Figuras de Estilo

3
289 EMAR10EPI © Porto Editora Ficha Informativa n.º 12 Figuras de estilo Alegoria Série de imagens (metáforas, comparações) utilizadas para concretizar um pensamento ou uma realidade abstracta. “O polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendi- dos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinhas, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa (…), o dito polvo é o maior traidor do mar.” Padre António Vieira Aliteração Repetição do mesmo som consonântico dentro da mesma palavra ou em várias palavras seguidas. “Olha a bolha d’água no galho! Olha o orvalho!” Cecília Meireles Alusão Evocação, de modo indirecto, de alguém ou algo que não se nomeia explicitamente. Há gente insuportável! referência velada a alguém que o destinatário reconhece. Anacoluto Interrupção da sequência lógico- -sintáctica de uma frase. Utiliza-se nos textos literários para reproduzir na escrita a expressividade da linguagem oral e as emoções e a vida interior das personagens. “Disse-se que o namorado isto e aquilo, a esposa do merceeiro aventou que um homem casado lá do emprego dela, discutiu-se o feitio da madri- nha (…).” António Lobo Antunes Anáfora Repetição, no início de frases ou de versos sucessivos, de uma palavra ou grupo de palavras. Porque os outros se mascaram mas tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão Porque os outros têm medo mas tu não” Sophia de Mello Breyner Andresen Antítese Apresentação de um contraste ou oposição entre duas ideias ou duas coisas. “A morte sabes dar com fogo e ferro, Sabe também dar vida com clemência” Luís de Camões Antonomásia É um caso particular de sinédoque. Consiste em substituir o nome pró- prio de uma pessoa por um nome comum que refere uma característica dessa pessoa, ou vice-versa, isto é, empregar um nome próprio como um nome comum. “Cessem do sábio grego e do troiano As navegações grandes que fizeram” Luís de Camões (sábio grego = Ulisses; troiano = Eneias) Este miúdo é o Figo da nossa equipa. Apóstrofe Chamamento ou interpelação de pessoas ou de alguma coisa personificada. Tu, só tu, puro Amor, com força crua” Luís de Camões Comparação Consiste em estabelecer uma relação de semelhança por meio da conjunção como ou de outra expres- são equivalente (à semelhança de, tal, mais do que…), ou de verbos que sirvam para comparar (parecer, assemelhar-se, lembrar…). “[Os seus olhos] eram azuis como o céu e o mar em dias luminosos, azuis como os miosótis junto dos ribeiros, azuis como a nossa felicidade, os nossos risos, o nosso amor.” Ilse Losa EMAR10EPI_19

Transcript of Figuras de Estilo

Page 1: Figuras de Estilo

289EMAR10EPI © Porto Editora

Ficha Informativa n.º 12

Figuras de estilo

Alegoria

Série de imagens (metáforas,comparações) utilizadas paraconcretizar um pensamento ou umarealidade abstracta.

“O polvo, com aquele seu capelo na cabeça,parece um monge; com aqueles seus raios estendi-dos, parece uma estrela; com aquele não ter ossonem espinhas, parece a mesma brandura, amesma mansidão. E debaixo desta aparência tãomodesta, ou desta hipocrisia tão santa (…), o ditopolvo é o maior traidor do mar.”

Padre António Vieira

Aliteração

Repetição do mesmo somconsonântico dentro da mesmapalavra ou em várias palavrasseguidas.

“Olha a bolha d’águano galho!Olha o orvalho!”

Cecília Meireles

AlusãoEvocação, de modo indirecto, dealguém ou algo que não se nomeiaexplicitamente.

Há gente insuportável! → referência velada aalguém que o destinatário reconhece.

Anacoluto

Interrupção da sequência lógico--sintáctica de uma frase. Utiliza-se nostextos literários para reproduzir naescrita a expressividade da linguagemoral e as emoções e a vida interior daspersonagens.

“Disse-se que o namorado isto e aquilo, a esposado merceeiro aventou que um homem casado ládo emprego dela, discutiu-se o feitio da madri-nha (…).”

António Lobo Antunes

Anáfora

Repetição, no início de frases ou deversos sucessivos, de uma palavraou grupo de palavras.

“Porque os outros se mascaram mas tu nãoPorque os outros usam a virtudePara comprar o que não tem perdãoPorque os outros têm medo mas tu não”

Sophia de Mello Breyner Andresen

AntíteseApresentação de um contraste ouoposição entre duas ideias ou duascoisas.

“A morte sabes dar com fogo e ferro,Sabe também dar vida com clemência”

Luís de Camões

Antonomásia

É um caso particular de sinédoque.Consiste em substituir o nome pró -prio de uma pessoa por um nomecomum que refere uma caracte rísticadessa pessoa, ou vice-versa, isto é,empregar um nome próprio comoum nome comum.

“Cessem do sábio grego e do troianoAs navegações grandes que fizeram”

Luís de Camões

(sábio grego = Ulisses; troiano = Eneias)

Este miúdo é o Figo da nossa equipa.

ApóstrofeChamamento ou interpelação depessoas ou de alguma coisapersonificada.

“Tu, só tu, puro Amor, com força crua”Luís de Camões

Comparação

Consiste em estabelecer uma relaçãode semelhança por meio daconjunção como ou de outra expres -são equivalente (à semelhança de,tal, mais do que…), ou de verbos quesirvam para comparar (parecer,assemelhar-se, lembrar…).

“[Os seus olhos] eram azuis como o céu e o marem dias luminosos, azuis como os miosótis juntodos ribeiros, azuis como a nossa felicidade, osnossos risos, o nosso amor.”

Ilse Losa

EMAR10EPI_19

EMAR10EPI_F19_20080464_5P:20080464_TXT_P289_304 10/02/18 10:17 Page 289

Page 2: Figuras de Estilo

FIGURAS DE ESTILO290EMAR10EPI © Porto E

ditora

Enumeração

É a apresentação sucessiva de várioselementos que mantêm entre si umacorrelação lógica ou semântica.

“Um grito que atravessava as paredes, as por-tas, a sala, os ramos do cedro.”

Sophia de Mello Breyner Andresen

Eufemismo

Consiste em expressar uma ideia ouuma realidade desagradável de umaforma atenuada, suavizada.

“FRADE: Pera onde levais gente?DIABO: Pera aquele fogo ardente

que nom temestes vivendo.”Gil Vicente

(= inferno)

Gradação

Sucessão de palavras ou grupos depalavras, em ordem ascendente oudescendente, que amplificam oudiminuem o significado de uma ideiaanteriormente apresentada.

“Ocorrem-me em revista exposições, países,Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!”

Cesário Verde

Hipálage

É uma inversão de sentido em que setransfere para uma palavra umacaracterística que, na realidade,pertence a outra.

“[Beatriz] abria os olhos molhados de culposaslágrimas.”

Camilo Castelo Branco

(Beatriz é que é “culposa” e não as lágrimas.)

Hipérbato

Consiste na inversão da ordem directadas palavras na frase.

Ao ignorante sempre aborrece o sabedor.Provérbio

(Em vez de: O sabedor aborrece o ignorantesempre.)

HipérboleEmprego de termos exagerados, afim de pôr em destaque determinadarealidade.

É uma das figuras mais comuns na linguagemcorrente: um calor de morrer; surdo como umaporta; suar em bica; ficar sem pinga de sangue.

Imagem

Engloba figuras como a comparação,a metáfora e a metonímia, que dãoforma sensível à representação deideias, sentimentos e acções.

“São como um cristalas palavras.Algumas, um punhal,um incêndio.Outras,orvalho apenas.”

Eugénio de Andrade

Ironia

Consiste em exprimir uma ideiadizendo precisamente o contrário.

“E irritando-se mais:– Deixe, que a sua mãe também é um bomanjinho, não haja dúvida!”

Ferreira de Castro

Lítotes

Consiste em afirmar algoindirectamente, frequentementeatravés da negação ou diminuição doseu oposto ou contrário.

A lítotes é muito utilizada na linguagem cor-rente: Não é nada parvo em vez de É esper -to/inteli gente; Chegou não muito atrasado emvez de Chegou pouco atrasado.

Metáfora

Formalmente, pode ser entendidacomo uma comparação dita“abreviada”, já que lhe falta a palavraou expressão comparativa. Ao níveldo sentido, é mais do que umacomparação: é a identificação entreduas realidades que a priori nãoteriam relações entre si.

“As tuas mãos são passarinhos brancos.”Ilse Losa

“– Uma borboleta branca – retorquiu Sexta --Feira – é um malmequer que voa.”

Michel Tournier

EMAR10EPI_F19_20080464_5P:20080464_TXT_P289_304 10/02/18 10:17 Page 290

Page 3: Figuras de Estilo

FIGURAS DE ESTILO 291EMAR10EPI © Porto Editora

MetonímiaSubstituição de um termo por outrocom que está em íntima ligação.

É frequentemente usada na linguagem corrente:Comprei uns ténis (= uns sapatos para jogar ténis).Vou beber um copo (= o conteúdo de um copo).

Oxímoro Ligação de dois termos que seexcluem mutuamente.

“Aquela triste e leda madrugada”Luís de Camões

Paradoxo

Associação de ideiasaparentemente contraditórias.

“Amor é fogo que arde sem se verÉ ferida que dói e não se senteÉ um contentamento descontenteÉ dor que desatina sem doer”

Luís de Camões

Perífrase

Designa algo ou alguém de um modomais descritivo, alongado e enfático e não pelos termos habituais, ou seja, diz por muitas palavras o que poderia ser dito por poucas.

“Que despois de morta foi rainha”Luís de Camões

(= Inês de Castro)

PersonificaçãoAtribuição de propriedadeshumanas a animais, ser inanimadosou ideias.

“O vento soluça e geme...”António Nobre

PleonasmoConsiste em reforçar uma ideia pelarepetição de palavras e expressõesredundantes, desnecessárias.

“(…) gritar e ninguém responder é a tristezamais triste que eu conheci.”

Alves Redol

Prosopopeia

Distingue-se da personificação porintroduzir num enunciado “falas”de personagens mortas ouausentes, seres sobrenaturais eseres inanimados.

“«De quem são as velas onde me roço?De quem as quilhas que vejo e ouço?»Disse o mostrengo, e rodou três vezes”

Fernando Pessoa

Quiasmo

Consiste na existência de quatroelementos dispostos dois a dois,segundo uma estrutura cruzada.

“Ó minha menina loura,

Ó minha loura menina,Dize a quem te vê agoraQue já foste pequenina...”

Fernando Pessoa

Sarcasmo

É uma figura próxima da ironia,mas que é mordaz, insultuosa,violenta para com os destinatários(pessoas ou instituições).

“Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,golpe até ao osso, fome sem entretém,perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,rocim engraxado,feira cabisbaixa,meu remorso,meu remorso de todos nós…”

Alexandre O’Neill

SímboloRelação que associa algo (objecto,ser animado…) a uma ideia, a umconceito, a um sentimento.

A pomba branca é o símbolo da paz; a cor verdeé símbolo de esperança; etc.

SinédoqueConsiste em tomar a parte pelo todoou vice-versa, o singular pelo pluralou vice-versa.

“Que, da ocidental praia lusitana”Luís de Camões

(= Portugal)

Sinestesia

Consiste na mistura de sensaçõesque pertencem a sentidosdiferentes.

“E fere a vista com brancuras quentes,A larga rua macadamizada.”

Cesário Verde

(sensações visuais e tácteis)

→→

EMAR10EPI_F19_20080464_5P:20080464_TXT_P289_304 10/02/18 10:17 Page 291