Filipe Celeti - Educação Não Obrigatória: uma discussão sobre o estado e o mercado

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    UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

    FILIPE RANGEL CELETI

    EDUCAO NO OBRIGATRIA:

    UMA DISCUSSO SOBRE O ESTADO E O MERCADO

    SO PAULO2011

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    FILIPE RANGEL CELETI

    EDUCAO NO OBRIGATRIA:

    UMA DISCUSSO SOBRE O ESTADO E O MERCADO

    Dissertao de mestrado apresentada aoPrograma de Ps-Graduao emEducao, Arte e Histria da Cultura daUniversidade Presbiteriana Mackenzie,como requisito parcial obteno dottulo de Mestre em Educao, Arte eHistria da Cultura.

    Orientadora: Prof. Dr. Ingrid Htte Ambrogi

    SO PAULO

    2011

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    C392e Celeti, Filipe RangelEducao no obrigatria: uma discusso sobre o

    estado e o mercado /Filipe Rangel Celeti.93 f. ; 30 cm

    Dissertao (Mestrado em Educao, Arte eHistria da Cultura) - Universidade PresbiterianaMackenzie, 2011.

    Referncias bibliogrficas : f. 87-93.

    1. Educao. 2. Liberdade. 3. Poltica. 4. EconomiaI. Ttulo

    CDD 370.193

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    FILIPE RANGEL CELETI

    EDUCAO NO OBRIGATRIA:

    UMA DISCUSSO SOBRE O ESTADO E O MERCADO

    Dissertao de mestrado apresentada aoPrograma de Ps-Graduao emEducao, Arte e Histria da Cultura da

    Universidade Presbiteriana Mackenzie,como requisito parcial obteno dottulo de Mestre em Educao, Arte eHistria da Cultura.

    Aprovado em 22/02/2011

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Ingrid Htte Ambrogi

    Universidade Presbiteriana Mackenzie

    Prof. Dr. Graciela Deri de Codina

    Universidade Presbiteriana Mackenzie

    Prof. Dr. Carlota Josefina Malta Cardozo dos Reis Boto

    Universidade de So Paulo

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    para Paola, amiga e companheira sempre

    presente.

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    "... na perspectiva anarquista, a nica

    educao revolucionria possvel aquela

    que d-se fora do contexto definido pelo

    Estado..." (Slvio Gallo)

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    Agradecimentos

    minha famlia pelo apoio que nunca me foi negado.

    Aos amigos pelo companheirismo.

    Ingrid Htte Ambrogi pelo suporte, incentivo e orientaes recebidas.

    A Guilherme Inojosa pelas dicas de economia e mercado.

    Ao Instituto Ludwig von Mises Brasil por ter executado de maneira

    competente a divulgao da ideia de liberdade, nos brindando com

    excelentes tradues dos pensadores da Escola Austraca.

    A todos que direta ou indiretamente contriburam para a finalizao desta

    dissertao.

    Por fim, agradeo CAPES - Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal

    de Nvel Superior pela concesso da bolsa CAPES-PROSUP - Mod. I, de

    agosto a dezembro de 2010 e ao MACKPESQUISA Fundo Mackenzie de

    Pesquisa que financiou em parte este trabalho.

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    Resumo

    O presente trabalho de pesquisa tem como proposta, a partir de pesquisa

    bibliogrfica, discutir a obrigatoriedade estatal da educao.

    Apresentamos o surgimento histrico da obrigatoriedade educacional e os

    pressupostos que serviram de norte para os estados modernos

    constiturem um projeto de educao pblica e tambm os argumentos

    para manter tal projeto na contemporaneidade, a partir de Jose Gimeno

    Sacristn. Como contraponto defesa da compulsoriedade estatal da

    educao, foi trazido os argumentos de Murray Rothbard, e outros

    tericos da Escola Austraca de Economia, que prope a retirada do estado

    das relaes e acordos firmados entre indivduos. Com o embate,

    tentamos demonstrar que uma educao desejvel no pode ser provida

    pelo estado e que os indivduos podem e deveriam conduzir a si mesmos.

    A partir do libertarianismo tico de Rothbard, apontamos que o

    mercado, e no o governo, que deveria prover a educao. A partir dacrtica ao modelo compulsrio estatal, apresentamos duas propostas

    tericas para a no obrigatoriedade do estado na educao os vouchers

    (vales-educao) e o homeschooling (ensino domstico).

    Palavras-chave: Educao, Liberdade, Poltica, Economia

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    Abstract

    This research work has a proposal, based on literature researches, to

    discuss the education compulsory state. It has in view to present the

    historical appearance of the compulsory education and the assumptions

    that formed the north to modern states constitute a public education

    project and also the arguments to keep this project into the

    contemporary, since Jos Gimeno Sacristn. As a counterpoint to the

    defense of the education binding state, it was brought Murray Rothbards

    arguments and of other theorists of the Austrian School of Economics

    proposing the retired of the state from the relations and agreements

    among individuals. With the crash, we try to demonstrate that a desirable

    education can not be provided by the state and that, individuals may and

    should conduct themselves. From criticism to the compulsory state model

    we present two theoretical proposals for non-mandatory state in

    education, vouchers and homeschooling.

    Keywords: Education, Liberty, Politics, Economy

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    Sumrio

    Introduo __________________________________________ 9

    1 Estado e liberdade, uma viso libertria _______________ 13

    1.1 As leis ______________________________________ 14

    1.2 A liberdade __________________________________ 18

    1.3 A autonomia _________________________________ 21

    1.4 O estado ____________________________________ 23

    1.5 O mercado ___________________________________ 29

    2 Duas educaes __________________________________ 34

    2.1 Educao obrigatria ___________________________ 35

    2.1.1 Surgimento histrico ________________________ 35

    2.1.2 Argumentos _______________________________ 44

    2.1.3 Um plano de igualdade _______________________ 46

    2.2 Educao no obrigatria _______________________ 46

    2.2.1 Definio terminolgica e aprofundamentos _______ 472.2.2 A favor dos ricos? ___________________________ 48

    2.2.3 Um plano de liberdade _______________________ 54

    3 Obrigatoriedade versus Liberdade ____________________ 57

    3.1 A funo social da educao _____________________ 58

    3.2 O direito educao ___________________________ 63

    4 Os caminhos da no obrigatoriedade __________________ 67

    4.1 Vouchers (vales-educao) ______________________ 67

    4.2 O homeschooling no Brasil _______________________ 71

    4.2.1 Aspectos jurdicos___________________________ 72

    4.2.2 Crticas ao homeschooling ____________________ 76

    4.2.3 Perspectiva futura __________________________ 81

    Concluso __________________________________________ 83

    Referncias_________________________________________ 87

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    Introduo

    No obrigatoriedade da educao no o mesmo que no

    formalidade. Os diversos projetos e experincias pedaggicas existentes

    no mundo nos mostram que possvel educar de maneiras no formais.

    Entretanto, a nossa pesquisa ocorre no campo poltico-educacional,

    portanto, mesmo com a existncia de diversidade nas formas de ensinar

    ainda esbarramos em um projeto constitucional, social e cultural de uma

    educao obrigatria e amplamente garantida, pelo estado1, a todos osindivduos. A questo fundamental perguntar se funo do estado

    prover, manter, controlar e regularizar a educao.

    H necessidade de educao obrigatria? Entre as possibilidades,

    pode-se pensar que sim. preciso um plano de educao amplo,

    democrtico e obrigatrio para transformar a realidade, dando um ponto

    de partida equitativo para todos. Caso a resposta seja negativa, tem-se

    em mente o problema da falta de oportunidades. As transformaes

    ocorrero quando todos tiverem a mesma educao, ou quando o

    indivduo tomar para si a responsabilidade por sua educao?

    No Brasil vivemos o paradigma do acesso-qualidade, pois h

    facilidade para o ingresso em escolas pblicas, mas a qualidade no

    consegue ser boa para todos. A democratizao da escolaridade muito

    recente. Governos e educadores vivem o dilema de como proporcionar

    uma educao a todos, mas que seja de boa qualidade. Propostas so

    exteriorizadas por sindicatos, professores e polticos. Pensa-se na

    diminuio de alunos por sala, numa melhor remunerao dos docentes,

    em avaliaes para os docentes, na capacitao dos docentes, em

    contedos universais, na construo de escolas com parques e cinema nas

    periferias.

    1 No enxergamos a necessidade de escrever estado com letra maiscula. Palavras comosociedade e indivduo possuem grafia em minsculo. Nossa opo ortogrfica est deacordo com o contedo proposto no trabalho, o de diminuir o tamanho do estado.

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    No decorrer do trabalho os questionamentos iro focar nas

    transformaes e argumentaes que resultaram na defesa de uma

    educao constitucionalmente regulamentada e obrigatria. Em

    contrapartida, mostraremos, a partir de uma tica libertria, porque a

    educao deve ocorrer fora dos limites do estado.

    A importncia desta pesquisa para a discusso sobre educao

    reside no fato de existirem poucas crticas educao compulsria estatal.

    Os projetos de educao esto focados em prticas e metodologias de

    ensino; anlises de vivncias e hbitos escolares; anlises do ambiente

    escolar; teorias de aprendizagem; gesto escolar e outros. No Brasil, no

    h discusso sobre a obrigatoriedade, toda tentativa de abordar a questo

    sob esta tica vista como um interesse em manter uma poltica de

    dominao e controle social.

    Para tanto, utilizamos, em primeiro lugar, pesquisa de cunho

    terico, de natureza bibliogrfica. Foram pesquisados referenciais tericos

    j previamente publicados e analisados atravs de livros, artigos e web

    sites (MATOS; VIEIRA, 2001, p. 40). Tais referncias contm ideias dosdefensores contemporneos da educao compulsria e dos crticos

    contemporneos de uma educao de carter obrigatrio. A partir da

    pesquisa ser possvel pensar sobre as caractersticas do ensino

    obrigatrio brasileiro.

    Escolhemos, para a defesa da educao obrigatria, o professor

    espanhol Jose Gimeno Sacristn, autor de A educao obrigatria e

    Poderes instveis em educao, ambos de 1998. A crtica compulsoriedade educacional ter como principais expoentes os

    economistas: Ludwig von Mises, com o livro Ao humana (1949), e

    Murray Rothbard com Ethics of liberty(1982), Power and market(1970) e

    Education: free and compulsory (1972). Mises e Rothbard pertencem

    chamada Escola Austraca de Economia, que defende a no interveno do

    governo na vida das pessoas.

    Usamos pesquisa bibliogrfica tambm para analisar a atual

    legislao brasileira referente educao. O intuito apontar os artigos e

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    pargrafos que contm informao necessria para compreender a

    postura compulsria do tratamento da educao pelos documentos oficiais

    do Brasil.

    A leitura dos economistas tem a finalidade de exercer um

    contraponto aceitao da obrigatoriedade constitucional do controle

    estatal como necessria. Sob a tica da obrigatoriedade, seria o estado o

    melhor provedor e regulador da educao? At que ponto um livre

    mercado iria conseguir educar (no sentido amplo do termo) e formar uma

    conscincia de humanidade e autonomia necessrias para o convvio em

    um ambiente social? Se a resposta acadmica tende defesa do carter

    social e democrtico do acesso educao, talvez fosse momento de

    rever porque o estado no apto para desenvolver tal atividade.

    Se vivemos num momento de decadncia da educao, perguntar

    sobre a obrigatoriedade perguntar se o estado quem deve educar. Ele

    tem executado sua tarefa de que forma? Novamente, a pergunta sobre

    gesto ou princpios. Os acadmicos desejam educao, mas ser que o

    estado que deve fornec-la?A no obrigatoriedade da educao suscita diversas indagaes.

    Entre tantas perguntas h de explicar as consequncias na vida de

    crianas cujos pais no interessam-se pela educao formal. A ausncia

    de estudo poderia ser a gnese de uma sociedade menos consciente. De

    acordo com o pensamento vigente em nossa realidade, a educao um

    dos pilares para o desenvolvimento de autonomia, conhecimento de

    mundo e transformao do grupo socioeconmico ao qual pertence oindivduo. com o propsito de levantar a discusso para uma educao

    de carter no obrigatrio (constitucionalmente falando) que este trabalho

    terico foi projetado.

    Pensar sobre o assunto leva-nos a considerar trs aspectos: (1) a

    responsabilidade dos pais, que deveriam interessar-se no futuro dos

    filhos; (2) o papel da sociedade, enquanto desejosa de possuir pessoas

    instrudas; e (3) a liberdade do indivduo, que deveria optar por escolher

    se deseja estudar e que tipo de instruo almeja receber.

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    Alm da discusso sobre a educao de estado, faz-se necessrio

    abordar possibilidades que no so garantidas pela legislao brasileira

    (como o homeschooling), que regula e intervm para garantir o acesso

    amplo.

    Inicialmente, preciso definir como compreendemos o estado, as

    leis, a autonomia e a liberdade. Pensaremos a problemtica da educao a

    partir de Rothbard. Nosso primeiro captulo visa apresentar o pensamento

    rothbardiano acerca destes pontos para, enfim, discutirmos a funo do

    estado na educao.

    O segundo captulo apresenta a distino entre educao

    obrigatria e no obrigatria. Mostra as bases filosficas e histricas da

    defesa da educao obrigatria, bem como os argumentos para mant-la.

    Ainda neste captulo, h a ideia de uma educao no obrigatria, o que

    ela e o que ela no .

    No terceiro captulo confrontamos ambas as ideias, discutindo as

    consequncias de pensar sobre o axioma os homens agem. Ampliamos a

    argumentao a favor da educao no obrigatria, discutindo sobre afuno social da educao e o direito educao.

    O quarto captulo apresenta duas propostas para diminuir a

    interferncia do estado na educao. Primeiramente os vouchers (vales-

    educao) e em segundo lugar o homeschooling (ensino domstico).

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    1 Estado e liberdade, uma viso libertria

    Dentro da tradio do pensamento liberal h diversas concepes,

    anlises, propostas e encaminhamentos tericos, com relao funo do

    estado. O presente trabalho, entretanto, situa-se numa abordagem de

    origem libertria2 (anarcocapitalista)3 sobre a obrigatoriedade estatal de

    uma educao. Existe um estado, com um escopo de leis, que normatiza,

    regula, prov e julga questes e assuntos relacionados com a educao.

    O estado brasileiro detm um controle sobre a educao. Talcontrole pode ser exercido de inmeras maneiras: (1) a educao um

    direito e com isto todos os cidados devem ter acesso educao

    (aqueles que no puderem pagar, podem educar-se nas escolas gratuitas

    fornecidas pelos governos federal, estadual e municipal); (2) aqueles que,

    de forma privada, quiserem fornecer educao para terceiros (seja

    gratuita ou no) precisam seguir um nmero mnimo de requisitos para

    que o estado d permisso para a abertura do local de ensino e sua

    continuidade; (3) por lei, dever dos pais, dos governos, da sociedade e

    do ministrio pblico impedir que crianas no frequentem a escola e (4)

    o estado possui legitimidade para julgar casos pertinentes ao no

    cumprimento dos itens anteriores.

    A partir das caractersticas acima colocadas, temos um estado que

    possui legitimidade. As leis decorrem de discusses plurais e

    democrticas, tendo como bem ltimo aquilo que bom para o comum (a

    sociedade). A educao um direito humano e um dever do Poder

    2 O termo libertrio utilizado refere-se ao libertarian de lngua inglesa. No Brasil, apalavra libertrio tem sido utilizada para designar o conjunto das ideias defendidaspelos anarcossocialistas. Compreendendo que no h arbitrariedade ou monoplio sobreas palavras, preferimos o termo libertrio (defensor da liberdade) ou invs de libertariano ou libertarista para designar o conjunto de ideias defendidas pelolibertarianismo (libertarianism).

    3 O anarcocapitalismo a corrente do pensamento liberal que defende a liberdade

    individual (liberdades civis) e a liberdade econmica (livre mercado). Para a defesaterica desta viso, de liberalismo sem estado, usaremos Murray Rothbard (1926-1995), pois sua defesa se d por um princpio tico e no por uma argumentaoutilitarista, como em David Friedman (1945-).

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    Pblico. Entretanto, a viso libertria tenta demonstrar que as leis so

    arbitrrias, o estado ilegtimo, a busca pelo bem comum se d em

    detrimento do bem individual e os direitos so geralmente deveres

    impostos para outros. Todo o mecanismo estatal destri a liberdade e

    impede que exista autonomia no indivduo.

    Para iniciar o problema da obrigatoriedade legal da educao pode-

    se perguntar: de onde derivam as leis?

    1.1As leis

    Existem trs abordagens possveis para pensar a origem das leis.

    De acordo com Rothbard (1998, p. 17, traduo nossa), em The ethics of

    liberty4, as leis podem ser estabelecidas:

    (a) seguindo o costume tradicional da tribo ou comunidade;(b) obedecendo a arbitrariedade, ad hoc vontade daquelesque dominam o aparato estatal; ou (c) atravs do uso darazo humana na descoberta da lei natural em suma, pelaservil conformidade aos costumes, por capricho arbitrrio,ou pelo uso da razo humana5.

    As melhores leis, segundo Rothbard, so aquelas apreendidas pela

    razo. Pode parecer estranho que em pleno sculo XX haja a defesa da lei

    natural. Porm, ele defende a lei natural porque no h motivo para temera palavra natural. Apresenta o exemplo da ma. Consiste em afirmar

    que se deixarmos uma ma solta no ar ela ir cair. Este fenmeno est

    na natureza da ma, natural da ma. Assim como o cair da ma,

    duas molculas de hidrognio acrescidas com uma molcula de oxignio

    4 O livro foi recentemente traduzido por Fernando Fiori Chiocca. Cf.:ROTHBARD. A ticada liberdade. So Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010.

    5

    Do original: (a) by following the traditional custom of the tribe or community; (b) byobeying the arbitrary, ad hoc will of those who rule the State apparatus; or (c) by theuse of man's reason in discovering the natural law-in short, by slavish conformity tocustom, by arbitrary whim, or by use of man's reason.

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    resultaro numa molcula de gua. Que misticismo ou enigma existe

    nesta constatao a partir da natureza do hidrognio, do oxignio e da

    gua?

    O mundo , ento, formado por coisas observveis. No h uma

    homogeneidade. Decorrente disto, podemos pensar em diversas

    naturezas, inclusive uma natureza humana. Os questionamentos

    rothbardianos levantados so:

    se mas, pedras e rosas possuem, cada uma, uma naturezaespecfica, o homem a nica entidade, o nico ser, que

    no possui uma natureza? Se o homem tem uma natureza,por que no pode estar aberta observao racional e reflexo? Se todas as coisas tm natureza, ento certamentea natureza humana est aberta inspeo; a atual rejeiobrusca do conceito de natureza humana , portanto,arbitrria e a priori (ROTHBARD, 1998, p. 10, traduonossa)6.

    A rejeio ideia de lei natural ocorre, na viso de Rothbard,

    devido tradio do pensamento, iniciada por Plato e seguida por

    Aristteles, que no separou a poltica da moral7. Segundo Rothbard

    (1998, p. 18, traduo nossa), para Lord Acton, historiador britnico, os

    estoicos, defensores de uma doutrina filosfica em 300 a.C.,

    desenvolveram os princpios corretos, no-estatais, da filosofia poltica de

    lei natural, que foram relanadas no perodo moderno por Grotius e seus

    seguidores8. Foi por causa dos estoicos que pde-se pensar em princpios

    polticos, a partir da lei natural. Sem os detentores da moral (o estado),

    6Do original: if apples and stones and roses each have their specific natures, is man theonly entity, the only being, that cannot have one? And if man does have a nature, whycannot it too be open to rational observation and reflection? If all things have natures,then surely man's nature is open to inspection; the current brusque rejection of theconcept of the nature of man is therefore arbitrary and a priori.

    7 Sobre este ponto Rothbard afirma ser a falha do pensamento grego que, ao identificarpoltica com moral, tornou o estado o grande detentor da moral, o representante damoral social. A supremacia estatal pode ser encontrada em Plato e Aristteles poisdefendiam que "moralidade no era separada da religio e nem a poltica da moral; e

    em religio, moralidade e poltica havia apenas um s legislador e uma nicaautoridade".8 Do original: developed the correct, non-State principles of natural law political

    philosophy, which were then revived in the modern period by Grotius and his followers.

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    um pensamento poltico baseado em princpios racionais colocaria o direito

    positivo sempre prova. por causa disto que a natureza da lei natural

    radical e no conservadora, pois:

    defende a dignidade racional da individualidade humana eseu direito e dever de criticar, atravs de palavras e aes,qualquer instituio ou estrutura social nos termos daquelesprincpios morais universais que podem ser apreendidosapenas pelo intelecto individual (JOHN WILD9, 1953 apudROTHBARD, 1998, p. 19, traduo nossa)10.

    No entrando no mrito estoico apontado por Acton, a lei natural

    da qual Rothbard escreve est em consonncia com os tomistas11 que

    secularizaram a questo. por este motivo que Rothbard bem

    cuidadoso no incio de sua tica em apontar previamente os ataques que

    uma defesa da lei natural em pleno sculo XX poderia receber.

    Priorizamos demonstrar a argumentao rothbardiana pela defesa

    da lei natural, mas preciso demonstrar o que esta defesa no . As

    crticas aos que defendem a lei natural repousam sob a alegao de que

    toda a discusso teolgica. De fato, a sistematizao da questo sempre

    teve a f em seus argumentos. Este tipo de opinio reflete uma posio

    agostiniana extrema que afirmava que a f, ao invs da razo, era o nico

    instrumento legtimo para investigar a natureza e fins apropriados do

    homem (ROTHBARD, 1998, p. 04, traduo nossa)12. De forma diferente

    argumentou Toms de Aquino, que via o caminho da razo f. Os

    crticos que assumem que uma defesa da lei natural necessita deargumentos teolgicos desconsideram uma tradio secular do

    pensamento jusnaturalista. Por outro lado, os crticos religiosos que

    9 WILD, John Wild, Plato's Modern Enemies and the Theory of Natural Law.Chicago: University of Chicago Press, 1953. 176 p.

    10Do original: the philosophy of natural law defends the rational dignity of the humanindividual and his right and duty to criticize by word and deed any existent institution orsocial structure in terms of those universal moral principles which can be apprehended

    by the individual intellect alone.11 Rothbard est pensando principalmente em Grotius, jurista holands.12Do original: an extreme Augustinian position which held that faith rather than reason

    was the only legitimate tool for investigating man's nature and man's proper ends.

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    afirmam que a secularizao da lei natural anula a f no compreendem

    que a afirmao de uma ordem de leis naturais descoberta pela razo ,

    por si s, nem pr nem anti-religiosa (ROTHBARD, 1998, p. 04, traduo

    nossa)13. Se a razo que descobre a lei natural, no faz parte da

    questo se tal razo ou lei decorrente de Deus ou de qualquer outra

    coisa. A tradio tomista da lei natural passa por pensadores escolsticos

    que combateram firmemente a ideia da lei natural ser independente da

    vontade divina. Sobre o assunto, Suarez comentou que

    mesmo que Deus no existiu, ou no fez uso de Sua razo,ou no julgou corretamente as coisas, se h no homem umditame da razo correta para gui-lo, ele teria a mesmanatureza da lei como tem agora (SUAREZ14, 1619 apudROTHBARD, 1998, p. 4, traduo nossa)15.

    Fica fcil, ao associar a tradio da lei natural com a teologia,

    rejeitar toda argumentao por ser no cientfica ou no filosfica. Tal

    rejeio impede que exista uma crtica s leis estabelecidas pelos

    governos.Ora, as leis estatais esto muito distantes daquelas apreendidas

    pelo intelecto humano. Pertencem mais arbitrariedade daqueles que

    comandam o aparelho do governo. Com isto, as leis so meros caprichos

    dos que delegaram-se fazedores de leis. So, em ltima anlise, uma

    imposio. Tal imposio se d por violar as leis naturais descobertas pela

    razo, a saber, a liberdade e a autopropriedade.

    13Do original: the assertion of an order of natural laws discoverable by reason is, byitself, neither pro- nor anti-religious.

    14

    SUAREZ, Franciscus. De Legibus ac Deo Legislatore, 1619, lib. II, Cap. VI.

    15Do original: even though God did not exist, or did not make use of His reason, or didnot judge rightly of things, if there is in man such a dictate of right reason to guide him,it would have had the same nature of law as it now has.

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    1.2A liberdade

    A tradio do pensamento liberal tem defendido a liberdade de

    modo negativo. Significa que no apresentado o que a liberdade , mas

    o que ela no .

    Antes, porm, de apresentar o que a liberdade no , preciso

    diferenciar um erro de compreenso, a saber, a diferena entre liberdade

    e poder. Pode-se argumentar que o homem no livre, pois est debaixo

    de certas determinaes de leis naturais. Afirmar que o homem no livre para voar o mesmo que afirmar que o homem no tem o poder

    de voar. O que limitado o poder do homem e no a sua liberdade. A

    incapacidade (impotncia) para a realizao de algo no configura

    ausncia de liberdade. O homem livre para voar, mesmo que dentro das

    possibilidades e limites fsicos isto seja impossvel de ser realizado sem

    nenhum aparato.

    Dito isto, a liberdade pensada negativamente como ausncia decoao. Implica em dizer que:

    Ser livre, no liberalismo, no ser coagido a agir (a fazer oua deixar de fazer) no ser obrigado a fazer, nemimpedido de fazer por terceiros.Ser livre, portanto, no deve ser confundido com tercondies materiais de fazer, ter recursos para fazer, tercapacidade de fazer alguma coisa (CHAVES, 2007, p. 11).

    Temos, ento, um conceito de liberdade negativo e formal.

    negativo porque uma pessoa no coagida a fazer ou no fazer algo.

    formal porque a ausncia de recursos no constitui a ausncia da

    liberdade de fazer. Como afirmado anteriormente, posso ter uma

    incapacidade, mas a minha livre vontade livre. Posso desejar ter algo,

    mesmo que no tenha como t-lo. Sou livre de desejar e minha

    capacidade de no ter no significa que no sou livre.

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    Para Rothbard (1998, p. 33, traduo nossa), a liberdade de

    adotar ideias, de escolher seus fins, inviolvel e inalienvel16. Rothbard

    usa a histria de Robison Cruso para analisar o indivduo isolado frente

    ao mundo. Segundo o autor, num lugar com uma s pessoa h liberdade

    no apenas no sentido filosfico do livre-arbtrio, mas tambm no sentido

    poltico-social. A liberdade existente a liberdade como ausncia de

    abuso por outras pessoas (ROTHBARD, 1998, p. 33, traduo nossa)17.

    Numa ilha, sozinho, Cruso no interferido por terceiros em suas aes.

    Raciocina, deseja, escolhe e age segundo os fins deliberados. No

    levado a agir de acordo com fins estabelecidos por indivduos ou

    associaes de indivduos18. A lei natural (o direito natural) compatvel

    com esta ideia de liberdade, pois no h coao proveniente de um

    indivduo ou um grupo de indivduos. H uma lei que deriva da razo e

    no uma imposio arbitrria, seja dos costumes ou dos que detm o

    poder.

    No exemplo de Cruso, propriedade dele (pertence a ele) aquilo

    que ele produziu. Produziu, pois para satisfazer suas necessidades bsicas(consumir) preciso que produza. No h consumo sem produo e esta

    a primeira lei natural descoberta pelo habitante solitrio da ilha, aps

    esgotar rapidamente os frutos fceis de apanhar na natureza. preciso

    que ele faa ferramentas (bens de produo) para que possa pescar,

    construir uma cabana, caar, enfim adquirir bens de consumo. Em

    isolamento, Cruso dono de seu prprio corpo e dos bens que ele

    modificou com o seu trabalho. Sua verdadeira propriedade, concluiRothbard (1998, p. 34, traduo nossa),

    no poderia ultrapassar o poder do seu prprio alcance. Damesma forma, seria vazio e sem sentido para Crusoalardear que ele no possui "realmente" parte ou atotalidade do que ele produziu (talvez este Cruso seja umadversrio romntico do conceito de propriedade), pois, de

    16Do original: freedom to adopt ideas, to choose his ends, is inviolable and inalienable.17Do original: freedom as absence of molestation by other person.18 A interao com outras pessoas ser trabalhada no subttulo 1.5 O mercado, p. 29.

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    fato, o uso e, portanto, a propriedade j dele. Cruso, narealidade natural, possui a si mesmo e a extenso de simesmo no mundo material, nem mais nem menos19.

    Antes de prosseguir, faz-se necessrio apontar que a liberdade

    pensada por Rothbard difere-se da liberdade negativa de Isaiah Berlin,

    filsofo britnico. O problema existente na conceituao da liberdade em

    Berlin est na sua impreciso em teorizar o que seria liberdade negativa.

    Sua concepo deixa em aberto interpretaes que ele prprio no

    conseguiu superar. Na ltima reviso de seu conceito, afirmou: "Liberdade

    poltica neste sentido simplesmente o espao no qual um homem pode

    agir sem ser obstrudo por outros" (BERLIN20, 1969 apud ROTHBARD,

    1998, p. 216, traduo nossa)21. Com isto, a liberdade "a ausncia de

    obstculos para escolhas e atividades possveis" (BERLIN, 1969 apud

    ROTHBARD, 1998, p. 216, traduo nossa)22. O erro do conceito

    berliniano est em confundir a liberdade com a oportunidade. Falha ao

    no compreender a liberdade negativa como a ausncia de interferncia

    fsica em uma pessoa ou numa propriedade de um indivduo, com seusdireitos de propriedade justosamplamente definidos (ROTHBARD, 1998,

    p. 216, grifo do autor, traduo nossa)23.

    19Do original His true ownership could not extend beyond the power of his own reach.Similarly, it would be empty and meaningless for Crusoe to trumpet that he does not"really" own some or all of what he has produced (perhaps this Crusoe happens to be aromantic opponent of the property concept), for in fact the use and therefore theownership has already been his. Crusoe, in natural fact, owns his own self and theextension of his self into the material world, neither more nor less.

    20BERLIN, Isaiah. Four Essays on Liberty. Oxford: Oxford University Press, 1969.

    21Do original: Political liberty in this sense is simply the area within which a man can act

    unobstructed by other.22Do original: the absence of obstacles to possible choices and activities.23 Do original: negative liberty as the absence of physical interference with an

    individual's person and property, with hisjust property rights broadly defined.

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    1.3A autonomia

    A liberdade, da maneira pensada por Rothbard, desemboca

    invariavelmente numa ideia de indivduo, a saber, o indivduo autnomo.

    Esta tica da liberdade perpassa pela autonomia individual, isto , cada

    indivduo est liberto de controle externo. Assim, pensar a liberdade de

    modo negativo, como apresentado anteriormente, conceder autonomia

    ao indivduo.

    O aspecto tico da liberdade em Rothbard est presente em seupredecessor, Ludwig von Mises, que considerou a liberdade um postulado

    da moralidade. Escreveu Mises (1990b, p. 3-4, traduo nossa):

    Todos os ensinamentos e preceitos da tica sejam elesbaseados em um credo religioso ou em uma doutrina secularcomo a dos filsofos estoicos pressupem essa autonomiamoral do indivduo e, portanto, apelam sua conscincia.Esses ensinamentos pressupem que o indivduo livre para

    escolher entre vrios modos de conduta e requerem que elese comporte em conformidade com regras definidas, asregras da moralidade. Ou seja: que ele faa as coisas certase se afaste das erradas. bvio que as exortaes e as repreenses da moralidadesomente fazem sentido quando voltadas para indivduos queso agentes livres. Elas so totalmente vs quandodirecionadas para escravos. intil dizer a um escravo o que moralmente bom e o que moralmente ruim. Ele no livre para determinar seu comportamento; ele forado aobedecer s ordens de seu mestre. difcil culp-lo se ele

    prefere se entregar aos comandos de seu mestre ao invs dedesobedec-lo, quando se sabe que a desobedinciasignificar a mais cruel punio no s para ele, mastambm para os membros de sua famlia. por isso que a liberdade no apenas um postuladopoltico; ela um postulado de toda a moralidade, seja elareligiosa ou secular 24.

    24Do original: All the teachings and precepts of ethics, whether based upon a religiouscreed or whether based upon a secular doctrine like that of the Stoic philosophers,

    presuppose this moral autonomy of the individual and therefore appeal to theindividual's conscience. They presuppose that the individual is free to choose amongvarious modes of conduct and require him to behave in compliance with definite rules,the rules of morality. Do the right things, shun the bad things.

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    A partir da citao de Mises, fica um pouco mais clara a ideia da

    liberdade como postulado da moralidade. S livre, isto , s haver a

    liberdade para cada indivduo escolher para si prprio a ao que deseja

    realizar, se este indivduo for autnomo. por tal motivo que a liberdade

    a ausncia da interferncia na vida e na propriedade de cada um. A

    ausncia da liberdade conduz para a heteronomia.

    Kant foi brilhante em demonstrar que uma tica deve ser um

    princpio racional. A razo humana o ponto de partida para a defesa da

    autonomia e liberdade dos indivduos. Existe a autonomia moral no

    indivduo, pois cada um igualmente dotado da faculdade da razo em

    escolher para si mesmo as suas leis. Toda tica que no v o homem

    como livre, resultar em determinada heteronomia. Ora, para Kant, a

    heteronomia a "fonte de todos os princpios ilegtimos da moralidade"

    (KANT, 1973, p. 238). So ilegtimos pois suas mximas encontram-se

    fora da razo. Esto ligados com os objetos.

    No h, aqui, qualquer contradio entre as ideias kantianas e oque foi apresentado por Mises e Rothbard. A ideia de liberdade o axioma

    de que no se deve agredir a vida e a propriedade legtima de outros. Tal

    axioma racional e vlido universalmente. Pensar o contrrio, de que tal

    violao da vida e propriedade correta, seria aceitar que outros

    pudessem te agredir e tomar aquilo que te pertence. O resultado seria

    diferente do pensado por Kant, que via a ao humana, a vontade livre,

    agindo em direo da boa vontade. A ideia de liberdade proposta por

    It is obvious that the exhortations and admonishments of morality make sense only whenaddressing individuals who are free agents. They are vain when directed to slaves. It isuseless to tell a bondsman what is morally good and what is morally bad. He is not freeto determine his comportment; he is forced to obey the orders of his master. It is

    difficult to blame him if he prefers yielding to the commands of his master to the mostcruel punishment threatening not only him but also the members of his family.This is why freedom is not only a political postulate, but no less a postulate of every

    religious or secular morality.

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    Rothbard no uma mxima que exclua a legislao universal da

    vontade25.

    1.4 O estado

    Neste contexto de leis que regulam a sociedade, liberdade,

    autonomia e heteronomia h, na realidade social, a existncia do estado.

    Se perguntamos sobre a natureza do homem, podemos perguntar sobre anatureza do estado. Rothbard (1998, p. 161, traduo nossa), pensando

    sobre o governo, escreve:

    Qual o seu papel, se h algum? A maioria das pessoas,incluindo a maioria dos tericos polticos, acredita que umavez que se reconhea a importncia, ou at mesmo anecessidade vital, de alguma atividade especfica do Estado -tais como a prestao de um cdigo legal - admite-se, ipso

    facto, a necessidade do prprio Estado. O Estado de fatoexecuta muitas funes importantes e necessrias: daproviso da lei ao fornecimento de polcia e bombeiros, daconstruo e manuteno das ruas, at a entrega de cartas.Mas isso em nada demonstra que s o Estado podedesempenhar essas funes, ou, de fato, que ele as executarazoavelmente bem26.

    Para Rothbard, o estado um monoplio coercitivo. Seu exemplo

    inicial hipotetiza sobre a oferta de um produto. Existem diversas pessoas

    ofertando um mesmo produto ou servio. Um deles tem a ideia de usar a

    25Kant (1973, p. 231) escreve que devem ser rejeitadas todas as mximas que nopossam subsistir juntamente com a prpria legislao universal da vontade. Istoevidentemente no acontece com as proposies de Rothbard.

    26 Do original: What is its proper role, if any? Most people, including most politicaltheorists, believe that once one concedes the importance, or even the vital necessity, ofsome particular activity of the State - such as the provision of a legal code - that onehas ipso facto conceded the necessity of the State itself. The State indeed performs

    many important and necessary functions: from provision of law to the supply of policeand fire fighters, to building and maintaining the streets, to delivery of the mail. Butthis in no way demonstrates that only the State can perform such functions, or, indeed,that it performs them even passably well.

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    fora para acabar com os concorrentes. Ao final, apenas o sagaz

    monopolizador ir ofertar o produto/servio, continuando a usar a fora

    para impedir que novos concorrentes apaream. De acordo com Rothbard,

    se um grupo de pessoas pedir para acabar com o monoplio do

    produto/servio e com o uso da fora, bem capaz que muitos outros

    sejam contra pelo simples fato de associarem a oferta do produto/servio

    com o monopolizador. Argumentariam que a ausncia de tal monoplio

    resultaria na ausncia do produto/servio que os beneficiam. um tanto

    bvio que todos iriam se beneficiar se mais pessoas pudessem ofertar o

    mesmo produto/servio, mas exatamente o contrrio que ocorre com a

    defesa da existncia de um estado. O estado como o monopolizador,

    porm

    arrogou para si prprio um monoplio compulsrio sobre osservios policiais e militares, a proviso da lei, a tomada dedeciso judicial, a casa da moeda e o poder de criardinheiro, as terras improdutivas (o "domnio pblico"), asruas e estradas, os rios e guas costeiras e os meios de

    entrega de correspondncia (ROTHBARD, 1998, p. 162,traduo nossa)27.

    Entre as atividades que propiciam ao estado manter seu

    monoplio, est a polcia e os tribunais. Com o monoplio de tais

    atividades o estado capaz de manter seu monoplio atravs da coero.

    Alm disto, o responsvel por julgar e validar todos os contratos feitos

    entre os seus cidados. Estes dois controles estatais servem para

    assegurar o que Rothbard (1998, p. 162, traduo nossa) aponta como o

    poder crucial para extrair suas receitas pela coero28. Refere-se, aqui,

    aos impostos.

    A ironia para com o leitor ctico faz Rothbard propor que algum

    possa definir o que imposto sem incluir a ideia de roubo. Para ele,

    27Do original: In particular, the State has arrogated to itself a compulsory monopoly

    over police and military services, the provision of law, judicial decision-making, the mintand the power to create money unused land ("the public domain"), streets andhighways, rivers and coastal waters, and the means of delivering mail.

    28Do original: the all-important power to extract its revenue by coercion.

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    imposto roubo. o uso de um aparato coercitivo para pilhar, tomar e

    roubar a propriedade daqueles que esto debaixo do subjugo do estado.

    Todos os cidados recebem seus rendimentos de forma voluntria

    (trocam, compram, doam, recebem). Somente ladres e o estado tomam

    fora os bens de terceiros.

    preciso, entretanto, apontar os erros da argumentao a favor

    dos impostos. Rothbard (1998, p. 163, traduo nossa) apresenta quatro

    contradies na defesa que afirma serem voluntrios os impostos. Afirma-

    se isto, pois o imposto

    um mtodo para que todos possam certificar-se que todosos outros pagam por um projeto unanimemente desejado.Assumindo que todos em uma rea, por exemplo, desejamque o governo construa uma represa, mas se A e Bcontribuem voluntariamente para o projeto, eles no podemter certeza de que C e D no vo "fugir" das suasresponsabilidades similares. Portanto, todos os indivduos, A,B, C, D, etc., cada um dos quais desejam contribuir para aconstruo da barragem, concordam em coagir o outroatravs da tributao. Assim, o imposto no realmente

    coero29

    .

    A primeira contradio neste tipo de argumento est na

    impossibilidade de unir aquilo que voluntrio com a coero. Nas

    palavras de Rothbard (1998, p. 163, traduo nossa), uma coero de

    todos contra todos no a torna voluntria30.

    A segunda contradio reside no problema de taxar o quanto cada

    indivduo est disposto a pagar. No exemplo da represa, mesmo que todosos indivduos estejam voluntariamente dispostos a contribuir para a sua

    construo, o valor que cada um estiver disposto a pagar diferente, e

    muitas vezes o valor fixado para cada um maior do que aquele que o

    29Do original: is a method for everyone to make sure that everyone else pays for aunanimously desired project. Everyone in an area, for example, is assumed to desirethe government to build a dam; but if A and B contribute voluntarily to the project, theycannot be sure that C and D will not shirk their similar responsibilities. Therefore, all of

    the individuals, A, B, C, D, etc., each of whom wish to contribute to building the dam,agree to coerce each other through taxation. Hence, the tax is not really coercion.30 Do original: a coercion of all-against-all does not make any of this coercionvoluntary.

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    indivduo voluntariamente estaria disposto a pagar. Ora, se um indivduo

    est disposto a pagar R$ X e a contribuio definida R$ X+1, de maneira

    alguma tal indivduo est voluntariamente contribuindo para a construo

    da represa.

    A terceira contradio est na constatao de que qualquer servio

    estabelecido pelos impostos muito maior do que se fosse estabelecido

    atravs do financiamento voluntrio. Torna-se ilgico dizer que o que foi

    estabelecido pelos impostos seja voluntrio somente pelo motivo de todos

    coagirem a todos a pagar, de modo a se certificarem que ningum

    descumpriu com o seu dever.

    A quarta e ltima contradio, apontada por Rothbard, est na

    impossibilidade de saber se todos contribuem voluntariamente. No caso

    da represa, um ambientalista iria contribuir voluntariamente para a sua

    construo? Basta a existncia de uma nica pessoa contrria ao

    financiamento para que a argumentao acerca da voluntariedade esteja

    errada.

    Porm, podem argumentar que a rebeldia de uma nica pessoano poderia invalidar um projeto de governo democrtico. exatamente

    sobre este ponto a tentativa de Rothbard (1998, p. 164, traduo nossa)

    em invalidar o argumento popular de que, em governos democrticos, o

    ato de votar faz o governo e todas as suas atividades e competncias

    verdadeiramente voluntrias31.

    A crtica inicial a este argumento que mesmo se uma maioria

    apoiasse as aes do governo no se pode concluir que todosexperimentam voluntariamente este ato. Um assassinato ser sempre um

    assassinato, mesmo que muitos tolerem e aceitem o ato. Afirmar que a

    democracia voluntria implica em dizer que se uma maioria apoia o

    genocdio de uma minoria, os indivduos mortos apenas cometeram

    suicdio voluntrio (ROTHBARD, 1998, p. 164, traduo nossa)32.

    31Do original: It is also contended that, in democratic governments, the act of votingmakes the government and all its works and powers truly voluntary.

    32Do original: voluntarily committed suicide.

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    O segundo problema para com a voluntariedade da democracia

    est no problema da representatividade. Vota-se em representantes, no

    em medidas pontuais. Neste ponto, Rothbard traz a argumentao de

    Lysander Spooner, jurista e anarquista norte-americano, expressa em No

    Treason - The Constitution of No Authority. Os governantes eleitos

    no so nossos empregados, nossos agentes, nossosprocurador e nem nossos representantes . . . [pois] ns nonos tornamos responsveis pelos seus atos. Se um homem meu empregado, agente ou procurador, eu necessariamenteme torno responsvel pelos seus atos realizados dentro doslimites do poder que eu confiei a ele. Se eu confiei a ele,como meu agente, quer com um poder absoluto, ouqualquer poder que seja, sobre as pessoas ou propriedadesde outros homens que no eu mesmo, eu com issonecessariamente me torno responsvel perante estas outraspessoas por quaisquer danos que ele possa causar a elas,desde que ele aja dentro dos limites do poder que euconcedi a ele. Porm, nenhum indivduo que possa serlesado danos sobre sua pessoa ou propriedade, atravs dosatos do Congresso, pode chegar aos eleitores individuais eresponsabiliz-los pelos atos de seus supostos agentes ourepresentantes. Este fato prova que estes pretensosrepresentantes do povo, de todo mundo, so na realidade osrepresentantes de ningum (SPOONER33, 1973 apudROTHBARD, 1998, p. 165, traduo nossa)34.

    O argumento sobre o qual repousa a deciso da maioria tambm

    contm erros. Mesmo com o voto obrigatrio, existente no Brasil,

    possvel a eleio sem o consentimento da maioria. Na ltima eleio

    presidencial (ocorrida em 2010), a candidata eleita recebeu 55.752.529

    33SPOONER, Lysander. No Treason: The Constitution of No Authority. Colorado Springs,Colo: Ralph Myles, 1973.

    34Do original: they [the elected government officials] are neither our servants, agents,attorneys, nor representatives. . . [for] we do not make ourselves responsible for theiracts. If a man is my servant, agent, or attorney, I necessarily make myself responsiblefor all his acts done within the limits of the power I have intrusted to him. If I haveintrusted him, as my agent, with either absolute power, or any power at all, over thepersons or properties of other men than myself, I thereby necessarily make myselfresponsible to those other persons for any injuries he may do them, so long as he actswithin the limits of the power I have granted him. But no individual who may be injured

    in his person or property, by acts of Congress, can come to the individual electors, andhold them responsible for these acts of their so-called agents or representatives. Thisfact proves that these pretended agents of the people, of everybody, are really theagents of nobody.

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    votos. Uma manobra chamada votos vlidos demonstra que 56%

    apoiam o novo governo. Porm, se for levado em conta o nmero de

    abstenes e votos brancos e nulos, a porcentagem de apoio foi de 41%,

    visto o total de 135.804.433 de eleitores. Eleies no estabelecem

    qualquer tipo de consentimento voluntrio nem mesmo pelos prprios

    eleitores do governo (ROTHBARD, 1998, p. 164, traduo nossa)35.

    exatamente sobre o problema da legitimao das eleies que Spooner

    (1973 apud ROTHBARD, 1998, p. 165, traduo nossa) novamente

    citado:

    Na verdade, no caso dos indivduos, seus votos efetivos nopodem ser considerados provas de consentimento. . . . Pelocontrrio, deve-se considerar que, sem que seuconsentimento sequer tenha sido pedido, um homem seencontra cercado por um governo que ele no pode abdicar;um governo que o obriga a efetuar pagamentos em dinheiro,a prestar servios e a abrir mo do exerccio de muitos deseus direitos naturais, sob o risco de pesadas punies. Elev tambm que outros homens exercem esta tirania sobreele pelo uso da cdula eleitoral. Ademais ele v que, se ele

    mesmo a usasse, ele teria alguma chance de se aliviar datirania dos outros, ao sujeit-los a sua prpria. Resumindo,ele se encontra, sem seu consentimento, em tal situaoque, se ele usar a cdula eleitoral, ele pode se tornar ummestre, se ele no usar, ele deve se tornar um escravo. Eele no tem mais nenhuma alternativa a no ser essas duas.Em sua defesa, ele empreende a segunda. Seu caso anlogo ao de um homem que foi obrigado a ir guerra,onde ele tem que ou matar outros, ou ele mesmo ser morto.Porque se, para salvar sua prpria vida em uma guerra, umhomem tenta tirar a vida de seus oponentes, no deve ser

    deduzido que a guerra seja de sua prpria escolha.Tampouco em disputas com cdulas eleitorais que ummero substituto para a bala porque se, como sua nicachance de autopreservao, um homem usa uma cdulaeleitoral, no deve ser deduzido que a disputa seja uma queele entrou voluntariamente; que ele voluntariamente tenhaapostado todos os seus prprios direitos naturais contra osdos outros, para serem perdidos ou ganhados atravs domero poder dos nmeros36.

    35Do original: Neither does voting establish any sort of voluntary consent even by the

    voters themselves to the government.36Do original: In truth, in the case of individuals their actual voting is not to be taken asproof of consent. . . . On the contrary, it is to be considered that, without his consenthaving even been asked a man finds himself environed by a government that he cannot

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    A nica concluso lgica para definir o estado a afirmao de que

    Se, ento, o imposto obrigatrio e , portanto,indistinguvel de roubo, logo o Estado, que subsiste pelosimpostos, uma enorme organizao criminosa muito maisformidvel e bem-sucedida do que qualquer outra mfia"privada" da histria (ROTHBARD, 1998, p. 166, traduonossa)37.

    1.5 O mercado

    A existncia da lei natural faz o homem concluir racionalmente que

    livre e, portanto, no pode ser coagido a fazer ou deixar de fazer algo;

    que tudo o que transforma pelo seu trabalho sua propriedade e que

    autnomo, visto que o motor de suas aes.

    Tudo funciona perfeitamente com o exemplo do solitrio Cruso,porm o mundo no formado por pessoas isoladas. neste contexto de

    convvio com o outro que Rothbard ir pensar o mercado.

    No incio de Power and Market, Rothbard (2009, p. 1047, traduo

    nossa) descreve o mercado como "o arranjo social de trocas voluntrias

    resist; a government that forces him to pay money render service, and forego theexercise of many of his natural rights, under peril of weighty punishments. He sees,too, that other menpractice this tyranny over him by the use of the ballot. He sees

    further, that, if he will but use the ballot himself, he has some chance of relievinghimself from this tyranny of others, by subjecting them to his own. In short, he findshimself, without his consent, so situated that, if he uses the ballot, he may become amaster, if he does not use it, he must become a slave. And he has no other alternativethan these two. In self-defense, he attempts the former. His case is analogous to thatof a man who has been forced into battle, where he must either kill others, or be killedhimself. Because, to save his own life in battle, a man attempts to take the lives of hisopponents, it is not to be inferred that the battle is one of his own choosing. Neither incontests with the ballot-which is a mere substitute for a bullet-because, as his onlychance of self-preservation, a man uses a ballot, is it to be inferred that the contest isone into which he voluntarily entered; that he voluntarily set up all his own naturalrights, as a stake against those of others, to be lost or won by the mere power of

    numbers.37Do original: If, then, taxation is compulsory, and is therefore indistinguishable fromtheft, it follows that the State, which subsists on taxation, is a vast criminal organizationfar more formidable and successful than any "private" Mafia in history.

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    de bens e servios"38. Neste sentido, o autor est pensando poder e

    mercado como excludentes. Numa relao, ou melhor, num arranjo

    voluntrio no h relao de poder. O mercado este contexto de

    convvio no qual cada indivduo relaciona-se com os demais firmando

    acordos e contratos que julgarem benficos para si prprios.

    Tal arranjo social bem diferente do arranjo existente com o

    estado. Este, realiza acordos de maneira unilateral. Aos indivduos no

    dada a opo de escolha. Os contratos estatais no so voluntrios. Em

    suma, no h liberdade para cancelar um contrato feito pelo estado. Os

    indivduos obedecem o acordo firmado por terceiros. Como mostrado

    anteriormente, no h voluntariedade no estado, h imposio.

    O mercado , ento, o arranjo livre, isto , sem coero. S haver

    coao se o estado resolver regular, arbitrar ou controlar as trocas

    voluntrias de bens e servios dos indivduos. Tal coao pode se dar na

    forma de monoplio cedido ou concedido a determinada prestao de

    servio (por exemplo o setor energtico e de saneamento bsico), ou

    atravs do alistamento militar obrigatrio e da convocao para trabalharnas eleies.

    Pensar em mercado pensar em ao. A teoria rothbardiana segue

    a tradio da escola austraca de economia. Foi a partir de Ludwig von

    Mises, que Rothbard pensou acerca da ao. Mises (1990a), na magnum

    opusAo Humana, colocou as bases para se pensar economia. Economia

    pensar a ao humana, cincia que designou de praxeologia. Tendo isto

    em vista, todos os homens agem e o fazem por serem dotados de razo.A ao uma escolha racional. Sendo assim, o mercado o arranjo no

    qual os indivduos agem. Se a ao humana constitui o ntimo da pesquisa

    econmica, preciso, ento, compreender como os homens agem.

    De acordo com Mises (1990a, p. 23), o homem age porque est

    ansioso para substituir uma situao menos satisfatria por outra mais

    satisfatria. necessrio que exista um desconforto para com sua

    38Do original: the social array of voluntary exchanges of goods and services.

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    situao atual e que sua mente imagine uma situao na qual o

    desconforto anulado ou diminudo. Alm disto, preciso a expectativa

    de que um comportamento propositado tenha o poder de afastar ou pelo

    menos aliviar o seu desconforto (MISES, 1990a, p. 23). Com isto, temos

    homens que agem (e agir agir racionalmente) escolhendo e visando

    situaes que subjetivamente considerem satisfatrias. Se o desconforto,

    a imaginao, a expectativa e a ao so realidades para o sujeito agente,

    somente o homem, em sua individualidade que sabe os fins e meios de

    suas aes.

    Apesar desse carter individual, o homem no consegue, sozinho,

    colocar todos seus desconfortos distantes de si. deste motivo que

    resulta o arranjo voluntrio. O homem percebe que trocar algo com outros

    homens satisfatrio para si e para os outros. Porm, este arranjo no

    pode ser deduzido previamente. No h como prever qual ser a funo

    melhor exercida por cada um e, assim, conseguir melhor eficincia de

    todas as aes. Muito menos possvel, para um homem ou grupo de

    homens, conhecer as motivaes subjetivas que levam os homens a agir.Hayek, outro economista da escola austraca, investigou este problema do

    conhecimento.

    Para Hayek (2010), o conhecimento est disperso na sociedade e a

    maneira com a qual os homens superam este problema o mercado. So

    as disposies internas dos agentes que movem as relaes entre eles. Se

    o conhecimento est disperso e cada indivduo tem um conhecimento, o

    processo de mercado que ir alocar melhor os recursos e conhecimentosna sociedade.

    neste sentido que Rothbard, ao teorizar a partir da histria de

    Cruso, trata da inter-relao entre indivduos com a chegada de Sexta-

    feira.

    A economia revelou uma grande verdade sobre a lei natural

    da interao humana: que no s a produo essencialpara a prosperidade e sobrevivncia do homem, mastambm a troca. Em suma, Cruso, em sua ilha ou em parte

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    dela, pode produzir peixes, enquanto Sexta-feira, em suaparte, pode plantar trigo, ao invs de ambos tentaremproduzir ambas mercadorias. Pela troca de parte do peixe deCruso por alguma do trigo de Sexta-feira, os dois homens

    podem melhorar significativamente a quantidade de peixes ede pes que ambos podem desfrutar. Este grande ganhopara os dois homens s possvel graas a dois fatosprimordiais da natureza - leis naturais - nos quais toda ateoria econmica baseada: (a) a grande variedade dehabilidades e interesses dentre cada pessoa; e (b) avariedade de recursos naturais nas reas geogrficas. Setodas as pessoas fossem igualmente habilidosas eigualmente interessadas em todos os assuntos, e se todas asreas de terra fossem homogneas, no haveria espao paraas trocas. Mas, no mundo como ele , a oportunidade de

    especializao nos melhores usos para a terra e para aspessoas permite que as trocas se multipliquem vastamente eaumentem imensamente a produtividade e a qualidade devida (a satisfao dos desejos) de todos que participamdelas (ROTHBARD, 1998, p. 35, grifo do autor, traduonossa)39.

    A deciso de trocar peixes por trigo uma deciso de Cruso e

    Sexta-feira. No h como prever ou estabelecer a quantidade correta para

    a troca entre os bens serem justas. As trocas so justas quando no hcoao, perda de liberdade, para nenhum dos dois. Toda demarcao de

    quanto vale cada produto uma interferncia do julgamento subjetivo dos

    agentes. Se os homens agem buscando uma situao de menos

    desconforto, significa que somente iro efetuar uma troca quando o valor

    acordado for satisfatrio para ambos. nesta efetivao da satisfao que

    39Do original: Economics has revealed a great truth about the natural law of humaninteraction: that not only is production essential to man's prosperity and survival, butso also is exchange. In short, Crusoe, on his island or part thereof, might produce fish,while Friday, on his part, might grow wheat, instead of both trying to produce bothcommodities. By exchanging part of Crusoe's fish for some of Friday's wheat, the twomen can greatly improve the amount of both fish and bread that both can enjoy. Thisgreat gain for both men is made possible by two primordial facts of nature-natural laws-on which all of economic theory is based: (a) the great variety of skills and interestsamong individual persons; and (b) the variety of natural resources in geographic landareas. If all people were equally skilled and equally interested in all matters, and ifallareas of land were homogeneous with all others, there would be no room for

    exchanges. But, in the world as it is, the opportunity for specialization in the best usesfor land and people enables exchanges to multiply vastly and immensely to raise theproductivity and the standard of living (the satisfaction of wants) of all thoseparticipating in exchange.

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    se encontra a voluntariedade do acordo firmado (muito diferente do

    acordo promovido pelo estado).

    Temos, assim, concludo a anlise da ao voluntria e livre,e as suas consequncias no mercado livre e da ao violentae coercitiva e suas consequncias na interveno econmica.Superficialmente, parece para muitas pessoas como se olivre mercado fosse um lugar catico e anrquico, enquantoa interveno do governo impusesse valores da ordem e dacomunidade sobre esta anarquia. Na verdade, a praxeologia economia - mostra-nos que a verdade bem o contrrio.Podemos dividir a nossa anlise sobre os efeitos diretos, oupalpveis, e os indiretos, efeitos ocultos, dos dois princpios.

    Diretamente, a ao voluntria livre troca - leva para obenefcio mtuo de ambas as partes para a troca.Indiretamente, como as nossas investigaes tm mostrado,a rede destes intercmbios livre na sociedade - conhecidocomo o "livre mercado" - cria um mecanismo delicado e atmesmo inspirador de harmonia, afinao e preciso naalocao de recursos produtivos, na deciso sobre os preos,e suavemente, mas rapidamente, na orientao do sistemaeconmico para a maior satisfao possvel dos desejos detodos os consumidores. Em suma, no s o livre mercadobeneficia diretamente todas as partes e as deixa livres e semcoao; mas tambm cria um instrumento poderoso e eficazda ordem social. Proudhon, alis, escreveu melhor do queele sabia quando ele chamou de "Liberdade, a me, no afilha, da ordem" (ROTHBARD, 2009, p. 1024, traduonossa)40.

    40Do original: We have thus concluded our analysis of voluntary and free action and its

    consequences in the free market, and of violent and coercive action and itsconsequences in economic intervention. Superficially, it looks to many people as if thefree market is a chaotic and anarchic place, while government intervention imposesorder and community values upon this anarchy. Actually, praxeologyeconomicsshows us that the truth is quite the reverse. We may divide our analysis into the direct,or palpable, effects, and the indirect, hidden effects of the two principles. Directly,voluntary actionfree exchangeleads to the mutual benefit of both parties to theexchange. Indirectly, as our investigations have shown, the network of these freeexchanges in societyknown as the free marketcreates a delicate and even awe-inspiring mechanism of harmony, adjustment, and precision in allocating productiveresources, deciding upon prices, and gently but swiftly guiding the economic systemtoward the greatest possible satisfaction of the desires of all the consumers. In short,

    not only does the free market directly benefit all parties and leave them free anduncoerced; it also creates a mighty and efficient instrument of social order. Proudhon,indeed, wrote better than he knew when he called Liberty, the Mother, not theDaughter, of Order.

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    2 Duas educaes

    A partir do que foi apresentado no captulo anterior, podemos

    pensar em dois tipos de educao: obrigatria e no obrigatria (livre).

    Politicamente, a educao obrigatria teve um incio. Torna-se

    necessrio discutir em termos histricos o surgimento de uma educao

    enquanto direito a ser assegurado pelo estado. Em contrapartida, h de se

    explicar o motivo de se defender a no obrigatoriedade num contexto de

    democratizao do ensino.Antes da investigao e anlise histrica, preciso, inicialmente,

    tratar sobre a questo da obrigatoriedade. J foi expresso o sentido de

    obrigatoriedade enquanto obrigatoriedade constitucional. A educao est

    submetida a princpios de legalidade, obrigatoriedade, compulsoriedade,

    coercitividade e executoriedade. Significa que a educao tem previso

    legal (legalidade); a educao obrigatria por lei (obrigatoriedade); ao

    Ministrio Pblico creditado o poder de polcia para compelir os pais a

    enviarem seus filhos e os manterem devidamente matriculados na escola

    (compulsoriedade); contra os que se negarem a enviar seus filhos para a

    escola h meios para coagi-los a faz-lo (coercitividade); e forma para

    cobrar a negligncia para com a educao (executoriedade) (QUINTINO41,

    2008 apud VILA, 2009). Dentro de tais termos, abordaremos

    obrigatoriedade como a defendida por lei. Ao longo da argumentao,

    entraremos nos outros princpios.

    Com o sentido jurdico exposto, havero duas alternativas (sob a

    tica da obrigatoriedade) para o modo como o estado ir encarar a

    educao. Primeiramente h a educao garantida por lei e somente

    poder ser colocada em prtica se as pessoas forem obrigadas a

    frequentar o local de ensino determinado. Outra forma de encarar a

    41 QUINTINO, Elisio de Almeida. A verdadeira natureza jurdica dos Conselhos deFiscalizao Profissional e seus Aspectos Polmicos: Aprofundamento eReflexes. Rio de Janeiro: Ferno Jris, 2008.

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    educao, para o estado, no obrigar a educao, ou seja, no tomar

    partido nas decises dos cidados. Ambas as abordagens constituem um

    escopo histrico e ideolgico distinto. mister apontar a construo

    terica e histrica de cada abordagem.

    2.1 Educao obrigatria

    Tomamos como educao obrigatria o projeto constitucional de

    proporcionar amplo acesso educao para os cidados. Isto se d

    atravs de um projeto constitucional e legal que determine a

    obrigatoriedade da educao para todos.

    preciso pensar a educao enquanto direito e que direitos podem

    apenas ser garantidos atravs de um corpo, uma organizao, que

    designamos como estado.

    Uma educao garantida a todos faz parte das recentesdemocracias ocidentais.

    2.1.1 Surgimento histrico

    Murray Rothbard (1999), em seu livro Education: free andcompulsory, aponta diversos momentos, em diversas partes do mundo,

    nos quais a educao passou a ser tratada como questo de estado. Neste

    aspecto o surgimento de uma educao obrigatria institucionalizada por

    um estado bem recente. Rothbard mostra que a Prssia foi o primeiro

    estado a ter um sistema de educao compulsria. Sobre este momento

    histrico escreve:

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    Foi o rei Frederico Guilherme I quem inaugurou o sistema deeducao compulsria prussiano, o primeiro sistema nacionalna Europa. Em 1717, ele ordenou a frequncia obrigatriapara todas crianas nas escolas estatais e, em atos

    posteriores, seguiu com a disposio para a construo demais escolas (ROTHBARD, 1999, p. 25, traduo nossa)42.

    Frederico Guilherme I, segundo rei na Prssia, pertencia Casa de

    Hohenzollern. Esta dinastia era calvinista desde 1613 e promovia o

    pietismo. Se, para o pietismo, os leigos devem participar das decises da

    igreja, o mesmo pensamento pode ser transferido para o campo social e

    educacional. Sob a influncia do pietista August Hermann Francke

    (discpulo de Philipp Jakob Spener, pai do pietismo), refugiado na Prssia

    aps ser expulso de Leipzig na Saxnia, foram construdas cerca de duas

    mil escolas durante o reinado do segundo rei da Prssia. O ideal pietista

    mudou a educao na Prssia, os estudantes foram desenvolvidos com

    um sentido de dever tanto como cristos e quanto sujeitos do estado

    prussiano (GANSE, 2007, traduo nossa)43. Todas as transformaes

    decorrem da descoberta do indivduo ao fornecer uma forma crist ao

    individualismo e mentalidade prtica de uma Europa que estava em

    transio para os tempos modernos (NOLL, 1990, p. 153)44. Neste

    sentido,

    os pietistas, atravs do seu complexo bem-estar socialeducacional da Universidade de Halle, inspiraram amonarquia prussiana para instituir um "Estado Pietista", queintegrou os ensinos pietistas do dever, obedincia e

    disciplina sobre o carter nacional prussiano. O zelosoFrederico Guilherme I, filho de Frederico I da Prssia, usou

    42Do original: It was King Frederick William I who inaugurated the Prussian compulsoryschool system, the first national system in Europe. In 1717, he ordered compulsoryattendance of all children at the state schools, and, in later acts, he followed with theprovision for the construction of more such schools.

    43 Do original: The Pietist ideal changed education in Prussia; students were instilledwith a sense of duty - both as christians and as subjects of the Prussian state.

    44 Max Weber (2001, p. 152), em tica protestante, faz referncia diversas vezes aopietismo de Philipp Jakob Spener (mestre de Francke). Entre as notas de seu livro

    afirma ironicamente: Que Frederico Guilherme I chamasse o pietismo de religio paraa classe ociosa mais indicativo de um prprio pietismo de que aquele de Spener e deFrancke. Mesmo este rei sabia muito bem porque abriria seu reino aos pietistas atravsde sua declarao de tolerncia.

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    as doutrinas do pietismo como um meio de unir osinteresses calvinistas e luteranos, bem como incutir seusensinamentos para o mundo secular das foras armadas, daeducao e dos sistemas de bem-estar prussianos

    (MCCARTER, 2004, traduo nossa)45

    .

    Juntamente com o pietismo, o iluminismo encontrou terreno frtil

    com Frederico II, sucessor de Frederico Guilherme I, amante de artes e

    literatura. A liberdade de expresso e culto decretadas durante seu

    reinado devem muito amizade que tinha com o filsofo Voltaire. No

    campo educacional, Frederico II fundou escolas elementares numa

    continuidade ao desenvolvimento de uma escolaridade pblica(ROTHBARD, 1999).

    O quarto sucessor da coroa prussiana, Frederico Guilherme III,

    tambm seguiu com as disposies do tio-bisav. O seu ministro, Baro

    vom Stein, em 1810 decretou avaliaes estatais, certificao de

    professores e dois anos depois o sistema de educao prussiano possua

    supervisores para as escolas estabelecidas, sejam nas cidades ou no

    campo (ROTHBARD, 1999). Zeller, um dos discpulos de Pestalozzi, foiencarregado de dirigir a Escola Normal da Prssia (LOPES, 1943, p.

    196)46. Com o decorrer do reinado de Frederico Guilherme III o estado

    controlava desde a educao infantil at a profissional. O modelo

    prussiano foi estendido para todo territrio germnico. Na Alemanha,

    escreve Harry Wiese (2005, p. 40),

    antes de Pestalozzi, o ensino elementar era relativamentefraco. O contedo consistia em aulas de religio, leitura,escrita e aritmtica. O efetivo ensino dessas disciplinas eraconsiderado suficiente para a formao de um homemntegro e prtico. Pestalozzi enriqueceu o currculo, ampliou

    45Do original: The pietists, through their welfare-educational complex at the Universityof Halle, inspired the Prussian monarchy to institute a State Pietism that integrated thepietist teachings of duty, obedience, and discipline into the Prussian national character.The zealous Frederick William I, son of Frederick I of Prussia, used the doctrines of

    pietism as a means to unite Calvinist and Lutheran interests, as well as to inculcate itsteachings into the secular world of Prussia's military, education, and welfare systems.46 Para uma biografia mais apurada de Karl August Zeller consultar The american journal

    of education, de Henry Barnard (1859, p. 305-308).

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    relacionar-se com o fato de que a maioria da populao portuguesa era de

    analfabetos.

    O Brasil conhecer um progresso apenas com a vinda da famlia

    real para o Rio de Janeiro. Com a famlia real surge o Banco do Brasil e

    melhorias de infraestrutura. Em seguida vinda da realeza, h a

    declarao da independncia. neste momento que a educao comea a

    figurar entre os assuntos tratados pelos governantes48.

    No Brasil, a democratizao do ensino bem tardia. Ao longo dos

    500 anos, diversas formas de educar apareceram. Somente na poca da

    ditadura militar, aps 1964, que se pensou, efetivamente, na ampliao

    do ensino e sua obrigatoriedade49.

    A educao no perodo colonial est inteiramente ligada aos

    jesutas. Educar era a maneira de transmitir a cultura (costumes e

    credos). Para Regis de Morais, apesar da briga dos jesutas com senhores

    de escravos, no Norte do pas, e da defesa da liberdade indgena no Sul; a

    Companhia de Jesus trouxe um vasto sonho imperialista que quis

    substituir a cultura aqui vigente ento pela ibrica (MORAIS, 1989, p.75).A europeizao, pensa o autor, teve mais xito do que costumeiramente

    imaginamos (MORAIS, 1989, p.75).

    Neste perodo, a primeira reforma na educao veio por parte do

    Marqus de Pombal que expulsou, em 1759, os jesutas de Portugal e das

    colnias. As escolas propostas por Pombal teriam as aulas rgias, nas

    quais haveriam o estudo de Latim, Grego, Filosofia e Retrica.

    A organicidade da educao jesutica foi consagrada quandoPombal os expulsou levando o ensino brasileiro ao caos,atravs de suas famosas aulas rgias, a despeito daexistncia de escolas fundadas por outras ordens religiosas,como os Beneditinos, os franciscanos e os Carmelitas(NISKIER, 2001, p. 34).

    48

    Isto claro num panorama da evoluo constitucional sobre a educao no Brasil queveremos a seguir.49 Apesar do ensino estar ligado dominao ideolgica do perodo histrico, comoapontado mais adiante.

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    Embora possa-se criticar a educao fornecida pelos jesutas, suas

    escolas eram uma das poucas se no a nica forma dos brasileiros se

    educarem. Por causa disto foi criado um novo imposto em 1772, chamado

    de subsdio literrio.

    Dessa forma, foi implantado o novo sistema educacional quedeveria substituir o sistema jesutico. Aberto que estava modernidade europia, incorporou partes de discursos sobrea ao do Estado na educao e passou a empreg-lo paraocupar o vcuo que foi deixado com a sada dos jesutas,pelo menos no que diz respeito ao controle e gestoadministrativa do sistema escolar (SECO; AMARAL, 2006).

    Assim, como em outras partes do mundo, a educao brasileira

    teve seu incio com grupos religiosos. O ideal iluminista, na figura do

    Marqus de Pombal (ministro de 1750 a 1777), trouxe a responsabilidade

    da educao para o estado. Com o trmino da administrao de Pombal, a

    educao enquanto tema de governo esfria.

    No Brasil, aps a declarao da independncia, pouco foi feito pela

    educao. Em 1823, na assemblia constituinte de ento, seus membrosaludem necessidade de se colocar em discusso o ensino no Brasil

    (MORAIS, 1989, p. 98). As discusses diminuem, dando prioridade

    criao de uma universidade. Contudo, fica decidido no artigo 250 da

    Constituio que havero escolas primrias, ginsios e universidades no

    Imprio. Mas,

    como costuma acontecer em nossa realidade, umsubstancioso enunciado que no foi cumprido, pois houveuma rala distribuio de escolas elementares pelo territrionacional, sempre de modo extremamente precrio e desigual(MORAIS, 1989, p. 98).

    A Constituinte no deu ateno para a temtica educacional. O

    tema voltou s discusses em 1834 com o Ato Adicional Constituio.

    Tal Ato descentralizou a responsabilidade pela educao, ficando a cargo

    de cada provncia proporcionar o acesso ao ensino.

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    Foi somente em 1891 que o Brasil teve sua constituio separando

    a igreja do estado. Porm, as poucas menes ao ensino ou escolas

    apenas afirmam que o ensino deveria ser leigo nas escolas pblicas.

    A constituio de 1934 durou pouco tempo. Apesar de ter

    efetivamente vigorado por apenas um ano, pouco do que apresentava foi

    colocado em prtica. Entretanto, comeava nesta constituio uma

    preocupao maior com a educao, apesar de ainda colocar a famlia

    como provedora de educao. Afirmava:

    Art 149 - A educao direito de todos e deve serministrada, pela famlia e pelos Poderes Pblicos, cumprindoa estes proporcion-la a brasileiros e a estrangeirosdomiciliados no Pas, de modo que possibilite eficientesfatores da vida moral e econmica da Nao, e desenvolvanum esprito brasileiro a conscincia da solidariedadehumana.Art 150 - Compete Unio:

    a) fixar o plano nacional de educao, compreensivo doensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados;e coordenar e fiscalizar a sua execuo, em todo o territriodo Pas;

    b) determinar as condies de reconhecimento oficialdos estabelecimentos de ensino secundrio e complementardeste e dos institutos de ensino superior, exercendo sobreeles a necessria fiscalizao;

    c) organizar e manter, nos Territrios, sistemaseducativos apropriados aos mesmos;

    d) manter no Distrito Federal ensino secundrio ecomplementar deste, superior e universitrio;

    e) exercer ao supletiva, onde se faa necessria, pordeficincia de iniciativa ou de recursos e estimular a obraeducativa em todo o Pas, por meio de estudos, inquritos,

    demonstraes e subvenes.Pargrafo nico - O plano nacional de educao

    constante de lei federal, nos termos dos arts. 5, n XIV, e39, n 8, letras a e e , s se poder renovar em prazosdeterminados, e obedecer s seguintes normas:

    a) ensino primrio integral gratuito e de freqnciaobrigatria extensivo aos adultos;

    b) tendncia gratuidade do ensino educativo ulteriorao primrio, a fim de o tornar mais acessvel;

    c) liberdade de ensino em todos os graus e ramos,observadas as prescries da legislao federal e da

    estadual;d) ensino, nos estabelecimentos particulares,

    ministrado no idioma ptrio, salvo o de lnguas estrangeiras;

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    e) limitao da matrcula capacidade didtica doestabelecimento e seleo por meio de provas deinteligncia e aproveitamento, ou por processos objetivosapropriados finalidade do curso;

    f) reconhecimento dos estabelecimentos particularesde ensino somente quando assegurarem a seus professoresa estabilidade, enquanto bem servirem, e uma remuneraocondigna (BRASIL, 1934).

    Em 1937, Getlio Vargas deixa de ser presidente e torna-se

    ditador. Uma nova constituio elaborada. O Estado Novo alegava para

    a Unio a funo de fixar as bases e determinar os quadros da educao

    nacional, traando as diretrizes a que deve obedecer a formao fsica,

    intelectual e moral da infncia e da juventude (BRASIL, 1937).

    Com as liberdades tolhidas pelo governo de Vargas, Eurico Gaspar

    Dutra elabora uma mesa para a promulgao de outra constituio em

    1946. No Artigo 166 pode-se ler que a educao direito de todos e ser

    dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princpios de liberdade e nos

    ideais de solidariedade humana (BRASIL, 1946).

    A ditadura militar, instaurada em 1964, necessitava de uma novaconstituio. No ano de 1967 a nova constituio estabelece que o ensino

    dos sete aos quatorze anos obrigatrio para todos e gratuito nos

    estabelecimentos primrios oficiais(BRASIL, 1967).

    com este histrico que podemos afirmar que a educao

    obrigatria passa a ser tratada com maior afinco na poca da ditadura

    militar. Juntamente com a obrigatoriedade e gratuidade do ensino, o

    governo insere, em 1969, as disciplinas de Educao Moral e Cvica (EMC)e Organizao Social e Poltica Brasileira (OSPB). Ambas as disciplinas

    logo tornarem-se a forma mais fcil de transmitir a ideologia do estado,

    especialmente atravs das diretrizes aprovadas em 1971. O ideal no qual

    o estado brasileiro buscava manter-se enquanto estrutura e ideologia.

    Ainda sob o regime militar, promulgada a Lei 5.692 em agosto de

    1971. Emlio Mdici, presidente, assina uma lei de diretrizes e bases para

    a educao nacional. A obrigatoriedade tratada de uma maneira

    diferente. Difere-se dos ideais de solidariedade humana de Gaspar Dutra.

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    A educao comea a ser vista pelos dirigentes do estado, de acordo com

    o primeiro artigo da Lei 5.692, como forma de:

    proporcionar ao educando a formao necessria aodesenvolvimento de suas potencialidades como elemento deauto-realizao, qualificao para o trabalho e preparo parao exerccio consciente da cidadania (BRASIL, 1971).

    O ideal mximo do controle estatal sobre a educao fica expresso

    no artigo de abertura da lei. A educao como subserviente da ideologia

    estatal deve qualificar para o trabalho e preparar para a cidadania. No h

    autorrealizao possvel se as potencialidades individuais devem servir aotecnicismo ou prtica de uma conduta social previamente estabelecida.

    Ainda que seja possvel apontar uma tendncia de dividir a

    responsabilidade da educao entre Unio, Estados, Distrito Federal,

    Territrios, Municpios, empresas, famlia e comunidade em geral (como

    aponta o Artigo 41 da Lei 5.692); o controle educacional era estatal. Em

    seguida ao Artigo 41, a lei enftica na questo da obrigatoriedade. A

    sociedade toda era responsvel em fazer valer o aspecto compulsrio da

    educao. O Pargrafo nico declarava que:

    Respondem, na forma da lei, solidariamente com o PoderPblico, pelo cumprimento do preceito constitucional daobrigatoriedade escolar, os pais ou responsveis e osempregadores de toda natureza de que os mesmos sejamdependentes (BRASIL, 1971).

    Com o trmino da ditadura militar, h abertura para criticar o

    material didtico tendencioso utilizado pela ditadura e o modelo de

    educao tecnicista adotado. A palavra democracia mais do que nunca

    utilizada como adjetivo e uma educao democrtica torna-se lema.

    Apesar das possibilidades crticas no questionou-se a

    obrigatoriedade da educao. Era preciso superar o problema acesso-

    qualidade, construindo mais escolas e melhorando a qualidade dosprofessores e, consequentemente, do ensino. A educao obrigatria e

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    gratuita foi vista como um ganho para a populao menos favorecida

    economicamente.

    Com a queda do muro de Berlim, em 1989, os pensadores de vis

    comunista comearam a combater o inimigo neoliberal. Era preciso

    defender as conquistas da educao obrigatria para que o liberalismo no

    privatizasse a educao e continuasse a dominar os oprimidos.

    2.1.2 Argumentos

    Vimos que a educao obrigatria possui um comeo. Foi

    historicamente iniciada no sculo XVIII. Os fatos, entretanto, possuem

    pressupostos filosficos e ideolgicos. necessrio investigar quais so os

    argumentos para a criao de um projeto legal visando a compulsoriedade

    da educao.

    Faz parte da histria da educao o pensamento de que a educaodeve formar um homem completo. O ponto de partida pensar que o

    homem, atravs da educao, pode desenvolver-se. A multiplicidade de

    reas que podem ser estudadas, bem como a diversidades de vir-a-ser

    colaboram com a argumentao de que prefervel um ensino obrigatrio

    para as crianas, pois possibilitaria adultos melhores. O melhoramento

    no faz parte de um ideal moral (embora a humanidade j tenha pensado

    desta forma) que afirma que uma sociedade mais evoluda decorre depessoas melhores educadas. Os adultos melhores so os indivduos que

    conseguiram um desenvolvimento a partir das possibilidades

    diversificadas e plurais existentes na cultura. O domnio da lngua escrita e

    falada, a autonomia de pensamento e expresso e o capital cultural

    absorvido, independente da rea e do que chegou a ser o indivduo, o

    que constitui um adulto melhor dentro de suas possibilidades. Esta ideia

    clara se pensarmos no conceito de onilateralidade marxista. Para Tozoni-

    Reis (2007),

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    o conceito de onilateralidade definido como a apropriaoplena do-ser-humano pelo ser humano, um vir a serhumano expresso pela idia de pessoa humana como sernatural universal, social e consciente: onilateral50.

    Para que o ganho cultural da educao obrigatria no seja

    perdido, uma vez que hoje defendido por naes desenvolvidas ou em

    desenvolvimento, preciso procurar argumentos e fatores que continuem

    validando este feito histrico.

    Gimeno Sacristn pensa que a educao obrigatria possui uma

    funo social e cultural, e o marco das civilizaes democrticascontemporneas. Se no h racionalidade comum para defender, se no

    h cultura com algum componente universal, pergunta Gimeno Sacristn

    (1999, p. 13) na introduo de Poderes instveis em educao,

    que sentido lhes damos e como podemos manterinstituies, que, como a escola pbli