões, o que eu
quero mostrar é que esse meio social que se
vive e se vê como tribo é um partilhar de
emoções.
Essa norma envolta no cotidiano e vivida pelas alunas é
compreendida aqui como forma de poder, algo que circula, que só
funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, jamais está nas
mãos de alguns, ou é apropriado como uma riqueza ou um bem. O
poder é uma forma de relação e funciona e se exerce em rede (FOUCAULT, 2003, p. 183). O autor nos mostra que instituições, as
quais intitula de sequestro, como o hospital e a escola, exercem o
7 Entrevista concedida sobre cotidiano em 09.09.201 à Revista Ascatia.com
70
poder de forma capilar, alcançando suas extremidades, em suas
últimas ramificações. Perceptível em suas formas e instituições mais
regionais e locais, e por consequência, um poder disciplinar que
produz saber, mantém-se, é aceito e praticado por todos os membros
da instituição numa relação hierárquica (FOUCAULT, 2003).
Nessa concepção, a rotina vivenciada pelas alunas, aborda um
caráter de normalização e poder exercido pelo hospital, quando
implanta regras organizadas e sistematizadas, esvaziando a essência
do cuidado num cotidiano vivido pelas alunas.
Eu vejo como uma rotina de cuidados a fazer
com o paciente, família. No começo eu ficava
bastante ansiosa e com medo do contato com o
paciente, ter que conversar e saber da vida dele.
E isso se repete todo dia, penso as vezes... será
que será sempre assim depois de formado? Não
podemos fazer diferente? (Maya, 15 junho,
2015).
Quando chego no estágio do hospital, já sei o
que tem que fazer, não penso muito, apenas
faço e mostro para a professora e assim, passa a
manhã ou a tarde. Eu executo as tarefas, os
cuidados, levo os exames do paciente, vou na
farmácia e isso é a rotina, é como vejo o
cotidiano. Todo dia fazemos as mesmas coisas.
Eu gostei bastante, ainda mais que eu tive o
reconhecimento de um paciente e isso foi muito
legal. Até então eu não sabia da minha
importância e o que eu signifiquei no cuidado
do paciente (Maya, 18 março, 2015).
Nos relatos ficam evidenciados, em um primeiro momento a
percepção que as alunas têm do contexto que integra a rotina instituída
e a vontade que expressa de deslocar-se para desconstruir a norma.
Também a alegria evidenciada pelo paciente e seus familiares após os
cuidados realizados, caracterizando a potência da qualidade afetiva
que pode ser vivida na relação do estar-junto-com. Maffesoli (1997),
argumenta que todos esses rituais cotidianos, aos quais não se presta
atenção, que são mais vividos do que conscientizados, raramente
verbalizados, são eles, de fato, que constituem a verdadeira densidade
da existência individual e social, chamado de socialidade.
No labirinto-hospital, a arquitetura física e a formação das
alunas provocam reflexões que são demarcadas por um espaço-escola
71
destinado também à aplicação das aprendizagens curriculares. Aí são
fomentados os encontros que fazem emergir narrativas, conversas,
atitudes, modos de ser-estar na equipe, no grupo pesquisado. Para Hart
e Arrias (2013, p. 16), estar no labirinto requer “entender seu
funcionamento e buscar apoio para sair dele, ou fazer dele um outro
espaço para viver. Alguém poderia dizer: por que sair? Por que
mudar? Estou confortável no interior dele”! Mas não é assim para
todos/as, especialmente para as alunas do curso de enfermagem, que
entendem que o hospital-labirinto, assim como a escola torna-se “um
espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os
indivíduos estão inseridos num lugar físico, os menores movimentos
são controlados, e todos os acontecimentos são registrados”
(FOUCAULT, 1979, p. 174).
Como integrante da equipe de formação das alunas que estão
no curso de enfermagem, ao longo da pesquisa ouvi muitos relatos que
trouxeram um desacomodar de certezas, que não foi confortável. Estes
relatos apontavam um forte desejo de sair do labirinto, mesmo
desconhecendo onde estaria o fio para auxiliar a encontrar as portas.
Narravam potências e ausências que estavam latentes nesse labirinto-
hospital, escola de formação e vivências, o que tornava possível
identificar saídas, oportunidades de aproximação, alinhados em
diferentes processos onde ocorriam as atividades relacionadas às
propostas curriculares.
No percurso de formação das alunas, os fios se enredam nos
aspectos históricos da profissão, os quais ficaram evidenciados em
vários relatos durante os encontros com o grupo. Questões como o
gênero feminino ainda predominante na formação da enfermagem e as
relações de poder individualizadas pelo saber médico em relação a
enfermagem, bem com, à própria condução do processo formativo
pelas docentes.
Nesse estágio eu saía do hospital chorando...
chorando, chorando... para supervisionar um
estágio, o professor tem que ter didática antes
de tudo... ele tem que saber como lidar com os
alunos. E tem o fato, do que encontramos no
hospital e como somos preparados para isso
(Flora, 13 junho, 2015).
Acho que algumas questões são bem
importantes no aspecto da nossa formação,
como essa visão que temos do médico. Como
72
ainda são poucos enfermeiros homens na
profissão, eu acho que por isso esse temor ainda
é mais forte. Nós mulheres infelizmente nos
submetemos bem mais (Isis, 16 abril, 2015).
Rebusco, a partir de Kruse (2003, p. 21), aponta que no
percurso histórico da profissão, as mulheres desempenham papeis
designados culturalmente a elas. Dessa forma, seu processo de
formação tem uma íntima relação com esses papeis. Isso está
diretamente relacionado com a manutenção e a reprodução das
relações do poder, em especial as de gênero. Mesmo com mudanças,
esta questão, ainda se mantem quase intocável na trajetória da
profissão. Nesse labirinto imbricado por relações e com vivências, o
fio de Ariadne se constitui tricotado de intenções formativas. Ficam
evidenciados os aspectos arraigados de uma trajetória pautada na
reafirmação de um saber que diz das enfermeiras.
Produzir alinhavos com estes elementos é entrecortar contextos
que tornaram e tornam possíveis entender como se instituiu a
formação das enfermeiras, a partir da sua origem, nos grupos nômades
primitivos e com um trabalho feminino marcado pela “prática do
cuidar”. No itinerário da profissão entre o período colonial e o início
do século XX, vemos que na época da colonização a enfermagem foi
exercida com base em conhecimentos empíricos e que os cuidados
àqueles que adoeciam eram praticados por mulheres religiosas,
voluntárias leigas e escravas. Com o cuidar nas mãos das religiosas,
fundam-se, por volta de 1543, as primeiras Santas Casas de
Misericórdia8, com o intuito de abrigar pobres, órfãos e enfermos
miseráveis, propondo um atendimento exclusivamente curativo
(GEOVANINI, 2002).
Configura-se assim uma enfermagem intuitiva que se
caracterizava por atividades elementares e autônomas, independente
de qualquer aprendizado, com objetivos mais curativos que
preventivos. Era dada pouca atenção ou mesmo considerados
simplificados os requisitos para o exercício das funções de enfermeira,
não havendo, portanto, exigência de qualquer nível de escolarização
para aquelas que a exerciam. A prática de saúde passou por diferentes
momentos e os espaços reservados às práticas de saúde eram
8 Santas Casas de Misericórdia, casas de saúde que realizavam o atendimento
aos doentes, com intuito apenas curativo e que deram origem aos hospitais e
instituições de saúde.
73
insalubres depósitos de doentes, onde homens, mulheres e crianças
utilizavam as mesmas dependências, amontoados em leitos coletivos
(GEOVANINI 2002, p. 54).
Nesse período, a prática de enfermagem era considerada um
serviço doméstico, o que contribuiu para torná-la indigna e sem
atrativos para as mulheres de casta social elevada. Há muitos aspectos
na prática da enfermagem contemporânea que se inspiram nas marcas
da história, como a predominância feminina na profissão e a
submissão das mulheres que a exerciam, as questões insalubres nos
hospitais, os riscos das constantes infecções, os corredores com
amontoados de corpos doentes, fragilizados, torturados pela dor e, por
vezes, sem identidade.
Nestes contornos, me volto para as questões do cuidado no
cotidiano atual, alinhando tecituras com o presente da enfermagem e
um passado de marcas profundas, demarcando o contexto da mulher
na profissão e sua inserção durante a evolução do saber. Na escolha da
profissão as alunas do curso de enfermagem entram na universidade,
muitas vezes sem a certeza de que querem de fato atuar como
enfermeiras, por vezes utilizam como porta de entrada para migrarem
para outros cursos. Ainda é presente alguns aspectos não atrativos da
profissão, devido a baixos salários, condições desiguais na carreira e
carga de trabalho elevada, porém essa premissa ainda se dá nas
diferentes profissões, nas quais a mulher está inserida.
Os profissionais da área da saúde identificam, através de suas
vivências, que o processo de cuidar historicamente recebe fortes
influências do pensamento cartesiano, principalmente com relação às
questões que envolvem o corpo humano. Um corpo que, em muitas
circunstâncias pode ser comparado a uma máquina onde os
profissionais de saúde o consideram apenas em seu aspecto
biomecânico, sem vontade própria, sem desejos e sem o
reconhecimento da intencionalidade do movimento humano, o qual é
explicado através da mera reação a estímulos externos, sem qualquer
relação com a subjetividade (DOLTO, 1992).
Nesse sentido, pode-se dizer que atualmente a enfermagem se
vê diante de um grande desafio, encontrar fios que possam tecer a
união de saberes do corpo e do cuidado, com o desejo de estar-junto-
com o outro numa disposição afetiva que permita novos olhares. Um
olhar centrado na pessoa e sua singularidade profissional. Buscar nas
potências do cotidiano as possibilidades de caminhar no labirinto, sem
as amarras dos rituais impostos pela rotina fraturante do hospital.
74
FOUCAULT (2007, p.39), ressalta que uma das formas mais
superficiais e mais visíveis de realizar o controle é aquela que se
coloca sob o nome de “rituais”. Este fixa preceitos e estabelece ações
que forjam um cuidado mecanizado, sistemático e envolto de
repetições. Há uma tensão que se dilata no jogo do saber-poder, já que
os ritos fundadores emergem como verdades de um campo de saber e
colocam as alunas e enfermeiras no labirinto, com precárias
possibilidades para acharem os fios que as conduza o repensar das
ações.
Eu aprendi bastante na faculdade, mas quando
chegamos no hospital, a rotina e as atividades
são desgastantes e repetidas e por vezes você
não pode questionar, tentar fazer diferente.
Qualquer ação ou técnica diferente, ou uma
outra forma de fazer é questionada, proibida.
Então percebo que preciso ser outra pessoa para
estar lá. Será que devo esquecer tudo o que sou
e daqui para frente ser outra Enfermeira? A
faculdade cobra isso da gente. Você precisa se
transformar em enfermeira, mas nos padrões
que o hospital e a escola querem. Sempre quis
ser enfermeira, mas ser eu (Isis, 21 abril, 2015).
O labirinto-hospital permeia outras frestas e permite, auxiliado
pela escola, faculta às alunas sentimentos de prisioneiras de sua
arquitetura e cotidiano. A metamorfose sentida do ser eu como
mulher, e o ser enfermeira transborda os sentimentos e sensações das
alunas. Elas transformam-se e mudam seus rituais, vestimentas e
comportamentos, para se enquadrarem nas normas estabelecidas pelas
instituições de sequestro (hospital e escola). Isto me deixou atenta
para as percepções transitórias que buscava no percurso das
mudanças, já que a colcha também se faz nas possibilidades das
alunas experenciarem o ser enfermeira, quando são encantadas pelos
corredores, salas e vivências desse entre lugar. Existem saídas. Senti
como Moraes (2014 p. 73), que “no ir e vir de diferentes escutas, que
envolveu as alunas e também enfermeiras e docentes, eu vi um curso
ser cortado, remexido e rompido para ser costurado de outros modos”. Azevedo (2015), em Modos de conhecer e intervir a
constituição do corpo no cuidado de enfermagem no hospital, assinala
que o
75
hospital também se revelou como um corpo
“construído” que, ao mesmo tempo, “constrói”
corpos. Corpo construído para abrigar, receber
outros corpos, que ao adentrarem no mundo do
hospital são tomados pela doença passando a
obedecer a uma lógica organizadora,
legitimadora, disciplinadora e “sabedora” de
seus corpos.
É possível compreender que os processos de esvaziamento no
labirinto hospitalar, são também, da ordem do cotidiano, quando
diante da dor do outro se instaura uma incapacidade de reagir e
reconstruir novas rotas, e outros alinhavos na busca do fio que as leve
para a saída do labirinto. As alunas e enfermeiras passam a existir com
a dor dos pacientes, embora se compadeçam, a ponto de quase não
enxergarem uma ponta do fio que possa levá-las a uma saída. Isso as
esfria na disposição afetiva do cuidar, mas também se vislumbra que
numa profissão poeticamente cuidadora, os dispositivos forjam outras
saídas, outras fronteiras e a colcha recomeça sua tecitura, com outros
fios, outras cores. Reconfigura-se o labirinto, seus ladrilhos e
meandros, numa tentativa de acarinhar outros contornos, sendo
possível encontrar nesse mundo aí do hospital, as potências na
formação das alunas, mas é necessário um movimento de
desnudamento e perceber que há rotas a serem encontradas, podemos
reinventar e ressignificar cada ponta enovelada do fio.
O fio que as alunas podem usar vem sendo tecido desde a
infância, em sua historicidade – daí a importância de novas
abordagens pedagógicas que busquem na história pessoal das alunas,
as perguntas pessoais para esse mundo aí. As alunas, futuras
enfermeiras desenvolvem resiliência em um nível pessoal, ao longo
das experiências da vida, que também perpassam situações de
doença/perda/morte/luto. Também construíram suas impressões
pessoais sobre cuidado e hospital.
Na formação das alunas o cotidiano, as rotinas e normas se
alinhavam com o cuidado com e para o outro e nesse caminho as
fronteiras com o que é ensinado no currículo e o que é aprendido pelas
alunas, permite perguntar: de que cuidado falamos na formação das
alunas? No Projeto Pedagógico do Curso (PPC-2009), aqui
pesquisado, o cuidado se alinhava no processo formativo, vivenciado
nas diferentes fases, sob o olhar holístico, humanizado e tecnicista.
No cuidar do outro o nosso corpo se investe de uma sabedoria
zelosa onde a plenitude da vida é o grande alvo. Essa sabedoria se
76
aplica na sensibilidade e na perspectiva do cuidar, como disposição
afetiva de antecipar-se ao bem-estar do outro Sousa et al. (2011), de
zelar por tudo que lhe é importante, de proteger a sua fragilidade
circunstanciada pela doença. Cuidar do outro, especialmente no
hospital, implica abrir as janelas da alma para enxergar o essencial,
para ser-junto.
Cuidado vivido como expressão de direitos, de
responsabilização pelo outro, como demonstração de diferentes
combinações de tecnologias efetivas e adequadas a cada situação, e
como reconhecimento de um trabalho que acontece em equipe,
solidário e articulado.
Ao falar do cuidado quero me inspirar nas contribuições de
Heidegger (1994), pois com ele pude compreender que há uma prática
capaz de promover curas existenciais: aquelas que se traduzem como
disposição afetiva de se antecipar, com zelo, ao conforto integral do
outro, estar em presença, junto-com para criar experiências de bem-
estar. Um cuidado que requer, no cotidiano, assegurar aconchego,
entusiasmo para despertar o desejo de cura, tranquilidade para que o
paciente possa confiar no profissional que está com ele. Entrelaçar
com a prática do cuidado, como diz Boff (2002), circunstâncias
convenientes ao restabelecimento pleno da saúde, como uma atitude
de ocupação, de prévia ocupação, responsabilização e de
envolvimento afetivo com o outro.
Observava como as alunas de enfermagem reagiam frente às
questões afetivas do cuidado. Elas percebiam que a disposição afetiva
interfere nas ações cotidianas da enfermagem, bem como na relação
com o paciente.
Eu percebo a importância do meu cuidado, com
atenção e afeto você consegue cuidar com
qualidade e isso é muito gratificante. Tem dias
que você não está muito bem e isso afeta a
relação com o paciente e com os colegas. Então,
não posso fazer minhas atribuições de maneira
correta, também os professores cobram que
estejamos dispostos e bem, acho importante,
pois o paciente percebe nossa atenção, nosso
corpo fala (Isis, 06 de março, 2015).
Nós orientamos as alunas da importância de
estar bem para cuidar e isso implica corpo e
mente. Precisam entender que cuidar não se
resume a tarefas realizadas, mas todo um
77
envolvimento afetivo nessa relação. A cobrança
é necessária, é preciso estimular e fazê-los ver
que a profissão que escolheram é exercida com
responsabilidade e precisa de compromisso no
cuidado (Flora, 12 de março, 2015).
A enfermagem traz consigo uma dimensão cuidadora e as
alunas entendem porque esse processo exige delas estarem bem
emocionalmente, já que isso muda a relação de cuidado. As futuras
profissionais compreendem que a interação com o outro pode ser mais
significativa quando elas estão disponíveis, afetivamente, para
cuidarem. A narrativa de Isis mostra a “cobrança” docente para que as
alunas estejam bem, levando em conta que a corporeidade de um e de
outro compõe a relação e interfere na qualidade do cuidado. Também
porque há a percepção do paciente, o que pode diminuir as
oportunidades para que ele se sinta bem e acolhido no cuidar.
Flora assinala uma dicotomia nas dimensões do ser: corpo e
mente, compreendendo estas como dissociáveis, o que demarca um
entendimento fragmentado do cuidar pelas alunas.
Nessa paisagem as alunas redescobrem a atenção e buscam
desenvolver seus afazeres olhando os detalhes com cuidado. Um
turbilhão de afetos ecoa dos corpos das alunas e das enfermeiras,
dispostos na corporeidade, aqui inspirada na fenomenologia de Ponty
(2002), a qual na visão epistemológica é supostamente animada pela
alma humana, que lhe daria transcendência pelo nosso corpo, e na
visão biológica, a maneira pela qual o cérebro reconhece e utiliza o
corpo como instrumento relacional com o mundo. Para vivenciar as
minúcias dos afazeres da enfermagem, as alunas lidam com
metamorfoses e muitas vezes operam na lógica do saber-fazer,
entendendo que há um poder a ser respeitado; o do professor e o do
hospital. O mundo contemporâneo, no qual a fluidez e a rapidez se
fazem presentes, mostra um cotidiano que assusta, permite a mesmice,
a chatice, mas, neste mesmo movimento nos mostra o viver nos
detalhes (MAFFESOLI, 2001, p.14).
O professor também percorre o labirinto e nele pode encontrar
adereços para estimular as alunas com relação ao cuidado e mostrar a
elas a importância disso no espaço hospitalar. O corpo está
intrinsecamente envolvido nessa relação e nesse caso, o corpo que se
fala é do paciente, da aluna e da professora, pois há uma subjetividade
a ser considerada nesse convívio, com uma corporeidade constituída
(SANTIN, 2001). Nesse movimento de entrelace com o corpo-
78
cuidado-corporeidade, a percepção das alunas com o seu sentir-se bem
para cuidar do outro, sugere o que Foucault (2010, p. 6), chama de
cuidado de si, no qual “é preciso que te ocupes contigo mesmo, que
não te esqueças de ti mesmo, que tenhas cuidado contigo mesmo” para
então ocupar-se do outro. O ocupar-se consigo mesmo indica uma
relação “singular, transcendente, do sujeito em relação ao que o
rodeia, aos objetos que dispõe, como também aos outros com os quais
se relaciona, ao seu próprio corpo e, enfim, a ele mesmo”
(FOUCAULT, 2010, p. 50).
Algumas aproximações sobre o cuidado mostram uma estreita
relação com a prática médica, o que assegura uma estreita correlação
entre alma e corpo. Foucault ressalta que o cuidado com o corpo, na
condição de sujeitos da ação, é um investimento nas práticas de si, por
isso, as pessoas não podem dispensar a si próprios. Cuidar de si se
constitui em preocupações de toda ordem, como “o medo do excesso,
a economia do regime, a escuta dos distúrbios, a atenção detalhada ao
disfuncionamento, a consideração de todos os elementos (estação,
clima, alimentação, modo de vida) que podem perturbar o corpo e,
através dele, a alma” (FOUCAULT,1985, p.62). Assim, a prática de si
envolve o sujeito de forma que se reconheça como alguém que precisa
ser cuidado, seja por si próprio, ou por alguém quem tenha a
capacidade de fazê-lo.
A enfermagem cuidadora tem a sua identidade marcada pelas
definições do movimento da “enfermagem moderna”, caracterizada
pela divisão técnica do trabalho e advinda, principalmente, do avanço
da medicina e da reorganização dos hospitais. Foucault (1979, p. 109)
ressalta que nessas instituições, o posicionamento do médico era, e,
ainda é predominante, pois ele é o sujeito que “pensa e determina o
que fazer”; aos profissionais de enfermagem cabe obedecer e executar
as ações determinadas, mas isso não ocorre de maneira linear, na
forma de um consenso passivo. Não há transgressões sutis que
potencializam o modo de cuidar na enfermagem, embora se observe
que está configurada uma relação de sujeição da enfermagem para
com o saber médico, além do caráter feminino presente desde sempre.
Esse aspecto foi salientado pelas alunas ao mencionarem as
relações do cuidado, dimensionadas com as outras profissões
envolvidas no cotidiano do labirinto e nas tarefas da enfermagem
A gente percebe que, por mais que os
professores tentem desmistificar essa questão
da medicina e do médico para com a
79
enfermagem, ainda parece que ficamos sujeitas
a eles. Muitas vezes não somos consideradas
importantes, e a condição de aluna só piora isto,
ficamos tendo que dar lugar ao doutor o tempo
todo. Porque que a medicina não entende a
importância da enfermagem? Ou não demonstra
isso? Às vezes desanimo um pouco, porque nós
cuidamos do paciente 24 horas e sabemos tudo
dele. Nos dedicamos (Cibele, 14 de abril,
2015).
Conforme Cibele, falta um trabalho multidisciplinar na atenção
à saúde das pessoas que estão internadas nos hospitais e o respeito
entre as diferentes profissões que atuam no cuidado do paciente. Neste
ponto podemos alinhar um breve olhar de gênero quando o
predomínio na enfermagem é de mulheres, enquanto médicos são, na
maioria, homens. Nesse campo se estabelecem os aspectos do poder,
dado importante e fortemente presente nessa relação. Há uma tênue
proximidade entre a medicina e a enfermagem, de cunho histórico-
cultural, que ainda marca a condição das alunas e das enfermeiras.
Parece que o aspecto de gênero e poder se entrelaçam nesse percurso.
Foucault (2010, p.164) destaca que as relações de poder não se
passam, fundamentalmente, nem no nível do direito, nem no da
violência; tampouco são basicamente contratuais ou unicamente
repressivas. Pela visão tradicional, o poder é facilmente definido como
algo que diz não, que impõe limite e que castiga. Ao contrário disto,
“o poder é algo que circula, ou melhor, algo que só funciona em
cadeia. Funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos
não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e
de sofrer sua ação.
Outro aspecto importante para compreendermos algumas
relações aqui apresentadas está no fato do ensino de enfermagem,
durante longo período, ser oferecido em instituições religiosas, sem
um programa formal de aprendizado teórico e prático. Acreditava-se
que o cumprimento de tarefas diárias, relacionadas aos cuidados dos
pacientes e com as atividades de limpeza e higiene do ambiente,
mereciam mais atenção do que o desenvolvimento intelectual das
alunas9
. Além disso, as instituições de enfermagem da época
9 O gênero feminino usado na época era justificado devido ao trabalho
exercido basicamente por mulheres religiosas.
80
estabeleceram, por muitos anos, práticas como o internato obrigatório
para as alunas. Neste esquema de aprendizado esperavam das
estudantes obediência aos seus superiores, dedicação, disciplina e
abnegação, atributos idealizados pela enfermagem desde as suas
origens (ALMEIDA; ROCHA, 1995, p. 233).
A partir disso é possível enunciar que alguns fatores se
constituíram na enfermagem, pautados em noções de cuidado e
doutrinamento, sem destaque para o conhecimento científico. Os
aspectos da obediência parecem se perpetuarem até os dias atuais, o
que ressalta as falas das alunas com relação a submissão frente a outra
profissão. Porém, cabe destacar que muitas mudanças significativas
ocorreram nesse contexto e a enfermagem tem em sua trajetória,
marcas das reivindicações que forjaram mudanças na profissão.
Na rota das alterações do currículo e da história da enfermagem
no Brasil estão os ideais de Florence Nightingale,10
que
redimensionou o modelo da formação para as futuras escolas, as quais
teriam como princípios essenciais: a submissão, o espírito de serviço,
a obediência e a disciplina. Com relação à conduta pessoal das alunas,
a postura física, a maneira de vestir e comportar-se aliavam-se aos
seguintes pressupostos: a) o treinamento de enfermeiras deveria ser
considerado tão importante quanto qualquer outra forma de ensino e
ser mantido pelo dinheiro público; b) as escolas de treinamento
deveriam ter uma estreita associação com os hospitais, mas manter sua
independência financeira e administrativa; c) as enfermeiras
profissionais deveriam ser responsáveis pelo ensino no lugar de
pessoas não envolvidas com a enfermagem; d) as estudantes deveriam,
durante o período de treinamento, ter residência à disposição e que
lhes oferecesse ambientes confortáveis e agradáveis, próximos ao
hospital (GEOVANINI 2002 p. 145).
Esses aspectos ilustram como a formação da enfermeira foi
bordada com desiguais fios, constituída por cores diferenciadas que
traçaram sua historicidade até os dias atuais. Um fazer atrelado a
ordem, normas de submissão e obediência que juntaram os retalhos da
10
Florence Nightingale, precursora da Enfermagem moderna, nasceu em 12
de maio de 1820, em Florença, na Itália. Era filha de ingleses. Mesmo contra
a vontade da família decidiu seguir sua vocação com as irmãs de Caridade de
São Vicente de Paulo, na Maison de La Providence, em Paris, ampliando seus
conhecimentos na área de Enfermagem. Sua grande contribuição se deu na
guerra da Criméia, no atendimento aos soldados.
81
colcha de princípios de subserviência das alunas, mulheres. Quais as
noções envolvidas nessa hierarquia? Para Almeida; Rocha, (1995), o
fato de ser jovens, provenientes de famílias humildes, alunas-
enfermeiras encontravam mais dificuldades para enfrentar as questões
culturais que compõem o universo masculino, como por exemplo, o
fato de que, em sua maioria, a profissão médica é exercida por
homens, um dos indícios dessa hierarquia. Não poderia, portanto,
admitirem-se questionamentos ou contestações às regras instituídas,
diferente do que observei durante a pesquisa, realizada na atualidade.
Há uma mudança de conduta voltada para o conhecimento e o cuidado
profissional, sem a vertente caridosa, maternal, subserviente e
religiosa de outras épocas.
A disciplinarização dos corpos produziu atitudes plurais na
relação entre enfermeira, paciente, hospital, outros profissionais. Isso
me fez alinhavar outro ponto interessante, o qual remete as normas
que regiam a enfermagem, onde se ensinava que essas regras, assim
como a obediência, eram mostras de boa conduta e distanciaria as
mulheres da sensualidade da profissão. Uma pedagogia que afastava
as enfermeiras de seus pacientes, isto, com o intuito de ordenar os
“corpos retos”. A história expõe que essa ordem emitida sobre o
corpo, não permitia a docilidade nos gestos e a disposição afetiva para
cuidar de quem tanto precisava de uma atenção de perto.
Para Godoy e Souza (2001) partimos de uma condição religiosa
e maternal, para uma profissionalização tecnológica que denotou um
distanciamento do cuidado afetivo e próximo. A disciplina e a ordem
estavam fortemente presentes, mas, com as conquistas profissionais
que as lutas empreendidas pelas mulheres alcançaram, várias políticas
fortaleceram o papel profissional que passaram a desempenhar, o que
ocorreu também com as enfermeiras. Constatam-se dois extremos na
enfermagem: um cuidado disciplinar, religioso, com feições rígidas,
para a formação de um profissional técnico e distanciado dos afetos.
Algumas narrativas apontaram para este olhar.
Não conseguia ser leve no começo do curso, era
muita cobrança, muita técnica, a gente nem
podia se soltar e olhar para a família; com o
paciente, tudo era em excesso formal. Depois,
com o passar das disciplinas e com a abertura
de alguns professores criamos autonomia para
atuar com mais atenção ao paciente (Afrodite,
22 abril, 2015).
82
Eu vejo como estamos começando a entrar no
hospital e a cuidar dos pacientes; é normal que
os professores cobrem muito e queiram que a
gente aprenda as técnicas, pois temos que fazer
certo. Sinto-me receosa de não fazer certo;
muitas vezes não dá tempo de conversar com a
família e ainda não me sinto segura para isso
(Atena, 12 maio, 2015).
As alunas descreviam o medo, a angústia presente no início da
formação, a insegurança para encarar um processo em construção e
que envolveria os primeiros contatos com o paciente, a família e
demais profissionais. Elas experimentavam os espaços do viver e do
morrer ao enfrentarem seus medos, suas alegrias e um amálgama de
sentimentos, aliados à exigência de se apropriarem de conhecimentos
técnicos e científicos. Outro fator importante estava na preocupação
com os afazeres profissionais, ou seja, com a incerteza se
conseguiriam realizar os cuidados técnicos de maneira adequada, para
cumprirem com as necessidades do paciente e as expectativas do
professor.
Agora que estou quase no final do curso, me
sinto à vontade e próxima do paciente, segura e
em condições de lidar com a família” (Diana,
24 abril, 2015).
Para as alunas, o início da formação foi marcado fortemente
pelo controle das atribuições e das técnicas sistematizadas. É ao longo
da formação que os professores vão consentindo mais leveza na
aprendizagem, então, criam situações pedagógicas para que as alunas
conquistem mais autonomia nas ações a serem desenvolvidas. Em
períodos mais avançados do curso, elas vão aos poucos se sentindo
fortalecidas, com segurança para um cuidado afetuoso, próximo da
família e do paciente e com autonomia para lidar com as
intersubjetividades. No decorrer da formação das alunas, o fio de
Ariadne despontou indicando algumas saídas que tornassem possíveis
outras formas de vivenciarem o labirinto, sendo a maturidade, uma das
possibilidades percebidas para lidar com o percurso da profissão.
No ensino de enfermagem, várias mudanças curriculares
importantes ocorreram a partir de um projeto pedagógico elaborado
em 1962, no qual eram contemplados na matriz curricular, apenas os
conteúdos que garantissem a destreza, a habilidade técnica e os
83
conhecimentos científicos básicos para tal. Assim, a formação se
pautava por um conteúdo de cunho técnico e biologicista,
considerando disciplinas como anatomia, fisiologia e técnicas
específicas para dar o banho, a medicação, aplicar sondas. Esse
formato de ensino era pautado no modelo médico, o qual estudava e
intervinha sobre peças anatômicas, tendo por finalidade restituir ou
provocar o funcionamento no nível mais pleno para cada órgão –
fragmentando o corpo e o vendo como sucessão de sinais e sintomas.
Desta forma, coagindo a indicação de fármacos, considerando que a
ação de prescrever o fármaco, é do médico, em um poder instituído,
baseado somente em evidencias-sintomas, de origem cartesiana (vejo,
penso). O intuito era formar profissionais para atuarem no mercado de
trabalho, assegurando os saberes padronizados de enfermagem, sem
considerar o paciente como ser um integral. (GEOVANINI 2002).
Estas alterações curriculares demarcaram, de maneira
significativa, as práticas de cuidado na enfermagem. A visão
biologicista implantada em 1962 e interessada em um cuidado
tecnicista que não considerava os aspectos subjetivos da corporeidade
do paciente, mas buscava o fazer técnico e curativo, passou por
inúmeras mudanças. Dez anos depois, em 1972, a mudança que
alterou a formação do profissional de enfermagem para generalista
denota que estamos mais próximos de um currículo integral,
multidisciplinar, com ênfase em diferentes áreas. Isso possibilitou uma
concepção ampliada das práticas de cuidado e outras ações de saúde
foram incorporadas à formação das enfermeiras.
A literatura sobre o ensino da enfermagem tem trazido
questionamentos e considerações sobre as modificações dos padrões
tradicionais de formação das enfermeiras, a partir dos currículos de
graduação. O currículo pretendia formar profissionais com
competências para atender às exigências da realidade e para contribuir
com a ruptura de antigos paradigmas, como a centralização do
cuidado na esfera curativa. Análises feitas por autores como Rocha e
Almeida (1995), indicam que pouca coisa mudou com relação ao
enfoque dado, pela enfermagem, ao cuidado. As ações continuaram
sendo de caráter curativo e centradas no modelo médico.
Os educadores que atuam na docência da enfermagem têm
buscado respiradouros para enfrentar e superar os problemas técnico-
pedagógicos e as noções de obediência e disciplina mantidas por
muito tempo na formação das enfermeiras. Estas são no campo do
ensino formação, das tecnologias educacionais apropriadas, bem
84
como, aproximar precocemente as alunas das vivências práticas,
inserindo-as nas unidades de saúde e nos hospitais, desde as primeiras
fases do curso.
Surgem outros movimentos de mudança, sendo a reforma
sanitária uma das mais importantes, considerando que nesse período
ocorreu a aprovação da Lei n.7498, de 1986, que dispunha
expressamente sobre a atribuição do enfermeiro como integrante da
equipe de saúde. Até a reforma sanitária, os modelos de ensino foram,
e, ainda são marcados pela fragmentação, o que tornou a atividade
uma prática meramente técnica.
À medida que a profissão se fortaleceu como categoria e
organizou seus processos de formação, avançou na construção de um
saber institucionalizado, que põe nas rodas das discussões: o ato de
cuidar, a afetividade e a corporeidade das enfermeiras. Retomando a
ponta do fio de Ariadne e considerando o percurso da profissão é
possível assinalar que a entrada no labirinto se dá durante o processo
formativo das alunas. Para enfermeiras com mais tempo de atuação
nos espaços do hospital, a rotina dos afazeres e técnicas inviabilizam
um cuidado afetivo. Pensar que a formação das alunas se constitui nos
modos de ensinar-formar as levariam para o distanciamento do
paciente?
Para as alunas ocorre um distanciamento nas ações cotidianas e
as tarefas por vezes inviabilizam o aconchego do cuidado. Encontrar o
fio, segundo elas, é uma busca constante, pois a arquitetura do
labirinto e os processos pedagógicos nele vivenciados não se esgotam
no âmbito da formação. Porém, muitas saídas se constituem nesse
lugar enigmático, cheio de imprevistos e com pessoas diferentes, com
desejos, alegrias, mas também com suas dores
Eu tenho dúvidas. Às vezes acho que a nossa
formação não nos prepara para viver nesse
labirinto, mas também penso que aprendemos
dentro dele, são tantas coisas no dia a dia,
pessoas, vida, morte, alegrias, aprendizados.
Em alguns momentos estamos mais distantes do
paciente e prestamos um cuidado meio
automático. E em outros dias chegamos com
tanta vontade de cuidar e ajudar; acho que
depende de como estamos. Precisamos estar
bem para cuidar bem (Anfitrite, 25 de maio,
2015).
85
Nos encontros que ocorreram durante a pesquisa foi possível
perceber a preocupação das alunas com os relatos, bem como a
disposição no cuidar. Entendiam que, desta forma, o cuidar se tornava
mais próximo e afetivo. Assim, a corporeidade percebida e vivida no
labirinto cotidianizado foi entrelaçada ao cuidado com o outro e à
formação pedagógica. Faço uso das palavras de Hart (2013, p. 100)
quando afirmam que “a formação e o cuidado são temperos de
qualquer processo educacional”.
Nos alinhavos da formação das alunas, para dizer do cuidado e
da corporeidade, os quais permeiam o hospital e a escola, encontram
recursos para uma reflexão sobre os processos pedagógicos. Na
percepção de Rosa (2011, p. 78), a escola, como instituição, ocupa um
espaço e um lugar, logo ela produz saberes e estabelece poderes que
fundam adequados modos para o mundo nela habitar. A escola, assim
como o hospital, também demarca espaços de ordem e disciplina,
organizadas em rituais, que sacraliza os corpos com suas estratégias,
ritos e exercícios emblemáticos. Talvez ainda tenhamos que profanar a
pedagogia, a escola, suas práticas, seus saberes e fazeres, como
argumenta Larrosa (2011).
Na compreensão das alunas, ao dizer da escola e do hospital
rebusco os escritos de Moraes (2014, p. 104), que apresenta as “trilhas
nebulosas”, entendida como rotas que encadeiam um processo de
formação, pautado no currículo do curso. É nesse devaneio nômade
que penso a formação e partilho com Silva (2007, p. 56), que
“currículo é identidade”. Lembremos que Gilles Deleuze não afirmou
o aprendizado como um ato isolado, solitário. Aquele que aprende não
o faz sozinho, em absoluta independência. Aquele que aprende não faz
como, mas faz com alguém, alguém que o alimenta e possibilita a ele
que cresça, pense e aja. (AZEVEDO, 2005).
DISPOSIÇÃO AFETIVA: O SER-JUNTO-COM NO CUIDADO DE
ENFERMAGEM
Sousa; Miguel e Lima (2011), inspiradas em Heidegger,
entendem que para habitar o cuidado, é necessária uma compreensão
filosófica. O autor sugere que o ato de cuidar é entrelaçado ao ser e ao tempo, porque somos os únicos seres que podem ocupar-se com o
futuro e com as possibilidades que a vida pode nos ofertar. Na
concepção de Heidegger, o cuidado contempla o modo positivo de
cuidar dos entes, portanto, não é sinônimo de bondade, é entender
86
autenticamente o que é importante nessa partilha. Nesse território do
cuidar, Heidegger destaca a base ontológica do fenômeno da vida, o
que significa a busca do sentido da vida, o sentido de viver, fazendo
uma crítica ao uso indiscriminado de técnicas modernas nas relações
entre pessoas.
De acordo com Boff (2002), cuidar, mais que um ato, é uma
atitude. Se espera, portanto, que o cuidador tenha disposição para
atendê-lo e que o faça de modo a considerá-lo "como ser humano".
O paciente considera como atributos mais importantes para um
cuidado de qualidade, aqueles voltados para aspectos interpessoais no
relacionamento, entre ele (paciente) e o profissional que pratica o
cuidado. Conhecer a percepção do paciente sobre o cuidado recebido
tem sido uma preocupação dos pesquisadores e profissionais
responsáveis pela assistência aos mesmos (OLIVEIRA;
GUIRARDELLO, 2006). Ser-sentir junto com o paciente parece ser o
que perspectiva o cuidado de enfermagem, quando assumida pelas
alunas. Ele traceja uma linha que habita o recebido/vivido pelo
paciente é o somatório de um grande número de pequenos cuidados
parciais que vão se complementando, de maneira mais ou menos
consciente e negociada, entre os vários cuidadores que circulam e
produzem a vida do hospital (CECÍLIO; MERHY, 2003).
Cuidado é relação, um fenômeno que se transforma de acordo
com as necessidades do ser, e se mostram quando este está fechado
para as possibilidades da vida. Para que o ser se abra em suas
necessidades é fundamental um ponto de partida, compreendendo que
o “ser” precisa estar ciente que é na angústia que o sujeito pode se
mobilizar (DOURADO, 2010).
Entre poesias e bordados retomo o cuidado que pode ser aqui
encenado como “dos afetos”, sendo possível perceber suas diferentes
rotas no percurso da enfermagem, onde lidamos com o desconforto, o
aprisionamento e a tristeza frente à dor do outro. O sofrimento que a
enfermagem vivencia diariamente dificulta as possibilidades de
metamorfose que a profissão enseja, no nascer e renascer da dor, no
cheiro da carne rompida, cortada, esfacelada, ou diante da dor de uma
mãe com seu filho. Como agimos diante da dor do outro? (SONTAG,
2003). O sofrimento humano em circunstância de internação
hospitalar, não tem como dispensar o cuidado, na sua melhor
potencialidade, aquela que afeta o paciente de modo a intervir na sua
recuperação, na restauração da sua saúde. Essa qualidade é intrínseca
87
ao exercício profissional da enfermagem, embora nem sempre seja
uma realidade no dia a dia do labirinto hospitalar.
São inúmeros os motivos para a enfermeira cuidar, assistir, não
cuidar, mecanizar as rotinas, dispersar a qualidade da atenção,
negligenciar procedimentos fundamentais, dedicar-se aos doentes com
amorosidade ou indiferença, por exemplo. Entre estes estão, a jornada
excessiva de trabalho, a exaustão que a relação com a dor produz; o
papel de subordinação que a hierarquia hospitalar institui desde o seu
nascimento; a precariedade material para assegurar todos os princípios
éticos e estéticos da atenção à saúde; as questões emocionais que cada
uma experimenta em seu viver; os aspectos assimilados no processo
formativo, o que atribui a cada uma o “grau de competência” teórica e
prática.
Diante da dor do outro e o cuidar de alunas e enfermeiras, o
sofrimento do paciente recai sobre elas, identificando-se com ele e
remetendo as próprias vivências pessoais, numa relação muitas vezes,
de contra referência, pois ela não tem oportunidade de refletir sobre os
sentimentos que são mobilizados no ato intencional do cuidado. Nem
sempre é possível trazer isso à consciência sozinha, o que gera uma
situação de sofrimento na aluna e na enfermeira, que se afasta. Na arte
de cuidar, a aluna e a enfermeira se depara com as interfaces do sofrer,
o que, de algum modo mobiliza a sua responsabilidade, dita certas
regras do cotidiano que podem espetacularizar a dor do outro e
desafiar as alunas para uma atuação ousada, autorizada pelo seu saber-
fazer. Há proveitos e inconvenientes nesse contexto, já que, por vezes,
o paciente é colocado numa condição de impotência, em um processo
afetivo questionável. A enfermeira também vivencia situações de
impotência ao enfrentar o labirinto hospital, com seus corredores,
quartos e frestas, o saber-poder médico.
A enfermagem é uma profissão que abarca o conhecimento em
torno do cuidado. Ao médico, em geral, é atribuído um conhecimento
adequado para tratar as doenças, numa perspectiva que aponta mais
para o sentido de assistir-curar. Essa distinção nas atribuições de um e
de outro, afeta o papel da enfermeira, perpassa a formação das alunas
e professoras, sujeitos que nas atividades práticas convivem com estas
situações.
O poder-saber da enfermagem e da medicina é abordado nas
rodas de conversas durante a pesquisa, a partir dos relatos das alunas.
Foucault (2012, p. 87), em a Microfísica do Poder mostra que os
saberes se engendram e se organizam para “atender” a uma vontade de
88
poder e, sobretudo, se constituem com base em uma vontade de poder,
que funciona como correias transmissoras do próprio poder a que
servem. O poder atuaria naquilo que temos de mais concreto, o corpo,
e passaria pelos aspectos do micro poder, um poder molecular, que se
distribui capilarmente sobre os corpos dóceis, supliciados,
domesticados, marcados, mutilados, decompostos, obrigados e
sujeitados, repartidos, organizados, separados, reunidos.
No labirinto hospitalar é possível encontrar pistas e rotas do
poder-saber que configuram o ato de cuidar na enfermagem, em
muitos momentos caracterizados por uma relação muito próxima de
contato físico intenso, tanto quanto por práticas distanciadas,
permeados por vários sentimentos. A atuação direta sobre o corpo do
outro faz com que a enfermeira entre em contato com a intimidade do
paciente e exerça uma relação de saber poder. O que se imagina desta
relação é respeito, compreensão, conhecimento, toque, diálogo, e não
apenas a execução de uma técnica ou procedimento.
Quando estou cuidando de um paciente levo
comigo a crença de que sou eu, enfermeira, que
sei o que é melhor para ele. Às vezes, a família
discorda de algumas coisas, ou o paciente; tento
explicar que é o melhor a fazer, porque tenho o
conhecimento da técnica, da doença. Respeito
muito o paciente, mas naquele momento eu
tenho o conhecimento (Afrodite, 23 de maio,
2015).
Na reflexão de Afrodite, evidencia-se uma visão prática de
apropriação do paciente, exercendo assim, o poder, que lhe seduz
desde a condição de aluna. Cabe salientar o aspecto emblemático da
sua fala, quando afirma saber o que é melhor para o paciente,
destacando a condição de subordinação em que o paciente se encontra,
quando internado.
Nas reflexões de Labronici, em “A corporeidade propiciando o
coexistir da racionalidade e da sensibilidade nas práticas de cuidar”
(1998, p. 78), trata-se de um corpo autorizado que cuida e de um
corpo a ser cuidado. Corpo que não se reduz a matéria, mas que está
vivo, por isso pulsa, pensa, sente, faz, calcula. Por vezes, esse cuidado se perde nos esgotamentos do cotidiano, a ponto de provocar um
esfriamento nos afetos, lançar uma inquietação, pois esse corpo que
cuida também sofre, adoece diante da dor do outro (SONTAG, 2003).
89
Corpo, nas narrativas de Sant‟ Anna (2001), é compreendido
como de passagem, a qual os considera metaforicamente um
passageiro
Um corpo tornado passagem é, ele mesmo,
tempo e espaço dilatados. O presente é
substituído pela presença. A duração e o
instante coexistem. Cada gesto expresso por
esse corpo tem pouca importância “em si”. O
que conta é o que se passa entre os gestos, o que
liga um gesto a outro e, ainda um corpo a outro
(p. 105).
De que corpo se fala no habitual da enfermagem? Questão
apresentada por (Sari, et al, 2009), quando destaca que o cuidado
realizado pelas enfermeiras é visto como tarefa a ser cumprida,
complementarmente às prescrições médicas e, esta enfermeira, por
vezes replica funções, sem se dar conta que invade a privacidade do
paciente sem pedir licença. Ao invés de limitado aos procedimentos
puramente técnicos, espera-se que o foco do cuidado esteja na relação
entre os corpos dos sujeitos envolvidos, ou seja, o corpo cuidado e o
corpo cuidador, numa relação de afetividade. Labronici e Polak (2000)
aventam que em todos esses momentos, o corpo do cuidador se depara
com situações que requerem, além do conhecimento técnico-científico
a disposição afetiva de estar ali, em presença, interessada,
sensivelmente, no bem-estar do paciente. A enfermagem tem uma
estreita relação com o corpo, já que há um corpo que cuida, e um
corpo cuidado
...corpos que devem ser vistos como o rio, em
cujas águas está escrita a partitura das nossas
vidas, em cujas águas corre, se agita e se acalma
a nossa existência; lugar no qual o passado, o
presente e o futuro se fundem (POLAK, 1997,
p. 96).
Percorri as diferentes produções de cena, artigos, textos e teses,
da ciência à arte, na educação, saúde e psicologia e observei diferentes
abordagens sobre corpo e a corporeidade. Desde o corpo torturado,
glorioso, de passagem, até os poderes dos corpos frios, a pedagogia
dos corpos retos, para compor corpo e corporeidade no saber da
enfermagem. Além das diferentes comparações entre corpo e
máquina, o qual deve ser revisado e ter as suas peças trocadas para
manter o funcionamento adequado, sendo que este último, aborda
90
claramente o modelo organicista. As discussões e estudos se debruçam
a compreender a apresentar o corpo numa dimensão além da
anatomia, considerando o aspecto relacional entre corpo e mente com
o mundo. A corporeidade interage os aspectos biológicos e
fenomenológicos do corpo de maneira experiencial.
Corpos em evidência de sofrimento, atenção, expectativas de
cura, etc., mas vinculados por laços de afetos marcados tanto pela
hospitalidade, quanto pela hostilidade. É relevante considerar que a
dor e o sofrimento só podem ser compreendidos no âmbito de uma
ética humanizada pela empatia, por uma estética que adorna a
corporeidade para estar bem. É inerente à condição humana a
suscetibilidade ao sofrimento, a aflição por não saber, a priori, como
será o instante seguinte ao agora, então, em cada experiência de
tornar-se humano há um esforço para não lembrar a sua finitude.
O hospital é como uma oficina de corpos que afina, desafina,
ajusta, remove ou substitui peças desta engrenagem. Ressel, Dias e
Gualda, (2004), afirmam que para promover a desmecanização e a
desfragmentação do corpo no processo de cuidado, é necessário
ressignificar não apenas os discursos e os conhecimentos, mas,
particularmente, a forma como assistem11
, e, neste caso, valorizar o
sentido da escuta, da compressão e da restauração do humano nos
relacionamentos.
Dentro do labirinto, os rituais da prática da enfermagem são
traduzidos em procedimentos sistematizados e cuidados técnicos, nos
quais o corpo se submete às ações dos profissionais de saúde. Para
Polak (2000, p. 67) “o corpo é submetido a trações, os ossos são
fixados com pinos, as vísceras, os músculos, os tecidos suturados”.
Nos alinhavos das ações de enfermagem, os procedimentos aplicados
ao corpo, tal como os tecidos de uma colcha, se constituem em partes
que são suturadas nesse labirinto chamado hospital.
No decorrer da pesquisa de campo pude vivenciar a trama da
colcha alinhavada no labirinto hospitalar, na tentativa de seguir o fio
lançado, o movimento junto-com as alunas, o qual me permitiu sentir
e registrar o cadenciar das ações dos diferentes grupos. Alunas,
enfermeiras e docentes supervisoras envolvidas com a formação em
suas potências e ausências. Durante o acompanhamento das
11
Assistir, termo adotado a partir da Lei do Conselho Federal de Enfermagem
(COFEN), 2002, entendido como uma forma sistemática e documental de
registro da enfermagem no exercício da profissão.
91
acadêmicas entendi que nesse labirinto as angústias e incertezas fazem
parte do cuidado das alunas, ora porque sentem medo de não ter o
conhecimento adequado ou suficiente para cuidar, ora porque não se
sentem seguras para realizá-lo. Parece que falta destreza, já que não é
possível, durante as atividades práticas, desenvolver inúmeros
cuidados técnicos. Isso forma uma trama de sentimentos.
Parece que quando chegamos para as práticas
ficamos meio perdidas. O dia a dia do hospital é
diferente, tem rotinas, muitos profissionais (Isis,
27.05.16).
Tenho medo de fazer as coisas e, ao mesmo
tempo, muita vontade e curiosidade de fazer.
Não sei se sei o bastante para dar conta das
coisas, e, além disso, tem o paciente te olhando,
cobrando, e a família. Ah, sem esquecer o
professor que está ali o tempo todo, o que é
importante, mas deixa a gente com medo
(Aurora, 21 de maio, 2015).
Os sentimentos das alunas ficam confusos, pois a rotina
instituída no cotidiano do labirinto apresenta uma gama de ações a
serem desenvolvidas expressadas no compartilhamento e na (com) -
vivência com pacientes e professores. O ser aluna experiência sentidos
e sensações do ser-em, que para Heidegger (2008) é ser-com os outros
e para habitar esse labirinto é preciso encontrar as saídas para lidar
com os anseios de uma profissão que cuida.
Percebo que a universidade não mostra o que
vamos encontrar no hospital, porque não temos
a noção do que acontece na prática (Flora,
11.04.15)
Agora que estamos quase no final do curso, nos
damos conta de que a realidade do hospital nos
mostra que a faculdade nem sempre nos prepara
para enfrentar a profissão (Maia, 16.04.15).
Nas narrativas do grupo, a preocupação é com as rotinas que
estão estruturadas no labirinto, as quais se constituem de seus medos, angústias e alegrias. Em alguns momentos parece não se sentirem
preparadas para atuar como enfermeiras, e admitem que a formação
não aponta para os desafios que adornam a realidade vivida no
labirinto hospitalar. Ao abordar a questão do corpo e da corporeidade,
92
as alunas demonstram a importância de um olhar diferenciado que
assegure o respeito, mas também relatam que tocar o corpo desnudo,
mobilizado, machucado, causa dor e medo.
No começo da faculdade a cobrança é muito
técnica e a gente não consegue olhar o paciente
de maneira mais integral, temos medo de chegar
perto, de tocar e ao mesmo tempo fazer as
técnicas, dar banho, medicação (Diane, 12 de
abril, 2015).
Ao observar as alunas no treinamento do cuidado acompanhei
os momentos em que entravam em contato com o paciente.
Demonstravam carinho e preocupação, mas, ao mesmo tempo, agiam
de maneira disciplinar, sugerindo que alinhavar o cuidado afetivo e as
tarefas a serem cumpridas nem sempre é algo fácil durante o percurso
de formação. Os espaços parecem limitar os sentimentos e as reações
das alunas, envoltas no cumprimento das normas estabelecidas.
Quando próximas do paciente denotam afeto, mas, de um jeito
distanciado. Ao relatar esses aspectos o grupo ressaltou a importância
da afetividade e as alunas que cursavam a fase final afirmavam que
neste período da formação, a atenção e o afeto ficam mais evidentes e
possíveis no cuidado prestado. É possível que o cotidiano leve ao
esgotamento e ao esvaziamento, mas também pode ser um lugar de
inventividades.
No final da faculdade temos que ter a visão do
todo, olhar mais integral, mais amplo e parece
que, como já vivemos todas as etapas da
formação, conseguimos ter tranquilidade para
ver o paciente com mais calma, ouvir o que tem
a dizer, ser mais atenciosas (Aurora, 07 de
maio, 2015).
Sabemos que a rotina não permite muitos afetos,
temos que fazer e pronto, não dá tempo. Somos
cobradas principalmente pelo professor. Acho
que, às vezes, isso não é visto como o mais
importante. A gente consegue ser mais
carinhoso e dedicado ao paciente, agora na fase
final e adequar novas formas de cuidar, mais
aprofundado, com outras perspectivas (Irene, 03
de junho, 2015).
93
Como lidar com as ambiguidades? As alunas concebem o afeto,
o amor e o cuidado integradamente, porém, sentem uma barreira para
colocar em prática quando se deparam com as exigências docentes e
com a própria rotina. Talvez os professores estivessem olhando para o
cuidado também a partir das frestas do labirinto, sem entender que a
ponta do fio pode estar solta em meio à sucessão dos dias. Para cuidar,
as alunas precisam familiarizar-se com todas as nuances que adornam
essa disposição afetiva, e para isso, a formação tem uma importância
fundamental.
Dentro do labirinto, o paciente passageiro sente-se feliz ao
receber um olhar de carinho, um gesto afetuoso, e ao deparar-se com
as estagiárias observa um cuidado qualificado e atento, o qual é
retribuído com gratidão pela atenção recebida, contudo, o interno
mantém a postura de quem não quer incomodar, pois estar
hospitalizado implica de certa forma ser resiliente, paciente. Para
Sant‟Anna (2001), esse passageiro que se encontra nos quartos e nos
corredores do hospital, se assemelha a um viajante aguardando a
ocasião do embarque, do atendimento, uma espera que exige
paciência. Para autora, o hospital, compreendido nesse ensaio como
labirinto compara-se ao aeroporto, um lugar de idas e vindas, esperas,
alegrias e ansiedade, numa espera similar a um conta gotas. A palavra
hospital sugere termos como hospedaria e hóspede, mas conforme os
escritos de SANT‟ ANNA (2001),
Uma vez internado, o paciente sofre uma
ruptura com seu cotidiano, desencadeadora de
um sentimento de „falta de existência‟, como se
ele ficasse repentinamente em déficit para com
o mundo. Separa-se da família, da residência,
do bairro; do trabalho, dos amigos e começa a
experimentar um constante desfazer de suas
certezas e identidades. Em diversas alas do
hospital, a ausência de rostos, paisagens e
objetos familiares acentua a perda de
referências e o sentimento de abandono (p.31).
Silveira, et al (2003), apresentam o aspecto do corpo sexuado,
remetendo ao corpo da cuidadora, enfermeira, mulher, aluna, como predominantemente feminino e em sua conotação de gênero. A
enfermagem pode ser entendida nesse sentido, a partir de uma
formação constituída historicamente na profissão, atrelada a imagem
do paternalismo, que “submete” essa mulher-enfermeira ao saber do
94
médico, vinculando a profissão ao caráter de uma ocupação
complementar a outra área.
Este olhar está entrelaçado com a absorção do modelo religioso
na prática de enfermagem, o qual baseava-se em valores religiosos e
morais cristãos que, além de definirem o lugar da mulher como
submissa em relação a Deus e seus representantes, subvertiam aqueles
veiculados ao corpo concreto, lugar de prazer e desprazer, satisfação e
desconforto, bem-estar e dor. Por meio da história da enfermagem
pode-se compreender a luta contra estigmas e preconceitos impostos
pela ignorância social, o qual ainda assegura uma visão da enfermeira
como objeto sexual e a manutenção do assédio na profissão (COLPO,
CAMARGO, MATTOS, 2006).
O corpo objeto do paciente, para Ressel e Silva (2001) traz a
ideia de corpo cuidado e cuidador como um instrumento, utensílio
despersonalizado e impessoal. O corpo revela uma vivência singular
que ao se entregar ao cuidado, muitas vezes perde a sua identidade, é
condenado à passividade nas relações e reduzido a um caso clínico, a
uma ferida, a uma lesão. Imprescindível é desobjetificar aquele que é
cuidado, afastar a visão técnica do fazer e vinculá-la a uma ação
respeitosa, ao contato interativo, ao crescimento conjunto da
confiança, à possibilidade de compartilhar saberes e culturas, tudo isso
com muita afetividade.
A impessoalidade ratificada no cotidiano da prática da
enfermagem proporcionava um afastamento entre o corpo cuidado e o
corpo do cuidador, sugerindo a ausência de uma comunicação
justificada pela falta de tempo para uma escuta sensível. Com isso, a
desmitificação dos medos, a manifestação das emoções diante da dor,
do sofrimento e da morte, se traduzia em aspectos sem relevância.
Essas atitudes pareciam representar um mecanismo de defesa frente à
vivência no labirinto hospitalar, onde as alunas, enfermeiras e
professoras blindavam os sentimentos, numa tentativa de não sentir as
angústias da profissão. O corpo no hospital, conforme Polak, Maia e
Lisniowski (1998), é internado em alas, recebe números, códigos,
uniformes, e passa a conviver com estranhos.
Para Bois, (2012), quando se toca um corpo não se toca apenas
um organismo, mas uma pessoa em sua totalidade. O tocar não se
restringe apenas a um coração, um fígado, um osso, mas a um ser com
seus medos e com suas potencialidades. O paciente espera,
primeiramente, que aquele ou aquela que chega ao seu leito seja capaz
de cuidar afetivamente, de tocar o seu Eu, como um pacto que pode
95
ser sustentado por uma escuta profunda. As mãos que cuidam
afetivamente são carregadas de interesse no bem-estar do paciente,
trazem consigo uma alma que se encontra com o outro por inteiro, que
proporciona trocas com ele e com a sua família, forjando um
desencadear de processos de cura.
A mão passa a desempenhar o papel de um
ouvido da alma no projeto de escutar o
paciente. Trata-se de um „tocar de escuta, de
reencontro‟, um tocar de reconhecimento que
legitima e reconhece (BOIS, 2006).
Algumas enfermeiras têm dificuldade na aproximação com o
paciente. Por vezes, um olhar mais atento se perdia no subterfúgio da
técnica e as levava para o distanciamento. Nesse caso, o cuidado
tornou-se uma assistência disciplinada e normatizada, seja porque esse
contato as incomodava, por uma questão de pudor, seja por
insegurança. Algumas situações parecem tão controladas pelos ritos
formais do labirinto, que provocam o afastamento demasiado do
paciente, identificadas com circunstâncias de extrema indiferença
(BOIS, 2012).
Nesse aspecto a corporeidade se evidencia com as informações
que guarda ao longo do processo evolutivo, mediada pelas interações
com o meio e com as pessoas, com as experiências intersubjetivas e é
através dessa corporeidade que a fragilidade humana se apresenta.
Diferentes manifestações subjetivas percorrem a corporeidade que, de
acordo com Boff (2002, p.194), implica compreendê-las também
como um conceito que exprime a totalidade humana, enquanto ser
vivo, parte da criação e da natureza. Corporeidade aqui se diferencia
de corporalidade, um termo da antropologia dualista que interpreta o
ser humano como a união de duas partes distintas, o corpo e a alma.
Articular a noção de corpo e corporeidade nos estudos que envolvem
os profissionais da saúde, com diferentes trajetórias, significa
reconhecer a implicabilidade dos sentimentos que marcam a presença
de cada ser-no-mundo.
Le Breton (2006, p. 11) assume que o corpo é
uma espécie de escrita viva no qual as forças
imprimem vibrações, ressonâncias e cavam
caminhos. O sentido nele se desdobra e nele se
perde como num labirinto onde o próprio corpo
traça os caminhos. O corpo pode ser intuído
como legitimação, como espaço tempo do Ser
96
aqui, encharcado pela mundaneidade viva que
lhe acentua diferentes nuances, necessárias para
compor a corporeidade e os jeitos como esta se
traduz na dinâmica entre o visível e o obscuro
da subjetividade humana.
A corporeidade está imbricada na própria existência de cada
indivíduo, integra suas vivências, sua história, sua cultura, os traços de
suas arquiteturas internas habitadas inclusive pelas sombras do viver
comunitário. Nesse sentido, corporeidade e educação se manifestam
como um encontro para celebrar a vida. É o que Maffesoli (1996, p.
134) nomeia como “epifanização do corpo”. Uma experiência que
oferece, sobretudo, um aspecto comunicacional. O corpo, nas suas
interações sociais é capaz de despertar a comunicação entre os
sujeitos, à medida que a corporeidade, onde este se aloja, é gerativa de
múltiplos diálogos. Para o autor é, portanto, o horizonte de
comunicação que serve de pano de fundo à exacerbação da aparência.
O corpo alienado e dócil abordado por Foucault (1987) traz a
visão do cuidador e do ser cuidado, enquanto passivo, submisso,
disciplinado e desinteressado de si, numa imagem comum de corpo,
aquela que torna cuidador e ser cuidado subordinado, alienado em
relação ao próprio corpo, docilizados diante do poder que disciplina
que normatiza condutas, prescreve e impõe rotinas na prática das
tarefas da enfermagem.
De certa forma, também há uma disciplina exigida nos corpos
das enfermeiras, quando destacamos os aspectos relacionados aos
adereços específicos que marcam o seu corpo, como a roupagem
branca, o jaleco, a proibição de adornos pessoais que sugerem
personalidade à sua postura corporal. Estes estão imbuídos de poder
institucionalizado, na busca da descaracterização da imagem
sensualizada da mulher enfermeira.
O ser cuidado é passível de ser considerado dócil quando se
oferece sem questionar, quando não se opõe ao que lhe é estabelecido
como “ideal” de cuidado, permanece calado na cena instalada, quase
inexpressivo, e então renuncia aos seus anseios, às suas aspirações,
aos medos e crenças que a doença faz emergir. Para ganhar a melhor
atenção do cuidador, em certas circunstâncias o paciente pode, até
mesmo, abrir mão de seus valores. O corpo enfermo é alvo das
prescrições e das intervenções institucionais, por conseguinte assume
a passividade, aliena-se do confronto e deixa-se ser regido pelo
97
silenciamentos de suas emoções (POLAK, MAIA e LISNIOWSKI,
1998).
Para os autores, o enfermo transita pelas entranhas do labirinto,
em muitos casos, confuso entre a passividade subjacente à ação dos
cuidadores e a sua resiliência para alcançar o foco mais desejado: a
restauração da saúde. Seu corpo, em nome do cuidado se deixa
invadir, é esquartejado em partes para atender os estudos clínicos, aos
procedimentos curativos, aos banhos e a colocação de sondas, por
exemplo. E por incrível que pareça, durante a pesquisa de campo pude
constatar que muitos pacientes se submetem aos ritos hospitalares, e o
fazem, quase sempre, com expressão de alegria, com satisfação pelo
cuidado recebido.
Para Sontag (2003) é na exposição que o corpo ganha
publicidade. Até bem pouco tempo, os doentes eram tratados e
morriam em casa, os penicos ficavam debaixo da cama, a menorreia
passava pelas mãos que lavavam as toalhinhas higiênicas, o sangue, as
fezes e a urina, faziam parte da rotina domiciliar. “Na medida em que
o corpo ganha direito de exposição, conquista o dever de ser civilizado
e fotogênico” (p. 69). Os tecnológicos, a perda de fronteiras
geográficas e comunicacionais alteraram, significativamente, as
concepções e práticas em torno da doença, do doente, dos estilos de
tratamento, e do modo de cuidar. O paciente, hoje, está incorporado ao
hospital e um “saber médico”, portanto, a família e os cuidados
caseiros são coadjuvantes. São considerando apenas, quando não se
vislumbram outras possibilidades terapêuticas, ou seja, quando o
hospital se esgota em oferta.
Ao fazer parte do labirinto hospitalar o paciente entrega seu
corpo aos cuidados de estranhos, aqueles e aquelas que sabem o que é
o melhor para ele. Estar doente não é mais natural! E a dor, que no
século XIX era sinônimo de coragem e persistência, deve ser banida.
A vida do paciente é como se não fosse vida, passa a ser um momento
intervalar, como na ideia de possessão, um lugar de passagem. Aquela
noção feminista da década de 1960 de que o “nosso corpo nos
pertence”, que pretendia ser um contraponto à dominação do homem
sobre a mulher, não só se esvaziou como nos remete a pensarmos que
nossos corpos não pertencem a ninguém, nem a nós mesmos.
Para Susan Sontag (2003), o corpo é paradoxal à medida em
que não é algo pronto, mas também não é um rascunho. Somos e
temos um corpo sempre de passagem, não no sentido cristão de
98
terminalidade, mas no sentido da plasticidade ontológica que nos torna
humanos, em diferentes momentos.
Ao me aproximar mais uma vez a Sant‟ Anna (2001, p 29), e
fazendo uso das metáforas, retomo a compreensão do paciente e seu
corpo esquadrinhado por máquinas e pessoas, o qual vive no labirinto
hospitalar, mergulhado em estranhamentos e solidão. Este,
dependendo de qual local está internado-sequestrado, se vê solitário,
impedido de suas vontades e desejos, e impregnado de ausências de
rostos, paisagens e objetos familiares, o que acentua a perda de
referências e o sentimento de abandono. Deitados, permanecem
diminutos na aparelhagem a qual estão ligados, numa cadência do
viver e do morrer.
A vivência de separações inclui a fragmentação
do tempo, do corpo e das atividades. A imagem
do conta-gotas é, nesse caso, exemplar, e não
menos metafórica. Por vezes, os visitantes e
familiares são admitidos a conta-gotas,
enquanto todo a rotina cotidianizada do
hospital, parece ritmada pelo pinga-pinga. As
informações são passadas aos pedaços. Vive-se
sob a angústia da espera, espera-se o próximo
remédio, o próximo diagnóstico, a próxima
visita, a próxima refeição, o próximo banho, o
próximo dia e a próxima noite. A rotina de
esperas cria para o paciente, com seus
sofrimentos e solicitações, a constrangedora
sensação de que ele é um obstáculo ao bom
funcionamento do hospital (Sant‟ Anna, 2001 p.
29-30).
Cabe destacar, a partir do olhar da autora, que durante as
práticas de campo na instituição hospitalar percebia que o cotidiano do
labirinto-hospital, por vezes privilegiava as rotinas esfriadas e
esgotadas de afeto. O hospital ainda se configura como um templo da
doença, que faz o paciente-passageiro vivenciar uma experiência única
de solidão. Ao adentrar o labirinto, ele se despe de tudo, da sua
identidade, pessoalidade, que são marcados em seus objetos, agora
proibidos pela lógica instituída, sendo que o único companheiro, em alguns momentos, é o criado, que ironicamente é mudo. Nele reside,
neste momento, uma resistência silenciosa, na qual aceita o que se
apresenta para ser bem cuidado, demonstrando resiliência.
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O tempo do hospital se transfigura, uma manhã é imensa de
ações, cuidados, tarefas e rotinas. Ao final do turno, pretende-se que o
mesmo esteja pronto, finalizado. Outra questão se apresenta ao olhar
este cenário: Considerando o momento de transição em que se
encontra, o aluno está pronto para este tempo?
Às vezes, não sei se estamos prontos para cuidar
do paciente, vendo todas as mudanças que vejo.
Tenho pena dele e de sua família, mas também
me vejo imersa nesse labirinto, porque é difícil
lidar com a doença, a dor e como compreender
um paciente que por vezes está ligado a tubos,
sondas. Que não fala. Difícil atender suas
necessidades. Como posso compreender a sua
necessidade ou expressar carinho? Muitas vezes
não sei como agir (Afrodite, 08 de junho,2015).
O paciente fica passivo quando cuidamos,
poucas vezes ele participa, ou é ouvido. Admito
que nós não conseguimos juntar a vontade do
paciente e as técnicas que temos que fazer,
parece que são coisas diferentes. Aprendemos
que devemos considerar e respeitar a vontade e
o direito do paciente em receber o cuidado, mas
as normas do hospital não permitem isso e os
enfermeiros não estão dispostos a mudar ou
questionar isso (Artêmis, 05 de abril, 2015).
As narrativas das alunas, enfermeiras e professoras denotam
que o corpo do ser cuidado e do cuidador é visto sob muitos olhares.
O corpo fala e a cena permite outras reflexões, e nesse movimento
trago a beleza poética de Clarissa Pínkola Estés, no seu corpo
jubiloso, em “Mulheres que correm com lobos” (1994, p. 251),
O corpo usa sua pele, sua fáscia e sua carne
mais profunda para registrar tudo que ocorre
com ele. Como a pedra de Rosetta, para aqueles
que sabem decifrar, o corpo é um registro vivo
de vida transmitida, de vida levada, de
esperança de vida e de cura. Seu valor está na
capacidade expressiva para registrar reações
imediatas, para ter sentimentos profundos, para
pressentir.
A autora trata do corpo como um ser multilíngue, contando que
ele fala através da cor, da temperatura, do rubor, do reconhecimento,
100
do brilho, do amor, das cinzas da dor, do calor da excitação, da frieza
e da falta de convicção. O corpo revestido da pele, uma pele vista
como sexto sentido é capaz de metaforicamente lembrar.
Os ossos lembram, as articulações lembram, e
até mesmo o dedo mínimo. A memória se aloja
em imagens e sensações nas próprias células,
como esponja cheia de água, em qualquer lugar
que a carne seja pressionada, torcida, ou mesmo
tocada com leveza, pode jorrar dali uma
recordação (1994, p. 251).
Na compreensão de Foucault (1987), o corpo sujeito às regras
do poder e do saber é aceito pela maioria sem contestação e, muitas
vezes, vítima de desmandos. O cliente no contexto hospitalar, é visto
como ser passivo; tendo sua identidade diluída ou pouco considerada,
passa a ser conhecido por um número, como o paciente da ala azul, ou
o paciente do seguro tal; ou passa a ser conhecido, segundo o
diagnóstico, como o canceroso, o gotoso, o comatoso (POLAK, 1997).
A autora salienta que as questões da disciplina mostram o
quanto o corpo se submete às regras do saber cientifico e obedece a
esse tipo de saber e de fazer. A obediência é expressa quando o
paciente se entrega aos procedimentos e aceita o que é imposto, por
considerá-los verdadeiros.
Devo enfatizar que é em nome dessas verdades
que a enfermagem, possuidora de saber e de
poder, presta cuidados aos corpos viventes, que
se submetem a tratamentos, dentro de um
cenário frio e totalmente diferente e do seu
ambiente anterior, ambiente onde a luz, os
cheiros, as cores, as faces que o cercam, são
totalmente estranhos. Para reiterar todo esse
clima angustiante, até a linguagem difere e o
faz sentir-se cada vez mais estranho; no entanto,
ironicamente, aceita com aparente resignação a
nova situação, pois é isto que a sociedade lhe
oferece, e o sistema reitera que é bom (POLAK,
1997 p. 89).
A circulação instalada no labirinto mostra que o paciente se
coloca numa dimensão docilizada do cuidar, resignada e porque não,
alienada de conhecimentos sobre a sua condição. É através dos modos
de cuidar que se dão as interações e os encontros entre os profissionais
101
e os pacientes. Há um corpo não é isento de história, e ao potencializar
as subjetividades abrimos espaços de viver que possibilitam aflorar
um ser que sofre as mutações do labirinto, e mesmo assim insiste na
busca pelo fio de Ariadne ao provocar mudanças e apontar outras
saídas. Na trama que enredou o cuidado e a corporeidade no percurso
da formação das enfermeiras, a colcha sofreu muitos arremates e
alinhavos, e estes precisam ser resistentes na tentativa de permitir uma
costura possível e delicada. Ocupar-me-ei destes chuleios nas
próximas linhas.
102
103
10
Figura 19: Enfermagem histórica
Fonte: history of nursing andmedical care (http://www.pinterest.com/scrubsgiant)
104
105
CORPOREIDADE E CUIDADO: UMA COLCHA POSSÍVEL NA
FORMAÇÃO?
A pele é esta superfície nada superficial que revela o que há de
mais profundo em um corpo. E cada corpo sabe a dor e/ou o prazer, o
significado de seus sinais, sem necessariamente desejar sua revelação.
Sinais estes que mantêm a memória viva no cotidiano desses corpos e
anunciam/denunciam seus lugares (MAFESOLLI, 2007).
Nas entradas, saídas e não saídas do labirinto, a corporeidade
das alunas se constitui e suscita enfrentamentos com o outro que nos
habita. Isto indica uma compreensão do ser humano como unidade
integrada, composta, a um só tempo, de corpo, mente (espírito) e
subjetividades. A corporeidade abarca tudo aquilo que funda a nossa
humanidade, com seus múltiplos processos de subjetivação. A
corporeidade, portanto, sugere o lugar dos sentidos, das emoções e da
materialidade viva, o que reúne a noção de multiplicidade e
individualidade conectadas à existência (SOUSA; MIGUEL; LIMA,
2011, p. 46).
Corporeidade sou eu. Corporeidade é você.
Corporeidade somos nós, seres humanos
carentes, por isso mesmo, dotados de
movimentos para a superação de nossas
carências. Corporeidade somos nós na
íntima relação com o mundo, pois sem o
outro é inconcebível (MOREIRA e
SIMÕES, 2006, p. 87).
A noção de corporeidade compreendida por Polak (1997),
pautada em conceitos trazidos da fenomenologia hermenêutica de
Ponty, assim pode ser apresentada:
[...] como mais que a materialidade do corpo,
que o somatório de suas partes; é o contido em
todas as dimensões humanas; não é algo
objetivo, pronto e acabado, mas processo
contínuo de redefinições; é o resgate do corpo,
é o deixar fluir, falar, viver, escutar, permitir ao
corpo ser o ator principal, é vê-lo em sua
dimensão realmente humana. Corporeidade é o
existir, é a minha, a sua, é a nossa história
(Polak, 1997, p. 37).
106
Nessa dança labiríntica trançada por muitos fios de diferentes
cores e texturas, o cuidado e o corpo-corporeidade se apresentam
alinhavados na formação das alunas. Lendo “Ser e Tempo” de
Heidegger (2008), percebe-se que a arte de curar, (cura-cuidado em
latim), está em antecipar-se ao bem-estar do outro, sem esperar nada
em troca. A qualidade afetiva e estética do encontro entre pessoas
diferentes pode gestar a hospitalidade desejada, especialmente no
campo da saúde, ao contrário da hostilidade, que pode afetar o
organismo como um todo e favorecer os estados de adoecimento.
O autor lembra a fábula de Higino, que apresenta o Mito do
cuidado, como "um testemunho pré-ontológico" da sua doutrina. Essa
fábula termina com estas palavras: "como foi cuidado quem primeiro
imaginou o homem, que fique com ele enquanto ele viver". O filósofo,
em suas concepções, indaga sobre o ser-no-mundo, como presença no
tempo e no mundo, e o homem, nessa perspectiva, nunca é uma
subjetividade em si mesmo, senão na inter-relação com os outros e
com as coisas. O autor nos oferece recurso teórico que permite o
reconhecimento de que conviver no cotidiano das ações da
enfermagem é um desafio que nos remete a um novo olhar para a
magnitude do cuidado.
Inspirada em Heidegger (2008), entendo que talvez seja
possível vislumbrar as ações da enfermagem sem o esquecimento-do-
ser, para abrir as portas da percepção de que ali há um ser em si
mesmo, portanto, há com ele uma ordem de compromisso com o seu
bem. Estar junto-com e experienciando a ética e o respeito com o
outro. O cuidado ocupa um sentido que vai além do ato, além do que
se pode perceber e contempla uma disposição sustentada na qualidade
afetiva de proteger, zelar, despertar a confiança na vida. Não é
sinônimo de pura bondade.
A convivência diária com os espaços e as estruturas do labirinto
hospitalar relaciona-se com o sentido de cuidado e de cura, como um
ato que se empenha na construção da liberdade profissional. O
movimento constante deste ato tem um sentido que se manifesta na
estética das práticas diárias, mesmo com todas as normas e rotinas
estabelecidas. Aí está uma possibilidade de não se esgotarem em si
mesmas, de encontrarem significados que potencializem o desejo de
viver do paciente para retornar ao seu habitat. A enfermagem não
pode perder de vista seu supremo objetivo: colocar seu conhecimento
e sua disposição afetiva a serviço da vida.
107
O cuidado nos diversos campos da saúde tem uma expressão
relevante na enfermagem, onde se lança uma expectativa de ir além
dos procedimentos técnicos conclusivos que podem provocar mais
sofrimentos. Envolve um compromisso entrecruzado com o outro e
com nós mesmos, feito de palavras que honram a dignidade, de gestos
que abrigam, de procedimentos que se mesclam com a sensibilidade, a
fim de compor uma ação humana - humanizada. A partir do cuidar
como atitude institucionalizada na enfermagem, forjam-se aberturas
para a hibridização de processos que entrelacem racionalidade e
sensibilidade, reflita e indague sobre a complexidade da relação
cuidar-ser-cuidado.
Nas observações de campo, o cuidado se fazia presente nas
relações entre pacientes, cuidadores, família. As alunas denotavam
atenção, preocupação com o enfermo, mas havia questões pontuais
que surgiam no cotidiano e que pareciam contribuir para esfriar as
ações afetivas da cuidadora. O tecnicismo e a rotina das tarefas
distanciavam os afetos e para as alunas era difícil entender esse
processo.
Eu não sei por que é tão difícil ficar mais
próximo do paciente; sentimos preocupação,
pena da condição dele, mas logo nos
acostumamos com o passar dos dias dos
estágios. Acho que vira uma rotina mesmo e a
gente logo começa a fazer tudo automático,
porque não dá tempo para conversarmos e dar
mais atenção. Acho que enquanto cuidamos
damos atenção e carinho (Isis, 11 de abril,
2015).
A piedade não fortalece o vínculo entre a enfermeira e o
enfermo, quando restrita às situações de assistência técnica. Uma
pessoa doente, assim como qualquer ser vivo, para curar-se e
permanecer bem tem necessidade de amor e respeito, de
reconhecimento de sua condição ontológica. Para Maturana (2003), o
amor é um gesto de consideração à legitimidade do outro, um
fundamento do social que assinala uma convivência de direitos. Esse
pode ser um compromisso importante nas práticas da enfermagem
porque ele traz sentido ao conhecimento técnico, aos procedimentos
habituais, mas precisa ser inventariado durante a formação acadêmica
das enfermeiras.
108
As narrativas, embora evidenciassem que havia o desejo de
cuidar, sugeriam como elas são enredadas pelas rotinas que esfriam os
sentimentos e pareciam embaçar o olhar mais atento à corporeidade do
outro. As alunas, sob o olhar das professoras dedicavam-se ao cuidado
com atenção e empenho e circulavam nos corredores do labirinto
imbuídas de atuarem de acordo com os ensinamentos aprendidos no
decorrer da formação.
Tem o fato de que temos poucos enfermeiros e
técnicos para cuidar. São muitas as ações a
serem feitas: cuidados, banho, medicação,
sondas, exames, aí não conseguimos perceber
esse outro lado do afeto, do corpo. Também
precisamos nos cuidar para podermos cuidar do
paciente (Aurora, 29 de abril, 2015).
Aurora ressaltava a precarização da enfermagem na
organização do trabalho, que não assegura um número adequado de
profissionais para as práticas de cuidados nos hospitais. O fazer da
enfermagem ainda sofre com os artifícios da cotidianização e nem
sempre sabe como lidar com estas questões no labirinto.
A partir do pensamento de Maffesoli (1996, p. 134), penso que
há um imaginal que admite configurar as questões corpo-corporeidade
e cuidado, apresentadas até aqui. Para o autor, a relação sujeito-outro é
sujeito-corpo. A este fenômeno o autor denomina corporeidade,
ambiente geral no qual os corpos se situam uns em relação aos outros;
sejam os corpos pessoais ou os corpos metafóricos (instituições,
grupos). É, portanto, o horizonte de comunicação que serve de pano
de fundo à aparência. O olhar de Foucault (1999) destaca a relevância
do corpo e da alma como sustentáculos das forças de poder e de saber,
que também se constituem no fazer da enfermagem.
Na genealogia foucaultiana, em vez da preocupação com as
forças próprias do corpo, há a indagação acerca das práticas
discursivas e não-discursivas que se investem sobre este com interesse
pelas condições concretas que o constitui. O autor destaca a
importância do corpo como realidade biopolitica-histórica e lembra
que a sensorialidade corpórea é constantemente construída e
reconstruída, a partir das alterações políticas de cada momento. Ela
faz deste corpo um palco no qual os saberes e poderes se articulam,
produzindo a individualidade (FOUCAULT 1999, p. 73).
A enfermeira parece perceber a sua corporeidade, quando diz
que
109
O meu corpo faz parte do cuidado que realizo;
eu estou presente nas ações, mas no dia a dia
não pensamos nisso e não levamos isso em
conta. Sou eu enfermeira naquele momento,
cuidando de outro corpo, que tem vontades,
vida e desejos. Quem sabe, um aprofundamento
teórico maior sobre estas questões poderia
ajudar nessa compreensão. Não podemos parar
as ações para discutir isso na correria do dia.
Mas entendo e vejo importância, só não nos
debruçamos sobre essas questões durante a
vivencia do trabalho (Flora, 29, maio 2015).
Flora identifica seu corpo-corporeidade travestidos durante o
cuidado praticado no labirinto, porém imersa no cotidiano dos fazeres
da enfermagem, configura-se num corpo instituído e envolto com a
ordem das tarefas. Durante seu relato, o qual se deu de pé, no balcão
dos prontuários, entre um atendimento à um paciente que aguardava a
inserção de uma sonda, e outro que necessitava da medicação, a qual
precisava ser conferida. Marcada pelas sinuosidades de um fazer, que
aponta para uma rotina que consome e abate as enfermeiras.
Sua expressão de “urgência” em relatar aos fatos ansiava a
continuidade, demarcando o “não podemos parar as ações”. Os
desejos implícitos nos detalhes sinalizaram a necessidade de ser
efetivo como enfermeira, mas essa cadência não permitiu o ser-
afetivo.
Imbuídas de percepções e afetos, as alunas e enfermeiras
compreendem a dimensão subjetiva do paciente e buscam tecituras
capazes de configurar um cuidado afetivo e qualificado. Ao
dimensionarem o seu espaço-corpo em suas ações diárias, mostram
que o paciente está presente, perceptível em sua condição de não ser
mais um mero expectador do hospital, mas como um ser que nos
provoca em sua essência e condição de ser-estar no labirinto. Durante
o período de observação e acompanhamento das enfermeiras e alunas
em seus afazeres ritualizados, foi possível notar os confrontos e
embates diários, frente ao autoritarismo institucionalizado da
hierarquia hospitalar e dos saberes médicos. Em diversos momentos as
enfermeiras questionaram as ordens instituídas e numa tentativa de construir alternativas com a inventividade que habita o ser humano,
transgrediram a norma, retomando para si as decisões que
tangenciavam o cuidado do paciente.
110
Eu vejo que nós cuidamos e nos preocupamos
com o paciente, mas é meio automático, não sei
se é inexperiência ou a preocupação com a
técnica, mas ainda é meio mecânico. A
faculdade e os professores falam e nos ensinam
sobre cuidar de maneira humanizada, mas acho
que não pensamos no corpo do outro mais
aprofundado, cuidamos e naquele momento
esse cuidado é o que importa. Não pensamos
em nós ou como nos sentimos, eu acho (Irene,
12, maio 2015).
Nas observações de Irene, a humanização é uma concepção
amplamente discutida no processo de formação das alunas de
enfermagem, mas não dimensiona os aspectos do corpo e da
corporeidade. No dia em que conversamos sobre este tema, ela estava
na sala do café, confortável, em um raro momento de pausa, já que a
enfermeira do outro turno, veio ajuda-la naquele dia. Sua sutileza em
descrever os sentimentos sobre a formação voltada para um cuidado
humanizado, e a fragilidade em que se colocava ao falar e dimensionar
o seu corpo, se evidenciavam na fala e nos seus gestos corporais, os
dispostos de acanhamento e introspecção evidenciados. O que pode
sugerir certa “virtualidade” nas concepções de humanizar as ações, as
quais aparecem como imagens de um filme que será exibido nos
corredores do labirinto, quando as alunas estiverem trabalhando como
enfermeiras. O modo como cada uma vê o filme, assimila seus
conteúdos, está imbricado na história que trazem e que ampliam com a
formação.
Não me vejo pensando sobre corporeidade,
agora com as discussões e os encontros, consigo
me perceber melhor (Isis, 01 de maio, 2015).
A narrativa da participante da pesquisa indicava que há uma
lacuna da temática da corporeidade na formação, ou seja, para ela,
essa ausência está atrelada à matriz curricular do curso e à docência.
Ao cuidar do outro, as alunas se veem numa relação de poder-saber,
instituídas de um conhecimento a priori, no qual o corpo do ser
cuidado é prioridade em suas ações e elas se apropriam dele. Mas,
nem sempre há um olhar que alcance além das partes anatômicas. Ao
observar a matriz de formação do curso, constatei que a relação do
cuidado corpo-corporeidade não estava explicitada, nem nos
conteúdos disciplinares, nem nas ementas propostas e trabalhadas no
111
curso. Então, o observado vislumbra que, embora exista um discurso
direcionado a uma abordagem contornada pela humanização, pelo
cuidado integral e pela hospitalidade na relação com a família, havia
carências quanto ao olhar, a subjetividade e a intencionalidade do
corpo. A matriz curricular envolta na trama de uma aprendizagem
generalista, focada na humanização e no aspecto técnico, aparece sem
alinhavos significativos entre o corpo e a corporeidade na sua
dimensão subjetiva.
O projeto pedagógico do curso de enfermagem da UFFS
(2009), em sua proposta inicial discorre sobre as questões da
humanização e técnica do futuro enfermeiro, em conformidade com as
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de 2001. De acordo com o
disposto no projeto pedagógico do curso, a organização curricular
segue a Portaria 263/GR/UFFS/2010, e regulamenta os Cursos de
Graduação da UFFS, bem como as exigências das Diretrizes
Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Enfermagem.
A matriz não avançou nas discussões sobre o corpo e suas inúmeras
dimensões e deixa em aberto um aspecto particular na formação do
enfermeiro
Nunca aprendemos ou discutimos sobre
corporeidade e nem a cuidar olhando para o
corpo. Vimos as questões da anatomia,
fisiologia, as técnicas, a humanização. Devemos
ter um olhar integral. (Diane, 12 de junho,
2015).
Nos encontros com Diane, era possível entender que a
formação para ela se pautava nas disciplinas das áreas básicas, e se
mostrou inquieta com o fato de nunca ter ouvido falar sobre outros
aspectos do cuidado, a partir do corpo. Nos sucessivos encontros e nas
rodas de conversa, quando estas questões se apresentavam, o grupo
não conseguia discorrer sobre suas percepções, mas entendiam a
necessidade de inserir conversas sobre esse tema durante o processo
de formação. Traçamos diálogos nos encontros que seguiram, porém,
as inquietações por parte do grupo continuaram, demarcadas por
angústias, evidenciadas pelas seguintes expressões: não sabemos sobre
este tema, precisamos aprender e discutir sobre isso. Ensaio dizer que, a ausência de discussões e conteúdos sobre corpo-corporeidade
no corpo-curso de enfermagem e sua matriz curricular, se
caracterizam pelas escolhas dos conteúdos que se ensinam as alunas,
sobre rotinas instituídas no labirinto-hospitalar. O poder exercido
112
pelos saberes entendidos como fundamentais na formação das alunas,
qualificam a técnica em si, e, minimizam o ser-paciente, ser-
enfermeira, ser-aluna. Ao reafirmar a necessidade de formação sobre
os afazeres técnicos, como: o banho, as medicações, os exames, os
curativos, nutre-se um olhar fragmentado, negligenciando as
subjetividades, o detalhe, comprometendo os alinhavos necessários
numa formação afetiva. A colcha tecida e arrematada, não é capaz de
cobrir o leito por completo, denotando que outras frestas precisam ser
olhadas e revisitadas, as potencias estão nas entrelinhas e podem ser
novamente alinhavadas, tecendo outros fios de Ariadne.
E o paciente? Percebe-se nesse labirinto, frente as normas e
tarefas estabelecidas? O paciente parece se apresentar resiliente, se
adequando ao espaço no qual se encontra, não se permite a ele
autonomia. A observação do campo e a (com) vivência mostraram
para Afrodite, que o paciente “se sente impotente frente às tantas
rotinas no hospital, eu vejo que às vezes ele quer ajudar, participar”
(Afrodite, 07 de abril, 2015). Ele nos mostra um silenciamento com o
sequestro vivido no hospital, este entendido por Foucault (1979),
como local que aprisiona, permitindo experimentar junto-com a
enfermagem outras formas de ser passageiro nesta viagem.
A narrativa de Afrodite aponta para os sentimentos do paciente,
a partir da sua percepção e vivência, pois ele também vive uma
condição de disciplina e espera no labirinto, a partir da manutenção
dos corpos dóceis. Para Foucault (1992), a disciplina é tida como a
arte da dominação do corpo humano que busca não só aumentar suas
habilidades e produtividade, mas também numa relação direta,
aumentar sua capacidade de obediência e sujeição (LUNARDI, 1995).
Alguns silenciamentos se constituem nesse labirinto e conforme as
reflexões de Orlandi (2007), silenciamentos que por vezes, causamos
forçosamente ao paciente, ao impor disciplina nessa rotina instituída.
O reencontro do corpo-corporeidade, a partir do olhar do
cuidado constitui um convite para rever nossa concepção do mundo,
da vida e, consequentemente a formação e o ato de cuidar. Ao
transitar os caminhos do cuidado, este pressupõe imediatamente
relação, ele se estabelece em uma relação. Isso implica o
reconhecimento de uma dimensão ética no cuidar, de seu caráter
essencialmente relacional. Porém, toda relação ética com o outro,
constitui uma relação de cuidado que só existe pelo real interesse e
preocupação com o outro. Ela contribui para que o outro possa ser
verdadeiramente sujeito, e não apenas uma função social ou um
113
instrumento de meu querer ou de meu desejo (RUGIRA e
LAPOINTE, 2012, p. 56).
114
111
Figura 20: Enfermagem histórica
Fonte: history of nursing andmedical care (http://www.pinterest.com/scrubsgiant)
116
117
INSTITUIÇÃO HOSPITALAR: UM OBSERVATÓRIO DO VIVER
E DO MORRER
No labirinto alinho as metáforas de
vida e morte, tanto a vida, quanto a
finitude do corpo permitem um olhar
para a renovação, o recomeço…
(Elaborado pela autora)
Ao percorrer a metáfora do labirinto-hospital, inspiro-me no
olhar do observatório, mas o que configura um “observatório”? Na
metáfora do viver e morrer, muitos adereços podem ser incorporados à
reflexão. O labirinto-hospital remete a um observatório, o qual
metaforicamente pode ser compreendido como do viver e do morrer,
configura e desalinha muitos olhares, o da enfermeira, da aluna, da
docente, do médico. Os pacientes são observados (vigiados), tanto na
sua condição de doente a espera do cuidado, quanto etapas da
terminalidade da vida, ou no pós-morte. Kruse (2003, p. 94) sugere
que a enfermaria na acepção de Foucault (1999) é um dos
“observatórios da multiplicidade humana”. Para a autora privilegia a
vigilância como estratégia, permitindo uma observação completa das
ações humanas.
Ao pensar esse espaço, lanço-me a olhar para a hospitalidade, e
também o imaginal da hostilidade, pois no caminhar da pesquisa e na
(com) -vivência percebi que essa relação ambígua se alinha de
maneira multidimensional. A aluna que cuida e afeta o outro com sua
disposição afetiva e hospitalidade, ao mesmo tempo, traz hostilidade
em suas imposições de saber.
Este observatório vivido por nós profissionais da enfermagem
mostra que o lugar de alívio da dor e do sofrimento, caracteriza-se
pela vigilância e tira de cena o afeto e o amor. Vemos e convivemos
com as perdas, com a morte e suas ausências, mas também com
espaços de vida, nascer e potências que configuram outras
possibilidades. Na relação com o grupo participante da pesquisa
percebia que os momentos de dor e alegria eram experimentados por
todos os integrantes, e que a formação desempenhava um papel
fundamental no trajeto. Observei a preocupação com a dor do outro,
do ser cuidado e também a alegria vivida a cada dia desse labirinto,
quando o enfermo tinha alta por ter se recuperado. A enfermagem,
nessa perspectiva, é uma profissão que permeia o cuidado, pois é
nessa vinculação que aparecem as margens, as demandas mais
118
periféricas, o fronteiriço entre os saberes hierarquizados. A qualidade
que cada uma imprimia diariamente para bem cuidar se deparava com
as fragilidades dos espaços desse cuidado, mas também com retalhos
vibrantes e com grandes potencialidades.
Gosto muito da profissão que escolhi, mas sei
que não será fácil lidar com a dor e a perda, mas
tem coisas boas também, ver a alegria, a
gratidão dos pacientes, ver eles bem cuidados
(Aurora, 23 de maio 2015).
Aurora vivenciou uma perda significativa na família e ao
deparar-se com a morte de um paciente em uma unidade de tratamento
oncológico, denotou apreensão sobre as situações vividas. A unidade
em que se encontrava, não possibilitava muitos espaços de aconchego
e a sua expressão era de vazio diante da perda. Porém, mesmo diante
da dor emerge o interesse pela escolha da profissão, porque as alunas
entendem que a enfermagem é feita também de potências que podem
ser exploradas. Percebem que o cotidiano também pode apontar novas
rotas no cuidado e na afetividade para com o outro, considerando o
maior envolvimento da família e um trabalho efetivamente
interdisciplinar. Assim como um olhar mais atento para a formação e
seu entrelaçamento com as vivencias práticas da profissão.
Precisamos rever muitas coisas da formação,
esses aspectos da afetividade, da corporeidade e
do corpo não estão inseridos nos conteúdos.
Desta forma acredito que não seja um assunto
abordado de maneira efetiva. Vejo como muito
importante (Flora, 22 de abril, 2015).
Agora como formada vejo que essas coisas
podiam ser mais bem trabalhadas no curso; a
gente tem tanto conteúdo, tanta informação,
mas quando chegamos à prática, parece que
ainda não sabemos (Isis, 21 de junho, 2015)
No ir vir dos encontros, os relatos se fazem cheios de intensão e
desejos de dizer de si, seus anseios, e o que esperam da formação.
Apresenta-se na fala das alunas, o cuidado aplicado e vivenciado no
dia a dia da enfermagem as faz reconhecer as fragilidades pertinentes
ao percurso formativo. Este ainda é marcado por concepções
conteudistas, que se destacam revigorantes e apontam nosso dizer
como docentes. Ao pensar e organizar um currículo que não traz
119
adereços para o cuidado afetivo, constata-se a metamorfose
experenciada pelas alunas, que ao finalizarem o curso, experimentam-
se esvaziadas de outros saberes, porém o contexto do labirinto e a sua
inserção como instituição, denota que a norma e rotina as levariam ao
esvaziamento da disposição afetiva das alunas e enfermeiras.
Foucault (1992), em o Nascimento do Hospital, situa o contexto
hospitalar como lugar que aprisiona e sequestra os doentes e destaca
uma inversão das relações hierárquicas, citadas como “a tomada do
poder médico, o qual se manifesta num ritual de visitas, desfile quase
religioso” (p. 187).
[…] o médico na frente, vai ao leito de cada
doente seguido de toda a hierarquia do hospital:
assistentes, alunos, enfermeiras. Essa
codificação, ritual da visita, que marca o
advento do poder médico é encontrada nos
regulamentos de hospitais do século XVIII. E se
diz, onde cada pessoa deve estar colocada, que
o médico deve ser anunciado por uma sineta,
que a enfermeira deve estar na porta com um
caderno nas mãos e deve acompanhar o médico
quando ele entrar (1992, p. 187).
Para o autor, os ritos da enfermagem se perfazem históricos e
configurados pelo poder médico que é datado de uma época em que
este saber dominava os espaços esquadrinhados do labirinto
hospitalar. Além disso, muitos destes “rituais”, iniciados nos séculos
XVII e XVIII, se até mantêm até hoje, em particular no que tange ao
poder-saber instituído para o médico. O autor também chama a
atenção para o aspecto do hospital ter se tornado um lugar do saber, de
formação e transmissão de conhecimentos. Destaca o caráter
disciplinar que vislumbra o hospital como um local que permite a
cura, o registro das doenças, formar e acumular saber. “Eis que o
doente será observado, seguido e curado e passa a ser alvo de
intervenção e saber” (FOUCAULT, 1992 P. 189).
O paciente, nos dias atuais convive com a disciplina do
labirinto hospitalar, apregoada por médicos, gestores e também pela
enfermagem, profissionais que cerceiam sua vontade, seus desejos e sua rotina. Talvez a historicidade seja capaz de nos apontar linhas de
fuga para algumas questões aqui discutidas, já que os ritos
permanecem cristalizados no cotidiano do labirinto e a colcha, tecida
pelas diferentes tribos que configuram este labirinto, ainda precisa do
fio de Ariadne para encontrar saídas.
120
11
Figura 21: Enfermagem histórica
Fonte: history of nursing andmedical care (http://www.pinterest.com/scrubsgiant)
122
123
POR FIM, ESCREVER PARA EXISTIR...
Por elas…
Por todos os corações peregrinos…
Que sempre possam se encontrar
E não passar sem se ver,
Mas que permaneçam perto umas
Das outras e que se fortaleçam,
E com isso fortaleçam os perímetros
E portais do mundo da Alma
Confiados à sua guarda.
(PINKOLA, 2007, p. 101, 102)
Encontro-me outra daquela que iniciou a rota, quando tudo parecia
distante e este momento era quase impensável. Cá estou confiante de
que a rota se fez, o percurso foi trilhado, e que eu me fiz outra nessa
viagem. Despi-me de muito, aproximei-me de tantos e refiz-me
diferente, mas feliz nesta margem. Finalizada? Ou agora recomeçada?
Como ressaltam em Sousa, Miguel e Lima (2011),
Aceitar pensar o mundo onde vivemos só
acontece na intencionalidade de nos pensarmos,
na coragem de não nos excluirmos da reflexão.
É nessa dança de rupturas e acolhidas que
podemos nos tornar melhores como seres
humanos, enfrentar o outro que habita nossa
corporeidade, os outros afora e de dentro de nós
(p.17).
Inspirada na reflexão acima comunico que a escrita foi
costurada com intencionalidade, por isso me reconheço em cada
parágrafo já que não me exclui da reflexão, dos processos de
subjetivação e da colcha tecida a muitas mãos. Várias foram as
questões trazidas e problematizadas para que essa tese assentasse seus
contornos, e foram necessárias acolhidas e rupturas com diferentes
visões de mundo, nos enfrentamentos que a escrita apresenta.
Ao longo do percurso vislumbrei como rota o olhar sobre si,
numa relação com o outro. Para Foucault (2004), é preciso que o
sujeito inteiro se volte para si e se consagre a si mesmo, para que
possa comunicar-se com o mundo a sua volta, com o outro situado
neste mundo. Retomo as metáforas pensadas e construídas nesta tese
para delinear um alinhavo que possibilitasse compreender o
movimento do cuidado e da corporeidade, na formação das
124
enfermeiras. Inicialmente me detive nas primeiras pistas e entrelaço,
para compreender as linhas que bordaram a tecitura que envolveu e
tomou corpo, apresentando meu percurso acadêmico e a
sistematização desta pesquisa.
Bordei nesse labirinto as entrelinhas do percurso e o mapa que
usei para me aproximar da intencionalidade da tese, considerando uma
etnografia nômade e seus olhares. Segui, e trouxe a formação das
alunas e o cotidiano da enfermagem e seus entre lugares no labirinto,
abordando o processo histórico da formação, o caráter cuidador da
profissão, e como se apresenta a matriz do curso de enfermagem,
objeto também esboçado nesta pesquisa. Na feitura da tese vivi-
observei o cuidado e a corporeidade das alunas. Nesta configuração
compreendi como o corpo, se entrelaça nas tramas do labirinto
hospitalar e como as tarefas da enfermagem estão envoltas em normas
tecidas em relações de poder-saber. A disciplina e a norma demarcam
a ordem das tarefas realizadas pelas alunas e a com vivência com os
pacientes em uma formação pautada por potências e ausências de uma
matriz fragmentada e que ainda privilegia conteúdos técnicos. Nesse
caminho etnográfico, o referencial teórico adotado e a interação com
os diferentes grupos, me permitiu entender que não tinha a pretensão
de apresentar respostas, mas caminhos, na travessia do labirinto.
As alunas, enfermeiras e docentes me inspiraram a perceber
que o cuidado e a corporeidade transitam imbricados no cotidiano de
seus afazeres e que a rotina interfere na vivência no labirinto-
hospitalar, mostrando que por vezes a saída se faz por outros
alinhavos.
A pesquisa mostrou que as estratégias para sair do labirinto e
encontrar a disposição afetiva para cuidar do-e-com o outro é buscar
linhas de fuga, a partir de outros olhares ao cuidar.
A corporeidade e o cuidado compoem uma travessia possível
na formação, mas indicam que é necessário mudanças prospectem
uma formação que vá além dos conteúdos de cunho técnico, para
consolidar um olhar que contemplem as subjetividades do cuidado,
animem as costuras que dão feições a colcha para que todas e todos
possam experimentar o saber de ser-estar-junto das alunas e das
enfermeiras no cotidiano do labirinto.
A instituição hospitalar como um observatório do viver e do
morrer, evidenciei que a norma e a disciplina vigiadas se delineiam no
labirinto e permitem que a vida, o nascer, a cura, as alegrias do
paciente na alta hospitalar e o vínculo estabelecido com as enfermeiras
125
e alunas, forjem potências nesse lugar de sequestro. Assim como a
convivência com a dor do outro, o sofrimento, a morte, a doença,
levam as alunas a não perceberem as saídas do labirinto, não
encontrando o fio de Ariadne. Anuncia dos pesquisados e como
percebem o percurso no labirinto, o cuidado, o paciente e suas
perspectivas nesse espaço esquadrinhado de dor, sofrimento, mas
também de vida e possibilidades.
As convivências com os sujeitos da pesquisa possibilitaram
localizar no campo noções curriculares relevantes, como por exemplo,
olhar para entender como o cuidado integra o programa da formação
das alunas da enfermagem, como é concebido, do mesmo modo que a
corporeidade. Temas que se revelaram ausentes dos conteúdos
formativos e que, no início da formação e com as normas
estabelecidas para esta fase da graduação, prevalece um fazer técnico,
quase desprovido de afetividade, o qual não considera a corporeidade
no processo.
Para as alunas das fases finais, esse processo se parece mais
suavizado porque estão quase formadas, então é permitido a elas
praticarem certos modos de cuidado, mais afetuosos, próximos e com
um olhar para a corporeidade. Para as egressas do curso, agora
enfermeiras da instituição, a preocupação era com os fazeres e saberes
da profissão. Mergulhadas num cotidiano que esvazia e se esgota, elas
destacam que as atribuições e responsabilidades que envolvem o dia a
dia não permitem buscar outros olhares e ver o paciente de maneira
individualizada. São muitas as pertinências, as tarefas burocráticas e
administrativas, as demandas de atividades, além dos recursos
humanos deficitários e das normas a serem aplicadas.
As alunas ao chegarem no labirinto, se perdem no fazer
cotidianizado e entendem ser difícil sair dele. A metáfora traduz bem a
ideia de um cotidiano que esvazia e esgota o cuidado e o ser cuidado.
Com vivendo com o grupo observei que existem linhas de fuga e que
as alunas, lançam mão delas no meandro do cotidiano. As diferentes
tribos (equipes de trabalho de diferentes turnos), atuam de maneira
sistematizada, mas ao compartilhar as vivências lançam o fio de
Ariadne, e se articulam em ações coletivas, o que mobiliza um
enfrentamento para as tarefas da enfermagem e o cuidado com o
outro. O fio de Ariadne pode ser a ponta que religa e alinhava o olhar,
ao considerar a afetividade e o cuidado em suas ações cotidianas.
Nessa viagem a formação tem um papel fundamental, pois
conduz aos processos e permite às alunas vislumbrarem um estilo de
126
cuidado que considera o corpo e sua corporeidade, conteúdos e
atividades que facilitem a entrada no labirinto e que lance os alunos as
práticas, no fazer das tarefas com um olhar mais próximo da realidade
vivida.
Dizer que a tese se encerra aqui é necessário no âmbito da
formalidade, mas estou ciente que ela como um tema de pesquisa
continuará viva em outros labirintos; bordada com diferentes retalhos.
As metáforas que me permitiram traçar este ensaio, ficaram marcadas
como um momento de possibilidades e aprendizados. A travessia foi
apaixonante e me permitiu outros olhares. Sinto-me gratificada na
escolha da colcha e do labirinto, tecidos por muitos para enunciar a
complexidade desta profissão que convive com sensações de perdas e
conquistas, afetos e desafetos, amores e rancores, indiferença e
atenção, descuidos e cuidados. A vida e a morte revelam-se como um
poema inacabado, que pode ser qualificado por uns, deixado assim por
outros, mas são expressões existenciais que não se rendem a qualquer
estilo de determinismo. A enfermagem se realiza nesse berço,
labirinto, cujo fio condutor parece transitar o ser humano.
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Figura 22: Enfermagem histórica
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