FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA...

80
FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESP DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE DIREITO MAGDA EVA DANTAS MARQUES DA ROCHA DANOS MORAIS EM DECORRÊNCIA DO ABANDONO AFETIVO DO PAI JOÃO PESSOA 2009

Transcript of FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA...

Page 1: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA − FESP

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO DE DIREITO

MAGDA EVA DANTAS MARQUES DA ROCHA

DANOS MORAIS EM DECORRÊNCIA DO ABANDONO AFETIVO DO PAI

JOÃO PESSOA 2009

Page 2: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

MAGDA EVA DANTAS MARQUES DA ROCHA

DANOS MORAIS EM DECORRÊNCIA DO ABANDONO AFETIVO DO PAI

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Departamento de Ciências Jurídicas da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área: Direito Civil Orientadora: Profª. Ms. Neusa Monique Dantas Lutfi de Abrantes Cruz.

JOÃO PESSOA

2009.2

Page 3: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

R672d Rocha, Magda Eva Dantas Marques da. Danos morais em decorrência do abandono afetivo do pai/

Magda Eva Dantas Marques da Rocha – João Pessoa, 2009. 78f.

Orientadora: Profª. Ms. Neusa Monique Dantas Lutfi de Abrantes Cruz

Monografia (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino

Superior da Paraíba – FESP.

1. Entidade Familiar. 2. Direito da Criança e do Adolescente . 3. Pais e Filhos. 4. Responsabilidade Civil. 5. Dano Moral. 6. Dano Afetivo.

BC/FESP CDU: 347.61(043)

Page 4: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

MAGDA EVA DANTAS MARQUES DA ROCHA

DANOS MORAIS EM DECORRÊNCIA DO ABANDONO AFETIVO DO PAI

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Departamento de Ciências Jurídicas da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ______/______/________.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________ Profª. Ms. Neusa Monique Dantas Lutfi de Abrantes Cruz – FESP

Orientadora

______________________________________________________________ Profª ...– FESP

Membro da Banca Examinadora

______________________________________________________________ Prof... – FESP

Membro da Banca Examinadora

Page 5: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

Dedico este trabalho a Deus, ao meu

esposo, Jorio, e aos meus filhos,

Juliana, Jonathas e Tatiane, pelo

estímulo dado para enfrentar os

obstáculos que a vida impõe, para que

eu chegasse a mais esta conquista.

Page 6: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

AGRADECIMENTOS

A Deus, por todas as oportunidades que me foram oferecidas, pelos

obstáculos superados, pelas conquistas alcançadas e por mais esta vitória tão

almejada.

Aos meus avós, Antonio Marques de Medeiros e Maria Gil de Medeiros, que

sempre me incentivaram a percorrer o melhor caminho aconselhando, respeitando e

dedicando anos de suas vidas para me oferecer possibilidades de viver com

dignidade e respeito ao próximo.

Ao meu esposo Jorio, amigo de todas as horas, pelo seu apoio, sua

compreensão e imenso amor dedicado ao longo desses 27 anos de convivência

contribuindo para que eu realizasse mais este sonho.

Aos meus queridos filhos Juliana Gil, Jonathas Gil e Tatiane Gil torcida

maior dando-me forças diante de minha luta para conclusão de mais este Curso de

Direito.

Aos meus genros John Herbert e Aldo Gil que tanto amo os quais adotei

como filhos.

A minha professora e orientadora Neusa Monique Dantas Lutfi de Abrantes

Cruz, pelos ensinamentos, carinho, paciência e empenho para confecção deste

trabalho.

Aos mestres que ao longo deste curso me ensinaram a lição de saber o real

sentido do Direito e a todos que de alguma forma auxiliaram na produção desta

monografia.

Aos alunos do CML/EXATO Colégio e Cursos que me fizeram despertar a

necessidade de aprofundar-se neste tema dentro de uma realidade existente a qual

eu como educadora vivencio diariamente

Page 7: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

“Os filhos tornam-se para os pais,

segundo a educação que recebem, uma

recompensa ou um castigo.”

(J. Petit Senn)

Page 8: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

ROCHA. Magda Eva Dantas Marques da. Danos Morais em decorrência do abandono afetivo do pai. 2009. 77 f. Monografia (Bacharelado em Direito) – FESP: João Pessoa, 2009.

RESUMO O presente trabalho monográfico tem como foco principal os danos morais sofridos pela criança e pelo adolescente, em decorrência do abandono afetivo do pai, após uma ruptura conjugal, e sua reparação no mundo jurídico, através dos princípios que regem a responsabilidade civil. O estudo do tema proposto exigiu uma abordagem preliminar acerca da entidade familiar, da proteção à criança e ao adolescente, dos direitos da personalidade, do principio da dignidade humana, e da responsabilidade civil no âmbito do Direito de Família. O dano moral decorrente do abandono afetivo, e a sua inclusão no campo da responsabilidade civil, com vistas à sua reparação, constitui um tema que ainda divide os doutrinadores. Seus reflexos no mundo jurídico são bastante insipientes, e vêm ocorrendo gradativamente, através do julgamento de alguns casos isolados, formando uma esparsa jurisprudência cuja tendência ainda não está perfeitamente definida. Trata-se, portanto de uma questão polêmica e controvertida, tendo em vista a dificuldade de se mensurar até que ponto o abandono afetivo do pai pode trazer consequências danosas à formação dos filhos, e prejudicar o seu desenvolvimento moral, intelectual e psicológico.

Palavras-chave: Entidade Familiar. Direito da Criança e do Adolescente. Pais e Filhos. Responsabilidade Civil. Dano Moral. Dano Afetivo.

Page 9: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................... 9

1 A ENTIDADE FAMILIAR................................................................................. 11

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ENTIDADE FAMILIAR................................. 111.2 A FAMÍLIA NA ATUALIDADE..................................................................... 17 1.2.1 A família matrimonial....................................................................... 17 1.2.2 A união estável................................................................................. 19 1.2.3 A família monoparental.................................................................... 20 1.2.4 A família homoafetiva....................................................................... 211.3 O PODER FAMILIAR ................................................................................... 22 1.3.1 Conceito de poder familiar.............................................................. 22 1.3.2 Do exercício do poder familiar........................................................ 23 1.3.3 Da suspensão, perda e extinção do poder familiar..................... 23

CAPÍTULO II – DA PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE............ 25

2.1 DA RELAÇÃO DE FILIAÇÃO.....................................................................

25

2.2 DA GUARDA DOS FILHOS........................................................................

28

2.3 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA..........................

31

2.4 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE....................................................

33

CAPÍTULO III – DA RESPONSABILIDADE CIVIL........................................... 39

3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL...................... 393.2 FATORES DETERMINANTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL.............. 423.3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO FAMILIAR......................... 46

CAPÍTULO IV – DO DANO MORAL................................................................. 50

4.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO DANO MORAL......................................... 504.2 CONCEITO DE DANO MORAL.................................................................. 514.3 DA ADMISSIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL................. 52

CAPÍTULO V – DO DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO DO PAI...............................................................................................

59

Page 10: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

5.1 DA AUSÊNCIA PATERNA E SUAS CONSEQUÊNCIAS...........................

59

5.2 DA ADMISSIBILIDADE DO DANO MORAL NA RELAÇÃO DE FILIAÇÃO.................................................................................................... 63

5.3 DO DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO................

65

5.4 DA JURISPRUDÊNCIA NOS CASOS DE DANO AFETIVO...................... 69

CONCLUSÃO..................................................................................................... 73

REFERÊNCIAS.................................................................................................. 76

Page 11: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

9

INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico trata do dano moral sofrido pela criança e

pelo adolescente em decorrência do abandono afetivo do pai após uma ruptura

conjugal.

A escolha do tema constitui um grande desafio, principalmente por se tratar

de um assunto ainda não devidamente estudado em profundidade, e cuja inserção

no mundo jurídico vem ocorrendo de forma lenta e gradual, através de uma doutrina

insipiente e de uma esparsa jurisprudência.

Trata-se, portanto, de uma questão polêmica e controvertida, tendo em vista

a dificuldade de se mensurar até que ponto o abandono afetivo do pai prejudica a

formação dos filhos, trazendo reflexos negativos ao seu desenvolvimento físico e

psicológico. E, consequentemente, de se estabelecer uma medida justa e eficaz que

venha a promover a devida reparação, à luz dos preceitos da Responsabilidade

Civil.

Sabe-se que a paternidade não gera apenas deveres de assistência

material. O papel dos pais não se limita ao dever de sustento. Incube-lhes, também,

o dever de assegurar o desenvolvimento dos filhos, sob todos os aspectos,

fornecendo-lhes amor, carinho e proteção, e sendo, ao mesmo tempo, um

referencial de conduta.

A garantia jurídica do direito ao afeto vem de encontro ao princípio da

dignidade da pessoa humana inserido na Constituição Federal.

A ausência, o menosprezo, a indiferença, a rejeição, comportamentos

característicos do abandono afetivo, não proporcionam um desenvolvimento

saudável da personalidade da criança e do adolescente e, certamente, causam

danos de ordem moral irreparáveis, passíveis de indenização.

Na elaboração deste trabalho, em termos metodológicos, foram utilizadas

técnicas de pesquisa exploratória, isto é, baseadas em dados secundários (já

existentes), colhidos principalmente em livros, artigos de jornais e revistas, sites na

internet e nas jurisprudências dos tribunais, caracterizando, assim, uma pesquisa de

cunho puramente bibliográfico e documental.

Page 12: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

10

A intenção foi a de revisar e analisar as fontes existentes sobre o assunto,

procurando estabelecer e formular uma nova abordagem, voltada especificamente

para o tema proposto.

Para a elaboração deste trabalho, optou-se por fazer, inicialmente, uma

abordagem preliminar sobre assuntos convergentes e diretamente relacionados com

o tema proposto.

Assim, no primeiro capítulo discorreu-se sobre a entidade familiar, sua

evolução histórica, os tipos de família existentes na atualidade e o poder familiar.

O segundo capítulo tratou das formas de proteção á criança e ao

adolescente, mostrando os aspectos característicos da relação de filiação, da

guarda dos filhos, e fazendo um breve estudo sobre o princípio da dignidade da

pessoa humana e os direitos da personalidade.

O terceiro capítulo versou sobre o instituto da responsabilidade civil, sua

evolução histórica, os fatores determinantes e sua inserção no contexto do direito de

família.

No quarto capítulo procedeu-se a um breve estudo sobre o dano moral, sua

conceituação, sua evolução no direito de família, e a admissibilidade de sua

reparação.

Finalmente, no quinto capítulo, tratou-se da importância da presença

paterna, e das consequências danosas que os filhos podem vir a sofrer pela sua

falta no contexto familiar. Discorreu-se sobre o dano moral sofrido pela criança e o

adolescente, em decorrência do abandono afetivo por parte do pai. E foi procedida a

uma breve exposição acerca da jurisprudência atinente a questões diretamente

relacionadas ao tema proposto.

Page 13: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

11

CAPÍTULO I A ENTIDADE FAMILIAR

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ENTIDADE FAMILIAR

A cada dia, novas descobertas sugerem que agressividade, atração pelo

perigo, dependência química, entre outras características dos seres humanos, são

determinadas em grande parte pela carga genética.

É indiscutível, no entanto, que a formação do caráter e da personalidade de

uma criança ocorre, a partir de seu nascimento, sob forte influência do ambiente

familiar e, em particular, das relações entre pais e filhos.

Dada a importância da família, torna-se imperioso realizar, como primeiro

passo deste trabalho, um breve estudo acerca da evolução da entidade familiar e de

sua visão atual no ordenamento jurídico brasileiro, e fazer uma análise sucinta sobre

o poder familiar, como um poder-dever dos pais na proteção integral dos filhos, em

especial, ao longo da infância e da adolescência.

A partir do momento em que se debruça sobre o estudo da entidade

familiar, passa-se a observar nitidamente a sua íntima ligação com o

desenvolvimento da civilização. De forma que não seria possível admitir a existência

de uma sociedade organizada sem a presença da instituição familiar que, ao longo

da história, tem assumido diferentes modelos.

Em razão das incessantes mudanças nos campos social, cultural e até

mesmo religioso, a família vem passando por constantes transformações, seguindo

o ritmo imposto pela evolução da própria sociedade.

Como destaca Bernardo Castelo Branco:

A origem da família ainda subsiste controvertida, existindo aqueles que, como Engels, alicerçados nos estudos sociológicos de Morgan, consideram a existência de uma fase denominada promíscua, durante a qual não havia exclusividade nas relações sexuais, inexistindo, assim, a concepção de família como atualmente entendemos 1.

1 CASTELO BRANCO, Bernardo. Dano moral no direito de família. 1. ed. São Paulo: Editora Método, 2006. p. 23-24.

Page 14: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

12

De fato, Friedrich Engels afirma que:

Reconstituindo retrospectivamente a história da família, Morgan chega, de acordo com a maioria de seus colegas, à conclusão de que existiu uma época primitiva em que imperava, no seio da tribo, o comércio sexual promíscuo, de modo que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres 2.

Na visão do insigne jurista Pontes de Miranda, “as várias teorias em torno

da origem da família não encontram fundamentação científica, uma vez que o

problema envolve valorações de caráter metafísico, relacionadas à própria origem

do homem, à sua decadência ou ao seu caráter naturalmente imperfeito” 3.

De toda maneira, Pontes de Miranda aponta a existência de três teorias,

que buscam explicar a origem da instituição familiar: a teoria da monogamia

originária, a teoria da promiscuidade primitiva, e a teoria das uniões transitórias,

indicando os seus fundamentos e inconsistências, concluindo, ao final, que a

monogamia, base do estágio atual da família, constitui o estado mais adequado à

natureza humana, capaz de atender o anseio pela felicidade que nos é inerente.

Como se pode observar, a origem e o desenvolvimento inicial da família é

bastante controvertido. O certo é que a família sempre ocupou um papel destacado

na história da civilização, influenciando os acontecimentos que determinaram os

rumos da humanidade, e sendo influenciada por eles.

A família que hoje se conhece é o resultado de um longo processo de

desenvolvimento histórico, não guardando muitos dos caracteres presentes em seus

estágios mais primitivos.

É inegável, portanto, que a compreensão da família, tal como a se tem hoje,

é o resultado da evolução sofrida ao longo dos séculos, quando inúmeros fatores

sociais, políticos, culturais e econômicos atuaram de modo a transformar

profundamente as relações entre seus membros.

A origem etimológica da palavra família deriva da expressão latina famulus,

que significa o conjunto de servos e dependentes de um chefe ou senhor. Essa ideia

nos remete a uma concepção da instituição familiar, ao menos em seus primórdios,

organizada sob a forma de uma estrutura hierárquica.

2 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.p. 29-30. 3 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família: direito matrimonial. Campinas (SP): Bookseller, 2001. v.1. p. 66.

Page 15: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

13

Na idade média, mais especificamente a partir de século X, o modelo de

instituição familiar começou a sofrer importante modificação, reduzindo-se ao núcleo

formado pelos pais e seus filhos.

O formato de família, representada pelo conjunto de pessoas ligadas umas

às outras por um vínculo de parentesco, isto é, por um ancestral comum, teve sua

origem na civilização romana. Nessa concepção, a família englobava os parentes

consanguíneos, os parentes por afinidade, o cônjuge e os agregados.

A família romana era vista como uma unidade jurídica, econômica e

religiosa, sendo liderada pelo pater famílias, que representava a autoridade absoluta

no seio familiar, tendo o poder sobre a vida e a morte de sua esposa e

descendentes, sobre os bens móveis e imóveis que lhe pertenciam, além de figurar

como sacerdote. Assim, o pater famílias era visto como o chefe e senhor de toda a

família que o rodeava, caracterizando dessa forma o patriarcalismo.

As relações familiares, na concepção romana, fundavam-se na noção de

poder, pois esta era aceita, como princípio, a desigualdade entre os indivíduos,

indicando a relação de domínio e precedência que marcava a autoridade exercida

pelo pater sobre seus membros. O poder exercido pelo pater era extensivo a todos

os indivíduos de um determinado núcleo, não apenas aos filhos.

A estrutura familiar romana determinou a formação do direito de família de

vários países, inclusive o Brasil, cuja ordem jurídica conferia ao marido a chefia da

sociedade conjugal, conforme se constata no Art. 233, do Código Civil de 1916,

dispositivo posteriormente modificado com a aprovação da Lei 4.121/1962, a partir

da qual esse encargo passou a ser exercido com a colaboração da esposa.

As marcas deixadas por esses valores permaneceram enraizadas em nossa

cultura jurídica, como ocorrera na maioria dos países ocidentais, que durante

séculos adotaram o modelo de família concebido em Roma, não obstante a

influência exercida pelo Cristianismo, que não impediu a subsistência da

estruturação do núcleo familiar em torno do poder pater-marital.

Segundo Caio Pereira, “a partir do século IV, com o Imperador Constantino,

instala-se no Direito Romano a concepção cristã de família, na qual as

preocupações de ordem moral predominam, sob inspiração do espírito de caridade” 4.

4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 5, p. 19.

Page 16: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

14

Em consequência da ascensão do cristianismo em Roma, a família passou

a ser centrada no matrimônio, que seria realizado por um ato religioso, sob o

princípio segundo o qual a sua formação deveria se pautar pela procriação e pelo

casamento indissolúvel.

Somente a partir da Revolução Francesa e, mais especificamente, com o

Código Napoleônico de 1804, surgiram os primeiros traços da família tal como a

concebemos hoje.

Conforme afirma Orlando Gomes:

Sob a influência da Escola do Direito Natural, altera-se profundamente a estrutura tradicional da família. Seu cunho patriarcal e sua finalidade política foram combatidos, proclamando-se a conveniência de organizá-la em bases igualitárias e de se privá-la de qualquer função política. Negou-se o caráter religioso do matrimônio e se pugnou pelo enfraquecimento da autoridade paterna. Os princípios dessa doutrina foram, em grande parte, acolhidos no Código de Napoleão. Mas o direito de família, sistematizado nesse monumento legislativo, funda-se ainda na autoridade paterna e no poder marital, na incapacidade e submissão da mulher, na igualdade dos filhos e na inferioridade da condição dos ilegítimos 5.

A família sofreu, ao longo de século XX, profundas modificações, adotando

novas concepções impostas pela sociedade, cabendo ao Direito a tarefa de

compreendê-las e sistematizá-las segundo uma nova realidade.

Na visão de Maria Helena Diniz, “a família está passando por profundas

modificações, mas como organismo natural, ela não se acaba, e como organismo

jurídico está sofrendo uma nova organização; logo não há desagregação ou crise” 6.

Entretanto, nenhuma dessas mudanças legislativas abalará a estrutura essencial da

família e do matrimônio. As transformações ocorridas na estrutura familiar foram determinadas, em

grande parte pela considerável evolução do papel da mulher em todos os campos, o

que a levou a abdicar das atividades exclusivamente familiares e dos serviços

domésticos, sem, no entanto, quebrar os vínculos nas relações afetivas com seus

filhos.

Observa-se, portanto que essa evolução trouxe consigo reflexos na

formação da família, a qual antes era fundada no poder marital, e passou a um

5 GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 41. 6 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 23.

Page 17: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

15

estágio em que se dá a participação conjunta do homem e mulher na consecução de

objetivos comuns e, por que não dizer, também individuais.

As transformações que marcaram a trajetória evolutiva da entidade familiar

se mostram presentes na relação entre os cônjuges e, mais recentemente, entre os

companheiros, como também entre pais e filhos, os quais igualmente sofreram com

as intensas modificações que culminaram com um novo modelo de família.

Nesse novo contexto, os filhos, antes na condição de alieni júris, passam ao

centro das preocupações, estabelecendo-se, pois, uma nova base de

relacionamento entre os integrantes da entidade familiar. A família passou a ser a

base emocional do indivíduo, com a função de transmitir educação e cultura e

proporcionar a maturidade necessária para se viver em sociedade.

As transformações experimentadas pela instituição familiar determinaram

novos rumos na relação entre pais e filhos, passando o pátrio poder, na atualidade,

à categoria de verdadeiro poder – dever, no âmbito do qual os direitos exercidos

conjuntamente pelos pais tem como objetivo principal o interesse maior dos filhos.

É inegável o abandono da noção de poder que presidia as relações entre

pais e filhos, sendo certo que o sentido protetivo do instituto passou a justificar o

exercício de certos direitos no âmbito do pátrio poder, expressão substituída em

nosso ordenamento jurídico por poder familiar através do Art. 1.630, do Código Civil

de 2002, de maneira a afastar por completo qualquer laço com a concepção

romanística que norteava esse vínculo jurídico.

As profundas transformações experimentadas pela instituição familiar, que

modificaram sobremaneira a sua estrutura e a forma como se desenvolviam as

relações entre seus membros, determinaram também mudanças não menos

intensas em outras vertentes do direito de família.

Os fatores que alavancaram a evolução do direito de família em grande

parte dos países do ocidente foram os mesmos que provocaram profundas

modificações no ordenamento jurídico brasileiro. Para Bernardo Castelo Branco,

“este fato refletiu na adoção de princípios que já não guardam qualquer semelhança

com a estrutura patriarcal da família concebida à época do Código Civil de 1916” 7.

7 CATELO BRANCO, Op. Cit. Nota 1, p. 32.

Page 18: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

16

Assim, como assinala Maria Helena Diniz:

O direito de família em nosso país, especialmente a partir da edição do denominado Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/1962), da Constituição Federal de 1988 e, recentemente, com a vigência do novo Código Civil (Lei 10.406/2002) passou a adotar como princípios: a) a afeição como ratio do matrimônio e da união estável, constituindo a sua extinção, em causa eficiente para a dissolução desses vínculos; b) a igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, com o desaparecimento do poder patriarcal e marital, substituído pelo exercício da autoridade conjunta; c) a igualdade jurídica de todos os filhos, abandonando-se a antiga distinção entre filiação legítima e ilegítima; d) o pluralismo familiar, reconhecendo-se a possibilidade de formação da família a partir da união estável entre homem e mulher fora do casamento e também da chamada família monoparental; e) a substituição do poder marital e patriarcal pelo poder familiar; f) a liberdade como fundamento para a constituição da família, seja pelo casamento ou pela união estável, também presente nas decisões relacionadas ao planejamento familiar, à administração do patrimônio e à formação intelectual e religiosa dos filhos; g) o respeito à dignidade da pessoa humana como base da família, em especial no pleno desenvolvimento da criança e do adolescente 8.

No ordenamento jurídico brasileiro, a evolução da entidade familiar ocorreu,

como se poderia ver pela simples análise das constituições editadas até hoje. No

entanto, nenhuma outra constituição, como a promulgada em outubro de 1988,

produziu tão significativas transformações na sociedade brasileira e na própria vida

das pessoas, com grandes reflexos na instituição familiar. O alargamento conceitual

das relações interpessoais acabou deixando reflexos na conformação da família.

A Constituição Federal, de 1988, trouxe em seu bojo inúmeras inovações

sobre esta matéria. Rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhecer a

existência de outras entidades familiares, além das constituídas pelo casamento.

Rompeu o aprisionamento da família nos moldes restritos ao casamento, mudando

profundamente o conceito de família. E, através dela, foram banidos do vocabulário

jurídico, expressões como ilegítimo, espúrio ou adulterino.

Assim a Constituição Federal, através do seu Art. 226, § 3º e 4º, ampliou o

conceito de família, abraçando a união estável e a comunidade formada por

qualquer dos pais com seus descendentes que começou a ser chamada de família

monoparental. Nela, o instituto familiar foi reconhecido como a base da sociedade,

prevalecendo a sua proteção por parte do Estado como nas Constituições

anteriores.

8 DINIZ, Op. Cit. Nota 6, p. 17-24.

Page 19: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

17

1.2 A FAMÍLIA NA ATUALIDADE

A ideia de família formal, cujo comprometimento mútuo decorre do

casamento, vem cedendo lugar à certeza de que é o envolvimento afetivo que

garante um espaço de individualidade e assegura uma auréola de privacidade

indispensável ao pleno desenvolvimento do ser humano.

O modelo convencional de família, constituída de um homem e uma mulher,

unidos pelo casamento e cercado de filhos, mudou. O conceito de família se

pluralizou. Como diz Tereza Wambier: “a cara da família moderna mudou” 9. O seu

principal papel é de suporte emocional do indivíduo, em que há flexibilidade e,

indubitavelmente, mais intensidade no que diz respeito a laços afetivos.

No dizer de Maria Berenice Dias:

Agora, o que identifica a família não é nem a celebração do casamento nem a diferença de sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo, a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo 10.

A família de hoje já não se condiciona aos antigos paradigmas de

casamento, sexo e procriação. A concepção não mais decorre exclusivamente da

união conjugal em sua forma originária. As relações extramatrimoniais já dispõem de

reconhecimento constitucional, e não se pode deixar de abrigar, no direito de família,

as relações homoafetivas, por exemplo, apesar de posturas discriminatórias e

preconceituosas.

O direito não pode fechar os olhos à realidade, e tem de acompanhar a

própria evolução da sociedade. Essa constante adaptação fez com que, viéssemos

a ter, no contexto atual, diferentes formas de constituição da entidade familiar:

1.2.1 A família matrimonial

Até a entrada em vigor da atual Constituição, o casamento era a única

forma admissível de formação da família. Para a Igreja, pelo menos a Católica, essa

9 WAMBIER, Tereza Celina Arruda Alvim. Direitos de família e do menor. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,1993. p. 83. 10 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 42.

Page 20: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

18

união sempre foi considerada um sacramento indissolúvel. Por sua vez, o Estado

passou a tratar o casamento como uma instituição, estabelecendo normas, e

determinando que o mesmo só seria efetivado mediante o atendimento de uma série

de formalidades.

Por adotarmos a monogamia, a legislação brasileira sempre se inclinou à

ideia de considerar apenas o casamento como forma legítima de constituição de

família, tendo prevalecido tal pensamento por muitos anos.

Nos tempos em que o Brasil era apenas uma colônia de Portugal, o

casamento previsto era o canônico, seguindo o Concílio de Trento. Assim, por ser a

população brasileira, em sua maioria, católica, o casamento válido e capaz de

constituir família era o casamento religioso, visto também como sacramento, já que

representava a união de um casal perante Deus, para toda a vida.

Com o Advento do Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, o matrimônio

deixou de ser alçada da Igreja, cabendo então ao Estado a sua regulamentação,

sendo, assim, instituído o casamento civil no Brasil.

No código Civil de 1916, o casamento civil era a única maneira de formar

uma família, substituindo assim o casamento religioso.

A Constituição de 1934 adotou o casamento religioso com efeitos civis,

forma que vem sendo adotada até hoje. Evidentemente, o casamento válido aos

olhos do Estado continuava sendo o civil, mas esse poderia ser celebrado, através

de um ato religioso, desde que observados os trâmites legais para o seu

reconhecimento na esfera cível.

Observa-se que a figura do casamento sempre teve grande importância

dentro da sociedade, uma vez que somente através dele é que duas pessoas de

sexos opostos poderiam se unir e dar continuidade à sua geração.

Ocorre que a evolução pela qual passou a família constituída pelo

casamento acabou levando, mormente nas últimas décadas, a sucessivas

alterações legislativas que desaguaram na Constituição Federal de 1988 e no

Código Civil Brasileiro de 2002.

Dentre essas alterações, pode-se citar, por exemplo, o Estatuto da Mulher

Casada (Lei 4.121/1962), que devolveu a plena capacidade à mulher casada, e

deferiu-lhe bens reservados que asseguravam a ela a propriedade dos bens

adquiridos com o fruto de seu trabalho.

Page 21: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

19

Há que se ressaltar, ainda, a Emenda Constitucional nº 9/1077 e a Lei

6.515/1977, que instituíram o divórcio, acabando com a indissolubilidade do

casamento, eliminando a ideia de família como instituição permanente.

A Constituição Federal de 1988, ao instaurar a igualdade entre o homem e a

mulher, ampliou o conceito de família, passando a proteger, de forma igualitária, os

seus membros, e a consagrar a igualdade dos filhos tidos dentro ou fora do

casamento, ou por adoção. Ademais, estendeu igual proteção, não apenas à família

constituída pelo casamento, mas também a união estável entre homem e mulher e à

chamada comunidade monoparental.

Assim, o direito passou a dar um novo enfoque à família, emprestando

maior importância à identificação do vínculo afetivo que une os seus integrantes.

Por fim, o novo Código Civil Brasileiro, que entrou em vigor, em 11 de

janeiro de 2003, nos artigos 1.511 a 1582, passou a regulamentar a instituição do

casamento, estabelecendo as formalidades que devem ser atendidas para a sua

plena efetivação.

No entanto, segundo a visão de Paulo Lins e Silva:

Diante da quantidade de exigências para a celebração do casamento, de pouco ou quase nada vale a vontade dos nubentes. Os deveres e direitos são impostos para vigorarem durante a sua vigência, e até depois de sua dissolução, pelo divórcio e até pela morte. Assim, quase se poderia chamar o casamento de verdadeiro contrato de adesão 11.

1.2.2 A união estável

Como pudemos observar, a lei emprestava juridicidade apenas à família

constituída pelo casamento, vedando quaisquer direitos às relações ditas adulterinas

ou concubinárias. Apenas a família legítima existia juridicamente.

Essa modalidade de convivência foi, durante muitos anos, denominada

concubinato, que poderia ser puro ou impuro, conforme o grau de impedimento para

o casamento do casal concubino. O concubinato puro correspondia justamente à

figura da união estável, no qual um homem e uma mulher se unem, vivendo

maritalmente, mas que por algum motivo, seja econômico cultural ou social, não se

casam. 11 SILVA, Paulo Lins e. O casamento como contrato de adesão e o regime legal da separação de bens. In: PEREIRA, Rodrigo dac Cunha (coord). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e cidadania. O novo CCB e VACATIO LEGIS. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 354.

Page 22: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

20

A união estável foi por muitos anos agredida pela sociedade, que não a

reconhecia como formas de família. Desse modo, não tinha qualquer amparo legal.

Os filhos oriundos dessa união eram considerados ilegítimos, e, assim como a

cocumbina, não podendo nenhum direito.

Somente com o advento da Constituição de 1988, através do seu Art. 226, §

3º, é que, finalmente, a união estável foi adotada como entidade familiar, tendo

assim proteção estatal.

Posteriormente, o Código Civil de 2002 dedicou a este assunto, um título

especial, estabelecendo, a partir do seu Art. 1.723, a sua regulamentação e a

seguinte definição, como sendo “uma união entre homem e mulher, baseada na

convivência pública, contínua e duradoura, em que pretendem formar uma

identidade familiar, isto é, uma família, sem as formalidades atribuídas ao

casamento” 12.

Sendo, portanto, considerada pela Constituição como um instituto capaz de

constituir uma família, a união estável que nao se confunde com o casamento, é

protegida pelo Estado, sendo os seus integrantes submetidos aos deveres de

lealdade, respeito e assitência mútua, bem como de guarda, sustento e aducação

dos filhos.

1.2.3 A família monoparental

A Constituição Federal, ao lado do casamento e do reconhecimento da

união estável como formas de entidade familiar, trouxe também, ao âmbito do

direito, uma nova forma de família denominada monoparental.

O Art. 226, § 4º, da Carta Magna, estabeleceu como entidade familiar, a

comunidade composta por qualquer um dos pais e seus descendentes.

É importante ressaltar que a família monoparental pode ser decorrente de

uma decisão ou de uma situação fática. Será consequência de uma situação nos

casos de divórcio, viuvez, celibato, ou seja, em todos os casos em que um dos

cônjuges constitui, sem seu companheiro, uma família juntamente com seus filhos. E

de opção, nos casos de adoção, das mães solteiras, de inseminação artificial,

12 BRASIL. Código Civil: Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. In Vade Mecum Acadêmico de Direito. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 214.

Page 23: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

21

situações essas em que as pessoas, por livre escolha, passam a cuidar de seus

filhos sozinhas, formando sua família sem a presença do outro cônjuge.

A família monoparental veio a quebrar o modelo clássico de família,

composta de pai, mãe e filhos, atingindo a última fase evolutiva. Isto porque,

inicialmente, num passado distante, a família seguia o padrão patriarcal, em que o

pai exercia a função de chefe. Posteriormente, a família passou a ser nuclear,

chegando, por fim, ao modelo monoparental, reduzindo-se, dessa forma a relação

somente ao pai e filho.

Essa nova forma de entidade familiar, agora prevista e protegida pela

Constituição Federal, ganhou força devido às profundas transformações sociais,

econômicas e culturais da população, ocorridas, especialmente, no século XX.

Apesar do que, de forma injustificável, o legislador omitiu-se em regular seus

direitos, que acabaram sendo alijados do Código Civil, apesar de esta ser a

realidade de pelo menos um terço das famílias brasileiras.

Fatos como a inserção da mulher no mercado de trabalho e a legalização

do divórcio propiciaram o aumento das relações monoparentais. Tudo isso sem falar

no caso de jovens que ficam grávidas ainda na adolescência, sem nenhum apoio de

seu companheiro, só lhes restando criar os seus filhos sem a presença do pai.

Neste caso, conclui-se pela existência de inúmeras crianças e

adolescentes que vivem na companhia de apenas um dos pais, sofrendo graves

consequências em razão da carência afetiva.

1.2.4 A família homoafetiva A família homoafetiva é aquela em que o casal é formado de pessoas do

mesmo sexo.

Essa forma de união sempre foi rejeitada pela sociedade, ao longo da

história. No entanto, essa é uma realidade que não se pode mais fazer de conta que

não existe.

O certo é que a Constituição Federal, rastreando os fatos da vida, viu a

necessidade de reconhecer a existência de relações afetivas fora do casamento.

Verificou-se, ainda, quer a família monoparental, a união estável não esgotaram as

formas de convivências merecedoras de tutela.

Page 24: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

22

1.3 O PODER FAMILIAR

1.3.1 Conceito de poder familiar

A expressão poder familiar é nova. Na opinião de Silvio Rodrigues, o poder

familiar “corresponde ao antigo pátrio poder, termo que remonta ao direito romano:

pater potestas – direito absoluto e ilimitado, conferido ao chefe da organização

familiar sobre a pessoa dos filhos” 13.

Sobre esta questão Antônio Elias Queiroga afirma o seguinte:

O poder familiar reflete um conjunto de direitos e deveres dos pais com relação à pessoa e ao patrimônio dos filhos. É um poder-dever derivado de uma necessidade natural, visto que toda pessoa humana, na infância e na adolescência, precisa de alguém para ajudá-la na sua criação, educação, sustento e administração de seus bens. Alcança o menor não emancipado, e é exercido por ambos os pais, em igualdade de condições 14.

O poder familiar decorre tanto da paternidade natural, como da filiação legal.

É inalienável, porque não pode ser transferido pelos pais a outrem. É irrenunciável,

porque não admite que os pais possam recusá-lo. É imprescritível, pois os pais, se

deixarem de exercê-lo, a qualquer tempo, podem reivindicá-lo. Como podemos ver,

as obrigações que dele fluem são personalíssimas.

Segundo Guilherme Gama:

Ao exercer o poder familiar, a autoridade parental está submetida a deveres não apenas no campo material, mas principalmente, no campo existencial, devendo os pais satisfazerem outras necessidades dos filhos, notadamente de índole afetiva 15.

O poder familiar não é o exercício de uma autoridade, mas um encargo

imposto pela paternidade e maternidade, decorrente da lei. Nesse sentido, Silvio de

Salvo Venosa afirma que o poder familiar pode ser considerado como “o conjunto de

direitos e deveres atribuídos aos pais com relação aos filhos menores e

emancipados, com relação à pessoa destes e a seus bens” 16.

13 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 353. 14 QUEIROGA, Antônio Elias. Curso de direito civil – direito de família – Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 319. 15 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito de família brasileiro – Introdução: abordagem sob a perspectiva civil-cosntitucional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.147. 16 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.p 287.

Page 25: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

23

1.3.2 Do exercício do poder familiar

O exercício do poder familiar dos pais em relação aos filhos está

estabelecido, de forma concisa, no Art. 1.634, do Código Civil, nos seguintes termos:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; II – tê-los sob sua guarda; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se outro dos pais não lhes sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V – representá-los, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI – reclamá-los de quem igualmente os detenha; VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição 17.

Ao nos atermos, mais especificamente ao inciso I, podemos concluir que

cabe aos pais, primordialmente, dirigir a criação e educação dos filhos, para

proporcionar-lhes a sobrevivência, tornando-os úteis à sociedade. Esse dever, na

verdade, tem um sentido muito amplo: vai desde a assistência material à assistência

moral e espiritual, e demonstra a importância da presença e atuação dos pais na

formação e no desenvolvimento dos filhos, sob todos os aspectos.

No contexto deste trabalho, poderíamos acrescentar, ainda, que a omissão

dos pais pode ensejar, sob certas condições, o abandono afetivo e intelectual,

causando aos filhos, danos de ordem moral, passíveis de indenização.

1.3.3 Da suspensão, perda e extinção do poder familiar O poder familiar pode sofrer afetações várias, que acarretarão, conforme o

caso, a sua suspensão, destituição ou perda, e a extinção.

De acordo com o Código Civil Brasileiro, a suspensão e a destituição do

poder familiar constituem sanções aplicadas aos pais, ou a um deles, pela infração

dos deveres inerentes ao poder familiar.

A suspensão é uma medida temporária. Já a perda ou destituição é, em

princípio, definitiva.

17 BRASIL, Op. Cit. Nota 12, p. 210.

Page 26: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

24

A perda do poder familiar constitui a mais grave sanção imposta aos pais

que faltarem com os deveres em relação aos filhos. Por esta razão, consideramos

importante destacar os casos em que a mesma pode ser aplicada. Decorre, via de

regra, das situações previstas no Art. 1.638, do Código Civil, que assim determina:

Art. 1638. Perderá, por ato judicial, o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente 18.

Ao contrário da suspensão e da perda, a extinção do poder familiar não

ocorre em consequência de infração cometida pelos pais. Segundo o Art. 1.635, do

Código Civil, ela ocorre: I – pela morte dos pais ou do filho; II – pela emancipação;

III- pela maioridade; IV – pela adoção do filho por terceiros; e V – em virtude de

decisão judicial.

18 BRASIL, Op. Cit. Nota 17, p. 211.

Page 27: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

25

CAPÍTULO II DA PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Não obstante o presente trabalho busque enfocar o problema do dano moral

decorrente do abandono afetivo dos filhos, é conveniente fazer uma abordagem

preliminar acerca de alguns aspectos da relação de filiação. Em seguida, buscando

embasar e direcionar o estudo para o tema proposto, serão analisadas, de maneira

sucinta, questões como: a guarda dos filhos, o princípio da dignidade da pessoa

humana, e os direitos da personalidade, mormente no que diz respeito à criança e

ao adolescente.

A presente abordagem se faz necessária, considerando-se que os danos

morais a que estão sujeitos os filhos decorrem normalmente de problemas na

relação de filiação, e estão diretamente relacionados com afetações à sua dignidade

e aos direitos da personalidade.

2.1 DA RELAÇÃO DE FILIAÇÃO

Os avanços no campo tecnológico, as mudanças sociais, econômicas e

culturais experimentadas pela sociedade mundial causaram e vêm causando uma

verdadeira revolução nas relações humanas, em especial no seio da família e, de

modo específico, na maneira de se relacionarem pais e filhos, com grandes reflexos

sobre o exercício do poder familiar.

Por outro lado, a grande evolução das ciências que estudam o psiquismo

humano veio a evidenciar a decisiva influência do contexto familiar para o

desenvolvimento sadio dos filhos, ao longo do período de sua formação.

Sabe-se que a relação entre pais e filhos se caracteriza pela

hipossuficiência de um dos sujeitos que dela participam. Esta condição de

dependência faz com que os filhos estejam mais expostos aos agravos de natureza

moral, em face dos problemas que costumam ocorrer na dita relação.

Não há mais dúvidas de que a falta de convívio dos pais com os filhos, em

razão do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas

psicológicas e comprometer seu desenvolvimento saudável.

Page 28: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

26

Como afirma Bernardo Castelo Branco:

Diferentemente da grande maioria das espécies animais, que se desligam de suas crias tão logo estas se mostrem aptas a desenvolver sozinhas as atividades necessárias à sobrevivência, nós, seres humanos, precisamos manter uma ligação permanente com aqueles que geramos, e desenvolvemos em regra sentimentos que escapam à compreensão puramente biológica das nossas funções 19.

A relação particularizada entre pais e filhos não mais se justifica como o

exercício de uma mera relação de poder. Isto porque a afeição passou a ser

considerada a mola propulsora das ações dos pais em prol do desenvolvimento dos

filhos, constituindo-se num dos pilares sobre os quais deve se assentar a relação

paterno-filial.

A relação filial, internamente expressa a partir do exercício do poder familiar,

retrata não mais um poder exercido em razão da situação peculiar que vincula pais e

filhos, mas revela um conjunto de instrumentos normativos que se coloca a serviço

do desempenho da tarefa maior que é a de proporcionar à criança a ao adolescente

os meios necessários ao desenvolvimento das potencialidades inerentes à

personalidade.

Para Maria Isabel da Costa:

O conceito atual de família, centrada no afeto, como elemento agregador, exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade, como atribuição do exercício do poder familiar 20.

No seio da família contemporânea, desenvolveu-se uma relação que se

encontra deslocada para a afetividade. Por outro lado, nas concepções mais

recentes de família, os pais têm certos deveres que independem do seu arbítrio,

porque quem os determina é o Estado.

Como já foi citada, a relação filial não deve mais ser entendida como uma

relação de poder, ou de dominação, mas como uma relação afetiva, o que significa

dar a devida atenção às necessidades manifestadas pelos filhos em termos de afeto

e proteção à família.

Assim, depreende-se que a responsabilidade dos pais não se pauta apenas 19 CASTELO BRANCO, Op. Cit. Nota 7, p. 102. 20 COSTA, Maria Isabel da. Família: do autoritarismo ao afeto. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDFAM/Síntese, nº 32. p. 20-39, out-nov. 2005.

Page 29: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

27

no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento

humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade humana.

Miguel Reale, ao comentar o sentido social que norteou a elaboração do

projeto do atual Código Civil, cita como exemplo a mudança de denominação do

pátrio poder para poder familiar como “um conjunto de direitos e deveres exercidos

conjuntamente pelos pais em razão da prole, considerando a nova expressão

apropriada ao momento em que vive a sociedade” 21.

A nova ordem constitucional implantada a partir de 1988, passou a incutir na

sociedade uma maior preocupação com a proteção e o desenvolvimento da criança

e do adolescente, colocando-os na categoria de sujeitos aos quais se deveria

conferir especial proteção, através de um exercício profícuo da autoridade parental.

Atento à nova ordem constitucional, o Código Civil de 2002, no Art 1.631,

acolhe expressamente o princípio da igualdade entre os pais, relativamente ao

exercício do poder familiar, estabelecendo o critério judicial para a solução de

eventuais conflitos.

Como já foi visto no capítulo anterior, entre os deveres decorrentes do

Poder Familiar encontra-se o dever dos pais de ter os filhos em sua companhia e

dirigir-lhes a criação e a educação (CC 1.634 I e II). Este encargo compete a ambos

os genitores, mesmo quando separados (CC 1.631). Quando estabelecida a guarda

unilateral, a um dos genitores fica limitado o direito de ter os filhos em sua

companhia (CC 1.632) porém, ao genitor que não possui a guarda é assegurado o

direito de visitas (CC 1.589). Ultimamente, com o estabelecimento e a priorização da

chamada guarda compartilhada, como se verá mais adiante, a relação de filiação e o

exercício do poder familiar restaram ainda mais preservados.

Maria Berenice Dias afirma que, “a Constituição Federal e o Estatuto da

Criança e do Adolescente, acolheram a doutrina da proteção integral.

Transformaram-se em sujeitos de direito, e foram contemplados com enorme

número de prerrogativas e garantias” 22.

A Constituição Federal confere à família, ao Estado e à sociedade, a

qualidade de entes responsáveis a dar efetividade a esse leque de garantias.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao regulamentar a norma

constitucional, identifica, no seu Art. 7º, entre os direitos fundamentais dos menores,

21 REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 7. 22 DIAS, Op. Cit. Nota 10, p. 415.

Page 30: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

28

o de ter assegurado um desenvolvimento sadio e harmonioso. Da mesma forma, o

Art. 19 lhes garante o direito a serem criados e educados no seio de sua família.

Todos esses dispositivos nos remetem à importância que passou a ser dada

ao estabelecimento de uma maior proteção da criança e do adolescente, no

ordenamento jurídico brasileiro.

2.2 DA GUARDA DOS FILHOS

A proteção que se deve dispensar aos filhos, no curso da infância e da

adolescência, qualquer que seja a sua condição, deve ser a mesma. Cumpre

ressaltar que o Art. 227, § 6º estabeleceu uma regra igualitária, segundo a qual os

filhos, qualquer que seja a sua condição, terão iguais direitos e qualificações,

mormente no que tange aos deveres dos pais de protegê-los sob todos os aspectos

ditados pelo poder familiar.

Embora o abandono afetivo possa ocorrer no seio de uma família

constituída de uma forma regular, na qual convivem pais e filhos, formando uma

coletividade com características e objetivos próprios, é com a cisão da entidade

familiar, dada a inviabilidade da vida em comum, que os filhos tendem a ficar mais

sujeitos a distúrbios de personalidade. O mesmo pode ocorrer no caso de filhos

tidos fora do casamento, ou daqueles que vivem e são criados em uma família

monoparental.

Quando da união nasceram filhos, a dissolução dos vínculos afetivos dos

pais não leva à cisão nem quanto aos direitos nem quanto aos deveres com relação

à prole. Ou seja, os deveres decorrentes do exercício do poder familiar em nada

são afetados pela separação. A unidade familiar persiste mesmo depois da

separação.

Surge, a esta altura de nosso trabalho, o questionamento acerca da

situação dos filhos menores, a partir do momento em que ocorre a separação dos

pais. Legalmente, essa questão é definida através do estabelecimento da guarda,

que pode ser unilateral ou compartilhada.

Não se pode deixar de considerar que, a partir da ocorrência de um fato

dessa natureza, a proteção aos filhos passa a ser ainda mais imprescindível,

requerendo maior atenção por parte dos pais, bem como uma eficaz ingerência do

Estado no sentido de assegurar à criança e ao adolescente os direitos de uma

Page 31: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

29

assistência integral que lhe são conferidos pela Constituição e pela legislação

infraconstitucional.

Lembra a psicóloga, Judith Wallerstein, que:

São os filhos quem mais sofrem no processo de separação, pois perdem a estrutura familiar que lhes assegura melhor desenvolvimento psíquico, físico e emocional. Consideram-se rejeitados e impotentes, nutrindo um profundo sentimento de solidão, como se os pais estivessem violando as obrigações da paternidade 23.

Falar em guarda dos filhos pressupõe a separação dos pais. No entanto, o

fim do relacionamento dos pais não deve comprometer a continuidade da

convivência dos filhos com ambos os genitores. A princípio, a definição da guarda

identifica quem tem o filho em sua companhia.

Historicamente, os filhos sempre ficavam sob a guarda da mãe, pelo

absoluto despreparo dos homens em desempenhar funções específicas para cuidar

de uma criança.

Com a evolução do direito de família brasileiro, a lei passou a impor a

necessidade de identificar quem ficaria com a guarda dos filhos, estabelecendo-se o

regime de visitas para o outro cônjuge. A decisão sobre quem ficaria com a guarda

do filho poderia, até mesmo decorrer de um acordo entre os pais. Era a chamada

guarda individual.

De acordo com Silvio Rodrigues:

Basicamente, a questão da guarda dos filhos vinha relacionada ao comportamento dos cônjuges no casamento, de sorte que, como regra, ao inocente se resguardava esse direito, embora fosse permitido, diante das circunstâncias, decidir-se de forma diversa elo interesse da prole. A igualdade constitucional entre marido e mulher e a necessidade de preservação, em primeiro lugar, do melhor interesse dos menores fizeram com que a doutrina e a jurisprudência deixassem de lado a literalidade do texto normativo para desvincular a questão dos filhos da verificação de culpa de um dos genitores pela separação 24.

A partir daí, a definição da guarda deixou de se constituir num castigo para

um dos genitores, e passou a ser estabelecida em função principalmente do bem-

estar dos filhos.

23 WALLERSTEIN, Judith S.; BLEKESLEE, Sandra. Sonhos e realidade no divórcio. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 41. 24 RODRIGUES, Op. Cit. Nota 13, p. 54.

Page 32: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

30

O Código civil, atualmente em vigor, deixou de priorizar a guarda individual.

O maior conhecimento do dinamismo das relações familiares fez surgir a chamada

guarda compartilhada, que assegura maior aproximação física e imediata dos filhos

com ambos os genitores, mesmo com o fim do vínculo conjugal.

Na visão de Maria Antonieta Motta:

A guarda compartilhada é o modo de garantir, de forma efetiva, a co-responsabilidade parental, a permanência da vinculação mais estrita e a ampla participação destes na formação e educação dos filhos, a que a simples visitação não dá espaço. O compartilhar da guarda dos filhos é o reflexo mais fiel do que se entende por poder familiar 25.

A guarda compartilhada passou a ser a regra, muito embora ela possa ser

fixada por consenso ou por determinação judicial, conforme estabelece o Art. 1584,

I e II. Isto porque a guarda unilateral ainda é estabelecida quando decorrer do

consenso de ambos.

Ela significa mais prerrogativas aos pais, fazendo com que estejam

presentes de forma mais intensa na vida dos filhos. Esse compartilhamento de

deveres e obrigações garante uma maior participação de ambos os pais no

crescimento e desenvolvimento da prole e reduz em muito a possibilidade de

ocorrência de dano moral decorrente do abandono afetivo, que pode trazer graves

consequências para o desenvolvimento dos filhos.

Como se vê, a lei ainda prevê a possibilidade da guarda unilateral, mas

francamente dá preferência à guarda compartilhada. Assim, a guarda concedida a

um só dos genitores, com o regramento do regime de visitas, é estabelecida quando

decorrer do consenso de ambos. Caso somente um dos pais não concorde com a

guarda compartilhada, pode o juiz determiná-la de ofício ou a requerimento do

Ministério Público. Nessa situação, a guarda será atribuída ao genitor que revele

melhores condições de exercê-la, e objetivamente, tenha aptidão para propiciar ao

filho afeto nas relações com o genitor e o grupo familiar; saúde e segurança; e

educação.

25 MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Compartilhando a guarda no consenso e no litígio. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e dignidade humana. Belo Horizonte. (BDFAM, 2006, p.599)

Page 33: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

31

Segundo Maria Berenice Dias:

No Estatuto da Criança e do Adolescente, a denominação “guarda” tem outra conotação. Diz respeito à criança e adolescente que não convivem com qualquer um dos pais, e estão com os direitos ameaçados ou violados (Art. 98). A guarda tem cabimento em duas situações em especial: a) para regularizar a posse de fato (Art. 33, §1º) e b) como medida liminar ou incidental nos procedimentos de tutela e adoção (Art. 32 § 2º) 26.

Independentemente da situação jurídica da criança, a colocação em família

substituta não implica na suspensão nem na extinção do poder familiar (Art 28).

Porém, nessa condição, o guardião tem o dever de assistência material, moral e

educacional.

Embora no Estatuto da Criança e do Adolescente a guarda tenha conotação

precária e provisória, visando apenas a atender situações emergenciais, na

realidade a tendência é que ao final ela se torne definitiva, mormente quando o

retorno à convivência com os genitores implique em prejuízo para os filhos.

Como se pode observar, da mesma forma que nas demais prerrogativas do

poder familiar, a guarda tem como principal objetivo a proteção integral à criança e

do adolescente.

2.3 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Em nível mundial, o princípio da dignidade da pessoa humana surgiu da

necessidade de se acabar com os excessos, como os que ocorreram com o

nazismo, com o medo e a insegurança que se havia espalhado por todo o mundo,

através de vários atos que atentaram contra a humanidade ao longo da história. A

dignidade da pessoa humana passou a embasar qualquer direito, sendo a essência

que projeta o ordenamento jurídico, passando a ter valor supremo e fundamental.

Dessa forma, o princípio da dignidade da pessoa humana nasceu para

proteger o ser humano, proporcionando-lhe viver dignamente e em um clima de

harmonia e respeito com os seus semelhantes.

Acometida por estas ideias, a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 1º,

inciso III, pela primeira vez em nosso país, fez da dignidade da pessoa humana valor

supremo da ordem jurídica. Surgem um novo modelo e uma nova concepção,

26 DIAS, Op. Cit. Nota 22, p. 407.

Page 34: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

32

concedendo legitimidade e ordem ao sistema, devido ao seu destaque sobre os

demais valores, ao atribuir-lhe uma unidade axiológica-normativa.

A proteção jurídica do direito dos filhos ao afeto está embasada no principio

da dignidade da pessoa humana que é objeto de expressa previsão em nosso texto

constitucional, podendo ser encontrado no Art. 1º, inciso III. E no Art. 227, esses

direitos são reforçados, tendo-se o seguinte:

Art. 277. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência e opressão 27.

Definido como um dos direitos humanos elementares, o direito à dignidade

passou a integrar, não somente ao texto constitucional, mas também ao Estatuto da

Criança e do Adolescente.

No Estatuto da Criança e do Adolescente, o Art. 15 reafirma o direito à

dignidade do menor, e faz especial menção à condição de pessoa em processo de

desenvolvimento.

Assim, o princípio da afetividade especializa, no campo das relações

familiares, o macro-princípio da dignidade da pessoa humana previsto na

Constituição Federal, que preside todas as relações jurídicas e submete o

ordenamento jurídico nacional.

A ideia pode ser ampliada, quando se passa a observar que, no

ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da dignidade da pessoa humana chega

ao ápice com a Constituição Federal de 1988, passando a ser o alicerce de todos os

demais direitos constitucionais.

Sobre o lastro da Constituição, o legislador infra-constitucional procurou

tutelar a criança e os jovens em geral, proporcionando-lhes uma vida digna,

suprindo-lhes todas as necessidades para um pleno desenvolvimento, não dando

margem ao surgimento de carências que pudessem trazer consequências danosas

para a vida futura.

O princípio da dignidade da pessoa humana é inerente ao ser humano. No

27 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Vade Mecum Acadêmico de Direito. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 76.

Page 35: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

33

nosso ordenamento jurídico, passou a ser direito constitucional, cuja aplicação e

eficácia são imediatos, não sendo passível de alienação nem de prescrição.

Sua inserção entre os direitos fundamentais, na condição de cláusula

pétrea, constitui uma garantia à proteção moral e espiritual das pessoas a ela

submetidas.

Houve, assim, uma reafirmação de um direito que já era previsto na Carta

Magna, colocando-o em evidência no que diz respeito à proteção da dignidade da

criança e do adolescente.

Na ótica da Lei nº 8.069/90, conforme disposto no Art. 15 e 18, o direito à

dignidade defende a criança e o adolescente de qualquer tratamento desumano,

violento aterrorizante, vexatório ou constrangedor. O objetivo é o de proteger o

status dignitatis, evitando que sejam submetidos a sofrimentos que venham a trazer

graves consequências ao seu desenvolvimento.

O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que essa

proteção é dever de todos, não somente dos pais ou responsáveis pelo menor,

cabendo, também ao Estado a função de velar pela dignidade dos mesmos.

No tocante aos pais, a falta de cumprimento dos deveres decorrentes do

exercício do poder familiar, pode caracterizar uma ofensa à dignidade dos filhos, na

medida em que, fatos como o abandono afetivo, ou um agravo à integridade física

ou psíquica, decorrentes de um crescimento desprovido do afeto paterno, podem se

constituir em um bem jurídico que a indenização do dano moral se destinaria a

tutelar.

Na visão de Giselda Maria Hironaka:

Quando aos filhos é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, o que acarreta a violação de direitos próprios da personalidade humana, de forma a magoar seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, tudo isso, por si só, se configura em algo profundamente grave 28.

2.4 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

A proteção que se deve conferir à criança e ao adolescente tem íntima

ligação com os direitos da personalidade do ser humano. 28 HIRONAKA, Giselda Mara Fernandes. Aspectos jurídicos da relação paterno-filial – Carta Forense. São Paulo, ano III, n. 22, p. 3, março, 2005.

Page 36: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

34

Segundo Sérgio Iglesias:

A personalidade é um complexo de características interiores com o qual o indivíduo pode manifestar-se perante a coletividade e o meio que o cerca, revelando atributos materiais e morais. No sentido jurídico, a personalidade é um bem, aliás o primeiro bem pertencente à pessoa 29.

Entendida como um bem, a personalidade subdivide-se em categorias de

bens: a vida, a liberdade, a honra, a intimidade entre outros. Em torno destes bens

gravitam todos os bens materiais, dado o caráter de essencialidade e qualidade

jurídica atribuída ao ser.

Neste sentido, Maria Helena Diniz afirma que:

A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que dele possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens 30.

Dessa forma, a personalidade se apresenta como um bem que serve ao

sujeito de direito para pleno gozo e exercício dos demais bens. O conjunto desses

primeiros bens é tutelável juridicamente, e essa proteção constitui os denominados

Direitos da Personalidade.

Os direitos da personalidade constituem-se como a permissão atribuída

pelo ordenamento jurídico para que o indivíduo possa exercer a proteção dos bens

da personalidade, logo, os direitos da personalidade são direitos subjetivos. Assim,

considerando que a personalidade é o conjunto de bens referentes à parte

intrínseca do ser, uma vez violados tais bens, o ordenamento jurídico lhes confere

proteção.

Ao contrário dos demais direitos – como o direito de propriedade, por

exemplo – os direitos da personalidade não necessitam de norma expressa para

seu reconhecimento e tutela jurídica. Os direitos da personalidade dizem respeito à

dignidade humana e sofrem variações de acordo com o tempo e o espaço, mas

29 SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Responsabilidade civil por danos à personalidade. Barueri SP: Manole, 2002. p. 1. 30 DINIZ, Op. Cit. Nota 6, p. 83.

Page 37: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

35

sempre serão passíveis de reconhecimento, independentemente da norma jurídica

que os declare.

Dessa forma, pode-se afirmar que os bens da personalidade existem

quando se referem às condições da essência do ser humano e, em decorrência, o

direito da personalidade surge para proteger os referidos bens, à medida que tais

direitos preservam fatores elementares para a existência digna da pessoa.

Os direitos da personalidade podem ser conceituados como sendo aqueles

direitos inerentes à pessoa e à sua dignidade. Demonstram muito bem essa

concepção, o direito à vida e á integridade física, o direito à honra, à proteção da

imagem, do nome e da intimidade. A personalidade é um atributo do ser humano e o acompanha por toda a

sua vida. Como a existência da pessoa natural termina com a morte, somente com

esta cessa a sua personalidade.

Na condição de ser humano, a criança e o adolescente trazem em si valores

que lhes são privativos, esses valores passam a integrar a sua personalidade e lhes

possibilitam desenvolver-se em sociedade, e a dar, no âmbito de sua própria família,

os primeiros passos de uma caminhada que se descortina ao longo da vida.

O ser humano tem tutelados pelo Direito, por meio dos direitos da

personalidade, a garantia e o respeito a todos os elementos potencialidades e

expressões da personalidade humana, e essa garantia corresponde a toda a esfera

individual, acrescentando-lhe o respeito a valores como o sentimento, a vontade, a

igualdade, a segurança e o desenvolvimento da personalidade.

Assim, os direitos da personalidade são direitos considerados essenciais à

pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar

a sua dignidade.

Os direitos da personalidade foram criados para dotar o Direito de

mecanismos eficientes para tutelar três princípios básicos constitucionais: o princípio

da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da solidariedade.

No mundo atual, a sociedade vive a evolução da ciência e da tecnologia.

Diante desse quadro é inegável a importância dos direitos da personalidade para

garantir o respeito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade física, ao nome, ao

segredo, aos valores morais e intelectuais, todos necessários ao desenvolvimento

da personalidade humana.

Page 38: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

36

Na opinião de Celso Bastos e Ives Martins:

É de lembrar-se, contudo, que a natureza humana pode ser ofendida de várias maneiras. Tanto a qualidade de vida desumana quanto a prática de medidas como a tortura, sob todas as modalidades podem impedir que o ser humano cumpra na Terra a sua missão, conferindo-lhe sentido 31.

Não se pode esquecer que o ser humano, qualquer que seja a sua

condição, necessita de certos bens corpóreos ou incorpóreos que, na sua maioria,

se encontram no seu ambiente natural, para a satisfação de suas faculdades e para

a sua própria sobrevivência. Além desses bens externos, existem outros que se

encontram interiorizados à sua personalidade, necessários à sua dignidade e

integridade interior. Tais bens são tão importantes que, se privados destes bens, o

ser humano sofrerá grave mutilação nos seus interesses.

Observa-se, porém, que, se por um lado o ordenamento jurídico brasileiro

tem procurado garantir a dignidade humana, no que tange, principalmente, à pessoa

da criança e do adolescente, como podemos observar na própria Constituição

Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, na prática muitas vezes isso não

acontece. E isso ocorre em razão das dificuldades que se originam no seio da

própria família onde os filhos, dada a sua condição de dependência, estão sujeitos a

todo tipo de interferência que poderão afetar a sua dignidade, trazendo reflexos

danosos à formação de sua personalidade.

A insegurança, a falta de afetividade, de apoio moral, as agressões físicas

ou psicológicas, a simples ausência constituem uma afetação ao direito da

personalidade inerente à criança e ao adolescente. Até mesmo o estado de filiação,

por exemplo, é um direito inerente à personalidade da criança, de modo que a

negativa injustificada ao seu reconhecimento por parte dos pais constitui dano de

caráter extra-patrimonial, experimentado pelo filho não reconhecido, apto a autorizá-

lo a buscar a reparação civil daí decorrente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 27) estabelece o direito ao

estado de filiação como de caráter personalíssimo, indisponível e imprescritível,

exercido contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição. Essa disposição

estatutária encontra amparo no Art. 277, caput da Constituição Federal, que atribui à

família, à sociedade e ao Estado, entre outros deveres, relativos à criança e ao 31 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 425.

Page 39: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

37

adolescente, o respeito à sua dignidade e a possibilidade de uma sadia convivência

familiar e social.

A criança e o adolescente, privados de uma sadia convivência familiar,

encontram-se em situação de evidente violação do direito de personalidade,

caracterizado, neste caso, como uma afronta ao respeito à sua dignidade, pois são

inevitáveis as repercussões negativas que esse estado de coisas acarreta ao filho,

em especial na fase de sociabilização, para a formação de sua personalidade.

A Constituição Federal consagra, no seu Art. 5º, caput, alguns dos direitos

fundamentais, buscando proteger, de forma abrangente, a pessoa natural.

Foi precisamente com o advento da Constituição Federal de 1988, que os

direitos da personalidade foram acolhidos, tutelados e sancionados, tendo em vista

a adoção da dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental da

República Federativa do Brasil, o que justifica e admite a especificação dos demais

direitos e garantias, em especial dos direitos da personalidade, expressos no Art.

5.o, X, que diz:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação 32.

Os direitos da personalidade, no entanto, distinguem-se dos demais direitos

fundamentais por serem constitutivos da própria noção plena de pessoa humana,

Como os demais direitos fundamentais, eles decorrem da obediência ao princípio

da dignidade humana.

Como se depreende do item anterior, a dignidade da pessoa humana é um

princípio fundamental, presente no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, e

que garante direitos que são necessários e fundamentais, a exemplo do que

acontece com os direitos da personalidade.

O novo Código Civil Brasileiro, em consonância com o já prescrito de longa

data pela Lei Maior, e com as novas relações sociais que reclamam a necessidade

da tutela dos valores essenciais da pessoa, dedicou capítulo especial (Cap. II, Art.

32 BRASIL, Op. Cit. Nota 27, p. 23-24.

Page 40: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

38

11 a 21) sobre os direitos da personalidade, o qual se refere, especificamente, ao

direito de proteção à inviolabilidade da pessoa natural, à integridade do seu corpo,

nome e imagem.

Considera-se, entretanto, que tal enumeração não deve ser tida como

exaustiva, uma vez que a ofensa a qualquer modalidade de direito da

personalidade, dentro da variedade que a matéria propõe, pode ser coibida,

segundo o caso concreto, com base no que prescreve a Constituição Federal, que

proclama a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental.

Assim, inseridos na legislação atual, os direitos da personalidade são

disciplinados e protegidos pela Constituição Federal, pelo novo Código Civil, bem

como pelo Código Penal e, ainda, por legislações especiais, como o Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA), o que nos leva a concluir, inevitavelmente, que a

criança e o adolescente estão plenamente tutelados no ordenamento jurídico

brasileiro.

Page 41: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

39

CAPÍTULO III

DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Nos capítulos anteriores, se pode observar que a criança e o adolescente,

como integrantes da entidade familiar, são entes que, pela própria condição de

hipossuficiência, necessitam de proteção por parte do Estado, da sociedade e,

principalmente, dos pais. O poder familiar, como um poder-dever, constitui a

essência e o alicerce de uma efetiva participação dos pais na formação dos filhos,

de forma a propiciar-lhes um desenvolvimento sadio, preservando-lhes a dignidade e

os direitos da personalidade.

A obrigação de assistência e proteção aos filhos menores gera a

responsabilidade dos pais. Daí, a importância de se discorrer, neste trabalho, sobre

a responsabilidade civil, observando sua evolução histórica e doutrinária, os fatores

determinantes para sua ocorrência no âmbito familiar.

3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A convivência entre os seres humanos poderia ser harmoniosa, se as

pessoas não causassem, de alguma forma, prejuízos a outrem. Segundo os

romanos, para que as pessoas pudessem viver numa sociedade pacífica, seria

essencial a obediência ao princípio “neminem laedere”, que significa não causar

danos a ninguém. Fundada neste princípio, a noção de responsabilidade remonta

às mais primitivas formas de organização humana.

Essa premissa, no entanto, não encontrou respaldo na realidade, isto

porque a condição humana leva as pessoas a causarem danos umas às outras,

muitas vezes involuntariamente.

A responsabilidade civil, como ocorre com os demais institutos jurídicos,

encontra-se em constante transformação, acompanhando a própria evolução da

sociedade humana.

A forma de reação das pessoas prejudicadas ou agredidas em seu direito,

tem evoluído ao longo da história da humanidade. Na sociedade primitiva, essa

reação era extremamente violenta, e normalmente baseada em atos de vingança em

face do mal sofrido.

Page 42: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

40

Com a lei do talião – olho por olho, dente por dente –, foram estabelecidos

limites para a vingança, impondo-se uma certa proporcionalidade entre o dano e a

sua reparação. Com essa lei, encontrada no Código de Hamurabi, em 1930 a.C,

entre os povos babilônicos, surgiu a ideia de que deveria existir um certo equilíbrio

entre o mal causado a uma pessoa e o castigo imposto ao causador do dano. No

entanto, o preceito adotado pelo Código de Hamurabi, que ainda consistia na

repressão da violência pela violência, não trouxe o resultado esperado.

De acordo com Clayton Reis, igualmente ao Código de Hamurabi, o “Código

de Manu também previa uma espécie de reparação de dano quando ocorriam

lesões. O sentido preconizado pelos legisladores era o de facultar à vítima de danos

uma oportunidade de ressarcir-se à custa de uma soma em dinheiro” 33, fugindo à

ideia de reparação através de atos de violência. A evolução da sociedade fez com que a reparação de um mal, através da

vingança, fosse perdendo espaço, e gradativamente sendo substituída pela ideia da

chamada composição, através da qual se permitia ao ofendido a busca de uma

espécie de recomposição do mal sofrido, mediante a prestação da pena, ou uma

prestação de natureza econômica, pela qual o ofensor se veria resgatado de sua

culpa. Surgia, a partir de então, os primeiros contornos da responsabildade civil, tal

qual a conhecemos hoje.

A Lei das XII Tábuas, que vigorou nos primórdios da legislação romana,

também trouxe grande influência quanto ao surgimento da ideia de responsabilidade

civil, uma vez que dispunha sobre os delitos e a reparação de danos.

Até então, a noção de responsabilidade civil era calcada na existência

apenas de um agente causador e do dano causado. Somente com a introdução da

Lex Aquilia, no Século II a.C, surgiu um outro elemento, que passou a condicionar a

existência da responsabilidade civil: a culpa do agente. A partir daí, passa a vigorar

a ideia de que somente seria reparável o dano injusto. A culpa foi alçada à condição

de aspecto central da noção de responsabilidade, premisssa que foi, inclusive,

adotada, pelo Código Civil Brasileiro de 1916. Adveio dessa concepção, a noção de responsabilidade civil subjetiva, que

passou a condicionar a reparação do dano, à existência, também, de um elemento

33 REIS, Clayton. Dano moral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forence, 2001. p.12

Page 43: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

41

intrínseco, qual seja a culpa do agente causador, confirmadas através de atos de

negligência, imprudência ou imperícia.

Com o aperfeiçoamento dessa corrente doutrinária, se passou a visualizar

na responsabilidade civil subjetiva, a existência de três elementos essenciais: a

ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta; um dano; e o nexo de

causalidade entre uma e outro. A diversificação das situações e a ocorrência de novas causas de danos

evidenciaram que a responsabilidade civil subjetiva mostrava-se inadequada para

cobrir todos os casos de reparação. Passou a ser considerado um novo elemento no

contexto da reponsabiliadde civil: o risco. A culpa, como elemento determinante da

noção de responsabilidade civil, passou a dar lugar à teoria do risco, surgindo, em

consequência, a chamada responsabilidade civil objetiva e a Teoria do Risco. Dentro dessa nova concepção, antes de se questionar sobre a culpa ou

não, sob suas diferentes formas, passou a se dar maior destaque à ideia do risco,

abrindo-se um espaço, cada vez maior, à responsabilidade civil fundada no dever de

reparar a lesão, independentemente de qualquer censura que se poudesse fazer ao

comportamento do responsável por tal reparação. Surgia, assim, a doutrina da

responsabilidade civil objetiva. Segundo Caio Mário, “a responsabilidade civil passou a subordinar à

existência de um dano e de um sujeito passivo sobre o qual recai o dever de repará-

lo, não importando se tal obrigação encontra-se ou não fundada na culpa” 34. Conforme afirma Rui Stoco:

A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, nexo de causalidade), assenta-se na equação binária cujos pólos são o dano e a autoria do evento danoso. Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento, e se dele emanou o prejuízo 35.

Atualmente, essas duas correntes doutrinárias, que tratam da

responsabilidade civil, encontram-se presentes no ordenamento jurídico brasileiro,

34 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.11. 35 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 78.

Page 44: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

42

em especial no Código Civil de 2002, que, gradualmente, tem sofrido sucessivas

modificações, para fazer face à constante evolução das relações sociais.

De forma que, não há uma relação de exclusão entre a responsabilidade

civil subjetiva, fundada na culpa, e a responsabilidade civil objetiva, uma vez que, na

realidade, elas se completam e terão, durante algum tempo, de conviver uma ao

lado da outra, visando o mesmo objetivo que é a reparação do dano.

É inegável, portanto, que a responsabilidade civil apresenta, na atualidade,

contornos bastantes distintos daqueles que anteriormente caracterizavam a

reparação dos danos. Da constante adaptação dos seus princípios fundamentais,

adveio a reparabilidade dos danos essencialmente morais, como um dos seus

aspectos mais importantes.

Evidencia-se, portanto, a preocupação cada vez maior com a tutela dos

direitos da personalidade, onde a proteção da pessoa humana, em todos os seus

aspectos, passa a ser o foco principal do direito.

3.2 FATORES DETERMINANTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O ser humano, sendo dotado de liberdade de escolha e discernimento, deve

responder por seus atos. A liberdade e a racionalidade, que compõem a sua

essência, os tornam responsáveis por suas ações ou omissões, no âmbito do direito,

ou seja, a responsabilidade está diretamente vinculada à sua liberdade de agir

conscientemente.

Isso significa que, em suas interações de convívio social, ao alcançar direito

de terceiro, ou ferir valores básicos da coletividade, as pessoas devem arcar com as

consequências de seus atos, sem o que seria impossível à própria vida em

sociedade.

De acordo com Rui Stoco, “a teoria da responsabilidade foi edificada para

alcançar as ações praticadas em contrário ao direito” 36. Essas ações seriam os

chamados atos ilícitos que, de certa forma, viessem a causar lesões ou danos a

terceiros, e que, portanto, seriam passíveis de reparação.

Ocorre que, na sua conceituação, os atos ilícitos seriam aqueles praticados,

não somente em contrário à ordem jurídica, mas também por ação consciente do

36 STOCO, Op. Cit. Nota 33, p. 63.

Page 45: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

43

agente. Desse modo, deveria haver um comportamento do agente, que,

desrespeitando a ordem jurídica, causasse prejuízo a outrem, pela ofensa a bem ou

a direito deste. A culpa latu sensu seria, nesse caso o fundamento da

responsabilidade.

Nasceu daí a teoria da responsabilidade que se espraia em dois campos

distintos, de acordo com os bens jurídicos ofendidos: o civil e o penal.

A responsabilidade civil, pano de fundo do presente trabalho, envolve, antes

de tudo, o dano, o prejuízo, o desequilíbrio ou descompensação patrimonial ou

moral. Isto porque, sem a ocorrência de um dano não há responsabilidade civil,

visto que ela consiste na obrigação imposta, em certas condições, ao autor de um

prejuízo, de repará-lo. Não é por outra razão que a doutrina é unânime no sentido

de que não há responsabilidade sem prejuízo.

No dizer de Sérgio Iglesias, “a ideia de responsabilidade civil baseia-se no

princípio multissecular o neminem laedere (a ninguém se deve lesar), que reflete

uma das primeiras regras do denominado direito natural” 37. Dentre inúmeras conceituações sobre Responsabilidade Civil, convém ser

destacada a de Maria Helena Diniz:

A Responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal 38.

Como se observa, a responsabilidade civil se destina a garantir à pessoa

lesada o direito à segurança jurídica, impondo ao causador do dano o dever de

reparar ou compensar o prejuízo experimentado pela vítima. É importante lembrar, no entanto, que a responsabilidade civil nem sempre

decorre de uma violação da norma jurídica.

Como afirma Maria Helena Diniz:

Existem hipóteses de responsabilidade civil originadas da prática de atos considerados lícitos, como aqueles escudados no estado de necessidade, e no exercício do direito de vizinhança, os quais, não obstante permitidos pela ordem jurídica, não afastam o dever de indenizar 39.

37 SOUZA, Op. Cit. Nota 29, p.21. 38 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, v. 7, 1993. p. 34. 39 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3, p.70.

Page 46: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

44

Sílvio Rodrigues também defende a ideia de que “embora o Art. 186, do CC

estabeleça a violação de direito e a culpa como elementos integrantes da noção de

responsabilidade civil, existem casos em que o dever de indenizar emerge de

comportamentos lícitos e, mesmo diante da ausência de culpa” 40.

Assim, uma vez verificada uma conduta que gere um prejuízo a terceiro, e

esse prejuízo pode decorrer de qualquer esfera jurídica (patrimonial ou moral), ter-

se-á, sob o manto da teoria da responsabilidade civil, o dever jurídico de reparar o

dano causado. Depreende-se, portanto, que a teoria da responsabilidade civil surgiu

para alcançar as ações praticadas em sentido contrário ao direito.

Esse prejuízo, entretanto, não é apenas aquele considerado como

patrimonial que até pouco tempo prevaleceu na doutrina e na jurisprudência dos

tribunais. Com efeito, na atualidade, críticas severas têm-se firmado quanto ao

entendimento de que somente os danos patrimoniais seriam ressarcidos, relegando

a um total descaso os prejuízos de ordem moral. Assim, pressionado por uma nova

corrente doutrinária e pela jurisprudência dos tribunais, nasceu a figura do dano

moral, que somente passou a ser reconhecida, expressamente, pelo ordenamento

jurídico brasileiro, na Constituição Federal de 1988, apesar de considerada existente

desde o Código Civil de 1916.

Os pressupostos que determinam a ocorrência da responsabilidade civil são

encontrados no Art. 186, do Código Civil de 2002, in verbis: “Aquele que, por ação

ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito a outrem, ainda que

exclusivamente moral, comete ato ilícito” 41. Como se vê, este dispositivo legal impõe que, para a existência do dano,

são necessários quatro elementos: conduta, nexo de causalidade, culpa do agente e

o dano. Tais requisitos são exigidos para a caracterização da responsabilidade civil.

O dispositivo supracitado é complementado pelo Art. 927, que assim

estabelece:

Art. 927. Aquele que por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para direitos de outrem 42.

40 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: responsabilidade civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.11-12 41 BRASIL, Op. Cit. Nota 18, p.148 42 BRASIL, Op. Cit. Nota 41, p.176.

Page 47: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

45

É importante ressaltar que a responsabilidade civil de que trata os Arts.186

e 927, pode se dar por ato próprio ou de terceiro. Essa conduta pode ser de ação ou

omissão de alguém, deve ser voluntária, não podendo ser forçada.

O segundo elemento para caracterização da responsabilidade civil é o nexo

de causalidade. O nexo causal se torna indispensável, sendo fundamental que o

dano tenha sido causado pela culpa do agente.

Como afirma Rui Stoco:

Não basta que o agente haja procedido contra jus, isto é, não se define a responsabilidade pelo fato de cometer um “erro de conduta”. Não basta que a vítima sofra o dano, que é o elemento objetivo do dever de indenizar, pois se não houver um prejuízo a conduta antijurídica não gera obrigação de indenizar. É necessário que se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuridicidade da ação e o mal causado 43.

A culpa constitui o terceiro elemento caracterizador da ocorrência de

responsabilidade civil. A culpa pode produzir um ato danoso, como também pode ser

inócua. Quando a culpa implica em alguma consequência, esta se apresenta sob a

forma de ato ilícito. O ato ilícito pode ou não produzir efeito material, que vem a ser

o dano. No caso, a responsabilidade civil só vem a se configurar quando o ato ilícito

redundar em prejuízo para outrem. Como já foi comentado, em certos casos, poderá haver responsabilidade

civil independentemente da evidência de culpa, como acontece na responsabilidade

civil objetiva.

O dano surge como elemento essencial, quando se trata de

responsabilidade civil. Ele pode ser patrimonial ou moral. O dano é o prejuízo

causado pelo agente. Assim, se não houver dano algum a terceiros, a ilegitimidade

ou irregularidade da ação não são suficientes para definir a existência de

responsabilidade civil, bem como do dever de indenizar ou de reparar o dano.

O dano será material quando houver prejuízos no patrimônio da alguém,

podendo o seu ressarcimento ser efetuado mediante indenização.

O dano também pode ser moral, e sua ocorrência é mais difícil de ser

confirmada, tendo em vista que envolve fatores subjetivos, como o sentimento de

dor, angústia, tristeza, e, normalmente, implica na afetação aos direitos da

43 STOCO, Op. Cit. Nota 36, p. 75.

Page 48: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

46

personalidade. Por outro lado, é difícil estabelecer uma forma de reparação para o

dano moral, ou atribuir-lhe uma quantificação econômica.

Assim, não somente os danos patrimoniais se apresentam como prejuízo.

Estes são reparáveis no sentido stricto sensu, vale dizer, podem ser revertidos de

acordo com o status quo ante, havendo, nestas hipóteses, a reparação propriamente

dita.

De outro lado, os danos ditos morais, que, de regra, não podem ser

desfeitos, mas apenas serão compensados. Nesse caso, como cita Maria Helena

Diniz, “o valor pecuniário terá apenas um efeito lenitivo para a dor ou o sofrimento

causado por determinado dano moral” 44.

3.3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO FAMILIAR

Observa-se que a noção de responsabilidade civil é muito abrangente,

envolvendo pessoas físicas e jurídicas, podendo ser identificada nas mais diversas

situações, no contexto das relações humanas. No entanto, seguindo o delineamento

deste trabalho, será procedida a uma análise sumária acerca da ocorrência da

responsabilidade civil no contexto das relações familiares, com enfoque especial

sobre a relação de filiação.

Para Silvio Venosa:

O pensamento jurídico tradicional do passado sempre entendeu que os princípios gerais da responsabilidade civil aquiliana são suficientes para socorrer as hipóteses de dolo ou culpa no âmbito da família. Mais que isso, apenas recentemente a doutrina preocupou-se com situações específicas que podem gerar dever de indenizar entre membros da família, cônjuges, conviventes, pais e filhos 45.

No campo da responsabilidade civil, quando determinada área do direito

atinge um certo patamar em sua evolução, e passa a gozar de princípios próprios, é

natural que seja cercada de especificidade para as soluções do dever de indenizar.

É o que ocorre com o direito de família.

No contexto da família, o direito tem por finalidade, em síntese, a busca da

tutela da personalidade e, consequentemente, da dignidade humana.

44 DINIZ, Op. Cit. Nota 38, p. 83. 45 VENOSA, Op. Cit. Nota 16, p. 268.

Page 49: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

47

Os valores de família, mais acentuadamente que em outras áreas do

Direito, são dinâmicos e sujeitos as mudanças, devido à própria dinâmica das

relações familiares, e essas modificações foram mais acentuadas nas últimas

décadas.

Ademais, nos dias de hoje, fala-se de um direito geral de personalidade, de

forma a garantir o respeito mútuo e recíproco em sociedade, trazendo grandes

reflexos sobre o direito de família.

Sabe-se que a responsabilidade aquiliana, e especificamente o dever de

indenizar, no direito contemporâneo, deixou de representar apenas uma reposição

patrimonial de prejuízo, deslocando-se para um campo cada vez mais voltado aos

valores existenciais. Esse fato traz implicações que se traduzem na possibilidade de

indenização do dano exclusivamente moral.

Concorreu, definitivamente, para esse fato, a Constituição de 1988, que se

constituiu num marco e divisor de águas no direito privado brasileiro.

É indubitável que a responsabilidade civil em sede de direito de família

decorre dessa evolução legislativa, jurisprudencial e doutrinária. Ressalte-se, ainda

que, em última análise, ao se protegerem abusos dos pais em relação aos filhos, ou

vice-versa, de um cônjuge ou companheiro em relação ao outro, o que se protege,

enfim, são os direitos da personalidade e a dignidade do ser humano.

Na opinião de Silvio Venosa:

No curso da convivência entre pais e filhos, podem ser praticados atos que extrapolem os limites do normal, e que caracterizem descumprimento do poder familiar. Em princípio, toda responsabilidade civil dos pais em relação aos filhos menores, decorre de qualquer infração que se traduza em ato danoso no âmbito da relação filial 46.

Assim, provando-se a infringência aos deveres relativos ao exercício do

poder familiar, em especial os previstos no Art. 229, da Constituição Federal, e no

Art. 1.634, I e II, do Código Civil, emerge a figura da responsabilidade civil, e é justo

que surja o dever de reparar os danos causados à criança e ao adolescente,

particularmente os de natureza moral.

Resta dificultoso, nessa matéria, identificar quais os danos que devem ser

efetivamente indenizados. A resposta a essa indagação reside na aplicação da lei a

46 VENOSA, Op. Cit. Nota 45, p. 268.

Page 50: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

48

cada caso concreto, na observância dos princípios gerais da responsabilidade civil,

e, principalmente no bom senso do magistrado.

O direito brasileiro não dispõe de norma específica sobre a possibilidade de

indenização dos filhos em decorrência do abandono afetivo. Há que se observar que

a indenização nesses casos tem a ver com transgressão a direitos subjetivos da

criança e do adolescente. Portanto, cumpre que se façam atuar os princípios gerais

de responsabilidade subjetiva. Isto porque as relações de família são peculiares e

devem ser vistas sob esse prisma.

Segundo Silvio Venosa:

A matéria fica ainda mais delicada quando se trata de proteção ao direito e à personalidade dos filhos menores. Assim, sustenta-se, modernamente, com razão que ofende a dignidade do filho, não só a ausência de socorro material, como a omissão no apoio moral e psicológico. O abandono intelectual do progenitor com relação a filho menor gera, sem dúvida, traumas que deságuam no dano moral. Nesse diapasão, a afetividade liga-se inexoravelmente à dignidade do ser humano. É evidente que uma indenização nessa seara nunca restabelecerá ou fará nascer o amor e o afeto. Cuida-se, como enfatizamos, de mero lenitivo, com as conotações que implicam uma indenização por dano moral 47.

É fundamental a presença dos pais na educação e formação dos filhos.

Essa formação fica capenga e perniciosa perante a omissão do pai ou da mãe, ou

de ambos.

Um estudo mais profundo dessa questão desloca-se para a Psicologia e

Sociologia. O caso concreto orientará a decisão em torno dos aspectos que

caracterizam o abandono psicológico do filho, questão mais árdua e subjetiva posta

em exame, pois o abandono econômico se comprova mais facilmente.

Desse modo, falta com o dever de pai ou da mãe quem, podendo,

descumpre o dever de convivência familiar.

Evidencia-se, nesse caso, que a família, com ou sem casamento, há que se

constituir num elo de afeto, respeito e auxílio recíproco de ordem moral e material.

Trata-se de ponto fundamental na formação do ser humano. A ligação

simplesmente biológica ou genética não sustenta por si só a família. Como já restou

ressaltado, toda a problemática das relações em família gira em torno da proteção à

dignidade da pessoa humana, em especial da criança e do adolescente.

47 VENOSA, Op. Cit. Nota 46, p. 272.

Page 51: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

49

Essas e outras questões estão em aberto em nossos tribunais, e somente,

mais recentemente, passaram a ser enfrentadas à luz da responsabilidade civil.

Atualmente, constata-se uma forte tendência no sentido da ampliação do

instituto da responsabilidade civil. O desdobramento dos direitos da personalidade

fez aumentar as hipóteses de ofensas a tais direitos, ampliando-se as oportunidades

para o reconhecimento de danos, em especial os de natureza extra-patrimonial.

Essa tendência acabou se estendendo também para as relações de família.

Há, na realidade, uma clara tentativa de se levar os princípios da

responsabilidade civil para o âmbito dos vínculos afetivos, muito embora se saiba

que o direito das famílias é o único campo do direito privado cujo objeto não é a

vontade, e sim o afeto, o que torna bastante controvertidas as decisões judiciais

sobre essa matéria.

Page 52: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

50

CAPÍTULO IV DO DANO MORAL

4.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO DANO MORAL

Os povos da antiguidade desconheciam a perfeita noção da possibilidade

da reparação da dor moral.

Na verdade, a constatação da existência do dano moral na antiguidade

constitui algo muito discutível. Alguns autores, no entanto, entendem que o dano

moral já se fazia presente na antiguidade, sendo alguns de seus princípios

encontrados no Código de Ur-Nammu dos sumérios.

Indícios de sua aplicação podem ser encontrados até mesmo na Bíblia,

especificamente no Livro Deuteronômio, que prescrevia uma punição ao homem que

tomasse aversão à sua esposa, sob a falsa alegação de a mesma não ser virgem,

afetando a sua reputação entre as pessoas.

Da mesma forma, os Códigos de Manu, de Hamurabi e o Alcorão previam

também, de forma subliminar, em seus textos, a reparação por danos morais.

Na antiga Grécia, e até mesmo do Direito Canônico já se pode observar a

noção de reparação de danos de natureza moral, em determinadas situações.

Conforme afirma Clayton Reis:

As legislações da antiga Roma assentadas na reparação do dano através de pena pecuniária, já aceitavam, ainda que primariamente, a reparação do dano moral. Isso pode ser constatado no § 9º da Lei das XII Tábuas, no qual se evidenciava a necessidade de reparar um dano ofensivo à moral de uma pessoa, através de pena econômica 48.

Daí para frente, o instituto da reparação do dano moral sofreu, sempre no

curso da história, um aprimoramento importante, cujas bases, no entanto, se

encontram alicerçadas nas legislações supracitadas.

48 REIS, Op. Cit. Nota 33, p. 12.

Page 53: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

51

Conforme cita Bernardo Castelo Branco:

Não seria correto afirmar que a reparação do dano moral é um fenômeno novo na ordem jurídica, pois, como se viu, vários são os registros históricos de sua admissibilidade nas legislações primitivas, muito embora somente a partir do surgimento dos direitos de terceira geração direitos personalíssimos), após a 2ª metade do século XX, é que se pôde, efetivamente lançar as bases que a transformaram em realidade presente no ordenamento jurídico 49.

A expansão dos limites da esfera de proteção, conferida pela ordem jurídica

relativamente aos interesses do lesado, permitiu que a responsabilidade civil não se

limitasse a reparar os prejuízos meramente econômicos, alcançando, também os

prejuízos não econômicos, ligados ao patrimônio moral do ofendido, resumidos nos

chamados direitos da personalidade.

4.2 CONCEITO DE DANO MORAL

O dano moral pode ser conceituado como a afetação aos direitos da

personalidade, que causam ao indívíduo um sentimento de mal-estar ou uma

indisposição de natureza espiritual. Ele ocorre quando o ato lesivo atinge a sua

honra, sua integridade psíquica, seu bem-estar íntimo, suas virtudes. Sua

característica, portanto, é a dor, tomada em seu sentido amplo, abrangendo tanto os

sofrimentos meramente físicos, como os morais propriamente ditos.

De acordo com Wilson Melo da Silva:

Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico 50.

Danos morais, portanto, seriam aqueles decorrentes de ofensas à honra, ao

decoro, à paz interior, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer

espécie, à liberdade, à vida, à integridade corporal.

Para Maria Helena Diniz, “o dano moral vem a ser lesão de natureza não

patrimonial de pessoa física ou jurídica” 51.

49 CASTELO BRANCO, Op. Cit. Nota 19, p. 44-45. 50 SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1955. p. 10. 51 DINIZ, Op. Cit. Nota 39, p. 6.

Page 54: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

52

Na opinião de Rui Stoco, quem melhor conceituou dano moral foi o

admirado e excepcional civilista Walter Moraes, assim se expressando, in verbis,

quando já havia sido posta a lume a Constituição de 1988:

O que se chama de dano moral é, não um desfalque no patrimônio, nem mesmo a situação onde dificilmente se poderia avaliar o desfalque, senão a situação onde não há ou não se verifica diminuição alguma. Pois se houve diminuição no patrimônio, ou se difícil ou mesmo impossível avaliar com precisão tal diminuição, já há dano, e este pode ser estimado por aproximação...Vale dizer que dano moral é tecnicamente um não-dano, onde a palavra dano é empregada com sentido translato, ou como metáfora: um estrago ou uma lesão na pessoa, mas não no patrimônio 52.

Tendo por base as diversas conceituações, pode-se dizer que dano moral,

na esfera do direito, é todo sofrimento humano resultante de lesão de direitos não

patrimoniais. Assim, envolvem danos morais, dentre outras, as lesões a direitos

personalíssimos ou inerentes à personalidade humana (como direito à vida, à

liberdade, à honra, ao nome, à liberdade de consciência ou de palavra), a direitos de

família (resultantes da relação conjugal e de filiação, todos causadoras de

sofrimento moral ou dor física).

4.3 DA ADMISSIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL

A importância da questão que envolve a admissibilidade da reparação do

dano moral, não obstante os limites que lhe são inerentes, reclama a apreciação a

seguir, para demonstrar os fundamentos que justifiquem a admissibilidade dessa

espécie de reparação na esfera das relações do direito de família, mais

especificamente no que toca ao abandono afetivo da criança e do adolescente. Como já foi explicitado, o dano emerge de toda e qualquer lesão ocorrida

em nosso patrimônio. Em se tratando da criança e do adolescente, a possibilidade de ocorrência

de dano moral ainda é maior, mesmo porque, via de regra, são pessoas que, na

maioria das vezes, não possuem patrimônio material.

52 STOCO, Op. Cit. Nota 43, p. 673.

Page 55: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

53

Antônio Jeová Santos afirma que:

A necesssidade de indenizar o dano injusto, que simplesmente afeta a esfera espiritual de uma pessoa, que não tem apreciação em dinheiro, é a conclusão inarredável do direito moderno. O ser humano em sua concreta dimensão, espiritual e física, diversa das coisas materiais, é passível de indenização 53.

O caminho percorrido até a plena admissibilidade da reparação do dano

moral foi marcado pela oposição de alguns juristas, adeptos da chamada teoria

negativista, que não a reconhecia como prevista na legislação civil.

De acordo com Zulmira Pires de Lima (apud SEVERO, 1996, p. 61), oito

seriam as principais objeções apresentadas por aqueles que sustentavam a

irreparabilidade do dano extrapatrimonial:

1. Falta de um efeito penoso durável; 2. A incerteza nesta espécie de danos, de um verdadeiro direito violado; 3. A dificuldade de se descobrir a existência do dano; 4. A indeterminação do número de pessoas lesadas; 5. A impossibilidade de uma rigorosa avaliação em dinheiro; 6. A imoralidade de compensar uma dor com dinheiro; 7. O limitado poder de conferir-se ao juiz; 8. A impossibilidade jurídica de admitir tal reparação 54.

A posição negativista, no entanto, foi, aos poucos, cedendo espaço à ideia

de que o dano moral, deveria ter a sua devida reparação no contexto do direito

privado, não podendo ficar à margem da tutela conferida pela responsabilidade civil.

A admissibilidade da reparação do dano moral foi inserida no nosso

ordenamento jurídico, a partir da Constituição de 1988, muito embora, mesmo antes,

já houvesse uma tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido da referida

admissão.

A Constituição Federal, em seu Art. 1º, III, ao destacar a importância da

dignidade humana como princípio fundamental, estabeleceu a base sobre a qual se

assenta a ideia de reparação do dano moral. Estabeleceu-se, a partir deste

dispositivo legal, uma eficaz proteção integral da pessoa, em especial dos direitos da

personalidade, mais diretamente ligados à dignidade da pessoa humana.

A legislação infra-constitucional brasileira, gradativamente, absorveu o

princípio constitucional da reparação do dano moral. O fato se deu com a entrada

53 SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável. 3 ed. São Paulo: Método, 2001. p. 54. 54 SEVERO, Sérgio. Danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 61.

Page 56: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

54

em vigor do novo Código Civil, de 2002, que estabeleceu, em seu Art. 186, como já

foi visto, uma determinação clara para a admissibildade do dano moral.

O mesmo processo evolutivo foi se delineando na jurisprudência dos

nosssos tribunais, que, a princípio, não admitia a possibilidade de reparação do

dano moral, salvo quando redundasse em prejuízo de natureza econômica.

Silvio Rodrigues cita a esse respeito, o voto vencido de Orozimbo Nonato

(RF 138/452), assim descrito: “não é admissível que os sofrimentos dêem lugar à

reparação pecuniária, se deles não decorre nenhum dano material” 55.

A possibilidade de reparação do dano moral, independente de seu reflexo

econômico, findou por ser acolhida por nossos tribunais, diante da constatação de

que aquela espécie de direito não poderia deixar de constar em nossa ordem

jurídica.

Como afirma Bernardo Castelo Branco:

O processo de evolução experimentado pela teoria da responsabilidade civil, no campo específico da reparação dos danos morais, conduziu nossa jurisprudência a aceitá-la, inclusive quando o agravo a certos atributos morais atingisse, não apenas a pessoa natural, mas também entes morais 56.

Pode-se afirmar que a reparação do dano moral, decorrente de atos

praticados no contexto das relações de família, é uma questão que requer, por parte

do julgador, extrema prudência. No entanto, não se pode deixar de ser levada a

efeito, buscando, de todas as formas, amenizar o sofrimento e as sequelas,

particularmente quando o lesado é a criança e o adolescente.

No trato dessa questão, Bernardo Castelo Branco defende a posição

segundo a qual:

Deve-se abandonar a ideia de que a aplicação das normas de responsabilidade civil na esfera das relações de família, pelo infundado temor de destruição dos vínculos afetivos que caracterizam essa forma especial de relacionamento humano, representaria um risco à instituição familiar 57.

A particularidade da relação de filiação, fundada essencialmente na

afetividade, não permite a aplicação integral dos princípios que regem a 55 RODRIGUES, Op. Cit. Nota 40, p. 192. 56 CASTELO BRANCO, Op. Cit. Nota 49, p. 44-45. 57 CASTELO BRANCO, Op. Cit. Nota 56, p. 52.

Page 57: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

55

responsabilidade civil. Assim, mesmo no campo específico do dano moral, é preciso

avaliar com cuidado, até onde o comportamento adotado foi capaz de romper os

eventuais laços de afeto entre pais e filhos. Dessa forma, busca-se evitar que a

admissibilidade da reparação sirva de motivo para provocar a desagregação da

família e o rompimento dos vínculos entre pais e filhos.

O Art. 186 do Código Civil Brasileiro, faz uma referência ao dano moral,

tornando expressa a possibilidade de sua reparação, pois nele consta: “Aquele que,

por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito a outrem,

ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” 58.

Por sua vez, o Art. 927, do Código Civil, é genérico em seu texto, visto que

pressupõe uma ampla e irrestrita reparação do dano, quando dispõe in verbis:

“aquele que por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” 59. Na

verdade, essse dispositivo legal não expressa, com clareza, qual a modalidade de

dano, abrindo espaço para a possibilidade da reparação dos danos não patrimoniais.

Assim, havendo dano, mesmo que de natureza moral, há que existir

reparação, isto porque o dano constitui o elemento central da reparação.

Segundo afirma Clayton Reis:

Os doutrinadores nacionais, na sua maioria, admitem a reparação de qualquer dano, e que essa reparação deva ser a mais ampla possível...É inadmissível aceitar, em época de tão acentuado avanço científico e tecnológico, a ideia da impossibilidade de compensação da dor moral. Seria, em realidade, negar a existência de um patrimônio moral 60.

Os doutrinadores que ainda negam a reparabilidade do dano moral partem

da premissa segundo a qual os danos morais não se reparam porque a dor, o

sofrimento, a angústia não podem ser medidos, tendo um valor econômico como

parâmetro.

Na verdade, o dinheiro não paga a dor, mas objetiva dar ao lesado uma

compensação que lhe é devida, buscando mitigar, em parte a dor moral, pela

compensação que proporciona. Por isso mesmo a reparação dos danos morais

jamais poderia ser feita objetivamente, pelo critério da equivalência puramente

econômica.

58 BRASIL, Op. Cit. Nota 41, p.148. 59 BRASIL, Op. Cit. Nota 58, p.176 60 REIS, Op. Cit. Nota 48, p. 44-45.

Page 58: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

56

A célebre doutrinadora Maria Helena Diniz defende a ideia de que a

reparação do dano moral constitui, também, uma sanção imposta ao ofensor,

quando afirma:

A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e de satisfação compensatória, tendo a função: a) penal ou punitiva, constituindo uma sanção imposta ao ofensor, visando a diminuição de seu patrimônio, pela indenização paga ao ofendido, visto que o bem jurídico da pessoa- integridade física, moral e intelectual- não poderá ser violada impunemente, subtraindo-se o seu ofensor às consequências de seu ato, por não serem reparáveis; b) satisfatória ou compensatória, pois o dano moral constitui um menoscabo a interesses jurídicos extrapatrimoniais, provocando sentimentos que não têm preço. A reparação pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada. Não se trata como vimos, de uma indenização de sua dor, da perda de sua tranquilidade ou prazer de viver, mas de uma compensação pelo dano e injustiça que sofreu, suscetível de proporcionar uma vantagem ao ofendido, pois ele poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender às satisfações materiais ou ideais que repute convenientes, atenuando, assim, em parte, seu sofrimento 61.

Na reparação dos danos morais é preponderante o papel do juiz. Isto

porque, como afirma Wilson Melo da Silva: “a lei perfeita, aquela que excluisse, na

sua aplicação, a interferência do juiz, ainda não existe” 62. Assim, normalmente,

compete ao julgador, em se tratando de danos morais, indagar: 1º) Quando se

reparar o dano moral?; 2º) De que maneira se determinar a sua reparação?; 3º) Em

favor de quem se deve ordenar esta reparação?.

A tarefa atribuída aos magistrados, de fixar o quantum a ser indenizado nos

casos de reparação dos danos morais, é extremamente complexa, já que a lei

deixou a seu livre arbítrio, a fixação quantitativa.

A jurisprudência, para minimizar essa dificuldade, tem utilizado critérios para

definir um valor ao dano moral, uma vez que os sentimentos não têm preço. Um dos

critérios utilizados é o chamado “compensatório”, através do qual o juiz arbitra uma

importância pecuniária, a ser utilizada pela vítima como forma de compensação da

dor sofrida.

Existem casos, no entanto, em que, não sendo conveniente a aplicação do

critério de compensação, busca-se aplicar o critério “punitivo”, em que se leva em

consideração a conduta do agente causador do dano. Nesse caso, a punição

funciona como forma de coibir a prática do ato danoso.

61 DINIZ, Op. Cit. Nota 51, p. 98. 62 SILVA, Op. Cit. Nota 50, p. 399.

Page 59: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

57

O Art. 944, do Código Civil, apresenta um avanço no estabelecimento de

parâmetros mais seguros para a aplicação da reparação por dano moral, dispondo

que: “A indenização mede-se pela extensão do dano”, acrescentado em seu

parágrafo único: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o

dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização” 63.

É preciso ressaltar que não é qualquer dano que pode gerar a obrigação de

indenizar. É essencial que tenha atingido um direito de personalidade, nos termos

estabelecidos pelos artigos 11 a 21 do Código Civil Brasileiro, e pelo Art. 5º, X, da

Constituição Federal, ou algum outro direito que não seja patrimonial. É preciso,

ainda, que tal ofensa repercuta, de modo negativo, no íntimo da pessoa, provocando

dor, sofrimento ou tristeza. Busca-se, dessa forma, evitar a banalização do dano

moral, e o locupletamento ilícito de quem recorre à via judicial para a sua reparação.

De acordo com a opinião de Bernardo Castelo Branco:

Havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito familiar, não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação do dano moral. A reparação, embora expressa em valor econômico, não busca, nesse caso, qualquer vantagem patrimonial para a vítima, mas apenas como forma de compensação, e uma forma de educação, na medida em que representa uma sanção aplicada ao ofensor, irradiando, daí, o seu efeito protetivo 64.

Caio Mário assim se expressa a respeito da reparação por danos morais:

A vítima de uma lesão a algum dos direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que, em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que compense a dor ou o sofrimento, a ser atribuída pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Não tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva. Mas, se é certo que a situação econômica do ofensor é um dos elementos da quantificação, não pode ser levada ela ao extremo de se defender que as suas más condições o eximam do dever ressarcitório 65.

Conclui-se, portanto, que, não obstante as dificuldades de julgamento e

avaliação, bem como os abusos cometidos quanto se trata de reparação de danos

morais, não se pode deixar de reconhecer que sua admissibilidade constitui uma

conquista da sociedade, na medida em que o direito, em especial o direito de

63 BRASIL, Op. Cit. Nota 59, p. 177. 64 CASTELO BRANCO, Op. Cit. Nota 57, p. 116. 65 PEREIRA, Op. Cit. Nota 34, p. 60.

Page 60: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

58

família, desloca-se da ideia de proteção de interesses puramente econômicos,

passando a vislumbrar a pessoa em seus aspectos mais intrínsecos, à luz dos

direitos da personalidade e da dignidade humana.

Page 61: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

59

CAPÍTULO V DO DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO DO PAI

O dano moral à criança e ao adolescente, decorrente do abandono afetivo

do pai, constitui uma questão polêmica e controvertida, vez que se torna difícil se

mensurar até que ponto tal abandono pode afetar a personalidade e o equilíbrio

físico-psíquico dos filhos.

Fala-se aqui do abandono configurado pela indiferença, ausência de

assistência afetiva e amorosa durante o período de desenvolvimento do filho, mais

precisamente na infância e na adolescência.

Como se sabe, a paternidade não gera apenas deveres de assistência

material. É muito mais que isso, existe um dever do pai, mesmo que

alternadamente, com a mãe, de ter o filho em sua companhia e assisti-lo na sua

formação, seja ela social, educacional ou religiosa.

É de bom alvitre salientar que o papel do pai não se limita ao dever de

sustento, nem tampouco em prover o filho materialmente, mas se insere no dever de

possibilitar o desenvolvimento humano da prole, que necessita de sua presença

para uma auto-afirmação, como também para adquirir determinados paradigmas que

somente a figura paterna pode transmitir aos filhos, em especial no período da

infância e da adolescência.

5.1 DA AUSÊNCIA PATERNA E SUAS CONSEQUÊNCIAS

A ausência da figura paterna para a criança e o adolescente pode se

configurar na simples falta de afetividade, ou numa atitude de indiferença e rejeição

do pai com relação a tudo aquilo que diz respeito aos deveres que lhe são

conferidos pelo poder familiar, diretamente relacionado com o desenvolvimento do

filho como pessoa.

Discute-se muito a respeito de qual seria a verdadeira função do pai no

âmbito da entidade familiar, mormente no tocante à criação e ao desenvolvimento

dos filhos em idade de formação.

Page 62: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

60

Sabe-se, no entanto, que a função do pai não se esgota no ato de geração

biológica. Ela se estende por toda a vida, e, a partir da geração dos filhos, assume

um caráter de responsabilidade irrenunciável, decorrente do vínculo afetivo que

passa a permear essa relação filial.

Ocorre que, para muitos homens a paternidade se restringe apenas ao fato

de registrar a criança em seu nome, e pagar-lhe uma pensão alimentícia,

considerando-se isentos de qualquer responsabilidade para com os filhos no que diz

respeito a sua assistência, principalmente no campo afetivo.

É provável que essa falta de comprometimento afetivo em relação aos

filhos, que ocorre, com maior intensidade e frequência por ocasião de uma ruptura

conjugal, seja oriunda de uma questão hereditária de costumes antigos que ainda

permeiam o subconsciente de alguns homens, no momento em que se acham na

condição de pai.

Na antiguidade, seguindo as tradições gregas e romanas, a figura paterna

exercia um amplo e irrestrito poder sobre os demais membros da sua família, sob a

égide do chamado patriarcalismo. O pai era responsável pelo sustento de sua prole,

em termos econômicos, cabendo à mãe os encargos de ordem sentimental e afetiva.

A relação do filho com o pai, por uma questão natural, obedecia aos ditames da

sociedade patriarcal, marcada por uma ausência de valores afetivos.

Aos poucos, porém, essa concepção foi desmoronando, dando margem a

uma mudança gradual da função da figura paterna no seio da entidade familiar, e

consequentemente, ao surgimento de uma relação também afetiva entre o pai e

seus filhos.

É importante considerar que, gradativamente, o sustento da casa deixou de

ser tarefa exclusiva do pai, na medida em que as mulheres passaram a ingressar no

mercado de trabalho, deixando para trás os serviços estritamente domésticos.

A divisão de tarefas redundou num fortalecimento das relações afetivas

entre os integrantes da entidade familiar, e numa maior participação do pai na

criação dos filhos, mormente no campo afetivo.

Hoje, está mais do que provado, pela própria evolução dos estudos na área

da psicologia e ciências afins, que a presença da figura paterna na vida de uma

criança ou de um adolescente é fator de fundamental importância para sua formação

e seu desenvolvimento, sob todos os aspectos.

Page 63: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

61

Ao analisar a importância da figura paterna na vida dos filhos, assim se

posiciona a renomada educadora Nelsina Comel:

Partindo do fato de que, para se gerar um novo ser humano, a natureza condicione uma relação efetiva e específica do elemento masculino com o elemento feminino, indispensáveis e insubstituíveis à formação vital, há que se deduzir, como consequência natural, que o novo ser – já pessoa humana –, por nascer em condições de profunda dependência física e emocional, vá necessitar de ajuda e participação dos dois componentes que foram essenciais à geração dela. Dentro de tal enfoque, seria contraditório e até mesmo um contra-senso, aceitar como natural que a participação do elemento masculino pudesse se limitar apenas ao momento previsto. Isto é, passada a fecundação, o sujeito co-partícipe da geração, estaria dispensado de outras funções 66.

Depreende-se, portanto, que a figura do pai reveste-se de uma importância

fundamental para a formação dos filhos.

Não seria demais afirmar que, para um desenvolvimento pleno e saudável,

sob todos os aspectos, os filhos não podem prescindir da presença marcante da

figura paterna, como apoio e referencial para as suas vidas, sob pena de estarem

sujeitos a danos muitas vezes irreparáveis em sua personalidade.

A falta da presença do pai, e o consequente abandono afetivo na vida de

uma criança ou de um adolescente geram num déficit emocional difícil, senão

impossível de ser reparado.

Isto porque, de uma forma ou de outra, a figura paterna é vista como um

referencial para os filhos. A criança ou o adolescente, que não dispõe desse

referencial, fruto de uma convivência harmoniosa e permanente, passa a ser vítima

de uma carência emocional que poderá acompanhá-la por toda a vida, sujeitando-a,

muitas vezes a submeter-se a um tratamento psicológico como alternativa para

suprir essa deficiência.

É bem verdade que, em alguns casos, a falta do pai é aparentemente

suprida pela própria mãe, que, com muito esforço e dedicação consegue

desempenhar um duplo papel na criação de seus filhos. Outras vezes, a figura do

pai é parcialmente preenchida pelo avô, por um tio, ou até mesmo por um padrasto.

Nesses casos, pode ocorrer que o filho não venha a sofrer maiores prejuízos, em

decorrência da ausência do pai verdadeiro, mormente se a família em que vive for

bem estruturada, e integrada por pessoas que lhe possam dar a devida proteção e 66 COMEL, Nelsina Elizena Damo. Paternidade responsável: o papel do pai na sociedade brasileira e na educação familiar. Curitiba: Juruá, 2000.p. 96.

Page 64: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

62

amor. No entanto, mesmo nessas condições, a figura do pai será sempre

insubstituível no subconsciente do filho, o que demonstra a importância de seu papel

no contexto da entidade familiar.

A situação se agrava na medida em que não existe um substituto para

exercer a função paterna, e quando a família não proporciona as mínimas condições

indispensáveis a um desenvolvimento saudável da criança e do adolescente.

Nesses casos, a falta da presença e do afeto paterno pode se transformar num fator

determinante para que os filhos venham a apresentar determinados transtornos

psíquicos.

Como bem ressalta Claudete Carvalho Canezin:

A falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas seqüelas psicológicas, e comprometer seu desenvolvimento saudável. A figura do pai é responsável pela primeira e necessária ruptura da intimidade mãe-filho e pela introdução do filho no mundo transpessoal, dos irmãos dos parentes e da sociedade. Nesse outro mundo, imperam ordem, disciplina, autoridade e limites 67.

Assim, a falta de estrutura familiar e o abandono afetivo do pai, aliados a

outros fatores, podem redundar em sérios problemas para a criança e para o

adolescente, como a baixa auto-estima, a hiperatividade, o transtorno de conduta ou

delinquência, o transtorno opositor desafiante, os transtornos de escolaridade e até

mesmo a conduta anti-social.

Depreende-se, portanto, que o abandono afetivo do pai, caracterizado pela

ausência, pelo desinteresse ou pela indiferença, gera, sem dúvida, uma situação de

desequilíbrio na formação da criança e do adolescente, que pode levá-los a não

confiarem em si mesmos, a não expressarem suas emoções, seus sentimentos,

tornando-se fechados e ansiosos, carregando seus medos e angústias muitas vezes

escondidas.

As angústias vividas pela criança e pelo adolescente, em decorrência do

abandono afetivo do pai, os predispõem a reagirem, mais tarde, de forma anti-social,

e a apresentarem os já citados transtornos de conduta, assumindo posições que se

67 CANEZIN, Claudete Carvalho. Da Reparação do dano existencial ao filho decorrente do abandono paterno-filial, in: BREITTMANN, Stella Galbisnski; STRY, Marlene Neves. Gênero e mediação familiar: uma interface teórica. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDFAM/ Síntese; ano VIII, n. 36, p. 77 – jun-jul. 2006

Page 65: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

63

caracterizam pela falta de sentimentos, pela irresponsabilidade, pela crueldade, pela

agressividade.

Há que se considerar, finalmente, que a participação do pai na assistência

moral e intelectual aos filhos é especialmente importante na infância, fase de

formação dos principais traços da personalidade, muito embora deva estar presente

desde a concepção até o pleno desenvolvimento dos filhos.

O direito, na constante busca de atender aos anseios da sociedade, e de

dar a devida proteção jurídica à criança e ao adolescente, não poderia fechar os

olhos para essa realidade.

Por esta razão, a par do aperfeiçoamento legislativo, a doutrina e a

jurisprudência, gradativamente, vêm passando a considerar o abandono afetivo

sofrido pela criança e o adolescente, como um dano moral passível de reparação,

com base nos princípios que regem a responsabilidade civil.

5.2 DA ADMISSIBILIDADE DO DANO MORAL NA RELAÇÃO DE FILIAÇÃO

O vínculo de filiação, no direito contemporâneo tem assumido um novo

perfil, segundo o qual a proteção aos filhos assume papel de destaque.

Em face dessa nova realidade, determinados comportamentos que

impliquem na violação dos direitos da personalidade de que os filhos são titulares,

podem dar margem ao direito de reparação por danos morais.

A criança e o adolescente são sujeitos de uma proteção especial, na qual se

inclui, de forma específica, aquela conferida aos direitos da personalidade,

particularmente nos aspectos ligados ao desenvolvimento moral, físico e social.

Essa condição representa uma garantia de preservação da sua integridade

física, psíquica e moral, o que lhe confere, dentre outros, o direito à reparação pelo

dano extrapatrimonial.

Como já foi ressaltado, a relação entre pais e filhos encontra-se fundada,

essencialmente, na afetividade. Por esta razão, não permite a aplicação integral dos

princípios que regem a responsabilidade civil. A esse respeito, adverte Bernardo

Castelo Branco afirma que:

Page 66: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

64

Mesmo no campo específico do dano moral, cabe aferir em que medida o comportamento adotado foi capaz de romper os eventuais laços de afeto entre pais e filhos, uma vez que a admissibilidade da reparação não pode servir de estopim a provocar a desagregação da família ou o desfazimento dos vínculos que devem existir entre os sujeitos daquela relação 68.

O que aquele ilustre professor pretende dizer é que o comportamento

considerado lesivo deve ser examinado dentro de um contexto de vida familiar,

através do qual se possa aquilatar, com razoável segurança quais as repercussões

de uma demanda de indenização por danos morais numa relação de filiação.

Assim, deve-se evitar que a exigência da reparação de danos morais nas

relações entre pais e filhos venha a se constituir em fator determinante para o

rompimento do vinculo de filiação.

Não é concebível, no entanto, se admitir a negativa quanto à possibilidade

de reparação dos danos morais nas relações de filiação, tendo como argumento o

simples receio de um rompimento entre as partes. Ao defender essa posição,

Adauto de Almeida Tomaszewski assinala:

Apesar de reconhecer a polêmica que tal sugestão pode causar, é cediço que não está ela desprovida de pressuposto lógico, afinal, desde a promulgação da vigente Constituição Federal, o pátrio poder migrou para o pátrio dever. Quem tem um dever, tem responsabilidades; quem não cumpre que arque com as conseqüências. Mais vergonhoso é não reparar um mal causado, pois a responsabiIidade civil, repise-se, interessa mais à sociedade como um todo do que ao indivíduo isoladamente, já que a ofensa irreparada a outrem dá ensejo a que isto continue ocorrendo, o que é simplesmente inaceitável 69.

De qualquer forma, não se pode deixar de considerar que a admissibilidade

dos danos morais, nas relações de filiação, deve estar circunscrita, em princípio, às

situações nas quais já não se configura o pleno exercício do poder familiar, e em

que, ao mesmo tempo, existe um comportamento lesivo, que pode estar

caracterizado, como no caso em estudo, pela ausência do vínculo afetivo.

68 CASTELO BRANCO, Op. Cit. Nota 64, p. 118. 69 TOMASZEWSKY, Adauto de Almeida. Separação, violência e danos morais: a tutela da personalidade dos filhos. São Paulo: Paulistanajur, 2004, p. 252.

Page 67: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

65

5.3 DO DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO

Discute-se hoje, no mundo jurídico, a possibilidade de indenização por dano

moral pela ausência de afeto dos pais em relação aos filhos. Não se pode mais

contestar que, além do tocante aos direitos da personalidade e ao princípio da

dignidade da pessoa humana, a essência da responsabilidade civil dos pais em

relação à pessoa dos filhos menores encontra-se prevista na própria Constituição

Federal, e na legislação infra-constitucional.

Denise Dias Freire, ao defender a necessidade da reparação do dano moral

pela falta de afetividade, assim se expressa:

Tal comprovação, facilitada pela interdisciplinaridade, tem levado ao reconhecimento da obrigação indenizatória por dano afetivo. Ainda que a falta de afetividade não seja indenizável, o reconhecimento da existência do dano psicológico deve servir, no mínimo, para gerar o comportamento do pai com o pleno e sadio desenvolvimento do filho. Não se trata de impor um valor ao amor, mas de reconhecer que o afeto é um bem muito valioso 70.

O afeto é um direito individual, uma liberdade que o Estado deve assegurar

a qualquer indivíduo, sem discriminações, senão as mínimas necessárias ao bem

comum de todos. Na verdade, ele não pode deixar de ser incluído no patrimônio

moral das pessoas, de tal modo que, da sua deterioração, resulte a obrigação de

indenizar o ‘prejudicado’.

O que produzirá o liame necessário – nexo de causalidade essencial – para

a ocorrência da responsabilidade civil por abandono afetivo deverá ser a

consequência nefasta e prejudicial que se produzirá na esfera subjetiva, íntima e

moral do filho, como consequência do abandono perpetrado, culposamente, por seu

pai.

O dano causado pelo abandono afetivo é, antes de tudo, um dano que afeta

a personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa dotada de

personalidade, que, certamente, existe e manifesta-se por meio do grupo familiar,

responsável que é por incutir na criança e no adolescente o sentimento de

responsabilidade social.

O pressuposto desse dever de indenizar – além da presença clara do dano

– é a existência efetiva de uma relação paterno-filial em que ocorreu, culposamente, 70 FREIRE, Denise Dias. O preço do amor. Jornal Mulher, Porto Alegre, n. 40, p. 7, nov. 2004.

Page 68: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

66

o abandono afetivo do filho. A existência de tal relação pode ultrapassar, inclusive,

os limites biológicos, prevalecendo também os laços afetivos.

Por outro lado, há que se perguntar qual seria o fundamento legal de tal pretensão,

que serviria de orientação na busca de se verificar a ocorrência de dano efetivo e

injusto?

A proteção jurídica do direito ao afeto está embasada no princípio da

dignidade da pessoa humana que, como já foi visto, é objeto de expressa previsão

no Art. 1º, III, da Constituição Federal.

Através do Art. 227, a Constituição Federal atribui à família a primasia

quanto ao dever de educar a criança e o adolescente:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão 71.

No mesmo diapasão, o Art. 229, de nossa Carta Magna, imputa aos pais “o

dever de assistir, criar e educar os filhos menores”.

Na ordem infraconstitucional, a norma autorizadora para o atendimento à

pretensão do lesado evidencia a existência de um direito-dever, incumbido aos pais,

de cuidar de sua prole, e protegê-la, não apenas sob as demandas materiais, mas,

especialmente, sob as demandas emocionais, psíquicas, além das de ordem mental,

moral, espiritual e social.

Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), em seu

Art. 3º, estabelece:

Art 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade 72.

O mesmo estatuto, nos seus artigos 19 e 20, reafirma o direito da criança e

do adolescente de “ser criado e educado no seio da sua família”, imputando aos pais 71 BRASIL, Op Cit. Nota 63, p.76 72 BRASIL. Lei 8069 de 13 de julho de 1990: Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. In Vade Mecum acadêmico forense. 2. ed. São Paulo: Vértice, 2006. p.1.022.

Page 69: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

67

“o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores”.

Segundo Judith Martins Costa, “o fundamento desse dever de indenizar, por

certo, demanda uma reflexão lastreada na dignidade da pessoa humana e no

correto desenvolvimento psicológico e sócio-cultural dos filhos” 73.

Como já foi ressaltado, a existência digna dos filhos é responsabilidade dos

pais, que, através do exercício do poder familiar, cumprem o dever de sustento e

educação.

A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a

convivência familiar, o afeto, amor, carinho, lazer, estabelecer paradigmas, criar

condições para que a criança se auto-afirme. A ausência, o menosprezo, a

indiferença, a rejeição do pai ferem a honra, a moral, a imagem e a psique do filho,

privando-o do mínimo necessário para uma vida saudável e harmoniosa.

O descumprimento do dever de convivência familiar dá ensejo à

responsabilidade civil. Isto porque, a ausência ou a presença hostil da figura paterna

geram um vazio no desenvolvimento afetivo, moral e psicológico do filho, que pode

desaguar em crises depressivas, complexos de culpa e de inferioridade,

instabilidade emocional, além de outros problemas de ordem psíquica.

Ao tratar deste tema, Giselda Maria Hironaka afirma:

A ausência injustificada do pai origina evidente dor psíquica e consequente prejuízo à formação da criança, decorrente da falta, não só do afeto, mas do cuidado e proteção - função psicopedagógica- que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade. Além da inquestionável concretização do dano, também se configura, na conduta omissiva do pai, a infração aos deveres jurídicos de assistência imaterial e proteção que lhe são impostos como decorrência do poder familiar 74.

No dizer de Claudete Carvalho Canezin:

A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação. Se lhes faltar essa referência, o filho estará prejudicado, talvez de forma permanente, para o resto de sua vida. Assim, a ausência da figura do pai desestrutura os filhos, tira-lhes o rumo da vida e debilita-lhe a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas infelizes 75.

73 COSTA, Judith Martins. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza de sua reparação. In: A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 408. 74 HIRONAKA, Op. Cit. Nota 28, p. 23. 75 CANEZIN, Op. Cit. Nota 67, p. 78.

Page 70: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

68

Convém ressaltar que a dissolução da sociedade conjugal não implica em

dissolução do vínculo de parentesco, embora, na maioria das vezes, ocorra um

enfraquecimento dos laços afetivos entre o pai e os filhos menores, que, quase

sempre, permanecem em companhia da mãe. Mesmo assim, esse distanciamento

não poderá ser suscitado pelo pai como argumento de escusa para o cumprimento

de suas obrigações paternais.

Eduardo de Oliveira Leite assim se refere a esta situação

Toda separação brutal, sem atenuantes, particularmente para uma criança-jovem, é uma situação de alto risco para esta criança, tanto no plano afetivo quanto no plano cognitivo e somático; por isso, o direito positivo desenvolveu, atualmente, instrumentos que permitem manter as relações pais-filhos após a separação, qualquer que tenha sido a causa 76.

Portanto, quaisquer que sejam as circunstâncias, os deveres inerentes ao

poder familiar não podem ser ignorados pelo pai que, ao decidir por gerar os filhos,

deve ter plena consciência da importância da existência de um permanente convívio

entre ambos, pautado numa relação de afetividade e comprometimento.

A alta do convívio paterno-filial pode gerar danos, a ponto de comprometer o

desenvolvimento pleno e saudável do filho. Isto sem falar que esta omissão do pai,

além de justificar a perda do poder familiar, pode gerar dano afetivo suscetível de

reparação.

Giselda Hironaka, ao analisar a importância desse convívio, e a ocorrência

de dano moral na criança e no adolescente, em face do abandono afetivo, afirma

que:

Imperioso é reconhecer o caráter didático dessa nova orientação, despertando a atenção para o significado do convívio entre pais e filhos. Mesmo que os genitores estejam separados, a necessidade afetiva passou a ser reconhecida como bem juridicamente tutelado. A indenização por abandono afetivo poderá converter-se em instrumento de extrema relevância e importância para a configuração de um direito das famílias mais consentâneo com a contemporaneidade, podendo desempenhar papel pedagógico no seio das relações familiares 77.

76 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães separados, e dos filhos na ruptura da vida conjugal. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p.19 77 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 148.

Page 71: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

69

Essa nova orientação sobre o dano moral decorrente do abandono afetivo,

que pode afetar a dignidade do filho em estágio de formação, inclina-se para a

admissibilidade de sua reparação material. Isto deve ocorrer, não apenas para que

os deveres parentais, deliberadamente omitidos, não fiquem impunes, mas

principalmente, para que, no futuro, qualquer inclinação para um irresponsável

abandono possa ser dissuadida pela firme disposição do Judiciário em mostrar que

o afeto tem um preço muito alto na nova configuração familiar.

Por outro lado, o risco de a admissibilidade da reparação por danos morais

decorrentes do abandono afetivo transformar-se em carro-chefe de uma indústria

indenizatória do afeto, certamente existe.

Nesse caso, compete ao Poder Judiciário estabelecer os parâmetros para o

julgamento de ações que visem a referida reparação. Afinal, o perigo de banalizar-se

a indenização reside em não se compreender, exatamente, na exposição concreta

de cada pretensão, a verdadeira configuração do que vem a ser o abandono afetivo.

5.4 DA JURISPRUDÊNCIA NOS CASOS DE DANO AFETIVO

Profunda tem sido a reviravolta produzida, não só na justiça, mas nas

próprias relações entre pais e filhos, em face de decisões judiciais que, em alguns

raros casos, passou a impor ao pai o dever de pagar indenização, a título de danos

morais ao filho, pela falta de convívio e de assistência afetiva, a despeito de estar

pagando pensão alimentícia.

De forma inédita no ordenamento jurídico brasileiro, surgiu, em Minas

Gerais a primeira decisão que obrigou o pai a indenizar seu filho por tê-lo

abandonado afetivamente, conforme se vê na Ementa do Acórdão proferido pela 7ª

Câmara Cível do Tribunal de Minas Gerais, nos autos da Apelação Cível nº 408.550-

5, que teve como Relator o Desembargador Unias Silva, in verbis:

Indenização. Danos Morais. Relação paterno-filial. Princípio da dignidade da pessoa humana. Princípio da afetividade. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana 78.

78 BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 7ª Câmara Cível. Apelação Cível n° 408.550. Rel. Des. Unias Silva, julgado em 01.04.2004.

Page 72: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

70

No caso em comento, o pedido de reparação por danos morais, decorrente

do abandono afetivo do pai, foi feito por um jovem de vinte e quatro anos, sob a

alegação de que fora rejeitado por seu pai e abandonado afetivamente. Até os seis

anos de idade, manteve contato com seu pai de maneira regular, mas, com o

nascimento de sua irmã, fruto de um novo relacionamento conjugal do pai, este se

afastou definitivamente, e deixou de conviver com ele. O jovem sempre recebeu

pensão alimentícia, mas alegou que só queria do pai, amor e o reconhecimento

como filho, ao invés do abandono, frieza e rejeição. O pedido foi julgado

improcedente na primeira instância.

Ao julgar o Recurso de Apelação interposto, a 7ª Câmara Cível do Tribunal

de Alçada do Estado de Minas Gerais reconheceu o abandono afetivo e a ocorrência

do dano moral, condenando o pai ao pagamento de 200 (duzentos) salários mínimos

a título de indenização.

A defesa do pai recorreu da decisão ao STJ, argumentando que a

indenização tinha caráter abusivo, já que a guarda do filho ficara com a mãe, após a

separação, e que, em razão de suas atividades profissionais, inclusive fora do país,

não teria condições de estar em dois lugares ao mesmo tempo, e, portanto, de dar a

devida assistência ao filho, em termos de convívio.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial interposto pelo

pai, decidiu, por maioria, pela impossibilidade do pagamento do dano moral nos

casos de abandono afetivo, conforme se observa no acórdão abaixo transcrito:

AÇÃO E INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PAI.FILHO.ABNDONO AFETIVO. A turma, por maioria, conheceu do recurso e deu-lhe provimento para afastar a possibilidade de indenização nos caos de abandono afetivo, como dano passível de indenização. Entendeu que escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar ou manter um relacionamento afetivo, que nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada. Um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do filho de ser acolhido, ainda que tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do pedido não atenderia, ainda, o objetivo de reparação financeira, porquanto o amparo, nesse sentido, já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo e dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na legislação civil 79.

No Rio Grande do Sul, o pai de uma menina de nove anos foi condenado a

pagar indenização à sua filha, por abandono afetivo, por decisão de primeira

79 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 757.411-MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves. Julgado em 29/11/2005.

Page 73: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

71

instância. A sentença, proferida pelo MM. Juiz de Direito Mário Romano Maggioni,

em agosto de 2003, na cidade de Capão de Canoa, fixou a indenização em 200

(duzentos) salários mínimos.

Ao fundamentar a sua decisão, aquele eminente julgador salientou que “a

educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar,

o afeto, o amor, o carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar,

estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-estime”.

Discorreu, ainda, que “a ausência e a rejeição do pai em relação ao filho recém-

nascido, ou em desenvolvimento, violam a sua honra e a sua imagem.”

Recentemente, na 1ª Vara Cível de São Gonçalo, Região Metropolitana do

Rio de Janeiro, a MM. Juíza Simone Ramalho Novaes condenou o pai a indenizar

seu filho de treze anos, por abandono afetivo, com a importância de R$ 35.000,00

(trinta e cinco mil reais). Em sua decisão a MM. Juíza considerou que se o pai não

tem culpa por não amar o filho, tem por negligenciá-lo, e conclui ser perfeitamente

possível a condenação por abandono moral do filho.

A decisão mais recente, em primeira instância, sobre caso similar, ocorreu

em São Paulo. O Juiz de Direito Luiz Fernando Cirillo, da 31ª Vara Cível Central,

condenou um pai a pagar à filha uma indenização, no valor de R$ 50.000,00

(cinqüenta mil reais), como reparação de dano moral e custeio no tratamento

psicológico dela.

Por meio de perícia técnica, foi constatado que a jovem apresentava

conflitos, dentre os quais, de identidade, deflagrados pela rejeição do pai, com quem

tivera oportunidade de conviver com poucos meses de vida. A jovem, abandonada

sentiu-se rejeitada e humilhada, em razão do tratamento frio dispensado a ela pelo

pai, especialmente por serem todos membros de uma colônia judaica de São Paulo,

“crescendo envergonhada, tímida e embaraçada, com complexos de culpa e

inferioridade”.

Na sentença proferida, o Juiz Cirillo, afirma: “a decisão da demanda

depende necessariamente, do exame das circunstâncias do caso concreto, para que

se verifique, primeiro, se o réu teve, efetivamente, condições de estabelecer

relacionamento efetivo maior do que a relação que afinal se estabeleceu, em

segundo lugar, se as vicissitudes do relacionamento entre as partes, efetivamente,

provocaram dano relevante à autora”. O pai apelou da sentença ao Tribunal de

Justiça de São Paulo.

Page 74: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

72

O argumento utilizado por aqueles que não admitem a possibilidade da

ausência do afeto ensejar o dano moral reside na afirmação que é por demais

arbitrário e abusivo pretender que o pai seja penalizado por problemas causados ao

filho pela falta de amor e afeto. Afirmam os defensores desta posição que o laço

sentimental é algo mais profundo, e não será uma decisão judicial que irá mudar

esta situação ou sanar eventual deficiência.

Por outro lado, é preciso entender que, o que se pretende não é tão

somente “compensar a dor”, nem tampouco ”dar preço ao afeto”. O objetivo maior é

o de conscientizar o pai acerca dos prejuízos causados aos filhos em decorrência de

um provável abandono afetivo, alertando-o que sua conduta reprovável deve ser

evitada.

Por fim, é importante lembrar que o pagamento da indenização ao filho não

devolverá o que este não teve, exatamente porque o afeto não tem preço! A

quantificação em dinheiro não muda nada em sua vida, no sentido de reduzir ou

eliminar uma alegada carência afetiva em relação à figura paterna.

Page 75: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

73

CONCLUSÃO

As relações familiares vêm passando por constantes e profundas

transformações, especialmente nos últimos anos, em decorrência da própria

evolução da sociedade, e essas transformações tendem a se refletir no destino da

comunidade social da qual a família é parte integrante.

Influenciada por essa constante evolução social, a família tem assumindo,

aos poucos, uma nova conformação. Assim, o conceito de família, que, em sentido

restrito, compreendia apenas os pais e seus filhos, foi inovado pela Constituição de

1988, que passou a incluir no núcleo familiar as entidades formadas pela união

estável, a comunidade monoparental e até mesmo a família homoafetiva.

A família atual, fugindo ao conceito da família patriarcal, que atribuía ao

marido a condição de chefe e senhor da sociedade familiar, apresenta-se fundada

em novos alicerces, com prevalência da afeição como elemento fundamental na

união formadora do núcleo familiar.

A família atual passou a adotar os princípios de liberdade, respeito à

dignidade da pessoa humana, igualdade jurídica dos cônjuges, companheiros e

também dos filhos de qualquer condição.

O presente trabalho teve como campo de observação a família

monoparental, mais especificamente aquela em que o filho encontra-se sob a

guarda da mãe, e na qual a ausência do pai passou a se constituir num fato

desencadeador de graves problemas morais e psicológicos para a os filhos.

Como se sabe, a família monoparental sempre foi uma realidade em nossa

sociedade, e, na grande maioria dos casos, os filhos menores permanecem na

companhia unicamente da mãe.

A consequência negativa desse fato é que, cada vez mais, a figura paterna

está se distanciando dos filhos, deixando de lhes oferecer amor, carinho e a

assistencial moral de que necessitam, configurando-se um verdadeiro abandono em

termos afetivos.

É inquestionável que o instituto da guarda compartilhada tem contribuído

para minimizar os efeitos maléficos decorrentes da ausência do pai, particularmente

para a criança e o adolescente. Ocorre que amor, afeto e carinho, a simples

Page 76: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

74

presença são coisas que não se impõem, e que dependem do sentimento das

pessoas.

A grande verdade é que o problema do abandono afetivo dos filhos ocorre

com muita frequência, e, por esta razão desponta, no direito de família, uma forte

tendência no sentido de se aplicar, em casos como esses, as regras da

responsabilidade civil.

Atualmente, a idéia segundo a qual as relações de família não estão sujeitas

às regras da responsabilidade civil não tem mais sentido. Isto porque, os diferentes

membros que integram o núcleo familiar, como os filhos, gozam de ampla proteção,

na medida em que são titulares dos direitos da personalidade. Assim, o responsável

por eventual violação desses direitos não pode ficar imune a uma sanção por danos

morais ou afetivos causados a um de seus membros.

A aplicação das regras da responsabilidade civil aos casos de abandono

afetivo dos filhos, quando perpetrado pelo pai, ainda carece de regras específicas no

direito positivo. Além disso, observa-se que são poucos os estudos doutrinários, e a

jurisprudência restringe-se apenas a alguns casos isolados.

Acontece que proliferam situações dessa natureza, em que os filhos são

relegados a um segundo plano, e são submetidos a um abandono afetivo que se

configura muitas vezes na indiferença, na rejeição ou na simples ausência da figura

paterna em momentos importantes de suas vidas.

Seria ideal que problemas dessa ordem, que envolvem crianças e

adolescentes, fossem resolvidos com base na compreensão, no respeito e no afeto

mútuos. Mas isso nem sempre ocorre. O que se observa, no entanto, no seio das

famílias, é o crescimento da intolerância, do egoísmo e da violência. E, os filhos, até

pela condição de hipossuficiência, não estão imunes à violação de seus direitos por

parte daqueles que, legal e moralmente, têm obrigação de zelar por eles.

Aos poucos, no entanto, cresce o entendimento de que é possível o

acionamento dos mecanismos jurídicos que visem aplicar sanções e prevenir que

ocorram os chamados danos morais contra a pessoa dos filhos decorrentes do

abandono afetivo.

O assunto é realçado quando se trata da relação entre pais e filhos, na

medida em que estes necessitam de maior proteção aos direitos da personalidade

que lhes são inerentes.

Page 77: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

75

Não se pode esquecer que o poder familiar deve, obrigatoriamente, ser

visto, também, como um meio de se atingir essa proteção.

Assim, de tudo o que foi exposto neste trabalho, depreende-se que

aplicação das regras da responsabilidade civil aos casos de danos morais,

decorrentes de abandono afetivo dos filhos, se faz de todo imprescindível. Ela teria

como objetivo principal coibir os abusos praticados por pais que, certos da

impunidade, violam sistematicamente os direitos fundamentais dos filhos, causando

danos morais muitas vezes irreparáveis.

Convém ressaltar, finalmente, que, os casos em que se configure a

ocorrência de um abandono afetivo do pai em relação aos filhos devem ser

analisados com muita cautela, procurando-se, inicialmente, uma solução

conciliatória e amigável entre as partes envolvidas. Isto porque, uma possível

demanda judicial pode destruir, definitivamente, a possibilidade de uma reconstrução

dos tênues laços afetivos que, porventura, ainda existam entre eles.

Page 78: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

76

REFERÊNCIAS BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988.

BRASIL. Código Civil: Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. In Vade Mecum Acadêmico de Direito. 8. ed. São Paulo: Redeel, 2009.

______. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. In Vade Mecum Acadêmico de Direito. 8. ed. São Paulo: Redeel, 2009.

______. Lei nº 8069 de 13 de julho de 1990: dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. In Vade Mecum Acadêmico de DIreito. 8. ed. São Paulo: Redeel, 2009.

______. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 7ª Câmara Cível. Apelação Cível n° 408.550. Rel. Des. Unias Silva, julgado em 01.04.2004.

______. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 757.411-MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves. Julgado em 29/11/2005.

CANEZIN, Claudete Carvalho. Da reparação do dano existencial ao filho decorrente do abandono paterno-filial. In: BREITTMANN, Stella Galbisnski; STRY, Marlene Neves. Gênero e mediação familiar: uma interface teórica. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDFAM/ Síntese; ano VIII, n.36, p77-jun-jul. 2006.

CASTELO BRANCO, Bernardo. Dano Moral no direito de família. 1. ed. São Paulo: Método. 2006.

COMEL, Nelsina Elizena Damo. Paternidade responsável: o papel do pai na sociedade brasileira e na educação familiar. Curitiba: Juruá, 2000.

COSTA, Judith Martins. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza de sua reparação. In: A reconstrução do direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

COSTA, Maria Isabel da. Família: do autoritarismo ao afeto. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDFAM/Síntese, nº 32, p. 20-39, out-nov. 2005.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito da família. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5.

______. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993, v. 7.

______. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3.

Page 79: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

77

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

FREIRE, Denise Dias. O preço do amor. Jornal Mulher, Porto Alegre, n.40, nov. 2004.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito de família brasileiro – Introdução: abordagem sob a perspectiva civil-cosntitucional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001.

GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

HIRONAKA, Giselda Mara Fernandes Novaes. Aspectos jurídicos da relação paterno-filial – Carta Forense. São Paulo, ano III, n. 22, p. 3, março, 2005.

______. Direito civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães separados, e dos filhos na ruptura da vida conjugal. 2.ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2003.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família: direito matrimonial. Campinas (SP): Bookseller, 2001. v.1.

MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Compartilhando a guarda no consenso e no litígio. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e dignidade humana. Belo Horizonte: BDFAM, 2006.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 5.

QUEIROGA, Antônio Elias. Curso de direito civil – direito de família – Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

REIS, Clayton. Dano moral. 4.ed. Rio De Janeiro: Editora Forense, 2001.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: responsabilidade civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

______. Direito civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável. 3. ed. São Paulo. Método, 2001.

SEVERO, Sérgio. Danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996.

SILVA, Paulo Lins e. O casamento como contrato de adesão e o regime legal da separação de bens. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord). Anais do III

Page 80: FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA FESPfespfaculdades.com.br/painel/uploads/arquivos/trabArquivo... · 2013-06-11 · 2. Direito da Criança e do ... Antonio Marques de Medeiros

78

Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e cidadania. O novo CCB e VACATIO LEGIS. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1955.

SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Responsabilidade civil por danos à personalidade. Barueri, SP: Manole, 2002.

STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

TOMASZEWSKY, Adauto de Almeida. Separação, violência e danos morais: a tutela da personalidade dos filhos. São Paulo: Paulistanajur, 2004.

WALLERSTEIN, Judith S.; BLEKESLEE, Sandra. Sonhos e realidade no divórcio. São Paulo: Saraiva, 1991.

WAMBIER, Tereza Celina Arruda Alvim. Direitos de família e do menor. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,1993.

VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito civil: direito da família. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.