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0 FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA – FESP CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO FILIPE JOSÉ VILARIM DA CUNHA LIMA OS EFEITOS TRANSCENDENTES DOS MOTIVOS DETERMINANTES DAS DECISÕES DO STF EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE JOÃO PESSOA 2010

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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA – FESP

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

FILIPE JOSÉ VILARIM DA CUNHA LIMA

OS EFEITOS TRANSCENDENTES DOS MOTIVOS DETERMINANTES DAS DECISÕES DO STF EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE

CONSTITUCIONALIDADE

JOÃO PESSOA 2010

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FILIPE JOSÉ VILARIM DA CUNHA LIMA

OS EFEITOS TRANSCENDENTES DOS MOTIVOS DETERMINANTES DAS DECISÕES DO STF EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE

CONSTITUCIONALIDADE

JOÃO PESSOA 2010

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Ms. Jossano Mendes de Amorim, da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba. Área de Concentração: Direito Constitucional

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FILIPE JOSÉ VILARIM DA CUNHA LIMA

OS EFEITOS TRANSCENDENTES DOS MOTIVOS DETERMINANTES DAS DECISÕES DO STF EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE

CONSTITUCIONALIDADE

Data de aprovação: _____________

BANCA EXAMINADORA

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

________________________________________ Prof. Ms. Jossano Mendes de Amorim

Orientador ___________________________________

____________________________________ Examinador

_________________________________________ Examinador

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo que tenho na vida.

Aos meus pais, Aurivan e Niedge, por estarem ao meu lado em todos os momentos e me

ensinarem o verdadeiro valor da vida.

A minha irmã, Camila, amiga de todas as horas.

A minha filha, Appia, fonte de amor e dedicação.

A minha namorada, Maria, pela dedicação e compreensão diárias.

Ao meu orientador, Jossano Mendes de Amorim, pelo empenho na orientação do

presente trabalho.

Ao amigo Felipe Ribeiro Coutinho, pelos ensinamentos referentes à dinâmica da prática

jurídica.

A todos os meus professores, por fazerem brotar a semente do conhecimento jurídico.

A todos os amigos que estiveram ao meu lado durante a formação acadêmica.

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RESUMO

A tutela dos direitos subjetivos pressupõe, em última análise, a existência de instrumento apto a garantir a aplicação prática dos diplomas normativos substantivos. Para tal, o ordenamento jurídico pátrio outorgou ao instituto do processo a tarefa de cumprir esse papel instrumental, concretizador dos direitos materiais assegurados aos jurisdicionados. Mutatis mutandis, afirma-se que a eficácia e efetividade dos preceitos constitucionais estão indissociavelmente ligadas à existência de mecanismos idôneos a assegurar a aplicação prática dos ditames insertos na Lei Fundamental. Nessa senda, observa-se que grande parte dos países serve-se da jurisdição constitucional como forma de garantir a supremacia das normas fundamentais em detrimento dos atos editados pelos agentes do poder. Assim, tem-se que a fiscalização jurisdicional acerca da compatibilidade dos atos infraconstitucionais em face dos ditames insertos na Carta Política realizar-se-á por meio do processo judicial, em cujo panorama a Corte Constitucional proclamará a existência (ou não) do vício de inconstitucionalidade que eventualmente repouse sob os atos estatais, por considerá-los contrários à moldura esculpida pelo legislador constituinte. Por se tratar de instrumento destinado a assegurar a supremacia do Texto Maior, o processo objetivo de controle de constitucionalidade tem características que o distingue do processo judicial ordinário, notadamente no que tange aos efeitos da decisão proferida em seu âmbito, a qual ostenta o caráter vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Nesse diapasão, e com as atenções voltadas à teoria processual clássica, sempre se sustentou que o aludido efeito vinculante restringia-se à parte dispositiva do decisum, responsável pela veiculação do comando judicial. No entanto, o estudo da estrutura da decisão judicial e da teoria do precedente judicial permite concluir que os fundamentos das decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade traz em seu bojo uma norma jurídica geral que deve ser obrigatoriamente observada na solução de casos concretos que possuam o mesmo substrato fático-jurídico, tendo em vista o caráter vinculante inerente às decisões proferidas nessa espécie de fiscalização judicial. Trata-se, portanto, de atribuir-se efeito vinculante não só ao dispositivo, mas também aos fundamentos determinantes do julgado. Eis, em síntese, a teoria da transcendência dos motivos determinantes.

Palavras-chave: Controle concentrado de constitucionalidade. Efeito vinculante. Transcendência dos fundamentos determinantes.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 8

CAPÍTULO 1 - O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL N O ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO ................................................................................ 11

1.1 A jurisdição constitucional no contexto da evolução histórica do constitucionalismo

........................................................................................................................................ 11

1.2 O surgimento da jurisdição constitucional ............................................................... 13

1.3 Argumentos contrários da jurisdição constitucional para o Estado Democrático de

Direito............................................................................................................................. 16

1.3.1 A duvidosa legitimidade democrática da jurisdição constitucional ...................... 16

1.3.2 A ausência de eleição e responsabilização popular dos juízes constitucionais ..... 17

1.3.3 A dimensão criativa da interpretação em face da normatização dos princípios.... 18

1.4 Argumentos favoráveis da jurisdição constitucional para o Estado Democrático de

Direito............................................................................................................................. 21

1.4.1 A jurisdição constitucional como instrumento garantidor dos direitos e garantias

constitucionais ................................................................................................................ 21

1.4.2 A independência dos juízes constitucionais .......................................................... 22

1.4.3 A legitimidade das decisões judiciais e a metodologia para o exercício da

jurisdição constitucional ................................................................................................. 24

1.4.3.1 Emprego de metogologia racional...................................................................... 24

1.4.3.2 A democratização do exercício da jurisdição constitucional.............................. 25

1.4.3.3 A jurisdição constitucional como instrumento de realização dos direitos da

minoria. A dificuldade contra-majoritária ...................................................................... 26

1.5 A jurisdição constitucional é imprescindível à democracia?.................................... 27

CAPÍTULO 2 - O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO B RASIL . 30

2.1 Aspectos gerais do controle de constitucionalidade................................................. 30

2.2 Classificações das espécies de inconstitucionalidade............................................... 31

2.2.1 Inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material ............................. 31

2.2.2 Inconstitucionalidade por ação e por omissão....................................................... 32

2.3 Modelos de controle judicial de constitucionalidade ...............................................33

2.3.1 Modelo americano – controle difuso..................................................................... 33

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2.3.2 Modelo austríaco ou europeu – controle concentrado........................................... 34

2.3.3 Modelo brasileiro – controle misto........................................................................ 35

2.4 Controle difuso de constitucionalidade .................................................................... 35

2.5 Instrumentos de provocação do controle abstrato de constitucionalidade ............... 37

2.5.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI ........................................................ 38

2.5.1.1 Considerações gerais .......................................................................................... 38

2.5.1.2 Legitimidade....................................................................................................... 38

2.5.1.3 Competência ....................................................................................................... 40

2.5.1.4 Objeto ................................................................................................................. 41

2.5.1.5 Efeitos da decisão ............................................................................................... 43

2.5.2 Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC................................................ 46

2.5.2.1 Considerações gerais .......................................................................................... 46

2.5.2.2 Legitimidade e Competência .............................................................................. 46

2.5.2.3 Efeitos da decisão ............................................................................................... 47

2.5.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADI por omissão............... 48

2.5.3.1 Considerações gerais .......................................................................................... 48

2.5.3.2 Legitimidade e competência............................................................................... 48

2.5.3.3 Objeto ................................................................................................................. 49

2.5.3.4 Efeitos da decisão ............................................................................................... 50

2.5.4 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF........................ 53

2.5.4.1 Considerações gerais .......................................................................................... 53

2.5.4.2 Legitimidade....................................................................................................... 55

2.5.4.3 Competência ....................................................................................................... 55

2.5.4.4 Objeto ................................................................................................................. 55

2.5.4.5 Efeitos da decisão ............................................................................................... 56

CAPÍTULO 3 - A TEORIA DOS EFEITOS TRANSCENDENTES DO S

MOTIVOS DETERMINANTES ................................................................................ 58

3.1 A estrutura da decisão judicial.................................................................................. 58

3.1.1 Relatório ................................................................................................................ 58

3.1.2 Fundamentação...................................................................................................... 59

3.1.2.1 A vinculação dos motivos determinantes das decisões do STF em sede de

controle concentrado....................................................................................................... 61

3.1.3 Dispositivo............................................................................................................. 65

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3.2 Precedentes jurisprudenciais .................................................................................... 65

3.2.1 Reclamação 2986 MC/SE - Sergipe ...................................................................... 65

3.2.2 Reclamação 2363 PA - Pará .................................................................................. 67

CONCLUSÃO............................................................................................................... 70

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 72

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico tem por objeto o estudo do controle judicial da

constitucionalidade das leis e demais atos normativos do Poder Público, notadamente no que

tange aos efeitos decorrentes da decisão do Supremo Tribunal Federal neste panorama, bem

como a possibilidade de atribuição de efeitos transcendentes aos motivos determinantes dos

pronunciamentos judiciais proferidos no âmbito do controle em questão.

A análise da evolução histórica do constitucionalismo permite concluir que a tarefa

originariamente outorgada às Cartas Políticas – regulamentação das estruturas fundamentais

do Estado e do processo legiferante – se mostrou insuficiente para a proteção dos cidadãos

frente os agentes do poder, dada a inclinação natural destes últimos em desdenhar os escritos

constitucionais.

Destarte, e tendo em vista a premente necessidade de instituir um instrumento idôneo a

fulminar o massacre político patrocinado pelos regimes autoritários, as vozes da dogmática

constitucional passaram a defender a tese de que a incumbência das Cartas Constitucionais

ultrapassaria a simples afirmação dos pilares fundamentais do Estado e do processo de criação

das normas jurídicas, abrangendo, por conseguinte, a declaração dos direitos fundamentais do

cidadão – núcleo individual “intangível”. Tem-se, portanto, o marco histórico daquilo que se

pode denominar de “projeto de limitação do poder estatal”.

Prospera que o aludido projeto não se mostrou eficiente, uma vez que o desrespeito

das normas constitucionais por parte dos agentes políticos, os quais ocupavam o vértice

superior da hierarquia do Estado, não lhes acarretaria maiores prejuízos efetivos. Ademais,

impende destacar que a incompatibilidade constitucional dos atos estatais também era

visualizada no âmbito do Poder Legislativo, responsável pela edição de atos normativos

nitidamente contrários aos ditames insertos na Lei Maior.

À luz do acima exposto, verificou-se que o êxito do “projeto de limitação do poder

estatal” pressupunha a existência de um mecanismo de controle capaz de fazer valer na

realidade social a supremacia constitucional, não obstante a constatação de que as normas

descritas na Carta Política nem sempre ostentaram efetiva posição hierárquica superior às

regras infraconstitucionais.

Nessa senda, convém destacar que a operacionalização do referido controle pode ser

visualizada sob dois ângulos. De um lado, observa-se a fiscalização da compatibilidade dos

atos positivos estatais em face da Constituição e, em caso de contraste, a primazia desta

última tem o condão de expungir do ordenamento jurídico os atos que lhes forem contrários.

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Por outro lado, tem-se que o controle das omissões estatais que configuram afronta aos

preceitos constitucionais representa instrumento de realização prática dos valores e princípios

preconizados pelo Constituinte. Eis, em breve síntese, o surgimento do controle de

constitucionalidade dos atos e omissões do Poder Público.

Assim sendo, salta aos olhos a importância do tema ora focalizado para toda a

comunidade jurídica, porquanto representa o estudo acerca do instituto destinado a fiscalizar a

compatibilidade das condutas estatais em face da moldura traçada na Lei Fundamental.

Para alcançar os fins do presente trabalho monográfico, analisar-se-á, inicialmente, a

jurisdição constitucional no contexto da evolução histórica do constitucionalismo, com ênfase

nos argumentos teóricos firmados acerca da compatibilidade democrática desse instrumento

de controle do Poder Estatal.

Em continuidade, será realizado um estudo descritivo sobre a origem histórica do

controle de constitucionalidade, o seu fundamento teórico, conceito, bem como a evolução

deste no ordenamento jurídico pátrio.

Firmadas as premissas iniciais, e com as atenções voltadas aos aspectos gerais da

supremacia constitucional, serão observadas as modalidades de efetivação do controle judicial

de constitucionalidade, quais sejam, o controle difuso e o controle concentrado, debruçando-

se especificamente sobre os seus conceitos, legitimados, competência, características, decisão

e seus efeitos.

A esse respeito, convém destacar que, no âmbito do controle concentrado de

constitucionalidade – modalidade sobre a qual repousa o objeto central do presente trabalho –,

os efeitos das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal têm o toque da vinculação

em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, consoante

adiante se demonstrará. No entanto, do ponto de vista processual, o referido efeito alcança

tão-somente a parte dispositiva da decisão judicial.

Trilhando para o cerne do presente trabalho, serão analisadas a estrutura da decisão

judicial e a teoria do precedente judicial, com o fito de se observar a legitimidade da corrente

doutrinária que se pretende sustentar.

Após o estabelecimento das premissas teóricas, indaga-se: é possível atribuir efeitos

vinculantes aos motivos determinantes – fundamentação – das decisões da Corte

Constitucional em sede de controle concentrado de constitucionalidade?

Em arremate de conclusão, será analisada, à luz da atual sistemática jurídico-

processual e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a possibilidade de atribuição de

efeitos vinculantes aos motivos determinantes das decisões da referida Corte em sede de

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controle concentrado de constitucionalidade, equiparando-os aos efeitos outorgados à parte

dispositiva do julgado.

No que tange ao método de abordagem, será utilizada a pesquisa qualitativa, porque

será feita uma análise interpretativa do controle judicial de constitucionalidade, da estrutura

da decisão judicial e da teoria do precedente judicial, sem serem enfocados dados estatísticos.

Concomitantemente, o método dedutivo, pois serão analisadas, propedeuticamente, a decisão

judicial e o controle concentrado de constitucionalidade. Por fim, realizar-se-á a correlação

dos institutos acima mencionados, verificando a possibilidade de se atribuir, com lastro nas

teorias em questão, efeitos transcendentes aos fundamentos determinantes das decisões

tomadas pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

Quanto aos métodos de procedimento, será empregado o método histórico para

demonstrar a origem do controle judicial de constitucionalidade, objetivando a compreensão

dos fundamentos teóricos do tema em questão, para a solução eficaz da problemática

enfocada.

Finalmente, no que diz respeito às técnicas de pesquisa, serão realizadas pesquisas

doutrinárias, legislativas e jurisprudencial.

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CAPÍTULO 1 – O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL N O ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1.1 A jurisdição constitucional no contexto da evolução histórica do constitucionalismo

Em linha de princípio, e objetivando analisar o papel da jurisdição constitucional no

âmbito do Estado Democrático de Direito, cumpre realizar uma digressão histórica acerca do

fenômeno constitucional, uma vez que a atividade dos juízes constitucionais consiste,

basicamente, na interpretação e aplicação das normas constitucionais.

Nesse diapasão, à exceção do regime político norte-americano – em que a Carta

Fundamental tinha feição marcadamente normativa – observa-se que, até meados do séc. XX,

os demais países do mundo apresentavam a idéia de Constituição como uma proclamação

política importante, de tal sorte que as prescrições constitucionais não ostentavam caráter

normativo, destinando-se tão-somente a regular o processo de criação do Direito e as

estruturas orgânicas fundamentais do Estado (SARMENTO: 2006, p. 86).

Ocorre que, diante dos valores e tarefas atribuídas à Constituição (regulação do

processo legislativo e definição da estrutura orgânica do Estado), visualizava-se a existência

de governos autoritários que desdenhavam deliberadamente dos direitos mínimos do cidadão,

tendo em vista a inexistência de limites materiais ao exercício do poder.

O quadro acima descrito permaneceu inalterado até a segunda metade do século

XVIII, período de surgimento do constitucionalismo moderno com a promulgação das

Constituições dos Estados Unidos da América (1787) e da França (1791), as quais se

revestiram de duas características fundamentais: a) regulação da organização do Estado; b)

instituição de limitação ao poder estatal, mediante a declaração expressa de direitos e

garantias fundamentais (CUNHA JÚNIOR: 2008, p. 31/32).

Em conformidade com as lições do constitucionalista Dirley da Cunha Júnior (2008, p.

32):

O constitucionalismo moderno, portanto, deve ser visto como uma aspiração a uma Constituição escrita, que assegurasse a separação de Poderes e os direitos fundamentais, como modo de se opor ao poder absoluto, próprio das primeiras formas de Estado.

Destarte, cumpre salientar que o grande mérito do constitucionalismo moderno foi a

atribuição de força normativa aos dispositivos constitucionais, os quais eram, conforme

afirmado em linhas anteriores, meras proclamações políticas destinadas aos agentes do Poder.

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No entanto, a evolução histórica demonstrou que o só reconhecimento de direitos

fundamentais não seria suficiente para garantir a supremacia material do texto constitucional,

evidenciando a necessidade de instituição de mecanismo de controle dos atos estatais.

Tratava-se, a bem da verdade, de uma supremacia meramente formal do texto constitucional,

o qual não se fazia presente na realidade da vida social, seja porque os agentes estatais não

cumpriam as suas determinações, seja porque os cidadãos não podiam invocar os seus

preceitos para a tutela de direitos individuais subjetivos.

A análise da dogmática política nos mostra que o polo de tensão da sociedade

modificou-se a depender do modelo constitucional adotado. Nessa senda, verifica-se que no

constitucionalismo liberal este polo de tensão encontrava-se no Poder Legislativo, uma vez

que o Estado tinha a incumbência precípua de garantir as liberdades individuais e a segurança

nacional. Por seu turno, o constitucionalismo social tem como nota essencial a preponderância

dos Poderes Legislativo e Executivo, dada a confiança da sociedade na justeza dos diplomas

legais. Finalmente, com o implemento do pós-positivismo, tem-se que o polo de tensão da

sociedade passa a residir, conjuntamente, no Poderes Judiciário e Executivo, com sensível

relevância em favor do primeiro, como se demonstrará nas linhas seguintes do presente

trabalho monográfico.

Assim, não se deve perder de vista que as normas fundamentais do texto constitucional

são direcionadas, em grande parte, aos agentes e órgãos estatais que ocupam o vértice

superior da hierarquia do Estado, razão pela qual a probabilidade de descumprimento do

comando constitucional revela-se acentuada, tendo em vista que as disposições da Carta

Fundamental não ostentavam o caráter de normas materialmente supremas.

Ademais, impende destacar a necessidade de instituição de um órgão jurisdicional de

cúpula, responsável pela efetivação da proteção dos ditames constitucionais e pelo controle da

constitucionalidade dos atos e omissões do Poder Público.

Em outras palavras, não obstante o reconhecimento do caráter normativo das

disposições constitucionais, forçoso concluir que a Constituição, por si só, não era capaz de

assegurar o cumprimento de seus dispositivos e valores por seus destinatários. Eis o

surgimento do mecanismo de controle da compatibilidade dos atos estatais em face das

premissas constitucionais.

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1.2 O surgimento da jurisdição constitucional

A análise da jurisdição constitucional nos remonta ao célebre caso Marbury vs.

Madison, julgado pela Suprema Corte Norte-Americana em 1803, no qual o Chief Justice

John Marshall declarou a inconstitucionalidade de lei ordinária que atribuía a Suprema Corte

competência não fixada originariamente pela Constituição Norte-Americana.

Nesse diapasão, são extraídas da decisão proferida pelo Chief Justice John Marshall as

seguintes premissas fundamentais: a) a ideia da supremacia constitucional; b) a legitimidade

do Poder Judiciário para, fazendo valer o disposto na constituição – expressão maior da

soberania popular – declarar a inconstitucionalidade dos atos praticados pelos agentes estatais

que eventualmente afrontem o Texto Maior (MENDONÇA: 2009, p. 213).

Com vista no acima exposto, constata-se, em um primeiro momento, que a jurisdição

constitucional consubstancia um instrumento democrático, uma vez que possibilita o controle

dos atos estatais que atentem contra os princípios, regras e valores constitucionais.

N’outro dizer, na medida em que a constituição é a expressão maior da soberania

popular, a jurisdição constitucional constitui o instrumento de efetivação desta mesma

soberania, afastando os atos estatais que desrespeitem ou inobservem os valores consagrados

pela Lei Maior.

A propósito do tema, convém trazer à colação a seguinte lição de Dieter Grimm (2006,

p. 7):

Tendo em vista essa particular fraqueza da norma constitucional, quando o povo providencia um órgão específico cuja atribuição é determinar o sentido e o alcance da constituição em casos de conflito; conhecer ações envolvendo conflitos de competência; avaliar atos governamentais tendo em vista a sua conformidade com a constituição, a existência desse órgão e o exercício do poder que lhe foi atribuído não podem ser considerados antidemocráticos.

Desta forma, a existência de um órgão estatal cuja incumbência precípua repousa no

controle da constitucionalidade dos atos dos poderes legislativo e executivo representa

instrumento eficaz de garantir a supremacia do texto constitucional.

Mas não é só. A importância da instituição de mecanismo com a fisionomia e

competência indicadas no parágrafo anterior é mais bem visualizada com o crescimento e

destaque do próprio papel que as cartas constitucionais passam a assumir.

Nesse contexto, cumpre atentar que as Constituições, que antes tratavam apenas os

aspectos políticos fundamentais do Estado ou, quando muito, traziam em seu corpo um elenco

de direitos individuais do cidadão, passam a disciplinar outros assuntos que estavam sob a

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égide do Poder Legislativo, notadamente os aspectos relacionados à economia, relações

trabalhistas, saúde, educação etc.

Sobre o tema, escreve Daniel Sarmento (2006, p. 89):

[...] Contudo, a partir das Constituições do México de 1917, e de Weimar de 1919, este modelo vai se alterar. A maioria das constituições editadas posteriormente agregará ao seu temário vários outros assuntos, como economia, relações de trabalho, proteção à família, cultura etc. Muitas delas vão também garantir, além dos clássicos direitos individuais, direitos sociais e econômicos, que demandam prestações positivas do Estado, viabilizadas através de políticas públicas onerosas: direitos à educação, à saúde, à previdência, à moradia etc.

Diante da constatação acima descrita, questiona-se: a regulamentação constitucional

de determinadas matérias outrora disciplinadas pelo legislador ordinário, retirando-as do

âmbito de apreciação do parlamento – órgão popular por excelência – não constituiria uma

decisão contra-majoritária e, por conseguinte, antidemocrática?

Assim, em decorrência dessa universalização material da Constituição, constata-se que

os princípios e normas constitucionais passam a influenciar na leitura e aplicação dos demais

ramos do direito, cujos institutos são interpretados à luz do modelo constitucional (filtragem

constitucional), caracterizando o que Daniel Sarmento denominou de “Ubiquidade

Constitucional” (2006, p. 83).

No mesmo norte de exposição, o tema ora focalizado é tratado por Luís Roberto

Barroso com as seguintes palavras (2006, p. 30):

A ideia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional.

Cotejando o acima exposto com a realidade constitucional pátria, observa-se que os

institutos do direito administrativo sofreram sensível modificação diante da necessária

observância da filtragem constitucional do direito, salientando-se, a título de exemplo, o

hodierno entendimento acerca da legitimidade do controle judicial do mérito dos atos

administrativos discricionários, com base em princípios constitucionais, tais como o da

razoabilidade, proporcionalidade, moralidade e eficiência.

Por outro lado, cumpre observar que a relevância prática do papel das Constituições é

expressivamente acentuada ao se observar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou

seja, a aplicabilidade dos valores, garantias e direitos fundamentais também às relações

privadas.

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No mesmo norte, urge salientar a importância e complexidade do papel desempenhado

pela jurisdição constitucional no âmbito de uma constituição tida como dirigente, tal como a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Trata-se de modelo constitucional

que traça expressa e pontualmente metas de governo a serem alcançadas por meio de políticas

públicas de caráter positivo.

Segundo Daniel Sarmento (2006, p. 94):

[...] Essas metas e diretrizes, estabelecidas em regra através de normas programáticas, não devem ser vistas como meras proclamações retóricas. Elas são normas jurídicas, que de alguma maneira vinculam os poderes políticos, estabelecendo balizas para o exercício das respectivas competências.

Ante as razões expendidas, e com as atenções voltadas ao fato de que a constituição é,

indubitavelmente, dotada de caráter normativo, indaga-se: até que ponto é legitima a

atribuição de competência a um órgão judicial - composto por membros que não são

escolhidos diretamente pelo povo -, a pretexto de estar garantindo a efetividade das normas

constitucionais, para fixar e compelir os agentes políticos a adotarem determinada política

pública, sobretudo levando-se em consideração a dimensão criativa inerente à interpretação

em geral e a interpretação constitucional em especial?

Acerca da dimensão criativa da jurisdição constitucional, leciona Daniel Sarmento

(2006, p. 99):

Ademais, há o problema semântico. Boa parte das prescrições constitucionais está expressa em linguagem muito vaga: dignidade da pessoa humana, igualdade, solidariedade social, moralidade administrativa etc. Pessoas razoáveis podem discordar – e de fato frequentemente discordam – sobre o que significa aplicar uma norma com esta estrutura num determinado caso.

No mesmo esteio, eis a lição de Eduardo Mendonça (2009, p. 220):

[...] A positivação constitucional de princípios vinculados à ideia de justiça – ou o tratamento de tais princípios como normas pelo Tribunal Constitucional – poderia introduzir um deslocamento de poder indesejável, das maiorias para os tribunais.

Assim, a utilização de conceitos vagos no texto constitucional não representaria uma

ampliação indevida e desproporcional do âmbito decisório da jurisdição constitucional, a qual

poderá imiscuir-se em matérias de políticas públicas reservadas ordinariamente aos Poderes

Legislativo e Executivo?

Afinal, a jurisdição constitucional é compatível com os princípios do Estado

Democrático de Direito?

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No que tange ao tema em debate, uma observação preliminar se faz necessária: as

respostas às indagações acima formuladas têm por premissa a realidade politico-

constitucional brasileira, sem embargo das posições teóricas edificadas sob a égide de outros

regimes políticos, reclamando, antes de fixar-se a mais acertada posição sobre o tema, a

análise dos argumentos favoráveis e contrários acerca da compatibilidade da jurisdição

constitucional no âmbito do Estado Democrático de Direito. É o que se passa a fazer.

1.3 Argumentos contrários da jurisdição constitucional para o Estado Democrático de

Direito

1.3.1 A duvidosa legitimidade democrática da jurisdição constitucional

Em linha de princípio, cabe destacar que a jurisdição constitucional representa

mecanismo destinado a tutelar a intangibilidade dos direitos da minoria, mediante a

fiscalização da compatibilidade dos atos estatais em face dos ditames consagrados na Lei

Maior.

Com as atenções voltadas à referida destinação da jurisdição constitucional, qual seja,

a proteção da inviolabilidade dos direitos da minoria, pode-se vislumbrar, como efetivamente

se observa nos entendimentos doutrinários, a inexistência de legitimidade democrática para o

exercício da jurisdição constitucional, conforme se analisará nas linhas seguintes do presente

tópico (GRIMM: 2006, p. 13).

Surge, por conseguinte, o problema relacionado à legitimidade democrática da

jurisdição constitucional, neste passo encarado como um aspecto negativo desta para o Estado

Democrático de Direito.

Em síntese, a relação entre democracia e jurisdição constitucional pode ser visualizada

nas seguintes linhas extraídas das palavras de Dieter Grimm (2006, p. 6):

[...] Alguns teóricos temem que o jogo democrático seja paralisado por uma camisa-de-força constitucional. Outros temem que o dique constitucional possa ser rompido por uma inundação democrática. [...]

Destarte, o efeito contra-majoritário da jurisdição constitucional, a impulsionar a tese

de ilegitimidade democrática deste mecanismo de controle, é ressaltado também diante do

papel exercido pela constituição no âmbito de determinado regime político. Saliente-se, por

oportuno, que a suposta ilegitimidade democrática decorrente do efeito contra-majoritário

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reside no fato de que a jurisdição constitucional poderá transitar na contramão do que seria a

vontade popular de determinado momento.

Ora, conforme apontado em momento anterior do presente trabalho, os textos

fundamentais contemporâneos, notadamente o brasileiro de 1988, têm alçado ao patamar da

constitucionalidade matérias e temas anteriormente disciplinados pelo legislador ordinário

(relação de trabalho, saúde, educação etc.). Acrescente-se, além disso, o fenômeno da

constitucionalização do direito (filtragem constitucional).

Tal evolução constitucional irá desaguar na subtração de parcela do direito-dever de

conformação do Poder Legislativo, o qual possui a legitimidade democrática por excelência,

dada a representatividade popular de seus membros.

Em face das razões expendidas, constata-se que a excessiva constitucionalização do

Direito – e das matérias outrora disciplinadas pelo legislador ordinário –, bem como a

atribuição de competência a órgão judiciário para garantir a efetividade e respeito

constitucionais poderá traduzir uma contrariedade à vontade majoritária externada por meio

de atos normativos editados pelo parlamento. Trata-se do que a doutrina constitucionalista

convencionou chamar de dificuldade contra-majoritária da jurisdição constitucional.

Logo, analisada a questão sob esse enfoque, posicionamento que não se deve endossar,

a jurisdição constitucional careceria de legitimidade democrática.

1.3.2 A ausência de eleição e responsabilização popular dos juízes constitucionais

Outro aspecto negativo da jurisdição constitucional, que também não deve prevalecer,

refere-se à ausência de eleição popular das autoridades judiciais responsáveis pela efetivação

do controle da compatibilidade entre os atos estatais e os comandos constitucionais.

Nesse diapasão, na medida em que os juízes constitucionais não são eleitos pelo voto

da maioria, não lhes seria legítimo substituir-se à atuação conformadora do parlamento, sob

pena de irreversível violação ao princípio majoritário do regime democrático.

No mesmo norte, convém observar que a ausência de responsabilização política dos

juízes perante a sociedade civil também representa, para parte da doutrina constitucionalista,

aspecto negativo da jurisdição constitucional. Isso porque, consoante as palavras de Dieter

Grimm, “[...] o judiciário pode afastar a vontade dos representantes do povo eleitos sem gozar

de legitimidade democrática e sem ser igualmente responsável perante o povo. Isso é verdade

mesmo nos países onde os juízes são eleitos e não indicados”. (2006, p. 13).

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Em que pese a repetição de ideias, cumpre mencionar que tal argumento também não

merece prosperar, conforme adiante se demonstrará.

Em razão da ausência de controle democrático da jurisdição constitucional, anote-se

que a Suprema Corte Norte-Americana, no julgamento do case United States vs. Carolene

Products Co., em 1938, deixou assentado que a adoção de uma postura ativista seria

necessária quando se estivesse diante de proteger a funcionalidade do processo político,

adotando-se um controle mais restrito diante da legislação econômica (MENDONÇA: 2009,

p. 216).

Nesse diapasão, percebe-se que o entendimento ora focalizado inclina-se no sentido de

defender o ativismo judicial constitucional apenas nos casos de garantir a funcionalidade do

processo democrático, ao passo que, no controle exercido nas demais áreas – em que o

parlamento se faz mais presente no desiderato de conformar os destinos da sociedade – a

jurisdição constitucional assumiria uma feição mais restrita.

Com base nas lições de Carl Schmitt, citado por Eduardo Mendonça (2009, p. 221),

[...] o controle de constitucionalidade só seria legítimo quando o conteúdo da norma constitucional envolvida fosse inequívoco e incompatível com o conteúdo de lei em tese aplicável. Diante do confronto, caberia ao juiz, no exercício de sua atividade típica, realizar a subsunção do fato à norma da Constituição, deixando de aplicar a norma inferior.

Da exegese do excerto acima transcrito, conclui-se que Carl Schmitt adota uma

posição restritiva da jurisdição constitucional, inadmitindo o exercício desta para compelir os

agentes políticos a adotarem determinada política pública com base em valores expressos no

texto maior.

1.3.3 A dimensão criativa da interpretação em face da normatização dos princípios

Outro potencial aspecto negativo da jurisdição constitucional consiste na já

mencionada dimensão criativa da atividade interpretativa. Aliás, a aludida dimensão criativa

deve ser analisada, para os fins do presente trabalho, sob o enfoque da normatização dos

princípios.

Como cediço, a fase intitulada de pós-positivismo é marcada pela atribuição de força

normativa aos princípios constitucionais, cuja aplicação se faz imperiosa diante dos casos

concretos submetidos à apreciação do Poder Judiciário. Tem-se, portanto, de um lado, a

norma-princípio e, de outro, a norma-regra.

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Por outro lado, não se desconhece que os princípios são marcados por uma acentuada

abertura semântica, o que enseja a possibilidade de elaboração de exegeses das mais variadas.

A título ilustrativo, observe-se que uma infinidade de questões pode ser fundamentada, em

posições diametralmente opostas, com lastro no princípio-matriz da dignidade da pessoa

humana.

Nesse contexto, cumpre lembrar que as posições antagônicas acerca da

constitucionalidade da utilização de células tronco-embrionárias para fins de pesquisa,

enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2009, fundamentavam-se justamente na

dignidade da pessoa humana.

A observação acima realizada quanto à dimensão criativa da interpretação e a abertura

semântica dos princípios tenciona trazer à baila a discussão acerca do fenômeno denominado

por Daniel Sarmento de carnavalização constitucional (2006, p. 112).

Sobre o tema, analisemos as palavras do referido autor (2006, p. 113/114):

[...] Esta “euforia” com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras “varinhas de condão”: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser.

Veja-se, por oportuno, a clássica definição de princípio proposta por Celso Antônio

Bandeira de Mello (2000, p. 747):

[...] princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome de sistema jurídico positivo.

Nesse diapasão, na medida em que o art. 196 da Carta Constitucional pátria de 1988

assenta que a saúde é direito de todos e dever do estado, facilmente se percebe que qualquer

cidadão poderá bater às portas do judiciário pleiteando prestação estatal ativa no sentido de

garantir-lhe os meios necessários à manutenção da saúde (realização de procedimentos

médico-cirúrgicos, fornecimento de medicamentos, dentre outros). De outro lado, o órgão

jurisdicional, alheio às questões concernentes à disponibilidade orçamentária, poderá,

lastreando-se em normas-princípios, determinar ao ente público a prestação da atividade

pleiteada, evidenciando uma suposta substituição do administrador público pelo juiz

constitucional de plantão.

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O tema versado no parágrafo anterior refere-se ao conflito existente entre o mínimo

existencial e a reserva do possível, os quais não serão analisados em profundidade em razão

do objetivo central do presente trabalho.

A esse respeito, analisando-se o direito comparado, observa-se que a Corte

Constitucional alemã tem atribuído interpretação extensiva aos direitos fundamentais, de tal

sorte que dificilmente um ato governamental escapa ao controle judicial (GRIMM: 2006, p.

15).

No entanto, convém observar que a dimensão criativa da jurisdição constitucional não

pode ser vista como óbice à aceitação desta modalidade de controle a pretexto de considerá-la

antidemocrática. Se assim fosse, ter-se-ia que qualificar como antidemocrática a interpretação

jurídica em geral, uma vez que o legislador ordinário tem se valido cada vez mais da técnica

legislativa relacionada à utilização de dispositivos normativos com textura aberta, imprimindo

um alto grau de abstração às normas jurídicas em geral. (MENDONÇA: 2009, p. 234).

Aliás, tal observação também é encontrada em ensaio de Eduardo Mendonça, segundo

o qual a interpretação da Constituição envolve particularidades, mas não é substancialmente

diversa da interpretação jurídica geral, que sempre envolverá alguma dose de criatividade.

Assim, “se a constituição é dotada de força normativa, é natural que a criatividade dos juízes

revista-se de força jurídica” (2009, p. 234).

Ademais, a objeção referente à legitimidade democrática da jurisdição constitucional,

fundada na abertura semântica dos dispositivos constitucionais, também não merece prosperar

em caráter absoluto, uma vez que os agentes da administração pública do segundo escalão

(secretários de estado, dirigentes de órgãos públicos) – carecedores de legitimidade popular

direta – também realizam a interpretação destes mesmos dispositivos abertos quando da

implementação das atividades administrativas em geral.

Assim, negar a compatibilidade democrática da jurisdição constitucional, em razão da

dimensão criativa da interpretação jurídica articulada por este mecanismo, acarretaria a

negação da mesma legitimidade para inúmeros agentes administrativos, circunstância

nitidamente dissonante da realidade político-administrativa brasileira.

Fixados os argumentos contrários da jurisdição constitucional para o Estado

Democrático de Direito, prossegue-se à análise dos aspectos positivos da temática em debate.

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1.4 Argumentos favoráveis da jurisdição constitucional para o Estado Democrático de

Direito

1.4.1 A jurisdição constitucional como instrumento garantidor dos direitos e garantias

constitucionais

Em linha de princípio, traz-se à colação o seguinte trecho da obra de Daniel Sarmento

(2006, p. 101):

É certo que, embora o tema continue extremamente polêmico, prevalece hoje a posição, que endossamos plenamente, no sentido de que é legítimo e necessário estabelecer limites para as maiorias de cada momento, sobretudo ligados à proteção dos direitos fundamentais e das regras ligadas à preservação do próprio processo democrático, e que é essencial, por outro lado, atribuir ao Judiciário o poder de fiscalizar o respeito a estes limites.

Tendo em conta o excerto acima transcrito, convém salientar que a jurisdição

constitucional constitui eficaz instrumento de proteção dos direitos, garantias e valores

consubstanciados no corpo do Texto Maior. Em linguagem coloquial, e parafraseando Daniel

Sarmento, trata-se de não deixar a raposa como a única vigia do galinheiro (2006, p. 108).

Conforme afirmado em linhas anteriores e vivenciado em épocas políticas passadas, a

simples existência de direitos e garantias constitucionais não garante, por si só, a observância

destes por parte dos agentes políticos.

Destarte, forçoso concluir pela necessidade de uma estrutura estatal especificamente

destinada a controlar e fiscalizar a compatibilidade das condutas estatais – comissivas e

omissivas – com o programa político delineado na Carta Magna.

Ademais, o papel da jurisdição constitucional no âmbito da filtragem constitucional do

ordenamento jurídico também apresenta uma dimensão positiva, na medida em que poderá

expandir para toda a ordem jurídica os valores democráticos fixados na Lei Maior.

Nesse contexto, cumpre trazer à colação o elucidativo exemplo extraído da já citada

obra de Daniel Sarmento (2006, p. 109):

Um bom exemplo é o direito à igualdade. A ideia de democracia repousa na assunção da igualdade das pessoas. O próprio princípio majoritário – segundo o qual, diante de alguma divergência, deve ser adotada a solução preferida pelo maior número de pessoas – parte da pressuposição igualitária de que a opinião de cada um deve ter exatamente o mesmo peso – one man, one vote, como dizem os norte-americanos. Assim, se em razão da Constituição a igualdade for levada mais fortemente em consideração no regime legal das associações privadas, por exemplo, este resultado terá produzido mais, e não menos democracia, ainda que ele implique em alguma limitação ao poder do legislador.

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Outrossim, o próprio regime democrático tem por pressuposto a existência de um

feedback entre governantes e governados. Assim sendo, para a garantia desse feedback, é

imprescindível assegurar aos governados, sobretudo àqueles que compõem a oposição ao

governo atuante, o direito à livre manifestação e expressão, os quais certamente seriam

tolhidos pela maioria diante da inexistência de um órgão independente com a incumbência

de assegurar o respeito às garantias e direitos constitucionais (GRIMM: 2006, p. 13).

1.4.2 A independência dos juízes constitucionais

Sem prejuízo do que restou assentado no tópico anterior, convém salientar que a

autonomia e a independência funcional dos juízes constitucionais, os quais não dependem da

vontade popular para continuar exercendo livremente as suas atividades, representam um fator

positivo para o Estado Democrático de Direito.

Em sentido diametralmente oposto, cumpre atentar que os agentes políticos dependem

da aceitação das políticas públicas por parte dos eleitores, tendo em vista a necessidade de

sucesso nos pleitos eleitorais periódicos. Assim, os atores políticos tendem naturalmente a

interpretar os dispositivos constitucionais em conformidade com as políticas públicas

necessárias em determinado momento.

N’outro dizer, o processo exegético levado a cabo por alguns agentes políticos

relegam a Constituição para um segundo plano, ensejando um verdadeiro “malabarismo

interpretativo” legitimador das medidas políticas a serem implementadas.

Ademais, e como decorrência da independência do órgão jurisdicional, cumpre

observar que os Juízes Constitucionais são especializados em matéria jurídico-constitucional,

o que lhes permite realizar o procedimento interpretativo tomando por base caminho diverso

daquele utilizado pelos atores políticos.

Nesse sentido, observe-se que os juízes constitucionais percorrem o seguinte iter

procedimental: delimitam, em primeiro lugar, o sentido e alcance do dispositivo

constitucional para, em seguida, determinar se o dispositivo legal ou a medida adotada pelo

agente político extrapolam a moldura constitucional.

No mesmo conduto de exposição, veja-se o seguinte trecho da obra de Dieter Grimm

(2006, p. 11):

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Os políticos atuam num ambiente competitivo. O que conta nesse ambiente é o sucesso político e, em última análise, a vitória eleitoral. Tal situação cria uma inclinação para submeter os ditames constitucionais às necessidades políticas – não no sentido de que a constituição é simplesmente posta de lado -, mas no sentido de que a constituição é interpretada no sentido que mais favorecer aos propósitos políticos;

E arremata o referido autor (2006, p. 11):

[...] em contraste, as cortes operam sob um código diferente. Elas não perseguem um plano político e normalmente seus membros não dependem de reeleição. As cortes são, igualmente, especializadas em jurisdição constitucional. O Direito é a sua primeira preocupação. [...]

Nesse contexto, verifica-se que o sistema de jurisdição constitucional atua como

instrumento de controle da eventual inclinação dos agentes políticos em submeter os

dispositivos constitucionais aos seus objetivos eleitorais, o que acarreta, por óbvio, a

instabilidade do sistema democrático, uma vez que as maiorias de cada momento poderão

simplesmente tripudiar dos direitos fundamentais das minorias.

Verifica-se, portanto, que a jurisdição constitucional revela-se importante para o

válido e regular desenvolvimento do Estado Democrático de Direito.

Aliás, saliente-se que a só existência do controle de constitucionalidade irá forçar a

autoridade política a realizar um juízo prévio acerca da constitucionalidade das medidas

políticas a serem adotadas, sob pena de vir a ser expungida do mundo jurídico acaso não

observe os ditames constitucionais aplicáveis à espécie (GRIMM: 2006, p. 12).

No mesmo norte, observe-se a seguinte lição de Eduardo Mendonça (2009, p. 233):

O importante nesse momento, contudo, é concluir que a jurisdição constitucional pode ser e tem sido eficaz, impondo-se efetivamente como instância contra-majoritária, sem prejuízo de encontrar limites na realidade política e social na qual está inserida.

Ante o exposto, conclui-se que a independência do órgão jurisdicional, apta a ensejar a

imparcialidade do julgador, ao contrário do que expõem os doutrinadores que visualizam um

aspecto negativo na ausência de eleição popular dos juízes constitucionais, representa um

elemento de contribuição para o Estado Democrático de Direito, uma vez que garante a

observância dos direitos da minoria pela maioria política de cada momento.

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1.4.3 A legitimidade das decisões judiciais e a metodologia para o exercício da jurisdição

constitucional

Tal como afirmado por Daniel Sarmento (2006, p. 106), a legitimidade das decisões

judiciais não decorre da aprovação popular, mas da sua efetiva correspondência com a ordem

jurídica.

Nesse sentido, tomando-se por base a evolução histórica e a cultura jurídica brasileira,

deve-se ressaltar que a balança em que são sopesadas as vantagens e desvantagens da

jurisdição constitucional no âmbito de um Estado qualificado como Democrático de Direito

tende a pender em favor da plausibilidade e legitimidade de tal fenômeno jurídico.

Para tanto, cumpre observar que a pedra de toque para a instituição (ou não) da

jurisdição constitucional reside na metodologia a ser empregada para a efetivação prática do

sistema a ser implantado.

Assim sendo, torna-se necessária a adoção das seguintes medidas para o exercício

legítimo da jurisdição constitucional: a) emprego de metodologia racional e b)

democratização do exercício da jurisdição constitucional.

1.4.3.1 Emprego de metodologia racional

No que tange à medida indicada na alínea ‘a’ supra, dentre as metodologias possíveis,

sobressai com relevância a teoria funcional, segundo a qual caberia aos agentes políticos o

implemento dos objetivos políticos, ao passo que o sistema de jurisdição constitucional teria a

incumbência de controlar a atuação dos primeiros, observando se a moldura constitucional

haveria sido violada ou não (GRIMM: 2006, p. 18).

Com vista no acima exposto, a primeira ilação se faz necessária: as cortes

constitucionais não têm legitimidade para impor objetivos políticos. Desta forma, as

cortes devem tão-somente analisar se os objetivos políticos estão em consonância com o

modelo constitucional.

Ainda com base nas lições de Dieter Grimm, “a ordem das decisões políticas não

deve ser invertida” (2006, p. 18). Trata-se de atribuir às cortes constitucionais um papel

derivado ou secundário. Dito de outro modo, a atuação das cortes pressupõe a atuação do

órgão governamental legislativo ou executivo.

No entanto, a afirmação referida no parágrafo anterior não significa dizer que as

omissões estatais estariam à margem do controle judicial. Ao revés, cabem as cortes

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constitucionais a realização do controle das omissões dos órgãos governamentais, desde que

se reste demonstrado o dever constitucional de agir.

Fixados os contornos acerca da primeira medida a ser adotada para o exercício

legítimo da jurisdição constitucional, passa-se à análise da exigência pertinente à

democratização deste mecanismo de controle judicial.

1.4.3.2 A democratização do exercício da jurisdição constitucional

Diante da questionável legitimidade democrática da jurisdição constitucional, tendo

em vista que os membros das cortes constitucionais não passam por processo eleitoral nem

são diretamente responsáveis perante o corpo social, contata-se a necessidade de democratizar

o exercício deste sistema de controle.

A respeito da democratização da jurisdição constitucional, eis as palavras de Eduardo

Mendonça (2009, p. 242/243):

Adicionalmente, a jurisdição constitucional pode funcionar como uma via privilegiada para a manifestação de diversas instâncias sociais, inclusive aquelas que dificilmente teriam acesso adequado ao sistema político. [...]. Daí a importância de aproveitar o pluralismo na prática de jurisdição constitucional, abrindo espaço para a intervenção de partidos políticos e entidades representativas da sociedade civil e mesmo para que o processo seja deflagrado por esses agentes.

Cotejando o acima exposto com a realidade constitucional brasileira, observa-se que a

Constituição Federal de 1988 efetivou a ampliação do rol de legitimados para a propositura

das ações abstratas de controle de constitucionalidade, modificando o anterior monopólio de

tais ações pelo Procurador Geral da República.

Ainda a título ilustrativo, atente-se para as recentes modificações legislativas que

implementaram a realização de audiências públicas e a participação popular – amicus curiae –

no procedimento do controle abstrato de constitucionalidade.

Nessa senda, convém trazer à colação as razões expostas no voto do Ministro Celso de

Mello quando do julgamento da ADI 2.130-MC/SC (LENZA: 2009, p. 230):

[...] a admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto tribunal constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.

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Sem prejuízo do acima expendido, convém salientar que deve ser preservada uma

margem de decisão que deve ser reconhecida ao legislador e aos indivíduos. Assim, a

jurisdição constitucional deve respeitar a liberdade mínima de conformação do legislador,

tendo em vista que os indivíduos têm, por imperativos democráticos, o direito fundamental de

escolher o seu próprio destino.

Por conseguinte, resta impossibilitado o engessamento do ordenamento

infraconstitucional, notadamente diante da impossibilidade de regulação de todas as

complexidades inerentes às relações sociais por parte do documento constitucional.

Alinhado ao acima exposto, observe-se a seguinte lição do constitucionalista

português José Joaquim Gomes Canotilho, citado por Daniel Sarmento (2006, p. 111):

[...] Como ressaltou Canotilho, “a Constituição deve possibilitar o confronto e a luta política dos partidos e das forças políticas portadores de projectos alternativos para a concretização dos fins constitucionais. Embora não deva restringir-se a um ‘instrumento de governo’ ou a uma simples ‘lei do estado’, a Constituição evitará converter-se em lei da ‘totalidade social’, ‘codificando’ exageradamente os problemas constitucionais”.

No mesmo norte de interpretação, e analisando a questão sob o prisma da filtragem

constitucional do Direito, preconiza Daniel Sarmento (2006, p. 118):

Por isso, a constitucionalização do Direito através de filtragem constitucional é legítima e deve continuar fecundando a ordem jurídica brasileira com os princípios emancipatórios da Constituição. Mas ela não pode chegar ao ponto de subtrair do povo o seu direito inviolável de escolher a cada momento os seus próprios rumos.

Por fim, vale mencionar que em algumas ocasiões o fenômeno da judicialização da

política é do interesse dos próprios agentes políticos, os quais transferem a responsabilidade

pelas decisões impopulares para os membros das cortes constitucionais, acarretando um

processo de supressão da fase política, circunstância destoante dos mais comezinhos

princípios democráticos.

1.4.3.3 A jurisdição constitucional como instrumento de realização dos direitos da minoria.

A dificuldade contra-majoritária

Visualizando a intitulada dificuldade contra-majoritária , acima descrita, sob outro

enfoque, indaga-se: e se a manifestação dos representantes do povo não corresponder

efetivamente à vontade popular? A esse propósito, convém observar que a atual crise

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representativa vivenciada no Brasil apenas acentua a possibilidade de descompasso entre a

vontade “majoritária” e a vontade popular.

Sem prejuízo do acima exposto, a multicitada dificuldade contra-majoritária tem seus

efeitos mitigados quando se observa que a vontade popular, a despeito de legitimar

determinado corpo de agentes para a tomada de decisões coletivas, também pode atribuir

legitimidade a outro corpo de agentes especializados, para aferir a compatibilidade das

medidas tomadas pelos primeiros com o elenco de direitos fundamentais plasmados no

documento representativo da soberania popular, qual seja, a Lei Fundamental do Estado

(MENDONÇA: 2009, p. 237).

Cotejando-se o que fora afirmado com a realidade constitucional brasileira, verifica-se

que a vontade popular legitima um corpo de agentes (deputados e senadores) para a tomada de

decisões coletivas, ao passo que atribui a outro corpo de agentes (membros do Poder

Judiciário), os quais encontram-se afastados da dinâmica política cotidiana, a função de

controlar a compatibilidade dos atos emanados dos primeiros com os ditames constitucionais.

Posta a questão nesses termos, conclui-se que a instrumentalização da jurisdição

constitucional por meio de juízes autônomos e independentes, distanciados de eleições ou

prestações de contas à sociedade, bem como especializados em matéria constitucional,

constitui uma ferramenta indispensável para impor aos agentes políticos o respeito aos

compromissos constitucionais, realizáveis a longo prazo, ainda que à primeira vista

representem decisões impopulares.

1.5 A jurisdição constitucional é imprescindível à democracia?

Após a visualização dos argumentos contrários e favoráveis da jurisdição

constitucional, a seguinte indagação se faz pertinente: a jurisdição constitucional é necessária

para a democracia?

Parafraseando Eduardo Mendonça (2009, p. 228), interessa saber se a opção por uma

democracia constitucional realmente exige que se defira a agentes não-eleitos a competência

para dar a última palavra sobre a definição do conteúdo das normas constitucionais,

notadamente as caracterizadas por uma textura aberta como as normas principiológicas.

De um lado, poder-se-ia afirmar que a jurisdição constitucional é fundamental para

democracia, na medida em que constitui um efetivo instrumento para assegurar o

cumprimento das normas constitucionais pelos órgãos e agentes incumbidos do exercício do

poder estatal.

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Desta forma, a inexistência da jurisdição constitucional poderia representar a ausência

de freios para os órgãos de poder, de tal sorte que os direitos e garantias do cidadão estariam

sob as vontades políticas e pessoais dos agentes políticos.

Por outro lado, e como restou assentado nas linhas anteriores, a jurisdição

constitucional pode representar um grave risco à democracia, uma vez que a Corte

Constitucional tem ao seu alcance instrumentos de controle capazes de inviabilizar por

completo a atividade legiferante do parlamento – órgão de representação popular por

excelência -, em decorrência da dimensão criativa da jurisdição constitucional e da

textualização aberta dos princípios e valores consubstanciados no texto constitucional.

Como forma de aguçar o debate em questão, urge salientar o exemplo de países como

o Reino Unido e Holanda, que não adotam o sistema de controle de constitucionalidade e

possuem indiscutível caráter democrático (GRIMM: 2006, p. 9).

À luz do acima exposto, impende destacar que a resposta à indagação acima não deve

ser formulada em abstrato, sem levar em consideração as peculiaridades de cada Estado.

Destarte, a escolha entre a instituição (ou não) da jurisdição constitucional deve passar pela

análise das características, notadamente culturais, da sociedade e do regime político vigente

no Estado, sopesando-se as vantagens e desvantagens (argumentos favoráveis e contrários)

acima indicadas.

Ademais, a instituição da jurisdição constitucional não garante necessariamente a

existência de democracia como sistema político, tendo em vista a possibilidade – tão

visualizada na realidade brasileira – de uma aproximação entre os Juízes Constitucionais e os

órgãos políticos de Poder, acarretando uma falta de vontade dos primeiros em declarar a

nulidade dos atos inconstitucionais práticos pelos últimos.

Importa anotar, com lastro no acima exposto, que a implementação (ou não) da

jurisdição constitucional irá depender de análise criteriosa acerca da realidade política e social

do País.

Desta forma, tomando-se por base a realidade brasileira, forçoso concluir que a

jurisdição constitucional tem se mostrado instrumento imprescindível ao desenvolvimento do

Estado Democrático de Direito, sobretudo diante da crise de representação popular que

vivemos, sem prejuízo dos escândalos anunciados pela mídia com relação a desvio de verbas

e compra de políticos.

Diante deste quadro, a jurisdição constitucional se faz necessária como forma de

impor aos agentes políticos e aos particulares em geral (eficácia horizontal dos direitos

fundamentais) o respeito aos direitos, princípios e valores constitucionais, evidenciando a

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proteção dos cidadãos em face das potenciais arbitrariedades do Poder Público, objetivo maior

de um Estado intitulado de Democrático de Direito.

Firmadas as premissas teóricas acerca da jurisdição constitucional, passa-se ao estudo

do controle de constitucionalidade no Brasil. Ressalte-se, contudo, que, em razão da

finalidade deste trabalho, a abordagem do sistema brasileiro de controle de

constitucionalidade limitar-se-á aos aspectos gerais do instituto, sem pretensão de

esgotamento.

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30

CAPÍTULO 2 – O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO B RASIL

2.1 Aspectos gerais do controle de constitucionalidade

Em linhas iniciais, cumpre observar que o Estado Democrático de Direito assenta as

suas raízes em dois pilares fundamentais, quais sejam, as ideias relacionadas à força

normativa das normas constitucionais e a supremacia do texto constitucional no ordenamento

jurídico.

No entanto, conforme restou demonstrado no capítulo anterior, a simples afirmação da

supremacia da constituição não se mostra suficiente para garantir o estado de primazia do

texto constitucional no sistema jurídico positivado. Faz-se necessário, portanto, a construção

de um aporte institucional capaz de assegurar e fazer valer a supremacia da Constituição

diante das leis e demais atos que se revelem contrários aos valores e preceitos constantes da

Lei Maior.

Em momento histórico anterior, Hans Kelsen já sustentava a ineficiência da só

instituição de uma sanção aos órgãos e agentes políticos responsáveis pela edição do ato

inconstitucional, porquanto este não seria expungido do ordenamento jurídico. (MENDES:

2009, 1053).

É exatamente nesse contexto que vem à baila a definição do controle de

constitucionalidade, instrumento através do qual o órgão estatal encarregado da guarda da

Constituição irá aferir a compatibilidade formal e material dos pronunciamentos

infraconstitucionais em face do texto constitucional.

Nesse sentido, expõe Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 257):

Do ponto de vista prático, o controle de constitucionalidade ocorre assim: quando houver dúvida se uma norma encontra entra em conflito com a Constituição, o órgão ou órgãos competentes para o controle de constitucionalidade, quando provocados, realizam uma operação de confronto entre as normas antagônicas, de modo que, constatada a inequívoca lesão a preceito constitucional, a norma violadora é declarada inconstitucional e tem retirada, em regra retroativamente, a sua eficácia, deixando de irradiar efeitos, quer para o caso concreto (no controle concreto), quer para todos ou “erga omnes” (no controle abstrato).

Da leitura do trecho doutrinário acima transcrito, conclui-se que o controle de

constitucionalidade pressupõe a existência de uma Constituição rígida e suprema, ensejando

uma relação de hierarquia entre as normas constitucionais e os preceitos infraconstitucionais.

A esse propósito, impende destacar que a Constituição rígida caracteriza-se por

instituir um processo mais dificultoso de alteração de suas normas do que aquele utilizado

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para a elaboração e modificação das leis infraconstitucionais. Por outro lado, inobstante a

afirmação anterior, convém salientar que as Constituições flexíveis – cujo processo de

reforma é o mesmo para a elaboração das demais leis – não estão totalmente alheias ao

controle de constitucionalidade, podendo instituí-lo para a fiscalização do vício de

inconstitucionalidade formal.

Por fim, objetivando a demonstração sumária da evolução do controle de

constitucionalidade no Brasil, eis o seguinte trecho colhido da obra de Gilmar Ferreira

Mendes (2009, p. 1111):

Consagrou-se com o advento da República o modelo difuso do controle de constitucionalidade. Em 1934 introduziu-se a ação direta, como procedimento preliminar do processo de intervenção (CF/34, art. 12). Em 1946, consolidou-se o desenvolvimento da representação para efeitos de intervenção, contra lei ou ato normativo estadual (CF/46, art. 8º, parágrafo único). E, somente em 1965, com a adoção da representação de inconstitucionalidade, passou a integrar nosso sistema o controle abstrato de normas (Emenda n. 16/65 à Constituição de 1946). No âmbito da unidade federada, a Constituição de 1967/69, além de propor a representação interventiva em face do direito estadual (art. 11, § 1º, c), estabeleceu a representação de lei municipal, pelo chefe do Ministério Público local, tendo em vista a intervenção estadual (art. 15, § 3º, d). Finalmente, a Emenda n. 7, de 1977, outorgou ao Supremo Tribunal Federal a competência para apreciar representação do Procurador-Geral da República para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual, completando, assim, o conjunto normativo do controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro.

Fixados os aspectos gerais do controle de constitucionalidade, conclui-se que o

referido instituto jurídico-constitucional consubstancia importante mecanismo de fiscalização

da compatibilidade das leis e atos do Poder Público em face dos valores e preceitos

constitucionais, de modo a expungir do ordenamento jurídico pátrio os comportamentos

estatais eivados de vício de inconstitucionalidade. Em face da importância do tema, passemos

à análise das classificações das espécies de inconstitucionalidade.

2.2 Classificações das espécies de inconstitucionalidade

2.2.1 Inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material

A diferenciação entre inconstitucionalidade formal e material baseia-se na origem do

vício gerador da incompatibilidade constitucional. Fala-se em inconstitucionalidade formal

quando a lei ou ato do Poder Público contraria a forma, o procedimento estabelecido pelo

Constituinte a sua formação.

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Por outro lado, a inconstitucionalidade material decorre da incompatibilidade

substancial do objeto fiscalizado em face da moldura constitucional. Está-se diante, portanto,

de violação aos valores previstos no Texto Maior.

Mas não é só. Ademais disso, cumpre fiscalizar o desvio de poder e o excesso no

exercício do poder constitucional de legislar. Trata-se, nas palavras de Gilmar Ferreira

Mendes, de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de

constatar a observância do princípio da proporcionalidade (2009, p. 1064).

A esse respeito, impende destacar que a inconstitucionalidade por excesso de poder

legislativo deve ser objeto de criteriosa análise, sob pena de ferir-se de morte o princípio da

separação dos poderes. Saliente-se, por oportuno, que a espécie de inconstitucionalidade não

representa instrumento de invasão na liberdade de conformação do legislador.

Como cediço, ao mesmo tempo em que outorgou ao parlamento o poder-dever de

conformação das complexidades inerentes às relações sociais, o constituinte fixou o âmbito

dentro do qual tal atividade legislativa se revela legítima. Assim, atuando o Parlamento além

dos limites constitucionalmente firmados, estará o corresponde ato normativo inquinado de

inconstitucionalidade por excesso no exercício do dever constitucional de legislar.

Sobre o tema, eis a lição de Gilmar Ferreira Mendes (2009, p. 1064):

O conceito de discricionariedade no âmbito da legislação traduz, a um só tempo, idéia de liberdade e de limitação. Reconhece-se ao legislador o poder de conformação dentro de limites estabelecidos pela Constituição. E, dentro desses limites, diferentes condutas podem ser consideradas legitimas. Veda-se, porém, o excesso de poder, em qualquer de suas formas.

2.2.2 Inconstitucionalidade por ação e por omissão

A inconstitucionalidade por ação é verificada quando da análise da compatibilidade

das condutas estatais positivas em face dos preceitos e valores constitucionais. Coteja-se,

portanto, o ato infraconstitucional com o paradigma constitucional.

Ilustrativamente, veja-se o escólio de Gilmar Ferreira Mendes (2009, p. 1075):

Se do afazer legislativo resulta uma norma contrária ou incongruente com o texto constitucional, seja no plano da regularidade do processo legislativo, seja no plano do direito material regulado, o ordenamento jurídico oferece mecanismo de proteção à regularidade e estabilidade da constituição.

Por seu turno, configura-se a inconstitucionalidade por omissão quando os agentes

estatais inobservam, por manterem-se inertes, um dever constitucional de agir.

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Preliminarmente, deve-se observar que a discussão acerca da possibilidade de decretação da

inconstitucionalidade por omissão é relativamente recente na dogmática jurídica pátria.

Em linhas gerais, observa-se que a ideia de inconstitucionalidade por omissão

legislativa era veementemente rechaçada durante a evolução constitucional, em razão da

antiga concepção da irrestrita liberdade legiferante, bem como do pensamento de que o

legislador sempre atuava no interesse da coletividade (MENDES: 2009, 1077). Trata-se,

consoante se demonstrará nas linhas seguintes, de entendimento ultrapassado, não

consentâneo com a hodierna doutrina e jurisprudência pátrias.

Para a solução do vício de inconstitucionalidade por omissão, o ordenamento

constitucional consagrou a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, no âmbito do

controle concentrado e abstrato, e o mandado de injunção, no panorama do controle difuso e

incidental.

Feitas as observações acerca das espécies de inconstitucionalidade acima descritas,

cumpre analisar o tema pertinente aos modelos de controle judicial de constitucionalidade.

2.3 Modelos de controle judicial de constitucionalidade

2.3.1 Modelo americano – controle difuso

O modelo de controle difuso de constitucionalidade tem o seu nascedouro no célebre

julgado da Suprema Corte Norte-Americana, proferido no caso William Marbury vs James

Madison, de 1803. Em razão da fundamentalidade do referido decisum para o

desenvolvimento do controle judicial de constitucionalidade, urge atentar-se para a análise

dos seus elementos fáticos.

Com esse desiderato, observar-se-á a narrativa elaborada por Raul Machado Horta,

citado por Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 267). John Adams, então presidente dos EUA,

nos últimos instantes de seu mandato presidencial, efetivou a nomeação de algumas pessoas

para o cargo de juiz de paz. O secretário competente, John Marshall, não providenciou o

expediente necessário para que as referidas pessoas fossem devidamente empossadas. Após a

sucessão presidencial, Thomas Jefferson determinou a realização da posse de apenas 25

membros, ensejando a exclusão dos demais, dentre os quais se encontrava William Marbury e

mais alguns companheiros.

Diante de tal circunstância, William Marbury impetrou writ of mandamus junto à

Suprema Corte Norte-americana, lastreando-se no art. 13 da Lei de 1789, a qual conferia

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competência originária ao referido Tribunal Constitucional para o julgamento da matéria, em

nítida dissonância com o disposto no artigo III, seção II, do texto constitucional, que lhe

atribuía apenas competência em grau de recurso.

Debruçando-se sobre os elementos fático-jurídicos acima descritos – e imbuído pelas

pressões políticas que circundam o caso –, o Chief Justice John Marshall declarou a

inconstitucionalidade do aludido dispositivo infraconstitucional (art. 13 da Lei de 1789), em

razão da violação à Constituição, e, por conseguinte, reconheceu a incompetência originária

da Suprema Corte Norte-americana para o julgamento da demanda.

Com as atenções voltadas ao decisum em tela, verifica-se que o caso Marbury vs

Madison serviu de paradigma para reconhecer a competência dos juízes para, na qualidade de

intérpretes legais por excelência, negar aplicação a preceitos normativos sob o fundamento de

considerá-los contrários ao texto constitucional. Trata-se, em essência, das raízes do modelo

de controle difuso de constitucionalidade.

O tema pertinente ao controle difuso será aprofundado em epígrafe própria, nas linhas

seguintes do presente trabalho.

2.3.2 Modelo austríaco ou europeu – controle concentrado

O modelo concentrado, de influência kelseniana, como a própria nomenclatura permite

vislumbrar, caracteriza-se por concentrar a realização do controle de constitucionalidade em

um órgão jurisdicional específico, ordinariamente uma Corte Constitucional.

Assim, e com as atenções voltadas ao ordenamento jurídico brasileiro, diversamente

do controle difuso – realizado por qualquer juiz ou tribunal – a competência para o exercício

do controle concentrado é deferida exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal. Para tal, os

legitimados expressamente definidos no texto constitucional deverão provocar a jurisdição do

Pretório Excelso por meio de Ação Constitucionais específicas (intituladas de Ações Diretas),

consoante adiante se demonstrará.

A propósito do tema, observa Gilmar Ferreira Mendes que o modelo concentrado de

controle admite organizações variadas, de tal sorte que as cortes constitucionais podem ser

compostas por membros vitalícios ou por membros detentores de mandatos, em geral com

prazo bastante alargado (2009, p. 1057).

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2.3.3 Modelo brasileiro – controle misto

O ordenamento jurídico pátrio adotou o modelo de controle de constitucionalidade

misto, formado por elementos do controle concentrado e elementos do controle difuso.

No entanto, imperioso salientar que a Constituição Federal de 1988 objetivou

claramente o fortalecimento do controle concentrado, na medida em que ampliou

significativamente os legitimados à propositura das ações de controle abstrato de

constitucionalidade (ADI, ADC e ADPF).

Nesse diapasão, expõe Gilmar Ferreira Mendes (2009, p.1104):

A constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura de ação direta de inconstitucionalidade (art. 103), permitindo que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas.

Após a fixação dos aspectos gerais concernentes aos modelos de controle de

constitucionalidade, cumpre aprofundar o estudo nas suas características peculiares,

analisando o procedimento, a legitimação, os efeitos da decisão e os instrumentos de

provocação. É o que se passa a fazer.

2.4. Controle difuso de constitucionalidade

Também denominado de controle concreto, o sistema difuso de controle de

constitucionalidade foi o primeiro modelo adotado no Brasil. A propósito, cumpre observar o

inteiro teor do art. 59, § 1º, alíneas a e b, da Constituição de 1891, peremptória no sentido de

afirmar:

Art. 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: § 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.

Lastreando-se nas circunstâncias do contexto histórico mencionado no parágrafo

anterior, afirmava Rui Barbosa, citado por Gilmar Mendes (2009, p. 1113), que a

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[...] inconstitucionalidade não se aduz como alvo da ação, mas apenas como subsídio à justificação do direito, cuja reivindicação se discute, uma vez que o remédio judicial contra os atos inconstitucionais, ou ilegais, da autoridade política não se deve pleitear por ação direta ou principal.

No entanto, tal concepção encontra-se superada, não havendo que se falar em

necessidade de um processo judicial individual e concreto para a discussão da

constitucionalidade das leis e demais atos normativos, a qual pode ser plenamente viabilizada

mediante as ações diretas e abstratas.

O controle difuso de constitucionalidade é realizado por qualquer juízo ou tribunal, no

exame de um caso concreto posto à apreciação do órgão jurisdicional, de maneira incidental,

não se exigindo que as partes litigantes suscitem a inconstitucionalidade do ato normativo

potencialmente aplicável ao caso concreto.

Diz-se, portanto, que o controle difuso é incidental, uma vez que a questão referente à

constitucionalidade do ato normativo em tese aplicável é solucionada de maneira incidente –

questão prejudicial, sem se descuidar do objeto central do processo, qual seja, a relação

jurídica de direito material que entrelaça autor e réu.

Dito de outro modo, e perfilhando o entendimento de Alfredo Buzaid, citado por

Gilmar Mendes (2009, p. 1115), a questão da constitucionalidade, no âmbito do controle

difuso, constitui um “antecedente lógico e necessário à declaração judicial que há de versar

sobre a existência ou inexistência de relação jurídica”.

Na medida em que os juízes e tribunais se debruçam sobre a questão constitucional de

maneira incidental, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 52, X, exige a edição de

resolução por parte do Senado Federal para que seja suspensa, com eficácia erga omnes, a

execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal nessa via de

análise.

Atente-se, ademais, para a exigência insculpida no art. 97 da Constituição, a chamada

cláusula de reserva de plenário. Em razão da referida cláusula, os Tribunais só poderão

pronunciar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público pelo voto da

maioria absoluta de seus membros.

Tal como restou assentado quando do julgamento do Recurso Extraordinário 190.728,

importa destacar que a cláusula de reserva de plenário poderá ser inobservada nos casos em

que o Supremo Tribunal Federal tenha se pronunciado acerca da constitucionalidade do ato

normativo discutido.

A razão de tal posicionamento jurisprudencial do pretório excelso não demanda

maiores esforços intelectuais: tendo-se em conta, de um lado, que a cláusula inscrita no art. 97

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da Carta Maior visa proteger a presunção de constitucionalidade das leis e demais atos

normativos do poder público; observando-se, de outra banda, que o pronunciamento da

inconstitucionalidade pelo STF, ainda que incidentalmente, elide a decantada presunção, resta

esvaziado o pressuposto para a incidência da cláusula de reserva de plenário.

Aproxima-se, portanto, os efeitos das decisões proferidas no âmbito do controle

incidental aos efeitos dos pronunciamentos judiciais proferidos em sede de controle abstrato

de constitucionalidade.

No mesmo norte de interpretação, eis as palavras de Gilmar Ferreira Mendes (2009, p.

1121):

Tal posição sinaliza com (ainda que tímida) a equiparação entre efeitos da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle incidental com os efeitos da declaração em controle concentrado. Decide-se autonomamente com fundamento na declaração de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade) do Supremo Tribunal Federal proferida incidenter tantum.

Posta a questão nos termos acima expendidos, conclui-se que o Constituinte de 1988,

seguido pela hodierna doutrina e jurisprudência pátrias, operou a ampliação do sistema

concentrado de controle de constitucionalidade, de tal sorte que a quase totalidade das

controvérsias constitucionais podem ser submetidas à apreciação do Supremo Tribunal

Federal mediante controle abstrato de constitucionalidade.

Conforme se demonstrará no tópico subsequente, este modelo de controle tem as notas

da celeridade e efetividade, uma vez que as decisões judiciais proferidas em seu âmbito têm

eficácia erga omnes e efeito vinculante com relação aos demais órgãos do Poder Público

(observando-se a possibilidade de modulação desses efeitos), além de contar com a

possibilidade de decretação cautelar da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo objeto

de fiscalização.

2.5. Instrumentos de provocação do controle abstrato de constitucionalidade

Pode-se afirmar, com lastro nas lições do constitucionalista Dirley da Cunha Júnior

(2008, p. 317), que o exercício da jurisdição constitucional por meio do controle abstrato de

constitucionalidade remonta à Constituição de 1934, no âmbito da qual visualizava-se o

instituto da representação interventiva, exercida com exclusividade pelo Procurador-Geral da

República na eventualidade de violação aos intitulados princípios constitucionais sensíveis.

Não obstante o seu nascedouro na Carta Política de 1934, convém salientar que a

Constituição Cidadã de 1988 ampliou significativamente o sistema de fiscalização abstrata de

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constitucionalidade, tendo em vista a instituição de novas ações diretas e a extensão dos

agentes, órgãos e entidades legitimados a provocar a movimentação do aparato jurisdicional

no sentido de efetuar a sindicabilidade entre as leis e demais atos normativos em face da

Constituição Federal.

Fixadas as considerações gerais, cumpre analisar os instrumentos de provocação do

controle abstrato de constitucionalidade.

2.5.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI

2.5.1.1 Considerações gerais

Em consonância com o disposto no art. 102, I, a, da Constituição Federal de 1988,

compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, originariamente, a ação direta de

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.

À vista do acima exposto, verifica-se que a ação direta de inconstitucionalidade – ADI

– se destina a proteger genericamente as normas constitucionais em face de eventuais

violações levadas a cabo por lei ou ato normativo federal ou estadual. Diz-se que a referida

proteção é genérica por não envolver a resolução de casos concretos, não objetivar a solução

de conflitos de interesses. Pretende-se, portanto, fiscalizar e controlar a constitucionalidade de

lei ou ato normativo em tese, em abstrato.

No dizer de Dirley da Cunha Júnior (2008, p 334):

Não há lide, nem partes confrontantes. Por meio dela não se compõem conflitos de interesses. O seu fim é resolver a suposta incompatibilidade vertical entre uma lei ou ato normativo e uma norma da Constituição, sempre em benefício da supremacia constitucional. [...] se inicia um processo objetivo destinado a eliminar do sistema jurídica a lei ou ato normativo impugnado que contraria uma norma constitucional.

Observa-se, portanto, que a ação direta de inconstitucionalidade constitui instrumento

processual idôneo a expurgar do ordenamento jurídico pátrio as leis ou atos normativos

federais ou estaduais que eventualmente violem o ordenamento constitucional.

2.5.1.2 Legitimidade

Por se tratar de instrumento que enseja a instituição de processo objetivo –

caracterizado pela ausência de lide e/ou interesses subjetivos, a ação direta de

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inconstitucionalidade só poderá ser proposta pelas autoridades, órgãos e entidades previstos

expressamente no art. 102 da CF/88.

Saliente-se, por oportuno, que o Constituinte de 1988 quebrou o monopólio de

propositura da ação direta de inconstitucionalidade anteriormente deferido ao Procurador-

Geral da República. Nesse diapasão, dispõe o art. 103 da Constituição Cidadã que podem

propor ADI: a) Presidente da República; b) a Mesa do Senado Federal; c) a Mesa da Câmara

dos Deputados; d) a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito

Federal; e) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; f) o Procurador-Geral da

República; g) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; h) partido político com

representação no congresso nacional (comprovada no ato da propositura da ação,

independentemente da perda superveniente da representação parlamentar); i) confederação

sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Ainda em decorrência do caráter objetivo do processo em questão, cumpre destacar

que os legitimados descritos no parágrafo anterior não são considerados partes no sentido

processual do termo (aquele que pretende obter tutela jurisdicional acerca de interesse

material), porquanto a ação direta de inconstitucionalidade não se destina, repita-se, a pôr

termo a conflitos de interesses in concreto.

De outra banda, não obstante o art. 103, § 3º, do Texto Maior, prescrever a

necessidade de citação do Advogado-Geral da União para a defesa da lei ou ato impugnado,

impende destacar que a referida autoridade não compõe o polo passivo do processo na

qualidade de Réu. O Advogado-Geral da União funciona, no âmbito das ações diretas de

inconstitucionalidade, como curador da presunção de constitucionalidade da lei.

A esse propósito, cabe ressaltar que a incumbência atribuída ao Advogado-Geral da

União deve ser interpretada com reservas, uma vez que o Supremo Tribunal Federal já fixou o

entendimento no sentido de que o Advogado-Geral da União não está obrigado a defender

tese jurídica se sobre ela o Pretório Excelso já houver fixado entendimento pela sua

inconstitucionalidade (ADIN 1.616-PE, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ 24/08/01).

Com as atenções voltadas aos legitimados descritos no art. 103 da Constituição

Federal, convém observar que a doutrina constitucionalista e o Supremo Tribunal Federal

apresentam distinção entre os legitimados universais e os legitimados não universais ou

especiais, reservando aos últimos a necessidade de preenchimento do requisito intitulado de

pertinência temática, correspondente à demonstração do interesse de agir (CUNHA JÚNIOR:

2008. p. 336/337).

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Destarte, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, a Mesa da Assembleia

Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, a Confederação Sindical e a

entidade de classe de âmbito nacional – legitimados não universais ou especiais – deverão

demonstrar a existência de relação entre a lei ou ato normativo impugnado e as suas

finalidades institucionais. A título exemplificativo, o Governador de Estado ou do Distrito

Federal deve comprovar que o ato normativo impugnado atinge direta ou indiretamente a

coletividade do ente federativo que representa, como forma de suprir a exigência referente à

pertinência temática.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal também distingue entre os legitimados com

capacidade postulatória e os legitimados sem capacidade postulatória. N’outro dizer, para o

STF a capacidade postulatória é inerente à legitimidade conferida ao Presidente da República,

às Mesas da Câmara, do Senado, das assembleias legislativas e da câmara legislativa do

distrito federal, ao Procurador-Geral da República e ao Conselho Federal da OAB.

Finalmente, cabe afirmar que os partidos políticos com representação no congresso

nacional, as confederações sindicais e as entidades de classe de âmbito nacional carecem de

capacidade postulatória, razão pela qual devem ser devidamente representadas por advogado,

mediante instrumento de mandato com poderes específicos para impugnar a lei ou ato

normativo estadual ou federal (CUNHA JÚNIOR: 2008, p. 339).

2.5.1.3 Competência

Diversamente do que se constata no panorama do controle difuso/incidental, em que

todos os juízes e órgãos jurisdicionais exercem a fiscalização da constitucionalidade das leis e

atos normativos, o controle abstrato e concentrado de constitucionalidade é exercido por um

único tribunal.

Destarte, em decorrência do modelo de organização política adotado pelo Constituinte

de 1988, incumbe ao Supremo Tribunal Federal exercer o controle abstrato de

constitucionalidade em sede federal, processando e julgando as ações diretas de

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual em face da Constituição

Federal, cabendo aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal o

desenvolvimento do referido controle em âmbito estadual, processando e julgando as ações

diretas de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e municipais em face

das Constituições Estaduais.

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Da análise do parágrafo anterior, conclui-se facilmente que as leis e atos normativos

estaduais poderão ser objeto de controle perante o Supremo Tribunal Federal, bem como os

Tribunais de Justiça Estaduais e do Distrito Federal. Quando os referidos atos normativos

forem fiscalizados em face da Constituição Estadual, caberão aos Tribunais de Justiça o

processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade. De outro lado, quando o

parâmetro de constitucionalidade for a Constituição Federal, competirá ao Pretório Excelso a

sindicabilidade do ato normativo supostamente violador da ordem constitucional.

Por fim, cumpre analisar a questão referente ao controle de leis ou atos normativos

estaduais, via ação direta, em face de normas constitucionais estaduais que constituem

reprodução de norma constitucional federal. Para a solução do tema, cabe utilizar-se a

classificação proposta por Raul Machado Horta, citado por Dirley da Cunha Júnior (2008, p.

341), entre “normas de reprodução” e “normas de imitação”.

Para o citado autor, as “normas de reprodução” são aquelas de observância obrigatória

pelos Estados-membros, “independentemente de sua previsão ou não na Constituição

Estadual”, a exemplo dos princípios constitucionais sensíveis insculpidos no art. 34, VII, da

Constituição Federal. Por seu turno, as “normas de imitação” são aquelas de observância

facultativa pelos Estados-membros, cuja reprodução nas Constituições Estaduais decorre da

autonomia política destes entes federativos.

Diante da distinção acima apontada, impende destacar que o Supremo Tribunal

Federal assentou entendimento no sentido de que o controle das leis e atos normativos

estaduais em face da Constituição Estadual deverá ser realizado perante os Tribunais de

Justiça; no entanto, quando se estiver diante de “normas de reprodução”, as decisões

emanadas dos Tribunais de Justiça desafiarão Recurso Extraordinário, no âmbito do qual o

Pretório Excelso proferirá decisão com eficácia erga omnes, não obstante se tratar se espécie

recursal manejada ordinariamente no âmbito do controle difuso de constitucionalidade.

Observe-se, em arremate, que o mesmo raciocínio deverá ser adotado quando se

estiver diante de ação direta de inconstitucionalidade processada e julgada por Tribunais de

Justiça, tendo por objeto lei ou ato normativo municipal contestado em face de norma

constitucional estadual de reprodução obrigatória – “normas de reprodução”.

2.5.1.4 Objeto

Consoante dispõe o art. 102, I, a, da Constituição Federal, a ação direta de

inconstitucionalidade tem por objeto as leis e atos normativos federais e estaduais. A despeito

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de o mencionado dispositivo constitucional não distinguir entre a natureza das leis que serão

objeto de controle abstrato via ADIN, convém salientar o posicionamento do Supremo

Tribunal Federal no sentido de restringir o objeto desta ação direta apenas às leis de caráter

genérico, excluindo, por conseguinte, de seu âmbito as leis de efeitos concretos (a exemplo da

lei que declara a utilidade pública de determinado imóvel para fins de desapropriação).

No entanto, convém salientar, a título de exceção ao que fora afirmado no parágrafo

anterior, que as leis orçamentárias, inobstante não ostentarem as características da

generalidade e abstração, também poderão ser objeto de controle por meio da ação direta de

inconstitucionalidade.

A esse propósito, cumpre dissentir da tese assentada pelo Supremo Tribunal Federal,

uma vez que o legislador constituinte não efetivou qualquer distinção quanto ao caráter das

leis que serão objeto das ações diretas de inconstitucionalidade.

Endossa-se, sem restrições, a seguinte afirmação de Dirley da Cunha Júnior,

acompanhada por Gilmar Ferreira Mendes (CUNHA JÚNIOR: 2008, p. 345):

De feito, dispõe o art. 102, I, a, da Constituição Federal, que a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade serão propostas contra “lei” ou “ato normativo”. Não há aí – e isso salta aos olhos – qualquer referência à lei de efeitos abstratos. Logo, por um conhecido princípio de hermenêutica, não cabe ao intérprete distinguir onde o legislador (e constituinte!) não distinguiu e tampouco autorizou a distinção.

Ademais, cabe observar que as leis e atos normativos federais e estaduais que

constituem o objeto da ação direta de inconstitucionalidade precisam ser promulgados e

publicados para que a fiscalização abstrata seja validamente instaurada.

Por outro lado, deve-se observar que apenas as leis e atos normativos editados após a

Constituição Federal de 1988 (parâmetro de constitucionalidade) serão objeto de controle pela

via da ADIN, uma vez que o Supremo Tribunal Federal não admite a fiscalização abstrata –

por meio da ação direta – do direito pré-constitucional. Conforme se verá adiante, o direito

pré-constitucional poderá ter a sua constitucionalidade fiscalizada in abstrato mediante a

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF.

Posta a questão nesses termos, conclui-se que as leis (incluindo-se as espécies

normativas previstas no art. 59 da Constituição Federal) e os atos normativos do poder

público federal e estadual constituem o objeto da ação direta de inconstitucionalidade.

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2.5.1.5 Efeitos da decisão

O processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade devem obedecer ao

procedimento estabelecido pela Lei 9.868/99.

Destarte, após o trâmite processual em conformidade com o referido diploma

legislativo, convém destacar que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal tem

eficácia erga omnes e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do poder judiciário e à

Administração Pública Federal, Estadual e Municipal.

A respeito do tema, dispõe o art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868/99:

Art. 28, Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Em que pese tratar-se de dispositivo infraconstitucional, cumpre destacar que a

Emenda Constitucional 45/2004 ratificou a natureza e efeito das decisões definitivas do

Supremo Tribunal Federal em sede de ação direta de inconstitucionalidade, prescrevendo

expressamente:

CF - Art. 102, § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

À luz dos dispositivos legal e infraconstitucional acima transcritos, cabe atentar-se que

o efeito vinculante das decisões proferidas pelo STF em sede de ADIN limita-se aos demais

órgãos do poder judiciário e à administração pública direta e indireta em níveis federal,

estadual e municipal, não alcançando, por conseguinte, o Poder Legislativo. Assim sendo, o

órgão legiferante poderá, em homenagem ao princípio da separação dos poderes, editar

novamente o ato normativo declarado inconstitucional.

Ressalte-se, por oportuno, que é nesta temática (efeitos da decisão) que reside o tema

central do presente trabalho, qual seja, a possibilidade de atribuição de efeitos vinculantes aos

motivos determinantes das decisões do Supremo Tribunal Federal no panorama do controle

abstrato de constitucionalidade.

Em face da finalidade expositiva do presente tópico, afigura-se pertinente afirmar que,

não obstante a regra geral aponte para a atribuição de efeitos vinculantes apenas ao

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dispositivo das decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade, o Supremo

Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, já adotou a teoria da transcendência dos

motivos determinantes (CUNHA JÚNIOR: 2008, p. 358), consoante adiante se demonstrará.

Dito de outro modo, o Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento segundo o

qual não apenas a parte dispositiva da decisão terá eficácia vinculante e efeitos erga omnes,

mas também os fundamentos determinantes do julgado. Por questões metodológicas, o tema

ora focalizado será tratado com mais profundidade no capítulo posterior do presente trabalho

monográfico.

Sem prejuízo do acima exposto, cumpre observar que a declaração de

inconstitucionalidade – decorrente da procedência da ação direta de inconstitucionalidade –

produz, ordinariamente, eficácia ex tunc (retroativa), consubstanciando decisão de cunho

declaratório da nulidade da lei ou ato normativo questionado.

Nas palavras de Dirley da Cunha Júnior (2008: p. 361): “Daí sustentar-se,

perfeitamente, que essa decisão produz efeitos ex tunc, retroagindo para fulminar de nulidade

a norma impugnada desde o seu nascedouro, ferindo-a de morte no próprio berço”.

Urge salientar, como decorrência da eficácia retroativa (declaração de nulidade

absoluta da lei ou ato normativo), o efeito repristinatório da declaração de

inconstitucionalidade, ou seja, o efeito de tornar vigente o diploma legislativo revogado pela

lei declarada inconstitucional. Trata-se de efeito previsto expressamente para a medida

liminar concedida em sede de ADIN, tal como disposto no art. 11, § 2º, da Lei 9.868/99,

peremptório no sentido de afirmar: “a concessão da medida cautelar torna aplicável a

legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário”.

Em que pese a regra geral da nulidade absoluta com eficácia retroativa da decisão

declaratória de inconstitucionalidade, convém ressaltar a possibilidade de modulação dos

efeitos das decisões proferidas em sede de ADIN. Sobre o tema, atente-se para o inteiro teor

do art. 27 da Lei 9.868/99:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Com lastro no dispositivo acima transcrito, poderá o Supremo Tribunal Federal, tendo

em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, modular os efeitos

da declaração de inconstitucionalidade, restringindo os efeitos desta declaração para

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situações determinadas ou decidindo que ela não terá eficácia retroativa (ex nunc) ou incidirá

pro futuro (outro momento que venha a ser fixado).

Para finalizar a presente epígrafe, cumpre analisar os institutos da interpretação

conforme a constituição, da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de

texto e da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Consubstanciam

técnicas utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal para a decisão proferida no âmbito do

controle abstrato de constitucionalidade.

Diante de possíveis interpretações a serem atribuídas à lei ou ato normativo

questionado – em razão da própria natureza da atividade exegética – o Supremo Tribunal

Federal adotará aquela que esteja em conformidade com a Constituição. Nesse caso, arremata

Dirley da Cunha Júnior, a ação direta de inconstitucionalidade será julgada parcialmente

procedente, para declarar inconstitucionais os sentidos admissíveis da norma que não o único

compatível com a Carta Magna (2008, p. 364).

De outra banda, por intermédio da declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto, o Supremo Tribunal Federal procederá com a exclusão de determinadas

hipóteses da incidência legal. Assim, diversamente do que se verifica na técnica da

interpretação conforme – a qual preconiza a exclusão de determinadas interpretações por

considerá-las contrárias a Constituição –, a declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto tem por objeto a exclusão de hipóteses fático-jurídicas da incidência da lei

ou ato normativo questionado. É o caso, por exemplo, da declaração de inconstitucionalidade

da cobrança de tributo que não obedeça ao princípio da anterioridade. Nesta hipótese, a Corte

Constitucional poderá adotar a técnica de decisão em exame e fixar entendimento no sentido

de autorizar a referida cobrança no exercício financeiro seguinte, sem expungir do

ordenamento jurídico o diploma normativo fiscalizado.

Finalmente, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade é

utilizada ordinariamente no âmbito do controle das omissões do Poder Público. Nas palavras

de Gilmar Ferreira Mendes (2009, p. 1312),

A Constituição de 1988 abriu a possibilidade para o desenvolvimento sistemático de uma declaração de inconstitucionalidade com limitação de efeitos (sem a pronúncia da nulidade), na medida em que atribuiu particular significado ao controle de constitucionalidade da chamada omissão do legislador.

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2.5.2 Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC

2.5.2.1 Considerações gerais

A ação declaratória de constitucionalidade fora instituída no ordenamento jurídico

pátrio por meio da Emenda Constitucional 3/1993, tendo por objeto a declaração da

constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, cuja legitimidade cabia, nos termos da

redação originária da referida emenda, apenas ao Presidente da República, a Mesa da Câmara,

a Mesa do Senado Federal e ao Procurador-Geral da República (MENDES: 2009, 1105).

Trata-se, portanto, de ação de controle abstrato destinada a sanar eventuais

controvérsias judiciais acerca da constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo

federal.

Por essa razão, exige-se, para a propositura da ação declaratória de

constitucionalidade, a demonstração da existência de controvérsia judicial relevante sobre a

aplicação da disposição objeto desta ação, em obediência ao disposto no art. 14, III, da Lei

9.868/99. Buscou o legislador eliminar o estado de insegurança jurídica decorrente da

existência de controvérsia acerca da constitucionalidade das leis e atos normativos.

Nesse diapasão, torna-se necessário demonstrar a existência de dúvida acerca da

constitucionalidade da lei ou ato normativo questionado, o que poderá ser realizado mediante

a demonstração de pronunciamentos judiciais contraditórios, no seio dos tribunais espalhados

nos estados da federação, sobre a compatibilidade constitucional da disposição objeto da Ação

Declaratória de Constitucionalidade.

2.5.2.2 Legitimidade e Competência

Objetivando evitar repetições despiciendas, cumpre salientar que a argumentação

desenvolvida na epígrafe destinada à análise dos legitimados a propositura da ADI deverá ser

observada no panorama da ação declaratória de constitucionalidade.

Deve ser destacado, ante a divergência em relação a ADI, que o Advogado-Geral da

União não deverá ser citado no âmbito da ADC, uma vez que não há alegação de

inconstitucionalidade de dispositivo normativo.

Destarte, podem propor ação declaratória de constitucionalidade, após o reforma

operada com o advento da Emenda 45/2004, as autoridades, órgãos e entidades indicados no

art. 103 da Constituição Federal: a) presidência da república; b) mesa do senado federal; c)

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mesa da câmara dos deputados; d) mesa da assembleia legislativa e da câmara legislativa do

distrito federal; e) governador de estado ou do distrito federal; f) conselho federal da OAB; g)

procurador-geral da república; h) confederação nacional e entidade de classe de âmbito

nacional.

Com lastro no art. 102, I, alínea a, da Constituição Federal, verifica-se que cabe ao

Supremo Tribunal Federal processar e julgar a ação declaratória de constitucionalidade de lei

ou ato normativo federal.

A seu turno, os Estados-membros poderão, mediante o processo de emenda às suas

constituições, instituir ação declaratória de constitucionalidade de leis e atos normativos

estadual e municipal, cotejados em face das Cartas Estaduais, cujo processo e julgamento se

dará no âmbito dos Tribunais de Justiça.

Por fim, e com vistas no acima exposto, conclui-se que o objeto da Ação Declaratória

de Constitucionalidade restringe-se às leis ou atos normativos federais, sem prejuízo da

criação do referido controle no âmbito estadual, no qual as leis e atos normativos estadual e

municipal serão fiscalizados.

2.5.2.3 Efeitos da decisão

As ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade têm

natureza dúplice. Em decorrência dessa natureza, tem-se que a procedência de uma equivale à

improcedência de outra.

Explica-se: o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido da procedência

da ADC reflete o entendimento de que a lei ou ato normativo objeto de controle são

constitucionais. Diversamente, na eventualidade de a ADC ser julgada improcedente, será

declarada a inconstitucionalidade de seu objeto.

Finalmente, quanto aos efeitos, cumpre repisar que a decisão proferida no sentido da

procedência da ação declaratória de constitucionalidade tem efeitos ex tunc, ou seja,

retroativo. Por outro lado, a improcedência da ADC tem, em regra, efeitos ex tunc, podendo o

Supremo Tribunal Federal, mediante decisão de dois terços de seus membros, modular os

efeitos da decisão, tal como se observa no panorama da ADI.

Em qualquer caso, saliente-se que a decisão definitiva de mérito tem eficácia erga

omnes e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração

pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, § 2º, CF/88).

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2.5.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADI por omissão

2.5.3.1 Considerações gerais

Em linhas iniciais, cumpre observar que, como a sua própria nomenclatura permite

entrever, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão destina-se ao controle as

omissões estatais que obstaculizam a plena efetividade das normas constitucionais.

Nesse sentido, o legislador constituinte determinou que declarada a

inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será

dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se

tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias (art. 102, § 2º, da Constituição

Federal).

Depreende-se, portanto, que tão inconstitucional quanto às condutas estatais

consubstanciadas em leis e atos normativos que violam os ditames constitucionais, revelam-se

as omissões do Poder Público que descumprem determinações constitucionais específicas,

ensejando um estado de esvaziamento do texto constitucional, o qual não se faz efetivo em

sua plenitude em razão da omissão inconstitucional patrocinada pelo órgão estatal incumbido

de sua efetivação.

Sobre o tema, ensina Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 369):

A finalidade desta ação direta de controle da omissão inconstitucional é, igualmente, a defesa objetiva da Constituição, visando à preservação da integralidade normativo-constitucional. Não se destina, portanto, à defesa de direitos subjetivos, mas à tutela da própria completude do ordenamento constitucional.

Fixadas as considerações gerais, e tencionando uma vez mais evitar repetições

indevidas, passa-se à análise das peculiaridades da ação constitucional ora focalizada.

2.5.3.2 Legitimidade e competência

Tal como se observou no panorama da ação direta de inconstitucionalidade por ação,

os legitimados para a propositura da ADI por omissão encontram-se taxativamente previstos

no art. 103 da Constituição Federa de 1988.

São eles: presidente da república, mesa do senado federal, mesa da câmara dos

deputados, mesa de assembleia legislativa ou da câmara legislativa do distrito federal,

governador de estado ou do distrito federal, procurador-geral da república, conselho federal

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da OAB, partido político com representação no congresso nacional, confederação sindical e

entidade de classe de âmbito nacional.

A respeito dos legitimados ativos, cabe destacar que, em razão de o objeto da ação ora

focalizada consubstanciar uma omissão legislativa inconstitucional, dificilmente os órgãos

legislativos (mesas do senado, da câmara dos deputados, das assembleias legislativas e da

câmara distrital) terão interesse processual na provocação desta espécie de controle.

De outra banda, são legitimados para ocupar o polo passivo da ADI por omissão os

órgãos e autoridades incumbidos da regulamentação apta a efetivar os dispositivos

constitucionais.

No que tange à competência, cumpre observar que o Supremo Tribunal Federal é

responsável pelo processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade destinadas

a sanar omissões que obstaculizam a plena efetividade de normas insertas na Constituição

Federal, cabendo aos Estados-federados – na eventualidade de adotarem esta modalidade de

fiscalização – o controle das omissões que violem as normas constitucionais estaduais.

2.5.3.3 Objeto

Diversamente do que se constatou no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade

por ação, o controle das omissões inconstitucionais via ADI por omissão tem como parâmetro

apenas as normas constitucionais carentes de regulamentação ou de integração material pelo

Poder Público. Assim, o bloco de constitucionalidade para o desenvolvimento da fiscalização

das omissões inconstitucionais resume-se às normas constitucionais de eficácia limitada,

adotando-se a clássica classificação proposta por José Afonso da Silva, bem como às normas

ditas programáticas (CUNHA JÚNIOR: 2008, p 372).

Seu objeto consiste, a toda evidência, nas omissões inconstitucionais (total ou

parcial), ou seja, nas condutas omissivas patrocinadas pelo Poder Público – Legislativo,

Executivo e/ou Judiciário – no sentido de não adotar as medidas necessárias para tornar

plenamente efetivas e eficazes as normas constitucionais não auto executáveis.

Expõe o constitucionalista Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 375):

Em suma, são pressupostos da inconstitucionalidade por omissão: a) que a violação da Constituição decorra do não cumprimento de “certa e determinada” norma constitucional; b) que se trate de norma constitucional não exequível por si mesma (normas constitucionais de eficácia limitada, e c) que, na circunstância concreta da prática legislativa, faltem as medidas necessárias para tornas exequível aquela norma constitucional.

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Saliente-se, por oportuno, que nesta temática (objeto) reside, tal como afirmado por

Dirley da Cunha Júnior, uma importante diferença entre a ADI por ação e a ADI por omissão,

tendo em vista que a primeira tem por objeto apenas os atos normativos primários

(diretamente vinculados ao texto constitucional), ao passo que a segunda objetiva o controle

de todas as medidas necessárias a tornar efetiva norma constitucional (art. 103, § 2º, CF/88),

independentemente do seu caráter, abrangendo, portanto, os atos normativos – primários ou

secundários (decreto, resoluções etc.) - e administrativos (portarias, ordens de serviço), de

efeitos abstratos ou concretos (CUNHA JÚNIOR: 2008, p. 384).

Não obstante isso, urge salientar que o Supremo Tribunal Federal tem entendimento

consolidado no sentido de que apenas as medidas de caráter normativo podem ser objeto da

ADI por omissão, excluindo de seu âmbito de conhecimento, portanto, as medidas de efeitos

concretos.

Ademais, para a configuração da inconstitucionalidade por omissão, se faz necessária

a análise da questão referente ao prazo estabelecido para que a autoridade competente adote a

medida necessária (seja legislativa, política ou administrativa) a tornar exequível a norma

constitucional focalizada.

A esse propósito, cumpre observar que o referido prazo poderá ser estipulado pelo

próprio legislador constituinte. Se assim o fizer, a inconstitucionalidade por omissão restará

caracterizada tão logo se verifique a fluência do prazo indicado no dispositivo constitucional

para a adoção da medida regulamentadora.

Finalmente, diante da inexistência de prazo, deverá o intérprete e aplicador do Direito

valer-se do critério da razoabilidade, analisando detidamente as circunstâncias do caso

concreto para se concluir acerca do decurso (ou não) de tempo razoável para a adoção das

medidas necessárias a tornar eficaz norma constitucional carente de regulamentação ou

concretização.

2.5.3.4 Efeitos da decisão

O processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão também

devem obedecer ao procedimento estabelecido pela Lei 9.868/99, observando, contudo, a

natureza e finalidade específicas desta espécie de controle.

A esse propósito, com as atenções voltadas à natureza e finalidade específicas da ADI

por omissão, cabe destacar a impossibilidade de concessão de medida liminar no panorama

desta espécie de controle de constitucionalidade, uma vez que o provimento final de mérito

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destina-se a comunicar ao órgão estatal acerca da sua mora inconstitucional, ou seja, acerca da

inconstitucionalidade de sua omissão.

Ademais, em razão de a ADI por omissão ter por pano de fundo uma conduta omissiva

do Poder Público, descabe falar em participação do Advogado-Geral da União, tendo em vista

que a atuação deste tem a finalidade de proteger a presunção de constitucionalidade das leis e

atos normativos.

Importa ressalvar a hipótese de ADI por omissão parcial, em que se observa a

existência de lei ou ato normativo que não cumpriram a contento o dever de tornar efetiva a

norma constitucional a que se referem, e cuja constitucionalidade deve ser defendida pelo

Advogado-Geral da União.

Acerca dos efeitos da decisão proferida em sede de ação direta de

inconstitucionalidade por omissão, dispõe o art. 103, § 2º, da Constituição Federal:

“Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma

constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências

necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”.

Da exegese literal e restritiva do dispositivo constitucional retro transcrito, extraem-se

os seguintes efeitos da declaração de inconstitucionalidade das omissões do poder público: a)

comunicação ao Poder competente para a adoção das providências necessárias; b)

condenação do órgão administrativo (quando se tratar de omissão patrocinada por esta

espécie de órgão) para suprir a omissão no prazo de 30 dias.

Vê-se, portanto, que a solução preconizada na alínea b, indicada no parágrafo anterior,

revela-se apta a corrigir a omissão inconstitucional, dando ensejo à plena efetividade das

normas constitucionais. Lamentavelmente, a mesma afirmação não pode ser reiterada no que

tange à solução oferecida pela alínea a, aplicável nas hipóteses de inércia inconstitucional

patrocinada pelo Poder competente, uma vez que este será meramente cientificado para a

adoção das providências necessárias.

Ora, revela-se patente que a simples comunicação ao Poder competente acerca da sua

mora inconstitucional não é capaz de alcançar o desejo do constituinte de dotar as normas

constitucionais de plena eficácia e efetividade, fazendo-as incidir nas complexidades das

relações sociais.

No mesmo sentido, e propondo uma interpretação extensiva e sistemática do art. 103,

§ 2º, da Constituição Federal, expõe Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 389):

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Se assim o é, não podemos nos limitar a interpretar literalmente o que dispõe aquela norma em pauta (art. 103, § 2º, CF/88), pois aceitar, sem mais, que o único efeito da decisão que declara a inconstitucionalidade da omissão conduz a uma mera ciência desta declaração ao órgão inerte, a fim de que ele supra a omissão, não condiz com o real intento do legislador constituinte, haja vista que tal resultado não resolverá o problema das omissões inconstitucionais e, no mesmo passo, da não efetividade da Constituição.

Destarte, diante da ineficiência da solução literal proposta pela primeira parte do art.

103, § 2º, da Constituição Federal, parte da doutrina – preocupada com a proteção da

supremacia e efetividade do texto constitucional – propõe a adoção de entendimento segundo

o qual a declaração de inconstitucionalidade de conduta omissiva do Poder Público deve fixar

prazo razoável para que seja adotada a providência necessária ao suprimento da omissão

inconstitucional. Por consequência, em que pese a existência de vozes no sentido de que tal

solução constituiria uma violação ao princípio da separação dos poderes, na eventualidade de

o Poder omisso quedar-se inerte durante o prazo que lhe fora fixado, incumbe ao Tribunal

Constitucional “dispor normativamente sobre a matéria constante da norma constitucional não

regulamentada” (CUNHA JÚNIOR: 2008, p. 390).

Frise-se que a regulamentação levada a cabo pelo Tribunal Constitucional – em sede

de ADI por omissão – tem caráter provisório e eficácia erga omnes, de tal sorte que irá

disciplinar a matéria constitucional até que seja editado o ato normativo reclamado pelo

dispositivo constitucional não auto-exequível.

O entendimento expendido nas linhas anteriores tem a virtude de não violar o

princípio da autonomia do Poder Legislativo, uma vez que o Tribunal Constitucional não irá

condenar o órgão legiferante a legislar, ao passo que contribui para a supremacia e efetividade

do texto constitucional.

No entanto, a atuação supletiva do Tribunal Constituição não pode ser ilimitada. Com

efeito, explica Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 390/391):

O Poder Judiciário não poderia dispor normativamente sobre matérias constitucionais que envolvessem, por exemplo, projetos de Códigos e projetos de leis restritivas de direitos, como as definidoras de condutas delituosas e imposições tributárias. Tampouco que se relacionassem a projetos de leis de princípio institutivo, como aqueles que dispõem sobre certas organizações (Conselho da República ou de Defesa Nacional, Advocacia-Geral da União, por exemplo.)

Sem prejuízo da solução acima expendida (atuação normativa supletiva do Poder

Judiciário, no âmbito da ADI por omissão), impende destacar que outra alternativa viável para

o suprimento das omissões inconstitucionais, a ser instituída mediante Emenda

Constitucional, consiste na determinação judicial de trancamento de pauta do Poder

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Legiferante, circunstância já visualizada no panorama do procedimento de conversão de

medidas provisórias.

No que tange às omissões inconstitucionais parciais, o mesmo entendimento deverá

ser mantido: o Tribunal Constitucional deveria atuar em caráter de complementariedade,

alcançando a plena efetividade do texto constitucional. É o que o direito italiano denomina de

sentenças aditivas, proferidas para colmatar a falta da previsão legislativa (CUNHA

JÚNIOR: 2008, p. 392).

Não obstante a eficiência e plausibilidade do raciocínio acima exposto, cumpre

destacar que o Supremo Tribunal Federal, mediante interpretação literal do art. 103, § 2º, da

Constituição Federal, tem adotado entendimento no sentido de que o efeito principal das

decisões de procedência proferidas em sede de ADIN por omissão consiste em cientificar o

Poder Legislativa acerca de sua omissão inconstitucional.

Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal – na qualidade de guardião da Lei

Maior – enxerga a violação ao texto constitucional e limita-se a comunica-la ao legislador

omisso. Os jurisdicionados, de outro lado, permanecem ao bel prazer do órgão legiferante, o

qual não se submete a nenhum prazo para concretizar o desejo do constituinte.

Por fim, convém salientar que o próprio Supremo Tribunal Federal parece visualizar a

ineficiência da mera comunicação ao órgão legislativo, tanto que em maio de 2007, quando

do julgamento da ADI 3682/MT, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, determinou que

o congresso nacional editasse, no prazo de 18 meses, a lei complementar a que se refere o art.

18, § 4º, da CF/88.

Com essa decisão, o Supremo Tribunal Federal passa (ainda que se não trate de uma

modificação consolidada de entendimento) a atribuir interpretação sistemática e extensiva ao

art. 103, § 2º, da Constituição Federal, em face do que se privilegia a efetividade das normas

constitucionais, fazendo-as incidir de maneira plena, independentemente da existência de

omissões inconstitucionais por parte dos Poderes Estatais.

2.5.4 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF

2.5.4.1 Considerações gerais

Consoante afirmado em linhas anteriores, a Constituição Brasileira de 1988 teve o

nítido propósito de fortalecer o sistema de controle direto e concentrado de

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constitucionalidade, dada a ampliação dos órgãos e agentes legitimados à propositura das

ações diretas.

No entanto, a atividade empreendida pelo constituinte originário não logrou alcançar

determinadas matérias que continuavam sob o exclusivo domínio do controle incidental, tais

como o exame de constitucionalidade do direito pré-constitucional, o controle do direito

municipal em face da Constituição Federal, dentre outras.

Nesse contexto, convém salientar a tentativa de implementação do instituto

denominado incidente de inconstitucionalidade, o qual tinha por objeto, conforme o

pensamento de Gilmar Ferreira Mendes, assegurar aos órgãos e agentes do art. 103, da Carta

Maior, legitimidade para provocar o pronunciamento do STF sobre outras controvérsias

constitucionais suscitadas nas ações judiciais em curso. No entanto, conforme apontado pelo

já citado Gilmar Ferreira Mendes, o incidente de inconstitucionalidade não vingou (2009, p.

1107).

Em seu texto originário, o legislador constituinte previu a arguição de descumprimento

no art. 102, parágrafo único, do Texto Magno. Posteriormente, após o implemento da emenda

constitucional n°. 3/93, o referido instrumento constitucional passou a constar do §1° do

mesmo art. 102, que assim dispõe: “A arguição de descumprimento de preceito fundamental,

decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da

Lei”.

Da exegese do dispositivo constitucional transcrito no parágrafo antecedente, concluiu

parte da doutrina e a inicial jurisprudência do Pretório Excelso tratar-se de norma de eficácia

limitada, na classificação proposta pelo mestre José Afonso da Silva, de tal sorte que o

processo e julgamento da arguição de descumprimento estaria condicionada ao implemento da

correspondente lei regulamentadora.

Em que pese o acentuado lapso temporal de omissão legislativa, cumpre salientar que

apenas em 1999 fora editada a Lei destinada a disciplinar o processo e julgamento da arguição

de descumprimento de preceito fundamental (Lei 9.882/99).

Analisando-se o referido diploma legal, visualiza-se a existência de duas espécies de

ADPF, quais sejam, a arguição autônoma, prevista no art. 1º, caput, e a arguição incidental,

delineada no art. 1º, parágrafo único, I, do mesmo diploma legal.

Para o exercício da arguição de descumprimento de preceito fundamental – autônoma

ou incidental – deverá ser demonstrada a inexistência de outro instrumento processual idôneo

a sanar a lesividade apontada, revelando-se o caráter subsidiário da ação em questão.

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Em arremate de conclusão, convém destacar que a arguição de descumprimento de

preceito fundamental possui parâmetro de controle peculiar, consoante adiante se

demonstrará, além de girar em torno de um objeto significativamente amplo, tendo em vista

abranger não somente os atos normativos do Poder Público, mas também os atos não

normativos, abstratos ou concretos, de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios.

2.5.4.2 Legitimidade

São legitimados para a propositura da arguição de descumprimento de preceito

fundamental as pessoas e órgãos legitimados para a propositura da Ação Direta de

Inconstitucionalidade, insertos no art. 103 da Constituição Federal de 1988, devendo-se

observar, outrossim, o preenchimento do requisito referente à demonstração da pertinência

temática.

2.5.4.3 Competência

Consoante o disposto no art. 102, §1° da CF, o julgamento da arguição de

descumprimento de preceito fundamental incumbe ao Supremo Tribunal Federal, disposição

ratificada pelo art. 1° da Lei 9.882/99.

No entanto, convém salientar a possibilidade de instituição da arguição de

descumprimento no panorama dos Estados-membros, com o consequente processo e

julgamento pelos Tribunais de Justiça, tal como ocorre, por exemplo, no Estado do Rio

Grande do Norte.

2.5.4.4 Objeto

Preliminarmente, cabe observar que a arguição de descumprimento de preceito

fundamental tem parâmetro de controle peculiar, uma vez que o seu objeto será cotejado com

os preceitos fundamentais. Tem-se, portanto, que o parâmetro de constitucionalidade no

âmbito da ADPF abrange tão-somente os preceitos constitucionais ditos fundamentais.

Para Luís Roberto Barroso (2009, p. 280), “a locução preceito fundamental [...]

certamente inclui as decisões sobre a estrutura básica do Estado, o catálogo de direitos

fundamentais e os chamados princípios sensíveis”.

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A respeito do tema, colhe-se a seguinte lição de Dirley da Cunha Júnior (2008, p.

415):

[...] as normas constitucionais distinguem-se quanto aos valores que carregam, sendo admissível falar, na hipótese, em hierarquia axiológica entre as normas de uma mesma Constituição. Assim, impõe reconhecer a existência de preceitos normativos da Constituição que, em razão dos valores superiores que consagra, são mais fundamentais que outros.

Com base nas lições acima transcritas, pode-se afirmar que os preceitos fundamentais

são aqueles que consagram os valores fundamentais de uma sociedade e dão sustentáculo e

conformação a toda estrutura estatal.

A esse propósito, extrai-se da obra de Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 418) que são

considerados preceitos fundamentais: a) os princípios fundamentais insertos no título I da

Constituição Federal; b) os direitos e garantias fundamentais; c) os princípios constitucionais

sensíveis; d) as cláusulas pétreas; e) as normas de organização política do Estado; f) as

normas de organização dos Poderes.

Fixado o parâmetro de controle da arguição de descumprimento de preceito

fundamental, passa-se à análise do objeto desta ação constitucional.

Consoante dispõe o art. 1° da Lei 9.882/99, a ADPF tem por objeto “evitar ou reparar

lesão a preceito fundamental”. Destarte, conclui-se que a arguição pode ser preventiva ou

repressiva, a depender do objetivo perseguido pelo legitimado ativo. Em linhas gerais,

cumpre observar que a menção realizada pela Lei 9.882/99 a atos do Poder Público abrange

não somente os atos comissivos deste, mas também as omissões inconstitucionais lesivas à

preceitos constitucionais fundamentais.

Em arremate de conclusão, cumpre atentar que o objeto da arguição de

descumprimento compreende os atos normativos primários e secundários, o direito federal,

estadual e municipal, o direito pré-constitucional e os atos jurisdicionais.

2.5.4.5 Efeitos da decisão

As decisões proferidas no panorama da APDF deverão ser comunicadas

imediatamente às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática do ato questionado

(omissivo ou comissivo), fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do

preceito fundamental violado, tal como disposto no art. 10 da Lei 9.882/99.

Por tratar-se de processo objetivo, as decisões proferidas em sede de arguição de

descumprimento têm efeitos erga omnes e eficácia vinculante aos demais órgãos do poder

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público, aplicando-se à espécie de controle em tela as técnicas de decisão expostas quando da

análise da ação direta de inconstitucionalidade (declaração de inconstitucionalidade sem

declaração de nulidade, interpretação conforme etc.).

Ademais, poderá o Supremo Tribunal Federal, mediante decisão de dois terços de seus

membros, modular os efeitos da decisão para que esta só produza efeitos a partir do seu

trânsito em julgado ou outro momento que vier a ser fixado.

Acerca do efeito vinculante, esclarece Dirley da Cunha Júnior que esta vinculação tem

uma amplitude maior do que aquela verificada no âmbito das ações diretas de

inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade – limitado aos órgãos do poder

judiciário e da administração pública direta e indireta –, alcançando, outrossim, o Poder

Legislativo, que ficará submetido às condições e ao modo de interpretação e aplicação fixados

pelo Supremo Tribunal Federal a respeito do preceito fundamental (2008, p. 450).

Por fim, e tencionando dotar o procedimento da ADPF de uma maior celeridade,

dispõe o art. 10 da Lei 9.882 que o Presidente do Supremo Tribunal Federal determinará o

imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

Após a fixação dos aspectos gerais do controle de constitucionalidade no Brasil, urge

centrar as atenções no objeto principal do presente trabalho monográfico, analisando

inicialmente a estrutura da decisão judicial, notadamente a pronunciada no âmbito do sistema

de controle concentrado de constitucionalidade, para, em seguida, fixar os parâmetros da

teoria da transcendência dos motivos determinantes.

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CAPÍTULO 3 – A TEORIA DOS EFEITOS TRANSCENDENTES DOS MOTIVOS

DETERMINANTES

3.1 A estrutura da decisão judicial

Antes de se debruçar sobre o objeto central do presente trabalho, qual seja, a

vinculação dos motivos determinantes das decisões do STF em sede de controle concentrado

de constitucionalidade, cumpre analisar os elementos estruturantes das decisões judiciais.

Nessa senda, com as atenções voltadas ao que dispõe o art. 458 do Diploma Processual

Civil, cumpre destacar que a decisão judicial (sentença em sentido amplo) contém os

seguintes elementos: a) relatório; b) fundamentação e c) dispositivo.

Sobre o tema, expõe o processualista Fredie Didier Jr., utilizando-se de lição de

Barbosa Moreira (2009, p. 287/288):

O art. 458 do CPC dispõe sobre o que chama de requisitos essenciais da sentença (o Autor utiliza o termo sentença no sentido amplo, abrangendo, portanto, a decisão judicial). Segundo lição de Barbosa Moreira, “requisitos são qualidades, atributos, que se expressam mediante adjetivos. Na verdade, o art. 458 trata de elementos, de partes que devem integrar a estrutura da sentença, a saber: o relatório, os fundamentos ou motivação e o dispositivo ou conclusão”. A rigor, os três elementos são exigidos, em conjunto, apenas nas sentenças e acórdãos (art. 165, CPC).

No mesmo norte de interpretação, eis o ensinamento de Humberto Theodoro Júnior

(2009, p 499):

De acordo com o art. 458 do novo Código de Processo Civil, os requisitos essenciais (condições intrínsecas) da sentença são: I – o relatório; II – os fundamentos de fato e de direito (motivação); III – o dispositivo (conclusão). [...] Registre-se, outrossim, que as formalidades prescritas pelo Código são substanciais, de modo que sua inobservância leva à nulidade da sentença.

Para os fins desse trabalho monográfico, a análise do relatório e do dispositivo das

decisões judiciais será efetivada de maneira superficial, dada a importância assumida pela

fundamentação das decisões judiciais no que tange ao objeto central do presente estudo.

3.1.1 Relatório

O relatório constitui a parte inicial da decisão judicial e se destina à exposição

histórica de todos os acontecimentos processuais, a exemplo da síntese das peças principais

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(petição inicial, contestação, impugnação, alegações finais) e dos pedidos efetivados pelas

partes.

Na elaboração do relatório o órgão jurisdicional deverá levar em conta o critério da

clareza, precisão e síntese, devendo mencionar o objeto da decisão e da controvérsia, tendo

em vista que, consoante lição de Pontes de Miranda, citado por Humberto Theodoro Júnior, o

relatório “é condição de validade da sentença” (2009, p. 500).

Finalmente, convém destacar, a título de observação, a existência de diplomas

legislativos destinados à regulamentação de procedimentos especiais que contemplam o

relatório como elemento facultativo da decisão judicial, tal como se verifica no âmbito dos

juizados especiais cíveis, disciplinados pela Lei 9.099/95.

3.1.2 Fundamentação

Em linhas gerais, cabe afirmar que a fundamentação representa a declaração, efetivada

pelo órgão julgador, acerca dos motivos de fato e de direito que determinaram a formação do

seu convencimento neste ou naquele sentido. Trata-se de elemento legitimador da atividade

jurisdicional, imprescindível para o controle da atuação judicial por parte dos atores

processuais e demais interessados.

Colhe-se da obra de Alexandre Freitas Câmara o seguinte pensamento (2009, p. 414):

A fundamentação é a parte da sentença em que o juiz apresentará suas razões de decidir, os motivos que o levaram a proferir decisão do teor da que está sendo prolatada. Daí ser também chamada de motivação. É na fundamentação que o Juiz apresentará os fatores que contribuíram para a formação do seu convencimento.

A motivação, segundo Luiz Guilherme Marinoni, é a explicação da convicção e da

decisão. (2009, p. 472).

É, portanto, a motivação que proporcionará às partes litigantes os elementos

necessários para a interposição dos instrumentos recursais que se fizerem necessários para

correção de eventuais ilegalidades ou abusos de poder. Nessa perspectiva, a motivação

constitui critério legitimador da decisão judicial, consoante já afirmado em linhas anteriores

do presente trabalho monográfico.

A respeito das finalidades da fundamentação das decisões judiciais, explica o já citado

processualista Alexandre Freitas Câmara (2009, p. 414/415):

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A fundamentação da sentença tem duas finalidades: em primeiro lugar, a motivação é instrumento destinado a servir de conexão entre a sentença e sua impugnação, servindo, assim, às partes, que, conhecendo as razões da sentença, podem decidir se vão ou não impugná-la, e com que fundamentos, além de servir ao juízo superior, que apreciará a impugnação, e que poderá exercer melhor seu trabalho se conhecer as razões que levaram a sentença recorrida a ser proferida. Assim sendo, a motivação da sentença permite o controle vertical da atuação do Juiz.

E conclui o referido autor (2009, p. 415):

[...] Em segundo lugar, a motivação da sentença é garantia de controle externo da atividade do juiz, o qual é exercido pelo povo, em verdadeiro controle difuso da atividade judiciária, a fim de se permitir a verificação da exatidão e legalidade da decisão. Sob este aspecto, a motivação da decisão é uma exigência do Estado Democrático. Esta exigência democrática de fundamentação decorre da necessidade de legitimação do exercício do poder.

Por outro lado, a análise da teoria processual clássica permite concluir que os Juízes,

em momento histórico anterior, tinham a função apenas de dizer o direito mediante atividade

de subsunção dos fatos controvertidos aos preceitos normativos (DIDIER JÚNIOR: 2009, p.

287).

No entanto, o atual estágio constitucional exige do órgão jurisdicional muito mais do

que a simples atividade de subsunção do fato à norma, tal como ressaltado pelo processualista

Fredie Didier Júnior (2009, p. 286), nos seguintes termos:

[...] Em virtude do chamado pós-positivismo que caracteriza o atual Estado constitucional, exige-se do juiz uma postura muito mais ativa, cumprindo-lhe compreender as particularidades do caso concreto e encontrar, na norma geral e abstrata, uma solução que esteja em conformidade com as disposições e princípios constitucionais, bem assim com os direitos fundamentais. Em outras palavras, o princípio da supremacia da lei (...) deve ceder espaço à crítica judicial, no sentido de que o magistrado, necessariamente, deve dar à norma geral e abstrata (...) uma interpretação conforme a Constituição, sobre ela exercendo o controle de constitucionalidade se for necessário (...).

A exigência de uma postura ativa e crítica do Juiz tem o condão de exigir do órgão

julgador uma motivação racional, diversa daquela que se verificava no âmbito da atividade

judicial de mera subsunção – em que o Juiz limitava-se a expressar que os fatos

controvertidos encaixavam-se nos modelos legais gerais e abstratos.

Destarte, servindo-nos das lições do já citado Fredie Didier Júnior, convém salientar

que no desenvolvimento da atividade jurisdicional o Juiz criará, na fundamentação, uma

norma jurídica – decorrente da interpretação dos textos normativos à luz do texto

constitucional – e, no dispositivo, instituirá a norma jurídica individualizada, a qual irá reger

e disciplinar o caso concreto sub judice (2009, p. 287).

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A aludida norma jurídica criada na fundamentação das decisões judiciais constitui o

que a doutrina e jurisprudência pátrias denominam de ratio decidendi, instituto a ser objeto de

nossas atenções no tópico subsequente do presente trabalho.

A esse respeito, cumpre observar que o propósito do presente trabalho reside

justamente na atribuição de efeitos vinculantes aos motivos determinantes das decisões

proferidas pelo STF no panorama das ações de controle concentrado de constitucionalidade,

ou seja, a atribuição de efeitos transcendentes à ratio decidendi dos referidos

pronunciamentos judiciais.

Com esse intento, passa-se à análise da teoria do precedente judicial, pressuposto

necessário para a fixação das bases da teoria da transcendência dos motivos determinantes.

3.1.2.1 A vinculação dos motivos determinantes das decisões do STF em sede de controle

concentrado

Consoante restou assentado no capítulo anterior, as decisões definitivas do Supremo

Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade têm, via de regra,

eficácia erga omnes e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à

administração pública direta e indireta.

A propósito do tema, impende destacar que a eficácia erga omnes e o efeito vinculante

das referidas decisões restringem-se, também via de regra, ao dispositivo do julgado,

porquanto representa o elemento a ser acobertado pelo manto da coisa julgada material.

No entanto, a hodierna doutrina e jurisprudência opina no sentido de atribuir-se

eficácia vinculante não apenas a parte dispositiva, mas também aos motivos determinantes

dos pronunciamentos proferidos pelos Tribunais Constitucionais, ensejando o que se intitula

de teoria da transcendência dos motivos determinantes.

Segundo as lições de José Rogério Cruz e Tucci, citado por Fredie Didier Jr. (2009, p.

381):

[...] todo precedente é composto de duas partes distintas: a) as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; e b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório.

Partindo dessa premissa, cumpre repisar que na atividade jurisdicional o Juiz formula

duas normas jurídicas. A primeira, de caráter geral, decorre da interpretação dos preceitos

legais à luz do texto constitucional e constitui a ratio decidendi (norma jurídica geral); A

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segunda, de caráter individual, destina-se a regular o caso concreto, pondo fim ao conflito de

interesses sub judice (norma jurídica individual).

Sobre o tema, expõe Fredie Didier Jr. (2009, p. 381):

A ratio decidendi – ou, para os norte-americanos, a holding – são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi, trata-se da tese jurídica acolhida pelo órgão julgador no caso concreto.

A título exemplificativo, observe-se o julgamento de uma ação monitória pelo órgão

jurisdicional encarregado de unificar a interpretação do direito federal – Superior Tribunal de

Justiça. Debruçando-se sobre os elementos fáticos, o Ministro-julgador irá analisar a

existência (ou inexistência) de prova escrita desprovida de eficácia executiva, nos termos do

art. 1.102-A do Diploma Processual Civil.

Pois bem. Suponha-se que o Autor aporte ao petitório inicial um cheque prescrito. Em

sua fundamentação, o Ministro-julgador realiza a interpretação do texto legal aplicável ao

caso (art. 1.102-A do CPC) à luz dos ditames constitucionais, em face do que conclui que

cheque prescrito constitui prova escrita para os fins da ação monitória – trata-se da norma

jurídica geral, a ratio decidendi (saliente-se, por oportuno, que o exemplo representa a

orientação do STJ consubstanciada na súmula 299 do seu repertório jurisprudencial).

Ademais, na parte dispositiva, o Ministro julgará procedente ou improcedente os pleitos

autorais, instituindo a denominada norma jurídica individualizada ou individual.

Com as atenções voltadas ao caso hipotético acima descrito, verifica-se que as normas

jurídicas criadas pelo órgão jurisdicional encontram-se assim delineadas:

• Norma jurídica geral – ratio decidendi – encontrada na fundamentação: cheque

prescrito constitui prova escrita para os fins do art. 1.102-A do Código de

Processo Civil;

• Norma jurídica individual: a) na eventualidade de procedência dos pleitos

autorais: o Réu deverá pagar ao Autor o montante indicado na prova escrita; o

Réu deverá entregar a coisa fungível ou o bem móvel descrito na prova escrita

acostada aos autos; b) na eventualidade de improcedência: o Autor não faz

jus ao recebimento dos valores descritos na prova escrita aportada à peça

inicial; o Autor não dispõe de prova escrita desprovida de título executivo; etc.

No que se refere à ratio decidendi, ensina-nos Fredie Didier Jr. (2009, p. 382):

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[...] Trata-se de norma geral, malgrado construída, mediante raciocínio indutivo, a partir de uma situação concreta. Geral porque, tal como ocorre com os princípios gerais a que se chega por raciocínio indutivo, a tese jurídica (ratio decidendi) se desprende do caso específico e pode ser aplicada em outras situações concretas que se assemelhem àquela em que foi originariamente construída [...].

Cabe anotar, porém, que apenas a ratio decidendi terá aptidão para ostentar o caráter

vinculante inerente às decisões proferidas pelo Pretório Excelso no âmbito das ações de

controle abstrato de constitucionalidade, descabendo incluir em tal âmbito os argumentos

expostos de passagem na motivação das decisões (obter dictum).

Nesse sentido, veja-se a lição de Fredie Didier Jr. (2009, p. 383):

O obter dictum (obter dicta, no plural), ou simplesmente dictum, consiste nos argumentos que são expostos apenas de passagem na motivação da decisão, consubstanciando juízos acessórios, provisórios, secundários, impressões ou qualquer outro elemento que não tenha influência relevante e substancial para a decisão (“prescindível para o deslinde da controvérsia”).

E arremata o referido autor: “Só se pode considerar como ratio decidendi a opção

hermenêutica que, a despeito de ser feita para um caso concreto, tenha aptidão para ser

universalizada” (DIDIER JÚNIOR: 2009, p. 384).

Eis, portanto, a base teórica para a aplicação da teoria da transcendência dos motivos

determinantes das decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de

constitucionalidade.

As decisões proferidas pelo STF no âmbito do controle abstrato de normas, à

semelhança dos pronunciamentos judiciais exarados quando do julgamento de casos concretos

postos sob a apreciação do Estado-juiz, também se estrutura na formação de uma norma

jurídica geral (ratio decidendi – inserta na fundamentação) e uma norma jurídica

individualizada.

Saliente-se, por oportuno, que a norma jurídica individualizada (encontrada na parte

dispositiva do decisum) construída pelo STF, no panorama do controle abstrato, tem âmbito

relativamente restrito, uma vez que se destinará a declarar a inconstitucionalidade ou

constitucionalidade da lei ou ato normativo questionado, consoante restou afirmado no

capítulo 2 do presente trabalho monográfico.

Trata-se de entendimento doutrinário e jurisprudencial firmando a partir da quebra de

dogmas processuais anteriormente existentes, os quais apontavam no sentido de que apenas a

parte dispositiva das decisões judiciais poderia vincular os jurisdicionados. Assim, partindo

de uma perspectiva de celeridade processual e efetividade das normas constitucionais,

consagra-se a teoria segundo a qual os fundamentos determinantes (ratio decidendi) das

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decisões do STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, possuem eficácia

vinculante tal qual a parte dispositiva desses julgados.

No mesmo norte de interpretação, cabe trazer à colação o seguinte trecho da obra de

Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 358):

A vinculação, todavia, não alcança apenas o dispositivo da decisão. O Supremo Tribunal Federal vem atribuindo, não raro, efeito vinculante também aos fundamentos determinantes da decisão, e os aplicando a outras ações, com o que consagrou a teoria da transcendência dos motivos determinantes, como expôs, com propriedade, Pedro Lenza. Com efeito, uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição, quando realizada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato, devem ser observados por todos os tribunais e autoridades, (...) nada mais justificável que se aplique, fora da ação direta, o que ficou nela consubstanciado a título de fundamentos determinantes que baseou a decisão.

Sobre o tema, colhe-se da obra de Gilmar Ferreira Mendes (2009, p. 1336):

É certo, por outro lado, que a limitação do efeito vinculante à parte dispositiva da decisão tornaria de todo despiciendo esse instituto, uma vez que ele pouco acrescentaria aos institutos da coisa julgada e da força de lei. Ademais, tal redução diminuiria significativamente a contribuição do Tribunal para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional.

Da análise do acima exposto, conclui-se que a teoria da transcendência dos motivos

determinantes atribui ao Supremo Tribunal Federal – e, em razão da força dos precedentes

judiciais, aos demais Tribunais Superiores – a responsabilidade pela avaliação prévia acerca

da repercussão prática das razões de decidir expostas em suas fundamentações (ratio

decidendi), uma vez que servirão de norte para a solução das controvérsias concretas postas

sob a apreciação dos demais órgãos jurisdicionais.

Outrossim, não obstante o dever constitucional de motivação das decisões judiciais,

inscrito no art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988, convém salientar que os órgãos

judiciais de cúpula deverão diligenciar no sentido de outorgar às suas decisões a

fundamentação mais racional possível, tendo em vista o caráter vinculante dos motivos

determinantes de seus pronunciamentos.

Finalmente, em que pese o presente trabalho monográfico limitar-se a sustentar a

necessidade de atribuição de efeitos vinculantes aos motivos determinantes das decisões do

Supremo Tribunal Federal apenas no âmbito do controle abstrato, forçoso reconhecer que a

tendência de objetivação do modelo de controle difuso de constitucionalidade ensejará, com

as devidas adaptações principiológicas, a aplicação da teoria da transcendência dos motivos

determinantes também a esta última espécie de fiscalização da compatibilidade constitucional

das leis e atos normativos.

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3.1.3 Dispositivo

O dispositivo da decisão judicial contém a norma jurídica individualizada que irá reger

a relação jurídica de direito material deduzida em juízo. Trata-se da conclusão a que chegou o

Juiz após a análise dos elementos fático-jurídicos constantes do caderno processual.

Nesse diapasão, eis a lição de Luiz Guilherme Marinoni (2009, p. 413):

A parte dispositiva é o local em que o juiz afirma se acolhe ou não o pedido do autor e, em caso de procedência, o que deve ser feito para que o direito material seja efetivamente realizado. Assim, por exemplo, o juiz pode, na parte dispositiva da sentença, ao acolher o pedido formulado, condenar o réu a pagar certa soma em dinheiro ou ordenar o réu a fazer ou a não fazer, ou mesmo a entregar determinada coisa.

Sobre o tema, expõe Luiz Fux (2008, p. 635):

A sentença, como ato, encarta a atividade de “concreção” por força da qual o juiz torna concreto o preceito abstrato da norma, para regular o caso sub judice. Essa operação levou inúmeros doutrinadores a considerarem a sentença resultado de um silogismo consistente na “premissa maior”, consubstanciada na norma jurídica aplicável e a “premissa menor” na situação concreta levada como litígio, e a parte dispositiva da sentença como “conclusão desse silogismo.

A esse propósito, cumpre repisar que o dispositivo das decisões proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade tem, por

expressa disposição constitucional e legal, eficácia erga omnes e efeito vinculante em relação

aos demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta nas esferas

federal, estadual e municipal.

Fixadas as premissas doutrinárias acerca do tema central desse trabalho de conclusão

de curso, cabe analisar as aplicações práticas da teoria da transcendência dos motivos

determinantes por parte do Supremo Tribunal Federal.

3.2 Precedentes jurisprudenciais

3.2.1 Reclamação 2986 MC/SE – Sergipe

O julgamento do pedido de medida cautelar no bojo da Reclamação 2986 é exemplo

nítido da aplicação prática da teoria da transcendência dos motivos determinantes das

decisões do STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

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A esse propósito, faz-se necessária a realização de uma pequena digressão acerca dos

elementos fático-jurídicos que envolveram a referida reclamação.

Debruçando-se sobre os autos da ADI 2.868/PI – tendo por objeto Lei do Estado do

Piauí que estabelecera patamar numérico para a definição das “obrigações de pequeno valor”

no âmbito desta unidade federativa, em atenção ao disposto no art. 100, § 3º, da CF/88 –, o

Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a referida ação direta e assentou, a título de

razões de decidir (ratio decidendi), a possibilidade de fixação, pelos estados-membros, de

valor referencial inferior ao do art. 87 do ADCT.

N’outro dizer, cumpre destacar que no julgamento da ADI 2.868/PI, o Pretório

Excelso fixou a seguinte norma jurídica geral na fundamentação do seu decisum: “É legítima

a fixação pelos estados-membros, a título de ‘obrigações de pequeno valor’, para os fins do

art. 100, § 3º, da CF/88, de valor referencial inferior ao estabelecido no art. 87 do ADCT”.

Após a afirmação no sentido da constitucionalidade de Lei Estadual com o conteúdo

acima referido, o Juízo da 5ª Vara do Trabalho de Aracaju/SE, desrespeitando os fundamentos

determinantes da decisão proferida no julgamento da ADI 2.868/PI, determinou a realização

da medida constritiva (sequestro) em sede de execução contra a fazenda pública do Estado de

Sergipe.

A contrariedade do ato judicial aos fundamentos determinantes do acórdão prolatado

nos autos da ADI 2.868 reside no fato de que o Juízo da 5ª Vara do Trabalho haver

inobservado Lei do Estado de Sergipe que havia fixado valor referencial, a título de

“obrigações de pequeno valor”, em patamar inferior àquele estatuído no art. 87 do ADCT.

Em face do acima expendido, o Estado de Sergipe propôs Reclamação Constitucional

para o fim de que fosse respeitada a autoridade da decisão proferida no julgamento da ADI

2.868, a qual havia fixado, em sede de fundamentação (ratio decidendi), a possibilidade de os

estados-membros estabelecerem valor referencial inferior ao estabelecido no art. 87 do

ADCT.

Em outras palavras, pretendeu o Estado de Sergipe a atribuição de força vinculante

não apenas a parte dispositiva da aludida decisão – afirmando a constitucionalidade da Lei do

Estado do Piauí -, mas também aos motivos determinantes desta.

Debruçando-se sobre a reclamação ora analisada, assim assentou o Ministro Relator,

Celso de Mello:

Cabe registrar, neste ponto, por relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no exame final da Rcl. 1.987/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORREA, expressamente admitiu a possibilidade de reconhecer-se, em nosso sistema jurídico,

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a existência do fenômeno da "transcendência dos motivos que embasaram a decisão" proferida por esta Corte, em processo de fiscalização normativa abstrata, em ordem a proclamar que o efeito vinculante refere-se, também, à própria "ratio decidendi", projetando-se, em consequência, para além da parte dispositiva do julgamento, "in abstracto", de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade.

Não por outra razão o Ministro Relator da Reclamação ora focalizada colacionou o

seguinte decisum quando da exposição da fundamentação de seu julgado:

[...] Hipótese a justificar a transcendência sobre a parte dispositiva, dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela consagrados, uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades, contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional. (Rcl 1.987/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA)

E arrematou com a concessão da medida cautelar nos autos da Reclamação

Constitucional em questão:

Na realidade, o caso versado nos presentes autos parece configurar hipótese de "violação ao conteúdo essencial" do acórdão consubstanciador do julgamento da referida ADI 2.868/PI, o que caracterizaria possível transgressão ao efeito transcendente dos fundamentos determinantes daquela decisão plenária emanada do Supremo Tribunal Federal, ainda que proferida em face de legislação estranha ao Estado de Sergipe, parte ora reclamante. Sendo assim, e presentes as razões expostas, defiro a medida liminar ora postulada (fls. 07, item IV) e, em consequência, suspendo a eficácia da decisão reclamada [...].

Diante das razões expostas, resta demonstrado, portanto, que a adoção da teoria da

transcendência dos motivos determinantes constitui instrumento idôneo a garantir o respeito à

autoridade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle

abstrato de constitucionalidade, de modo que compreenda tanto a parte dispositiva como os

fundamentos substanciais do julgado.

A razão de tal argumento não demanda maiores esforços intelectuais, senão vejamos:

na medida em que o Pretório Excelso monopoliza, por expressa disposição constitucional, a

interpretação final acerca das normas e valores inscritos na Lei Maior, o respeito à autoridade

das decisões do guardião da Constituição significa o respeito à efetividade dos ditames

constitucionais.

3.2.2 Reclamação 2363 PA – Pará

À semelhança do leading case objeto de considerações no tópico anterior, cabe anotar

que o julgamento da Reclamação 2363 é outro exemplo inconteste da aplicação prática da

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teoria da transcendência dos motivos determinantes das decisões do STF em sede de controle

concentrado de constitucionalidade.

Mais uma vez, faz-se necessária a realização de uma pequena digressão acerca dos

elementos fático-jurídicos que envolveram a referida reclamação.

Debruçando-se sobre os autos da ADI 1.662 – tendo por objeto Instrução Normativa

do TST que estabelecera regras alusivas à expedição de precatórios –, o Supremo Tribunal

Federal julgou procedente em parte a referida ação direta (parte dispositiva) e assentou, a

título de razões de decidir (ratio decidendi), que o sequestro de verbas públicas limitar-se-ia

às hipóteses de quebra da ordem de pagamento de precatórios, não se equiparando os casos de

não inclusão no orçamento das despesas relativas à precatórios.

Destarte, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte norma jurídica

geral na fundamentação do acórdão proferido nos autos da ADI 1.662: “o sequestro de verbas

públicas só poderá ser realizado nas hipóteses de violação a ordem de pagamento de

precatório, nos termos do art. 100, § 6º, da CF/88”.

Com vistas no acima exposto, impende destacar que o Presidente do TRT da 8ª Região

determinou o bloqueio de recursos financeiros do Município de Capitão Poço, no valor de R$

1.553.661,16, sob o fundamento de que a referida municipalidade não havia incluído no

orçamento as despesas relativas ao pagamento de precatórios.

Irresignado com a decisão supra, o Município de Capitão Poço propôs reclamação

constitucional, alegando a existência de contrariedade entre o julgado que determinou o

bloqueio de recursos financeiros dessa municipalidade e o acórdão proferido pelo STF nos

autos da ADI 1.662/DF.

Examinando os elementos fático-jurídicos acima descritos, o Pretório Excelso proferiu

acórdão assim ementado:

E M E N T A: RECLAMAÇÃO. 2. Sequestro de recursos do Município de Capitão Poço. Débitos trabalhistas. 3. Afronta à autoridade da decisão proferida na ADI 1662. 4. Admissão de sequestro de verbas públicas somente na hipótese de quebra da ordem cronológica. Não equiparação às situações de não-inclusão da despesa no Orçamento. 5. Efeito vinculante das decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade. 6. Eficácia que transcende o caso singular. 7. Alcance do efeito vinculante que não se limita à parte dispositiva da decisão. 8. Aplicação das razões determinantes da decisão proferida na ADI 1662. 9. Reclamação que se julga procedente.

Acerca da aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes, convém

trazer à colação a seguinte conclusão do Ministro Relator Gilmar Ferreira Mendes,

peremptório no sentido de afirmar:

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No caso, muito embora o ato impugnado não guarde identidade absoluta com o tema central da decisão desta Corte na ADI 1.662, Relator o Min. Maurício Corrêa, vale ressaltar que o alcance do efeito vinculante das decisões não pode estar limitado à sua parte dispositiva, devendo, também, considerar os chamados “fundamentos determinantes”. [...]

Em arremate, observe-se que o Supremo Tribunal Federal também atribuiu

transcendência aos motivos determinantes nos seguintes julgados: Reclamação 1987/DF,

Reclamação 2126, Recurso Extraordinário 228.844/SP, Recurso Extraordinário 221.795,

Recurso Extraordinário 364.160, Recurso Extraordinário 384.521, dentre outros.

Vê-se, portanto, à luz de toda a argumentação acima delineada, que a teoria da

transcendência dos motivos determinantes das decisões do Supremo Tribunal Federal em sede

de controle abstrato de constitucionalidade, a despeito da inexistência de regulamentação

legislativa a respeito do tema, constitui uma realidade na hodierna dinâmica processual pátria,

sobretudo diante da sua reiterada aplicação no âmbito do Pretório Excelso, merecendo,

outrossim, a devida atenção por parte dos operadores do Direito e estudiosos da ciência

jurídica.

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CONCLUSÃO

Diante de todo o acima exposto, resta demonstrada, portanto, a legitimidade

democrática da jurisdição constitucional no contexto da evolução do fenômeno constitucional

e da República Federativa do Brasil, como forma de garantir a plena efetividade da

supremacia das normas insertas na Lei Maior.

Em que pese a existência de argumentos contrários ao exercício da jurisdição

constitucional, algumas práticas políticas, notadamente aquelas visualizadas no panorama do

Estado brasileiro, têm demonstrado a necessidade de manutenção do sistema de fiscalização

da compatibilidade constitucional dos atos emanados dos agentes políticos.

Por outro lado, e tendo em vista os aspectos substanciais que caracterizam o

procedimento do controle judicial de constitucionalidade e o difere daquele visualizado no

âmbito das relações processuais ordinárias, faz-se necessário dotar as decisões proferidas pela

Corte Constitucional de um efeito peculiar, qual seja, a vinculação aos demais órgãos do

Poder Judiciário e da Administração Pública Direta e Indireta, nas esferas Federal, Estadual e

Municipal.

Nessa senda, em conformidade com a processualística clássica, verifica-se que o

mencionado efeito vinculante circunscreve-se à parte dispositiva dos pronunciamentos

judiciais, tendo em vista representar o elemento estruturante da decisão responsável por

carrear o comando judicial (a norma jurídica concreta que irá regulamentar o caso sob

apreciação do órgão jurisdicional).

Ademais, infere-se da estrutura da decisão judicial e da teoria do precedente judicial

que o Juiz, ao fundamentar as suas decisões – com a necessária filtragem constitucional dos

diplomas normativos substantivos aplicáveis ao caso concreto, em razão do atual estágio

constitucional – elabora uma norma jurídica geral que poderá ser observada pelos demais

órgãos do poder judiciário e da administração pública na solução de conflitos que possuam o

mesmo substrato fático-jurídico. Tal norma jurídica geral consubstancia o que a doutrina

constitucionalista e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal convencionaram denominar

de ratio decidendi.

Destarte, sustenta-se que a ratio da atribuição do aludido efeito vinculante – garantia

da supremacia do texto constitucional –, aliada à análise da estrutura da decisão judicial e da

teoria do precedente judicial, oferece os pilares fundamentais para a defesa da tese no sentido

de outorgar transcendência aos motivos determinantes das decisões proferidas pelo Pretório

Excelso quando da efetivação do controle concentrado de constitucionalidade.

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Consoante restou afirmado nas linhas anteriores, o juiz constitucional, ao debruçar-se

sobre o processo de controle concentrado de constitucionalidade, também elabora uma norma

jurídica geral que deve ser levada em consideração no deslinde de outros casos submetidos à

apreciação administrativa ou judicial. Dessa forma, a norma jurídica geral inserta na

fundamentação – ratio decidendi – passa a ostentar o mesmo efeito atribuído à parte

dispositiva do julgado.

Trata-se, a bem da verdade, de posicionamento consentâneo com a hodierna

processualística pátria, a qual se preocupa cada vez mais com o caráter instrumental do

processo e com a efetividade e celeridade da prestação jurisdicional.

Ora, na medida em que a Corte responsável pela guarda da constituição profere

decisão acerca da compatibilidade formal e material dos diplomas infraconstitucionais em

face do Texto Maior e assenta, a título de razões de decidir, a norma jurídica geral pertinente à

interpretação das normas constitucionais, revela-se patente que os fundamentos determinantes

dos seus pronunciamentos também deverão ostentar o mesmo efeito atribuído à parte

conclusiva do julgado.

Consagra-se, portanto, a teoria da transcendência dos motivos determinantes,

delineada em conformidade com os parâmetros doutrinários acima expendidos e amplamente

visualizada no âmbito da jurisprudência brasileira, sobretudo diante da reiterada aplicação

concreta por parte do Supremo Tribunal Federal, o qual tem cumprido o seu papel de guardião

constitucional e efetivado a superação de dogmas processuais que privilegiam o formalismo

exacerbado em detrimento da efetividade da tutela jurisdicional.

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