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INSTITUTO ENSINAR BRASIL FACULDADE COMUNITÁRIA DE VITÓRIA FCV CURSO DE DIREITO ARIANY PEREIRA DE CARVALHO A AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS FISCALIZADORES NA LEI MARIA DA PENHA E O RESPECTIVO (DES) CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

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INSTITUTO ENSINAR BRASIL

FACULDADE COMUNITÁRIA DE VITÓRIA

FCV

CURSO DE DIREITO

ARIANY PEREIRA DE CARVALHO

A AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS FISCALIZADORES NA LEI MARIA DA PENHA E O RESPECTIVO (DES) CUMPRIMENTO

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

VITÓRIA

2012

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INSTITUTO ENSINAR BRASIL

FACULDADE COMUNITÁRIA DE VITÓRIA

FCV

CURSO DE DIREITO

ARIANY PEREIRA DE CARVALHO

A AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS FISCALIZADORES NA LEI MARIA DA PENHA E O RESPECTIVO (DES) CUMPRIMENTO

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Monografia apresentada ao Curso de Direito do Instituto Ensinar Brasil da Faculdade Comunitária de Vitória (FCV) como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.Área de Concentração: Direito Penal e Processo PenalOrientador: Prof. Thiago Andrade dos Santos

VITÓRIA

2012

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ARIANY PEREIRA DE CARVALHO

A AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS FISCALIZADORES NA LEI MARIA DA PENHA E O RESPECTIVO (DES) CUMPRIMENTO

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Este trabalho de Monografia foi julgado adequado e aprovado em sua forma final

pela Coordenação do Instituto Ensinar Brasil da Faculdade Comunitária de Vitória

(FCV).

Apresentada a Banca Examinadora composta pelos professores:

__________________________________________Professor: Thiago Andrade dos SantosOrientador

__________________________________________Professor: Examinador 1

VITÓRIA

2012

9

Dedico esta Monografia a todas as mulheres vítimas de violência doméstica e, ainda, a todas que trabalham arduamente objetivando cessar ou ao menos diminuir a crescente estatística desta lastimável conduta praticada pelos agressores.

10

AGRADECIMENTO

Agradeço a meu Deus por tudo que sou e tenho.

Agradeço também aos meus amados pais por serem meu porto seguro e me

apoiarem em todas as circunstâncias da minha vida.

11

RESUMO

A presente pesquisa investigou sobre a seguinte indagação: Até que ponto a

ausência de critérios fiscalizadores tem contribuído para o (des) cumprimento das

medidas protetivas de urgência? Para que tal objetivo fosse alcançado, foi utilizada

uma metodologia exploratória, com base no estudo da doutrina, cartilha nacional do

Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, da

legislação brasileira, levantamento jurisprudencial e ainda uma pesquisa realizada

junto com a Promotora de Justiça que atua na Promotoria de Justiça da Mulher de

Vitória/ES, objetivando verificar quanto ao descumprimento das medidas protetivas

pelos agressores em razão da ausência de critérios fiscalizadores. O intuito do

trabalho foi o de dar uma contribuição para a sociedade em geral, em especial a

todas as mulheres vítimas da violência doméstica. No referido estudo conclui-se que

há ausência legislativa por parte dos tribunais pátrios no que tange aos critérios

fiscalizadores das medidas protetivas de urgência, fato este que contribui para o

aumento da violação da integridade física, psicológica, moral, sexual e patrimonial

das mulheres.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Medidas Protetivas de Urgência. Ausência

legislativa de critérios fiscalizadores.

o resumo deve ter conter de 150 a 500 palavras.Deve ser abordado no resumo os seguintes itens do seu projeto:- problema de pesquisa (em forma de pergunta)- alguns objetivos principais- justificativa- metodologia- resposta ao problema de pesquisa

12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................13

1 HISTÓRICO DA LEI 11.340/2006 CONHECIDA COMO MARIA DA PENHA. . .16

1.1 HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA E AS RESPECTIVAS MEDIDAS

PROTETIVAS DE URGÊNCIA..................................................................................16

1.2 DIFERENÇAS EXISTENTES ENTRE A AÇÃO CAUTELAR DE

AFASTAMENTO DO CÔNJUGE DO LAR E SEPARAÇÃO DE CORPOS................23

2 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA..........................................................26

2.1 NATUREZA DA AÇÃO PENAL NA LEI MARIA DA PENHA – ADIN 4424...26

2.2 A EXISTÊNCIA DE CRITÉRIOS FISCALIZADORES NA LEI 11.340/2006 E

OS SEUS RESPECTIVOS REFLEXOS....................................................................30

3 A LEI MARIA DA PENHA E AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA NA VISÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES..................................................................35

3.1 O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ACERCA DA LEI

MARIA DA PENHA E AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA, EM ESPECIAL

A DE AFASTAMENTO DO CÔNJUGE DO LAR.......................................................35

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................44

REFERÊNCIAS ........................................................................................................47

APÊNDICE A - ENTREVISTA...................................................................................49

13

INTRODUÇÃO

a introdução deve ser a apresentação do seu trabalho Não pode ter citações Deve ser abordado na introdução os seguintes itens do seu

projeto: - apresentação temática - problema de pesquisa (em forma de pergunta) - alguns objetivos principais - justificativa - metodologia

O presente trabalho tem por intento abordar os aspectos oriundos da possibilidade

de serem inseridos critérios fiscalizadores na Lei 11.340/2006 analisando, por

conseqüência, seus possíveis reflexos oriundos da eventual deficiência legislativa.

O tema em comento é de suma importância, em especial a todas as mulheres

vítimas de violência doméstica, além dos legisladores e profissionais que atuam na

área e do âmbito judiciário, incansavelmente, na árdua tarefa de findar ou ao menos

diminuir os elevados índices de violência doméstica e familiar contra as mulheres e,

as demais pessoas da sociedade civil. Portanto, resta nítido que na presente

monografia há a presença da relevância social.

Antes de a pesquisadora adentrar, especificamente, nos critérios fiscalizadores

eventualmente existentes na lei Maria da Penha, será realizada uma análise no

histórico da lei; serão abordadas as medidas protetivas de forma geral, enfatizando a

de afastamento do cônjuge do lar, qual seja um dos pontos primordiais da

monografia e, por fim, será analisada a visão dos tribunais superiores quanto à lei e

as respectivas medidas cautelares nelas descritas.

Nessa contextualização, o presente trabalho visa responder ao seguinte

questionamento: até que ponto a ausência de critérios fiscalizadores da medida

protetiva de urgência, em especial a de afastamento do cônjuge do lar, disposta no

artigo 22 da lei Maria da Penha, tem contribuído para o descumprimento da

respectiva medida?

14

Os objetivos do presente estudo são conceituar e distinguir a cautelar de

afastamento do cônjuge do lar conjugal de separação de corpos, por serem

diariamente confundidas pela sociedade. Também será realizado um breve histórico

acerca da Lei Maria da Penha, identificando as medidas protetivas de urgência

descritas no artigo 22, bem como descrito os procedimentos que devem ser

adotados pelas vítimas quando sofrerem agressão, requerendo as medidas

protetivas de urgência para garantir sua proteção e de sua família. E, por

conseguinte, realizar levantamentos jurisprudenciais e doutrinários no que tange as

medidas protetivas de urgência, além de apresentar, a fim de inserção na lei,

critérios fiscalizadores das medidas protetivas de urgência.

Com o escopo de se atingir os objetivos desse projeto utilizar-se-á a pesquisa

teórico-dogmática, tendo em vista que serão abordados conceitos doutrinários e

jurisprudenciais para equacionar o problema apresentado na tentativa de criar uma

solução para o conflito social existente.

Objetivando uma perfeita investigação e estudo científico pretendido com o tema em

comento, passa-se a apresentar, com detalhes, os capítulos no que tange às

medidas cautelares, em especial a de Afastamento do cônjuge do lar previstas na lei

Maria da Penha, analisando-se a existência ou não de critérios fiscalizadores na

referida lei, bem como os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais quanto a

este ponto.

Por derradeiro, a pesquisadora neste trabalho sugerirá instrumentos para a criação

de critérios fiscalizadores razoáveis de serem introduzidos pelo poder legislativo,

objetivando garantir a integridade física, psicológica e moral das vítimas de violência

doméstica e de toda a sua família, diante de um efetivo acompanhamento e

fiscalização dos acusados, configurando-se, portanto, a relevância jurídica.

Vale ressaltar que o tema fora desenvolvido a partir de uma pesquisa bibliográfica

através de coleta de dados, a saber: em leis, livros, artigos jurídicos, e

posicionamentos jurisprudenciais. Destarte, para enriquecer a presente monografia,

a autora realizará uma entrevista que será disponibilizada como forma de apêndice,

com a Promotora de Justiça que exerce suas atribuições junto na Promotoria de

15

Justiça da Mulher de Vitória/ES, a fim de ser verificada a ausência legislativa quanto

aos critérios fiscalizadores da lei, bem como suas respectivas conseqüências.

16

1 HISTÓRICO DA LEI 11.340/2006 CONHECIDA COMO MARIA DA PENHA

Inicialmente, cumpre esclarecer que é inquestionável o avanço oriundo com a

introdução da lei Maria da Penha em nosso ordenamento jurídico e a respectiva

implementação dos meios a esta inerentes, no que tange a proteção das vítimas da

violência doméstica e familiar contra as mulheres, em especial quanto às medidas

protetivas de urgência, previstas nos artigos 22 e 23 da referida Lei.

No entanto, no decorrer dos seis anos desde a vigência da lei, observa-se que as

referidas medidas protetivas muitas vezes acabam por serem descumpridas, dentre

outros motivos, em virtude da ausência de critérios fiscalizadores, situação esta que

deve ser cessada ou ao menos diminuída em nossa realidade jurídica.

1.1 HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA E AS RESPECTIVAS MEDIDAS

PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Historicamente verifica-se registro de que as mulheres sempre foram descriminadas,

humilhadas e excluídas do convívio social, sendo as mesmas subordinadas aos

maridos e incumbidas a todos os afazeres domésticos, sem contar com os tempos

em que as mesmas eram submetidas às condições desumanas ao serem obrigadas

a realizarem tarefas impostas por seus maridos/companheiros, além de sempre

terem sido consideradas culpadas em qualquer circunstância, ou seja, é patente a

desigualdade existente entre os gêneros masculinos e femininos, conforme se

depreende do posicionamento abaixo:

Os tribunais do júri popular, via de regra, absolviam os autores com fundamento na tese da “legítima defesa da honra”, de conteúdo meramente ideológico, ou seja, a lei era dissimulada dando feição de legitimidade aos homens nos crimes contra as mulheres, até o próprio homicídio, um formato extremo de ódio e vingança.1

Cumpre mencionar que a violência doméstica encontra-se vinculada à violência de

gênero, possuindo conceitos diferenciados, em especial no que tange ao seu âmbito

1 COSTA, Francisco Pereira. Lei Maria da Penha: Aplicação e eficácia no combate a violência de gênero. Cidade: Rio Branco, 2008, p. 12.

17

de atuação. Referida situação fica demonstrada segundo preleciona o juiz Sérgio

Ricardo de Souza:

A violência de gênero se apresenta como uma forma mais extensa e se generalizou como uma expressão utilizada par fazer referencia aos diversos atos praticados contra as mulheres como forma de submetê-las a sofrimento físico, sexual e psicológico, aí incluídas as diversas formas de ameaças, não só no âmbito intrafamiliar, mas também, abrangendo a sua participação social em geral, com ênfase para as suas relações de trabalho, caracterizando-se principalmente pela imposição ou pretensão de imposição de uma subordinação e controle do gênero masculino sobre o feminino. A violência de gênero se apresenta, assim, como um “gênero”, do qual as demais, são espécies.2

A violência de gênero representa uma aquisição social, haja vista que em grande

parcela do período histórico o entendimento da sociedade era de que a mulher

deveria sempre ser subalternizada em relação aos homens, os quais deveriam

assumir as melhores posições profissionais, desrespeitavam seu cônjuge virago,

excluíam as mulheres de participação social em geral e excluíam seus respectivos

direitos inerentes.3

Ratificando a existência de desigualdades entre o sexo (masculino e feminino)

envolto na questão de gênero importante observar o que se segue:

De tais diferenças e desigualdades surgiu a ideia de superioridade dos homens em relação às mulheres, responsável pela dominação masculina, instituída socialmente, dando origem ao que chamamos hoje de: violência de gênero, sofrida atualmente, tal como em todos os tempos, somente pelas MULHERES, motivo pelo qual elas necessitam de legislação especial de proteção, como é o caso da LEI MARIA DA PENHA.

Felizmente, para eles, os homens não sofrem violência ou discriminação em razão do gênero (apenas pelo fato de serem homens) e consequentemente não padecem da mais perniciosa de suas seqüelas: “a violência doméstica e familiar”, pelo menos não nas mesmas proporções e quantidade que as mulheres, posto que, ao contrário delas, os relevantes fatores de risco para suas vidas e integridade físicas são externos ao ambiente doméstico e familiar (grifo do autor).4

Um trecho transcrito na cartilha da Defensoria Pública Geral do Estado de Espírito

descreve precisamente o que vem a ser a violência contra a mulher “qualquer ação 2 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de combate à Violência contra a Mulher. Lei Maria da Penha: Comentários artigo por artigo, anotações, jurisprudências e Tratados Internacionais. Curitiba: Juruá, 2007, p. 35.3 SOUZA, 2007.4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO; MINISTÉRIO PÚBLICO DO MATO GROSSO. Projeto Questão de Gênero: Violência Doméstica contra a mulher Dê um basta! Feminino e Masculino. Grandes Diferenças e Direitos Idênticos. [s.l.].[s.d].

18

ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual

ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”.5

Ademais, inúmeras foram às mobilizações das mulheres e dos movimentos

feministas visando adquirirem os direitos da igualdade e liberdade, na forma do

princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.

Referida lei representou uma grande conquista em especial à Maria da Penha Maia

Fernandes, não deixando de abarcar a todas às mulheres vitimas de violência

doméstica, qual seja:

Foi atendendo forte apelo político dos movimentos feministas, brasileiros e internacionais, que o Brasil em agosto de 2006 promulgou a lei n. 11.340/2006, cujo objetivo entre outros é combater a violência doméstica numa jurisdição específica, ou seja, dar um tratamento dentro de um sistema legal e jurisdicional que, até então, inexistia.6

No entanto, somente em 07 de agosto de 2006 foi sancionada pelo Presidente da

República Federativa do Brasil a Lei 11.340/20067, popularmente conhecida como

Lei Maria da Penha.

Destaca-se que a referida lei é considerada como um marco inicial na legislação

brasileira quanto ao Sistema de Enfrentamento de Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher, nos termos do § 8º, do artigo 226 da Constituição Federal/888, em

homenagem a cearense e biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, a qual

sofreu por parte de seu companheiro duas tentativas de homicídios, ficando

paraplégica dos membros inferiores após ser atingida por um tiro que lhe atingiu a

coluna, disparado por aquele na última tentativa de homicídio em seu desfavor.

2

5 DEFENSORIA PÚBLICA DO ESPÍRITO SANTO. Meu nome é Maria. Cartilha Lei Maria da Penha. [s.l.], 2007.6 COSTA, 2008, p. 12.7 BRASIL. Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006. Dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 06 ago. 2012.8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 06 ago. 2012.

19

Corroborando a idéia de que a Lei Maria da Penha constitui um marco primordial na

luta pela igualdade de gênero e concretude do direito da Dignidade da Pessoa

Humana, para o enfrentamento da violência doméstica e familiar praticada contra a

mulher, houve uma conclusão em um dos relatórios do Senado Federal no seguinte

sentido: “dentre todos os tipos de violência contra a mulher, existente no mundo,

aquela praticada no ambiente familiar é uma das mais cruéis e perversas”.9

Não obstante, ratificando a importância da criação da Lei 11.340/200610, o qual

representou um grande avanço no combate à violência doméstica contra as

mulheres e que referida conduta ocorre independentemente de classe social, nível

de escolaridade, etnia ou raça. Nesse sentido, segue o entendimento do doutrinador

Sérgio Ricardo Souza:

A Maria da Penha que empunhou a bandeira da luta em relação à violência contra a mulher foi vítima de atrocidades que a deixaram paraplégica e o autor não era um operário (pasmem os preconceituosos de plantão!), mas sim, um professor universitário, situação esta que de pronto evidencia que o problema da violência do homem em relação à mulher ultrapassa as fronteiras das classes sociais, estando presente em todas elas e não respeitando sequer o grau de intelectualidade.11

Assim sendo, se observa que a Lei nº 11.340/2006 é um marco importante no

ordenamento jurídico interno, pois concretiza tratados internacionais de proteção aos

direitos humanos das mulheres.

As duas principais convenções internacionais sobre o assunto são a Convenção

sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW) e

a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a

mulher (Convenção do Belém do Pará), que representam um compromisso do

Estado brasileiro perante a sociedade internacional para a realização de esforços

quanto à eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher.12

9 DIAS, Maria Berenice apud COPEVID, O enfrentamento a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher: Uma construção coletiva. [s.l.]: CNPG, 2011.10 BRASIL, 2006.11 SOUZA, 2007, p. 30.12 COSTA, 2008, p. 32.

20

Ainda, a lei prevê em seu artigo 14, “caput”, a criação pelos entes federados (União,

Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados) dos Juizados de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal.

Nesse ínterim, se pode verificar que a luta pelas causas envolvendo a violência

doméstica e as demais causas sociais são incansáveis e ocorridas em todo o

território nacional, englobando inclusive os países com elevados índices de

desenvolvimento econômico. Segundo muito bem preleciona o atual desembargador

presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, a saber:

Em São Paulo, uma em cada três mulheres é vítima por parte do marido. Na Suíça, país pequeno em tamanho territorial, mas extraordinário economicamente, a violência doméstica é mais grave do que o crime organizado. Uma em cada cinco mulheres é vítima de abuso. E ainda, o Reino Unido que é um país que se apresenta como uma das grandes potencias mundiais, onde foi criado o Habeas Corpus, 830 mulheres são vítimas de violência em cada dia.13

Dessa forma, após minuciosa análise dos dados acima mencionados, percebe-se

que a violência doméstica contra a mulher é um assunto de extrema importância

que, infelizmente, vem crescendo cotidianamente. Assim, fica nítido que as

autoridades de todas as áreas devem cada vez mais se conscientizar quanto à

aplicabilidade da Lei Maria da Penha, objetivando ao menos diminuir os elevados

índices de todos os tipos de violência doméstica contra as mulheres.

Superado a análise do histórico da lei 11.340/200614, deve-se mencionar que em

seus artigos 22 e 23 encontram-se descrito todas as medidas protetivas de urgência

que eventualmente poderão ser deferidas em favor das vítimas, de ofício pela

autoridade judicial, isolada ou cumulativamente, mediante requerimento da parte,

Ministério Público ou, ainda, pela autoridade policial.

As medidas cautelares descritas no referido dispositivo objetivam preservar a

integridade física, moral, psicológica, sexual e material (patrimonial) da vítima,

13 ROSA, Pedro Valls Feu. Entrevista concedida ao site do Tribunal de Justiça do ES. Acesso em 25 set. 2012. Disponível em http://www.tj.es.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5094:numeros-alertam-violencia-praticada-contra-mulheres&catid=3:ultimasnoticias.14 BRASIL, 2006.

21

devendo esta tomar a iniciativa de dar conhecimento ao Estado sobre as agressões

que vem sofrendo praticadas por seu companheiro ou qualquer pessoa,

independentemente do sexo, em que a mesma tenha relação de afetividade e

dependência, haja vista que a mesma é principal fiscal da lei. Entre as quais estão:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.15

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

- encaminhar à ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;IV - determinar a separação de corpos.

Com referência aos dispositivos acima, dispõe o legislador no § 1º ainda do artigo 22

que não haverá óbice à aplicação de outras medidas previstas na legislação em

vigor, desde que referida providência seja comunicado ao membro do Ministério

Público, sempre que se objetivar garantir a segurança da ofendida ou as

circunstancia o exigirem.

Da análise de todas as medidas cautelares dispostas na lei, observa-se que entre as

mais drásticas, ou melhor, uma das que mais afetará toda a estrutura familiar, a fim

de garantir a segurança da vida da vítima, é a prevista no inciso II do artigo 22 –

afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida e a no inciso III

15 BRASIL, 2006.

22

do artigo 23 – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos

relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos.

No que tange a medida cautelar descrita no artigo 22, inciso II, observa-se que esta

será determinada pelo juiz quando for verificado que a convivência sobre o mesmo

teto entre as partes encontra-se inviável, determinando assim, que o agressor se

retire do lugar que tenha convivido com a ofendida, seja ele qual for. Nesse sentido,

muito bem explana o magistrado Sergio Ricardo de Souza:

Esta medida protetiva de urgência consiste na imposição de que o (a) agressor (a) se afaste do lugar onde mantém a convivência com a ofendida, não importando que seja uma casa, um apartamento, um sitio, um quarto de hotel, uma barraca, um motor home etc. O importante dessa significativa medida é o afastamento do (a) agressor (a) do local onde ele (a) e a vitima estavam convivendo, com vistas a dificultar a reiteração das agressões, bem como as pressões e ameaças contra ele (a).16

Quanto à medida assecuratória prevista no artigo 23, inciso III, a pessoa que será

afastada do lar também será o agressor, no entanto, excepcionalmente nada obsta

que a ofendida também seja, a fim de garantir sua integridade e de toda sua família,

em especial de seus filhos e, ainda, lhe serão assegurados os direitos relativos a

bens, guarda dos filhos e alimentos.

Não tem sido diferente o entendimento doutrinário:

Da forma que está redigido o inciso III (...), parece induzir a que o juiz poderá impor o afastamento da vitima, o que, na situação posa, não obedece a lógica do sistema criado pela Lei 11.340/2006, a não ser em casos excepcionais, onde esteja evidente o risco para a vitima e ela comprovadamente não detenha qualquer direito de permanecer naquele domicilio.17

Dessa forma, resta claro que a intenção do legislador com a disposição em lei das

medidas cautelares, em especial nas duas hipóteses que ocorre o afastamento de

um dos cônjuges do lar/domicílio, nada mais é do que garantir a vida com dignidade

da ofendida, evitando que a mesma venha a sofrer qualquer tipo de pressão

psicológica, desconforto moral ou qualquer prática de violência pelo agressor, que

16 SOUZA, 2007, p. 117.17 SOUZA, 2007, p. 126.

23

constitua uma das formas de violação dos direitos humano e que esteja tipificado

nos incisos do artigo 7 da Lei 11.340/200618.

1.2 DIFERENÇAS EXISTENTES ENTRE A AÇÃO CAUTELAR DE AFASTAMENTO

DO CÔNJUGE DO LAR E SEPARAÇÃO DE CORPOS

Um aspecto de grande relevância jurídica é no que se refere às diferenças

existentes entre a Separação de Corpos e a Medida Cautelar de afastamento do

cônjuge, uma vez que diariamente as pessoas se confundem quanto à conceituação

e aplicabilidade dos institutos, isto porque em ambas as hipóteses, um dos cônjuges

acabam por se retirar do lar. No entanto, juridicamente referidos institutos são bem

distintos.

Antes de se iniciar a explicação do conceito e diferenciação dos institutos

supracitados, deve-se esclarecer que as medidas cautelares de afastamento do

cônjuge, disposta nos artigos 888, VI do Código de Processo Civil19 e artigo 22, II, da

Lei 11.340/200620 é uma medida rígida que visa proteger a integridade física, sexual

e psicológica não somente da vítima, mas também de todos inerentes ao núcleo

familiar, ou seja, objetivam proteger/salvaguardar um bem, uma pessoa ou de

qualquer prova que está na iminência de perecer, cujo grande exemplo é o filho

advindo da união.

Sobre referido instituto, dispõe um julgado do Tribunal de Justiça do Estado do

Espírito Santo:

TJES – Agravo de instrumento. 1) preliminar de prejudicialidade do agravo. Incorrência. Afastamento do agravante. Inexistência de perda de objeto. Possibilidade de retorno ao lar. Preliminar rejeitada. 2) agressão do agravante. Boletim de ocorrência. Afastamento do lar do ora agravante. Pena de prisão. Manutenção da decisão proferida após interposição do recurso. Recurso Improvido. 1) O afastamento do agravante do lar, por si só, não acarreta em perda do objeto do presente recurso, eis que, em sendo este provido, poderia ser determinado o seu retorno ao lar com o afastamento da agravada, levando-se em consideração que o objeto da

18 BRASIL, 2006.19 BRASIL. Lei 5.869 de 17 de janeiro de 1973. Dispõe sobre o Código de Processo Civil, Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 26 set. 2012.20 BRASIL, 2006.

24

medida de cautela é mantê-los separados até decisão ulterior do Juízo de piso. Preliminar rejeitada. 2) Em virtude da agressão perpetrada pelo agravante em desfavor da agravada, como comprovado por Boletim de Ocorrência colacionado aos autos, deve-se manter decisão proferida posteriormente à interposição do recurso, visando ao afastamento do lar do ora agravante, sob pena de prisão. Recurso Improvido. (AI 057.03.900019-5 – Rel. Des. Romulo Taddei – DJ 06.12.2004).21

A Separação de Corpos, por sua vez, possui previsão legal nos artigos 1562 e

seguinte do Código Civil/200222 e pode ser pleiteada judicialmente quando não for

mais possível viver em comum, ou seja, quando um dos cônjuges passa a perturbar,

por meio de atos, a vida do outro cônjuge, o convívio familiar, podendo inclusive ser

requerida liminarmente, desde que presente os requisitos mínimos do “fumus boni

iuris” e o “periculum in mora”, quais sejam a fumaça no bom direito e perigo pela

demora, respectivamente. Nesse sentido, segue o posicionamento do Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro:

SEPARAÇÃO DE CORPOS. AFASTAMENTO DO CONJUGE VARAO DO LAR. RUPTURA DA VIDA EM COMUM. VIOLENCIA DOMÉSTICA. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA. Apelação Cível. Separação de corpos. Afastamento do cônjuge varão do lar do casal. A medida cautelar de separação de corpos objetiva assegurar a integridade física e moral do cônjuge e dos filhos em comum, bem como impedir o constrangimento de compartilhar o mesmo teto com alguém com quem o convívio se tornou penoso. A liminar deve ser deferida na ação cautelar de separação de corpos, já que é resultado de cognição sumária que, analisa os elementos trazidos pela autora, pois este momento processual não se presta ao exame dos fatos e das alegações, a serem discutidas na ação principal. São motivos suficientes à concessão da medida liminar, os indícios de desarmonia da vida em comum, agressões físicas, constrangimento moral, até mesmo com o objetivo de preservar o equilíbrio emocional das partes, evitando que os litigantes continuem dividindo o mesmo lar durante o processamento da ação principal. Determinação do afastamento do varão do lar conjugal é medida que se impõe pelo bem estar dos filhos. Provimento do recurso. (TJRJ. APELAÇÃO CÍVEL - 2007.001.39397. JULGADO EM 06/11/2007. QUARTA CAMARA CIVEL - Unânime. RELATOR: DESEMBARGADOR SIDNEY HARTUNG”.23

Portanto, se observa que apesar de que em ambas as medidas se predominam a

saída do cônjuge, como regra o cônjuge varão, àquelas visam preservar a

integridade física, moral, sexual e psicológica da mulher vítima de violência 21 SOUZA, 2007, p. 127.22 BRASIL. Lei n.10.406 de 11 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 07 set. 2012.23 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível – 2007.001.39397. Relator: Desembargador Sidney Hartung. 06 nov. 2007. Disponível em: <http://www.centraljuridica.com/juris/4520/separacao_de_corpos_afastamento_do_conjuge_varao_do_lar_ruptura.html>. Acesso em: 02 mai. 2012.

25

doméstica, objetivando tutelar os direitos humanos da mulher, bem como o bem

jurídico constitucional: a VIDA humana com dignidade.

Cumpre ressaltar que a medida protetiva de afastamento do conjuge do lar

inicialmente era visualizada de forma negativa pelas autoridades concedentes, isto

porque referida cautelar requer determinada cautela pata a sua concessão.

Nesse sentido, afirma a promotora de Justiça Sueli Lima e Silva:

A medida cautelar de afastamento do cônjuge o Ministério Público tem uma cautela maior ao pugnar pelo deferimento, pois tem que se saber de quem é o imóvel, se é próprio ou aluguel. Ressalto que algumas mulheres, indevidamente, se apropriam da lei Maria da Penha porque é mais rápida, para pedir a separação de corpos através da medida protetiva de afastamento, por isso atualmente se tem maior cautela. Porém, atualmente esta medida é bem mais deferida do que antes.24

Dessa forma, resta claro que apesar da medida cautelar de afastamento do cônjuge

requerer certa cautela no momento de seu deferimento, a mesma é de suma

importância para garantir a integridade física, moral, psicológica e material das

vítimas nos casos extremos e, ainda, a mesma passou a ser aplicada com maior

freqüência desde a promulgação da lei.

2 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

24 SILVA, Sueli Lima e. Entrevista concedida à Ariany Pereira de Carvalho. Vitória, 27 de novembro de 2012.

26

Desde a criação da Lei Maria da Penha ocorrido em 07 de agosto de 2006 a

natureza da ação penal nos crimes envolvendo violência doméstica era pública

condicionada à representação, independentemente se a lesão era grave ou leve. No

entanto, com a mudança oriunda da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4424,

julgada pelo Supremo Tribunal Federal, a natureza da ação penal nos crimes de

lesão corporal ocorridos no âmbito doméstico, passou a ser pública incondicionada,

cessando assim, a oportunidade de retratação pelas vítimas, situação esta que

acarretará na mudança em todo o quadro jurídico da referida lei e,

consequentemente na aplicabilidade/efetividade das medidas cautelares de

urgência.

As medidas protetivas de urgência dispostas na lei são espécies de medidas

cautelares a serem pleiteadas pelas ofendidas, ao buscarem proteção estatal e

jurisdicional que objetivam proteger sua integridade física, moral, psicológica, sexual

e material (patrimonial) das agressões praticadas pelo acusado no âmbito

doméstico, familiar ou intrafamiliar.

2.1 NATUREZA DA AÇÃO PENAL NA LEI MARIA DA PENHA – ADIN 4424

Em 09 de fevereiro de 2012 o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou

procedente, por maioria de votos, vencido o presidente Cezar Peluso, a Ação Direita

de Inconstitucionalidade (ADI 4424), ajuizada pela Procuradoria-Geral da Republica

(PGR) no que tange aos artigos 12, inciso I; 16 e 41 da Lei Maria da Penha.

Conforme se verifica acima, até o advento da ADI 4424, julgada pelo STF, a

natureza da ação penal de todos os crimes que envolvem violência doméstica e

familiar contra a mulher previstos na Lei 11.340/200625 era pública condicionada à

representação, fato este que dependia de representação da vítima em desfavor do

acusado para que ocorresse o prosseguimento do feito, sendo-lhe facultado retratar-

se no prazo decadencial, na forma do artigo 38 do Código de Processo Penal,

25 BRASIL, 2006.

27

ensejando assim na extinção do processo e, consequentemente das medidas

protetivas de urgência eventualmente deferidas.

No entanto, após a referida ADI, foi votada pelo relator quanto à possibilidade de o

Parquet dar início a ação penal sem necessidade de representação da ofendida, ou

seja, a natureza da ação penal, nos crimes que envolvem lesão corporal,

independentemente da natureza, desde que verificado a qualificadora prevista no

artigo 129, § 9º, do Código Penal26 passou a ser Pública Incondicionada, assim

como as contravenções penais, ou seja, se procede independentemente de

representação da vítima, não tendo que se falar, sequer, em prazo decadencial.

Dessa forma, praticando o acusado o crime de lesão corporal no âmbito doméstico

contra a vítima, seja antes do deferimento das Medidas Protetivas de Urgência ou

em razão do descumprimento das mesmas, o Estado, representado pelo Poder

Judiciário, deverá iniciar a apuração acerca dos fatos ocorridos, e, já havendo

medida cautelar deferida, ou seja, ocorrido o descumprimento da mesma, nada

obsta que ocorra a prisão preventiva do indiciado, na forma do artigo 313, III, do

Código de Processo Penal.

Nesse sentido, a vítima ao ser agredida física, moral, psíquica, patrimonial ou

sexualmente (art. 5º.) pelo seu cônjuge, companheiro ou qualquer pessoa que tenha

relação de afetividade (art. 7º.), deverá se dirigir a uma Delegacia Especializada de

Atendimento a Mulher e registrar um boletim de ocorrência, cuja autoridade policial

irá adotar todos os procedimentos cabíveis, descritos nos artigos 10, 11 e 12 da lei.

Ato contínuo, o juiz ao receber o expediente com o pedido da vítima deverá, no

prazo de 48 (quarenta e oito) horas, decidir quanto às medidas protetivas de

urgência, comunicar ao representante do Ministério Público, que atuará como parte

ou custus legis (fiscal da lei), emitindo parecer e, determinar o encaminhamento da

vítima ao órgão de assistência judiciária, quando e se preciso for27.

Referidas medidas protetivas urgências poderão ser concedidas pelo Juiz, a

requerimento do Ministério Público ou representação da ofendida, podendo as 26 BRASIL. Decreto-Lei 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal Brasileiro. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 01 set. 2012.27 BRASIL, 2006.

28

medidas previstas no artigo 22 da Lei Maria da Penha28 ser deferida inaudita altera

partes, isolada ou cumulativamente.

Concedidas as medidas protetivas de urgência em favor das vítimas, o magistrado

fixará o prazo vigente, oportunidade em que virão os autos das medidas cautelares

ao representante do Ministério Público para pugnar pela renovação ou extinção das

referidas medidas, analisado caso a caso, cabendo ao juiz posteriormente julgá-las

e, inclusive deferir o pleito de ofício.

É de suma importância ressaltar que a mudança ocorrida na natureza da ação penal

nos crimes de lesão corporal qualificado pela violência doméstica praticados em

desfavor das vítimas, dividiu opiniões entre os ministros da Suprema Corte.

Enquanto a corrente desfavorável à referida mudança se posicionava no sentido que

assim atuando o Estado interferirá na relação doméstica/pessoal e impossibilitando,

portanto, uma eventual conciliação do casal e manutenção da família, além de

intervir na capacidade de decisão da vítima que naquele momento da agressão se

encontra emocionalmente abalada. Ratificando este posicionamento, temos o que

dispõe o Ministro Presidente Cesar Peluzo:

É preciso respeitar o direito das mulheres que optam por não apresentar queixa contra seus companheiros quando sofrem algum tipo de agressão, uma vez que isso significa o exercício do núcleo substancial da dignidade da pessoa humana, que é a responsabilidade do ser humano pelo seu destino. O cidadão é o sujeito de sua história, é dele a capacidade de se decidir por um caminho, e isso me parece que transpareceu nessa norma agora contestada.29

A corrente favorável à mudança entende que quando for verificada a existência de

animosidade, divergência e discussões entre o casal, ou pior ainda, chegar ao ponto

da violência física pelo agressor, será necessário/indispensável à intervenção

Estatal na relação conjugal, não tendo que se falar em malefício à constituição da

família, isto porque os que mais sofrem com os reflexos das referidas violências não

são apenas os adultos, mas sim as crianças (filhos do casal) eventualmente

28 BRASIL, 2006.29 STF. Supremo julga procedente ação da PGR sobre a Lei Maria da Penha. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 23 out. 2012.

29

existentes e os ascendentes daqueles, devendo, portanto, ser resguardado os

interesses de todos da família.

Defende esta segunda corrente, entre eles, os ministros do Supremo Tribunal

Federal, entre eles Celso de Mello e Carmem Lúcia, os quais fundamentaram seus

votos favoráveis à ação penal pública incondicionada, defendendo que é de extrema

importância se observar a obrigação do Estado de zelar pela prevenção da mulher

nos casos de violência doméstica e familiar, disposta no artigo 226, § 8º da

Constituição Federal/1988.30

No mesmo sentido favorável à mudança na natureza da ação penal no crime de

lesão corporal qualificada pela violência doméstica, afirma a promotora de justiça

Sueli Lima e Silva em entrevista realizada, qual seja:

Felizmente, acredito que por um momento político, porque o jurídico caminha muito junto, o Supremo, a exceção de um ministro corrobora o que a lei já falava: Lesão corporal praticada no âmbito doméstica é qualificada e consequentemente será pública incondicionada. Visualiza-se pelas decisões dos ministros, em cada voto, felizmente um novo olhar para esta questão dizendo que isto não é mais um problema privado, mas sim da sociedade, uma vez que a mulher não terá que arcar com este ônus, que além de apanhar ainda ter que ratificar que desejar ver o agressor processado, fato este que era absurdo.31

Dessa forma, se verifica que os ministros e os demais profissionais que atuam nas

varas de violência doméstica e familiar contra a mulher têm modificado

gradativamente seus pensamentos ultrapassados e trabalhados em prol da proteção

das mulheres vítimas de todos os tipos de violência, seja ela física, moral,

psicológica, sexual ou material, bem como dos familiares que sofrem os reflexos

oriundos da referida violação. Portanto, foi muito bem colocado pela promotora de

justiça que a violência doméstica não é um problema privado, mas sim social, o qual

deve ser arduamente reprimido a fim de cessá-la.

2.2 A EXISTÊNCIA DE CRITÉRIOS FISCALIZADORES NA LEI 11.340/2006 E OS

SEUS RESPECTIVOS REFLEXOS

30 BRASIL, 1988.31 SILVA, 2012.

30

Importante ressaltar que a mudança da natureza da ação penal oriunda da ADIN do

STF, no que tange ao crime de lesão corporal praticados na relação doméstica

corresponde ao início de um avanço da repressão de violência doméstica e,

consequentemente um incentivo dado pelo legislador para motivar as vítimas de

violência doméstica a denunciarem os agressores, objetivando lhe proteger e,

especialmente, a todas as pessoas ligadas ao vínculo familiar que, acabam por

sofrerem os reflexos advindos das agressões praticadas pelo acusado.

Quanto a esta questão, muito bem preleciona a doutrinadora Maria Berenice Dias

em seu artigo:

Chegou o momento de resgatar a cidadania feminina. Para isso, se fazia urgente a adoção de mecanismos de proteção que coloque a mulher a salvo do agressor. Só assim ela terá coragem de denunciar sem temer que sua palavra não seja levada a sério, que sua integridade física nada valha e que o único interesse do juiz seja como forma de reduzir o volume de demandas em tramitação, não deixar que se instale o processo.32

Ademais, registra que no decorrer do estudo sobre a Lei 11.340/200633, observou-se

que a referida lei merece passar por algumas alterações legislativas, objetivando

que sejam previstos critérios fiscalizadores e sanções penais severas aos

agressores que praticam qualquer tipo de violência contra a vítima.

Referida situação é ratificada pelo entendimento do doutrinador Francisco Costa,

qual seja:

Pudemos constatar, com a pesquisa, que a dinâmica, a complexidade e a velocidade em que os casos de violência acontecem, faz com que o Estado-Juiz não de conta da punição efetiva aos transgressores da lei, sobretudo, a partir dos instrumentos de institucionalização e controle da própria norma.34

Diante da violência doméstica ocorrida atualmente, em especial no que tange a

ausência de critérios fiscalizadores e penalidades severas aos agressores de

violência doméstica, temos que referida violência constitui uma das formas mais

cruéis de violação aos direitos humanos e ao princípio constitucional da Dignidade

da pessoa humana, baseados respectivamente no Pacto de São José da Costa Rica 32 DIAS, Maria Berenice. Bem-vinda Maria da Penha. Minas Gerais: 2006. Disponível em <http://ibdfam.org.br/?artigos&artigo=228>. Acesso em: 02 mai. 2012.33 BRASIL, 2006.34 COSTA, 2008, p. 22.

31

e a Constituição Federal de 198835, a qual deve ser arduamente reprimida e

cessada.

Para garantir ao menos a diminuição nos elevados números da violência doméstica,

necessário se faz que além das denúncias realizadas pelas vítimas nos casos de

descumprimento das medidas cautelares, sejam criados critérios fiscalizadores

objetivando que transcenda às vítimas e a todos da sociedade a efetividade das

medidas protetivas de urgência, as quais visam preservar a integridade física, moral,

psicológica e material das mulheres.

Ratificando a importância de criação de critérios fiscalizadores na lei 11.340/2006

diante de sua previsão legislativa, sabiamente relata a promotora de justiça da

mulher:A fiscalização é o grande calcanhar de aquiles em todo o ordenamento jurídico .... não existe na lei a fiscalização do Estado, o que seria interessante existir, uma vez que não basta conceder as medidas protetivas em favor das vítimas, deve-se fiscalizar.36

No entanto, quando a vítima não consegue proceder com sua função fiscalizadora

da lei e consequentemente das medidas protetivas deferidas em seu favor e, o

agressor acaba por descumpri-la, não resta outra alternativa ao Órgão Ministerial,

senão, pugnar pelo deferimento da segregação cautelar deste, a fim de garantir ao

menos a integridade física e moral das vítimas, sendo que só será possível em

determinados situações, isto porque muitas delas acabam tendo sua vida

interrompidas diante das condutas desumanas cometidas pelos agressores. Nesse

sentido aduz a promotora de justiça:

Hoje a sanção que a gente tem ao infrator em caso de descumprimento das medidas protetivas é a prisão, isto a lei garante, sendo que só será possível verificar referida hipótese quando a vítima comunicar ao judiciário, isto se ela tiver tempo, uma vez que muitas vezes ela morre.37

35 BRASIL, 1988.36 SILVA, 2012.37 SILVA, 2012.

32

Nesse sentido, a Lei 12.403/201138 que preceitua quanto às prisões modificou o

artigo 319 do Código de Processo Penal, introduzindo as medidas cautelares

diversas da prisão, sendo que entre elas tem-se a descrita no inciso IX -

monitoração eletrônica, a qual, salvo melhor juízo, se apresenta como sendo a mais

adequada para ser aplicada no âmbito da violência doméstica e familiar contra a

mulher.

Quanto à conceituação da monitoração eletrônica, preleciona o doutrinador Renato

Brasileiro de Lima:

Consiste no uso de dispositivo não ostensivo de monitoramento eletrônico, geralmente afixado ao corpo da pessoa, a fim de que se saiba, permanentemente, a distancia, e com respeito à dignidade da pessoa humana, a localização geográfica do agente, de modo a permitir o controle judicial de seus atos fora do cárcere.39

Considerando a conceituação acima exposta, observa-se que referida medida se

apresenta como uma solução adequada a ser utilizada no controle do cumprimento

das medidas protetivas de urgência deferidas em favor das vítimas, uma vez que

teoricamente a mesma é perfeita, haja vista que estará garantida a vigilância,

restrição e eventual detenção do acusado.

Não obstante, em eventual implantação da medida na lei Maria da Penha, os

acusados passariam a ter consciência que caso venha a descumprir qualquer

medida protetiva determinada pelo magistrado, efetivamente poderá vir a arcar com

as responsabilidades criminais, inclusive ter sua liberdade restrita, oriundo a

eventual determinação de prisão pelo juízo.

Registra-se que caso seja eventualmente aplicada à medida cautelar na lei

11.340/2006, nada obsta que a mesma seja aplicada/determinada no momento do

oferecimento da denúncia, cujo titular da ação é o Ministério Público.

38 BRASIL. Lei 12.403 de 04 de maio de 2011. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 01 nov. 2012.39 LIMA, Renato Brasileiro de. Nova Prisão Cautelar: Doutrina, jurisprudência e prática. 2 ed. Niterói: Impetus, 2012, p. 404.

33

Trata-se referida medida de um meio hábil e adequado a ser implantada na lei Maria

da Penha, a fim de que seja realizada a fiscalização das medidas protetivas e, por

conseqüência, garantido sua eficácia no cumprimento.

Dessa forma, nada impede que referida medida possa ser implantada como um dos

critérios fiscalizadores na lei 11.340/200640, o qual contribuirá favoravelmente na

proteção das vítimas de violência doméstica, não tendo que se falar que a

implementação da referida medida refere-se a um ato superficial ou devaneio, muito

pelo contrário, conforme dito anteriormente.

Prova disto é que, como já existe a previsão da monitoração eletrônica no Código de

Processo Penal, no título IX referente à prisão e medidas cautelares, nada obsta sua

implantação extensiva na Lei Maria da Penha ou, em caso de impossibilidade, a

aplicação analógica da referida medida nos casos de violência doméstica.

Cumpre ressaltar que ocorrendo à aplicação desta medida cautelar, figurando como

uma das espécies de medidas diversas da prisão, restará garantido ao agressor seu

direito de liberdade, sem deixar de puní-lo pela sua prática delitiva, objetivando

cessar futuras violações à integridade física, moral, psicológica e material das

vítimas.

Não obstante, outra hipótese que pode vir a ser considerado e implantado como

critério fiscalizador é a atuação ativa da Polícia Civil, determinado pelo Estado, com

a criação de um Departamento Policial responsável no auxílio da fiscalização das

medidas protetivas de urgência, a fim de que seja cessado ou ao menos diminuído o

descumprimento das mesmas e, consequentemente, a prática de violência

doméstica e familiar contra a mulher.

Referida medida encontraria previsão legal, uma vez que o artigo 11 da Lei Maria da

Penha determina às autoridades policiais a atribuição de providências visando à

proteção e demais procedimentos necessários à preservação da incolumidade física

da mulher, não tendo argumentos para alegar eventual inconstitucionalidade para a

sua implantação.

40 BRASIL, 2006.

34

Assim sendo, diante da aparente ausência de critérios fiscalizadores na Lei Maria da

Penha, vislumbra-se que os critérios acima expostos, data máxima vênia, caso

sejam implantados no ordenamento jurídico brasileiro, conforme sugerido pela

autora significará uma grande valia na proteção das mulheres vítimas da violência

doméstica, a fim de preservar à integridade física, moral, sexual, psicológica e ainda,

material (patrimonial) das mesmas não somente das mesmas, mas sim todos da

entidade familiar que lastimavelmente acabam por estarem interligados em razão da

violência.

3 A LEI MARIA DA PENHA E AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA NA VISÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

O Tribunal Brasileiro por vezes tem mencionado como tema em seus julgamentos a

Lei Maria da Penha, porém esta tem sido analisada apenas no que tange à sua

35

constitucionalidade, competência, natureza da ação penal, as medidas protetivas de

urgência de forma ampla, competência positivo e negativo para julgamento e demais

assuntos pertencentes à referida lei.

Porém, quanto aos critérios fiscalizadores das medidas cautelares, especificamente

a de afastamento do cônjuge do lar conjugal, verifica-se a ausência de julgados

versando acerca do tema. Portanto, este capítulo será voltado para a demonstração

da referida situação.

3.1 O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ACERCA DA LEI

MARIA DA PENHA E AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA, EM

ESPECIAL A DE AFASTAMENTO DO CÔNJUGE DO LAR

Antes de adentrar ao mérito especificamente acerca das medidas protetivas de

urgência, cumpre salientar que restará caracterizada a violência doméstica e familiar

qualquer prática de crime ou contravenção penal ocorridos em desfavor da mulher,

consubstanciado no Código Penal Brasileiro e o Decreto-Lei n. 3688/4141,

respectivamente.

Dessa forma fica afastada a competência dos Juizados Especiais para apreciar

referidos pleitos, conforme expressamente previsto no artigo 41 da Lei 11.340/2006,

qual seja: “art. 41 - Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra

a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26

de setembro de 1995.” 42

Não tem sido diferente o posicionamento dos tribunais superiores:

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06 – ALCANCE. O preceito do artigo 41 da Lei nº 11.340/06 alcança toda e qualquer prática delituosa contra a mulher, até mesmo quando consubstancia contravenção penal, como é a relativa a vias de fato. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06 – AFASTAMENTO DA LEI Nº 9.099/95 – CONSTITUCIONALIDADE. Ante a opção político-normativa prevista no artigo 98, inciso I, e a proteção versada no artigo 226, § 8º, ambos da

41 BRASIL. Decreto-Lei 3.688 de 03 de outubro de 1941. Dispõe sobre a Lei das Contravenções Penais. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29 out. 2012.42 BRASIL, 2006.

36

Constituição Federal, surge harmônico com esta última o afastamento peremptório da Lei nº 9.099/95 – mediante o artigo 41 da Lei nº 11.340/06 – no processo-crime a revelar violência contra a mulher.43

Dispõe o artigo 1444 da Lei que poderão a União, Estado, Distrito Federal e

Territórios criarem os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

para o processo, julgamento e execução das causas decorrentes da prática de

violência doméstica e familiar contra a mulher, segundo entendimento do Supremo

Tribunal Federal:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. VIOLÊNCIA COMETIDA POR EX-NAMORADO. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DO DELITO PREVISTO NO ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/2006). IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENOT PELO JUIZADO ESPECIAL. 1. Violência cometida por ex-namorado; relacionamento afetivo com a vítima, hipossuficiente; aplicação da Lei n. 11.340/2006. 2. Constitucionalidade da Lei n. 11.340/2006 assentada pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal: constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, que afasta a aplicação da Lei n. 9.099/1995 aos processos referentes a crimes de violência contra a mulher. 3. Impossibilidade de reexame de fatos e provas em recurso ordinário em habeas corpus. 4. Recurso ao qual se nega provimento.45

E ainda, no que tange à competência para processar o julgar as causas que

envolvem a violência doméstica e familiar contra a mulher, prevê o artigo 15 da Lei

que poderá ser optado pela ofendida o foro do Juizado a ser interposto o pleito,

entre eles o do seu domicílio ou de sua residência, do lugar do fato em que baseou a

demanda ou ainda, do domicílio do agressor.

Superado o âmbito da competência, se deve mencionar que a maioria da violência

doméstica praticadas em desfavor das vítimas ocorre no âmbito do lar, doméstico,

não possuindo, como regra, testemunhas que presenciem os fatos praticados

agressor, existindo ao máximo, e não em todas as ocasiões, alguns ouvintes que

seriam os filhos do casal ou alguns vizinhos.

43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 106212/MS. Defensoria Pública da União. Relator: Min. Marcos Aurélio. 24 mar. 2011. Disponível em < www.stf.gov.br >. Acesso em: 08 out. 2012. 44 BRASIL, 2006.45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC nº 112698/DF. Ministério Público Federal. Relatora: Carmen Lúcia. 18 set. 2012. Disponível em < www.stf.gov.br >. Acesso em: 09 out. 2012.

37

Portanto, na prática dos referidos crimes ou contravenções penais envoltos da

violência doméstica a palavra das vítimas possuem um grande valor ou

representatividade, “peso” e que será utilizado como referência para que o

magistrado possa deferir ou não as medidas protetivas de urgência e, realizados

eventuais provimentos jurisdicionais em favor da mesma, de ofício ou após

manifestação ministerial, conforme segue jurisprudência abaixo:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PENAL. LEI MARIA DA PENHA. INFRACONSTITUCIONAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OFENSA REFLEXA. REEXAME DE CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 279 DO STF. 1. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF). Consectariamente, se inexiste questão constitucional, não há como se pretender seja reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso (art. 102, III, § 3º, da Constituição Federal). 2. Os princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da motivação das decisões judiciais, bem como os limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando a verificação de sua ofensa dependa do reexame prévio de normas infraconstitucionais, revelam ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a abertura da instância extraordinária. Precedentes. 3. A Súmula 279 do STF dispõe: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. 4. É que o recurso extraordinário não se presta ao exame de questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, adstringindo-se à análise da violação direta da ordem constitucional. 5. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: “APELAÇÃO CRIME. LEI MARIA DA PENHA. LESÃO CORPORAL. ART. 129 § 9º DO CÓDIGO PENAL AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA EM SUA INTEGRALIDADE. A PALAVRA DA VÍTIMA, NOS CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, ASSUME ESPECIAL RELEVO, MORMENTE QUANDO ACONTECE NO INTERIOR DA RESIDÊNCIA FAMILIAR, NA AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS PRESENCIAIS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.” 6. Agravo regimental a que se NEGA PROVIMENTO.46

No bojo da Lei, verifica-se no artigo 17 a vedação da aplicabilidade do benefício da

suspensão condicional do processo, quando preenchidos os requisitos previstos no

artigo 89 da Lei 9.099/9547, isto porque a lei de combate à violência doméstica não

engloba nenhum dos benefícios dispostos na Lei dos Juizados Especiais (9.099/95),

entendimento este ratificado pelo Supremo Tribunal Federal:

46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 694813 AgR /RS. Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Luiz Fux. 28 agosto 2012. Disponível em < www.stf.gov.br >. Acesso em: 09 out. 2012.47 BRASIL. Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 30 out. 2012.

38

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PEDIDO DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. INAPLICABILIDADE DA LEI N. 9.099/1995. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). PRECEDENTE. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou a constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, que afasta a aplicação da Lei n. 9.099/1995 aos processos referentes a crimes de violência contra a mulher. 2. Ordem denegada.48

Referida vedação é de suma importância, uma vez que já existindo esta proibição do

benefício a violência doméstica ainda possui um grande percentual de sua prática,

quem dirá se fosse diferente, fato este que deve ser considerado como um motivo

ensejador para que o agressor continuasse a praticar violência em desfavor das

vítimas.

Exemplo clássico que temos, onde se vislumbra que referida vedação do instituto é

positiva está no caso de um agressor que oferece um soco no rosto da vítima, e

toma conhecimento que poderá ser sancionado, em razão de sua conduta, ao

máximo no pagamento de algumas cestas básicas ou prestação de serviço à

comunidade, estando posteriormente, “liberado” para a prática de novas condutas

delitivas contra sua esposa/companheira. Referido exemplo deve ser arduamente

reprimido e, a lei Maria da Penha neste aspecto vedou expressamente, merecendo

ser amplamente exaltada, haja vista o avanço social oriundo desta vedação.

Um assunto importante de se mencionar no âmbito da violência doméstica é quanto

à Lei 12.403/201249 que estabeleceu como regra a aplicação das outras medidas

cautelares diversas da prisão e alterou os artigos referentes às prisões.

No entanto, o artigo 313 do Código de Processo Penal50 prevê a hipótese de prisão

relacionada à Lei Maria da Penha, a qual não apresentou qualquer vedação em

aplicar a custódia cautelar ao acusado infrator de violência doméstica e familiar

contra a mulher, objetivando assegurar a execução das medidas protetivas de

urgência dispostas na referida lei e, consequentemente, a integridade da ofendida.

Este tem sido o entendimento dos tribunais superiores, conforme se segue abaixo:

48 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 110113/MS. Defensoria Pública da União. Relatora: Carmen Lúcia. 20 mar. 2012. Disponível em < www.stf.gov.br >. Acesso em: 09 out. 2012.49 BRASIL, 2011.50 BRASIL, 1973.

39

CRIMINAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICACONTRA A MULHER (LEI MARIA DA PENHA). DESCUMPRIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS IMPOSTAS. COMPORTAMENTO REITERADO. RISCO CONCRETO. PRISÃO PREVENTIVA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. ART. 313, IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. LIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.I. Hipótese em que a necessidade da segregação cautelar restou demonstrada por meio de elementos concretos constantes dos autos, notadamente em face ao descumprimento reiterado das medidas protetivas impostas.II. O art. 313, inciso IV, do Código de Processo Penal dispõe que se o crime doloso cometido pelo agente envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, a prisão preventiva se legitima como forma de garantir a execução das medidas protetivas de urgência, recomendando-se maior cautela a fim de evitar nova incidência delituosa.III. Correto e justificado o indeferimento da liberdade provisória pleiteada. IV. Recurso desprovido. 51

Dessa forma, observa-se que dentre os objetivos que ensejam a decretação da

prisão preventiva dos agressores estão para preservarem a integridade física, moral

e psicológica das vítimas de violência doméstica e garantir a ordem pública para que

o acusado não possa cometer novos delitos em desfavor daquelas, bem como

quando este apresentar uma elevada periculosidade em relação à vítima.

Registra-se que quando no caso concreto não for hipótese de prisão do acusado,

não haverá óbice para que o douto magistrado possa determinar, cumulativamente,

a fiança e outra medida cautelar diversa da prisão (artigo 319), na forma do artigo

320, do Código de Processo Penal52. Reiterando a hipótese de prisão do acusado,

nos casos de violência doméstica, tem-se o entendimento do Superior Tribunal de

Justiça:

O ministro do STJ afirmou que a Lei 12.403, que deu nova redação ao artigo 313 do Código de Processo Penal (CPP), permite a decretação da custódia cautelar se o crime envolver violência doméstica e familiar contra mulher, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Portanto, o ministro considerou inviável a adoção de medida cautelar diferente da prisão. Todos os demais ministros da Turma acompanharam o voto do relator. HC 230940.53

51 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 30923/PR. Ministério Público do Estado do Paraná. Relator: Gilson Dipp. 01 set. 2011. Disponível em < www.stj.gov.br >. Acesso em: 09 out. 2012.52 BRASIL, 1973.53 STJ. Mantida prisão de ex-companheiro que descumpriu medidas protetivas da Lei Maia da Penha. STJ: 2012. Disponível em <http://nota-dez.jusbrasil.com.br/noticias/3144924/stj-mantida-prisao-de-ex-companheiro-que-descumpriu-medidas-protetivas-da-lei-maria-da-penha>. Acesso em: 10 out. 2012.

40

As medidas protetivas de urgência, previstas nos artigos 22 e 23 da Lei

11.340/200654, são cautelares que visam preservar a integridade física, moral e

psicológica das vítimas nos casos de violência praticada por seus maridos,

companheiros, namorados, ou qualquer pessoa desde que haja o vínculo de

afetividade com a vítima, na forma do artigo 5º do mesmo dispositivo legal.

No entanto, as vítimas ao pleitearem as medidas protetivas, que os fazem no

momento em que registram boletim de ocorrência ou, agora com a mudança oriunda

da ADI 4424 na natureza da ação penal em casos de lesão corporal qualificado pela

violência doméstica (artigo 129, § 9º do Código Penal), bem como das

contravenções penais, quando do conhecimento do órgão ministerial este ao

analisar os autos e verificar que estão presente os requisitos autorizadores para a

concessão das referidas medidas, deverá concedê-las mediante decisão

fundamentada, na forma do artigo 93, inciso IX da Constituição Federal/8855, sob

pena de inadequação daquelas. Este tem sido o entendimento do Superior Tribunal

de Justiça:

PROCESSUAL. LEI MARIA DA PENHA. MEDIDAS PROTETIVAS. DECISÃO.FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA. INADEQUAÇÃO DAS MEDIDAS.

1 - Toda e qualquer decisão, ainda que de cunho urgente e cautelar, deve ser fundamentada, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal, o que não ocorre no caso concreto, pois as medidasprotetivas decretadas, no âmbito da Lei Maria da Penha o foram com simples menção aos dispositivos legais, sem qualquer indicação de fatos concretos.2 - De outra parte, do contexto dos autos, extrai-se que são medidas inadequadas (uma delas inexequível) e que se chocam, em última ratio, com outra decisão proferida em autos de ação de modificação de guarda, onde denotado que já estava o casal separado, há muito.3. Recurso provido para revogar as medidas.56

Dentre as medidas protetivas descritas no artigo supramencionado da Lei, destaco a

de Afastamento do cônjuge do lar, descrita no inciso II, do artigo 22, a qual poderá

ser requerida liminarmente objetivando preservar a integridade da parte vulnerável 54 BRASIL, 2006.55 BRASIL, 1988.56 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Deferimento petição RHC 24946/MG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Relator: Maria Thereza de Assis Moura. 27 set. 2011. Disponível em < www.stj.gov.br >. Acesso em: 09 out. 2012.

41

no relacionamento, entre os quais a mulher e as pessoas a ela ligadas, os filhos,

idosos, deficientes físicos e demais pessoas envolto da relação doméstica, descritas

no artigo 313 do Código de Processo Penal, que acabam por sofrer os reflexos

oriundos da violência praticada pelo agressor/acusado, conforme se depreende da

jurisprudência abaixo relacionada:

AGRAVADO: A. M. B. RELATOR: DES. ANTONIO LOYOLA VIEIRA. AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE SEPARAÇÃO LITIGIOSA - AFASTAMENTO LIMINAR DO MARIDO DO LAR CONJUGAL - PLEITO VISANDO A REINTEGRAÇÃO NO IMÓVEL - IMPOSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS ENSEJADORES A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA - AGRAVANTE QUE DEU CAUSA AO AFASTAMENTO DO LAR - APLICAÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA PREVISTA NA LEI 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA)- AGRAVADA QUE NÃO POSSUI OUTRA RESIDÊNCIA PARA MORAR COM A FILHA DO CASAL - DIREITO DE MORADIA ASSEGURADO - OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (Processo - AI 6056773 PR 0605677-3).57

Diante da análise de vários julgados dos tribunais superiores, resta claro que

inexiste posicionamento quanto aos critérios fiscalizadores na lei Maria da Penha, a

fim de resguardar as vítimas da violência doméstica de uma forma geral, bem como

garantir o cumprimento efetivo das medidas cautelares.

No entanto, cumpre ressaltar que ao lado da ausência legislativa de critérios

fiscalizadores na lei, tem-se que as vítimas da violência doméstica é a principal

fiscalizadora do cumprimento das medidas protetivas de urgência, ou seja, para

garantir a eficácia da lei.

Ratificando esta ideia, segue o entendimento da promotora de justiça Sueli Lima e

Silva:

Difícil se estabelecer uma forma de fiscalização, mas a vítima é a principal fiscalizadora da lei.Com relação à Lei Maria da Penha a gente tem a inovação que são as medidas protetivas, que diz não poder se comunicar com a vítima, a principal fiscalizadora é a mulher, uma vez que a mesma sabendo haver determinação judicial a qual procurou, ciente de que não está sendo cumprida, ela deve denunciar.58

57 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Relator: Antonio Loyola Vieira. 23 jun. 2010. Disponível em: < www.tj.pr.gov.br >. Acesso em: 10 out. 2012.58 SILVA, 2012.

42

Diante da alegação acima, verifica-se a suma importância da vítima em proceder

com a fiscalização da lei. No entanto, tal fiscalização realizada de forma

independente pela vítima não é o suficiente, visto que se faz imprescindível a

atuação ativa do Estado e consequentemente a previsão legislativa, objetivando,

assim, inibir os agressores de praticarem novas condutas violentas.

Logo, conforme descrito no subtítulo 2.2 deste trabalho, o implemento de critérios

fiscalizadores sugeridos pela autora e, eventualmente implantados pelas autoridades

competentes, será de grande valor para todas as vítimas da cruel e repugnável

violência doméstica. Entendimento que coaduna com a promotora de justiça:

A lei Maria da Penha representa um marco histórico em relação a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, uma vez que antes nós não tínhamos nenhum instrumento jurídico que fosse capaz de amparar os anseios dessas mulheres.59

Portanto, agora mais do que nunca, em virtude da lei Maria da Penha conceder

certos benefícios e em razão da coletividade, de forma geral, encontrar-se

desnorteada mediante as condutas delitivas praticadas pelos agressores, verifica-se

que, o momento é mais que oportuno para que a sociedade passe a juntar forças

pela busca incansável de método hábeis na cessação da violência doméstica e

familiar contra as mulheres, índice este que lastimavelmente vem crescendo em

todo o país, em especial no estado do Espírito Santo que, conforme dados de

pesquisas jornalísticas, é o mais violento em homicídios consumados no âmbito

domiciliar.

Portanto, encampada a ideia de que é necessário reagir ativamente através do

esforço conjunto entre Estado e sociedade, no objetivo de coibir a continuidade da

violência doméstica, se alcançará um marco histórico, não mais importante, porém,

ainda maior do que o próprio momento de promulgação da lei Maria da Penha.

59 SILVA, 2012.

43

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não pode ter citações Deve ser apresentado um resumo do que abordou em cada

capitulo; nos últimos parágrafos responda de forma objetiva ao

problema de pesquisa

44

Diante do exposto, verifica-se que a violência doméstica e familiar contra a mulher

trata-se de um problema histórico presente em toda a sociedade e que apenas em

07 de agosto de 2006, após inúmeros clamores sociais, foi promulgada a Lei

11.340/2006 pelo Presidente da República, denominada Lei Maria da Penha, cujo

nome decorreu de uma homenagem dirigida à Maria da Penha Maia Fernandes que

sofreu várias agressões e ao final um homicídio na forma tentada, praticadas por

seu marido que lhe gerou uma deficiência física, encontrando-se atualmente em

cadeira de rodas.

No entanto, apesar de referida lei ter representado um grande avanço para todas as

mulheres, em especial às vítimas de violência doméstica, verifica-se a inexistência

de critérios fiscalizadores na Lei Maria da Penha, fato este que reflete no

descumprimento das cautelares, bem como na ausência de julgados pelos tribunais

superiores, haja vista que a mera concessão das medidas pelo Estado e havendo

apenas a fiscalização destas por parte das vítima, não é o suficiente.

O presente trabalho no capítulo um, intitulado como “Histórico da Lei 11.340/2006,

conhecida como Maria da Penha” descreveu o histórico da Lei Maria da Penha e

apresentou as diferenças existentes entre a medida cautelar de Afastamento do

cônjuge e Separação de Corpos.

No capítulo dois sob o título “Medidas Protetivas de Urgência” analisou-se a

mudança da natureza da ação penal nos crimes envoltos da violência doméstica e

familiar contra a mulher, oriunda pela ADI 4424 julgada pelo STF, e, por

conseqüência, seus reflexos advindos com a existência de critérios fiscalizadores na

Lei 11.340/2006.

Ainda neste capítulo, cumpre ressaltar que o fato importante ocorrido em 09 de

fevereiro de 2012 referente a ADI 4424, julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal

Federal (STF), encontra-se descrita minuciosamente neste capítulo, cujo

conhecimento é de extrema importância a sociedade, em especial os membros do

Ministério Público e Poder Judiciária, uma vez que àquela modificou a natureza da

ação penal nos crimes que envolvem lesão corporal qualificado pela violência

doméstica (artigo 129, § 9º, do Código Penal), a qual passou de Pública

45

Condicionada à representação para Pública Incondicionada, ou seja, referida ação

procederá independentemente de representação da vítima, não tendo que se falar

em prazo decadencial descrito no artigo 38 do Código de Processo Penal.

Por derradeiro, no capítulo três que tem por título “As medidas protetivas de

urgência na visão dos tribunais superiores” foi realizada uma análise acerca dos

julgados da Lei Maria da Penha proferida pelos tribunais superiores no que tange à

lei de forma geral.

Não obstante, no curso do trabalho verificou-se a ocorrência de ausência legislativa

no que tange aos critérios fiscalizadores na lei Maria da Penha, fato este que

favorece o aumento do descumprimento das medidas protetivas em desfavor das

mulheres e, por conseqüência, no aumento do número da prática de infrações

penais em desfavor das vítimas de violência doméstica.

Diante do caso, a pesquisadora apresentou, data venia, sugestões para que os

julgadores possam analisá-las e eventualmente possa a vir a implantá-las no

ordenamento jurídico, objetivando preservar a integridade física, moral, psicológica,

sexual e até mesmo patrimonial das vítimas de crimes ocorridos no seio domiciliar.

Conclui-se que a ausência de critérios fiscalizadores na Lei 11.340/2006 tem

contribuído para o descumprimento das medidas protetivas de urgência nos

seguintes aspectos: a sensação de impunidade dos agressores e

consequentemente o aumento do índice de violência doméstica e familiar praticada

contra as vítimas mulheres, o qual acaba por afetar a todos os integrantes do seio

familiar. Não obstante, referida ausência legislativa acarretará em certo “descrédito”

da sociedade com relação ao Estado, em razão deste possuir a obrigação de

garantia da eficácia no cumprimento da lei.

46

REFERÊNCIAS

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47

BRASIL. Decreto-Lei 3.688 de 03 de outubro de 1941. Dispõe sobre a Lei das Contravenções Penais. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29 out. 2012.

BRASIL. Lei 5.869 de 17 de janeiro de 1973. Dispõe sobre o Código de Processo Civil, Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 26 set. 2012.

BRASIL. Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 30 out. 2012.

BRASIL. Lei n.10.406 de 11 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 07 set. 2012.

BRASIL. Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006. Dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providencias. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 06 ago. 2012.

BRASIL. Lei 12.403 de 04 de maio de 2011. Altera dispositivos do Decreto-Lei no

3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 01 nov. 2012.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 694813 AgR /RS. Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Luiz Fux. 28 agosto 2012. Disponível em < www.stf.gov.br >. Acesso em: 09 out. 2012.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 106212/MS. Defensoria Pública da União. Relator: Min. Marcos Aurélio. 24 mar. 2011. Disponível em: < www.stf.gov.br >. Acesso em: 08 out. 2012.BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 110113/MS. Defensoria Pública da União. Relatora: Carmen Lúcia. 20 mar. 2012. Disponível em < www.stf.gov.br >. Acesso em: 09 out. 2012.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC nº 112698/DF. Ministério Público Federal. Relatora: Carmen Lúcia. 18 set. 2012. Disponível em < www.stf.gov.br >. Acesso em: 09 out. 2012.

48

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Deferimento petição RHC 24946/MG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Relator: Maria Thereza de Assis Moura. 27 set. 2011. Disponível em < www.stj.gov.br >. Acesso em: 09 out. 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 30923/PR. Ministério Público do Estado do Paraná. Relator: Gilson Dipp. 01 set. 2011. Disponível em < www.stj.gov.br >. Acesso em: 09 out. 2012.

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49

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SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de combate à Violência contra a Mulher. Lei Maria da Penha: Comentários artigo por artigo, anotações, jurisprudências e Tratados Internacionais. Curitiba: Juruá, 2007.

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APÊNDICE A – ENTREVISTA

ENTREVISTADA: SUELI LIMA E SILVA – Promotora de Justiça da Promotoria de Justiça da Mulher de Vitória/ES.

1) No dia 7 de agosto de 2012, comemorou-se 06 (seis) anos da promulgação da Lei 11.340/2006, a qual foi criada visando coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse sentido, qual seu posicionamento referente à criação da referida lei? Representou um avanço as vítimas e/ou a todos da sociedade civil?

50

Promotora: A lei Maria da Penha é um marco histórico em relação a coibir a

violência doméstica e familiar contra a mulher. Antes nós não tínhamos

nenhum instrumento jurídico que fosse capaz de amparar os anseios dessas

mulheres. Muitas das vítimas ficavam entre quatro paredes, não existia

nenhuma política pública para que esta mulher se sentisse motivada a

denunciar o infrator. Hoje não, a lei vem dar mecanismos para isto, sendo um

marco histórico para coibir a violência contra a mulher.

Quem machuca a mulher, machuca a família inteira e, consequentemente a

sociedade inteira, então não é só para a mulher. Esta pergunta que você fez é

muito importante, pois sempre se houve dizer que a mulher teve um privilégio

e não é um privilégio da mulher, pois onde houver violência a mesma deve

ser coibida, independentemente se for homem ou mulher, mas a gente sabe

que quando a violência é tratada no âmbito doméstico e familiar a pessoa

conhece o infrator, irá lhe dar com o mesmo, ainda que preso, porque de

repente ele é o pai do seu filho, ou melhor, há um vínculo familiar. A

sociedade toda ganha ao se coibir a violência doméstica e com a Lei Maria da

Penha.

2) Do ponto de vista jurídico quais seriam os principais motivos ensejadores para a ocorrência da violência doméstica e familiar contra a mulher?

Promotora: Entendo que a questão cultural é algo muito forte na sociedade.

As pessoas se vestem de acordo com a moda, vivem com determinado

comportamento, dizem que isto ou aquilo é certo, moral, amoral, de acordo

com a época da vida e com o local que você vive. Não havendo uma lei que

coíba este tipo de comportamento, isto tudo se torna uma coisa comum.

Então se a sociedade entende que bater em mulher é algo que não existe

uma lei que coíba referido comportamento, ela vai se perpetrando dentro na

sociedade e aquilo que não deveria ser normal, passa a ser normal, ou seja,

bater em mulher é uma coisa comum/normal dentro daquela ideia de

sociedade. Então se tiver uma lei que diz aquilo que não se deve fazer e que

se fizer referida conduta será represada, a sociedade muda o pensamento

51

vendo isto como uma realidade, encampará referida ideia e acarretará em um

marco importante nesta sociedade.

3) Analisando os dispositivos descritos na Lei 11.340/2006, existem critérios fiscalizadores objetivando cessar ou ao menos diminuir a incidência da violência doméstica? Se não, deveria existir? Por quê?

Promotora: A fiscalização é o grande calcanhar de aquiles em todo o

ordenamento jurídico. No caso do menor infrator das medidas assistidas que

deixa o menor em casa para que cumpra determinações judiciais. Com

relação à Lei Maria da Penha a gente tem a inovação que são as medidas

protetivas, que diz não poder se comunicar com a vítima, a principal

fiscalizadora é a mulher, uma vez que a mesma sabendo haver determinação

judicial a qual procurou, sabendo que não está sendo cumprida, ela deve

denunciar. Agora não existe na lei a fiscalização do Estado, o que seria

interessante existir, uma vez que não basta conceder as medidas protetivas

em favor das vítimas, deve-se fiscalizar.

Hoje a sanção que a gente tem ao infrator em caso de descumprimento das

medidas protetivas é a prisão, isto a lei garante, sendo que só será possível

verificar referida hipótese quando a vítima comunicar ao judiciário, isto se ela

tiver tempo, uma vez que muitas vezes ela morre.

4) Quais seriam as melhores formas de fiscalizações das medidas protetivas de urgência?

Promotora: Difícil se estabelecer uma forma de fiscalização. Mas como

disse, a vítima é a principal fiscalizadora da lei, a qual deve proceder com

esta iniciativa. Acredito que em casos de grande periculosidade do indivíduo,

quando se pede uma medida é bom estabelecer isto e segregar essa pessoa,

ai é uma forma de impedir que o mesmo cometa uma infração ainda maior,

mas não uma fiscalização, isto porque esta até o momento ainda não existe.

Para se ter uma idéia, quando cheguei à Promotoria da Mulher já tinha um

ano de existência dela, havia apenas 35 denúncias formalizadas, ou seja,

52

transformaram-se processos. Até agora mês de julho, fiz um cálculo e dá

quase 1.200 denúncias. Ai se pergunta: A violência doméstica aumentou?

Não existem dados científicos para poder afirmar isto, mas uma coisa se

sabe, se as vítimas não denunciavam agora estão fazendo e a própria

promotoria está tendo uma atuação muito importante no sentido de falar que

os inquéritos não iram decair ou prescrever como antes estava ocorrendo,

mas sim serão apresentadas as denúncias.

5) Durante o tempo que a senhora encontra-se atuando junto à Promotoria de Justiça da Mulher, quais são as principais causas que tem observado como motivadoras às vítimas da violência doméstica a se retratarem da representação criminal em desfavor dos acusados?

Promotora: Com relação à lesão corporal qualificada pela violência

doméstica (artigo 129, § 9º CP) não é mais possível a retratação,

independentemente se é lesão leve ou grave, bem como contravenções

penais, que possui a natureza de ação penal pública incondicionada, em que

pese trata-se de um infração/delito menor. Então ficaríamos com os delitos de

ameaça, dano. Nesses crimes verifico que quando a mulher pode se retratar

e é ouvida, a mesma afirma que já voltou o relacionamento, ou é a mãe que

foi agredida pelo filho, a namorada que mesmo não tendo voltado o namoro

acabou indo para outro caminho e o agressor não a perturba mais. Então é

este sentido em relação ao agressor conhecido, que sempre será visto pela

vítima. Essa é uma razão muito forte e muito diferenciadora quanto aos

demais delitos quando praticados fora do âmbito doméstico, esta é a nossa

diferenciação maior. É esse envolvimento sentimental, psicológico,

econômico.

Por fim, muitos me perguntam se é o medo o principal motivo da retratação

da vítima. Em situações específicas pode ser, mas, em minha opinião, não

vejo que este seja o principal motivo, mas sim todo o envolvimento

sentimental, por conhecer o agressor, sua família, isto quando não for da

mesma família.

53

6) Qual seu posicionamento acerca da mudança ocorrida na natureza da ação penal oriunda da ADI 4424, julgada pelo STF referente aos crimes de lesão corporal de natureza grave e contravenções penais praticadas em desfavor das vítimas?

Promotora: Maravilha, um marco, uma pressão feita da própria sociedade

feminista neste sentido que tínhamos a lei e esta lei sempre desvinculou

qualquer relação com os Juizados Especiais Criminais. E é o juizado que tira

a lesão corporal que era pública incondicionada a condicionada a

representação. Então ao se retirar dos artigos da Lei 11.340/2006 qualquer

influência dos Juizados Especiais, inclusive o artigo 41, está dizendo que o

delito volta a ser pública incondicionada. Só que os tribunais do nosso Estado

fez uma Uniformização de Jurisprudência dizendo que ela era condicionada a

representação e, ainda, o STJ também estava caminhando neste sentido.

Felizmente, acredito que por um momento político, porque o jurídico caminha

muito junto, o Supremo, a exceção de um ministro corrobora o que a lei já

falava: Lesão corporal praticada no âmbito doméstica é qualificada e

consequentemente será pública incondicionada. Visualiza-se pelas decisões

dos ministros, em cada voto, felizmente um novo olhar para esta questão

dizendo que isto não é mais um problema privado, mas sim da sociedade,

uma vez que a mulher não terá que arcar com este ônus, que além de

apanhar ainda ter que ratificar que desejar ver o agressor processado, fato

este que era absurdo.

Hoje eu vejo e quando falo com as vítimas na audiência que “não está mais

na sua mão”, “hoje é o Ministério Público que tem a obrigação de denunciar o

agressor e a senhora não terá que falar nada”. Estas afirmam: “Ai que bom

doutora. É isso mesmo, que bom que não sou eu. A senhora pode falar isto

para ele? Visualiza-se portanto, o medo, isto porque normalmente a vítima

voltou o relacionamento. (grifo da autora).

Portanto, tem-se que o processo acaba, não por destruir a família, muito pelo

contrário, visto que quando o agressor é processado ele muda, acaba

querendo ficar com a mulher, se ele tava vivendo a violência e sabe que tem

54

uma legislação com eficácia, ele muda e pode chegar a dizer: “Graças a

Deus, o processo foi a minha salvação”.

7) Quais as principais conseqüências ocorridas em virtude da ADI 4424/12?

Promotora: Foi o que eu falei, nesse primeiro ano 2009 da criação da

Promotoria até meados de 2010 havia a audiência prevista no artigo 16 da lei,

denominada retratação. Hoje acabou com esta situação e a quantidade de

denúncia cresceu, especificamente aqui em Vitoria/ES, e apesar de o Estado

do Espírito Santo ser o Estado mais violento do país na questão de homicídio

consumado, Vitória não é a principal/primeiro na Grande Vitória, isto porque

temos Serra na frente, seguido de Vila Velha, Cariacica, Vitória e Viana,

sendo isto fruto de um trabalho desenvolvido, pois a gente vê que as pessoas

dentro da capital já estão tendo uma nova consciência.

8) Ainda por meio da experiência profissional que a senhora adquiriu atuando junto a Promotoria de Justiça da Mulher de Vitória/ES, quais as principais medidas protetivas que são deferidas em favor das vítimas?

Promotora: Olha, 100% das vezes a proibição de qualquer meio de contato e

de aproximação com a vítima e, não raras as vezes, a retirada do

companheiro/cônjuge do lar, mesmo que não pendure por muito tempo e

depois as partes resolva as questões na Vara de família, mas tem acontecido

com bastante freqüência.

E uma medida que tenho buscado muito pugnar e que antes não era muito

falado, inclusive pela Delegacia da Mulher, é a concessão liminar de alimento

em prol dos menores, isto porque a mulher terá o homem fora de casa e visa

não deixar desampará-la. A medida cautelar de afastamento do cônjuge o

Ministério Público tem uma cautela maior ao pugnar pelo deferimento, pois

tem que se saber de quem é o imóvel, se é próprio ou aluguel. Ressalto que

algumas mulheres, indevidamente, se apropriam da lei Maria da Penha

porque é mais rápida, para pedir a separação de corpos através da medida

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protetiva de afastamento, por isso atualmente se tem maior cautela. Porém,

atualmente esta medida é bem mais deferida do que antes.

9) No que tange as medidas protetivas de urgência, especificamente quanto a de Afastamento do Cônjuge do lar, a mesma é pugnada pelo deferimento com freqüência pela senhora? E quais seriam os requisitos necessários para a procedência da referida medida cautelar?

Promotora: Então, quando a gente tem dúvidas, normalmente quando a

situação é de bastante gravidade, há uma sintonia muito grande entre a

delegacia com o próprio promotor e do promotor com o juiz, vez que a

situação grave acaba por ser visualizado pelos profissionais que analisam a

possibilidade de deferimento liminar das medidas protetivas, uma vez que

referida situação já foi visualizada na própria delegacia, qual seja o primeiro

local que a vítima chega.

Inclusive estou pensando para o ano que vem montar um exemplo de Manual

para trabalhar com as delegadas questões essenciais que estes devem

mandar junto com os pedidos de Medida protetivas, com o seguinte subtítulo

“Perguntas que não podem calar”, por exemplo, é aluguel, de quem é, é

proprietário, ou seja, pelo menos de uma forma de conhecimento da própria

vítimas e especialmente às autoridades judiciais, de forma liminar, vez que

estava se marcando muita audiência de justificação e não há pauta para as

mesmas, em virtude da quantidade de processos ser muito grande.

Hoje por exemplo, as audiências de retratação são realizadas em bloco,

objetivando que as vítimas afirmem se querem ou não se retratar, ou seja,

para cumprir a exigência descrita no artigo 16 da lei. E a mesma coisa é o

que se pretende fazer na polícia, fazer com as delegadas de plantão na

Delegacia da Mulher realizarem um modelo de questões, se possível

acompanhada de documentos, que facilita a análise do juiz e o parecer do

Ministério Público se for chamado a ser ouvido na fase liminar.

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10) Tomando como parâmetro o avanço de proteção às mulheres desde a criação da lei Maria da Penha, qual seu posicionamento quanto à eficácia da referida lei? A senhora acha que as vítimas mudaram de pensamento quanto à violência doméstica e sua respectiva postura desde o ano da criação da referida lei?

Promotora: Nossa com certeza. Foi aquilo que eu disse, a lei é um marco. A

lei por si só não irá impedir que o homem mate, bata, ameaça ou lesione a

mulher, Mas não há dúvida que a lei é um freio que modificou as atitudes dos

agressores. Eu já fiz este teste em algumas faculdades de perguntar “Quem

conhece ou já ouviu falar da lei Maria da Penha”? 99% levanta a mão que

sim, assim como na escola (EJA) de jovens na periferia, estes também

conhecem. Eles não sabem o conteúdo da lei, mas sabem que esta protege a

mulher, inclusive as crianças também já sabem. A ministra Carmem Lúcia do

STF disse que a neta dela foi empurrada por um garotinho e esta afirmou

“olha eu vou trazer a lei Maria da Penha, pois não se bate em mulher.” A lei

realmente é um marco, um avanço.

Vejo muitas pessoas falando: Temos que mudar a lei. NÃO, vamos fazer

primeiro a lei ter eficácia. Questiona-se que a mulher recebeu a medida

protetiva e morreu depois com a medida na mão. Não é responsabilidade da

lei, mas sim do sistema de justiça que não tem controle/cuidado. Eu sou

escudeira fiel da lei, entendo que a mesma não deve mudar por enquanto,

mas deve sim ser implacável em todos os sentidos.

Outra questão são os homens dizendo “as mulheres tem uma lei especial”. O

homem que é homem, que não bate na mulher não deve se preocupar com a

lei Maria da Penha. O mesmo crime que ele comete ao lesionar a mulher,

esta também tem disposta no código penal (matar, ameaçar, sequestrar,

estuprar), porém, a lei veio com o mecanismo de controle/cuidado nessa

situação específica que a mulher hoje precisa.

Tomara que daqui a 10/20 anos a gente não se precise da lei Maria da

Penha, onde os homens e as mulheres sejam tratados no país de forma igual,

respeitem uns aos outros e convivam harmoniosamente. Ai se verifica que as

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mudanças ocorrem não somente em razão da lei, mas também pela

educação dos pais e da escola. (grifo da autora)

Por fim, a grande maioria de pessoas machistas são as mulheres, por incrível

que pareça, pois são estas que criam os seus filhos e acabam por criarem

seus filhos homens de forma diferenciada em relação às mulheres, mas não

porque elas querem, mas sim porque viveram aquilo e acabam entendendo

que é normal.