FILME CULTURA - Revista de Cinema - Ed.60

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FILME CULTURA é uma realização viabilizada pela parceria entre o Centro Técnico Audiovisual - CTAv/SAV/MinC e a Associação Amigos do Centro Técnico Audiovisual - AmiCTAv. Este projeto tem o patrocínio da Petrobras e utiliza os incentivos da Lei 8.313/91 (Lei Rouanet).www.filmecultura.org.br@[email protected]

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  • F I LME CULTURA no 60 . JULHO AGOSTO SETEMBRO 2013 WWW.FILMECULTURA.ORG.BR ISSN 2177-3912

    A O N D E V A M O S C O M T A N T A A N I M A O ?

  • PresidentA dA rePblicA dilmA rousseff

    ministrA dA culturA mArtA suPlicY

    secretriA executivA / minc jeAnine Pires

    secretrio do AudiovisuAl leoPoldo nunes

    coordenAdor-GerAl do ctAv robervAl duArte

    CTAv/SAV/MinC - Centro Tcnico AudiovisualAvenida Brasil, 2482 | Benfica | Rio de Janeiro | RJ | Brasil cep 20930.040tel 55 (21) 3501 7800

    Filme Cultura uma realizao viabilizada pela parceria entre o Centro Tcnico Audiovisual CTAv/SAV/MinC e a Associao Amigos do Centro Tcnico Audiovisual AmiCTAv.

    Este projeto tem o patrocnio da Petrobras e utiliza os incentivos da Lei 8.313/91 (Lei Rouanet).

    www.filmecultura.org.brwww.twitter.com/[email protected]

  • 4 Informe CTAv | 5 edITorIAl | 6 de PATInho feIo A CIsne dAnIel CAeTAno | 10 IndsTrIA AnImAdA srgIo nesTerIuk 16 desAfIos do longA mArTA mAChAdo | 21 exerCCIo PArA o sAlTo AnTonIo moreno | 27 o nATAl dos AnImAdores mAro

    32 lAmPejos forA do eIxo joo CArlos sAmPAIo | 38 CInemATeCA de TexTos: As leIs fsICAs dA AnImAo john hAlAs e roger mAnvell43 ensAIo grfICo Al Abreu | 48 ATuAlIzAndo: QuAl ser A TCnICA de AnImAo do fuTuro? mArCos mAgAlhes

    54 mundo novo guIlherme mArTIns | 60 desenhAr o som AnA luIzA PereIrA | 65 AnImAdoCs CArlos AlberTo mATTos 71 PerfIl: roberTo mIller roberTo mAIA | 74 l e C: A mAl ConTAdA hIsTrIA de TITo PonTevedrA guIlherme sArmIenTo

    78 CurTAs: PAulo emIlIo em movImenTo dAnIel CAeTAno | 81 lIvros: CInemA e lugAres InComuns CArlos AlberTo mATTos84 um fIlme: sAgrAdo segredo lus AlberTo roChA melo e CArlos AlberTo mATTos | 90 e AgorA? lCIA murAT

    92 e AgorA? AdIrley QueIrs | 94 busCA AvAnAdA: TAmboro - umA suTe brAsIleIrA CArlos AlberTo mATTos95 CInemAbIlIA | 96 PeneIrA dIgITAl dAnIel CAeTAno

    | tiragem 4.000 exemplares

    suPervIso gerAl lIAnA CorrA | edITor e jornAlIsTA resPonsvel CArlos AlberTo mATTos (mTb 17793/81/83)

    redATores CArlos AlberTo mATTos, dAnIel CAeTAno, lus AlberTo roChA melo | CoordenAo exeCuTIvA rosngelA sodr

    ProduTor/PesQuIsAdor IConogrfICo leonArdo esTeves | AssIsTenTe de Produo dAnIel mAgAlhes

    ProjeTo grfICo e dIAgrAmAo mArCellus sChnell | revIso rAChel Ades | Produo grfICA sIlvAnA olIveIrA

    gerenCIAmenTo do ProjeTo AmICTAv frederICo CArdoso e jAl guerreIro

    ColAborAdores nesTA edIo Al Abreu, AnA lusA PereIrA, AnTonIo moreno, guIlherme mArTIns, guIlherme sArmIenTo,

    joo CArlos sAmPAIo, jos ArArIPe jr., mAro, mArCos mAgAlhes, mArTA mAChAdo, roberTo mAIA, srgIo nesTerIuk

    AgrAdeCImenTos CsAr Coelho, mArCos mAgAlhes e AdA QueIroz | ANIMA MUNDI, rosArIA | ABCA, mAro, bruno hAmzAgIC,

    fbIo bonIllo | eDITORA eSTAO LIBeRDADe, sImone AlberTIno, benICIo, srgIo nesTerIuk, mIChelle guImAres, TIAgo sAlom,

    CInemATeCA brAsIleIrA, fAbrCIo felICe | CINeMATeCA DO MAM, joelmA IsmAel, glrIA brunIger | FUNARTe

    Ilustrao de Bruno Hamzagic

    feita especialmente para

    a Filme Cultura

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 20134

    CMERAS MOO Centro Tcnico Audiovisual - CTAv disponibiliza aos seus usurios novas modalidades de apoio produo

    audiovisual. Nos servios, alm das tradicionais ofertas

    de mixagem e transfer, esse ano o CTAv traz a opo de

    utilizar o seu estdio para realizar mixagem com tcnico

    externo ou para visionar uma mixagem j finalizada.

    Para os festivais de audiovisual que buscam apoio do

    CTAv, o que h de novo a possibilidade de solicitar

    como Prmio CTAv o emprstimo da cmera IT-Centric

    Silicon Imaging SI-2K, cujo prazo de utilizao ir va-

    riar de acordo com a metragem da categoria premiada.

    A cmera tambm pode ser solicitada via site do CTAv,

    aba Servios/emprstimo de equipamentos, desde que

    haja disponibilidade na data requerida e que tenha sido

    aprovado o pedido em comisso.

    A SI-2K conhecida por ter sido usada na famosa produo

    Quem quer ser um milionrio? (Slumdog millionaire), ganha-

    dora do Oscar de melhor filme em 2009. Por essa obra,

    o diretor de fotografia ingls Anthony Dod Mantle levou os

    cobiados prmios de melhor fotografia no Oscar, no Festival

    Camerimage e tambm no British Academy Film Awards.

    Suportando variaes intensas de luz, movimentos rpi-

    dos e oferecendo facilidade para a intercalao das ima-

    gens em digital por ela captada com as feitas em pelcula,

    a SI-2K vem com a ergonomia e resistncia necessrias

    para as produes nacionais que requerem maior din-

    mica e que possuem menor controle sobre as variveis

    de suas locaes. Aqui no Brasil, podemos conferir os

    resultados de filmagem de uma SI-2K no longa Querido

    pai, produzido e dirigido por Chico Faganello.

    Ainda no quesito equipamentos, o CTAv lana a abertura

    de inscries para emprstimo da cmera Arri Alexa,

    um dos maiores destaques em matria de cmeras no

    mercado cinematogrfico internacional. Sem a cobrana

    de nenhum custo de aluguel, os usurios contemplados

    somente ficam condicionados ao pagamento do seguro

    pelo tempo de utilizao, o que uma economia conside-

    rvel, que permite que produes com menor oramento

    possam atrelar a seus filmes a qualidade de captao que

    um equipamento dessa categoria confere.

    Usadas em produes internacionais premiadas como

    Argo e A inveno de Hugo Cabret (Hugo), a Alexa possui

    cinco diferentes modelos, sendo a verso A-eV o modelo

    disponvel para emprstimo gratuito no CTAv. Para concor-

    rer ao emprstimo dessa cmera, os interessados devero

    se inscrever no site do CTAv, conforme j citado.

    essas novas incorporaes no resultaram somente da

    necessidade de modernizar o equipamento e a funcio-

    nalidade do rgo. A poltica do CTAv volta-se a buscar

    formas de estabelecer respostas s demandas do sistema,

    instituindo iniciativas que sejam advindas da compreen-

    so das necessidades da produo nacional independente

    e/ou de baixo oramento que a ele recorrem em busca de

    cooperao na realizao.

    Para mais informaes sobre essas modalidades de apoio

    e para conhecer nossos outros servios, acesse o site

    ctav.gov.br.

    INFORME CTAv

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013

    O animador uma espcie de super-heri. ele no precisa se submeter s leis da fsica, embora deva conhec-las, nem s regras da proporo e do bom comportamento. Pode

    deslocar seus personagens para qualquer canto do mundo, pode deter o curso de um planeta

    e fazer o tempo dar uma volta sobre si mesmo. capaz de driblar a morte e transformar pedra

    em ouro diante de nossos olhos. ele pode quase tudo, mas na hora de colocar seu filme no

    mercado, vira um simples mortal como outro qualquer.

    No Brasil, principalmente, essa uma histria que vem sendo construda passo a passo, com

    a pacincia necessria para se animar, frame a frame, um boneco de massinha. Na primeira

    metade do sculo passado, a animao praticamente s encontrava lugar de figurante em

    cinejornais e campanhas publicitrias ou educativas. A diversificao verificada nas dcadas

    de 1960 a 80, com engajamento ativo do CTAv a partir de 1985, lentamente preparou as

    condies para a fase de afirmao que se seguiu ao surgimento do Anima Mundi Festival

    Internacional de Animao do Brasil, nos anos 90.

    O efeito do Anima Mundi sobre a formao de pblico, a produo e a autoestima dos

    animadores brasileiros no pode ser visto como menos do que um divisor de guas. Por isso

    recorremos aos organizadores do festival e aos dirigentes da ABCA Associao Brasileira

    de Cinema de Animao para nos ajudarem a pensar a pauta da revista que voc comea a

    folhear agora, com direito a flipbook de Jos Araripe Jr.

    existe aqui no apenas a celebrao de uma metamorfose em andamento de patinho feio a

    cisne do audiovisual brasileiro, na feliz imagem cunhada por Daniel Caetano no ttulo do seu

    artigo , mas tambm o desejo de investigar os desafios e as limitaes que ainda tolhem

    uma exploso mais potente da nossa animao.

    Histria, economia, tcnicas e aplicaes do filme animado receberam a ateno de gente

    que h muito vem pensando, fomentando e criando no setor. O animador e ilustrador Al

    Abreu publica um belssimo ensaio grfico. O jornalista Roberto Maia nos fornece um emotivo

    retrato de seu pai, o clebre animador Roberto Miller. O roteirista Guilherme Sarmiento nos

    intriga com sua mal contada histria de um animador galego no Brasil.

    Como de praxe por aqui, o dossi temtico divide espao com outros assuntos nas diversas

    sees da revista. esse modelo de edio foi firmado desde a retomada da publicao pelas

    mos de Gustavo Dahl, em 2010. Agora, quando chegamos a esse marco da edio n 60, vale

    erguer um brinde a todos os que fizeram sua histria, desde 1966, quando Flavio Tambellini

    e ely Azeredo lanaram seu primeiro nmero, ainda com um & juntando as palavras Filme

    e Cultura.

    Naquele ano morria Walt Disney e o Instituto Nacional de Cinema educativo produzia a srie

    Alfabeto animado. O Brasil ainda se alfabetizava em animao. Hoje pode-se dizer que o

    animador brasileiro, embora no chegue a ser exatamente um super-heri, j domina as

    ferramentas para arriscar-se em voos mais altos.

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 20136

    DE PATINHO FEIO A CISNE

    D O S S I A N I M A O

    p o r D A N I E l C A E T A N O

    D O S S I ANIMAO

    O DIGITAL E OS NOVOS MODELOS DE NEGCIO PODEM TRANSFORMAR A ANIMAO NO BRASILUm esquema eficaz de difuso comercial de filmes precisa ter um modelo de negcio bem definido e slido para que possa se sustentar prolongadamente. Nos seus

    ltimos anos de vida, foram vrias as vezes que Gustavo Dahl mencionou a necessidade de

    encontrar os modelos de negcio possveis atualmente para os filmes brasileiros. De certa

    maneira, isso que a atual poltica de apoio aos filmes de animao (com linhas prprias em

    alguns editais recentes) pretende conseguir: trata-se de um direcionamento razoavelmente

    claro de uma estratgia de ocupar um espao de circulao de filmes.

    No por acaso que uma estratgia assim pode ser implantada atualmente. Isso s pos-

    svel por conta das facilidades trazidas pelo uso da tecnologia digital. Durante boa parte

    do sculo passado, os filmes de animao podiam ser classificados como patinhos feios no

    meio da cinematografia brasileira: dependeram exclusivamente do esforo heroico de seus

    realizadores e, com raras excees, obtiveram pouca repercusso e reconhecimento. Sendo

    assim, mesmo que alguns filmes de alto nvel tenham sido feitos, a produo no teve como

    manter sua continuidade. Atualmente, o antigo patinho feio promete virar cisne, mostrando

    um invejvel potencial de crescimento graas a vrias caractersticas em que o acesso ao

    pblico infantil parte fundamental por abrir mais possibilidades para a difuso da produo,

    e se soma s novas formas de produo e difuso trazidas pela tecnologia digital.

    Durante a maior parte do sculo XX, o modelo de negcio estabelecido para o cinema de

    animao era o dos desenhos animados de Hollywood. Naquele momento, mesmo pases

    com cinematografias mais ativas no produziam opes para esses desenhos animados

    (com algumas excees notveis, sobretudo nos pases do Leste europeu). Os cineastas de

    fora do esquema de Hollywood dedicados produo de filmes de animao precisavam

    contar com financiamento pblico dos seus pases, ou ento, como j foi dito, produziam

    seus raros filmes heroicamente o que, em vrios casos, possibilitou instantes notveis de

    inventividade. Vale lembrar, inclusive, a produo de belos filmes de animao feitos por

    cineastas normalmente lembrados entre os maiores do cinema dito experimental e nem

    sempre associados histria dos filmes animados (como foram os casos, por exemplo, de

    Stan Brakhage e Marie Menken). Mas estes eram filmes produzidos de forma independente

    das grandes empresas, e por isso permaneciam inacessveis maior parte do pblico por

    falta de difuso. Assim, durante vrias dcadas no havia nenhuma outra cinematografia

    produzindo filmes de animao em ritmo constante alm da indstria norte-americana.

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013

    DE PATINHO FEIO A CISNE

    D O S S I A N I M A O

    Isso no era por acaso: a produo de animaes demandava um esforo trabalhoso que, se

    no pudesse ser sustentado em ritmo industrial, seria inevitavelmente lento. em Hollywood,

    a partir dos anos 1930, o investimento nesse setor, somado forte estrutura internacional de

    comrcio de filmes, permitiu, como se sabe, o surgimento e consolidao da The Walt Disney

    Company, que com seus filmes aucarados acabou demarcando um padro de boa qualida-

    de de produo. Por outro lado, se os filmes da Disney representam o cinema americano no

    que ele tem de mais tradicional e careta, a fora da indstria dos eUA tambm possibilitou

    a produo de alguns dos filmes de comdia mais furiosos j feitos, sobretudo pelo grupo

    que marcou os primeiros anos do setor de animao da Warner Bros. os filmes feitos por

    Fred Tex Avery, Isadore Friz Freleng, Charles Chuck Jones, Robert Clampett e outros nas

    dcadas de 30 e 40 , mas tambm em produes dos anos seguintes que eram claramente

    influenciadas por aquele grupo (como os desenhos do personagem Pica-pau) ou mesmo

    produzidas por eles separadamente (como a Pantera cor-de-rosa que Friz Freleng produziu,

    o perodo de Tom & Jerry dirigido por Chuck Jones e, acima de todos, os incrveis filmes de

    Tex Avery para a MGM entre o final dos anos 1940 e meados da dcada seguinte).

    Quando se afirma que esses filmes dependiam de uma estrutura industrial, isso significa que

    seus realizadores recebiam salrios para produzir, tinham material disponvel regularmente e

    a certeza (na verdade, obrigao) de produzir filmes que seriam imediatamente distribudos

    pelo mundo afora. e tinham inclusive alguns colaboradores de alto nvel produzindo no mes-

    mo ritmo: cada um dos filmes da Warner ganhava uma trilha original composta e regida por

    Carl W. Stalling, enquanto os da MGM, fossem os de Avery ou os da dupla Hanna & Barbera,

    contavam com trilhas compostas por Scott Bradley; alm disso, conhecido o alto nvel das

    dublagens dos filmes da Warner, feitas quase solitariamente por Mel Blanc responsvel

    por dar voz a personagens como Pernalonga, Patolino e muitos outros.

    Toda essa estrutura de produo e comrcio, caracterstica da penetrao do cinema dos

    eUA no mundo, permitiu que os desenhos animados de Hollywood marcassem a memria de

    uma era do cinema e possibilitou tambm que, a partir do final dos anos 1950, a produo

    migrasse rapidamente para a televiso. essa mudana de contexto provocou tambm uma

    mudana de modelos de negcio o que, nas dcadas seguintes, permitiu alguma transfor-

    mao no panorama e o aparecimento de produes feitas fora dos eUA. J no se tratava

    mais de exibir filmes curtos antecedendo longas em sesses para o grande pblico, tal como

    acontecera com boa parte das produes das dcadas anteriores. Se os ainda raros filmes

    de animao de longa metragem da indstria (os desenhos animados) focavam sobretudo

    o pblico infantil, a chegada da televiso intensificou isso consideravelmente.

    Em cima,

    Mississippi hare, 1949 e

    Mouse wreckers, 1949

    de Chuck Jones,

    em baixo, Red hot riding hood, 1943

    de Tex Avery

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 20138

    O pblico infantil sempre demonstrou interesse em animaes e em rever seguidamente

    os mesmos filmes, ou variaes dos mesmos ou seja, era o foco ideal para uma indstria.

    Sua tolerncia permitia inclusive que a realizao do processo de desenhos no fosse to

    cuidadosa, feita quadro a quadro, o que simplificava a produo dos filmetes. Se Hollywood

    j trazia de dcadas anteriores essa estrutura para manter a hegemonia dos espaos, a

    mudana de meios de difuso e a consequente definio de um novo modelo de negcios

    permitiu que diversos focos de produo se consolidassem nas dcadas seguintes fosse

    atravs de filmes feitos diretamente para a TV, fosse conciliando isso ao lanamento nos

    cinemas, mais tarde em VHS e depois em DVD.

    Um caso notvel aqui no Brasil foi o das produes de Maurcio de Sousa nos anos 1980

    mais tarde interrompidas pela crise histrica da produo audiovisual brasileira no incio

    dos anos 1990. Mas na TV brasileira de anos passados foi possvel observar tambm os

    casos de outros pases que estabeleceram produes contnuas de animao distribudas

    internacionalmente, como por exemplo os filmes da srie Pingu, criada em meados dos anos

    1980 em coproduo Sua/Inglaterra. Isso continuou a ocorrer desde ento: por exemplo,

    nos ltimos anos tornou-se bastante popular a srie do personagem Pocoyo, coproduo

    espanha/Inglaterra. Mais recentemente a srie Peixonauta, uma produo brasileira, tem

    obtido notvel sucesso nas televises de outros pases. Se Pingu era feito ainda de forma

    bastante artesanal em seus primeiros anos, com o uso de bonecos de massa animados quadro

    a quadro, estas produes recentes so inteiramente baseadas na tecnologia digital o que

    permite uma escala de trabalho bem mais simples do que aquela necessria nas dcadas

    em que no havia alternativa constante produo hollywoodiana.

    No entanto, novas mudanas vm acontecendo rapidamente com os modelos de negcios.

    As plateias de cinema dos dias de hoje se concentram cada vez mais em menos filmes,

    conforme se pode perceber pelas estratgias de lanamento dos filmes mais caros, com n-

    meros de cpias inimaginveis dcadas atrs em que eram vendidos muito mais ingressos,

    como se sabe. Se as pessoas vo menos ao cinema e, quando vo, procuram ver os mesmos

    filmes, Hollywood soube se adaptar a esse modelo de comrcio para toda a famlia desde

    meados dos anos 1980. esse direcionamento amplo logo foi bem realizado pelos filmes de

    animao, sobretudo depois da parceria estabelecida entre a Disney e a empresa Pixar, com

    D O S S I A N I M A O

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013

    a produo do primeiro Toy story (lanado em 1995) cujo nvel de sofisticao, no apenas

    tcnico, demorou alguns anos a ser igualado, mesmo na indstria norte-americana, e acabou

    se tornando o modelo do que veio a se estabelecer entre os mais bem-sucedidos lanamentos

    cinematogrficos de animao. Se o grande pblico das salas de cinema ficou ainda mais

    concentrado e permanece afeioado ao modelo hollywoodiano, abrindo raras brechas para

    excees eventuais aqui e acol, e o espao das TV vem pouco a pouco se tornando mais plural

    com os efeitos da Lei 12.485, que determinou a exibio de uma cota de produes brasileiras

    independentes dentro da programao dos canais a cabo, hoje um novo modelo de negcios

    surgiu para se somar ao mercado de DVD ou, mais provavelmente, tomar o lugar dele: estou

    falando, evidentemente, da difuso dos filmes atravs de downloads pela internet.

    Antes os filmes podiam ser vistos em telas de salas de cinema; depois, nas telas dos aparelhos

    de TV; agora, com o fortalecimento dos novos modelos de negcio, os filmes podem ser vistos

    nas telas de computadores, tablets e celulares, seja atravs de sites como o Youtube ou a

    partir de aplicativos diversos que podem ser comprados nos sites das grandes corporaes.

    Assim, j possvel que pais interessados em mostrar novos desenhos animados para seus

    filhos baixem em seus tablets um aplicativo como, por exemplo, o PlayKids TV. este aplicativo,

    apresentando um trem comandado pelo cachorrinho Lupi, traz em seus vages vrias sries

    de filmes de animao produzidas no Brasil (em certos casos, em coprodues internacio-

    nais), como A galinha pintadinha; Meu amigozo; Luan, o cometinha; Os pequerruchos ou

    os palhaos Teleco e Teco todas elas com vrios episdios disponveis para download, nos

    quais tratam de transmitir cantigas tradicionais e mensagens ecolgicas para entreter os

    pirralhos. Alm da programao dos canais de TV (que ainda so o mais popular dos meios

    de difuso da produo audiovisual sobretudo os canais abertos), tambm estes espaos

    de difuso online esto na mira dos atuais incentivos produo. esses novos modelos

    ainda precisam mostrar solidez diante do dilema da sustentao financeira, j habitual a

    tudo o que se relaciona internet e, mais ainda, a tudo o que se relaciona com produo de

    filmes no Brasil. Mas, tanto por serem novos (com o potencial de substituir os DVD a curto

    prazo) como por poderem chegar diretamente ao pblico infantil, tradicionalmente mais

    aberto aos filmes brasileiros, so modelos que parecem promissores. Resta agora esperar

    para ver se, com a consolidao da atividade produtiva dos filmes brasileiros de animao,

    essa produo conseguir ter outras qualidades alm da sustentabilidade comercial.

    Da esquerda para a direita:

    Pocoyo , Toy story

    e Peixonauta

    D O S S I A N I M A O

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201310 D O S S I A N I M A O

    LONGAS E SRIES DE ANIMAO NO BRASIL VIVEM SEU MOMENTO MAIS EXPRESSIVOAlm de sua inegvel pertinncia artstica e cultural, a animao tambm deve ser pensada a partir de sua relevncia econmica. Dentro de um cenrio de crise em muitos

    pases e de um discurso de perspectivas otimistas para o Brasil, muito se tem discutido

    acerca da criao de uma indstria brasileira de animao.

    O fato de esta discusso ser recente (as primeiras experincias em animao no pas,

    as charges animadas realizadas pelo polivalente Raul Pederneiras, datam de 1907) j nos

    permite ter uma dimenso inicial do desenvolvimento da animao no Brasil e dos desafios de

    se transformar nosso mercado em indstria. Lembremos que grandes estdios de animao

    j tinham destacada atuao comercial na dcada de 20 do sculo passado em pases da

    europa e nos estados Unidos.

    De toda forma, o momento dessa discusso no chegou por acaso, j que nos ltimos

    10 anos foram produzidas mais peas de animao no pas do que nos quase 100 anos que

    antecederam este frtil perodo. Desenha-se, portanto, um cenrio bastante propcio para,

    doravante, pensarmos essa situao.

    Apesar de a animao ter sempre despertado grande interesse no pblico brasileiro, raras fo-

    ram as vezes em que este fascnio foi suprido por obras nacionais, que acabam desconhecidas

    do grande pblico. Assim, a animao brasileira acabou por conquistar certo reconhecimento

    nas reas especficas da publicidade e do circuito de festivais de curtas-metragens.

    Aos poucos, essa referncia comea a ser ampliada para o desenvolvimento de longas-

    metragens e de sries de animao sem mencionar os games, a internet e os circuitos

    educativos. nas salas de cinema e na grade de programao das emissoras de televiso

    que a animao brasileira pode finalmente encontrar o grande pblico.

    Apesar do aumento de sua presena nas telas nacionais e das perspectivas abertas pela

    Lei 12.485 (Lei da TV Paga), estes espaos ainda so ocupados majoritariamente por ani-

    maes estrangeiras. Devemos considerar que assim como a literatura, as artes plsticas

    e a msica, a animao tambm pode divulgar e valorizar, nacional e internacionalmente,

    a riqueza e diversidade cultural do Brasil seja pela temtica ou pelo reconhecimento de

    um estilo prprio de animao.

    D OS S

    I

    ANIMA

    O

    Ilustrao de Bruno Hamzagic

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013

    p o r S r g I O N E S T E r I u k

    D O S S I A N I M A O

    enquanto a animao brasileira no consolidar este espao de destaque, perdem autores,

    animadores e produtores, que limitam seu campo de atuao e mercado de trabalho; perde o

    pblico, que desconhece a qualidade e mesmo a existncia de produes animadas nacionais;

    e perde o pas, que no aproveita o potencial cultural e econmico dessa significativa forma

    de comunicao e expresso da contemporaneidade. Quem, ento, est ganhando?

    Apenas algumas poucas emissoras de televiso que acabam comprando sries internacionais

    de sucesso por preos bem menores que o das produes nacionais uma vez que as pri-

    meiras ampliam seu faturamento ao serem comercializadas globalmente, alm de lucrarem

    com o licenciamento de seus produtos. O mesmo acontece com outros gneros televisuais,

    verdade. Mas temos casos como o das telenovelas, que mesmo custando mais, so produzidas

    no Brasil e possuem melhor receptividade do que suas concorrentes internacionais. No se

    poderia tambm apostar em, pelo menos algumas, sries de animao brasileiras? Ou ser que

    estas s so valorizadas quando chegam por aqui via algum distribuidor ou canal estrangeiro?

    No poderiam as emissoras nacionais serem parceiras ou coprodutoras desses projetos?

    em uma poca de crescimento mdico da economia e dos setores mais tradicionais da indstria,

    a animao se oferece como um vasto e frtil campo para explorao dentro do contexto da

    economia Criativa. Neste novo modelo econmico, h uma transformao de paradigmas a

    partir da reconfigurao dos modelos de produo e distribuio, em que a capacidade criativa

    passa a ter papel mais importante do que o prprio capital. A criao de uma Secretaria da

    economia Criativa vinculada ao Ministrio da Cultura (MinC) em 2011 parece assinalar para a

    compreenso, por parte do governo, da importncia de se pensar em polticas para este setor

    como forma de desenvolvimento, em diversas instncias e dimenses, do prprio pas.

    Antes de seguirmos, preciso esclarecer o mito de que o surgimento de uma indstria da

    animao ir sepultar a produo considerada livre das amarras ou presses do mercado.

    importante considerar que a produo comercial no elimina o espao da experimentao

    e das manifestaes autorais. Alm disso, as animaes mais autorais tm se mostrado

    imprescindveis para a prpria existncia das produes comerciais, sejam como territrio

    fecundo para a formao de novos animadores ou como fonte de inspirao para a constante

    inovao, criatividade e diversidade que to bem define essa indstria e a prpria arte da

    animao. o que ocorre em pases como Canad, estados Unidos, Coreia do Sul, Japo

    e Frana, que, no por acaso, mantm grande tradio em ambas as vertentes (comercial e

    autoral). Podemos dizer, portanto, que existe uma relao de indissociabilidade: uma no

    existe sem a outra. Mas, como em todo mito h um fundo de verdade, necessrio sempre

    proteger e atentar s produes autorais, mantendo aes e polticas valorativas e efetivas

    para a animao como um todo.

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201312 D O S S I A N I M A O

    Posto este preceito, voltemos questo da implementao de uma indstria da animao

    brasileira. A primeira experincia no pas nesse sentido foi realizada por Maurcio de Sousa

    e Gonzaga de Luca entre os anos de 1985 e 1988. Naquela ocasio, os estdios Maurcio

    de Sousa empregaram cerca de 250 profissionais com o objetivo de produzir regularmente

    animaes, provando que com a existncia de recursos e de uma demanda pode haver

    mobilizao profissional.

    A partir de meados dos anos 90, h um aumento gradativo para alm do nicho da publi-

    cidade e do curta-metragem no nmero de estdios, cursos especializados, produes,

    mostras, festivais e do prprio espao para a exibio de animaes brasileiras na televiso

    sobretudo em canais pblicos e/ou educativos, como a TV Cultura.

    O clere crescimento do mercado no passou despercebido e, em 2003, foi apresentado o

    Projeto de Lei (PL) n 1821/03, que dispe sobre a veiculao obrigatria, nas emissoras

    de televiso, de desenhos animados produzidos nacionalmente. O objetivo incorporar

    gradativamente na televiso (de sinal aberto e fechado) desenhos animados brasileiros,

    ampliando a exibio de contedo nacional e estimulando o setor o texto inicial prev

    que em cinco anos pelo menos 50% dos desenhos animados exibidos na televiso sejam

    produzidos no Brasil. O projeto tramita em carter conclusivo na Cmara dos Deputados,

    tendo sido encaminhado para a Comisso de Cultura da Cmara em 29/4/2013. Lembremos

    aqui que uma indstria audiovisual do porte da norte-americana teve seu desenvolvimento

    comercial estimulado a partir de polticas protecionistas que visavam salvar o cinema daquele

    pas do domnio europeu, sobretudo francs. Isso nos mostra que uma indstria no nasce

    do acaso, mas depende do comprometimento entre os setores pblico e privado.

    A criao de fundos, prmios e editais especficos para animao no Brasil representou

    outro avano a partir deste mesmo perodo. Isso porque projetos de animao tinham que

    concorrer com outros projetos audiovisuais (live action) que possuem diferentes parme-

    tros avaliativos e de produo. esta mudana de percepo culminou com a publicao da

    Portaria Ministerial n 68, de 10/12/2008, que instituiu o Programa Nacional de Fomento

    Animao Brasileira. A coordenao das aes do Programa est, desde ento, a cargo da

    Secretaria do Audiovisual (SAv) do MinC, com recursos de Lei Oramentria, incentivados e

    de outras fontes. Tal programa parte de algumas premissas:

    1. A animao possui elevado potencial de empregabilidade, com boa parte de seus custos

    compostos por mo de obra qualificada. Alm disso, a produo de um longa-metragem

    ou de uma srie emprega em mdia 60 profissionais por um perodo mdio de dois anos

    nmeros que podem ser ainda maiores, dependendo da produo.

    2. A estimativa potencial de exibio de animao no pas, considerando apenas o mercado

    infantojuvenil, de cerca de 1.800 horas inditas por ano. preciso considerar que a anima-

    o comea a romper com o estigma de produto infantil, abrindo novos nichos de mercado

    junto ao pblico adulto.

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013 D O S S I A N I M A O

    3. A animao permite a criao de uma cadeia de negcios por meio do licenciamento de

    produtos (brinquedos, games, publicaes, etc.), ampliando a gerao de empregos, rendas

    e divisas em setores econmicos distintos, mas com grande potencial de integrao pois

    possuem pblicos com hbitos e interesses convergentes.

    4. A animao brasileira possui qualidade tcnica e artstica reconhecidas. Prova disso o

    aumento da presena das produes contando com coprodues internacionais exibidas

    com sucesso em inmeros pases.

    5. H uma demanda crescente por animao. em um cenrio globalizado, pases como a

    China e a ndia vm se posicionando como outsourcing, terceirizados para certas etapas

    da produo oferecendo apenas mo de obra barata. O Brasil, por sua vez, comea a se

    posicionar como player, capaz de realizar de maneira autossuficiente todas as etapas da

    cadeia produtiva da animao.

    Partindo dessas premissas, o programa teve como desdobramentos mais imediatos duas

    aes basilares no contexto da criao de uma indstria da animao brasileira: a proposio

    de uma Poltica para o Desenvolvimento da Animao Brasileira (Proanimao) e o Programa

    de Fomento Produo e Teledifuso de Sries de Animao Brasileiras (Animatv).

    O Proanimao um conjunto integrado de aes com investimentos previstos (em 2009) da

    ordem de R$ 760 milhes em um horizonte de 10 anos de execuo. Planejado em parceria

    com a Secretaria de Poltica Cultural, no contexto do Programa para o Desenvolvimento da

    economia da Cultura (Prodec) e contando com a participao de representantes da SAv, da

    Cinemateca Brasileira, do Animatv, da Associao Brasileira do Cinema de Animao (ABCA),

    do Centro Tcnico Audiovisual (CTAv) e da Associao Brasileira de Produtores Independentes

    de Televiso (ABPITV), o Proanimao tem como meta ocupar 25% do mercado brasileiro de

    animao. Busca-se no apenas a criao de uma indstria e sua capacitao para insero

    no mercado nacional e internacional, mas sua prpria sustentabilidade.

    Para tanto, o Proanimao foi elaborado a partir de trs programas (formao; infraestrutura,

    pesquisa e desenvolvimento; e fomento) e trs linhas auxiliares (diagnstico, comunicao

    e preservao), cada qual se desdobrando em novos projetos e aes. O programa de

    formao representa um dos principais desafios do setor, pois preciso capacitar, em um

    curto perodo, um grande contingente de profissionais qualificados j h hoje carncia de

    mo de obra em algumas funes. J o programa de infraestrutura busca organizar e ampliar

    a base produtiva do setor, enquanto o programa de fomento visa capitalizar os estdios,

    viabilizando a difuso e a comercializao das animaes. em relao s linhas auxiliares,

    o diagnstico procura elaborar o perfil socioeconmico do mercado, suas prospeces, as-

    sim como avaliar o prprio projeto a mdio e longo prazo. A linha de comunicao objetiva

    divulgar as produes animadas e seus produtos correlatos junto ao pblico, enquanto a

    linha de preservao cuidar da manuteno da memria da animao brasileira, disponi-

    bilizando seu acesso ao pblico.

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201314

    Planilha resumida com estimativa para a implementao do Proanimao (valores de 2009)

    Os recursos concentram-se nos primeiros anos, objetivando a consolidao de uma base produtiva para investimentos no programa de fomento. A tendncia de queda a partir do quinto ano no representa a diminuio de animaes produzidas, mas uma progressiva sada de investimentos pblicos diante da esperada sustentabilidade do setor.

    A segunda ao resultante do Programa Nacional de Fomento Animao Brasileira foi

    o Animatv, realizao da SAv e SPC do MinC, da TV Brasil, da TV Cultura e da Associao

    Brasileira das emissoras Pblicas educativas e Culturais (Abepec), com o apoio da ABCA.

    A ideia surgiu a partir da referncia de duas experincias internacionais que abriram espao

    para novos e talentosos animadores passarem por consultorias, produzirem e exibirem seus

    pilotos de srie. A primeira delas, What a Cartoon! Show (Cartoon Network, 1995), foi res-

    ponsvel pelo surgimento de sries populares como Meninas superpoderosas, Laboratrio

    D O S S I A N I M A O

    PlANIlhA de INveSTImeNTOS PrOANImAO - 10 anos (valores estimados em reais)

    ITeNS CURTO PRAzO MDIO PRAzO LONGO PRAzO

    TOTAL % (2 anos) (6 anos) (10 anos)

    Formao 46.893.600,00 46.526.200,00 16.700.000,00 110.119.800,00 14,98%

    Infraestrutura, Pesquisa e Desenvolvimento

    27.555.000,00 20.875.000,00 7.097.500,00 55.527.500,00 7,55%

    Fomento 87.828.640,00 351.080.760,00 123.960.760,00 562.870.160,00 76,55%

    Linhas auxiliares 2.354.700,00 2.204.400,00 2.204.400,00 6.763.500,00 0,92%

    TOTAL 164.631.940,00 420.686.360,00 149.962.660,00 735.280.960,00 100%

    % 22,39% 57,21% 20,40% 100,00%

    120.000.000,00

    100.000.000,00

    80.000.000,00

    60.000.000,00

    40.000.000,00

    20.000.000,00

    0,001 2 3 4 5 6 7 8 9 10

    FORMAO INFRAeSTRUTURA, PeSQUISA e DeSeNVOLVIMeNTO FOMeNTO

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013 D O S S I A N I M A O

    de Dexter, A vaca e o frango, Johnny Bravo, Du, Dudu e Edu, Family guy e Coragem: o co

    covarde. A segunda, Oh yeah! Cartoons (Nickelodeon, 1998) alavancou sries como Padrinhos

    mgicos, Mundo giz, Uma rob adolescente e Bob Esponja.

    Lanado em 2009, o Animatv recebeu 257 projetos de 17 estados brasileiros. Desses 257,

    17 projetos foram selecionados para produzir seus respectivos pilotos. No final, dois projetos

    de srie de animao (Tromba trem e Carrapatos e catapultas) produziram mais doze epi-

    sdios cada. O Animatv ofereceu oficinas de formatao de projeto para todos os inscritos

    e consultorias nas reas de arte, comercializao, narrativa, produo e transmdia. A ideia

    foi estimular o setor a partir da sistematizao de aes que visam gerao de projetos em

    diversos pontos do pas, a realizao de aes regionais de capacitao, a dinamizao da

    produo entre estdios, a articulao de um circuito nacional de exibio, alm da insero

    da animao brasileira no exterior. Neste sentido, a Coordenao executiva do Animatv

    realizou a prospeco de parcerias para as sries em importantes eventos do setor, como

    Upto3, Festival Internacional de Animao de Ottawa, KidScreen Summit, World Television

    Festival/Next Media, MIPCOM, MIPJunior, Anima Frum e expotoons eventos j frequentados

    por muitos estdios brasileiros. Como resultado, vrias sries selecionadas encontram-se

    em diferentes estgios de negociao e desenvolvimento. O Animatv disponibiliza um por-

    tal com acesso s sries e materiais de apoio para desenvolvimento de projetos (www3.

    tvcultura.com.br/animatv).

    A criao e a produo de longas-metragens e de sries de animao no Brasil vivem, por-

    tanto, seu momento mais expressivo. estima-se que existam mais de 100 projetos nacionais

    devidamente estruturados buscando, por diferentes mecanismos e estratgias, a viabilidade

    para seu efetivo desenvolvimento. Se este cenrio se desenhou, em linhas gerais, em menos

    de 10 anos, a perspectiva para os prximos 10 bastante otimista, principalmente com a

    efetiva implantao do Proanimao e a realizao de novas edies do Animatv, alm da

    manuteno e criao de novas aes favorveis ao desenvolvimento da indstria da ani-

    mao brasileira. Talento, capacidade e animao no faltam para isso, contanto que no

    haja um retrocesso nas aes governamentais de incentivo j propostas.

    Srgio Nesteriuk doutor em Comunicao e Semitica. Scio e ex-diretor de educao da ABCA. Consultor de roteiro e dramaturgia do Animatv. Atua como consultor, pesquisador e professor de animao. Autor do

    livro Dramaturgia de srie de animao (Animatv, 2011), disponvel para leitura em issuu.com/animatv/docs/

    dramaturgia_de_serie_de_animacao

    esquerda, Tromba trem,

    direita, Carrapatos e catapultas

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201316

    DESAFIOS DO LONGAp o r M A r T A M A C h A D O

    OS LONGAS DE ANIMAO BRASILEIROS EM BUSCA DE ESPAOA produo de longas de animao no Brasil vem crescendo rapidamente nos ltimos anos. O gnero, uma espcie de membro esquisito do clube de produes brasileiras,

    ganha agora adeptos at entre os que nunca antes realizaram filmes de animao. Um exemplo

    disso Uma histria de amor e fria, de Luiz Bolognesi, lanado nos cinemas em abril ltimo

    e vencedor do prmio de melhor longa no Festival de Annecy, um dos mais antigos do mundo

    para o cinema de animao. Roteirista e realizador de filmes em imagem real, Bolognesi incur-

    sionou pelo mundo da animao numa produo que, segundo o prprio, poderia ter falido sua

    empresa produtora. Depois de vrios priplos para concretizar a obra, realizada em parceria

    com a Gullane Filmes, o diretor se dizia feliz com o resultado no Anima Frum de 2012, durante

    o Anima Mundi. Quando perguntado, no entanto, se repetiria a dose, ele afirmou que s o faria

    com um projeto orado em, no mnimo, o dobro de seu primeiro longa de animao.

    Mas ser que isso se sustenta? essa uma pergunta que atormenta no s os realizadores de

    animao brasileiros, mas todos os envolvidos com a produo audiovisual de maneira geral

    no pas. O oramento desse longa, diferentemente de boa parte dos filmes de animao bra-

    sileiros, alcanou sua captao total de 4 milhes de reais, uma marca em geral difcil para os

    produtos de animao nacionais. Numa conta rpida, com o preo mdio do ingresso girando

    ao redor de R$ 12,00, seria preciso arrastar aos cinemas pelo menos 350 mil espectadores para

    recuperar esse valor, em termos de renda bruta. Como cerca de metade da cifra arrecadada

    com cada bilhete vendido fica com o exibidor, a verdade que, para que um valor prximo ao

    do total do oramento de produo chegasse pelo menos perto das mos dos produtores, esse

    filme precisaria fazer por volta de 1 milho de espectadores algo bem distante dos menos de

    30 mil que efetivamente fez em sua curta passagem pelas salas de cinema.

    D O S S I A N I M A O

    D OS S

    I

    ANIMA

    O

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013

    DESAFIOS DO LONGA

    Alguns leitores provavelmente argumentaro que esse um contedo que no ter no cinema

    sua nica janela de comercializao. No entanto, o desempenho no cinema continua sendo

    importante norteador de valores de negociao para todos os desdobramentos ao longo do

    tempo de vida de uma obra, da ser lquido e certo que esse filme jamais recuperar o valor

    investido. e isso relevante para uma cinematografia que ainda tenta fincar suas bases estru-

    turantes? Talvez no seja, se pensarmos no contexto geral da produo de animao nacional e

    na sua relevncia cultural para a construo histrica dessa produo. No entanto, voltando s

    ambies do diretor, que apontava sua vontade de realizar um segundo longa com oramento

    bem mais ambicioso, talvez esses nmeros representem o sepultamento de um sonho.

    e h sendo feitos por a filmes bem mais caros do que aquele sonhado por Bolognesi.

    Minhocas, por exemplo, teve oramento de mais de 10 milhes de reais. Autorizado h cerca

    de sete anos para captao pela Ancine, o filme ainda no chegou aos cinemas. O que a

    possibilidade de trabalhar com um oramento to largo vai significar em termos de desem-

    penho do produto final s poderemos saber quando tivermos a chance de ver o resultado

    desse investimento todo na tela.

    Ns, na Otto Desenhos Animados, em Porto Alegre, tentamos nos manter num caminho do meio.

    equilibrando-nos sobre oramentos mdios, vamos tentando criar projetos que encontrem uma

    esttica nica e uma narrativa que vem progressivamente evoluindo, filme aps filme. Garimpando

    talentos aqui e ali, nosso trabalho consiste basicamente em concatenar a energia e vontade de

    um bando de artistas e equacionar a questo financeira de forma a garantir que esse grupo tenha

    condies, se no ideais, pelo menos minimamente adequadas de trabalho.

    Sabe-se que as produes internacionais de animao, em geral, demandam muito dinheiro

    e muito tempo de produo. Mas floresce hoje no mundo uma indstria independente que

    d frutos nos quatro cantos do planeta. O Brasil tambm respira esse sopro de renovao

    no segmento. Animao uma arte cara. Por isso, longas de animao costumam ser raros

    D O S S I A N I M A O

    Uma histria de amor e fria

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201318 D O S S I A N I M A O

    e tomam entre cinco e oito anos para serem finalizados. Por conta de um ciclo to longo de

    realizao difcil para as produtoras que se dedicam a esse tipo de projeto ter uma carteira

    recheada de obras que espelhem sua capacidade produtiva.

    Mas, no sculo passado, as coisas eram ainda piores. Nos tempos em que era necessrio ter

    uma truca disponvel e pintar acetatos para filmar animaes, o grupo dos que encaravam

    o desafio no Brasil era muito pequeno. Para se ter uma ideia, nos 50 primeiros anos da his-

    tria do cinema de animao em longa metragem no Brasil, desde a realizao de Sinfonia

    amaznica, primeiro filme de animao de larga durao feito por aqui, foram realizados

    14 filmes desse tipo. Nos primeiros 15 anos desse sculo, com a tecnologia digital, que deixou

    o processo de produo mais acessvel, j foram feitos 17 filmes.

    Mesmo com todas as facilidades tecnolgicas de hoje, chegar ao final de um longa de animao

    continua sendo um desafio e tanto. Da ser possvel contar nos dedos de uma mo os filmes

    de animao nacional que chegam aos cinemas anualmente, e tambm ser desesperador

    quando o desempenho deles no chega nem sequer na casa dos seis dgitos de pblico...

    Mesmo estruturas pensadas numa lgica industrial para realizar longas continuamente aca-

    bam naufragando. Uma produtora que trabalhe num sistema de produo contnua precisa

    oferecer condies de trabalho adequadas aos seus colaboradores, alm de trabalhar num

    sistema encadeado de criao, captao e viabilizao de novos projetos que abastea essa

    estrutura todo o tempo. Qualquer perodo ocioso com um nmero grande de profissionais

    disposio eleva custos e onera todo o processo. Da porque s vezes possvel negociar

    terceirizao de animao para pases como China e ndia a preo de banana. Alm de mo

    de obra de baixo custo devido flexibilidade das leis trabalhistas naqueles pases, preciso

    garantir que a mquina siga girando o tempo todo e, nesses locais, onde a produo prpria

    muito pequena, a prestao de servio precisa ser vendida a todo custo para preencher

    qualquer vazio que possa deixar verdadeiros exrcitos de desenhistas parados.

    Toda cinematografia precisa fazer muito para errar muito e acertar de vez em quando. Com

    animao, os erros podem ser fatais para a trajetria futura de uma produtora, no s pelas

    dificuldades de encontrar financiamento para novos projetos, como tambm pelo desgaste

    dos profissionais envolvidos. No raro esses filmes so feitos em verdadeiras aes entre

    amigos, o que s possvel pactuar uma vez. Na segunda, as demandas de melhores con-

    dies de trabalho comeam a brotar.

    Os japoneses costumam testar suas histrias em revistas conhecidas como mangs antes

    de convert-las para filmes. No Brasil essa lgica foi experimentada, ainda que de uma

    forma involuntria, na obra de Maurcio de Sousa. O sucesso de seus personagens come-

    ou nas revistas em quadrinhos e foi ganhando espao em vrios outros meios, inclusive o

    cinema. dessa franquia, por exemplo, o nico longa de animao nacional feito at hoje

    que conseguiu extrapolar a marca de um milho de espectadores. As aventuras da Turma

    da Mnica, realizado pela Maurcio de Souza Produes e lanado em dezembro de 1982,

    foi visto nos cinemas por 1.172.020 espectadores. Como uma espcie de pr-teste de acei-

    tao em outras mdias, a safra atual de longas infantis brasileiros vem experimentando a

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013 D O S S I A N I M A O

    exposio na TV, reproduzindo um modelo bastante difundido em outras partes do mundo.

    Os longas com personagens da srie Peixonauta e Amigozo, por exemplo, so frutos da

    expectativa de que o desempenho desses contedos no cinema reproduza a boa surpresa

    das telinhas domsticas.

    O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) tem dado bastante ateno aos longas de animao,

    aportando recursos para projetos do gnero. Pelo menos uma boa fatia do que apresen-

    tado por l acaba selecionado para receber financiamento. Se conferirmos, por exemplo,

    a lista dos selecionados em 2011 pelo fundo, veremos que a animao apresenta um ndice

    relativamente bom de aproveitamento, com mais de 20% dos recursos nas diferentes linhas

    direcionados para projetos de animao pelo menos no que diz respeito aprovao, j

    que a liberao desses recursos ainda uma caixinha preta, com pouca transparncia por

    parte dos gestores sobre o que efetivamente desembolsado.

    Na mais recente seleo do Prodecine 01, a principal linha de financiamento da produo e

    que distribuiu 50 milhes para a realizao de longas nacionais em sua edio de 2012 que

    s foi finalizada em 2013 , apenas 3 milhes (menos de 10% do oramento disponvel para

    investimentos) foi direcionado a projetos de animao (dados divulgados em brde.com.br/

    ancine). Foram trs filmes precisamente: Lino, da Start de So Paulo; Tain O desenho anima-

    do, da Sincrocine do Rio e O pergaminho vermelho do novato Tortuga Studios, de So Paulo.

    pouco recurso para tocar trs longas de animao que certamente ocuparo mais mo de

    obra por mais tempo que metade dos longas de imagem real somados selecionados nessa

    mesma linha! Preconceito com a animao? Talvez. Considerando que havia pelo menos oito

    projetos do gnero inscritos nessa seleo, apenas trs no resultado final no chega a ser um

    pssimo ndice de aproveitamento. Mas se observarmos que os trs so do eixo Rio-So Paulo,

    a coisa fica mais preocupante. Principalmente porque essa a primeira edio em que, ao lado

    da Ancine, temos um banco regional de desenvolvimento, o BRDe, no comando da seleo dos

    projetos. Ora, se um banco regional no tiver noo da importncia de um projeto de animao

    para o desenvolvimento da economia criativa regional no pas, quem ter?

    AC

    eR

    VO

    FU

    NA

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    AC

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  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201320 D O S S I A N I M A O

    Sabemos, claro, que falta qualificar a preparao de projetos como um todo no Brasil.

    A animao, assim como outros setores da realizao audiovisual, se ressente disso. Temos

    grandes deficincias de roteiristas, por exemplo, que pensem narrativas considerando pos-

    sibilidades e limitaes desse tipo de produo. e temos a concorrncia de muito peso dos

    grandes estdios americanos, que ditam o padro de consumo do pblico mundial. Qualquer

    coisa que se afaste desse estilo que custa muitos milhes de dlares precisa justificar seu

    valor por outros caminhos que ampliem seu consumo. Ainda mais num contexto em que os

    distribuidores insistem em trabalhar nossos filmes da mesma forma como lanam as produ-

    es de grandes oramentos que vm dos estados Unidos com muitas cpias na primeira

    semana, apostando todas as fichas na mdia televisiva de abrangncia nacional. enquanto

    essa lgica dominar o mercado, o cinema de animao brasileiro sofrer nas bilheterias.

    J nas linhas de fluxo contnuo do FSA, como o Prodecine 04, voltadas para a complemen-

    tao de oramento de longas, a animao aparece ocupando um espao maior. essa linha

    comeou efetivamente sua operao no final do ano passado e, desde ento, apenas oito

    projetos foram contemplados com financiamento (dados considerados at 19 de maio de

    2013). Desses oito, apenas um era de animao Bugigangue no espao, da 44 Toons de

    So Paulo. Do total de R$ 3.639.065,00 investidos, R$ 930.000,00 foram direcionados a

    essa produo em animao. Aqui, o que surpreende no a participao do gnero entre

    os contemplados, que, do ponto de vista da fatia de recursos, abocanhou pouco menos

    de um quarto do total distribudo at agora. O que assusta de fato que, numa linha que

    pretende completar oramentos para que obras estejam concludas e, portanto, mais perto

    de chegar s telas, ter contemplado apenas oito projetos em quase seis meses de operao

    , no mnimo, pouco.

    Mais preocupante ainda o que acontece na linha Prodecine 03, que oferece recursos para

    lanamento. Nessa fila h projetos de animao esperando desde o ano passado investi-

    mento fundamental para estreia nos cinemas. So filmes que j esto prontos e comeam a

    envelhecer na prateleira dos distribuidores pela morosidade do sistema. At agora, apenas

    um projeto foi analisado nessa linha. Meu p de laranja lima, distribudo pela Imovision, no

    um projeto de animao, mas ilustra o drama dos produtores com propostas do gnero

    inscritas no Prodecine 03: seu pitching foi realizado no dia 7 de maio, tempos depois de ter

    sido lanado nos cinemas em 108 salas a estreia aconteceu no dia 19 de abril. Fez menos

    de 24 mil espectadores na primeira semana em cartaz. Poderia, com certeza, ter tido melhor

    resultado se o financiamento para comercializao, pleiteado atravs do Prodecine 03, tives-

    se sado a tempo de potencializar a divulgao. Agora, j tarde demais. O mesmo talvez

    acontea com vrios longas de animao que esto nessa fila. Azar do cinema brasileiro,

    que diminui as chances de conquistar seu espao junto ao pblico.

    marta machado formada em jornalismo e atua como produtora associada Otto Desenhos Animados de Porto Alegre. Recentemente concluiu seu mestrado em Administrao na FeA/USP investigando o tema da gesto de pes-

    soas na indstria criativa com foco em estdios de animao brasileiros.

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013 D O S S I A N I M A O

    A ANIMAO BRASILEIRA NO PERODO 1970-1995A revoluo de costumes e diversos fenmenos ideolgicos transculturais, somados aos ocorridos na rea da Comunicao, como a diversificao das mdias, operam

    como marcas que identificam o perodo 1970-1995, provocando profundas mudanas na

    concepo de filmes em seus diversos gneros.

    entre ns foram fenmenos evidentes a intensificao das salas de cinema com programao

    alternativa, o surgimento de grupos de animao, a proliferao de canais de televiso e de

    festivais de cinema, a publicao de livros, revistas e tabloides, acelerando o fluxo de infor-

    maes entre artistas de diferentes regies do pas, alm da mudana dos meios tcnicos

    de produo de animao trazida pela computao grfica.

    Outro fenmeno importante para a produo de animao foi a criao da Lei do Curta, na

    dcada de 1970, que, atravs da concesso de certificado para os curtas-metragens sub-

    metidos a uma comisso, assegurava-lhes o direito de serem exibidos antes de um filme de

    longa-metragem estrangeiro durante certo nmero de dias no trimestre e com direito renda

    de 0,8% das cadeiras do cinema por sesso. Lei que iria encontrar uma srie de resistncias

    e presses por parte dos exibidores at desaparecer totalmente em meados da dcada de

    1980. e o clima ficava mais catastrfico com o golpe fatal desferido pela poltica diluviana

    para o cinema do governo Collor, representado pelo ento secretrio Ipojuca Pontes, que

    acabou com todas as conquistas legislativas alcanadas pela classe cinematogrfica.

    p o r A N T O N I O M O r E N O

    D O S S I ANIMAO

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201322

    em meio a esse clima, os avanos obtidos na dcada de 1970, gerando o boom da produo

    do curta-metragem em geral com distribuio garantida, voltavam ao marco zero.

    Apesar dessa turbulncia violentssima, dentro do setor de animao novos eventos promo-

    vendo o gnero foram intensificados, dois dos quais influram nos rumos desta produo,

    notadamente de curta metragem. Um deles foi os encontros nacionais, cuja primeira edio

    se deu em 1987, em Olinda, Pernambuco, sob a coordenao do realizador Lula Gonzaga

    de Oliveira; a segunda, em So Paulo, em 1988, coordenada por Cu Delia; e a terceira em

    Joo Pessoa, em 1992, coordenada por Alberto Lucena Jr. O outro evento foi o surgimento do

    festival Anima Mundi, em 1993, que ao se solidificar a partir dos anos de 1994 e 1995 daria

    maior espao a esse frum de debates sobre o cinema de animao nacional, possibilitando

    reivindicaes especficas em defesa do seu mercado de produo e exibio nos setores

    estatais e privados.

    Grupos, ncleos, animadores e filmes

    Neste perodo 1970-1995 observaremos um aumento considervel da produo at finais

    de 1980 e um sintomtico recuo nos primeiros anos de 1990. entre 1970-1995 cerca de

    200 filmes podem ser nominados, destacando-se a produo e lanamento de 11 longas-

    metragens. Foram eles Presente de Natal, de lvaro Henrique Gonalves (SP, 1971), Piconz,

    de Yp Nakashima (SP, 1972), Boi Aru, de Chico Liberato (BA, 1983), Rocky & Hudson, de

    Otto Guerra (RS,1994), Cassiopeia, de Clovis Vieira (SP, 1995) e seis produes de Maurcio

    de Souza em So Paulo: As aventuras da Turma da Mnica (1982), A Turma da Mnica em

    A princesa e o rob (1983), As novas aventuras da Turma da Mnica (1986), Mnica e a sereia

    do Rio (1987), A Turma da Mnica em O bicho papo e outras histrias (1987) e A Turma da

    Mnica e a estrelinha mgica (1988).

    Dentro do perodo 1970-1995, foi na dcada de 1970 que a animao brasileira teve sua maior

    experimentao e diversificao de produo gerada em grupos, ncleos de animao ou

    por artistas autnomos. e embora omitindo muitos ttulos destacaramos desta produo:

    O Grupo Ns Nasce nos anos de 1970 uma entidade abstrata de incentivo astral mtuo, um grupo virtual cujo objetivo era o de somente incentivar a produo de seus trs partici-

    pantes, Stil (Lampio, Urbis e O filho de Urbis), Antonio Moreno (caro e o labirinto, 1974,

    Reflexos, 1974, em parceria com Stil, e Eclipse, 1984) e Jos Rubens Siqueira, o nico que

    abandonou a animao na dcada de 70. ele realizou Emprise, 1973, premiado no Festival de

    Gramado, e fez para o grupo o fabuloso Sorrir, 1974. Realizou filmes-poemas como Papo de

    anjo, PHM - Pequena histria do mundo, Hamlet, A estrela Dalva e O lago, este dedicado

    sua esposa e no qual se despede da animao, dedicando-se somente ao teatro em seguida.

    Assim como um cometa reluzente, rapidamente fugiu do cu da animao.

    Os ncleos de animao do Acordo Brasil/Canad Aps estagiar no National Film Board do Canad, Marcos Magalhes firma um acordo cultural entre Brasil e Canad para

    criao do Ncleo de Cinema de Animao do CTAv - Centro Tcnico Audiovisual da extinta

    D O S S I A N I M A O

    Reflexos, de Antonio Moreno e Stil

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013

    embrafilme, que passa a ser coordenado por ele de 1985 a 1987. No quadro desse acordo, so

    promovidos dois cursos de animao, com alunos de diversas regies do pas coordenados

    pelos canadenses Jean-Thomas Bdard e Pierre Veilleux. Ao final do primeiro curso estavam

    prontos, entre outros, Quando os morcegos se calam, de Fbio Lignini; Presepe, de Patrcia

    Alves Dias; Informstica, de Csar Coelho; Noturno, de Ada Queiroz; e Evoluz, de Jos Rodrigues.

    Na realizao do segundo curso, idealizava-se um longa, mas somente um curta, Alex, de

    23 minutos, ficou pronto. A parte seguinte do acordo instalou trs ncleos regionais de anima-

    o: o Nace Ncleo de Animao do Cear, na Universidade Federal do Cear, coordenado por

    Jos Rodrigues e Telmo Carvalho; o do Rio Grande do Sul, no Instituto estadual de Cinema do

    RS, coordenado por Rodrigo Guimares; e o de Minas Gerais, no Departamento de Fotografia

    e Cinema da escola de Belas Artes da UFMG, coordenado por Maria Amlia Palhares.

    A produo carioca entre os destaques encontra-se Stil, detentor de mais de 30 ttulos. ele realizou uma srie com seus personagens detetives Antunes e Bandeira, composta por

    O lobo se estrepa, A feiticeira da Baixada, O fantasma do Po de Aucar e O mistrio de Chu-

    Man-F, todos em 1980. Seguem-se Aqum-tmulo, 1980; A ceia dos orixs, 1980, premiado

    em Havana; Super-Tio, 1986, um super-heri negro atrapalhado, que laureado no Festival

    do Filme Infantil de Braslia. esses filmes e mais Batuque foram reunidos em vdeo distribudo

    em 1996 pela Funarte. Vale citar tambm Marcos Magalhes, que surge com realizaes

    animadas em Super-8 (A semente,1974) e segue com produes em 35 mm, como Meow,

    1981, premiado em Cannes 1982, e Animando, 1982; Rui de Oliveira com o premiado Cristo

    procurado; ennio Torresan Jr. com El macho; Humberto Avelar, que se notabilizou com uma

    animao primorosa para um especial de TV sobre Antnio Carlos Brasileiro Jobim; alm de

    outros que logo desapareceram ou se dedicaram ao cinema publicitrio.

    D O S S I A N I M A O

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  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201324 D O S S I A N I M A O

    A produo paulista Foi intensa nos anos 1980 e 1990. Alm das leis nacionais a favor do curta que vigoraram no perodo, destacamos a atuao da Secretaria estadual de Cultura de

    SP na rea de fomento e incentivo produo cinematogrfica. e os realizadores paulistas

    de curta-metragem em animao surgem quase que ao mesmo tempo na dcada de 80 com

    tendncias diversas. O artista animador que marca seus filmes com um estilo paulista, em que

    a metrpole e a brasilidade so sempre preocupaes, Flvio Del Carlo (1956-2013). Veneta,

    1978, Tzubra tzuma, 1983, e Um minuto para meia-noite, 1984, so alguns de seus filmes. Outros

    realizadores expressivos so: Bruno de Andr com Origem dos andamentos, 1980, e Antes do

    galo cantar, 1985; Daniel Alves Brasil, com Cordel, 1984; Michael Ruman e Ana Mara Abreu com

    Bammersach, 1984, animao com massa de modelar trabalhada por Cao Hamburger. Citem-se

    ainda Zabumba, 1984, de Hamilton zini Jr.; e The Masp movie, 1986. Salvador Messina se rene

    a Vera Abbud, Fernando Dassan e eduardo Santos Mendes para realizar Rovena, 1991, dedica-

    do ao pblico infantil. Cu Delia, aps coordenar Planeta Terra, realiza Adeus, 1988. Arnaldo

    Galvo, aps longo trabalho como animador nos estdios da Maurcio de Sousa Produes,

    realiza os curtas Uma sada poltica, 1990, e Disque N para nascer, 1992; Cao Hamburger e

    eliana Fonseca, com Frankenstein punk, 1986, experimentam um gnero de animao com

    bonecos de massa. O filme seguinte de Cao Hamburger, A garota das telas, 1988, conta com

    o trabalho de Maurizio zelada. Clvis Vieira realiza o primeiro longa brasileiro de animao

    inteiramente digital, Cassiopeia. Finalizado em 1995, Cassiopeia s seria lanado em 1996,

    o que o fez perder o posto para Toy story de primeiro longa animado digitalmente.

    Publicidade e propaganda Na rea do cinema animado comercial, a produo paulista se destaca de maneira muito proeminente. Trs produtoras Maurcio de Sousa Produes,

    Daniel Messias Animao e Start Produes, de Walbercy Camargo so geradoras de obras-

    primas no somente da animao comercial, premiadas no Brasil e exterior, mas tambm

    de uma extensa produo de longas e curtas-metragens. estas produtoras contaram com

    animadores famosos, como Arnaldo Galvo, Jos Mrcio Nicolosi e Alcdio da Quinta, reali-

    zador do premiado Simplex, na dcada de 70.

    Tzubra Tzuma, de Flavio Del Carlo

    A baratinha do Rodox,

    de Walbercy Camargo

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013 D O S S I A N I M A O

    estdio maurcio de Sousa O estdio de Animao da Maurcio de Sousa Produes, denominado Black & White & Color at 1992, comea primeiramente desenvolvendo uma linha

    de animao voltada para a produo de filmes comerciais para TV, em que os simpticos

    personagens anunciavam os produtos comestveis da indstria Cica. em 1976, exibido na

    TV, com grande sucesso, o primeiro desenho animado de curta-metragem, O Natal da Turma

    da Mnica. O seguinte foi Mnica e o invasor das estrelas, 1979. A produo de curtas do

    estdio foi reunida formando os longas-metragens j citados acima, distribudos em cinemas

    e em vdeo no Brasil e exterior (Portugal, Argentina, Grcia).

    Ncleo de Cinema de Animao de Campinas, SP entidade privada, foi criada pelo animador Wilson Lazaretti em 1977. Produziu, entre outros: Festa da mocidade, 1987,

    Animando o Pantanal, 1988, com crianas do Pantanal Mato-Grossense, e uikri, 1991, com

    ndios da Amaznia. Lazaretti, individualmente, realizou, entre outros, Ensaboa mulata,

    1980; Moda da pinga, 1981, e Aventuras da famlia na Lua, 1994. O Ncleo conta tambm

    com o animador Maurcio Squarisi, que, entre outros, realizou Rotina, 1982, O po de cada

    dia, 1992, e Molecagem, brincadeiras de rua, 1995.

    A produo regional Mesmo no auge da produo de animao nacional nota-se que a regional foi crtica. Diversos eventos mostraram a preponderncia da produo do eixo cultu-

    ral Rio-So Paulo, mas revelaram tambm a alta potencialidade de boas ideias da produo

    regional, principalmente nas mostras das trs edies do encontro Nacional do Cinema de

    Animao. Quatro realizadores se notabilizaram entre os regionais: Chico Liberato, de Salvador

    (BA), se destacou com O que os olhos veem, 1972; O Caipora, 1973; Pedro Piedra, 1975; Eram-se

    opostos, 1978; e o brilhante longa-metragem, Boi Aru, 1985. Otto Guerra, ao lado do animador

    Lancast Motta, realiza O Natal do burrinho, 1984, As cobras o filme, 1985, O reino azul, 1989,

    e o longa Rocky & Hudson, os caubis gays, 1994. Lula Gonzaga de Oliveira, de Olinda (Pe),

    realiza A saga da asa branca, 1979, Cotidiano, 1980, e Ver e ouvir, 1981. Alberto Junior, de Joo

    Pessoa (PB), ligado animao de propaganda, dirige Anjos do mar, 1987.

    A produo universitria Na dcada de 80, o ensino e a produo de cinema animado nos cursos de Cinema e Comunicao se intensificaram em trs universidades: UFF

    Universidade Federal Fluminense; USP Universidade de So Paulo; e UFRJ Universidade

    Federal do Rio de Janeiro.

    Concluses

    Observamos que a produo de animao se insere definitivamente na histria do cinema

    brasileiro durante o perodo 1970-1995. Isto se d, de um lado, pelo aumento da produo

    de longas e de curtas cuja presena e prmios em festivais anularam a indiferena da crtica

    nacional e internacional. Por outro lado, o crescimento do ensino de animao nos cursos de

    graduao, e depois nos de ps-graduao, reflete o interesse de formao e de pesquisa

    na rea. Alm disso, mesmo de forma tmida, pesquisas individuais e publicaes sobre

    cinema de animao nacional e estrangeira aparecem. J a preocupao com a restaurao

    e conservao de filmes ainda se manifesta de forma intermitente.

    Planeta Terra, de Chico Liberato

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201326

    Quanto estrutura do mercado de produo e exibio e no tocante ao apoio estatal no

    desenvolvimento da rea, verifica-se que duas entidades nacionais de cinema, a embrafilme

    e a Funarte, abrem mais espao para o curta e do destaque aos de animao com editais de

    produo e finalizao. Isso ecoa principalmente as reivindicaes das entidades de classe,

    entre as quais a ABD - Associao Brasileira de Documentaristas, que representava o curta.

    Como resultado, surge o Centro Tcnico Audiovisual da embrafilme, que abre maior espao

    para a finalizao dos curtas em geral e possibilita a criao do Setor de Animao, atravs

    do acordo Brasil/Canad.

    O mercado esteve acelerado enquanto durou a Lei do Curta, que gerava uma reserva de mercado

    para o filme do gnero. em seguida, o setor de animao, como todos do cinema brasileiro,

    voltaria a ter enormes dificuldades de produo e exibio at meados da dcada de 1990,

    refletindo os danos do decreto para o audiovisual do governo Collor. No entanto, a criao do

    Festival Anima Mundi, alm de abrir uma janela potente para a exibio e o conhecimento da

    animao brasileira, vai fomentar bases para a unio da classe e a criao de uma entidade

    representativa especfica, a ABCA Associao Brasileira de Cinema de Animao.

    esses fatos interferiram nas caractersticas da produo, ainda analgica, que, quantita-

    tivamente, acusa um aumento significativo at 1990. A diversidade de temas regionais e

    tcnicas de animao est presente nos filmes, definindo o potencial da riqueza criativa da

    animao. O surgimento dos primeiros programas e ferramentas digitais mudou, e de certa

    forma, simplificou a produo de filmes de animao e possibilitou a abertura de um campo

    maior de expresso individual, de produo autnoma, privada.

    As perspectivas da produo se redesenham em funo de editais pblicos (secretarias de

    cultura nacional e estaduais) e de empresas (Petrobras e bancos). A produo publicitria se

    fortalece, e junto com ela o mercado de trabalho dos animadores. Cassiopeia aparece aqui

    como um filme sintomtico para as perspectivas de produo de animao. Realizado de forma

    persistente por seu autor, mediante um rduo trabalho de captao de recursos financeiros e

    de pesquisa particular de meios tcnicos. Um modo de produo que se tornar uma marca e

    se perpetuar nos anos seguintes entre os artistas brasileiros. Cassiopeia encerra, assim, este

    perodo da nossa histria da animao. Perodo marcante principalmente por ter promovido

    a mobilizao de sua classe artstica, que preparou mecanismos de luta para a obteno de

    recursos e um grande salto tecnolgico. Os anos seguintes foram de solidificao.

    (Leia o texto de Antonio Moreno sobre o perodo 1908-1969 em filmecultura.org.br)

    Antonio moreno cineasta, pesquisador e professor da UFF. especializou-se em animao na zagreb Film, Crocia, em 1982. Dirigiu 15 curtas e escreveu os livros A personagem homossexual no cinema brasileiro, Funarte/eduff, RJ,

    2001; Cinema brasileiro, histria e relaes com o estado, eduff/Cegraf, RJ/GO, 1994; e A experincia brasileira no

    cinema de animao, Artenova/embrafilme, RJ, 1978.

    D O S S I A N I M A O

  • UM DEPOIMENTO PESSOAL SOBRE O PAPEL DO ANIMA MUNDIem 1993 eu estudava na escola de Belas Artes da UFrJ quando aconteceu algo que mudaria toda a minha vida profissional, meu crculo de amizades e at os meus relacio-

    namentos afetivos. em uma pequena sala de 100 lugares no centro do Rio, um evento exibiria

    filmes de animao durante uma semana. eram poucas sesses que se repetiam diariamente,

    com filmes vindos de vrias partes do mundo, sem legendas. Mas no importava. Mesmo

    sem entender russo ou alemo, eu assistia repetidamente aos mesmos curtas, retornando

    no dia seguinte e passando horas sentado sozinho na escadaria do CCBB entre as sesses,

    em um festival em sua primeira edio e onde eu no conhecia ningum.

    Os responsveis pelo evento eram quatro animadores Marcos Magalhes, Ada Queiroz,

    Csar Coelho e La zagury que haviam se conhecido em um curso de animao ministrado na

    embrafilme na dcada de 80 em cooperao com o National Film Board do Canad. A pequena

    produo de animao brasileira na poca era praticamente limitada publicidade, e o que

    vinha de fora eram basicamente sries de TV infantis e longas-metragens de grandes estdios.

    era a primeira vez que o pblico tinha acesso a filmes de mltiplas tcnicas e estilos no apenas

    grficos, mas tambm narrativos. O lendrio animador holands Paul Driessen foi o primeiro

    convidado do festival, tendo sido recepcionado no aeroporto pelo tambm lendrio fusquinha

    do Marcos Magalhes. Ali, naquela semana, comeava o que seria a nossa profisso hoje.

    p o r M A r O

    D O S S I A N I M A O

    Homenagem de animadores brasileiros ao festival

    D O S S I ANIMAO

    filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201328

    No primeiro ano do Anima Mundi houve uma retrospectiva de filmes de animao brasileiros.

    O clssico El macho virtuoso lpis no papel e pintado com lpis de cor foi exibido muitos

    anos antes de seu diretor, ennio Torresan Jr., se tornar um dos principais artistas de story-

    board da srie Bob Esponja. No segundo ano do festival, havia apenas um filme brasileiro,

    do heroico Otto Guerra. No terceiro ano, nenhum. Isso preocupou os criadores do evento,

    que tinham como objetivo principal estimular a produo brasileira atravs dessa janela de

    exibio. O que eles no sabiam que os aspirantes a animadores estavam atravessando

    esses anos preparando e desenvolvendo seus primeiros e nefitos curtas por conta prpria.

    em 1996 um notrio jornal carioca anunciava, em matria de pgina inteira no caderno de

    cultura, o renascimento da animao brasileira por haver cinco filmes nacionais na com-

    petio. Cinco! H anos a mdia de inscries brasileiras no evento ultrapassa 300 ttulos,

    sendo o pas com maior nmero de trabalhos inscritos. Todavia, naquele ano era um trunfo

    indito e vitorioso alcanar a meta de cinco filmes da nossa terra.

    Desde o primeiro ano havia oficinas abertas durante o festival. Oficinas de animao tra-

    dicional, de massinha, de desenho direto na pelcula, de pixilation, de animao em areia.

    O espectador que passava 20 minutos em uma breve experincia, criando alguns poucos

    segundos em stop motion com o boneco que ele prprio modelou e cuja cabea caa no

    momento de bater a foto, entendia de forma muito diferente o filme profissional que veria

    em seguida na tela do cinema. Mesmo uma sucinta tentativa na oficina aberta alterava a

    percepo do espectador, que deduzia que determinada cena parecia ter sido animada com

    preguia ou que a sequncia do filme seguinte teria sido extremamente trabalhosa. A minha

    experincia pessoal muito parecida com a de muitos da minha gerao e das geraes

    posteriores. eu assisti ao festival no seu primeiro ano, participei das oficinas no segundo,

    trabalhei como monitor destas mesmas oficinas a partir da terceira edio e lancei meu

    primeiro curta, realizado como projeto de graduao, no quarto Anima Mundi, fazendo parte

    dos cinco ttulos do tmido chamado renascimento.

    A partir de ento, o crescimento seria em progresso geomtrica. Dez filmes brasileiros

    inscritos no ano seguinte, 20 no outro, 50, 150, 300. No final dos anos 90, o volume de

    animaes brasileiras produzidas permitiu criar uma sesso s de curtas nacionais. No ano

    seguinte, foram necessrias duas sesses s de curtas do Brasil. e na sequncia, trs sesses.

    De repente, o volume era to significativo que o Anima Mundi no precisava mais aceitar

    D O S S I A N I M A O

    Os diretores do Anima Mundi,

    da esq. p/ dir.: Marcos Magalhes,

    Ada Queiroz , Csar Coelho

    e La Zagury

    El Macho

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  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013

    todos os curtas nacionais apenas por serem nacionais. As animaes brasileiras passaram

    a ser submetidas ao processo de pr-seleo e concorriam em igualdade de condies com

    as estrangeiras. Os filmes brasileiros comeavam a ganhar o festival; no precisavam mais

    da proteo paternal do antigo regulamento. e outros fenmenos surgiam. O pblico an-

    siava pela animao brasileira que seria exibida naquela sesso. Qual o brasileiro dessa

    sesso? era uma curiosidade muito agradvel de se ouvir antes das luzes se apagarem.

    Alm disso, os animadores de outros estados viajavam para o festival, que passava a ser o

    momento em que todos se encontravam.

    Inicialmente, conhecamos os animadores pelos seus traos e estilos. e na cada vez mais

    longa mesa do bar, passamos a conhecer seus rostos. A admirao mtua tornava os recentes

    amigos uma famlia. Como era curioso colocar um rosto em um nome cujo trao eu conhecia

    h tanto tempo. e algumas pessoas eram desenhadas como seus personagens. Jovens que

    se tornariam celebridades no mundo da animao como Qui Rodrigues e Andrs Lieban

    iniciavam suas carreiras com curtas bancados do prprio bolso e lanados no festival.

    Participar do Anima Mundi com um filme era uma poderosa porta de entrada no mercado.

    A transio da finalizao em pelcula para o suporte digital alavancou a quantidade de

    produes e a dimenso de interessados em trabalhar com animao vindos de cursos de

    design, arquitetura, publicidade. Fernando Miller, um dos cinco melhores animadores na

    histria do pas, cursava jornalismo quando foi chamado pelo cartunista Ota para animar

    um curta. Pedro Iu iria prestar vestibular para msica ou filosofia quando ganhou um con-

    vite para uma palestra do estdio Aardman no Anima Mundi. Desistiu do vestibular aps a

    palestra dos criadores de Wallace e Gromit e passou os anos seguintes animando sozinho

    em seu diminuto apartamento um curta de bonecos em stop motion de 20 minutos, Sushi

    man, que ao ser lanado seria o vencedor do Anima Mundi.

    medida que crescia o interesse do pblico por animao, crescia tambm o mercado. No

    era mais necessrio ir para So Paulo a fim de tentar emprego nos grandes estdios de

    animao para publicidade. esta passava a ser apenas uma das muitas opes. O festival

    iniciado no Rio se ampliava, com itinerncias em outros estados, como So Paulo e Minas

    Gerais. e uma tradio se iniciava no Anima Mundi: o encontro oficial dos animadores no

    ltimo sbado do festival. Destes encontros surgiu a primeira lista de discusso online com

    animadores do Brasil. Ns comevamos a nos conhecer.

    D O S S I A N I M A O

    Itinerncia Anima Mundi,

    Belo Horizonte 2012

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  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201330

    embora os filmes de animao brasileiros estivessem participando e vencendo festivais no

    Brasil e no exterior, a produo de curtas ainda no era fomentada. Os curtas eram feitos

    em sua grande maioria no tempo vago e com a ajuda de amigos, sem apoio financeiro.

    Os editais que existiam mesclavam os gneros e muito difcil avaliar um projeto de fico

    ou documentrio ao lado de um de animao, que tem peculiaridades muito distintas. Com

    o intuito inicial de conversarmos com o Ministrio da Cultura como classe e no mais como

    indivduos isolados , foi fundada em 2003 a ABCA Associao Brasileira de Cinema de

    Animao, por iniciativa do paulista Arnaldo Galvo, um dos mais atuantes animadores das

    ltimas trs dcadas. O grupo, inicialmente formado por 27 profissionais de vrias regies

    do Brasil, representava pela primeira vez a animao brasileira como classe organizada.

    e mais uma vez o Anima Mundi teve participao fundamental em um momento histrico,

    disponibilizando o festival como espao para nossas primeiras assembleias e incluindo na

    programao oficial mesas de debate entre a recm-criada entidade e o governo. Desses

    dilogos surgiram os primeiros editais especficos para animao, que abarcavam no seu

    primeiro ano um edital de curtas para cinema, um de curtas de um minuto para TV e um de

    desenvolvimento de longas. Todos com regras respeitando as especificidades do gnero e

    munidos de jris formados tambm por profissionais da rea.

    em seu dcimo ano de existncia, o festival j era internacionalmente considerado um dos

    cinco maiores do planeta. em complemento exibio de filmes, foi criado o frum voltado

    aos profissionais e dedicado a debates sobre o mercado em expanso, com permanente

    participao de representantes da ABCA, do governo, das emissoras de TV e do mercado.

    Os workshops com profissionais internacionais eram cada vez mais aguardados e concor-

    ridos. em uma poca em que fora rarssimas e isoladas situaes no havia formao

    acadmica formal em animao, aqueles quatro ou cinco dias intensos de workshop eram

    muitas vezes mais relevantes ao aprendizado do que todo o semestre da faculdade.

    No seu dcimo quinto aniversrio, o Anima Mundi j se configurava como o segundo mais

    importante festival de animao do planeta, sendo o primeiro em volume de pblico, atin-

    gindo mais de 100 mil pessoas por ano, somados os espectadores do Rio e de So Paulo.

    e se a minha gerao pode ser considerada como a trupe de filhos do festival, j assomava

    o que seguindo o mesmo raciocnio so os netos do Anima Mundi. Uma nova gerao

    que cresceu com o festival j consagrado, em uma poca em que existiam editais e quando

    a faceta cultural da animao brasileira era acompanhada pelo incio da indstria. A dupla

    Diogo Viegas e Alessandro Monnerat atualmente requisitados profissionais de grandes

    estdios saam do colgio direto para o estdio de dois diretores do festival, onde file-

    tavam, escaneavam e pintavam comerciais. Rosaria outro nome entre os cinco melhores

    animadores de todos os tempos no Brasil e atual presidente da ABCA brincava nas oficinas

    abertas do Anima ainda criana. Antes de prestar vestibular, j se sustentava trabalhando

    como animadora no Rio de Janeiro. Aos 20 anos lanou no festival seu primeiro e premiado

    curta, Tem um drago no meu ba.

    Todas as mudanas, toda a evoluo, todas as conquistas e batalhas da animao brasileira

    esto gravadas nos passos do festival. A memria dos filmes que passaram por ali so um

    D O S S I A N I M A O

    Em cima Paul Driessen,

    em baixo palestra do

    estdio Aardman em 2002

    ACe RVO A N I MA MU N DI

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013

    registro to significativo da nossa histria que funcionam como linha temporal da profisso,

    como referencial de cada etapa. Na fase do deslumbre pela computao grfica, havia uma

    sesso dedicada exclusivamente aos curtas gerados em 3D. e que eram to decepcionan-

    tes quanto atraentes enquanto novidade, j que os primeiros filmes eram realizados por

    tcnicos em informtica. em pouco tempo as pessoas no se impressionavam mais apenas

    com texturas hiper-realistas ou personagens com milhes de fios de cabelo, e a sesso foi

    extinta, mantendo os filmes em computao grfica na competio geral. Na era digital e

    da internet surgiram concursos de animaes feitas para web e para celular. No perodo de

    maior fora poltica da ABCA era notvel o aumento de produes de qualidade geradas

    pelos editais, o que possibilitava aos diretores abdicar de trabalhos encomendados e se

    dedicar efetivamente s suas produes.

    H um par de anos o nmero de curtas brasileiros inscritos no evento caiu pela primeira vez

    em quase duas dcadas. Isso tambm era um reflexo do que est acontecendo no mercado.

    A recente, indita e crescente produo de sries para TV empregou centenas de animadores

    at ento autnomos e que trocaram o cotidiano alternado entre comerciais e curtas pelo

    emprego fixo. Temos curtas, sries para TV e longas. Hoje o animador pode escolher entre

    estas direes, pode optar entre publicidade ou carreira acadmica, pode decidir entre 2D

    vetorial, stop motion, 3D. uma gama de possibilidades nunca antes vivenciada no Brasil.

    e o festival Anima Mundi no foi somente uma vitrine disso. O festival esteve ativa e politi-

    camente presente em cada curva da jornada, ajudando a empurrar a pedra colina acima e

    conferindo com a luneta o movimento do mar na proa do navio.

    No ano passado o festival completou 20 anos. Secretamente, 40 animadores planejaram e

    animaram durante trs meses um filme de dois minutos em homenagem a essa casa que

    foi essencial em nossas vidas. Todos os animadores convidados toparam imediatamente.

    Na cerimnia de abertura, sem que os diretores soubessem, o microfone foi arrancado das

    mos do apresentador e o filme-homenagem-surpresa invadiu a tela, a partir de um arquivo

    veladamente introduzido no protegido HD da sesso por agentes infiltrados. era o nosso

    agradecimento por tudo o que fizeram pela animao brasileira e pela diferena que fizeram

    em nossas vidas. Os filmes so feitos por pessoas. Os festivais so feitos por pessoas. era

    o nosso agradecimento ao Csar, Ada, La e Marcos. Parafraseando a animadora Rosaria,

    o Anima Mundi o Natal dos animadores. Pois exatamente isso. e agora estamos todos

    ansiosos pelo nosso Natal no meio do ano, quando faremos festa e reencontraremos a famlia

    e ganharemos muitos presentes, como tem sido nos ltimos 20 anos. a nossa casa.

    maro diretor de animao, presidente-fundador da ABCA e coordenador do Dia da Animao RJ. Dirigiu, entre outros, os curtas Chifre de camaleo, Engolervilha, O ano que virou gigante e Eu queria ser um monstro.

    D O S S I A N I M A O

    Oficinas e laboratrios

    ACe RVO A N I MA MU N DI

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 201332 D O S S I A N I M A O

    Bem distante da realidade internacional do brasileiro Carlos Saldanha, expoente da produtora norte-americana Blue Sky, famoso pela colaborao na srie A era do gelo e

    autor do longa-metragem Rio (2011), a animao nacional se alicera a partir de esforos

    individuais. esforos muitas vezes solitrios e isolados, acontecendo na tela com o mesmo

    sopro milagroso que pe em movimento personagens nascidos no papel (e ultimamente

    tambm nas telas de computador).

    Se mesmo nos grandes centros econmicos e produtores de audiovisual do pas, Rio de

    Janeiro e So Paulo, a animao aparece apenas como uma atividade perifrica da stima

    arte, filo mais valorizado apenas no mercado publicitrio, fora do eixo tudo parece ainda

    mais improvvel e complicado. Uma longa histria de superao, que comeou ainda nas

    primeiras dcadas do sculo passado.

    Os registros mais antigos sobre a animao no Brasil do conta de que o filme pioneiro

    nasceu no Rio de Janeiro, a produo O Kaiser, do cartunista Seth (lvaro Marins), lanada

    em 22 de janeiro de 1917. No ano posterior, em So Paulo, surgiu Aventuras de Bille e Bolle

    (1918), de eugenio Fonseca Filho.

    Durante os anos seguintes, o eixo Rio-So Paulo continuou sendo no somente o principal

    polo de produo de cinema no pas, mas tambm de animao, que aparecia esporadica-

    mente, entre um e outro filme, ou, at mesmo, como um recurso narrativo. Um bom exemplo

    o documentrio Operao de estmago, do carioca Luiz de Barros, que tinha um minuto

    animado para mostrar a prxis cirrgica.

    Pioneirismos

    No entanto, saiu de Fortaleza um dos primeiros animadores do Brasil, o cartunista cearense

    Luiz S, que desde a juventude colaborava com desenhos para revistas de sua terra. em

    1928, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde iniciou uma carreira de sucesso nos jornais,

    culminando com o xito na irnica publicao O Malho e, por fim, na revista O Tico-Tico,

    a mais famosa publicao de histrias em quadrinhos da primeira metade do sculo XX.

    entre 1938 e 39, Luiz S produziu a animao As aventuras de Virgulino, mergulhando no

    imaginrio de Lampio e do cangao. Uma espcie de investida nas suas razes nordestinas,

    que se alimentava da ento recente notcia da caada e morte do lder cangaceiro. H regis-

    tros de que a nica cpia do filme foi doada para o patrocinador, que recortou os quadros

    para presentear a clientela.

    p o r J O O C A r l O S S A M p A I O

    A ANIMAO QUE BROTA DISTANTE DOS GRANDES CENTROS

    D OS S

    I

    ANIMA

    O

  • filmecultura 60 | julho agosto setembro 2013 D O S S I A N I M A O

    O mineiro Humberto Mauro, oriundo do famoso Ciclo de Cataguases, foi pioneiro tambm na

    animao. O dragozinho manso (1942) um filme de 18 minutos, realizado com bonecos

    para o INCe - Instituto Nacional de Cinema educativo. Mesmo em alguns dos seus trabalhos

    mais famosos, como no musical A velha a fiar (1964), Mauro faz uso de animao, num

    primitivo stop motion (cena fixa animada na montagem).

    O primeiro longa-metragem brasileiro de animao, Sinfonia Amaznica, de Anlio Lattini

    Filho (1953), foi ambientado no seio da nossa maior f