Filosofia

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Módulo de Filosofia da Unifacs

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Caro estudante,

Desde a criação da Unifacs, acreditamos que formação é muito mais do que

preparação técnico-científica e que nossa missão como Universidade é proporcio-

nar ao estudante uma educação para toda a vida, embasada no domínio do conhe-

cimento, na fixação de valores e no desenvolvimento de habilidades e atitudes. É

proporcionar o desenvolvimento integral do indivíduo.

Mais do que profissionais, queremos formar pessoas com visão abrangente

do mundo e das transformações da dinâmica social, com competência para avaliar

de forma crítica e criativa as questões que nos cercam. Pessoas capazes de enfren-

tar os desafios que se coloquem ao longo de sua vida e de sua trajetória profissio-

nal, e de aprender permanentemente e de forma autônoma.

Buscamos atingir este objetivo - fundamentados na nossa missão e no nos-

so Projeto Pedagógico Institucional - por intermédio das diversas atividades acadê-

micas, dentro e fora da sala de aula, que compõem o Currículo Unifacs e que desen-

volvem e fortalecem habilidades essenciais para a formação do perfil do egresso

Unifacs; como um “DNA” reconhecido pela sociedade e pelo mercado de trabalho.

Este Currículo compõe-se dos elementos descritos a seguir:

Disciplinas de Formação Humanística: oferecidas em todos os cursos de gradua- �

ção da Unifacs;

Disciplinas de Formação Básica: conferem conhecimentos e competências comuns �

aos cursos de uma mesma área do conhecimento, para o futuro exercício profissio-

nal;

Disciplinas de Formação Específica: proporcionam a formação técnica e o desen- �

volvimento de habilidades e atitudes necessárias ao perfil profissional do curso;

Atividades integradoras: permitem vivenciar na prática os conteúdos teóricos tra- �

balhados em sala de aula, através do desenvolvimento de projetos específicos;

Atividades Complementares: oferecem oportunidades de ampliação do conheci- �

mento fora da sala de aula, a exemplo da Iniciação Científica, ações comunitárias,

programas de intercâmbio, cursos de extensão e participação em Empresas Junio-

res, entre outras;

Estágio Supervisionado; �

Trabalho de Conclusão de Curso e demais atividades acadêmicas. �

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As disciplinas de Formação Humanística, em especial, cumprem um papel

fundamental na consecução desse perfil. Preparam uma sólida base de conheci-

mentos gerais que permitirão uma compreensão mais ampla da formação técnica

de cada curso, estimulando o pensamento crítico e sensibilizando o estudante para

as questões sociais, políticas, culturais e éticas que envolvem sua atuação como

cidadão e profissional; motivando à busca do saber perene.

Em complementação, portanto, à formação técnico-profissional proporcio-

nada pelas disciplinas de Formação Básica e Específica, as disciplinas de Forma-

ção Humanística possibilitarão ao estudante adquirir quatro importantes saberes:

aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

Esta é a concretização do nosso compromisso de formar pessoas melhores,

cidadãos atuantes e profissionais comprometidos para a construção de um mundo

melhor.

Cordialmente,

Prof. Manoel J. F. Barros Sobrinho

Chanceler

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Formação Humanística uniFacs

Conforme explicitado no Projeto Pedagógico Institucional da Unifacs, as dis-

ciplinas de Formação Humanística têm como objetivo:

Possibilitar aos discentes a visão abrangente do mundo e da

sociedade, propiciando aquisição de competências relativas ao

processo de comunicação e raciocínio lógico, necessárias para

a formação profissional; bem como conhecimentos inerentes

aos direitos humanos, à ética, às questões sócio-ambientais

que envolvam aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políti-

cos, sociais, econômicos, científicos e culturais, delineando a

formação cidadã.

As disciplinas de Formação Humanística e seus objetivos são:

1. Comunicação

Desenvolver a capacidade de ler criticamente e produzir textos de forma

autônoma, adequando-se às diversas situações comunicativas presentes no dia-a-

dia, e reconhecer a importância do desenvolvimento destas habilidades para sua

vida pessoal e profissional.

2. Introdução ao Trabalho Científico

Despertar o interesse pela ciência, apontando seu papel na construção do

conhecimento e mostrar como o método científico pode ser utilizado para a solu-

ção de questões cotidianas.

3. Sociedade, Direito e Cidadania.

Promover uma reflexão sobre o exercício da cidadania e os mecanismos que

garantem sua efetividade, bem como a participação nos processos sociais, de for-

ma a interferir positivamente na sociedade.

4. Conjuntura Econômica

Habilitar à compreensão da dinâmica da economia e do impacto das suas

diversas variáveis e características no dia-a-dia de países, empresas e cidadãos.

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5. Arte e Cultura

Proporcionar o conhecimento e a valorização das manifestações artísticas e

culturais e ampliar a percepção estética como habilidade relevante para profissio-

nais de qualquer área do conhecimento.

6. Meio Ambiente e Sustentabilidade

Transmitir conceitos fundamentais sobre ambiente, sustentabilidade e suas

relações com o desenvolvimento e despertar atitude político-ambiental nos estu-

dantes, a partir do entendimento de seu papel como profissionais e cidadãos.

7. Psicologia e Comportamento

Estudar as interações dos indivíduos no cotidiano, nos grupos dos quais fa-

zem parte, e avaliar papeis e funções nas relações pessoais e profissionais.

8. Filosofia

Discutir as grandes questões da vida humana pela compreensão das diver-

sas correntes de pensamento filosófico e de suas contribuições.

9. Empreendedorismo

Desenvolver a atitude empreendedora como elemento indispensável para

o sucesso pessoal e profissional, seja trabalhando em organizações ou como em-

presário.

10. Saúde e Qualidade de Vida

Enfatizar a importância dos cuidados preventivos com a saúde para obter uma

melhor qualidade de vida dando a base para o pleno desenvolvimento dos projetos

pessoais e profissionais.

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FiLosoFia

autores: naurelice maia de melo e ueliton Lemos dos santos

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© 2013. universidade salvador – uniFacs – Laureate international universitiesÉ proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização.Disciplina: Filosofia

Universidade Salvador – UNIFACS

Diretor Presidente

Marcelo Henrik

Chanceler

Manoel Joaquim Fernandes de Barros Sobrinho

Reitora

Marcia Pereira Fernandes de Barros

Pró-reitor de Educação Corporativa e EADAdriano Lima de Barbosa Miranda

Pró-reitora de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão ComunitáriaCarolina de Andrade Spinola

Coordenadora do Eixo de Formação HumanísticaSílvia Rita Magalhães de Olinda

EAD UNIFACS

Coordenador GeralLuciano Pena Almeida de Souza

Coordenador de Processos Operacionais Péricles Nogueira Magalhães Junior

Coordenadora Pedagógica

Maria Luiza Coutinho Seixas

Coordenadora Acadêmico-Administrativa

Rita de Cássia Beraldo

Coordenador de Tecnologia da Informação

Guna Alexander Silva dos Santos

Coordenadora do Laboratório de Mídias

Agnes Oliveira Bezerra

Designers

Jorge Antônio Santos AlvesJosé Archimimo Costa Conceição Daniel Sousa Santos

Apoio do Laboratório de Mídias

Adusterlina Cerqueira Lordello

Coordenadora SPACEAD

Renata Lemos Carvalho

Revisão / estrutura

Séfora Joca Maciel Sonildes de Jesus Sousa

Contato: www.unifacs.br | UNIFACS Atende: 3535-3135 - Demais Localidades: 0800 284 0212

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Sumário

FORMAçãO HUMANíSTICA UNIFACS .............................................................................................................................................3

FiLosoFia ............................................................................................................................................5

AULA 01 - PERSPECTIVAS SOBRE FILOSOFIA, CONHECIMENTO, CIÊNCIA E RELAçÕES QUE TECEM A VIDA ....................................................................................................................................................................................................... 11AULA 02 - PASSEANDO SOBRE A ORIGEM E ORGANIzAçãO DO UNIVERSO: OLHARES COSMOGôNICOS E COSMOLóGICOS .............................................................................................................................................................................. 27AULA 03 - REFLExÕES SOBRE O CONHECIMENTO E OLHARES SOBRE O PESAMENTO CLáSSICO .................... 39AULA 04 - DIALOGANDO COM OS TEMAS: ÉTICA E MORAL .............................................................................................. 51AULA 05 - CORRENTES DO PENSAMENTO FILOSóFICO E CONCEPçÕES ÉTICAS: UMA INTERFACE NECESSáRIA I ........................................................................................................................................................................................ 67AULA 06 - CORRENTES DO PENSAMENTO FILOSóFICO E CONCEPçÕES ÉTICAS: UMA INTERFACE NECESSáRIA II ....................................................................................................................................................................................... 79AULA 07– REFLExÕES ACERCA DAS TEMáTICAS: RELAçãO COM O SABER, MULTICULTURALISMO E INTERCULTURALISMO .................................................................................................................................................................... 89AULA 08 – IDEOLOGIA, ALIENAçãO E TRABALHO: UMA REFLExãO TRIPARTITE EM PROL DA RECONQUISTA DO HUMANO QUE Há EM NóS.....................................................................................................................103

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Prezada e Prezado eStudante,

A equipe da disciplina Filosofia convida você a realizar caminhos... Cami-

nhos de descobertas e re-descobertas, visto que, desde a leitura da primeira pagi-

na desse material, inquietações serão suscitadas e não serão esgotadas na última

página, ao contrário, convidarão a novas perspectivas, por exemplo, sobre filosofia,

conhecimento, ciência e relações que tecem a vida, mediante fundamentos con-

quistados pelos passeios sobre a origem e organização do universo com olhares

cosmogônicos e cosmológicos, tecendo as reflexões sobre o conhecimento, com

atenção ao pensamento clássico, à ética e moral, inclusive, interfaceadas com cor-

rentes do pensamento filosófico.

Vamos, em parceria e com posturas colaborativas tecer reflexões acerca das

temáticas: relação com o saber, multiculturalismo e interculturalismo. Buscaremos

compreensões a respeito da ideologia, da alienação e do trabalho na qualidade de

reflexão tripartite em prol da re-conquista do cultivo do humano que há em nós.

Nesse processo perene de autocompreensão, diversas sensações podem ser

experimentadas, favorecendo os modos de entendimento da realidade e de cons-

trução de quem somos. Desejamos que a cada instante seja possível superar as

dificuldades que por ventura surjam, sabendo que podemos contar um com outro

na qualidade de equipe maior que reune docente, discentes e todos que, imbuídos

do desejo de aprender, encontrem as forças e alegrias imanentes às conquistas

que temos a realizar em prol tanto de posturas emancipatórias quanto de dias

melhores.

Abração para você!

Autores e Equipe de Filosofia!

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auLa 01 - PErsPEctiVas soBrE FiLosoFia, conHEcimEnto, ciÊncia E rELaçÕEs QuE tEcEm a ViDa

Autores: Naurelice Maia de Melo e Ueliton Lemos dos Santos

Ao iniciarmos nossa caminhada junto aos saberes da Filosofia, muitas vezes sur-

gem questionamentos a respeito do motivo pelo qual é preciso dedicar atenção aos

conhecimentos, temas e pensamentos filosóficos. Esse posicionamento questionador

é justo, uma vez que a formação básica nem sempre contempla os conteúdos filosófi-

cos de modo adequado ou coerente com a própria proposta da Filosofia, falamos aqui

de propostas como aquelas pautadas na máxima do pensador Kant, conforme citado

por Borges e Souza (2012), “não se ensina filosofia, ensina se a filosofar”.

Kant. Imagem disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/

File:Kant_foto.jpg?uselang=pt>. Acesso em: 13 out 2012.

“Não se ensina Filosofia, mas a

filosofar”

Kant

Nesta perspectiva, constam os riscos que fazem com que o “ensino de filosofia”

seja tomado por posturas afastadas do atual contexto social, causando uma impres-

são equivocada a respeito da Filosofia e tornando-a, de certo modo e infelizmente,

uma fonte de informações que requerem atenção a elementos históricos (e requerem

de fato) sem que estes possam significar (significam, de fato) uma trajetória que está

presente hoje nas relações que tecem nosso ambiente tanto pessoal quanto social e as

demais esferas da vida. Felizmente, esta não consiste na única perspectiva... Contamos

também com modos socialmente engajados, dinâmicos e altamente competentes de

proceder junto à Filosofia. Contamos ainda, com pessoas que concluíram o ensino mé-

dio em uma ocasião na qual não tiveram acesso a esse campo do saber e, portanto, ao

chegar a cursos de graduação mantiveram, pela primeira vez, a relação com a discipli-

na que tem por título “Filosofia”. Afirmamos, pela primeira vez com a disciplina, pois

ousamos dizer que: com a postura filosófica, o contato não é primeiro... Ao contrário,

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por muitos momentos somos convidados e convidadas a pensar sobre questões que

remetem a temas filosóficos, mesmo que não tenhamos no momento a consciência de

que somos já pessoas filosofantes.

Esperamos que a sua experiência com a Filosofia tenha ocorrido conforme a

segunda situação que descrevemos no parágrafo anterior. Caso não tenha sido dessa

forma ou não tenha ocorrido o acesso a esta disciplina, não há motivo para preocu-

pação, pois assumimos aqui o compromisso com você e com a aprendizagem. Ado-

tamos a linguagem necessária, assumindo posturas criteriosas e acessíveis, trazendo

nas primeiras aulas os saberes introdutórios importantes para que, cada um de vocês

(independente das relações que antes teceram ou não com este campo do saber) pos-

sa estudar, pesquisar, conhecer os pressupostos básicos da Filosofia e, a partir deles

e com eles conquistar seus modos próprios de pensar a respeito das temáticas pro-

postas, encontrando ainda caminhos possíveis para aliar às posturas que você já vem

dedicado a vida. Quais posturas são estas?! Àquelas de pessoas que compreendem as

circunstância concretas da vida, que bem identificam as relações de ideologia imbri-

cadas nas relações de poder e dominação social, pessoas atentas aos fundamentos

éticos de uma vida, de uma formação e profissão; pessoas que, diante dessas e outras

percepções, buscam o exercício constante de maneiras reflexivas, críticas e criativas de

lançar olhares sobre a vida em suas instâncias diversas, fazendo valer, assim, a máxima

kantiana.

O que é, então, Filosofia?! Onde seria

possível (embora inadequado, devido

ao teor próprio da Filosofia) apresentar

uma definição única para Filosofia,

preferimos caminhar, assim como Luckesi

e Passos (2004) aplicam com relação ao

conhecimento1, junto a aproximações

conceituais. Começando pela origem

etimológica, a palavra Filosofia

corresponde a philo (amor, amizade)

+ sophia (sabedoria). Desse modo, a

filosofia é também correspondente à

busca pelo conhecimento, à busca pelo

saber, sem que estes sejam instituídos

na qualidade de verdades absolutas a

serem impostas, ao contrário, a filosofia é

também correspondente ao movimento

questionador, à perplexidade.

Imagem: elaboração própria

É importante também considerar que algumas aproximações conceituais apre-

sentam a Filosofia como ciência. Essas perspectivas, geralmente, têm por fundamento

o pensamento aristotélico, conforme você pode acompanhar na leitura a seguir.

1 A respeito do conhecimento, por gentileza, visite nossa Aula 03, na qual tecemos com você diálogos sobre, dentre outros temas,

o ato de conhecer, seus elementos, processo etc.

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Trecho selecionado de

“O que é Filosofia e para que serve?”

(autoria de: Maura Iglesias)

Se perguntarmos a dez físicos “o que é a física”, eles responderão, provavelmente, de

maneira parecida. O mesmo se passará, provavelmente, se perguntássemos a dez químicos

“o que é química”. Mas, se perguntarmos a dez filósofos “o que é a filosofia”, ouso dizer que

três ficarão em silêncio, três darão respostas pela tangente, e as respostas dos outros quatro

vão ser tão desencontrada que só mesmo outro filósofo para entender que o silêncio de uns

e as respostas dos outros são todas abordagens possíveis à questão proposta.

Para quem ainda está fora da filosofia, a coisa pode estar parecendo confusa. Mas a razão da

dificuldade é fácil de explicar: talvez seja possível dizer e entender o que é a física, de fora da

física; e dizer e entender o que é a química, de fora da química. Mas, para dizer e entender

o que é a filosofia, é preciso já estar dentro dela. “O que é a física” não é uma questão física,

“o que é a química” não é uma questão química, mas “o que é a filosofia” já é uma questão

filosófica - e talvez uma das características da questão filosóficas que seja o fato de suas

respostas, ou tentativas de resposta, jamais esgotarem a questão, que permanece assim

com sua força de questão, a convidar outras respostas e outras abordagens possíveis. E

já que os filósofos não vão mesmo entrar num acordo, deixemos de lado o problema da

definição. Entremos de uma vez na filosofia, mais propriamente na metafísica de Aristóteles,

onde este está justamente em busca de uma “sophia” (sabedoria) que seja a maior, a mais

importante, a primeira sabedoria2.

[...] [A partir da perspectiva aristotélica, Maura Iglesias elucida:] o saber filosófico: 1) é um

saber “de todas as coisas”, um saber universal; num certo sentido, nada está fora do campo

da filosofia; 2) é um saber pelo saber; um saber livre, e não um saber que se constitui para

resolver uma dificuldade de ordem prática; 3) é um saber pelas causas; o que Aristóteles

entende por causa não é exatamente o que nós chamamos por esse nome; de qualquer

forma, sabe pelas causas envolve o exercício da razão, e esta envolve a crítica: o saber

filosófico é, pois, um saber crítico.

Fonte: REZENDE, A. (org.). Curso de Filosofia. 10ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

Outras perspectivas que tem por referencial de ciência a sua concepção moder-

na, entretanto, não aceitam a filosofia na condição de ciência, pois o saber filosófico,

mesmo que correlato a ciência, não é um saber científico, não consta de um método

único e absoluto, nem busca defender uma verdade como sendo aquela também úni-

ca e absoluta.

Veja a seguir as elucidações sobre encontros entre ciência, conhecimento e fi-

losofia e, ainda, entre estes e as relações que tecem a realidade, uma vez que tanto a

Filosofia, quanto a Ciência estão muito próximas de nossas vidas, nas mais diversas

instâncias relacionais, em ambientes acadêmicos, ou mesmo no simples caminhar de

uma calçada em direção a um destino, qualquer que seja.

2 Querido e querida estudante, aqui a autora apresenta uma citação de Aristóteles que evidencia a sabedoria/sophia, na qualidade

de ciência (de considerações correlatas a estas advém os modos de significar o saber filosófico com o ciência) e apresenta suas características

principais, suprimimos a citação por motivos didáticos e mantivemos as considerações de Maura Iglesias a respeito da citação de Aristóteles

que suprimimos, pois, além de favorecer a proposta dos nossos estudos, foi elaborada de modo elucidativo e acessível.

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A Filosofia e a Ciência constituem expressões do modo de ser e agir da pessoa.

Vamos juntos nessa aula realizar exercícios essenciais de desconstrução de paradig-

mas (modelos/padrões) para assim estarmos aptos à construção de percepções mais

flexíveis e re-flexíveis da existência, um eterno retorno modificado e transformado do

ser sendo na realidade.

Nesta aula, você estudante, está convidado a “caminhar” pelas diversas compre-

ensões que o termo ciência adquiriu ao longo do processo de “desenvolvimento” da

história do pensamento da humanidade. Para tanto, alguns dos principais expoentes

estão postos à luz da reflexão e, sobretudo, da problematização científico-filosófica.

Nesse caminhar, a filosofia é o “farol” a guiar os pensamentos na incessante busca da

verdade.

Mas, o que é a verdade? É possível conquistá-la? De que forma/maneira? Essas

são questões/problemas que impulsionaram e continuam a impulsionar o caminhar

da Ciência e da Filosofia.

A concepção mitológica de representação da realidade consiste na tentativa

de acalmar e tranquilizar as pessoas frente aos fenômenos sociais/naturais daquela

época (período antigo), eis que em seguida, surge o “Thauma” (espanto/admiração)

imbricado à dúvida essencial... Essas personificações divinas, extraordinárias, podem

ser tão próximas dos seres terrenos pessoas comuns, “iguais” umas às outras, com de-

sejos e sentimentos semelhantes aos residentes do Olimpo. A admiração, o espanto,

seguido da dúvida, fez nascer a Filosofia, cuja etimologia é conhecida por todos como

o amante do saber, não seu senhor, dono ou possuidor, apenas o amante que busca

incessantemente conquistá-lo paulatinamente todos os dias de sua existência.

Muitos pensadores antigos da Grécia poderiam ser convocados aqui para de-

clarar seus pensamentos a respeito da Filosofia e também de uma ciência incipiente.

Entretanto, acreditamos ser nesse momento Empédocles (490 - 430 a. C.) o que mais

contribuições nos trazem. Esse declarava a existência de quatro elementos constituin-

tes da realidade (diferente dos Jônios, Tales, Anaximandro, Anaxímenes e outros, cada

um desses pensadores elegeram um elemento essencial originário do kosmo).

Os primeiros pensadores que dão expressão filosófica ao problema

da existência de uma causa suprema de todas as coisas são os filó-

sofos Jônios: Tales, Anaximandro, Anaxímenes, todos eles de Mileto,

na Ásia Menor, às margens do mar Egeu. Todos eles viveram entre os

séculos VII e V a. C.

(MONDIN, 2003, p. 17)

Curiosidade!!!

“As doutrinas dos Milésios constituem um primeiro e rudimentar exemplo de monismo,

termo atribuído a todas as filosofias que imaginam que a realidade multiforme deriva de

um único princípio. Em metafísica, o monismo contrapõe-se ao dualismo - defendido de

maneira diferente por Platão e por Descartes - e ao pluralismo de Aristóteles”. (NICOLA,

2010, p. 15)

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Fonte:UNIFACS

O ar, o fogo a terra e a água para Empédocles constituem toda a existência, são

movidos e misturados segundo dois princípios universais.

Amor (philia, em grego) - responsável pela força de atração e união

e pelo movimento de crescente harmonização das coisas;

Ódio (neikos, em grego) - responsável pela força de repulsão e desa-

gregação e pelo movimento de decadência, dissolução e separação

das coisas.

(COTRIM, 2010, p. 77)

Empédocles compreendia que a realidade composta de todas as coisas existen-

tes, está submetida às forças cíclicas desses princípios. Amor e ódio motores invisíveis,

mas, perfeitamente sentido por todos até hoje.

PARA CONHECER A ORIGEM

Fonte: Adaptado de http://commons.wikimedia.org/wiki/File:ATOMO.jpg?uselang=pt-br

Outro expoente desse período foi Demócrito (460 - 370 a. C.), é o responsável

pelo atomismo, ele acreditava que a realidade era constituída de partículas invisíveis

e indivisíveis, denominadas “átomo” (não divisível: a = negação; tomo = divisível).

Imagine que eles chegaram a essas conclusões sem fazer uso de nenhum ins-

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trumento tecnológico de ultima geração, como poderosos microscópios, reatores etc.

Apenas com o uso e desenvolvimento do pensamento racional, foram capazes de con-

tribuir significativamente para o aprimoramento das percepções do homem frente à

realidade constituinte, a tal ponto que ainda hoje, com mais de dois mil anos passados,

estudamos e atualizamos seus pensamentos.

Fonte:UNIFACS

Para PEnsar um Pouco

Querido e querida estudante!

Em sua opinião, como o pensamento de Empédocles e Demócrito podem ser

atualizados para os nossos dias?

A concepção de ciência no período da Grécia Antiga referia-se a uma forma de

especulação racional, e se afastava da técnica e das preocupações práticas. A ciência

grega antiga almejava o desenvolvimento do conhecimento racional de ideias imutá-

veis, objetivas e universais.

Por outro lado, dando um pequeno salto no tempo e no espaço na história do

desenvolvimento do pensamento humano, chegamos ao período medieval. Neste

momento, cabe dar destaque, sobretudo à supressão da razão em favorecimento à fé,

os elementos originários do pensamento filosófico são postos de lado para dar lugar a

Fé (verdade) revelada por Deus aos homens e intermediada pela Igreja Católica.

Isso significava que toda investigação filosófica ou cientifica não

poderia, de modo algum, contrariar as verdades estabelecidas pela

fé católica. Em outras palavras, os filósofos não precisavam mais se

dedicar à busca da verdade, pois ela já teria sido revelada por Deus

aos homens. Restava-lhes, apenas, demonstrar racionalmente as

verdades da fé.

(COTRIM, 2006, p. 108)

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No decurso do período medieval, destacam-se quatro momentos:

- Primeiro momento: Padres apostólicos, (século I a II) fazem parte desse perí-

odo padres e apóstolos.

- Segundo momento: Padres Apologistas, (século III a IV) destacavam-se por

fervorosas apologias ao cristianismo e atitudes veementes contra a filosofia pagã, seus

principais representantes foram Justino, Origenes e Tertuliano.

- Terceiro Momento: Padres da Patrística, (século IV a VIII) tentativa de reapro-

ximação com o pensamento racional na figura de Platão, seu principal representante

foi Santo Agostinho.

- Quarto Momento: Padres da Escolástica: (século Ix a xI) reaproximação com

os escritos do filósofo grego Aristóteles, destaca-se nesse momento, Santo Tomás de

Aquino.

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lusitano_st-agostinho-1.jpg

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Anonymous_Cusco_School_-_Saint_Thomas_Aquinas,_Protector_of_the_Universi-

ty_of_Cusco_-_Google_Art_Project.jpg

A imagem nos evidencia: À esquerda, Santo Agostinho e à direita Santo Tomás

de Aquino, os dois principais expoentes do período medieval. Eles que buscaram na

filosofia de Platão e Aristóteles, respectivamente, os argumentos necessários para a

fundamentação de sua Fé. A Filosofia a serviço da Fé cristã, nesse momento da his-

toria da humanidade, pouco se pôde desenvolver no continente europeu! Tanto nos

aspectos filosóficos, quanto científicos e tecnológicos, visto o caráter dominante do

Teocentrismo.

Com a Renascença, surgem novas concepções de vida e realidade, muda-se o

foco do olhar. Antes, sobre Deus (Idade Média) a vida terrena é uma preparação para

vida sobrenatural. Agora, sobre o novo ser humano (Idade Moderna) autonomia do

mundo da cultura em relação a todo fim transcendente.

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Nos séculos XV e XVI a ciência faz progressos não só nos estudos

da natureza, mas também no do homem e no das suas produções,

especialmente na Filologia. Graças aos avanços desta disciplina na

Renascença, os autores antigos. Especialmente os filósofos, não são

mais estudados, como na Idade Média, para serem colocados a ser-

viço da teologia, mas por si mesmos, com a finalidade de se conhe-

cer seu verdadeiro pensamento. (MONDIN, 2003, p. 11)

Enfim conseguimos alcançar a Idade Moderna e novamente nos deparamos

com mais uma realidade paradoxal. Não mais, Fé versus Razão, mas sim, Filosofia e

Ciência, instâncias essenciais ao sujeito que é autor e ator de sua própria condição

humana.

Embora existam fervorosas discussões sobre a consideração de cientificidade

da filosofia, torna-se evidente e ao mesmo tempo contraproducente aceitar tal pers-

pectiva, haja vista que uma das fundamentais necessidades de ser ciência é a especi-

ficação não só metodológica, mas, sobretudo de objeto. A Filosofia enquanto pensa-

mento sistemático está presente em todas as ciências, visto o escopo investigativo no

desvelamento da realidade. Assim, presente em todas as ciências, mas, não sendo uma

ciência, a filosofia busca a universalidade, enquanto a ciência busca as particularida-

des próprias de seus objetos.

http://luxosimplesassim.blogspot.com.br/2010/10/o-ilusionista-escher-no-ccbb-

brasilia.html

Filosofia e Ciência não são adversárias. Ambas se relacionam e se complemen-

tam, de tal forma se constituiu a Filosofia da Ciência, uma perspectiva de problema-

tização dos postulados e paradigmas científicos, essa atividade também é conhecida

como epistemologia, crítica metodológica da ciência.

A epistemologia propõe-se a responder às seguintes questões: ‘O

que é o conhecimento científico? Em outras palavras, em que con-

siste propriamente o trabalho do cientista? Que faz ele quando faz

ciência? Interpreta, descreve, explica, prevê? Faz ele apenas conjec-

turas ou verdadeiras asserções (gerais e singulares) que espelham

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fielmente os aspectos (gerais e singulares) dos fatos? E quando o

cientista explica o que é que ele explica dos ‘fatos’: sua função, ori-

gem, gênese, essência, fim? Qual o status lógico das leis na ciência?

São elas resultados de procedimentos indutivos (e o que quer dizer

indução para a ciência?), ou antes, conjecturas da imaginação cien-

tífica que deverão sujeitar-se a uma terrível luta (provas empíricas)

pela existência? Ademais, em que sentido se fala em causalidade (e

de causas) nas ciências empíricas? Quando, então, podemos dizer

que uma teoria é melhor do que outra? Que queremos dizer quando

afirmamos que as ciências empíricas são objetivas? Qual é o papel

da experiência na pesquisa científica? Essas interrogações britam da

pergunta inicial sobre o que seja o conhecimento científico. (MON-

DIM, 2003, p. 29)

Outros autores participam da mesma ideia de complementaridade entre Filo-

sofia e Ciência, a exemplo disso podemos citar Fritjof Capra, Phd. em Física e especia-

lista em teoria sistêmica.

O objetivo da ciência é, creio eu, adquirir conhecimento sobre a reali-

dade sobre o mundo. A ciência é uma maneira particular de adquirir

conhecimento, parecida com muitas outras maneiras. E um aspecto

do novo pensamento na ciência é que esta não é a única maneira,

e não é necessariamente a melhor, mas apenas uma dentre muitas

maneiras.

O termo ciência, para mim, conhecimento sistemático do universo

físico, é recente, como sabem. No passado, era chamada de filosofia

natural. Portanto, a ciência e filosofia não estavam separadas. De

fato, a primeira formulação matemática, por Newton, de ciência no

moderno sentido da palavras é ainda chamada de Princípios Mate-

máticos da Filosofia Natural. (CAPRA, 1991, p. 25)

As reflexões desenvolvidas a partir das contribuições de Capra e Mondin nos

levam a indagar sobre os caminhos e des-caminhos que por muitas vezes tomamos

ao longo de nossas existências. Por diversos momentos somos conduzidos no nosso

modo de ser e agir, e nem sequer nos damos conta, falta-nos a perspectiva epistemo-

lógica do pensar sobre si, e, sobretudo a nossa condição humana, nos submetemos

da mesma maneira que o individuo do período medieval, na expectativa e promessa

de uma vida de glórias no paraíso e batemos no peito ingenuamente, proclamando

somos livres, sou livre!

É preciso considerar e desenvolver um olhar sistêmico e holístico sobre a rea-

lidade, não é cabível a separatividade, mas sim, a interconexidade das realidades, as

dificuldades não precisam ser compartimentalizadas para serem superadas, visto que

todas essas situações interagem sobre si e sobre a realidade constituinte como uma

enorme teia de aranha, o que é feito a um fio, é sentido por toda a teia. Nessa perspec-

tiva, as relações estão sendo tecidas e a qualidade dos fios depende também de cada

um que tece.

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Fonte: http://www.sxc.hu/photo/937195

(PARA CONHECER UM POUCO MAIS)

Falamos de novas perspectivas sistêmicas e holísticas, sabemos verdadeiramente o

que tudo isso significa?

Segundo Edgar Morin (2007), sistema consiste em uma relação entre partes que

podem ser muito diferentes uma das outras e que constituem um todo que é,

simultaneamente, organizado, organizando e organizador. Sobre isso, tem-se o

ditado antigo: o todo é mais do que a soma de suas partes, porque a adição das

qualidades ou propriedades das partes não chega para conhecer as do todo, surgem

qualidades ou propriedades novas, devido à organização dessas partes num todo, são

as emergências.

A realidade é a manifestação desse todo holístico e sistêmico, é preciso desenvolver as

habilidades e competências necessárias à tomada de consciência do ser integral.

Chegamos a importantes reflexões... as quais, sem dúvida alguma, provocam

grandes inquietações, pois, consistem na desconstrução de ‘verdades’ adquiridas ao

longo de uma vida de estudos, de leituras, de aulas, etc. O que fazer agora? Abandonar

tudo isso? Ou fechar os olhos para o novo? Não, essas não serão as melhores soluções,

o ideal é que consigamos somar saberes, os mais variados e diversificados possíveis,

para que possamos entender o devir dialógico e dialético na construção do ser inte-

gral.

Abaixo está disposto um quadro demonstrativo sobre as principais perspecti-

vas das concepções da Física dos séculos xVII até a contemporaneidade.

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Adaptado de: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1378207

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Physics.jpg?uselang=pt-br

Física dos séculos XVII, XVIII e XIX Física Contemporânea

Grande avanço da física com René Descartes,

autor de O discurso do Método (“Penso, logo

existo”).

Física quântica, conjunto de teorias que

incluem a física ondulatória, a qual não se

obedece às leis previsíveis da física clássica.

Visão mecanicista do mundo, que concebe a

natureza como uma máquina, que obedece

a relações de causa previsíveis.

Os objetos passam a ser encarados também

sob o aspecto fluido e em eterna mudança.

Física Newtoniana é chamada de física

clássica, cujo aspecto mais desenvolvido é a

mecânica.

Visão influenciada pela filosofia oriental

(o cosmo é visto como um elemento vivo,

orgânico, espiritual e material).

Os experimentos eram levados a cabo para

testar ideias especulativas e verificáveis.

As forças geradoras de movimento não são

exteriores aos objetos, mas propriedade

intrínseca da matéria.

Fonte: ANDREETA. José Pedro; ANDREETA. Maria de Lourdes, Quem se atreve a ter certeza. Mercuryo. São Paulo. 2004. Adap-

tado pelos autores (Naurelice Maia e Ueliton Lemos).

O quadro evidencia as constantes mudanças que a ciência da Física sofreu e

ainda sofre pelo seu processo de desenvolvimento. Atualmente, duas são as mais rele-

vantes teorias: a chamada Física Quântica e a Teoria da Relatividade Geral.

O intuito dessas duas teorias reside na tentativa de compreensão sobre o com-

portamento da realidade, haja vista que ela não se apresenta de forma tão estática

e previsível como se imaginava. Compreender a realidade pressupõe que a relação

unilateral sujeito - objeto deixe de existir, é preciso conceber uma nova perspectiva

investigativa na qual sujeito - objeto relacionam-se mutuamente, relação dialógica

e dialética, sistêmica e holística. Nesta perspectiva, filosofia e ciência tornam-se um

importante caminho no desvelamento do saber sobre de si e o conhecimento da re-

alidade.

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Para pensar um pouco...

Como você percebe as mudanças da realidade, estamos verdadeiramente

conscientes dessas transformações, ou simplesmente ignoramos por não saber/

querer participar?

Estamos chegando ao final de nossa aula com novas ideias, novos olhares fren-

te à realidade, consciente da inexistência da verdade absoluta seja ela a verdade cientí-

fica ou mesmo verdade filosófica. Mas sim, verdades provisórias que se transformam e

se adaptam no devir tempo-espacial. Nesse sentido, aceitar as mudanças significa não

estagnar, é estar sempre disposto à perplexidade, o thauma grego.

A evolução do conhecimento científico não é unicamente de cresci-

mento e de extensão do saber, mas também de transformações, de

rupturas, de passagem de uma teoria para outra. As teorias cientí-

ficas são mortais e são mortais por serem científicas. A visão de Po-

pper registra com relação à evolução da ciência vem a ser a de uma

seleção natural em que as teorias resistem durante algum tempo

não por serem verdadeiras, mas por serem as mais adaptadas ao

estado contemporâneo dos conhecimentos.

Kuhn traz outra ideia, não menos importante: é que se produzem

transformações revolucionárias na evolução científica, em que um

paradigma, princípio maior que controla as visões do mundo, de-

saba para dar lugar a um novo paradigma. Julgava-se que o princi-

pio da organização das teorias científicas era pura e simplesmente

lógico. Deve ver-se, com Kuhn, que existem, no interior e acima das

teorias, inconscientes e invisíveis, alguns princípios fundamentais

que controlam e comandam, de forma oculta, a organização do co-

nhecimento científico e a própria utilização da lógica.

A partir daí, podemos compreender que a ciência seja “verdadeira”

nos seus dados (verificados, verificáveis), sem que por isso suas teo-

rias sejam “verdadeiras”. Então, o que faz que uma teoria seja cientí-

fica, se não for sua “verdade”? Popper trouxe a ideia capital que per-

mite distinguir a teoria científica da doutrina (não científica): uma

teoria é científica quando aceita que sua falsidade possa ser even-

tualmente demonstrada. Uma doutrina, um dogma encontram ne-

les mesmo a autoverificação incessante (referência ao pensamento

sacralizado dos fundadores, certeza de a tese está definitivamente

provada). O dogma é inatacável pela experiência. A teoria cientifica

é biodegradável. [...]

A partir daí, o conhecimento progride, no plano empírico, por acres-

centamento das “verdades” e, no plano teórico, por eliminação dos

erros. O jogo da ciência não é o da posse e do alargamento da ver-

dade, mas aquele em que o combate pela verdade se confunde com

a luta contra o erro. (MORIN, 2001, p. 22-23)

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O conhecimento científico e ou filosófico contribuem sistematicamente para

uma revolução na forma de ser e agir do individuo, é preciso que tenhamos a sensibi-

lidade de renunciar os pseudos saberes, saberes que temos como verdadeiros e imu-

táveis, pois de outra forma continuaremos a reproduzir comportamentos e atitudes

determinadas por forças exteriores.

Fazendo uma alusão a Karl Jaspers, que afirma, em dado contexto, a filosofia na

qualidade de perturbadora da paz, propomos aqui também a filosofia como perturba-

dora da ciência. Ela tem como escopo o fomento das inquietações na busca contínua

de posturas mais assertivas e coerentes à dignidade do ser pessoa. Portanto, urge que

façamos o exercício de reflexão individual, utilizando das perspectivas da filosofia e da

ciência, para a conquista da vida autentica.

SínteSe

Durante a realização dessa aula, tivemos a oportunidade de tomar conheci-

mento sobre os caminhos da Filosofia e da Ciência desde o período antigo (grego),

passando pela Idade Média, período de grande entrave ao desenvolvimento racional,

visto o predomínio das forças religiosas cristãs. Em seguida, com a Renascença, muda-

se a perspectiva, volta-se novamente o olhar para o ser humano e sua produção cul-

tural, filosófica e científica, surge o modernismo com as contribuições da Física até

alcançarmos a contemporaneidade com a postura da reflexividade, a qual é exigida

ao sujeito, ator e autor de sua existência condutas inquisidoras frente aos desafios que

são postos pela própria condição de existir.

queStão Para reflexão

1) Considere a citação abaixo e desenvolva um argumento evidenciando seu

posicionamento a respeito da mensagem proposta pela citação.

“Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão. A educação do fu-

turo deve enfrentar o problema de dupla face do erro e da ilusão, O maior erro seria

subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão.

O reconhecimento do erro e da ilusão é ainda mais difícil, porque o erro e a ilusão não

se reconhecem, em absoluto, como tais.

Erro e ilusão parasitam a mente humana desde o aparecimento do Homo sa-

piens. Quando consideramos o passado, inclusive o recente, sentimos que foi domina-

do por inúmeros erros e ilusões. Marx e Engels enunciaram justamente em A ideologia

alemã que os homens sempre elaboraram falsas concepções de si próprios, do que

fazem, do que devem fazer, do mundo onde vivem. Mas nem Marx nem Engels esca-

param destes erros.”

(MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo, SP:

Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000)

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2) Após os estudos realizados nessa aula, como você compreende as perspecti-

vas filosóficas e cientificas? E de que forma elas influenciam nossa conduta social?

leituraS indicadaS

ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

______ . O que é científico? . São Paulo: Edições Loyola, 2007.

ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência. São Paulo: Edições Loyola, 2010.

CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 1982.

HEISENBERG, Werner. A parte e o todo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.

PRIGOGINE, Ilya. O Fim das Certezas. São Paulo: Editora Unesp, 1996.

MORIN, Edgar; MOIGNE, Jean-Louis Le. Inteligência da Complexidade Epistemológica e Pragmática.

Lisboa: Instituto Piaget, 2007.

SiteS indicadoS

www.edgarmorin.org.br/

www.rubemalves.com.br/

http://www.brasilescola.com/

http://ghiraldelli.wordpress.com/2007/11/21/ciencia-e-filosofia/

referênciaS

ANDREETA, José Pedro; ANDREETA, Maria de L.. Quem se atreva a ter certeza?. São Paulo: Mercuryo, 2008.

BORGES, Donaldo se Assis; SOUzA, Marco Antonio. “Não se ensina filosofia, mas a filosofar”. Disponível

em:<http://meuartigo.brasilescola.com/filosofia/nao-se-ensina-filosofia-mas-filosofar.htm>. Acesso em: 13

out. 2012.

CAPRA, Fritjof. Pertencendo ao Universo. São Paulo: Cultrix: 1991.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2006

LUCKESI, Cipriano Carlos; PASSOS, Elizete Silva. Introdução à Filosofia: aprendendo a pensar. 5. ed. São

Paulo: Cortez, 2004.

MONDIN, Batista. Curso de Filosofia. Vol. 1. 12. ed. São Paulo: Paulus, 2003.

______. Curso de Filosofia. Vol. 2. 9. ed. São Paulo: Paulus, 2003.

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MONDIN, Batista. Introdução à Filosofia. Vol. 14. ed. São Paulo: Paulus, 2003.

MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

REzENDE, A. (org.). Curso de Filosofia. 10. ed. Rio de Janeiro: zahar, 2001.

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auLa 02 - PassEanDo soBrE a origEm E organização Do uniVErso: oLHarEs cosmogônicos E cosmoLógicos

Autores: Naurelice Maia de Melo e Ueliton Lemos dos Santos

“Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não

penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma

experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de

vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior

de nosso ser e de nossa realidade mais íntimos, de modo que

realmente sintamos o enlevo de estar vivos. É disso que se trata,

afinal, e é o que essas pistas nos ajudam a procurar, dentro de nós

mesmos”. (Joseph Campbell, 1991, p.17)

Na aula anterior você acompanhou saberes e reflexões tanto sobre a Filoso-

fia quanto a respeito da Ciência. Nessa perspectiva, algumas inquietações podem ser

apresentadas. Por exemplo: o que havia antes da iniciativa racional de compreensão

da realidade e dos fenômenos físicos, naturais? Quais circunstâncias favoreceram a

conquista da racionalidade? Ou, os modos de relação com a realidade sempre estive-

ram fundamentados na razão?

Conquistar os caminhos para as respostas às inquietações mencionadas cor-

responde a disponibilidade para um passeio que nos leve à Antiguidade... Convida-

mos você para esse passeio! Na bagagem, vamos precisar da dedicação aos modos

diferenciados de entendimento da realidade, diferenciados das formas que hoje en-

contramos até mesmo cristalizadas, por assim dizer. Por exemplo: durante a formação

básica, crianças estudam o ciclo hidrológico e, portanto, compreendem por que cho-

ve, podem lançar o olhar sobre a chuva vendo-a na qualidade de fenômeno climáti-

co, meteorológico, natural. Durante nosso passeio, entretanto, vamos visitar época na

qual essas informações não eram assim tão claras... Ao contrário, a chuva poderia ser

percebida não na qualidade de fenômeno natural, mas de expressão das vontades, por

exemplo, vindas do Olimpo.

Curiosidade

Na mitologia grega, o Olimpo

correspondeu à morada dos deuses.

Local onde viviam e reuniam-se

para, dentre outras questões,

decidir os enredos, rumos, destinos

de cada trama humana e das

sociedades. As narrativas míticas

gregas apontam também para

o Olimpo como local escolhido

pelos Titãs para estabelecimento

de seus tronos. A imagem ao lado

corresponde à fotografia, datada de

2005, do Monte Olimpo, próximo

ao Mar Egeu.

Monte Olimpo, 2005. Imagem disponível em: http://commons.wikime-

dia.org/wiki/File:Mytikas_summit_PJS.jpg.

Acesso em 20 out 2012.

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Imagem disponível em: http://commons.wikimedia.org/wiki/

File:Relogio.jpg

Acesso em 19 out 2012

Estamos “agora” na época aproximada do

século xII a.C. até o século VIII a.C. Período

que ficou conhecido por Homérico devido

ao poeta Homero a quem é atribuída

a autoria das obras “Ilíada” e “Odisséia”.

Embora existam controvérsias a respeito

tanto da autoria quanto da existência

concreta de Homero, importa considerar

que as epopeias homéricas registravam

modos culturais, tradições, formas de

condução da vida e das ações que foram

próprias ao período; apresentando

a percepção da realidade repleta de

iniciativas heroicas, de deuses, concepções

de destino etc. Em outras palavras,

podemos dizer: repletas de narrativas

míticas.

As narrativas míticas apresentavam, dentre suas características, a presença de

seres fantasiosos, eventos guiados por deuses, manifestações de poderes além daque-

les naturais. O que move a iniciativa mítica ou o que a impulsiona é a vontade que

os seres humanos têm de compreender a realidade da qual participam. A chuva que

mencionamos... Por exemplo, hoje conhecemos o ciclo hidrológico, mas neste nosso

passeio, estamos visitando condições do século xII a.C. e essas explicações ainda não

existiam. De todo modo, havia o desejo pela compreensão do entorno, do dia, da noi-

te; da vida, da morte; era preciso ter acesso a informações que narrassem a origem de

tudo o que havia.

Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem

dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo,

da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da

morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do

poder, etc.). [...] Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou

proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa,

porque confiam naquele que narra; é uma narrativa feita em públi-

co, baseada, portanto, na autoridade e confiabilidade da pessoa do

narrador. E essa autoridade vem do fato de que ele ou testemunhou

diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem

testemunhou os acontecimentos narrados. Quem narra o mito? O

poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se

que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os acon-

tecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os

seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes.

Sua palavra - o mito - é sagrada porque vem de uma revelação di-

vina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável. (CHAUI, 2003,

p.34-35)

Neste nosso passeio, fica claro que o ser humano sempre sentiu a necessidade

de conhecer, de buscar a compreensão da sua realidade, de entender os fenômenos. O

convite neste momento é para pensarmos a respeito dos “riscos” desse sentimento de

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necessidade ou desejo de conhecer... Em estruturas sociais e políticas das mais varia-

das, a autonomia do pensar e o desejo pelo conhecimento se constituem como riscos,

pois podem ameaçar a “ordem” estabelecida, podem afrontar situações de desigual-

dades, explorações etc. Por outro lado, condições que contêm ou narrem a respeito de

como se dá a realidade, podem promover a aceitação geral dos “ouvintes” e, aceitando

a narrativa, o desejo de conhecer é saciado (ilusoriamente saciado).

Os mitos, conforme Aranha e Martins (2000), apresentavam as funções de aco-

modar, justificar e tranquilizar as pessoas frente à realidade, assim como tinham a

função de fixar modelos exemplares para os comportamentos. Por gentileza, reveja

a citação de Chauí que apresentamos para você, desta vez, com atenção aos termos

finais da citação: “O mito é, pois, incontestável e inquestionável”. Outra característica

da narrativa mítica: ela é dogmática.

O mito, se questionado, perde seu motivo de ser, perde sua força. Sendo ques-

tionado, evidencia que não promoveu a acomodação, nem a tranquilidade, menos

ainda pode justificar ou estabelecer modelos de conduta (as relações de obediência

estão presentes em diversas narrativas míticas, assim como as consequentes punições

da desobediência aos deuses). Como é possível notar em narrativas míticas como nos

mitos de Pandora, Prometeu, Édipo, dentre outros.

Ampliando o conhecimento...

Uma jovem defendendo-se de Eros (Cupido). Obra de

William Bouguereau.

Imagem disponível em: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:William-

Adolphe_Bouguereau_(1825-1905)_-_A_Young_Girl_Defending_Her-

self_Against_Eros_(1880).jpg

Acesso em 20 out 2012.

Querida ou querido estudante,

a mesma narrativa mítica pode

apresentar versões diferenciadas,

tendo seu eixo condutor

semelhante. Poderíamos aqui

relatar alguns mitos, entretanto,

para conhecer a narrativa

completa ou o mais próximo

possível, preferimos orientar

a você para que pesquise,

ampliando seus conhecimentos.

Orientação para pesquisa1: Buscar (via internet, livros e/ou revistas) as narrativas míticas

sobre Pandora, Prometeu, Édipo, ícaro e Dédalo, Eros etc. Analisar os encontros possíveis

entre os conteúdos dos referidos mitos e as reflexões pertinentes ao atual contexto social.

Você pode escolher um dentre eles, bem como pode encontrar outros mitos que lhe

chamem a atenção. Importa observar, dentre outros aspectos, como eles propõem modelos

“exemplares” de comportamentos, oferecem justificativas sobre a origem das coisas.

1 Pesquisa complementar para ampliar os conhecimentos, não consiste em pesquisa para avaliação, não tem teor de nota e não

precisa ser entregue a equipe docente da disciplina. Caso deseje, a postagem do resultado de sua pesquisa será muito bem vinda em Fóruns do

Ambiente Virtual de Aprendizagem, socializando com colegas e com a equipe docente os seus comentários, experiências e saberes, aguarda-

mos por você!

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Seguindo por nosso passeio, foi a partir do movimento, por assim dizer, questio-

nador frente às narrativas míticas que tivemos as iniciativas pautadas na razão e que,

junto a outros elementos, realizamos o processo de transição da cosmogia à cosmo-

logia. Vamos continuar nosso passeio, agora com atenção à cosmogonia; logo mais,

durante nossa caminhada nesta Aula 02 iremos dialogar a respeito da cosmologia.

Você já sabe que os mitos correspondem às narrativas sobre a origem de algo.

Portanto, é uma genealogia. Utilizando as palavras de Chaui (2003, p.35), “a narração

da origem é [...] uma genealogia, isto é, narrativa da geração dos seres, das coisas, das

qualidades, por outros seres, que são seus pais ou antepassados”. A esse respeito, a

autora exemplifica com a narrativa mítica da origem do amor, ou o nascimento de

Eros (orientamos pesquisa sobre Eros no nosso quadro “Ampliando o Conhecimento”).

Além de corresponder a uma genealogia, os mitos são também teogonia e cosmogo-

nia, conforme segue:

A palavra gonia vem de duas palavras gregas: do verbo gennao (en-

gendrar, gerar, fazer nascer e crescer) e do substantivo genos (nas-

cimento, gênese, descendência, gênero, espécie). Gonia, portanto,

quer dizer: geração, nascimento a partir da concepção sexual e do

parto. Cosmos, como já vimos, quer dizer mundo ordenado e orga-

nizado. Assim, a cosmogonia é a narrativa sobre o nascimento e

a organização do mundo, a partir de forças geradoras (pai e mãe)

divinas. Teogonia é uma palavra composta de gonia e theós, que,

em grego, significa: as coisas divinas, os seres divinos, os deuses. A

teogonia é, portanto, a narrativa da origem dos deuses, a partir de

seus pais e antepassados. (CHAUI, 2003, p.36)

Retomando nosso passeio para a contemporaneidade... Como a expressão mito

é hoje aplicada? Além de significar os modos de representação da realidade com as

características e funções que já elucidamos, constam outros usos do termo mito.

Conforme Buzzi (2007, p.85) “a palavra mito é usada habitualmente para sig-

nificar alguma crença dotada de validade mínima e de pouca verossimilhança. Por

exemplo: ‘a Atlântida não passa de um mito’”. Importa considerar que esse é um uso

habitual do termo e não corresponde aos significados que encontram fundamentos

nos estudos sobre o pensamento primitivo (primitivo aqui pelo olhar antropológico,

portanto, não significa inferior).

De todo modo, correspondendo ou não aos sentidos e significados originários

do mito, é fato que atualmente a expressão é utilizada para designar coisas que não

são reais, diante das quais, alguém pode dizer “- É mito!”. Outro uso da expressão mito

na atualidade está associado tanto a pessoas quanto personagens que marcaram seu

tempo e ficaram ou tendem a ficar, por assim dizer, eternizados por atos heroicos, no

sentido do poder simbólico e não concreto, estabelecendo relações com o imaginário

coletivo. São possíveis também outras formas de poder, ainda no campo simbólico,

que reforçam condições severas, destrutivas capazes de direcionar para os caminhos

da desumanização.

Portanto, importa que cada um de nós experimente o exercício da razão e da

criticidade, assim como da sensibilidade e percepções afetivas frente ao tecido social

e ao nosso modo próprio de tecer quem somos.

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Estávamos, neste nosso passeio, no período da Antiguidade quando nosso “re-

lógio” não se conteve em ficar apenas “lá” e tecemos as associações com o contempo-

râneo. Agora, vamos retornar aos caminhos míticos e seu contexto para que possamos

descobrir como ocorreu a transição deste modo (mítico) de representação da realida-

de para os modos racionais de compreendê-la.

Embora para alguns autores o advento da razão ganhe o título de “milagre gre-

go”, não compartilhamos desse modo de pensar, dentre outros motivos, devido ao

processo histórico que fez culminar no afastamento de perspectivas cosmogônicas

(que narram a origem/organização do mundo conforme as formas que engendraram-

no) e aproximação de perspectivas cosmológicas, correspondentes à busca sobre ori-

gens e fundamentos conforme o empenho do logos, da razão.

Os elementos principais, e suas circunstâncias, que favoreceram a passagem

da perspectiva mítica para a racional foram: a moeda, a escrita alfabética, a lei escrita,

o calendário, o advento da polis (cidade-estado grega), o cidadão da polis e a própria

política, as viagens marítimas e a vida urbana.

Você pode imaginar como esses elementos

implicaram sobre a realidade expressa de

modo mítico, favorecendo a consciência

racional?

Imagem disponível em: <http://commons.wikimedia.

org/wiki/File:Question_opening-closing.svg>. Acesso

em 20 out 2012.

Os modos de entendimento da realidade foram passando por modificações,

assim como as formas de perceber a si mesmo e ao entorno; pois, novas condições e

circunstâncias começaram a participar do ambiente grego...

Com as viagens marítimas, foi possível visitar lugares nos quais as narrativas

míticas indicavam como morada dos heróis, deuses, seres fantásticos repletos de po-

deres, titãs... Esses lugares eram habitados por outras pessoas, tão humanas quanto

qualquer mortal. Portanto, conforme Chaui (2003, p. 37), “As viagens produziram o

desencantamento ou a desmistificação do mundo, que passou, assim, a exigir uma

explicação sobre sua origem, explicação que o mito já não podia oferecer”.

A moeda, assim como a invenção da escrita alfabética e do calendário, corres-

pondeu ao poder de abstração. No caso da moeda, era preciso compreender o valor

em seu teor mais abstrato, era preciso calcular o valor correspondente às mercado-

rias.

Emitida e garantida pela pólis, a moeda faz reverter seus benefícios

para a própria comunidade. Além desse efeito político de demo-

cratização de um valor, a moeda sobrepõe aos símbolos sagrados

e afetivos o caráter racional de sua concepção: muito mais do que

um metal precioso que se troca por qualquer mercadoria, a moeda

é o artifício racional, convenção humana, noção abstrata de valor

que estabelece a medida comum entre valores diferentes. (ARANHA,

MARTINS, 2003, p.81-82)

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No caso da escrita alfabética, favoreceu tanto a generalização quanto a abstra-

ção, pois era preciso representar a ideia correspondente ao significado de cada coisa.

A respeito do calendário, favoreceu a passagem da perspectiva mítica para a racional

devido à necessária capacidade de abstração para calcular o tempo de acordo com

elementos naturais (estações, horas, dias), conforme elucida Chaui (2003, p. 37) “reve-

lando, [...] uma capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo

natural e não como um poder divino incompreensível”. A vida urbana também exerceu

forte influência sobre o “advento” do pensamento racional, conforme segue:

[A respeito da vida urbana] Com predomínio do comércio e do arte-

sanato, dando desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca,

e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia proprietária de

terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além disso, o

surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava en-

contrar pontos de poder e de prestígio para suplantar o velho pode-

rio da aristocracia de terras e de sangue (as linhagens constituídas

pelas famílias), fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio

e estímulo às artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo

um ambiente onde a Filosofia poderia surgir. (CHAUI, 2003, p. 37)

A lei escrita também figura dentre os elementos do processo histórico de pas-

sagem do mito à perspectiva racional, pois com a lei escrita as noções em torno da

justiça requerem diálogos, a justiça não é mais associada aos desígnios dos deuses,

mas está posta aos debates, às discussões, portanto, é uma justiça que compreende a

dimensão propriamente humana (não mais divina). O mesmo ocorre com o advento

da pólis, cidade-estado grega, o advento do cidadão e da própria política, pois havia

o espaço destinado aos debates sobre temas comuns, como ocorria na ágora (praça

pública). Sendo necessário decidir sobre os rumos da cidade, da justiça, da cidadania,

da política e da lei, não mais caberia a justificativa pautada na cosmogonia, nem com

fundamentos na teogonia para as ações; era preciso investigar para compreender,

conquistando, assim, gradativamente, o espaço para a busca racional sobre o princí-

pio de todas as coisas.

Expressão artística da galáxia. Imagem disponível em: <http://

commons.wikimedia.org/wiki/File:Milky_Way_galaxy.jpg>.

Acesso em 20 out 2012.

Seguimos nosso passeio, agora

não mais na companhia de deuses,

semideuses, seres repletos de poderes,

narrativas com heróis, lutas entre

o bem e mal, modelos exemplares

de conduta... Seguimos, conforme

as iniciativas de contemplação do

cosmos para bem compreender,

seus fundamentos, sua organização

e origem. Neste passeio, nosso olhar

agora é cosmológico!

Vamos juntos neste passeio, dedicando agora atenção à cosmologia. O termo

cosmologia é decorrente da soma de duas outras palavras: cosmo (universo) + logia

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(corresponde a logos, razão), que significa, doutrina ou narrativa a respeito da origem,

da natureza e dos princípios que ordenam o mundo ou o universo, em todos os seus

aspectos. A cosmologia, portando, difere da cosmogonia, embora as duas estejam re-

lacionadas às narrativas frente à origem e organização do universo.

O conceito de cosmologia nos direciona ao entendimento de que os primeiros

filósofos gregos ansiavam respostas sobre a origem ou causa primeira da formação

do universo, da vida e sua finalidade. Nesse momento, a Grécia, representada pelas

suas cidades-estados, ou Pólis, vivia um intenso movimento sociocultural e econômi-

co, essas revoluções interferiram substancialmente na forma de ser e agir dos gregos,

sobretudo, na concepção de realidade.

Nossa próxima parada está si-

tuada também na antiguidade grega.

Vamos seguir juntos ao período que

tem inicio com os Jônios, ou como são

comumente chamados, pré-socráticos

(pensadores originários). Essas expres-

sões dizem respeito aos pensadores que

iniciaram uma nova forma de pensar

e questionar a realidade, diferente da

perspectiva mítica (sobre a qual você já

estudou nesta aula). O precursor desse

movimento de novos pensadores é Ta-

les de Mileto (623- 546 a. C.) represen-

tado pela figura a seguir, até chegar em

Sócrates (468 - 399 a. C.)

Fonte: Thales de Mileto http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Illustrerad_Verldshistoria_band_I_Ill_107.jpg

O filósofo Batista Mondin, em sua obra Curso de Filosofia Vol. 1 (2003), nos traz

uma significativa ideia sobre a importância de Tales ao desenvolvimento do pensa-

mento filosófico ocidental.

A filosofia nasceu não na Grécia propriamente dita, mas nas colô-

nias do Oriente e do Ocidente, a saber, na Jônia e na Magna Grécia.

Cerca de 624 a. C. em Mileto, nasceu Tales, o pai da filosofia grega e

de toda a filosofia ocidental.

Matemático e astrônomo, atribui-se a ele muitas descobertas. Foi

considerado um dos sete sábios da Antiguidade. Diógenes Laércio

narra que ele morreu ao cair em uma cisterna enquanto observava

os astros, aproximadamente 526 a. C.

Pelo que se sabe, Tales foi o primeiro pensador que se pôs expressa

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e sistematicamente a pergunta: “Qual é a causa última, o princípio

supremo de todas as coisas?” A pergunta se justificava pelo fato de

que, apesar da aparente diversidade, há em todas as coisas algo de

comum: em todas as coisas observáveis encontra-se água, terra, ar

e fogo.

(MONDIN, 2003, p. 17)

Tales representa o início de uma era de novos olhares sobre a realidade, a bus-

ca da origem do universo não mais está relacionada aos seres divinos, ou olímpicos,

muito ao contrário, o uso da razão impôs aos filósofos uma nova perspectiva material,

a substância primordial que para os gregos era chamada de “arché”.

Abaixo segue quadro demonstrativo e painel ilustrativo dos principais pré-so-

cráticos e suas mais relevantes contribuições.

Quadro 1: Demonstrativo dos Filósofos Pré-Socráticos

NOME ANO ELEMENTO PRINCIPAL CONTRIBUIÇÃO

Tales de Mileto 623-546 a. C. Agua Origem da vida é a água

Anaximandro de

Mileto

610-547 a. C. ápeiron ápeiron, o indeterminado, massa

geradora de todos os seres

Pitágoras de

Samos

570- 490 a. C. Números Representam a ordem e a

harmonia do universo

Heráclito de Éfeso Séc. V a. C. 2* Fogo A vida é um fluxo constante

impulsionado por forças

contrárias

Parmênides de

Eléia

510-470 a. C. Ser Princípio lógico de identidade e

princípio de não contradição

zenão de Eléia 488-430 a. C. Movimento Reflexões sobre o conceito de:

movimento, espaço, infinito e

tempo

Empédocles de

Agrigento

490-430 a. C. Quatro

elementos

naturais

Os elementos são movidos pelos

princípios universais opostos, o

amor e o ódio

Demócrito de

Abdera

460-370 a. C. Atomismo Partícula não divisível

Fonte: Adaptado de Cotrin (2006)

2 Não se sabe exatamente o ano de seu nascimento, atribui-se, portanto o período séc. V.

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Painel ilustrativo dos Pré-socráticos

Tales de Mileto Parmênides de Eléia

Pitágoras de Samos Demócrito

Heráclito de Éfeso

zenão de Eléia

Anaximandro

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal

Na tentativa de encontrar a substância primordial ou princípio substancial, es-

ses pensadores, mediante suas reflexões, legaram a toda humanidade relevantes con-

tribuições ao desenvolvimento da forma racional de compreensão da realidade, que

posteriormente fora traduzido tanto pela Filosofia quanto pela Ciência.

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aProfundando noSSaS reflexõeS!

Quais são as implicações dos Jônios em nossa atual conjuntura social? Por que

e para que o estudo desses pensadores gregos se fazem necessários a minha forma-

ção/atuação nas esferas pessoal, acadêmica e profissional? Como poderíamos lançar

o olhar sobre a realidade na qual vivemos e que tecemos, deixando de compreender

seus fundamentos originários e a trajetória própria da iniciativa racional de compre-

ensão da realidade e, ainda, do desejo que, na qualidade de humanidade, sempre ti-

vemos de aprender e buscar saberes, mesmo quando não tínhamos o referencial da

razão, conforme você pode acompanhar com os estudos sobre cosmogonia?

Essas indagações são perfeitamente naturais e necessárias. Portanto, acredita-

mos que é justamente nesse momento que começamos a pensar, pois, o simples ato

de questionar nos possibilita uma infinidade de possibilidades de não mais aceitarmos

os “pacotes” prontos e acabados.

Imagem disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Question_opening-closing.svg>. Acesso em 20 out 2012.

É preciso que se descubra a finalidade do estudo para se fomentar a necessidade do

aprendizado, ou seria o contrário? É preciso reconhecer a necessidade para melhor

atender as finalidades?

Para esses questionamentos, acreditamos não ter uma resposta pronta e defi-

nitiva, apenas dispomos de simples compreensões que em dado momento de nossa

condição humana nos é dada a possibilidade de expressar. Heráclito e Parmênides,

dois dos principais pré-socráticos, nos auxiliam significativamente ao esclarecimento

desses dilemas existenciais. Vejamos o que eles nos falam!

Heráclito considera que a realidade é dinâmica e, portanto, um estado de per-

manente mudança (realidade mobilista) vir-a-ser. Parmênides, ao contrário, defende a

permanência das essencialidades, a mudança é uma ilusão, é contingente e não subs-

tancial. Com referência a esses posicionamentos, percebemos que durante nossa vida,

em nossas condições existenciais, precisamos adotar posturas que compreendam es-

sas duas perspectivas, ora a mudança é uma realidade, ora a permanência é a essencia-

lidade e única garantia de autenticidade. O fato é que não se trata mais de adotar uma

única e exclusiva postura, pensar-repensar, construir-descontruir, significar-ressignifi-

car são mais que pares de palavras, são verdadeiramente modos de ser e existir frente

à multiplicidade dos fenômenos existentes na realidade conjuntural.

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SínteSe

O estudo das perspectivas cosmogônicas e cosmológicas nos possibilitou a

compreensão de um dos principais períodos filosóficos da humanidade. Além das

considerações histórico-sociais inerentes ao aprendizado, constam, nesta aula, ele-

mentos que possuem o escopo no fomento da realização de relevantes reflexões, a fim

de atualizar e contextualizar o legado deixado pelos pensadores originários, exercício

de aproximação teórico conceitual à práxis cotidiana que torna-se indispensável ao

estudante na contemporaneidade.

queStão Para reflexão

1. Elabore um comentário explicativo sobre as características e funções das nar-

rativas míticas e estabeleça relações com a contemporaneidade.

2. Considere as citações abaixo e desenvolva seu posicionamento frente às ad-

versidades sociais contemporâneas.

De fato, ou uma coisa é ou não é. Se é, não pode vir-a-ser, porque já

é. Se não é, não pode vir-a-ser, porque do nada não se tira nada.

(MONDIN, 2003, p. 31)

Tudo é vir-a-ser, tudo muda, tudo se transforma. O mundo, o ho-

mem, as coisas estão em incessante transformação.

(MONDIN, 2003, p. 26)

leituraS indicadaS

BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro de Mitologia história de Deuses e Hérois. Rio

de Janeiro: Ediouro, 2006.

CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. 2 reimpressão. São Paulo: Palas Athena, 1991.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia Vol.1. São Paulo: Paulus,

2003.

SiteS indicadoS

http://www.filosofia.com.br/

http://www.mundoeducacao.com.br/

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referênciaS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 3 ed.

São Paulo: Moderna, 2003.

_________. Temas de Filosofia. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2000

BUzzI, Arcângelo R. Introdução ao Pensar: o Ser, o Conhecimento, a Linguagem. 33. ed. Petrópolis:

Vozes, 2007.

CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. 2 reimpressão. São Paulo: Palas Athena, 1991.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: ática, 2003.

COTRIN, Gilberto. Fundamentos da Filosofia história e grandes temas. São Paulo: Saraiva, 2006.

MONDIN, Batista. Curso de Filosofia. v. 1. São Paulo: Paulus, 2003.

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auLa 03 - rEFLExÕEs soBrE o conHEci-mEnto E oLHarEs soBrE o PEsamEnto cLássico

Autores: Naurelice Maia de Melo e Ueliton Lemos dos Santos

Imagem disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File: Praia_de_

Arembepe.jpg>. Acesso em: 21 out.2012.

“Tudo que se vê não é

Igual ao que a gente

Viu há um segundo

Tudo muda o tempo todo

No mundo”

Trecho de Como uma Onda.

Lulu Santos. Disponível em:

<http://letras.mus.br/lulu-

santos/47132/>. Acesso em:

21 out.2012.

O trecho de música citado permite lembrar os diálogos tecidos na aula anterior,

especialmente quando lançamos o olhar sobre a cosmologia, com atenção a Herácli-

to... O devir, a mudança constante, a condição perene de que tudo é mutável... “Como

uma onda no mar”... Na contemporaneidade, não precisamos viver essa contenta entre

o referido pensador e Parmênides que, como você já sabe, propôs que tudo é uno,

fixo, imutável. Hoje, podemos tecer reflexões sobre as duas condições (do mutável e

do imutável) em prol da busca pelo conhecimento. Hoje, falamos em complexidade.

Falamos nas integrações necessárias entre os sentimentos, os pensamentos e as ações

nas diversas instâncias da vida, seja pessoal, acadêmica, profissional etc.

Nesta Aula 03, vamos dialogar, dentre outros saberes, a respeito da trajetória

clássica grega do pensamento, ou seja, sobre o que houve depois da transição da

perspectiva cosmogônica para a cosmológica. Ou, ainda, o que dizer da iniciativa que

sempre tivemos, na qualidade de humanidade, de conhecer, de desvelar ou perceber

os dados da realidade. Seja como uma onda no mar, seja como uma gota no oceano,

estamos todos em relação com as iniciativas capazes de promover e conquistar conhe-

cimentos... É por este termo e com ele que vamos continuar nossos diálogos! Vamos!

“Há muita vida lá fora, aqui dentro, sempre”!

A origem etimológica latina do termo conhecimento, cognoscere, aponta para

as possibilidades de saber. No âmbito da filosofia, são várias as formas de compreen-

são a respeito do que é conhecimento e de como é possível conquistá-lo, de acordo

com os pressupostos teóricos e/ou metodológicos de cada expressão da teoria do co-

nhecimento, conforme você estudou durante nossa Aula 01.

A respeito do conhecimento, elegemos, para socializar com você, a aproxima-

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ção conceitual feita por Luckesi e Passos (2000), correlacionando-o à elucidação da

realidade. Escolhemos este olhar, pois está próximo do movimento que reúne o ato de

conhecer com as possibilidades de engajamento social, pois, conforme os respectivos

autores (2000, p. 32, grifo nosso): “o conhecimento que se transforma em consciên-

cia social é um instrumento básico na luta pela transformação”!

A palavra elucidar tem sua origem no latim. Ela é composta pelo pre-

fixo reforçativo “e” e pelo verbo “lucere”, que quer dizer “trazer à luz”.

Então, elucidar, do ponto de vista de sua origem vocabular, significa

“trazer a luz muito fortemente”, “iluminar com intensidade”. Desse

modo, conhecer, entendido como elucidar a realidade, quer dizer

uma forma de “ilumina” de “trazer à luz” a realidade. [...] A luz do

elucidar tem a ver com a incidência da “luz da inteligência” sobre a

realidade; tem a ver com inteligibilidade. O conhecimento, como elu-

cidação da realidade, é a forma de tornar a realidade inteligível, [...]

cristalina. É o meio pelo qual se descobre a essência das coisas que

se manifesta por meio de suas aparências. Assim sendo, enquanto a

realidade, por meio de suas manifestações aparentes, manifestar-

se ia como misteriosa, impenetrável, opaca, oferecendo resistências

ao seu desvendamento (desvendar/ des-vendar=tirar a venda) por

parte do ser humano, a elucidação seria a sua iluminação, a sua

compreensão, o seu desvelamento (desvelar/des-velar=tirar o véu).

(LUCKESI; PASSOS, 2000, p.15)

Todos nós estamos diante da realidade na qualidade de pessoas dotadas da

capacidade de elucidar. Cada um, conforme seus desejos, suas escolhas, criatividades,

afinidades etc., lançamos o olhar sobre o mundo e construímos quem somos também

no âmbito das relações. Desse modo, podemos dizer que somos seres cognoscentes

e participamos de processos nos quais tecemos relações, de modos variados, com a

realidade cognoscível. Aqui, já mencionamos para você elementos do processo do

conhecimento. Vejamos!

Os elementos do processo do conhecimento são: sujeito (cognoscente), objeto

(cognoscível), ato de conhecer e seu resultado. Aplicamos o termo cognoscente para

significar a disposição ao conhecimento, ou aquele que conhece. A expressão cognos-

cível corresponde à realidade que pode ser conhecida.

Figura 1 - Elementos do processo de conhecimento

Fonte: Elaboração própria

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Na qualidade de elemento do processo do conhecimento, sujeito cognoscente

é a pessoa que estabelece relação com a realidade a ser conhecida (objeto), buscando

criteriosamente as percepções e os entendimentos necessários a respeito dela, por-

tanto, organiza os saberes, conquista e exercita a habilidade de percepção, abstração,

inteligibilidade. O objeto cognoscível pode ser também o próprio ser humano, as re-

lações humanas em dada comunidade, um fenômeno físico/natural, um fenômeno

social etc. Portanto, o objeto não corresponde a uma coisa material no sentido que

comumente é atribuído ao termo objeto, mas a toda e qualquer realidade a ser conhe-

cida. A respeito do ato de conhecer e do resultado (também conhecido por produto),

são, respectivamente, o processo da relação entre sujeito e objeto e o conceito, con-

forme segue:

[...] O ato de conhecer é o processo de interação que o sujeito efetua

com o objeto, de tal forma que, por recursos variados, vai tentando

captar do objeto a sua lógica, a possibilidade de expressá-lo concei-

tualmente. Então, o sujeito interage com o objeto para descobrir-

lhe, teoricamente, a forma de ser. [...] o resultado do ato de conhecer

é o conceito produzido, o conhecimento propriamente dito, a expli-

cação ou a compreensão estabelecidas, que podem ser expostas ou

comunicadas. (LUCKESI; PASSOS, 2002, p.17)

Conforme os modos distintos de estabelecer relações com a realidade, con-

tamos com formas também distintas de conhecimento. De acordo com Araújo et al.

(2000), são três as maneiras básicas pelas quais o sujeito conhece o objeto Essas ma-

neiras se distinguem com relação as vias de acesso às propriedades do objeto, poden-

do ser pelos sentidos, pelo raciocínio ou pela crença.

Quando o sujeito cognoscente entra em contato com o objeto cognoscível me-

diante os sentidos, dizemos que esse é um tipo de conhecimento sensorial ou empí-

rico: “o universo dos objetos físicos é, pois, conhecido pela sensação de suas caracte-

rísticas. O sujeito cognoscente estabelece com eles uma relação física, apoderando-se

de suas propriedades sensíveis” (ARAUJO et al. 2000, p.32).

Além de entrar em contato com a realidade mediante as sensações, o ser huma-

no pode ir além da percepção sensorial, o ser humano é dotado do poder de abstra-

ção, bem como de associação/relação entre os dados percebidos, constituindo, assim,

o tipo de conhecimento lógico ou intelectual.

A combinação dos dados possibilita analisar, comparar, articular e

unir, gerando conceitos, definições e leis indispensáveis ao entendi-

mento (e consequente utilização) da realidade. É pelo raciocínio que

percebemos o conjunto dos objetos formais, tais como as figuras

geométricas, os números, a relação causa-efeito, a gravitação dos

corpos, etc. (ARAUJO et al., 2000, p.32)

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Dentre os modos de relação com a realidade, consta também aquela que não

pode ser mediada nem pela percepção sensorial, nem pelas associações racionais, pois

remetem a instâncias da realidade fundamentadas na fé, outro tipo de conhecimento,

a saber: o conhecimento de fé. Conforme Araújo et al. (2000, p. 34), “o conhecimento

de fé baseia-se, pois, na autoridade de terceiros. Constitui um voto de confiança no

que outros afirmam”. Corresponde não a observações, percepções ou associações en-

tre dados da realidade, mas está próximo às perspectivas de revelação mediada pela

fé.

Constam também outros olhares, igualmente válidos, a respeito dos tipos de

conhecimento, apontando, por exemplo, para o conhecimento do senso comum ou

popular, o conhecimento religioso, o conhecimento científico e o conhecimento filo-

sófico. Por motivos de elucidação didática, preferimos socializar com você a perspec-

tiva de conhecimento sensorial ou empírico, lógico ou intelectual e de fé. Deixamos o

convite para que pesquise outros olhares a respeito dos tipos de conhecimento, am-

pliando seus estudos e saberes, considerando, ainda, que, ao longo das nossas aulas,

você poderá compreender a respeito do conhecimento conforme o pensamento filo-

sófico, por exemplo, do empirismo e do racionalismo.

E a Filosofia? O que dizer do modo filosófico de lançar o olhar sobre a realidade?

Ou, como seria o processo do conhecimento para a pessoa que se porta na qualidade

de, por assim dizer, “sujeito” filosofante?! Você recorda que, durante nossa Aula 01, pro-

pomos que somos já pessoas filosofantes?! Convidamos você, mais uma vez, para que

encontre suas próprias respostas! Nesse sentido, oferecemos informações que subsi-

diarão essa iniciativa. Vamos, portanto, dialogar a respeito da atitude e da reflexão ou

sobre quais características fazem com que a atitude seja filosófica. E a reflexão? Para

atendermos esses subsídios necessários, utilizamos: perspectivas didáticas apresenta-

das por Chauí e fundamentos propostos por Saviani (1998).

A atitude filosófica apresenta duas características fundamentais: negativa e

positiva. É negativa porque nega ao que está posto sem que antes seja compreendi-

do, nega as afirmações gerais que são impostas para que sejam cegamente seguidas.

Portanto, querido(a) estudante, muitas vezes, já desempenhamos essa primeira carac-

terística da atitude filosófica em nosso cotidiano, pois somos pessoas dedicadas ao

conhecimento, pessoas que buscam ver para além do que está posto, para além dos

recursos de dominação social, pessoas que desejam e buscam realizar a autonomia, a

liberdade de pensar! Entretanto, não é apenas exercitando esse tipo de negação que

podemos dizer que nossa atitude é filosófica... É preciso, também, propor.

Além de negativa, no sentido já elucidado, a atitude filosófica é também posi-

tiva ou propositiva. Uma vez que não aceitamos determinados modos de significação

da realidade, precisamos propor nossos próprios modos de entendimento, criando

nossos conceitos e o fazemos quando assumimos posturas questionadoras. Mediante

a citação a seguir, você pode saber mais sobre as características negativa e positiva da

atitude filosófica e como, relacionadas, elas constituem a atitude crítica!

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A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, um

dizer não aos “pré-conceitos”, aos “pré-juízos”, aos fatos e às ideias

da experiência cotidiana, ao que “todo mundo diz e pensa”, ao es-

tabelecido [...]. A segunda característica da atitude filosófica é po-

sitiva, isto é, uma interrogação sobre o que são as coisas, as ideias,

os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos.

É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós, e

uma interrogação sobre como tudo isso é assim e não de outra ma-

neira. “O que é?”, “Por que é?”, “Como é?”. Essas são as indagações

fundamentais da atitude filosófica. A face negativa e a face positiva

da atitude filosófica constituem o que chamamos de atitude crítica.

[...] Em geral, julgamos que a palavra “crítica” significa ser do contra,

dizer que tudo vai mal, que tudo está errado, que tudo é feio ou desa-

gradável. Crítica é mau humor, coisa de gente chata ou pretensiosa

que acha que sabe mais que os outros. Mas não é isso que essa pa-

lavra quer dizer. A palavra “crítica” vem do grego e possui três sen-

tidos principais: 1) capacidade para julgar, discernir e decidir corre-

tamente; 2) exame racional de todas as coisas sem preconceito, sem

prejulgamento; 3) atividade de examinar e avaliar detalhadamente

uma ideia, um valor, um costume, um comportamento, uma obra

artística ou científica. (CHAUI, 2003, p.18)

Quanto à reflexão filosófica, temos também características específicas. Na

obra “Educação: do senso comum à consciência filosófica”, o pesquisador Dermeval Sa-

viani aponta e contextualiza alguns aspectos da reflexão filosófica. Compreende que

nem todo refletir é filosófico; para sê-lo, é preciso atender às características: radical,

rigorosa e de conjunto. Querido(a) estudante, importa compreender que esses termos

não se apresentam conforme comumente significados. Ser radical, neste caso, não sig-

nifica ter um posicionamento fixo, inflexível; ao contrário, remete à busca das raízes e

está em relação com os demais aspectos (rigor e conjunto). Muitos são os autores e

autoras que buscam dessa fonte ao discorrer sobre a reflexão filosófica. É um modo

sério e substancial, com linguagem clara, acessível e conteúdo pertinente às variadas

faces do viver.

Para saber mais sobre a reflexão filosófica (radical, rigorosa e de conjunto), por

gentileza, acompanhe a leitura do quadro que segue.

Trecho selecionado de “A reflexão filosófica”

Radical: a palavra latina radiz, radicis significa “raiz”, e no sentido figurado, “fundamento,

base”. Portanto, a filosofia é radical não no sentido corriqueiro de ser inflexível (nesse caso

seria a antifilosofia!), mas na medida em que busca explicitar os conceitos fundamentais

usados em todos os campos do pensar e do agir. Por exemplo, a filosofia das ciências

examina os pressupostos do saber científico, do mesmo modo que, diante da decisão de

um vereador em aprovar determinado projeto, a filosofia política investiga as “raízes” (os

princípios políticos) que orientam a ação.

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Rigorosa: enquanto a “filosofia de vida” não leva as conclusões até as últimas

consequências, nem sempre examinando os fundamentos delas, o filósofo deve dispor de

um método claramente explicitado a fim de proceder com rigor. É assim que os filósofos

inovam nos seus caminhos de reflexão, tal como o fizeram Platão, Descartes, Espinosa,

Kant, Hegel, Husserl, Wittgenstein. [...] São inúmeros os métodos filosóficos em que se

apóiam os filósofos para desenvolver um pensamento rigoroso, fundamentado a partir de

argumentação, coerente em suas diversas partes e, portanto, sistemático. Além disso, o

filósofo usa de linguagem rigorosa para evitar as ambiguidades das expressões cotidianas, o

que lhe permite discutir com outros filósofos a partir de conceitos claramente definidos. Por

isso o filósofo sempre “inventa conceitos”, criando expressões novas ou alterando o sentido

de palavras usuais. Aliás, quanto souberam fazer isso os gregos no nascimento da filosofia!

De conjunto: a filosofia é globalizante, porque examina os problemas sob a perspectiva de

conjunto, relacionando os diversos aspectos entre si. Nesse sentido, a filosofia visa ao todo,

à totalidade. Mais ainda, o objeto da filosofia é tudo, porque nada escapa a seu interesse.

Daí sua função de interdisciplinaridade [bem como sua importância frente às mais diversas

áreas de formação], ao estabelecer o elo entre as diversas formas de saber e agir humanos.

Fonte: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 3. ed. São

Paulo: Moderna, 2003, p. 89-90.

Foi com atenção racional à busca das raízes, de modo criterioso e de conjunto

que os primeiros pensadores começaram a busca pelo conhecimento a respeito do

princípio de todas as coisas, conforme você estudou em aulas anteriores. Agora, va-

mos juntos, nesse momento, entender um pouco mais sobre a continuidade dessa

trajetória, recordando a transição da perspectiva cosmogônica para a cosmológica.

Vamos seguir nosso passeio lançando o olhar sobre os Sofistas!

Por seu significado etimológico, a palavra sofista significa “sábio”.. Mas, em que

consiste essa sabedoria? Se recordarmos as aulas anteriores, iremos perceber que, em

dados momentos históricos-sócio-espaciais, houve transformações profundas sobre a

forma pela qual o indivíduo compreendia a realidade: primeiro, com as representações

mitológicas (cosmogonia); depois, com os Jônios (cosmologia, tentativa de encontrar

o arché, substância primordial) e, agora, os sofistas. Qual seria a sua proposta?

Os sofistas voltaram seus olhares não mais para os deuses, nem para as substân-

cias primordiais, mas sim e, sobretudo, para o próprio indivíduo. Acreditavam eles que

as respostas não mais estariam fora do ser humano, mas o contrário. O interesse pelo

ser humano e suas relações políticas na sociedade caracterizam o sofista.

Mas, quem eram essas pessoas? A quem eram destinadas suas aulas?

Os sofistas eram professores itinerantes, vendiam seus conhecimentos às pes-

soas que estivessem dispostas a pagar. Eles contribuíram de modo significativo para

o desenvolvimento do poder argumentativo, pois os conteúdos de suas aulas corres-

pondiam essencialmente ao desenvolvimento da argumentação e habilidade retórica.

Entretanto, foram duramente criticados por pensadores, tais como Sócrates e Platão.

Por quais motivos foram os sofistas alvos de críticas severas?

Os sofistas não apresentavam o compromisso com a busca pelo conhecimento

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verdadeiro, visto que os conhecimentos dos sofistas são relativistas e despreocupados

com a verdade (aletheia). Sabemos que os modos contemporâneos de conhecimento

apontam para os caminhos de que não há uma verdade única e absoluta, uma vez que

os saberes são circunstanciados. Portanto, o (conhecimento) é construído mediante as

relações que tecemos com o mundo em sua complexidade, frente ao momento histó-

rico e à diversidade de condicionantes sociais existentes. Entretanto, o relativismo dos

sofistas, conforme o olhar socrático, corresponde à ausência de compromisso com o

saber genuíno, associando a prática sofista a interesses imediatizados e não aos ca-

minhos que oportunizassem a autonomia do pensar e a conquista do conhecimento

verdadeiro.

Os sofistas ensinavam aos seus discípulos que não pode haver co-

nhecimento verdadeiro, mas só um conhecimento provável, por

causa de sua origem sensível, e que não existe uma lei moral ab-

soluta, mas somente leis convencionais. O fim supremo da vida é o

prazer: esta é a única meta apropriada à dimensão rigorosamente

empírica do conhecimento. (MONDIN, 2003, p. 40)

A seguir, estão dispostos os quadros de Protágoras e Górgias, dois dos princi-

pais sofistas e suas contribuições mais expressivas ao pensamento filosófico grego.

http://4.bp.blogspot.com/-fFbWrjVzJao/Tc5sBUi7p4I/

AAAAAAAAAFQ/7MSFGJbnWEA/s1600/protagoras.png

Protágoras, nascido em Abdera

na década entre 491 e 481 a.

C., morreu por volta do fim do

século V.

Criador do axioma “O Homem

é a medida de todas as coisas,

daquelas que são por aquilo que

são e daquelas que não são por

aquilo que não são” (princípio

do homo mensura). (REALE;

ANTISERI, 2003, p. 76)

http://www.anistor.gr/english/enback/e024.

htm

Górgias, nascido em Leôncio na Sicília

aproximadamente em 487-380 a. C.,

considerado um dos grandes oradores

da Grécia, aprofundou o subjetivismo

relativista de Protágoras a ponto de

defender o ceticismo absoluto e afirmava

que:

a) Nada existia;

b) Se existisse, não poderia ser conhecido;

c) Mesmo que fosse conhecido, não

poderia ser comunicado a ninguém.

(COTRIN, 2006, p. 85)

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Seguindo em nosso passeio pela Filosofia Antiga, chegamos a Sócrates, um

marco do pensamento filosófico ocidental. Ainda hoje, seus ensinamentos constituem

pauta de fervorosos debates, tanto em centros acadêmicos, quanto à mesa de um bar,

haja vista a atualidade de seus ensinamentos.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/84/UWASocrates_gobeirne.jpg

Sócrates nasceu na cidade de Atenas (469-399 a. C.), filho de um escultor (So-

fronisco) e uma parteira (Fenareta), simples e modesto quanto aos recursos financei-

ros, fora convocado a participar de várias campanhas militares, destacando-se por sua

coragem e heroísmo. Contudo, o fato mais marcante de sua vida deu-se quando, em

visita ao oráculo de Delfos, Sócrates foi considerado como o homem mais sábio entre

seus concidadãos. Sócrates, então, se pôs a refletir e verificou que sua sabedoria reside

em reconhecer a impossibilidade de se conhecer tudo e que há muito a ser desvelado

pelo homem ao longo de sua vida.

O estilo de Sócrates assemelhava-se, exteriormente, aos dos sofistas,

embora não “vendesse” seus conhecimentos. Desenvolvia o saber

filosófico em praças publicas, conversando com os jovens, sempre

dando demonstrações de que era preciso unir a vida concreta ao

pensamento. Unir o saber ao fazer, a consciência intelectual à cons-

ciência pratica ou moral.

Tanto quanto os sofistas, Sócrates abandonou a preocupação dos

filósofos pré-socráticos em explicar a natureza e se concentrou na

problemática do homem. No entanto, contrariamente aos sofistas,

Sócrates opunha-se, por exemplo, ao relativismo em relação à ques-

tão da moralidade e ao uso da retórica para atingir interesses parti-

culares. (COTRIN, 2006, p. 86)

A Maiêutica e a Ironia foram constitutivos do seu método de investigação fi-

losófica. O método socrático, dialético, consistiu na realização constante de perguntas

ao interlocutor, a tal ponto que se reconhece que o saber tido como absoluto não

passa de uma compreensão, ou pseudo saber. Logo, o sujeito põe-se ao exercício da

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reflexão de novas perspectivas e desenvolvimentos, nascendo, assim, ideias originais.

A parturição de ideias consiste essencialmente no esvaziamento e reconhecimento de

que o que se sabe é apenas uma dentre tantas outras infinitas ideias. Reconhecendo-

se que não se sabe tudo, o indivíduo tem a possibilidade de abertura ao novo.

A ironia é a característica peculiar da dialética socrática, não apenas

do ponto de vista formal, mas também do ponto de vista substan-

cial. Em geral, ironia significa ‘simulação’. Em nosso caso específico,

indica o jogo brincalhão, múltiplo e variado das ficções e dos es-

tratagemas realizados por Sócrates para levar o interlocutor a dar

conta de si mesmo. [...] A ‘refutação’ (élenchos), em certo sentido,

constituía a pars destruens do método, ou seja, o momento em que

Sócrates lavava o interlocutor a reconhecer a sua própria ignorân-

cia. (REALE; ANTISSERI, 2003, p. 97-98)

No quadro a seguir, você pode conhecer um pouco mais sobre o método socrá-

tico e, tecendo as relações com a contemporaneidade, poderá perceber a atualidade

dessa proposta, uma vez que convida a elaboração das próprias ideias e conceitos

frente à realidade.

Trechos selecionados sobre o método socrático

Trecho de “Teoria do conhecimento na Antiguidade”

O método socrático, que é um método indutivo, envolve duas fases. A primeira, chamada

ironia, consiste em fazer perguntas ao interlocutor que o obriguem a justificar, sempre com

maior profundidade, seu ponto de vista, até que ele perceba que tipo de falha ou equívoco

pode estar contido em seus argumentos. Essa é a fase destrutiva, pois leva as pessoas a

admitirem a própria ignorância a respeito de um assunto. São destruídas as opiniões [...]

do conhecimento espontâneo, muitas vezes baseados em estereótipos e preconceitos. A

segunda parte, chamada maiêutica (parto), é a construção de novos conceitos baseados em

argumentação racional. Assim, Sócrates, com suas perguntas, aniquila o saber constituído

para, depois, ainda através de perguntas e da contraposição de ideias, reconstruí-lo a partir

de uma base mais sólida e de um raciocínio coerente e rigoroso.

Fonte: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. 2. ed. São Paulo:

Moderna, 2000. p. 84.

Trecho de “Ironia e Maiêutica de Sócrates”

A ironia socrática era, antes de tudo, o método de perguntar sobre uma coisa em discussão,

de delimitar um conceito e, contradizendo-o, refutá-lo. O verbo que originou a palavra

(eirein) significa mesmo perguntar. Logo, não era para constranger o seu interlocutor,

mas antes para purificar seu pensamento, desfazendo ilusões. Não tinha o intuito de

ridicularizar, mas de fazer irromper da aporia (isto é, do impasse sobre o conceito de alguma

coisa) o entendimento.

Porém, sair do estado aporético exigia que o interlocutor abandonasse os seus pré-

conceitos e a relatividade das opiniões alheias que coordenavam um modo de ver e agir e

passasse a pensar, a refletir por si mesmo. Esse exercício era o que ficou conhecido como

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maiêutica, que significa a arte de parturejar. [...] Significa que ele, Sócrates, não tinha saber

algum, apenas sabia perguntar mostrando as contradições de seus interlocutores, levando-

os a produzirem um juízo segundo uma reflexão e não mais a tradição, os costumes, as

opiniões alheias, etc. E quando o juízo era exprimido, cabia a Sócrates somente verificar se

era um belo discurso ou se se tratava de uma ideia que deveria ser abortada (discurso falso,

errôneo).

Assim, ironia e maiêutica, constituíam, por excelência, as principais formas de atuação do

método dialético de Sócrates, desfazendo equívocos e deslindando nuances que permitiam

a introspecção e a reflexão interna, proporcionando a criação de juízos cada vez mais

fundamentados no lógos ou razão.

Fonte: CABRAL, João Francisco P. Ironia e Maiêutica de Sócrates. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/filoso-

fia/ironia-maieutica-socrates.htm>. Acesso em: 21 out.2012.

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mono_pensador.jpg

Para refletirmoS um Pouco!

conSiderando o exPoSto neSta aula, como você comPreende a PoStura filoSófico-reflexiva doS So-fiStaS e de SócrateS?

Platão e Aristóteles são outros dois importantes pensadores do período antigo

grego. O primeiro foi discípulo de Sócrates e desenvolveu uma filosofia dualística, se-

parando a realidade em dois mundos: o sensível e o inteligível.

Aristóteles foi discípulo de Platão, mas, com o passar dos tempos, o aluno diver-

ge das ideias do seu mestre e rompe com seus ensinamentos, passando a desenvolver

uma filosofia fundada na lógica. Ele acreditava que, a partir da existência do ser, se

pode alcançar a essência da realidade.

Segue quadro demonstrativo evidenciando seus principais posicionamentos

filosóficos

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Quadro 1 - Principais contribuições platônicas e aristotélicas

PLATãO

Nasceu em Atenas

(427-347 a. C.)

Teoria do Conhecimento Ética Política

Única forma de alcançar o

conhecimento, superação

da opinião (Filodoxia),

para o amor a sabedoria

(Filosofia)

Orientação ao desprezo

dos prazeres mundanos,

o importante é alcançar a

esfera inteligível

Acredita que o Estado

que quer viver bem

procura realizar a Justiça

e a Verdade

ARISTóTELES

Nasceu em Estagira

(384-322 a. C.)

Teoria do Conhecimento Ética Política

Relação Ato - Potência;

Quatro causas:

Material;

Formal;

Eficiente;

Final

Acredita que, para o homem

ser feliz, deve viver de acordo

com sua essência, isto é, de

acordo com a sua razão, a

sua consciência reflexiva

O Estado é uma criação

da natureza e que o

homem é, por natureza,

um animal político

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/80/Aristotle_1.jpg

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Platon-2.jpg

Sócrates, Platão e Aristóteles são três importantes representantes do pensa-

mento filosófico ocidental. Suas ideias e teorias transformaram e direcionaram o ca-

minhar da Humanidade ao longo de uma trajetória tempo-espacial. Eles, inquietos

diante das diversidades apresentadas pela estrutura social, política e filosófica de sua

época, passaram a questionar a realidade, cada um ao seu modo de observar e inter-

pretar.

A nós, fica a herança de, a partir dessas concepções filosóficas, adotarmos uma

postura crítica e reflexiva diante da realidade contemporânea. Nisso consiste o desafio

no qual e pelo qual, frente a uma sociedade pasteurizada e homogênea, buscamos ser

diferentes, nem melhor nem pior, apenas diferentes, perturbadores da “ordem”.

SínteSe

Durante esta aula, dialogamos sobre o conhecimento na qualidade de elucida-

ção da realidade, explicitando os elementos do processo do conhecimento e comen-

tando alguns dentre os modos de conhecer, com dedicação às características da atitu-

de e da reflexão filosóficas. Foram propostas reflexões sobre a importância da postura

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autônoma frente à compreensão da realidade, sabendo que o conhecimento é uma

necessária via de acesso à transformação social... como ocorreu no mundo grego an-

tigo (contexto no qual estudamos sobre sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles), como

vem ocorrendo ao longo da nossa trajetória, como esperamos que continue a ocorrer

a cada instante que a experiência da perplexidade lance seus convites.

queStõeS Para reflexão

1) Sócrates afirma: “Quanto mais sei, mais sei que nada sei”. De que forma você

compreende essa máxima? Quais relações são possíveis entre a referida máxima so-

crática e o conhecimento tanto em suas perspectivas conceituais quanto com relação

a seus elementos?

2) Segundo Protágoras, o Homem é a medida de todas as coisas. Como você

interpreta essa frase na atualidade social?

leituraS indicadaS

HELFERICH, Christoph. História da Filosofia. São Paulo: Imfe, 2006.

NICOLA, Ubaldo. Antologia Ilustrada da Filosofia das origens à idade média. São

Paulo: Globo, 2005.

SiteS indicadoS

http://www.consciencia.org/

http://www.filosofia.org.br/

referênciaS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 3. ed.

São Paulo: Moderna, 2003.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. 2. ed. São Paulo: Mo-

derna, 2000.

ARAUJO, Silvia Maria de et al. Pra Filosofar. 4. ed. São Paulo: Scipione, 2003.

CHAUI, Marilena. Convite a Filosofia. 13. ed. São Paulo: ática, 2003.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2006.

LUCKESI, Cipriano Carlos; PASSOS, Elizete Silva. Introdução à Filosofia: aprender a pensar. 4. ed. São

Paulo: Cortez, 2002.

MONDIN, Batista. Curso de Filosofia. São Paulo: Paulus, 2003 (v.1).

REALE, Giovanni; ANTISSERI, DARIO. História da Filosofia. v. 1. São Paulo: Paulus, 2003.

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auLa 04 - DiaLoganDo com os tEmas: Ética E moraL

Autores: Naurelice Maia de Melo e Ueliton Lemos dos Santos

“O homem é sempre homem enquanto existe como verbo ser aberto

para a liberdade”. (KUTSCHERAUER, 2003, p. 59)

Caro(a) aluno(a), bem-vindo(a)!

Esta aula tem por objetivo a consolidação e aplicação dos conhecimentos referentes à temática Ética e Moral. Com ela, você terá a oportunidade de exercitar a postura reflexiva, crítica, criativa e, sobretudo, autônoma, uma vez que diálogos serão propostos ao longo das linhas, parágrafos e páginas desta aula.

Assim, boa leitura e excelentes aprendizados!

A proposta desta aula consiste em desvendarmos os mistérios e contradições

acerca da problemática existente entre os termos Ética e Moral. De certo que, por vá-

rias vezes, ao decurso de nossa existência, ouvimos e até afirmamos que são palavras

com mesmo sentido e significado, ou mesmo, quando não afirmamos erroneamente

que a moral é amplamente superior à ética e esta, por sua vez, é descaracterizada e

menosprezada frente à realidade constituída.

Essas são apenas algumas dentre outras inquietações que nortearão nosso dia-

logo.

Mas, o que é a Ética e o que é a Moral, finalmente?

Figura 1 - Ética e Moral

Fonte: Adaptado em imagem http://www.sxc.hu/photo/1083011

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O estudo etimológico (origem das palavras) dos termos consiste em um bom

ponto de partida para o entendimento do que é proposto. Dessa forma, Ética é uma

palavra de origem grega Éthos, que, segundo Abbagnano (2000), é a ciência da con-

duta humana, que estuda a finalidade e os meios de realização desse modo de ser

pessoa. A ética, tornando-se examinadora da moral, teoriza acerca das condutas, estu-

dando as concepções que dão suporte à moral.

A moral, por sua vez, é de origem latina, Mos-mores, representa a forma de valo-

res que direcionam o bem viver na sociedade. Poder-se-ia dizer que a moral normatiza

e direciona a prática das pessoas, por referir-se às situações particulares e quotidianas,

não chegando à superação desse nível.

São, pois, dois caminhos diferentes que resultam em status também distintos; o

primeiro, de ciência (ética), e o segundo, de objeto (moral).

Segundo Vasquez (1980), o Ser moral não significa receber passivamente as re-

gras do grupo, mas aceitá-las ou recusá-las livre e conscientemente.

A finalidade da moral consiste na forma como regula o comportamento:

Individual – relacionado ao modo de ser, pensar e agir individual. �

Social – A comunidade dita as normas e elas são seguidas. �

Quanto à formação da consciência moral, têm-se quatro momentos a serem

observados, segundo Araujo (1996):

Anomia, palavra de origem grega, “ � a” = negação, ausência, + nomos, lei = sem lei.

Heteronomia, � do grego héteros, “outros” + nomos, “lei” = lei estabelecida ou imposta

por outrem.

Socionomia � do latim socius, companheiro, colega, e do grego nomos, lei = lei interio-

rizada pelo indivíduo.

Autonomia � , do grego autós, “próprio” + nomos, “lei” = lei própria.

Esses momentos evidenciam comportamentos da pessoa no exercício das re-

lações sociais.

Anomia � - É a etapa do comportamento puramente instintivo, que se orienta apenas

pelo prazer e pela dor, mais presente nas crianças.

Heteronomia � - Ocorre quando se obedece às ordens para receber a recompensa ou

para evitar o castigo. Entre adultos, é o caso do motorista que observa as leis do trânsito

só para não ser multado.

S � ocionomia - Os critérios morais vão se afirmando por meio de suas relações com ou-

tras pessoas, as ações realizadas pelo indivíduo ensejam a aprovação ou simplesmente

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evitam a censura dos outros. Entre adultos, é o caso do motorista que dirige preocupado

consigo mesmo e, sobretudo, com o que os outros pensam dele.

Autonomia � - Nesse momento, a pessoa interiorizou as normas morais e passa a com-

portar-se de acordo com elas. É a etapa mais elevada do comportamento moral. É o caso

do motorista que, na direção do automóvel, orienta-se pelas leis do trânsito e por seus

próprios princípios internos de conduta.

Nesse momento, suponho que se faz necessário refletirmos um pouco sobre esses

momentos, observando, sobretudo nossas ações diárias frente à realidade social. Como

estou conduzindo minha vida? Minhas ações são verdadeiramente efetivas?

Vamos juntos dialogar e aprofundar essas reflexões!!!

As discussões relativas à ética datam desde os primeiros momentos da forma-

ção social, na qual e pela qual as relações entre os pares careciam de um princípio

norteador. A ética possui o escopo (finalidade) na dissolução dos conflitos oriundos

do exercício da liberdade indiscriminada, vejamos o posicionamento de Aristóteles

evidenciado por Pegoraro (1995).

Aristóteles situa o conflito na estrutura ontológica do ser humano,

na matéria e na forma, na composição da alma e do corpo. Esta

componente metafisica é a raiz da oposição entre sensibilidade e

razão, paixão e inteligência, sabedoria e prática e desejo. A ética

aristotélica propõe a superação do conflito pela prática das virtu-

des morais que, aos poucos subordinam a paixão à razão. Quando

isto acontece, o homem torna-se senhor de si mesmo. (PEGORARO,

1995, p. 12)

Por outro lado, Platão considera que a conduta humana deve estabelecer uma

relação necessária entre o bem ético e o bem absoluto, mais uma vez a dualidade

existencial que se reflete na realidade a partir das relações estabelecidas, o indivíduo

conduz sua existência, almejando o mundo suprassensível, perfeito e ordenado.

Então, o primeiro entendimento acerca dessas poucas palavras reside em que a

ética é o meio de superação dos litígios inerentes ao ser humano e à sociedade, dimen-

sionando o agir individual e coletivo na construção de uma existência justa e feliz.

Observe que, no primeiro entendimento, a ética não se condiciona, não está

subjugada a nenhuma forma a não ser àquela proveniente do próprio indivíduo. Isso

já nos indica um caminho! Como despertar essa consciência para uma ética individual

que reflita na coletividade de forma equitativa?

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Diversas foram e são as contribuições dos filósofos e pensadores ao longo do

percurso da história da humanidade. Essas repousam, inicialmente, na discussão entre

o ser e o dever ser, o problema da autenticidade e essencialidade frente à forma e ao

conteúdo.

A alternativa encontrada como meio de superação a essa dualidade existencial

consiste na possibilidade do vir a ser. Aqui o indivíduo tem a oportunidade de realiza-

ção. Contudo, são necessárias algumas ações no sentido do despertar da consciência.

Consciência de si � : movimento de reflexão, olhar sobre si mesmo.

Consciência do outro � : movimento de atenção, olhar para a realidade que o confron-

ta.

O despertar dessas consciências fomenta no indivíduo um olhar crítico, reflexi-

vo e criativo frente à sociedade conjuntural, transcendendo qualquer tipo ou forma de

controle social estabelecido, o vir a ser é o projeto essencial de realização da pessoa,

é processo de construção contínuo do indivíduo fundado na compreensão de si e na

apreensão e cuidado com o outro.

CONSCIÊNCIA DE SI + CONSCIÊNCIA DO OUTRO =

CONSCIÊNCIA CRÍTICA

O exercício ético é a realização do vir a ser em todas as suas potencialidades.

Por um ato de vontade, o indivíduo exercita a liberdade e garante a dignidade, uma

simples equação pessoal.

Vamos, novamente, realizar um exercício reflexivo: quanto, de um tempo de

24h, reservamos para refletirmos sobre a nossa condição humana? Observando nos-

sas ações, nossos sentimentos e sentido que damos à vida, será esse tempo suficiente?

Devo considerar que não estamos nos referindo aos momentos em que assistimos a

novelas, filmes, tampouco em que navega nos sites de relacionamentos etc. e, muito

menos ainda, àquele tempinho que antecede o dormir cheio de sono e cansaço após o

dia de trabalho, mas, a um momento específico, reservado por cada um de nós, sobre

cada um de nós mesmos. Essa atividade evidencia a importância que aferimos a nós

próprios no resgate ou fortalecimento da dignidade.

VONTADE + LIBERDADE = DIGNIDADE

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A moral está inserida nesse devir (vir a ser) existencial/social. Ela constitui o con-

junto de normas e valores estabelecidos e aceitos por todos em uma comunidade. As

suas principais características são:

Temporalidade � - Os conjuntos de normas e valores sociais estabelecidos estão sus-

ceptíveis a mudanças com o passar dos tempos.

Cultura � - As diversas culturas constituídas elaboram suas normas sociais próprias, ha-

vendo ou não a possibilidades de semelhanças entre culturas.

Social � - As sociedades desenvolvem suas normas e seus valores com o escopo na or-

dem social para a busca da felicidade e justiça.

Está com algumas dúvidas?

Fonte: UNIFACS

Vamos, juntos, entender melhor essas características!!!

Por temporalidade, compreendemos que é a própria passagem do tempo, e

como tal, as coisas relativas a ele estão sujeitas às mudanças. Por exemplo, os valores

morais recebidos por mim quando criança pelos meus pais são bem específicos, para

não dizer rígidos, tradicionais. Por outro lado, é comum observarmos, atualmente, que

as crianças recebem valores morais de seus genitores de uma forma mais flexível e

sem tantos controles, algo típico de uma realidade maleável e flexível. Devo salientar o

cuidado de se emitir algum tipo de juízo de valor. Não devo, sob o risco de estar erra-

do, afirmar que antes era melhor do que hoje, ou seu inverso. Os contextos valorativos

temporais precisam ser observados no seu tempo determinado.

Por cultura, observa-se a premissa de ser toda a produção humana. Assim como

os homens são diferentes, da mesma forma/maneira o são suas culturas, mais uma vez

ressaltando-se o cuidado no juízo em atribuir valor comparativo sobre culturas, como

afirmar que uma é melhor ou pior que outras, quando, em verdade, são apenas dife-

rentes. Por exemplo, a cultura desenvolvida pelo homem do campo no contato com

a natureza em todas as potencialidades não é nem melhor nem pior que a cultura do

homem acadêmico, cientista. Essas culturas são apenas distintas e, às vezes, comple-

mentares.

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Fonte: UNIFACS

Por social, as sociedades de uma forma geral são constituídas por pessoas, que,

em sua própria natureza, são distintas. Assim, a cultura produzida pelas relações esta-

belecidas também o são. Por exemplo, os valores morais típicos de uma cidade capital

são bem distintos de uma cidade do interior do estado, porém, em hipótese alguma,

inferiores.

Essas características dialogam entre si. Observe algumas variações a fim de

torná-las mais entendíveis: é possível termos sociedade em um mesmo período com

valores culturais distintos. A sociedade brasileira e a sociedade norte-americana são,

por exemplo, duas constituições sociais devidamente estabelecidas e participantes

do mesmo tempo (hoje), porém com distinções morais claras e evidentes. Os estados

brasileiros em uma escala menor também são um bom exemplo: a relação entre os

estados da região nordeste e os estados da região do sul, todos pertencentes a uma

única unidade federativa, regidos pela mesma Constituição Federal, mas com claras

distinções morais, nem melhores nem piores, apenas diferentes.

Um dos grandes desafios que nos são impostos atualmente consiste exatamen-

te na aceitação da diferença, do outro que me é estranho. Isso caracteriza um proble-

ma ético-moral, sobretudo pela falta de compreensão que o indivíduo tem sobre si,

quiçá dos demais, fruto de relações cada vez mais efêmeras e sem sentido. Estamos

criando uma nova cultura, a cultura dos sem sentido, fundada na ausência de valores

morais e, principalmente, dos princípios éticos.

Esse é o momento de pararmos e refletirmos sobre a forma como conduzimos

nossas vidas: qual é o sentido do meu e do seu existir enquanto pessoa relacional

potencial? Autores como Leonardo Boff e Hugo Kutscherauer contribuem, significati-

vamente, para elucidação dessa questão. Vejamos o que o primeiro nos diz.

Como construir uma plataforma comum sobre a qual todos pos-

samos nos assentar e nos entender? Para viver como humanos, os

homens e mulheres precisam criar certos consensos, coordenar cer-

tas ações, coibir certas práticas e elaborar expectativas e projetos

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coletivos. Sempre houve tal fato desde os primórdios da construção

das comunidades humanas. Surge, então, a questão da validade de

uma referência ética e moral comum que possa congregar a todos.

Qual base para essa referencia comum?

Hoje as relações são extremamente complexas. Postula-se uma re-

ferencia de totalidade dos seres humanos, habitantes do mesmo

planeta, que agora se descobrem como espécie, interdependentes,

vivendo numa mesma casa e com um destino comum. Se não cria-

rem um acordo quanto a exigências éticas e morais mínimas, como

poderão coexistir pacificamente, preservar o lar comum e garantir

um futuro para todos. (BOFF, 2003, p. 27)

Esse é um chamamento à tomada de consciência frente à responsabilidade que

nos é imposta através das ações que realizamos. Somos todos nós responsáveis para

além de nossas intenções e efeitos, não nos é dada à oportunidade de declinar diante

de uma consequência negativa de um ato feito. Nossa responsabilidade deve repousar

essencialmente nos princípios éticos, que consistem em responder por tudo, mesmo

quando essas consequências tenham extrapolado qualquer planejamento inicial.

O problema, ou melhor, a dificuldade reside aí também. Infelizmente, é bastan-

te comum ouvirmos afirmações do tipo: “Sobre essas consequências não tenho res-

ponsabilidade, visto que transcenderam o projeto inicial. Como não foram previstas,

não posso responder”. Isso é um erro!!! Urge que tenhamos ações melhor planejadas,

a fim de que sejam reduzidos seus efeitos e que, assim, os excessos sejam estancados

pelo exercício da responsabilidade.

Fonte: UNIFACS

De outra forma só nos restaria representar a Ética como uma lata de lixo, sobre-

tudo quando nossas ações são desprovidas de atenção e cuidados para com o outro.

O filosofo H. Kutscherauer corrobora com essa afirmação dizendo:

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O homem que procure a perfeição pela vocação de serviço ao outro

e ao mundo, não só será ético senão que também, em função do

outro (verdadeira transcendência de si) esquecerá o que está procu-

rando; é a vantagem de qualquer virtude negativa: não ser, sendo

aqui ser é tomado como verbo e não como substantivo. (KUTSCHE-

RAUER, 2003, p. 38)

A ética compreendida, dessa forma, resume-se aos princípios de preservação à

dignidade da pessoa humana, ou à preservação da vida em todas as suas expressões.

Assim, em qualquer que seja o período histórico, sociedade ou cultura, as ações hu-

manas fundadas na observância desses princípios serão éticas. Dessa forma, a ética é

atemporal e universal.

A grande inquietação acerca desse entendimento é que, cada vez mais, consta-

tamos o inverso desses princípios. Somos condicionados por uma educação finalista

a buscar sempre a autorrealização sob qualquer justificativa, sendo esse o equívoco

identificado na atualidade.

Não é errado almejar uma vida confortável e provida de bens materiais, o pro-

blema é quando só se busca isso, e de todas as formas, muitas vezes, inclusive, so-

brepondo-se a outras pessoas e utilizando-as como meio e não como um fim em si

mesmo.

Fonte: UNIFACS

A ética pressupõe, em sua essencialidade, o exercício da liberdade na conquista

da dignidade pessoal. Porém, como ser livre se, em um convívio social estabelecido, se

faz imprescindível a limitação do indivíduo perante o outro?

Nossas relações sociais nos constituem na mesma medida e proporção que li-

mita nossa liberdade individual. Esse é um relevante paradoxo existencial. Como você,

na qualidade de estudante, concebe suas relações? E de que forma você exercita sua

liberdade diante da realidade conjuntural? Essas são questões fundamentais para a

conquista da essencialidade do ser pessoa, cuja constituição é pautada em princípios

éticos e na observância dos preceitos morais.

Querido(a) aluno(a), em tempos passados, essa pergunta fundamental nos ator-

mentaria, visto a sua dificuldade no encontro de uma resposta coerente e que satisfa-

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ça suficientemente. Aceitar as limitações como nos são impostas seria o mesmo que

domesticar as pessoas como fazemos aos animais de uma forma geral. Por outro lado,

ir de encontro a essas limitações, por sua vez, é o mesmo que sugerir o estabelecimen-

to da anarquia conjuntural, e o resultado consistiria em uma possível aniquilação da

espécie, uma vez que todos fariam o que bem quisessem na satisfação de seus desejos

individuais. Então, o que fazer diante desse paradoxo? Como proceder?

A resposta não seria outra, senão o despertar do próprio indivíduo enquanto

ser, verbo, e não substantivo, como habitualmente vemos e vivemos na realidade. Para

Kutscherauer (2003), o ser substantivo pode-se comprar em prateleiras de ofertas de

mercado, o verbo não, visto que verbo necessita do sujeito para conjugá-lo.

Quando o homem se entrega a seu sentir-se (e sem medo de amar-

se), descobre sua relação com os valores do vir-a-ser-humano: o

sujeito da ética é o homem. O homem é protagonista consciente

de seu caminhar (ou de seu voar, tanto faz); pode ser protagonista

trágico ou cômico, pode ter o equilíbrio entre apolíneo e o dionisía-

co, podendo, por momentos, predominar ou um ou outro, etc. [...]

(KUTSCHERAUER, 2003, p. 57)

O ser sendo se dá pela conjugação do verbo frente às diversas manifestações

existenciais fenomênicas. Assim, a ética é a exteriorização objetiva do íntimo do indi-

víduo consciente e livre.

A Liberdade é um pulsar que ama continuar pulsando: somente um

ser vivo pode um dia vir-a-ser livre. A Liberdade é um dom exclusi-

vo do que é vivo e se reconhece como tal; e esse reconhecimento

se expande, se integra e unifica na diversidade, pela vida do outro

e do mundo. A Ética do ser hominal não apresenta o mundo pela

fragmentação: ela convoca o ser (verbo) de cada um ao alcance da

sua Liberdade própria. E essa Liberdade não nos é ofertada como

consolo futuro. Na abertura ética para a Liberdade, a própria Liber-

dade é a condição de possibilidade para a instauração da Liberdade

participativa.

A ética, então, sendo essa abertura para a liberdade, se torna cami-

nho da essencialização do ser (verbo) do homem, no homem e pelo

homem vivente (presente): a Ética é o caminho da realização de uma

comunidade humana fundada na participação afetiva e efetiva.

O homem tem uma ética quando é um homem livre. (KUTSCHE-

RAUER, 2003, p. 77)

Após essas passagens, nos questionamos novamente acerca da moral: como

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esta se insere no contexto social? É sabido, e percebido por todos, o seu papel nor-

mativo, inclusive, deve-se considerar como de grande relevância, mas, em hipótese

alguma, como um meio de supressão das identidades humanas.

A moral, como a conhecemos hoje, reside exclusivamente no dever ser, norma-

tizando e condicionando comportamentos socioculturais nas mais diversas modalida-

des de manifestação, nos aspectos político, religioso, pessoal, familiar, laboral etc. O

desafio proposto atualmente consiste na transmutação ótica.É preciso lançar um novo

olhar, olhar diferente frente a essa realidade, um olhar emancipatório capaz de fomen-

tar no indivíduo estados consistentes de consciência, possibilitando-o à construção

contínua de sua identidade.

Essa é uma possibilidade de superação dos processos de dominação social. Para

tanto, requere-se do indivíduo apenas o desejo, a vontade de saída da zona de confor-

to estabelecida, que, para alguns, representa uma gaiola bonita, segura e confortável,

enquanto que, para outros, embora com todas essas benesses, não passa de gaiola,

instrumento de limitação das potencialidades individuais humanas.

Fonte: UNIFACS

A moral reformulada de mil formas enfatiza um “dever ser” e impul-

siona a fugir ou, o que é pior, a ignorar o ser. Conformar um dever ser

compulsoriamente, desconhecendo o próprio ser (ser, aqui é tratado

como verbo e não aceito como substantivo), asfixiando sua potente

expressão, é fonte de angustia e desequilíbrios. O dever ser da moral

tem como parâmetro a uniformidade do comportamento, seja qual

for a sua intencionalidade. Essa desgraçada circunstancia degrada

qualquer expressão comportamental da universalidade de ser; ou

melhor, inibe-o até degradá-lo perdendo a sua auto-identificação.

(KUTSCHERAUER, 2003, p. 77)

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A uniformidade identitária acentua-se extraordinariamente quando veículos de

comunicação de massa determinam comportamentos, modos de ser e agir, determi-

nam, inclusive, nosso pensar. Não somos mais criados! De certo que estamos em uma

linha de produção, produzimos coisas, “humanoides”, pseudo-humanos, reprodutores

de comportamentos previamente estabelecidos.

Ser humano é ser autônomo! Estamos deveras distante do ideal originário?! (Para reflexão)

Fonte: UNIFACS

Ser autônomo! Como? De que forma/maneira?!

Até que ponto o que pensamos no íntimo de nossas mentes é o resultado de

um processo de autoconhecimento, ou mero condicionamento social que me faz pen-

sar que sou eu que estou pensando o objeto pensado? Essa é a problemática da auten-

ticidade do Ser na mais profunda concepção, o pensar que reflete sobre o agir.

Uma resposta a essa indagação já foi dada. Consiste na busca da essencialidade

através da dúvida. O indagar sugere ao indivíduo sempre a possibilidade de obtenção/

construção de novas possibilidades de reinterpretação e ressignificação da realidade

estabelecida nas diversas concepções existenciais.

Arduini (2007), em sua obra Ética responsável e criativa, sugere o resgate à es-

sencialidade da pessoa humana pela perspectiva antropológica, respeitando e preser-

vando a dignidade.

Nosso compromisso é recuperar e manter a dignidade antropológi-

ca. Deve-se restaurar o respeito a pessoa. Não se trata de arrogância,

mas de sustentar o significado vivo da antropologia ontológica.

É necessário renovar a consciência humana, que anda esfarrapada.

Deve-se substituir a consciência suja pela consciência limpa. O ser

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humano não pode mais ser visto como objeto traste, cisco, coisa e

banalidade. Para recriar a dignidade pessoal a consciência precisa

sublevar-se e exigir respeito concreto e efetivo. (ARDUINI, 2007, p.

38)

Antropologia (estudo ou reflexão acerca do ser humano) ontológica, corrente

filosófica que trata do ser enquanto ser, não é simples antropologia e nem pura onto-

logia, mas a conjugação das ciências na busca pelo resgate do indivíduo enquanto ser

de plenitude, renovado, fim em si mesmo, indivíduo novo, que estabelece e reconstrói

relações holísticas e sistêmicas em todas as suas dimensões.

O filosofo Kutscherauer (2003) evidencia três idiossincrasias (disposição do tem-

peramento do indivíduo, que o faz reagir de maneira muito pessoal à ação dos agen-

tes externos) essenciais e naturais no indivíduo com o escopo no direcionamento das

ações pessoais integrais frente à realidade: poder, posse, prazer.

O agir humano, de uma forma geral, consiste no resultado da conjugação equa-

cional dessas características, a saber.

O poder da posse do prazer,

O poder do prazer da posse,

A posse do poder do prazer,

A posse do prazer do poder,

O poder da posse do poder,

O prazer do poder da posse.

(KUTSCHERAURER, 2003, p. 67)

Observa-se facilmente que, quando um está em destaque, os outros dois se

encontram em apoio. Portanto, não se trata de tentar excluir algumas dessas caracte-

rísticas essenciais através de moralismo falacioso e fragmentador, mas, sobretudo, de

equacioná-los de forma a possibilitar ao indivíduo sua plena realização enquanto ser

Ético de relação.

Como resolver essa equação pessoal?

Observe que não é resolver no sentido de término, mas sim na acepção de pro-

ver a si e à realidade conjuntural ações éticas transformadoras em um clico espiral

ascendente, alternando entre si as três características.

Assim, querido(a) aluno(a), concluímos o estudo desta aula com a reflexão acer-

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ca das idiossincrasias Posse, Poder e Prazer. Observando, porém, todo o caminho de

construção e elucidação dos termos Ética e Moral nas diversas expressões e manifes-

tações individuais e coletivas.

SínteSe

Nesta aula, tivemos a oportunidade de realizar significativas reflexões sobre

um tema de extrema relevância na atualidade: Ética e Moral. Dialogamos no intuito de

construirmos, juntos, saberes verdadeiramente consistentes e efetivos, desde a com-

preensão da simples etimologia dos termos a profundas reflexões de suas variações

existenciais.

Consciência de Si, consciência do Outro, Liberdade, Identidade e outros dile-

mas Éticos/Morais permearam toda esta aula. No escopo, está o despertar urgente do

ser cognoscente, fazendo com que, a partir desses saberes, as ações sejam pautadas

em princípios emancipatórios e autônomos, ressaltando a real necessidade do outro

enquanto extensão individual e como provedor de constructos identitários.

queStõeSPara reflexão

1 - Considere a citação e desenvolva uma reflexão buscando associar a teoria à

práxis da realidade conjuntural:

O existir é um relacionar-se inicialmente consigo mesmo, mas, igual-

mente, com os nossos semelhantes próximos, classes, sociedade, na-

ção, natureza e também com o cosmo.

Tal fato requer competência que se deriva de um pleno conhecimen-

to de si e do ser humano, assim, como de uma visão holística sobre

o sentido do existir dentro de um universo como um todo. (SÁ, 2008,

p. 20)

2 - Reflita sobre a citação e construa um argumento evidenciando seu posicio-

namento e relacionando-o à sociedade contemporânea:

[...] que significa dizer: “essa pessoa não possui ética?” significa dizer:

“essa pessoa não possui princípios, age oportunisticamente, con-

soante as vantagens que possa auferir; dela não se poderá esperar

nenhum comportamento coerente e previsível, porque não possui

uma opção fundamental de vida. [...]

Que significa dizer “essa pessoa não possui moral”? Significa: “essa

pessoa não possui virtudes, mente, engana clientes, rouba dinheiro

público, explora trabalhadores, faz violência em casa”. (BOFF, 2003,

p. 30)

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leituraS indicadaS

ARDUINI, Juvenal. Antropologia: ousar para Reinventar a humanidade. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002.

BUBER, Martin. Do Diálogo e do Dialógico. São Paulo: Perspectiva, 1982.

______. Sobre Comunidade. São Paulo: Perspectiva, 1987.

______. Eu e Tu. 2. ed. São Paulo: Moraes, 2000.

______. Que es el Hombre ? México: Fondo de Cultura Económica, 2000.

BUzzI, Arcângelo R. Introdução ao pensar. Petrópolis: Vozes, 1972.

FROMM, Erich. Análise do Homem. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983.

FROMM, Erich. O medo à liberdade. Rio de Janeiro: zahar Editores, 1983.

GALANTINO, Nunzio. Dizer Homem Hoje: novos caminhos da Antropologia Filosófica. São Paulo: Paulus,

2003.

KUTSCHERAUER, Hugo O. A ética do amante. Salvador: Arcádia, 2003.

LÉVINAS, Emmanuel. Humanismo do Outro Homem. Petrópolis: Vozes, 1993.

______. Entre nós, ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Vozes, 1997.

MOMDIN, Batista. O Homem, Quem é Ele? Elementos de Antropologia. 11. ed. São Paulo: Paulus, 2003.

NIETzSCHE, Frederico. A Genealogia da Moral. Lisboa: Guimarães Editores, 1990.

SPINOzA, B. Ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

VAzQUES, Adolfo Sanchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

SiteS indicadoS

http://www.filosofia.com.br/

http://www.mundodosfilosofos.com.br/

http://www.leonardoboff.com/

referênciaS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ARAÚJO, Sílvia Maria de et alii. Para Filosofar. São Paulo: Scipione, 1996.

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ARDUINI, Juvenal. Ética responsável e criativa. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2007.

BOFF, Leonardo. Ethos Mundial, um consenso mínimo entre os humanos. Petrópolis: Vozes, 2003.

CORTINA, Adela. Cidadãos do Mundo, para uma teoria da cidadania. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

KUTSCHERAUER, Hugo O. A ética do amante. Salvador: Arcádia, 2003.

PEGORARO, Olinto A. Ética é justiça. Petrópolis: Vozes, 1995.

Sá, Antônio Lopes de. Consciência Ética. Curitiba: Juruá Editora, 2008.

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auLa 05 - corrEntEs Do PEnsamEnto Fi-LosóFico E concEPçÕEs Éticas: uma in-tErFacE nEcEssária i

Autores: Naurelice Maia de Melo e Ueliton Lemos dos Santos

“A função social da moral [...] é regular as ações dos indivíduos

nas suas relações mútuas, ou as do indivíduo com a comunidade,

visando a preservar a sociedade no seu conjunto ou, no seio dela,

a integridade de um grupo social. [...] Em suma, a moral tende a

fazer com que os indivíduos harmonizem voluntariamente - isto é,

de uma maneira consciente e livre - seus interesses pessoais com os

interesses coletivos de determinado grupo social ou da sociedade

inteira. A moral implica, portanto, numa relação livre e consciente

entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade. Mas esta rela-

ção esta também socialmente condicionada, precisamente porque

o indivíduo é um ser social ou um nexo de relações sociais.”

(VÁZQUEZ, 2004, p. 70)

Nesta aula, vamos seguir por caminhos medievais e modernos com atenção

a duas estações: conhecimento e ética. Durante nossas aulas, você já estudou sobre

a diferença entre ética e moral, bem como teve a oportunidade de tecer reflexões a

respeito da necessária postura ética frente às relações que estabelecem nosso tecido

social.

Nesta aula, assim como na aula seguinte, você irá apreciar os fundamentos de

correntes do pensamento filosófico, percebendo que, ao longo do tempo, as formas de

pensar e elaborar saberes não foram postas de modo aleatório como eventos isolados;

ao contrário, estiveram engajadas em um contexto maior, em uma teia de relações.

A primeira estação não é nova para você, que já vislumbrou a introdução a seus

saberes, durante a Aula 01, que trata da Filosofia e da Ciência (quanto à Patrística e à

Escolástica), bem como durante a Aula 03, mediante diálogos sobre o conhecimento e

dedicação ao pensamento clássico grego, com estudo sobre sofistas, Sócrates, Platão

e Aristóteles.

O método socrático favoreceu a elaboração própria de conceitos, assim como o

dualismo platônico defendia que o conhecimento verdadeiro só poderia ser alcança-

do no mundo inteligível (mundo das ideias). Aristóteles apresentou contribuições em

campos variados do saber.

Sem negar as diferenças e peculiaridades dos referidos pensadores, as perspec-

tivas de todos eles se encontraram, pois marcaram o que conhecemos por concep-

ção ética grega, também chamada por concepção ética clássica ou ética dos antigos.

Consistiu em concepção na qual constam: racionalidade, ação conforme a natureza

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e relações entre a ética e a política. Por gentileza, leia atentamente detalhamento na

citação a seguir.

Podemos resumir a ética dos antigos em três aspectos principais: 1. o

racionalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a razão,

que conhece o bem, o deseja e guia nossa vontade até ele. A vida

virtuosa é aquela em que a vontade se deixa guiar pela razão; 2. o

naturalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a natu-

reza ( o cosmo) e com nossa natureza (nosso éthos), que á a parte

do todo natural. Agir voluntariamente não é, portanto, agir contra

a necessidade natural (sobre esta não temos poder nenhum) e sim

agir em harmonia com ela, de tal maneira que o possível, desejado e

realizado por nossa vontade realize nossa natureza individual e co-

loque em harmonia com o todo da natureza; 3. inseparabilidade

entre ética e política: isto é, a inseparabilidade entre a conduta

do indivíduo e os valores da sociedade, pois somente na existência

compartilhada com outros encontramos liberdade, justiça e felici-

dade.

A ética, portanto, [em sua concepção grega ou clássica] era conce-

bida como educação do caráter do sujeito moral para dominar ra-

cionalmente impulsos, apetites e desejos, para orientar a vontade

rumo ao bem e a felicidade, e para formá-lo como membro da cole-

tividade sociopolítica. Sua finalidade era harmonia entre o caráter

subjetivo virtuoso e os valores coletivos, que também deveriam ser

virtuosos. (CHAUI, 2003, p.313-314)

Voltemos nosso olhar para o período medieval europeu. Diferente da Antigui-

dade Clássica Ocidental, na qual tivemos iniciativas de atenção à racionalidade, no

medievo, os horizontes vislumbrados não atribuíam o mesmo crédito à razão. Nessa

época, a perspectiva teocêntrica submeteu a razão à fé, conforme você pode notar

durante nossa Aula 01 e acompanhar nos estudos a seguir.

Patrística e Escolástica foram duas relevantes correntes do pensamento filosó-

fico medieval. Tinham, em seu escopo, a tentativa de “conciliação” entre a Fé e a Razão

(compreender razão como filosofia grega antiga). Essa aliança consistia em demons-

trar racionalmente as verdades reveladas por Deus aos Homens, mediante a fé e ex-

pressas nas sagradas escrituras, Bíblia. Dessa forma, aumentava significativamente o

poder de argumentação, visto sua fundamentação lógica filosófica, facilitando, assim,

o convencimento dos descrentes e hereges frente à doutrina religiosa cristã.

A Patrística tem início por volta do século IV e segue até o século VIII. Santo

Agostinho é seu principal representante, que busca em Platão a sustentação filosófica

para sua fé. Escreveu diversas obras, tendo destaques: A Cidade de Deus e As Confissões.

A partir dessas obras, o filósofo Danilo Marcondes (1997) destaca três principais con-

tribuições de Santo Agostinho ao desenvolvimento do pensamento filosófico ociden-

tal, sendo elas: o estabelecimento das relações entre teologia e filosofia, a teoria do

conhecimento com ênfase na questão da subjetividade e, por fim, a teoria da história

destacada na Cidade de Deus.

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Danilo Marcondes nos traz uma reflexão bastante interessante sobre a proble-

mática da verdade em Santo Agostinho, na qual fica evidenciado “resgate” do legado

filosófico grego platônico.

Vejamos!

Santo Agostinho se pergunta então como pode a mente humana,

mutável e falível, atingir uma verdade com certeza infalível. Sua

resposta a essa questão se encontra em sua teoria da iluminação

divina, elaborada com base na teoria platônica da reminiscência. O

dialogo De magistro (Sobre o mestre) nos permite compreender bem

a posição agostiniana a este respeito. Seu ponto de partida e desen-

volvimento são semelhantes em muitos pontos ao dialogo Menon

de Platão, em que se discute o que é a virtude (areté) e se esta pode

ser ensinada. A resposta de Platão é negativa: a virtude não pode ser

ensinada, ou já a trazemos conosco, ou nenhum mestre será capaz

de introduzi-la em nossa alma, uma vez que é uma característica da

própria natureza humana. A função do filosofo é precisamente de

despertar essa virtude adormecida na alma de todos os indivíduos.

Santo Agostinho começa igualmente se interrogando sobre o que é

ensinar e o que é aprender, o que torna esse diálogo em sua parte

inicial um dos textos clássicos da pedagogia. Indaga-se, em seguida,

sobre o papel da linguagem, o que faz do diálogo também um dos

clássicos da teoria da linguagem e do significado [...]

Santo Agostinho conclui na linha das concepções tradicionais na

Antiguidade [...] que, dada a convencionalidade do signo linguís-

tico - isto é, as palavras variam de língua para língua e são sinais

arbitrários das coisas -, este não pode ter qualquer valor cognitivo

mais profundo; não é através das palavras que conhecemos; logo

não podemos transmitir conhecimento pela linguagem. A possibili-

dade de conhecer supõe algo de prévio, que torna inteligível a pró-

pria linguagem. Sua posição é assim, na mesma direção da filosofia

platônica, inatista, ou seja, supõe que o conhecimento não pode

ser derivado inteiramente da apreensão sensível ou da experiência

concreta, necessitando um elemento prévio que sirva de ponto de

partida para o próprio processo de conhecer. (MARCONDES, 2000,

p. 111).

Assim, fica demonstrada não somente a relação estabelecida entre Santo Agos-

tinho e Platão, mas, sobretudo, o posicionamento desses filósofos frente à problemá-

tica da verdade como algo inato. Santo Agostinho afirma que é preciso antes crer para

somente depois conhecer; crer-se por revelação divina, de forma intuitiva, as verdades

são reveladas pela fé. Posteriormente, a razão, através de seus métodos investigativos,

buscará realizar os devidos esclarecimentos.

A Escolástica, por sua vez, foi o resultado da criação de várias escolas pelo rei

Carlos Magno em parceria com as Instituições Católicas. Daí vem o nome Escolástica.

Segundo Cotrim (2006), esse período do pensamento filosófico pode ser separado em

três fases:

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1ª FASE 2ª FASE 3ª FASE

Do século Ix ao fim do

século xII, caracterizada

pela confiança na perfeita

harmonia entre fé e razão.

Do século xIII ao princípio

do século xIV, caracterizada

pela elaboração de grandes

sistemas filosóficos,

merecendo destaque as

obras de Tomás de Aquino.

Nessa fase, considera-se que

a harmonização entre fé e

razão pode ser parcialmente

obtida.

Do século xIV até o

século xVI, decadência da

escolástica, marcada por

disputas que realçam as

diferenças entre fé e razão.

Fonte: Cotrim (2006).

Elaboração: Naurelice Maia e Ueliton Lemos.

Tomas de Aquino (1226 - 1274) buscou em Aristóteles os argumentos e as refle-

xões necessários para defender a Fé. Acreditava que a realidade sensorial é fundamen-

tal para a conquista do conhecimento e, assim, destacou cinco princípios basilares.

1º Princípio da Não Contradição

2º Princípio da Substância

3º Princípio da Causa Eficiente

4º Princípio da Finalidade

5º Princípio do Ato e da Potência

Tomas de Aquino é considerado pela Igreja Católica como Doutor Angélico,

que significa Doutor por Excelência, em virtude de sua relevante contribuição ao pen-

samento religioso. Esse fato se constata na sua obra intitulada Suma Teológica, na qual

ele sugere cinco provas da existência de Deus.

1. Primeiro motos - tudo aquilo que se move é movido por outro ser.

Por sua vez, este outro ser, para que se mova, necessita também que

seja movido por outro ser. E assim sucessivamente. Se não houvesse

um primeiro motor movente, cairíamos num processo indefinido.

Logo conclui Tomás de Aquino, é necessário chegar a um primei-

ro ser movente que não seja movido por nenhum outro. Esse ser é

Deus.

2. A causa eficiente - todas as coisas que existem no mundo não

possuem em si próprias a causa eficiente de suas existências. Devem

ser consideradas efeitos de alguma causa. [...] essa causa primeira

é Deus.

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3. Ser necessário e ser Contingente - este argumento é uma varian-

te do segundo. Afirma que todo ser contingente, do mesmo modo

que existe, pode deixar de existir. Ora, se todas as coisas que existem

pode deixar de ser, então, alguma vez nada existiu. Mas, se assim

fosse, também nada agora existiria, pois aquilo que não existe so-

mente começa a existir em função de algo que já existia. É preciso

admitir, então, que há um ser que sempre existiu, um ser absoluta-

mente necessário, que não tenha fora de si a causa da sua existên-

cia, mas, o contrário, que seja a causa da necessidade de todos os

seres contingentes. Esse ser necessário é Deus.

4. Os graus da perfeição - em relação à qualidade de todas as coisas

existentes, pode-se afirmar a existência de graus diversos da per-

feição. Assim, afirmamos que tal coisa é melhor que outra, ou mais

bela, ou mais poderosa, ou mais verdadeira etc. [...] Devemos admi-

tir, então, que existe um ser com o máximo de bondade, de beleza,

de poder, de verdade, sendo, portanto, um ser máximo pleno. Esse

ser é Deus.

5. A finalidade do ser - todas as coisas brutas, que não possuem in-

teligência própria, existem na natureza cumprindo uma função, um

objetivo, uma finalidade, semelhante à flecha dirigida pelo arqueiro.

Devemos admitir, então, que existe algum ser inteligente que dirige

todas as coisas da natureza para que cumpram seu objetivo, esse

ser é Deus.

(COTIRM, 2006, p. 118-119)

Fonte: <http://commons.wikimedia.org/

wiki/File:Question_opening-closing.svg>.

Querido(a) estudante, compreendendo o contexto

do medievo, sabendo que a iniciativa racional só

teria espaço se a serviço da fé, quais teriam sido os

fundamentos defendidos para a vida ética? Você já

pensou sobre a interface: conhecimento, ética e período

medieval? Seria mesmo moral e até ético condenar uma

pessoa à morte devido aos caminhos de dedicação à

conquista de novos conhecimentos, pautando-os na

razão?

A concepção ética medieval esteve correlata aos pressupostos do conhecimen-

to da época. O conhecimento só ocorreria em sua forma legitimada se estivesse posto

a favor da fé. Toda e qualquer iniciativa da razão deveria servir de fundamento às ver-

dades reveladas pela fé, relacionando, portanto, conhecimento e revelação.

Quanto à vida justa e ética, seria aquela conforme os desígnios divinos. Portan-

to, a concepção ética do medievo corresponde à ética e à moral cristã, à fé revelada, à

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perspectiva teocêntrica. Diferente da concepção ética da antiguidade clássica grega,

que associava a ética à racionalidade e polis (cidade-estado); a virtude está presente

na fé, na esperança e na caridade. O modo de valorar a realidade era guiado pelos

dogmas religiosos. A vida moral, assim como a ética, na qualidade de doutrina moral,

esteve intimamente relacionada à purificação e salvação.

Durante a Aula 01, você estudou sobre momentos que marcaram a trajetória

filosófica no período medieval europeu. No terceiro e quarto momentos, percebeu a

influência de Platão e Aristóteles, respectivamente, sobre o pensamento filosófico de

Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.

Agora com atenção à concepção ética da época, em que medida ocorreram

esses encontros com suas aproximações e diferenças?

A purificação da alma, em Platão, e a sua ascensão libertadora até

elevar-se à contemplação das idéias, transforma-se em Santo Agos-

tinho na elevação ascética até Deus, que culmina no êxtase místico

ou felicidade, que não pode ser alcançada neste mundo. Contudo,

Santo Agostinho se afasta do pensamento grego antigo ao subli-

nhar o valor da experiência pessoal, da interioridade, da vontade e

do amor. A ética agostiniana se contrapõe, assim, ao racionalismo

ético dos gregos. [...][Quanto a Tomás de Aquino,] a ética tomista

coincide nos seus traços gerais com a de Aristóteles, sem esquecer

porém que se trata de cristianizar a sua moral como, em geral, a sua

filosofia. Deus, para Santo Tomás, é o bem objetivo ou fim supremo,

cuja posse causa gozo ou felicidade, que é um bem subjetivo (nisto

se afasta de Aristóteles, para quem a felicidade é o fim último). Mas,

como em Aristóteles, a contemplação, o conhecimento (como visão

de Deus) é o meio mais adequado para alcançar o fim último. Por

este acento intelectualista, aproxima-se de Aristóteles. (VÁZQUEZ,

2004, p. 278-279, grifo nosso)

Para pensar um pouco!

Considerando a atual conjuntura social, quais reflexões éticas podem ser tecidas

a respeito das intencionalidades atribuídas tanto à razão quanto à fé? Como você

compreende a relação entre Fé e Razão? São perspectivas conciliáveis ou não?

Com a “chegada” da modernidade, a trajetória realizada e os horizontes vislum-

brados estão em consonância à perspectiva antropocêntrica, visto que o ser humano

ocupa o espaço central. Temos, então, correntes do pensamento filosófico e concep-

ções éticas que são distintas de iniciativas, tais como a da patrística e da escolástica.

Quanto às concepções éticas, fazemos referências àquelas pautadas no movimento

iluminista, para depois lançarmos o olhar para as concepções moderna e contempo-

rânea. A respeito das correntes do pensamento filosófico, você as verá logo mais, com

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atenção ao positivismo, materialismo, empirismo, racionalismo e criticismo kantiano.

Com o movimento iluminista, a vida ética e os modos de valorar a realidade,

bem como as normas morais passam a encontrar seus fundamentos afastados das

posturas dogmáticas e teocêntricas Nesta perspectiva, conforme Aranha e Martins

(2004, p. 353), a norma moral está fundada “na lei natural (teses jusnaturalistas), no

interesse (teses empiristas, que explicam a ação humana como busca do prazer e evi-

tação da dor) e na própria razão (tese kantiana)”.

Ampliando o conhecimento

A autonomia da razão para legislar supõe a liberdade e o dever. Todo imperativo se impõe

como dever, mas essa exigência não é heterônoma – exterior e cega – e sim livremente

assumida pelo sujeito que se autodetermina. Exemplificando, suponhamos a norma moral

“não roubar”:

para a concepção cristã, o fundamento da norma se encontra no sétimo manda- �

mento de Deus;

para os teóricos jusnaturalistas (como Rousseau), ela se funda no direito natural, �

comum a todos os seres humanos;

para os empiristas (como Locke, Condilac), a norma deriva do interesse próprio, �

pois o sujeito que a desobedece será submetido ao desprazer, à censura pública ou

à prisão;

para Kant, a norma se enraíza na própria natureza da razão; ao aceitar o roubo e �

consequentemente o enriquecimento ilícito, elevando a máxima (pessoal) ao nível

universal, haverá uma contradição: se todos podem roubar, não há como manter a

posse do que foi furtado.

Fonte: (ARANHA, 2004, p.354)

Com referência ao contexto iluminista, assim como a vida ética, a questão do

conhecimento também se apresenta afastada das perspectivas teocêntricas e dogmá-

ticas. Vamos seguir nesta caminhada, agora com atenção ao conhecimento, conforme

as perspectivas racionalista e empirista, para, em seguida, lançarmos o olhar sobre o

criticismo kantiano e outras correntes do pensamento filosófico.

Racionalismo e Empirismo constituem importantes modos de compreensão

desse período, tendo como principais expoentes René Descartes (1596 - 1650) e John

Locke (1632 - 1704), respectivamente.

Descartes é considerado o pai da filosofia moderna. Acreditava que, na busca

pelo conhecimento, o primeiro passo consiste em por em dúvida tudo o que já se

sabe, a chamada dúvida metódica, elevando-a ao mais alto grau no processo de des-

velamento sobre a realidade, até que, enfim, estabelece a verdade imune à duvida... A

única verdade alheia à dúvida é a certeza da existência de meus pensamentos, então,

penso, logo existo ou cogito ergo sum.

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Descartes assumiu uma tendência idealista, isto é, uma tendência a

valorizar a atividade do sujeito pensante em relação ao objeto pen-

sado. Em outras palavras, uma tendência a ressaltar a prevalência

da consciência subjetiva sobre o ser objetivo, e a considerar a maté-

ria como algo apenas conhecível, se é que o é, por dedução que se

sabe da mente. (COTRIM, 2006, p. 139)

Este importante filósofo moderno contribuiu, de forma bastante significativa,

para o próprio desenvolvimento do pensar filosófico, como também favoreceu, signi-

ficativamente, o avanço das ciências de uma forma geral. Ele escreve uma obra intitu-

lada, Discurso do Método, em que enuncia quatro regras fundamentais na condução do

sujeito pensante que anseia a verdade.

1ª Regra da evidência - só aceitar

algo como verdadeiro desde que

seja absolutamente evidente por

sua clareza e distinção.

Fonte: http://www.sxc.hu/

photo/1323680

2ª Regra da análise -

dividir cada uma das

dificuldades surgidas em

tantas partes quantas

forem necessárias para

resolvê-las melhor.

Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1396432

Fonte: http://commons.wikimedia.

org/wiki/File:Frans_Hals_-_Por-

tret_van_Ren%C3%A9_Descartes.

jpg

Fonte: http://www.sxc.hu/

photo/1262672

3ª Regra da síntese - ordenar o

raciocínio indo dos problemas

mais simples para os mais

complexos.

Fonte: http://commons.wikimedia.

org/wiki/File:Stylised_Lithium_

Atom.png?uselang=pt-br

4ª Regra da enumeração

- realizar verificações

completas e gerais para

ter absoluta segurança

de que nenhum aspecto

do problema foi omitido.

Fonte: Contrim (2006)

Elaboração: Naurelice Maia e Ueliton Lemos.

As quatro regras basilares descritas acima possuem o escopo em tornar a busca

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e produção do conhecimento em um exercício metódico, na qual e pela qual os resul-

tados obtidos possam estar sujeitos à verificação e análise racional.

Em contrapartida ao pensamento racionalista, que visa o conhecimento me-

diante a razão, tem-se a corrente filosófica denominada empirismo, que compreende

a origem do conhecimento na experiência sensível.

Para esse caminho, o empirismo, convidaremos John Locke para nos acompa-

nhar. Locke escreve uma obra denominada Ensaio acerca do entendimento humano

(1690), em que ele combate fervorosamente a doutrina das ideias inatas, o inatismo.

Para ele, todos nós, ao nascermos, somos iguais a uma tábula rasa, ou para atualizar

sua fala, igual a uma mídia de dvd original, sem gravação alguma, e que, somente a

partir das experiências sensíveis ao longo da existência, passa a ser gravada. Sendo as-

sim, os estímulos capitados através dos sentidos geram sensações e, por conseguinte,

transformam-se em conhecimento.

CURIOSIDADE!!!

A palavra Empirismo é derivada do grego Empeiria e significa que o conhecimento é o

resultado das experiências sensíveis. “Nada está no intelecto que não tenha passado antes

pelos sentidos” (Aristóteles).

As experiências sensoriais e a atividade de reflexão são os modos de conheci-

mento defendidos por Locke. O primeiro consiste basicamente na percepção da reali-

dade pelos sentidos. O segundo, a reflexão, consiste na ação de pôr em dúvida, crer e

raciocinar sobre as sensações iniciais. A reflexão é o ato voltar-se sobre si mesmo.

Empirismo e racionalismo encontram suas interfaces com a ética: o primeiro,

conforme mencionamos em “Ampliando o Conhecimento”, no que diz respeito à nor-

ma; o racionalismo, naquilo que se refere à moral, com atenção à vontade, à liberdade

e à inteligência.

A sabedoria, objetivo da filosofia, é um estado e uma conduta nos

quais “a inteligência mostra à vontade o partido que ele deve to-

mar”. Todavia, como o homem concreto não se identifica com a

alma, com essa substância pensante revelada pela atividade racio-

nal; como tampouco se identifica com o corpo, conhecido pela físi-

ca, trata-se de resolver o conflito entre a urgência da ação e as exi-

gências do método. Descartes resolve esse conflito propondo uma

“moral provisória”. Não elabora regras de conduta universais. Não

pretende ser um reformador. Aliás, nessa matéria, é bastante con-

servador estar mais preocupado com o aperfeiçoamento individual

capaz de levar os indivíduos a fazerem uma justa apreciação dos

bens. Nessa hierarquia dos bens, o lugar supremo deve ser conferido

à liberdade, não ao saber. “Não basta julgar bem para agir bem”, diz

ele, porque a moral não deriva apenas do conhecimento. (REZENDE,

2002, p.109)

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Para Pensar um pouco!

Atualmente, como você se posicionaria

entre estas duas correntes filosóficas: o

Racionalismo e o Empirismo? Qual das duas

melhor atenderia às suas necessidades no

âmbito da ética?

Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/

File:Question_opening-closing.svg>.

Querido(a) estudante, a nossa quinta aula chegou ao fim. Na próxima aula, con-

tinuaremos o nosso caminho sobre as correntes do pensamento e as suas interfaces

éticas.

SínteSe

Durante a realização desta aula, você, querido(a) estudante, teve a oportunida-

de de vislumbrar importantes correntes do pensamento filosófico. Essas, por sua vez,

se mostram perfeitamente atuais; discussão entre fé e razão, ciência e religião, razão e

experiência, dentre outras, fazem parte de nosso cotidiano em maior ou menor grau.

Acreditamos não ser necessário adotarmos uma postura unilateral, escolhendo um ou

outro caminho, mas sim entender que essas e muitas outras formas de compreensão

dos fenômenos existentes na realidade compõem nossa maneira de ser e existir, so-

bretudo quando nas manifestações ética e moral.

queStõeS Para reflexão

1. São Tomás de Aquino e Santo Agostinho marcam um período da história da

Humanidade. Como poderíamos atualizar seu pensamento frente à relação entre Fé e

Ciência na contemporaneidade?

2. Qual foi o maior fator de discordância entre os racionalistas (idealistas) e os

empiristas (realistas)?

leituraS indicadaS

DESCARTES, René. Discurso do Método Regras para a Direção do Espírito. São

Paulo: Martin Claret, 2000.

MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia. Rio de Janeiro: JzE Jorge zahar

Editor, 2000.

MONDIN, Batista. Curso de Filosofia. São Paulo: Paulus, 2003. v. 1

MONDIN, Batista. Curso de Filosofia. São Paulo: Paulus, 2003. v. 2

REALE, Miguel. Introdução à Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2007.

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SiteS indicadoS

http://www.rescogitans.com.br/

http://www.consciencia.org/

http://www.cfh.ufsc.br/

referênciaS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. 3. ed.

São Paulo: Moderna, 2004.

CHAUI, Marilena. Convite a Filosofia. 13. ed. São Paulo: ática, 2003.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia. Rio de Janeiro: JzE Jorge zahar Editor, 2000.

VázQUEz, Adolfo Sánchez. Ética. 25. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

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auLa 06 - corrEntEs Do PEnsamEnto Fi-LosóFico E concEPçÕEs Éticas: uma in-tErFacE nEcEssária ii

Autores: Naurelice Maia de Melo e Ueliton Lemos dos Santos

“A vida está imersa em mistério e incerteza, conclamando natural-

mente por apoios que geralmente desfazem o mistério e a incerte-

za, incidindo em novos paradoxos existenciais. Impor ética única a

todos é o grande paradoxo, porque não é atitude ética, em termos

da convivência comum. Em vez da prepotência, as éticas carecem

de modéstia, porque é mais digno conviver com gente modesta

sempre capaz de reavaliar posições em nome do bem comum. Para

evitar a petrificação de propostas, é importante que sempre se

reavaliem, também para poder aprender de outros horizontes”.

(Pedro Demo, 2005, p.71)

Querido(a) estudante,

Nesta aula, prosseguiremos em nosso caminho sobre as correntes do pensa-

mento e suas interfaces éticas. Vimos, na Aula 5, questões de grande relevância do

período medieval e moderno. Aqui, daremos continuidade aos nossos estudos até

alcançarmos a contemporaneidade, com um importante filósofo existencialista Jean

Paul Sartre.

Seguindo pistas da nossa epígrafe e considerando a pluralidade de horizontes,

bem como as trajetórias do conhecimento, condições distintas passam a garantir a

possibilidade do conhecimento verdadeiro, conforme cada corrente do pensamento

filosófico. Parâmetros, também distintos, vão orientando as reflexões sobre os valores,

conforme cada concepção ética, cada época, cada contexto, contando com propostas,

muitas vezes, à frente do seu próprio tempo.

Por um lado, tem-se a experiência; por outro, a razão, na qualidade de caminho

legítimo para conduzir ao conhecimento verdadeiro. Empirismo e racionalismo, por-

tanto, reportam-se a caminhos distintos e contraditórios, conforme você estudou na

aula anterior. Além destas correntes do pensamento filosófico, tivemos, dentre outras,

o criticismo kantiano. Neste, podemos, de certo modo, reunir as duas instâncias (expe-

riência e razão). Para compreender a questão do conhecimento em Kant, vamos, antes,

lançar o olhar sobre a questão da autonomia e da Ilustração.

O contexto no qual viveu Immanuel Kant corresponde, assim como a época de

pensadores racionalistas e empiristas, à modernidade. Importa considerar, conforme

já mencionamos na aula passada, a perspectiva antropocêntrica. Acrescentamos, ago-

ra, a informação sobre a Ilustração (Aufklärung), ou o movimento que Kant propõe de

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saída da menoridade, chamado também de Esclarecimento.

Conquistar a maioridade, conforme o pensamento kantiano, remete à conquis-

ta do modo independente e autônomo de pensar. A realização desta maioridade não

está associada à idade específica, mas ao modo de conduzir as próprias ações sem

permitir que elas estejam pautadas nas vias que outros “determinem”, direta ou ve-

ladamente. A conquista da maioridade não consiste em um movimento simples; ao

contrário, Kant elucida a respeito de estar à frente de sua época. Conforme Rezende

(2002, p. 127), “ela [a maioridade] é um estágio alcançável com dificuldade”!

Pessoa crítica é a que tem posições independentes e refletidas, é ca-

paz de pensar por si própria e não aceita como verdadeiro o simples

estabelecimento por outros como tal, mas só após o seu exame livre

e fundamentado. Uma época esclarecida é aquela em que os ho-

mens atingem a sua maioridade pela capacidade não só de pensa-

rem autonomamente, mas também de não se deixarem manipular

e dominar. Em vista disso ela é um estágio alcançável com dificulda-

de, o que levou Kant a dizer que sua época não era ainda uma época

esclarecida, mas em via de esclarecimento. Os homens atingem essa

etapa por si sós, lentamente, desde que não cedam à covardia e à

preguiça, não se deixem torturar, nem sejam impelidos a atingi-la

mediante artifícios e pelo emprego da força. A liberdade é o espa-

ço adequado ao esclarecimento. Por ter sido fundado no ímpeto do

homem à liberdade, o Esclarecimento foi o principal movimento do

pensamento moderno, que ainda hoje nos situa num horizonte co-

mum ao de Kant. (REZENDE, 2002, p. 127)

E você... Está à frente do seu tempo?!

Estar situado “num horizonte comum

ao de Kant”, prezando pelo exercício

da maioridade (conforme proposta da

Aufklärung), seria já um modo de estarmos

à frente do nosso tempo?! Ou vivemos

em ambientes nos quais as iniciativas

que prezam pela saída da “menoridade

da razão” e conquista da autonomia são

já elementos comuns?! O que você pensa

sobre questões como estas? E você...

está à frente do seu tempo? E, ao mesmo

instante, dedica-se a modos de sentir,

pensar e agir que estejam socialmente

engajados?!

Fonte:Produção de imagens do www.sxc.hu

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Agora que você já sabe em que consiste a Ilustração, veja em “Trechos Selecio-

nados” como Kant elabora a questão do conhecimento, superando a dicotomia entre

o pensamento racionalista e o empirista, culminando no criticismo kantiano.

Trecho selecionado de “Tipos de Juízo e Conhecimento”

e

“Estruturas do sentir e conhecer”

(autoria de: Gilberto Cotrim)

Tipos de Juízo e Conhecimento

[...] Uma das questões mais importantes que dominam o pensamento de Kant é o problema

do conhecimento, a questão do saber. Na Crítica da Razão Pura, ele distingue duas formas

básicas do ato de conhecer:

O conhecimento empírico ( � a posteriori) - aquele que se refere aos dados fornecidos

pelos sentidos, isto é, que é posterior à experiência. Exemplo: a afirmação “Este livro

tem a capa verde”. Para fazer essa afirmação, foi necessário ter primeiro a experiência

de ver o livro e assim conhecer a sua cor; portanto, trata-se de um conhecimento

posterior à experiência;

O conhecimento puro ( � a priori) - aquele que não depende de quaisquer dados dos

sentidos, ou seja, que é anterior à experiência, nascendo puramente de uma opera-

ção racional. Exemplo: a afirmação “Duas linhas paralelas jamais se encontram no es-

paço”. Essa afirmação (juízo) não se refere a esta ou aquela linha paralela, mas a todas.

Constitui, assim, um conhecimento universal. Além disso, é uma afirmação que, para

ser válida, não depende de nenhuma condição específica. Trata-se, portanto, de um

conhecimento necessário.

O conhecimento puro, portanto, conduz a juízos universais e necessários, enquanto

o conhecimento empírico não possui essa característica. Os juízos, por sua vez, são

classificados por Kant em dois tipos:

Juízo analítico - aquele em que o predicado já está contido no sujeito. Ou seja, bas- �

ta analisar o sujeito para deduzir o predicado. Exemplo: a afirmação “o quadrado tem

quatro lados” analisando o sujeito. Da afirmação, o quadrado, deduzimos, necessa-

riamente o predicado: tem quatro lados. Kant também chamava os juízos analíticos

de juízos de elucidação; pois o predicado simplesmente elucida algo que já estava

contido no conceito do sujeito.

Juízo sintético - aquele em que o predicado não está contido no conceito do sujei- �

to. Nesses juízos, acrescenta-se ao sujeito algo de novo, que é o predicado, assim,

os juízos sintéticos enriquecem nossas informações e ampliam o conhecimento. �

Por isso, Kant também os denomina juízo de ampliação. Exemplo: a afirmação “Os

corpos se movimentam”. Por mais que analisemos o conceito corpo (sujeito), não ex-

trairemos dele a informação representada pelo predicado se movimentam.

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Por fim, analisando o valor de cada juízo, Kant distingue três categorias: juízo analítico [...],

juízo sintético a posteriori [...] e juízo sintético a priori.

Estruturas do sentir e conhecer

[...] Kant buscou saber como é o sujeito a priori, isto é, o sujeito antes de qualquer

experiência. Conclui que existem no ser humano certas estruturas que possibilitam a

experiência (as formas a priori da sensibilidade) e determinam o entendimento (as formas a

priori do entendimento). Vejamos:

Formas � a priori da sensibilidade - são o tempo e o espaço. Kant dirá que percebe-

mos e representamos a realidade sempre no tempo e no espaço. Essas noções são

“intuições puras”, existem como estruturas básicas na nossa sensibilidade e são elas

que permitem a experiência sensorial.

Formas � a priori do entendimento - de forma semelhante, os dados que são cap-

tados por nossa sensibilidade são organizados pelo entendimento de acordo com

certas categorias. As categorias são “conceitos puros” existentes a priori no entendi-

mento, tais como o conceito de causa, necessidade, relação e outros, que servirão de

base para emissão de juízos sobre a realidade.

O conhecimento, portanto, seria o resultado de uma interação entre o sujeito que conhece

(de acordo com suas próprias estruturas a priori) e o objeto conhecido. Isso significa que

não conhecemos as coisas em si mesmas (o ser em si), isto é, como elas são independes de

nós. Só conhecemos as coisas tal como as percebemos (o ser para nós), os fenômenos, isto

é, as coisas são conhecidas de acordo com nossas próprias estruturas mentais.

Para Kant, sua filosofia representava uma superação do racionalismo e do empirismo, pois

argumentava que o conhecimento é o resultado de dois grandes ramos: a sensibilidade,

que nos oferece dados dos objetos; e o entendimento, que determina as condições pelas

quais o objeto é pensado.

Fonte: Cotrim (2006, p.161-163)

Augusto Comte

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/

File:Auguste_Comte.jpg

Seguindo nossa trajetória, vamos

conhecer sobre o Positivismo, corrente

do pensamento criada por Augusto

Comte (1789 - 1857) e dedicada, dentre

outros fundamentos, à valorização do

método científico baseado nos fatos e

nas experiências, aplicando-os às relações

e ações que constituem a sociedade,

culminando na física social. Sendo assim,

o referido pensador é considerado pai da

Sociologia, que inicialmente teve o nome

de Física Social.

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Conforme Rezende (2002), a proposta de Augusto Comte com relação à Física

Social, como foi inicialmente chamada a sociologia, correspondeu tanto à criação de

uma ciência dos fenômenos sociais quanto ao estabelecimento de “uma base racional

e científica para uma reforma intelectual e moral da sociedade pela instauração do

espírito positivo nas organizações das estruturas sociais e políticas” (REzENDE, 2002,

p.150).

Importa considerar que a expressão “espírito positivo” (assim como “positivo”,

“postura positivista” e outras equivalentes) não corresponde ao sentido popularmente

atribuído ao termo positivo, na qualidade de algo necessariamente assertivo e bom,

mas às iniciativas que pautam as reflexões e ações, inclusive sobre a organização so-

cial, em medidas racionais e organicistas, reguladas pelos critérios próprios ao método

da ciência em sua concepção moderna, sem que sejam consideradas as circunstâncias

ou condições que não estejam contempladas nos critérios do método e da razão (con-

forme a racionalidade compreendida pelo positivismo).

Comte desenvolveu a Lei dos três estados de evolução do conhecimento:

1. Estado teológico - atribui os fatos aos seres sobrenaturais, Deus.

2. Estado metafísico - substituição do estado teológico por forças abstratas.

3. Estado científico/positivo - a compreensão dos fenômenos mundanos são

resultados da observação e da razão. Conforme o Positivismo, as relações sociais são

analisadas sob prismas semelhantes àqueles utilizados para observação dos fenôme-

nos físicos e naturais.

A sociologia [com relação às ciências e demais considerações] [...]

significa o ponto de partida da moral, da política e da religião. Mo-

ral, política e religião positivas. Ela [a sociologia] compreende duas

partes: a) a estática social, que estuda a harmonia prevalecente en-

tre as diversas condições da existência e estabelece a ordem social;

b) a dinâmica social, que investiga o desenvolvimento ordenado da

sociedade (estuda a lei dos três estados) e estabelece as leis do pro-

gresso. (REZENDE, 2002, p.150)

CURIOSIDADE!

Conforme Rezende (2002, p. 155), “Os positivistas

participaram do movimento pela proclamação da República,

em 1889, e na Constituição de 1891, e, por sua influência,

a bandeira brasileira passou a ostentar o lema clássico do

positivismo, Ordem e Progresso.”

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/

File:Flag_of_Brazil_(1889-1960).svg

Com referência a esses fundamentos, o positivismo cunhado por Comte propu-

nha uma perspectiva ética diante da vida social que aceitasse a ideia de “Ordem e Pro-

gresso”, que estivesse pautada na razão positiva que acaba por limitar a manifestação

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coletiva de desconfortos capazes de culminar em revoluções, uma vez que assumia a

perspectiva linear da ordem sem espaço para as contradições. A própria “dinâmica so-

cial” proposta pelo positivismo não está associada às iniciativas de mudanças sociais;

ao contrário, está correlata ao reforçamento da ordem.

Neste contexto positivista, seria ético, portanto, manter a ordem (mesmo que

entre muitos) para conquista do progresso (mesmo que para poucos). Convidamos

você a algumas reflexões... Seria de fato ético “mover” uma sociedade rumo à aceitação

de valores já postos, sob formas que podemos chamar de evolucionismo conservado,

quando muito era preciso ainda conquistar, para que houvesse um dia o campo pró-

prio de respeito ao ser humano e ao seu trabalho (já que estamos situados à época

industrial...)? Você estaria de acordo com mecanismos de sustentação de relações que

tecem a sociedade que, de certa forma, pautassem valores e perspectivas éticas, não

na busca de melhores condições de vida para todos? Estamos propondo a você essas

reflexões, na qualidade de itens para pensar sobre a necessária interface: postura po-

sitivista, sociedade e ética.

Com o materialismo marxista, as formas de entendimento sobre as relações que

tecem a sociedade se apresentam de modo distinto ao perfil positivista pautado no

cientificismo, ou seja, na noção de que todo e qualquer conhecimento só é legítimo se

conquistado, mediante o método científico (espécie de endeusamento da ciência, do

método em sua perspectiva moderna); ao contrário, conforme a perspectiva materia-

lista, a concepção de ser humano passa a ser relacionada à condição histórico-social.

Em que consiste a afirmação de que o materialismo marxista relaciona o ser

humano à condição histórico-social? Quais são os fundamentos dessa afirmação e por

qual motivo ela ganha destaque frente a tantas outras correntes do pensamento filo-

sófico? Certamente, você já ouviu falar em Karl Marx. Aqui vamos mencionar os princi-

pais aspectos de sua proposta.

ampliando o conhecimento!

“Segundo Marx, o homem real é, em unidade indissolúvel, um ser espiritual e sensível,

natural e propriamente humano, teórico e prático, objetivo e subjetivo. O homem é, antes

de tudo, práxis: isto é, define-se como um ser produtor, transformador, criador; mediante

o seu trabalho, transforma a natureza externa, nela se plasma e, ao mesmo tempo, cria um

mundo à sua medida, isto é, à medida de sua natureza humana. Esta objetivação do homem

no mundo externo, pela qual produz um mundo de objetos úteis, corresponde à sua

natureza de ser produtor, criador, que também se manifesta na arte e em outras atividades.

Ademais, o homem é um ser social. Só ele produz, produzindo ao mesmo tempo

determinadas relações sociais (relações de produção) sobre as quais se elevam as demais

relações humanas, sem excluir as que constituem a superestrutura ideológica da qual faz

parte a moral.

O homem é também um ser histórico. As várias relações que contrai numa determinada

época constituem uma unidade ou formação econômico-social que muda historicamente

sob o impulso de suas contradições internas e, particularmente, quando chega ao seu

amadurecimento a contradição entre o desenvolvimento das forças produtoras e das

relações de produção. Mudando a base econômica, muda também a superestrutura

ideológica e, evidentemente, a moral.”

Fonte: Vázquez (2004, p. 291-292, grifo nosso)

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Karl Marx (1818 - 1883) desenvolve a ideia

materialista da historia, utilizando-se da forma

dialética no processo contínuo das relações de

produção social. O modo de produção material

é o reflexo das condicionantes sociais.

Karl Marx

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/

File:Karl_Marx.jpg

Diferente de Comte, Marx não compreendia a sociedade, menos ainda as re-

lações que a constituem, como o funcionamento de um organismo, seguindo a leis

específicas que mantém sua ordem. Ao contrário, o estudo das relações que tecem a

sociedade ganha com Marx a atenção frente aos processos de alienação, ideologia e

relações de poder diversas1, reflexos, por sua vez, dos meios de produção material da

vida. São conceitos fundamentais em Marx: mais valia, luta de classes, alienação, mo-

vimento dialético, ideologia etc.

A todo momento interfaceada com a ética, essa corrente do pensamento,

materialismo histórico e dialético, constitui tamanho marco no âmbito da Ética, que,

mesmo datada ao contexto da Modernidade, participa das concepções éticas contem-

porâneas. Mais uma vez, percebemos pensadores à frente do seu tempo. De acordo

com Vázquez (2004), a concepção ética contemporânea abrange não “só” as doutrinas

éticas atuais, pois abraçam também aquelas que surgiram no século xIx e permane-

cem atuais. Por exemplo, Hegel e Marx compartilharam da mesma época moderna,

entretanto, no que diz respeito às concepções éticas, o primeiro está situado no âm-

bito que lhe foi próprio - o da modernidade- o segundo, por sua vez, no âmbito da

contemporaneidade. Vejamos!

Friedrich Hegel

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hegel.jpg

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770

- 1831) defende a ideia de que a

realidade conjuntural não é estática,

mas o oposto, é dinâmica e, por muitas

vezes, se mostra contrária em si. As

contradições são o movimento de TESE

+ ANTíTESE = SíNTESE (movimento de

automelhoramento dialético).

1 Sobre alienação, ideologia e outros temas afins, estudaremos em aulas seguintes.

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A razão é, para Hegel, a realização construída, e o ser é, em sua

própria essência, razão. O homem é pensante, e então pensa o seu

pensamento; deste modo o objeto do pensamento é o próprio pen-

samento, a racionalidade produz o racional, a razão é o seu próprio

objeto. A ética segundo Hegel é conceitual, logo pensada como

nous, espírito, o “espírito autoconsciente”, tendo a liberdade como

fundamento, a vida ética é a formação absoluta que vai determinar

a participação efetiva do sujeito na vida comunitária. (NEVES, 2006,

p. 15)

Você já estudou, durante nossas aulas, a respeito da questão do conhecimento

conforme o criticismo kantiano, percebeu o modo pelo qual a razão era compreen-

dida, bem como a Ilustração/maioridade, os tipos de juízo etc. A questão moral em

Kant, portanto, relacionada a seus fundamentos, é normativa e corresponde ao que

conhecemos por formalismo kantiano.

Hegel, ainda que por caminhos diferentes, também apresenta contribuições à

concepção ética moderna, uma vez que seu pensamento filosófico está no âmbito da

abstração, sendo idealista. Importa aqui ressaltar a autonomia da razão e a postura

antropocêntrica como elementos de importância maior, principalmente, quando re-

cordamos que, durante o período medieval (por motivos que já estudamos ao longo

das aulas), este espaço não foi possível.

Em Karl Marx, a razão também é importante, mas este, por assim dizer, inaugura

um modo concreto de percebê-la! Por esses, dentre outros motivos, o modo de per-

cepção da ética em Karl Marx, ainda que com data de período moderno, é considerado

próprio à concepção ética contemporânea.

Por sua fundamentação, meu método não só difere do hegeliano,

mas é também sua antítese direta. Para Hegel, o processo de pensa-

mento, que ele, sob o nome de ideia, transforma num sujeito autô-

nomo, é o demiurgo do real, real que constitui apenas a sua mani-

festação externa. Para mim, pelo contrário, o ideal não é nada mais

que o material transposto e traduzido na cabeça do homem. (MARX,

18-- apud REZENDE, 2002, p. 181)

De acordo com Marx, o ser humano constrói a si mesmo conforme condição

histórico-social, uma vez que é um ser concreto, que ele chama de real, o que o dis-

tingue das concepções idealistas e essencialistas. O que e como conhecemos, como

somos, o que fazemos etc. são, portanto, coisas relacionadas às relações materiais que

tecem a vida. Propomos uma aproximação com a proposta sartriana. Avante!

Sartre (1905-1980), pensador contemporâneo, propõe a corrente do pensa-

mento filosófico que conhecemos por Existencialismo. Nesta, a máxima fundamental

é a de que “a existência precede a essência”. Portanto, o ser humano escolhe seu pró-

prio ser, construindo a si mesmo, mediante suas escolhas, a condição de liberdade e

responsabilidade necessárias e consequentes a esse processo de autoconstrução.

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Considerando que não há um determinismo, nem essência que preceda a exis-

tência, é do próprio ser humano a responsabilidade sobre quem ele é, e, ainda, sobre o

outro, uma vez que Sartre propõe que, escolhendo a si mesmo, o ser humano, escolhe

a humanidade.

[...] Se o homem fosse um ser cheio, total, pleno, com uma essência

definida, ele não poderia ter nem consciência nem liberdade. Primei-

ro, porque a consciência é um espaço aberto a múltiplos conteúdos.

Segundo, porque a liberdade representa a possibilidade de escolha.

Por intermédio de suas escolhas, o homem constrói a si mesmo e

torna-se responsável pelo que faz. Assim, para Sartre, se o homem

não expressasse esse vazio de ser, sua consciência já estaria pronta,

acabada, fechada. E, nesse caso, ele não poderia manifestar liberda-

de, pois estaria preso à realidade estática do ser pleno, do ser em-si.

(COTRIM, 2006, p.203)

Considerando essa perspectiva de incompletude do

ser, como você tece as reflexões no âmbito da ética?

Fonte: <http://commons.wikimedia.

org/wiki/File:Question_opening-

closing.svg>

Aqui concluímos a nossa sexta aula, em que demos continuidade aos nossos

estudos sobre as correntes do pensamento e suas interfaces éticas.

Até a próxima!

SínteSe

Kant, Comte, Marx, Hegel e Sartre são os autênticos protagonistas desta aula.

Eles nos oferecem verdadeiras possibilidades de reflexão sobre condições da nossa

atualidade. Desde as perspectivas racionais empíricas, expressas pelo criticismo Kan-

tiano, até o existencialismo sartriano, que remete o indivíduo à própria responsabilida-

de de ser e constituir-se pessoa pelo exercício de sua autonomia.

queStõeS Para reflexão

1. Considerando os posicionamentos de Augusto Comte e Karl Marx, como

você compreende a organização social de nossa atualidade?

2. Com que(quais) (dos) pensador(es) estudado(s) nesta aula você mais se iden-

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tificou? E como ele(s) poderia(m) ser atualizado(s) às necessidades e aos desafios im-

postos pela contemporaneidade?

leituraS indicadaS

HELFERICH, Christoph. História da Filosofia. São Paulo: Imfe, 2006.

REALE, Giovanni; ANTISSERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulus,

2000. v. 2

MONDIN, Batista. Curso de Filosofia. São Paulo: Paulus, 2003. v.2

SiteS indicadoS

http://www.kant.org.br/

http://www.culturabrasil.pro.br/

http://www.hegelbrasil.org/

http://www.sartre.org/

http://www.mundodosfilosofos.com.br/

referênciaS

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

DEMO, Pedro. Éticas Multiculturais: sobre convivência humana possível. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

NEVES, Maria Helena Franca. Bem-Aventurada Vida Ética: leitura e representação da individualidade, ne-

cessidade e trabalho no sistema hegeliano. Revista Eletrônica Estudos Hegelianos. Revista Semestral do

Sociedade Hegel Brasileira – SHB. Ano 3º - N.º 04 Junho de 2006. Disponível em: <http://www.hegelbrasil.

org/rev04c.htm>. Acesso em: 02 nov. 2012.

REzENDE, A. (org.). Curso de Filosofia. 11. ed. Rio de Janeiro: zahar, 2002.

VázQUEz, Adolfo Sánchez. Ética. 25. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

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auLa 07– rEFLExÕEs acErca Das tEmáti-cas: rELação com o saBEr, muLticuLtu-raLismo E intErcuLturaLismo

Autores: Naurelice Maia de Melo e Ueliton Lemos dos Santos

“Cada cultura é, na verdade, multicultural,

assim como cada um de nós é, na verdade,

multicultural.” (CORTINA, 2005, p.163)

. E dessa forma, multicultural, estamos envolvidas e envolvidos em diversos mo-

dos de aprendizagem... Em diversas relações de saber... Conforme Marconi e Presotto

(2010), assim como a essência da cultura compreende ideias, abstrações e comporta-

mentos, a natureza da cultura remete à aprendizagem. Pois, a cultura compreende os

modos aprendidos de vida conforme cada época e espaço, conforme as tradições e as

formas pelas quais indivíduos e grupos as comunicam, aprendem e transformam.

Durante aulas anteriores, você estudou sobre o processo do conhecimento e

seus elementos principais, compreendeu que a trajetória do conhecimento consta de

propostas distintas (algumas divergentes, outras complementares). Agora vamos se-

guir nossos diálogos com atenção às relações com o saber que, assim como a cultura,

também tem sua perspectiva multi.

CURIOSIDADE

Cotidianamente, o termo “culto” ou “inculto” é utilizado designando pessoas que têm ou não

têm cultura. Entretanto, este é um olhar equivocado... Veja no trecho a seguir:

“Muitas vezes, a palavra cultura é empregada para indicar o desenvolvimento do indivíduo

por meio da educação, da instrução. Nesse caso, uma pessoa ‘culta’ seria aquela que

adquiriu domínio no campo intelectual ou artístico. Seria ‘incluta’ a que não obteve

instrução. Os antropólogos não empregam os termos culto ou inculto, de uso popular, nem

fazem juízo de valor sobre esta ou aquela cultura, pois não consideram uma superior à

outra. Elas apenas são diferentes em nível de tecnologia ou integração de seus elementos.

Todas as sociedades - rurais ou urbanas, simples ou complexas - possuem cultura. Não

há indivíduo humano desprovido de cultura exceto o recém-nascido e o homo ferus; um,

porque ainda não sofreu o processo de endoculturação, e o outro, porque foi privado do

convívio humano.” (MARCONI, PRESOTTO, 2010, p. 21)

Fonte: http://www.sxc.hu/photo/894905

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O convívio, as relações entre as pessoas e seus ambientes e a aprendizagem

promovem a(as) cultura(as), assim como favorecem o saber. Charlot (2000) elucida que

a relação com o saber e a aprendizagem estão associadas ao modo próprio de constru-

ção do humano, de autoconstrução, processo que entrelaça três instâncias correlatas

umas às outras e fundamentais: hominização, singularização e socialização, conforme

segue:

Imagem: elaboração própria

Nascer significa ver-se submetido à obrigação de aprender. Aprender

para construir-se, em um triplo processo de “hominização” (tornar-

se homem), de singularização (tornar-se um exemplar único de

homem), de socialização (tornar-se membro de uma comunidade,

partilhando seus valores e ocupando um lugar nela). Aprender para

viver com outros homens com quem o mundo é partilhado. Apren-

der para apropriar-se do mundo, de uma parte desse mundo, e para

participar da construção de um mundo pré-existente. Aprender

em uma história que é, ao mesmo tempo, profundamente minha,

no que tem de única, mas que me escapa por toda parte. Nascer,

aprender, é entrar em um conjunto de relações e processos

que constituem um sistema de sentido, onde se diz quem eu

sou, quem é o mundo, quem são os outros. (CHARLOT, 2000, p.

53, grifos nossos)

Sobre a relação com o saber, Charlot (2000) afirma também que corresponde à

relação que o sujeito estabelece com o mundo, com ele mesmo e com o outro.

“É relação com o mundo como conjunto de significados, mas, também, como

espaço de atividades, e se inscreve no tempo”. (CHARLOT, 2000, p.79). A relação com o

saber compreende o tempo em seus aspectos referentes tanto ao passado quanto ao

presente e ao futuro. Portanto, remete às trajetórias próprias da humanidade e de cada

ser. Remete também às realizações e aos modos atuais de existência (do indivíduo e da

humanidade) e às possibilidades frente ao projetar-se.

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Relação do sujeito com o próprio sujeito favorece a compreensão de si mesmo

na qualidade de cognoscente, sem prescindir do movimento incessante de conquista

e construção do próprio ser.

O referido movimento, por sua vez, não ocorre no isolamento. A relação com o

saber, portanto, é também a relação que o sujeito estabelece com o outro. O conjunto

de suas implicações, esteja manifesto em alegrias ou dissabores, é constituinte indis-

pensável à aprendizagem e às aprendizagens. Nessa perspectiva, percebemos o dife-

rente e vislumbramos as idiossincrasias que, sendo nossas, também nos fazem dessa

forma, mas não desiguais.

Atualmente, ouvimos e muitas vezes afirmamos que é preciso “aceitar o dife-

rente”, respeitar as diversidades existenciais próprias de cada ser ou grupo social. Mas,

sabemos o que essa postura significa? Quem é esse ser diferente que teima a me afron-

tar cotidianamente? E, quais são essas diversidades estabelecidas? Por que não são

“normais” como nós, e pertencentes ao nosso grupo? Será que eles não sabem que

estão “errados” e, portanto, precisam juntar-se a nós?

Esses são apenas alguns questionamentos e problemáticas iniciais para a reali-

zação da reflexão sobre cultura e seus desdobramentos.

Por cultura, nós compreendemos toda a ação humana que possui uma inten-

cionalidade em um dado espaço e em um momento temporal, ou seja, consiste na

produção e transformação do seu meio para satisfação de necessidades, expressos

tanto em ordem material, quanto nos aspectos imateriais. Assim, dessa forma, é per-

mitida ao sujeito a possibilidade de construção de sua própria cultura individual inte-

grada à social, mediante as relações estabelecidas na realidade conjuntural.

Adela Cortina, filósofa contemporânea de origem espanhola, nos apresenta um

entendimento bastante interessante sobre a concepção de cultura.

Cultura, o conjunto de modelos de pensamento e de conduta que

dirigem e organizam as atividades e produções materiais de um

povo, em sua tentativa de adaptar o meio em que vive a suas ne-

cessidades, e que pode diferenciá-lo de qualquer outro. (CORTINA,

2005, p. 148)

Observando a citação, temos o entendimento de cultura enquanto produção

humana, mas também, enquanto um agente diferenciador. Veja! Agente de diferença

e não de desigualdade. Não existe problema em sermos diferentes, muito ao contrário!

Na diversidade dos opostos, crescemos e nos fortalecemos enquanto ser social crítico

e criativo da realidade. Essa é a saída do enclausuramento da vaidade humana, que

soberbamente pensa e acredita ser sua cultura maior e melhor que as demais. Eis o

desafio!

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“São as desigualdades que devem ser combatidas, não as diferenças, essas só nos enriquecem” (Arabela C

Olivien, 2007)

Mural Universidade Federal do Rio Grande do Sul - São as desigualdades que

devem ser combatidas, não as diferenças, essas só nos enriquecem - Arabela C Oli-

vien 2007.jpg.

Imagem disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mural_Universidade_Federal_do_Rio_Grande_do_Sul_-

_S%C3%A3o_as_desigualdades_que_devem_ser_combatidas,_n%C3%A3o_as_diferen%C3%A7as,_essas_s%C3%B3_nos_

enriquecem_-_Arabela_C_Olivien_2007.jpg>. Acesso em: 09 dez 2012.

Como e de que forma desenvolver uma mentalidade de conciliação entre os diversos

primando por suas características idiossincráticas?

”Apenas” nisso consiste o problema do novo século.

A realidade é multiversa e, portanto, o são as estruturas sociais, que, em um

mesmo território, e em um mesmo tempo, agregam um conjunto variado de fenôme-

nos, muitas vezes conflitantes, e tidos como inconciliáveis. Não negamos essa realida-

de em um ato de sublimação. Sabemos de sua existência e, mediocremente, criamos

alternativas pífias de superação expressas pelo multiculturalismo radical ou mesmo

através do multiculturalismo assimilacionista.

Vamos entender um pouco mais sobre eles?!

Em principio, poderíamos dizer que o multiculturalismo consiste

em um conjunto variado de fenômenos sociais, que derivam da di-

fícil convivência e/ou coexistência em um mesmo espaço social de

pessoas que se identificam com culturas diferentes. Os problemas

que se apresentam não procedem tanto do fato de haver diferentes

culturas quanto do fato de que pessoas de diferentes bagagens cul-

turais tenham de conviver em um mesmo espaço social, seja uma

comunidade politica, seja uma comunidade real em seu conjunto,

em que o mais das vezes uma das culturas é a dominante.

Os procedimentos tentados para organizar as diferenças culturais

compõem uma escada cujo degrau inferior é o multiculturalismo

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radical, que se pronuncia por uma politica de apartheid, ao estilo

do que existiu na África do Sul, e o seguinte é o assimilacionismo de

maior ou menor porte. As politicas da apartheid defendem a separa-

ção dos diferentes grupos culturais, que vivem em diferentes lugares,

inclusive físicos, enquanto a assimilação das culturas é relegada pela

dominante foi o modo habitual de proceder dos grupos imigrantes,

aos quais se pede que abandonem sua própria cultura e adotem a

do novo país. (CORTINA, 2005, p. 140 - 141)

Convidamos você a realizar um exercício de aproximação conceitual à prática

existencial. Vamos juntos reduzir a escala do multiculturalismo radical e do multicultu-

ralismo assimilacionista e veremos o quão presentes essas situações estão em nosso

cotidiano.

Em nossas esferas relacionais, muitas vezes observamos e mesmo até tomamos

atitudes que deixam muito claro a separatividade. Por um simples ato ou gesto não

permito que outras pessoas se aproximem de mim, por considerar minha estrutura

cultural superior à deles. Esse é o princípio da intolerância religiosa, da segregação

econômica e do repudio aos tido como “minorias”. De outra forma, isso também se faz

quando adoto posturas autoritárias frente às pessoas, impondo-as um modelo de ser

e agir semelhante ao meu, culminando em posturas que podemos considerar como

uma condição etnocêntrica.

Muito infelizmente essas situações estão se tornando cada vez mais comuns.

Negligenciamos com nossa identidade por considerar o de fora mais interessante e/

ou mais correto do que nossas próprias considerações existenciais.

A temática dessa realidade foi contemplada de diversas maneiras e por muitas

pessoas: filósofos, artistas, poetas, músicos etc. Aqui, neste momento, buscamos Re-

nato Manfredini Júnior (1960 - 1996), mais conhecido como Renato Russo, vocalista da

banda de rock Legião Urbana, na sua música índios do álbum Dois, de 1986.

Índios

Legião Urbana

Quem me dera ao menos uma vez

Ter de volta todo o ouro que entreguei

a quem

Conseguiu me convencer que era prova

de amizade

Se alguém levasse embora até o que eu

não tinha

Quem me dera ao menos uma vez

Esquecer que acreditei que era por

brincadeira

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho Entenda

Assim pude trazer você de volta pra mim

Quando descobri que é sempre só você

Que me entende do início ao fim

E é só você que tem a cura pro meu vício

De insistir nessa saudade que eu sinto

De tudo que eu ainda não vi

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Que se cortava sempre um pano-de-

chão

De linho nobre e pura seda

Quem me dera ao menos uma vez

Explicar o que ninguém consegue

entender

Que o que aconteceu ainda está por vir

E o futuro não é mais como era

antigamente

Quem me dera ao menos uma vez

Provar que quem tem mais do que

precisa ter

Quase sempre se convence que não tem

o bastante

Fala demais por não ter nada a dizer

Quem me dera ao menos uma vez

Que o mais simples fosse visto

Como o mais importante

Mas nos deram espelhos e vimos um

mundo doente

Quem me dera ao menos uma vez

Entender como um só Deus ao mesmo

tempo é três

E esse mesmo Deus foi morto por vocês

Sua maldade, então, deixaram Deus tão

triste

Quem me dera ao menos uma vez

Acreditar por um instante em tudo que existe

E acreditar que o mundo é perfeito

E que todas as pessoas são felizes

Quem me dera ao menos uma vez

Fazer com que o mundo saiba que seu nome

Está em tudo e mesmo assim

Ninguém lhe diz ao menos, obrigado

Quem me dera ao menos uma vez

Como a mais bela tribo

Dos mais belos índios

Não ser atacado por ser inocente

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho

Entenda

Assim pude trazer você de volta pra mim

Quando descobri que é sempre só você

Que me entende do início ao fim

E é só você que tem a cura pro meu vício

De insistir nessa saudade que eu sinto

De tudo que eu ainda não vi

Nos deram espelhos e vimos um mundo

doente

Tentei chorar e não consegui

Fonte: Legião Urbana. Índios. Disponível em: <http://letras.mus.br/legiao-urbana/1300285/>. Acesso em: 25 nov 2012.

Sabemos que a proposta do autor não correspondeu diretamente ao multicul-

turalismo ou à relação com o saber. Mencionamos a música na qualidade de convite

para tais reflexões, na perspectiva de alusão aos conhecimentos aos quais nos dedi-

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camos nesta aula, sem reduzir o significado e os sentidos da composição em sua am-

plitude.

É possível tecer relações entre trechos da música tanto quanto a ação multicul-

turalista radical e assimilacionista, praticada na população brasileira, quanto a elemen-

tos da relação com o saber. Por exemplo, em momentos tais como:

- “Quem me dera ao menos uma vez / Que o mais simples fosse visto / Como o mais

importante / Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente”. Quem nos diz ser o

mais importante, quem é esse complexo que não permite ao simples sua vez? E mais,

vemos um mundo doente mediante espelhos que nos é dado. A menos que se tenha

mudado, a finalidade do espelho é a observação da imagem refletida, então, o mundo

doente consiste no resultado da ação individual e coletiva em negligenciar a própria

constituição identitária e assim nos descaracterizamos e adoecemos.

- “Quem me dera ao menos uma vez / Ter de volta todo o ouro que entreguei a

quem / Conseguiu me convencer que era prova de amizade / Se alguém levasse embora

até o que eu não tinha”. Considerando a relação com o saber na qualidade de relação

do sujeito com o tempo, com ele próprio e com o outro; muitas vezes essas relações se

dão estereotipadas e ideologicamente movidas para a dominação social e realização

de posturas etnocêntricas. Lógico que não seria “amizade” uma colonização! Mas ideo-

logicamente já se apresentou nessas vestes e tomou quase que por assalto os acessos

à liberdade dos modos próprios de ser de um grupo social, subjulgando sua cultura

e impondo sobre ela outras formas de ser. Ou, em outra associação (aqui seguimos

com elas de modo livre, sem que conduzam ao sentido originário da composição, con-

forme já mencionado antes das apresentações desses trechos da música): no âmbito

dos relacionamentos entre as pessoas, quantas vezes os sentidos peculiares à amizade

sucumbem às relações de interesse que podem “levar embora” até o que o outro “não

tinha” sem que percebam, a priori, o fim utilitário de algumas relações sob as vestes de

“amizade” ou, agora em sentido de metáfora, relações de “colonização”... O cultivo da

perspectiva da esperança é bem-vindo e por esses e outros caminhos, podemos aqui

recordar Charlot (2010, p. 53):

Nascer significa ver-se submetido à obrigação de aprender [...]. Nas-

cer, aprender, é entrar em um conjunto de relações e processos que

constituem um sistema de sentido, onde se diz quem eu sou, quem é

o mundo, quem são os outros.

(CHARLOT, 2010, p. 53)

- “Quem me dera ao menos uma vez / Explicar o que ninguém consegue entender

/ Que o que aconteceu ainda está por vir/ E o futuro não é mais como era antigamente”.

Aqui podemos lançar o olhar sobre a relação com o saber, com atenção à relação do

sujeito com o tempo e este em suas instâncias - passado, presente e futuro, interliga-

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das - uma vez que tecemos (presente) as relações que fazem nosso ambiente e somos

também tecidos pelo contexto histórico-social (presente) e suas tradições (passado)

materiais e imateriais, construindo, assim, o projeto do vir-a-ser (futuro) tanto na qua-

lidade de indivíduo quanto na qualidade ser social, na mutabilidade das relações que

constituem a vida.

A dificuldade do multiculturalismo não é meramente política e econômica (es-

sas são apenas consequências). Compreendemos que o cerne da questão passa pelo

caráter idiossincrático no qual e pelo qual nos tornamos seres humanos, verdadeira-

mente humanos, ou nos relacionamos com o saber, no qual e pelo qual experimenta-

mo-nos, enquanto indivíduo e sociedade, mediante processos de hominização, singu-

larização e socialização; em relação que estabelecemos com nosso próprio ser, com o

mundo e com o outro.

Não se trata, portanto, de manter as diversas culturas, como se fos-

sem espécies biológicas e fosse preciso defender a “biodiversidade”.

Trata-se antes de tomar consciência de que nenhuma cultura tem

a solução para todos os problemas vitais e de que pode aprender

com outras, tanto soluções das quais carece como a se compreender

a si mesma. Nesse sentido, uma ética intercultural não se encontra

em assimilar as culturas relegadas à vencedora, nem tampouco

com a coexistência das culturas, mas convida a um diálogo entre

as culturas, de forma que respeitem as diferenças e esclareçam con-

juntamente o que consideram irrenunciáveis para construir, a partir

de todas elas, uma convivência mais justa e feliz. Tendo em conta,

por outro lado, que a compreensão de outros é obtida por meio da

convivência e do dialogo é indispensável para autocompreensão.

(CORTINA, 2006, p. 144)

Nesse caminho de autocompreensão, buscamos quem somos, como somos,

com quem somos; buscamos trilhar as descobertas, conhecer as origens e as possi-

bilidades de futuro... Neste (e em outros) caminho, importa também o olhar quanto à

ética, seja no sentido de humanidade e/ou no âmbito das idiossincrasias...

Fonte: Adaptado de http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Woher_kommen_wir_Wer_sind_wir_Wohin_gehen_wir.

jpg?uselang=pt-br

De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?

D’où venons-nous? Que sommes-nous? Où allons-nous? Obra de: Paul Gauguin. Disponível em: <http://commons.wikimedia.

org/wiki/File:Woher_kommen_wir_Wer_sind_wir_Wohin_gehen_wir.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 14 out 2012.

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Cortina (2006, p. 144) afirma que “para levar a termo o projeto de uma ética

intercultural, é preciso enfrentar problemas antropológicos, psicológicos, éticos, jurí-

dicos, políticos.”

A proposta de se constituir uma nova perspectiva, pautada em uma ética in-

tercultural, representa um meio de superação do desafio imposto pela intransigência.

Isso representa a não menos aceitação das diferenças naquilo que pode ser acrescido

enquanto aspectos positivos, fruto de uma autêntica relação dialógica, na qual a com-

preensão de si fica diretamente relacionada ao outro de forma recíproca e imediata e

nasce a identidade assumida pelo exercício da liberdade, respeitando a dignidade da

diversidade do ser.

Em si tornando uma realidade à proposta intercultural, acreditamos que mui-

tas de nossas dificuldades relacionais deixariam de existir, pois de certo que somos o

outro do outro e, na mesma medida e proporção, nos fazemos diferentes e até, muitas

vezes, contrários em diversas situações, negligenciamos, e por que não, determinamos

o outro em seu modo de ser agir e pensar, julgamos diariamente comportamentos e

atitudes, sem ao menos nos questionarmos sobre nossa “autoridade”, ou melhor, dizer

“pseudoautoridade”. Aceitar o diferente, em sua essência, já pode ser considerado um

ato de soberania sobre os demais. Por outro lado, acreditamos ser o mais acertado

a ação de lançar o olhar sobre o olho que nos olha. O que isso quer dizer? É preciso

conceber o outro como a mim mesmo, sem distinção e despido das contingências

sociais que, em muitas oportunidades, provocam verdades que apenas figuram como

elementos de separatividade.

Cada cultura é na verdade multicultural, assim como cada um de

nós é na verdade multicultural.

As culturas, assim como as tradições, nascem, se transformam e

podem morrer quando carecem de capacidade para responder aos

novos desafios apresentados pelo entorno. Mas não nascem e se

transformam radicalmente separadas de si - é exatamente o que

ocorre. Algumas nascem de outras, ou então se transformam, quan-

do se sentem incapazes de responder ao entorno, tomando de ou-

tros elementos que se mostram mais apropriados para fazer frente

aos novos desafios. (CORTINA, 2006, p. 163)

Assim como Cortina, o filósofo e antropólogo Edgar Morin, através de suas va-

riadas obras, nos apresenta significativas contribuições para superação da “separativi-

dade”. Ele defende a perspectiva de uma realidade “complexa”. O que seria isso? Com-

plexo = complicado? Difícil?

Essa problemática existencial, segundo o autor, deve ser suplantada por uma

nova forma de compreensão da realidade. Essa perspectiva é o que ele denomina

pensamento complexo, no qual a concepção de realidade se apresenta ao sujeito

como parte dele próprio, sendo um todo integrado, sistêmico e dinâmico, na qual

tudo é dialogizável.

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Num primeiro sentido, a palavra

complexus significa “o que está tecido”.

E é esse tecido que é preciso conceber.

Mas quando vemos as inúmeras

interações que se fazem entre as células

de nosso corpo e, no interior delas, entre

as moléculas, é evidente que não se

pode ter nenhuma certeza sobre o que

se passa localmente neste ou naquele

ponto. [...] Como a complexidade

reconhece a parcela inevitável de

desordem e de eventualidade em

todas as coisas, ela reconhece a

parcela inevitável de incerteza no

conhecimento. [...] A complexidade

repousa ao mesmo tempo sobre o

caráter de “tecido” e sobre a incerteza.

(MORIN, 2001, p. 564)

Edgar Morin

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Edgar_Morin_

IMG_0558.jpg Acesso em 02 dez 2012.

O complexo é a concepção da realidade sob uma forma sistêmica e holística,

sendo que o todo não constitui um simples resultado das somas de suas partes. Na

verdade, o todo representa a conjugação existencial própria do ser sendo, vivendo e

participando, existindo.

À medida que nos relacionamos, modificamos e transformamos nosso universo,

construímos e desenvolvemos culturas, produzimos conhecimento. Esses fenômenos

da existência humana figuram na vida como fios de uma teia, que é tecida e desenvol-

vida ao longo e a medida das escolhas terrenas. Assim, a qualidade de nossas relações

são unicamente responsabilidades intrínsecas ao indivíduo em relação consigo e com

o outro nas suas mais variadas manifestações existenciais.

O que é feito a um fio repercute direta ou indiretamente em todos os demais

constituintes da teia. Não se trata de uma perspectiva ingênua e desprovida de sen-

tido, quiçá romântica, mas, muito ao contrário, o destino de um é compartilhado por

todos os integrantes.

Dessa forma, as divergências e contradições culturais não passariam de “pseu-

dos” referenciais humanos e, assim, deixaríamos de atribuir tanta relevância a situa-

ções/problemas que teimam em nos demandar tempo e energia.

Em outras palavras, a teia da vida consiste em redes dentro de redes.

Em cada escala, sob estreito e minucioso exame, os nodos da rede se

revelam como redes menores. Tendemos a arranjar esses sistemas,

todos eles aninhados dentro de sistemas maiores, num sistema hie-

rárquico colocando os maiores acima dos menores, à maneira de

uma pirâmide. Mas isso é uma projeção humana. Na natureza, não

há ‘acima’ ou ‘abaixo’, e não há hierarquias. Há somente redes ani-

nhadas dentro de outras redes. (CAPRA, 1996, p. 44-45)

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Tecer um fio desta teia constitui estabelecer um elo relacional social, à medi-

da que são feitos os vários fios desta teia. Significa que estão sendo criadas as redes

sociais, que, por conseguinte, produzem conhecimentos e cultura e valores (normas

sociais especificas).

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Fritjof_Capra.

jpeg

Fritjof Capra

PhD. em Fisica, Viena. Fisico e especialista

em teoria sistêmica, autor de o O Ponto

de Mutação O Tao da Fisica e Sabedoria

Incomum. Fundador e presidente do

Elmwood Institute, Berkeley California.

Segundo Capra (2002), este

sistema de valores que são

desenvolvidos durante a

formação destas redes sociais

possibilita a criação de uma

identidade entre os membros

integrantes da sociedade.

“O comportamento das pessoas é moldado e delimitado pela identidade cultural

delas, a qual, por sua vez reforça a sensação de fazer parte de um grupo maior”.

(CAPRA, 2002, p.99).

O pensamento complexo consiste na união entre as partes e as multiplicidades.

Somos unidades participantes de uma múltipla diversidade conjuntural autônoma e

dinâmica rumo à construção de uma identidade planetária na qual todos somos um.

Considerando que constituímos a mesma, complexa e integrada realidade,

como então é possível a exploração de uma pessoa ou grupo por outra pessoa ou

grupo? Sabendo que construímos nosso ser de modo também relacional, em ambien-

tes multiculturais, tendo ainda o olhar lançado sobre a condição humana de autocon-

quista e autoconstrução, com atenção aos processos de hominização, singularização

e socialização, bem como às relações do sujeito com o mundo, com ele mesmo e com

o tempo, como podem ocorrem as vias de alienação que chegam, infelizmente, a pro-

vocar a reificação do humano?

As respostas para questionamentos como estes não são postas nem dadas

como informações absolutas. Convidamos você, querido(a) estudante, para tecermos

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em parceria os possíveis caminhos de compreensão e transformação de realidades

pautadas nos processos ideológicos de dominação social, dentre outras dominações

diretas e indiretas, simbólicas e concretas. É nesta perspectiva que seguimos durante

nossa Aula 08 com o fundamento básico (sobre alienação, o mundo do trabalho e os

processos ideológicos de dominação social) para a conquista de reflexões que possam

bem guiar as elaborações das próprias respostas e, sobretudo, das próprias perguntas

e inquietações frente ao mundo. Vamos adiante! Você é pessoa convidada! Encontra-

remos você durante a Aula a seguir.

SínteSe

Nesta aula tivemos a oportunidade de realizarmos profundas reflexões, desde

as relações do saber com as perspectivas de hominização, singularização e socializa-

ção, passeando pela problemática da diversidade cultural e seus desdobramentos, até

alcançarmos o ápice no pensamento complexo através das contribuições de Morin e

Capra. Assim, esta aula tem uma peculiaridade: seu escopo consiste no chamamento

da responsabilidade na condução e direcionamento de nossa existência diante da vida

como uma representação sistêmica e holística.

queStão Para reflexão’

1. Reflita sobre a citação, e estabeleça uma relação com sua atual condição exis-

tencial.

A inteligência parcela, compartimentada, mecanicista, disjuntiva e

reducionista rompe o complexo do mundo em fragmentos disjun-

tos, fraciona os problemas, separa o que está unido, torna unidi-

mensional o multidimensional. É uma inteligência míope que acaba

por ser normalmente cega. Destrói no embrião as possibilidades de

compreensão e de reflexão, reduz as possibilidades de julgamento

corretivo ou da visão a longo prazo. Por isso, quanto mais os pro-

blemas se tornam multidimensionais, maior é a incapacidade de

pensar sua multidimensional idade; quanto mais a crise progride,

mais progride a incapacidade de pensar a crise; mais os problemas

se tornam planetários, mais eles se tornam impensáveis. Incapaz de

considerar o contexto e o complexo planetário, a inteligência cega

tornar-se inconsciente e irresponsável. (MORIN, 2001, p. 43)

2. Conforme Morin (2001, p.18), “o pensamento que une o modo de conheci-

mento se prolonga para o plano da ética, da solidariedade e da política. Há uma ética

da complexidade que é uma ética da compreensão.” Como você compreende essa ci-

tação e de que forma sua proposta pode ser realizada?

leituraS indicadaS

ARDUINI, Juvenal. Antropologia: ousar para Reinventar a Humanidade. 2. ed. São

Paulo: Paulus, 2002.

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BAUMAN, zygmunt. Comunidade. Rio de Janeiro: zahar, 2003.

______. Identidade. Rio de Janeiro: zahar, 2006.

FROMM, Erich. Análise do Homem. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983.

______. O medo à liberdade. Rio de Janeiro: zahar Editores, 1983.

GALANTINO, Nunzio. Dizer Homem Hoje: Novos Caminhos da Antropologia

Filosófica. São Paulo: Paulus, 2003.

SiteS indicadoS

http://www.fritjofcapra.net/

http://www.edgarmorin.org.br/

http://www.ebah.com.br/content/ABAAABG1MAH/etica-adela-cortina

http://filosofarpreciso.blogspot.com.br/2009/06/bernard-charlot-ensinar-com-

significado.html

referênciaS

CAPRA, Fritjof. A teia da Vida. São Paulo: Ed. Cultrix, 1996.

______. As Conexões Ocultas. São Paulo: Ed. Cultrix, 2002.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000.

CORTINA, Adela. Cidadãos do Mundo, para uma teoria da cidadania. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

MORIN, Edgar. A Religação dos saberes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 7. ed. São

Paulo: Atlas, 2010.

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auLa 08 – iDEoLogia, aLiEnação E tra-BaLHo: uma rEFLExão triPartitE Em ProL Da rEconQuista Do Humano QuE Há Em nós

Autores: Naurelice Maia de Melo e Ueliton Lemos dos Santos

“Ainda que procure, de formas diversas, controlar todo o devir

que o mundo em si expressa, permanecerá não-absoluto, o hu-

mano, diante do ‘tudo’. E, se considerar como estático, o espaço

em que vive, cairá num descompasso, num momento incoerente.

Pois, sequer sente... Como oscilante ente o ser e o vir-a-ser... Isto

é devir, metamorfose que, como um forte gole de transformações,

faz-nos crer no infindável ter-se inseguro, ter-se incompleto, ter-se

físico, ter-se além físico, ter-se no físico [...] do qual a ciência tenda

apoderar-se, tenta consolidar-se, tenta explicar-se... E acaba por

provar o sempre estar e não estar, o real, o utópico (não lugar)

onde alianças sempre surgem. Elos. Esperanças. Sempre ‘novas

alianças’ “.

(MAIA, 2003, p.26)

Iniciamos o conjunto de Aulas com atenção à ciência, ao conhecimento, à filo-

sofia. E seguimos nossos caminhos passeando sobre a origem e organização do uni-

verso, com reflexões sobre o pensamento clássico, a moral, as concepções éticas, inter-

faceadas com correntes do pensamento filosófico, e a relação com o saber, reunidas às

considerações a respeito do multiculturalismo e interculturalismo.

Nesta Aula 8, tomamos por epígrafe um trecho da expressão poética que faz

livre alusão, dentre outros aspectos, à obra do físico Ilya Prigogine e da filósofa Isabelle

Stengers. De certo modo, começamos nossos diálogos e concluímos os escritos com

olhares sobre a ciência. Na aula anterior, você estudou os constituintes da relação com

o saber e observou, dentre eles, a relação do sujeito com o tempo (passado, presente

e futuro). Quem dera os olhares sobre o tempo fossem todos eles como os destinados

por Charlot, De Masi, Prigogine, Stengers... Pelas pessoas dedicadas à ciência (em sua

concepção contemporânea) e por aquelas dedicadas à poesia.

Quem dera o tempo não fosse instituído, por assim dizer, como mercado e as

pessoas não fossem reificadas porque, atentas a incessante autoconstrução, não su-

cumbiriam ao “status” das coisas. E a “tirania da precisão” não encontrasse espaço entre

as relações. Quem dera as pesquisas, nas diversas áreas, fossem tão genuínas quanto à

concepção grega de ciência, que, contemplativa, não encontrava o sentido da posse.

Diferente da concepção moderna que, com o advento do método, acabou por condu-

zir a si mesma aos caminhos do cientificismo...

Quem dera fosse a ciência (agora em sua concepção contemporânea, da era das

incertezas, e das “saídas” dos estados excessivos de controle) compreendida em escala

maior e os jargões que pesam sobre a expressão “senso comum” pudessem compreen-

der, como propõe Rubem Alves, que do senso comum emerge o bom senso; ou, como

iniciativas de Gramsci, que defendem a possibilidade e necessidade de que os saberes

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filosóficos estejam dedicados a todas as pessoas (sobretudo às comuns), saindo dos

limites de acesso apenas àqueles de concepções elitistas, inclusive, para os quais não

haveria o desejo de sair de onde já estão e os saberes, todos eles, culminariam em ins-

trumentalização para manter privilégios de poucos...

Quem dera que as circunstâncias fossem assim de fato dadas, doadas, mas só

o são quando para reforçamento dos processos que tornam alheio ao ser humano a

sua própria humanidade e, neste sentido, importa que o “quem dera” não se realize.

Que seja fortalecido o lugar para o “quem constrói”, que sejamos elaboradores da exis-

tência, guardando o respeitoso encantamento ante o seu devir. Mas, os imediatismos

sustentados pelas ideologias e alienações acabam por diminuir a esfera da percepção

complexa, integrada e integradora da realidade e por aumentar a esfera das ausências

da humanidade no próprio humano, por estar alheio a si mesmo1.

Embora de lugar comum, qual significado da alienação?!

O termo alienação, conforme sua origem latina (alienare), significa transformar

em alheio, atribuir a outro o que é próprio de alguma pessoa, “tornar” alheio o que é

propriamente nosso. Alienus corresponde àquilo que é alheio, que pertence a outro. Os

processos de alienação, de modo geral e com o teor social, buscam tornar alheio até

mesmo a autonomia do pensar de cada indivíduo, a exemplo dos programas televisos

que podemos chamar de verdadeiros entorpecentes sociais para aqueles indivíduos

que, frente a eles, não discernem a realidade e não exercitam a crítica e o posiciona-

mento próprio que lhe integra seu modo de sentir, pensar e agir.

VOCÊ SABIA?

Fonte: http://www.sxc.hu/photo/875412

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Psi2.svg

http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Coruja_Buraqueira_na_praia_11.jpg

”A palavra alienação...

Em direito, designa a transferência da propriedade de um bem a outra pessoa. Nesse

sentido, costuma-se dizer que ‘os bens do devedor foram alienados’.

Em psicologia, refere-se ao estado patológico do indivíduo que se tornou alheio a si

próprio, sentindo-se como um estranho, sem contato consigo mesmo ou com o meio social

em que vive.

Na linguagem filosófica contemporânea, corresponde ao processo pelo qual os atos

de uma pessoa são dirigidos ou influenciados por outros e se transformam em uma força

estranha colocada em posição superior e contrária a quem a produziu. Nesta acepção, a

palavra deve muito de seu uso a Marx.”

Fonte: COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 28.

1 ...até um dia... No qual, ainda que lenta e progressivamente, a esfera do humano não seja apenas uma esfera, seja a realidade que

(re)integra e emancipa.

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Conforme Cotrim (2006, p. 28), “o termo alienação havia sido usado primeira-

mente por Hegel para designar o processo pelo qual os indivíduos colocam as suas

potencialidades nos objetos por eles criados”. Em Hegel, portanto, ainda conforme

Cotrim (2006), a alienação corresponderia ao modo de tornar externa a criatividade

humana. Expressá-la corresponderia à construção de obras no mundo; “nesse sentido,

o mundo da cultura seria uma alienação do espírito humano, uma criação do homem,

que nela se reconheceria” (COTRIM, 2006, p. 29).

Este significado atribuído à alienação não corresponde ao sentido que contem-

poraneamente é aplicado ao referido termo no âmbito da Filosofia (corresponde ao

que hoje é também chamado de objetivação), mesmo estando situado em contexto

filosófico, neste caso quanto ao idealismo hegeliano.

Na contemporaneidade, os diálogos em torno da alienação têm por referencial

o significado que o termo assume a partir da perspectiva de Karl Marx. Aquele signi-

ficado, utilizando palavras de Cotrim (2006, p. 28), correlato ao “processo pelo qual os

atos de uma pessoa são dirigidos ou influenciados por outros e se transformam em

uma força estranha colocada em posição superior e contrária a quem a produziu”.

Diferentemente de Hegel, Marx identificou, nesse processo de exte-

riorização da criatividade humana, dois momentos distintos:

O primeiro seria o da objetivação, que se refere especificamente à

capacidade de o homem se objetivar, se exteriorizar nos objetos e

nas coisas que cria, o que é algo próprio do saber-fazer humano.

O segundo momento, para o qual Marx reserva o termo aliena-

ção, seria aquele em que o homem, principalmente no capitalismo,

após transferir suas potencialidades para os seus produtos, deixa de

identificá-los como obra sua. Os produtos “não pertencem” mais a

quem os produziu. Com isso, são “estranhos” a quem os produziu,

seja no plano econômico, psicológico seja no social. (COTRIM, 2006,

p. 28-29)

As diversas instâncias da vida podem estar mediadas (ou não) pelos proces-

sos de alienação. Importa que tenhamos a percepção atenta e socialmente engaja-

da, exercitando as características da reflexão filosófica, conforme estudamos na Aula

03, buscando as raízes, de modo não aleatório e conforme a perspectiva de conjunto.

Agindo no mundo de modo diferenciador, não pautado em diferenças tidas pelas de-

sigualdades das amarras dos preconceitos tão limitadores, mas em sentido genuina-

mente diferenciador, de pessoa que, desculpe o jargão popular, deixam sua marca no

mundo!

Estamos a caminho da descoberta de novas inquietações e também de res-

postas para questões que propomos anteriormente... Como podem ocorrer as vias de

alienação?... Vejamos antes algumas dentre as instâncias da vida nas quais elas estão

presentes.

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As vias de alienação se configuram nas diversas instâncias da vida, constam nas

relações tanto sociais quanto pessoais, no consumo, no lazer, nas estruturas políticas

partidárias e não partidárias, na esfera do trabalho etc. Lançaremos o olhar sobre o

alienação nas instâncias do consumo, do lazer e do trabalho.

REFLETINDO E AMPLIANDO O CONHECIMENTO...

Trechos selecionados de “Trabalho: Liberdade e Submissão”

Por Gilberto Cotrim

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jakarta_slumlife31.JPG

A vida na favela, Jacarta Indonésia. Foto tirada por Jonathan McIntosh, 2004. Imagem disponível em:. Acesso em: 8 dez

2012.

Antes de refletirmos sobre o consumo alienado, consideremos primeiramente o brutal

abismo socioeconômico que separa rico e pobre no mundo inteiro. Podemos dizer que

bem mais da metade da humanidade ainda enfrenta o drama agudo da fome, da falta

de moradia, do desamparo à saúde e à educação. Enquanto isso, pequena parcela de,

aproximadamente, 15% da população mundial concentra 80% da renda econômica do

planeta. Ou seja: enquanto a grande maioria não tem o mínimo necessário para sobreviver,

uma minoria pode se dar ao luxo de consumir quase tudo e esbanjar o supérfluo.

Assim, é principalmente entre a parcela da população de bom poder aquisitivo que ocorre

o fenômeno de consumo alienado. Não tem muito sentido falarmos em consumo alienado

entre a multidão de famintos, esmagada pela miséria.

Como podemos definir o termo consumo? Consumir significa utilizar, gastar, dar fim a algo,

para alcançar determinado objetivo. O ser humano necessita de objetos exteriores para a

sua sobrevivência e realização. Por isso, os homens produzem, em sociedade, os objetos

para o seu consumo.

[...] Karl Marx observou que produção é ao mesmo tempo consumo, pois quando o

trabalhador produz algo, além de consumir matéria-prima e os próprios instrumentos de

produção, que se desgastam ao serem utilizados, ele também consome suas forças vitais

nesse trabalho. Por outro lado, completa o filósofo, consumo é também produção, pois os

homens se produzem através do consumo. Isso se verifica de forma mais imediata na

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nutrição, processo vital pelo qual consumimos alimentos para “produzir” nosso corpo.

Porém, o consumo nos produz não apenas no plano físico, mas também nos aspectos

intelectual e emocional, como ser total.

Há, portanto, uma relação dialética entre consumo e produção. A produção cria não só bens

materiais e não-materiais, mas também o consumidor para esses bens. Se não fosse assim, a

produção não teria sentido. Ou seja, quando se produz algo, é preciso que alguém consuma

essa produção. Mas onde está a alienação no consumo? Se entendemos que os homens se

formam interagindo com o mundo objetivo, consumir significa participar de um patrimônio

construído pela sociedade. Assim, além de atender às necessidades individuais, o consumo

expressaria também a forma pela qual o indivíduo está integrado à sociedade.

No entanto, observamos nas sociedades contemporâneas a exclusão da maior parte das

pessoas do consumo efetivo do patrimônio produzido. Além disso, vemos que o circuito

produção-consumo não visa atender prioritariamente às necessidades individuais, mas sim

às necessidades de expansão do sistema capitalista, de busca permanente de lucratividade,

o que levou à mercantilização de todas as coisas. Nesse sistema, como apontou o

historiador contemporâneo Immanuel Wallerstein, há algo de absurdo: “acumula-se capital

a fim de se acumular mais capital. Os capitalistas são como camundongos numa roda,

correndo sempre mais depressa a fim de correrem ainda mais depressa.”

Fonte: COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 16. ed. São

Paulo: Saraiva, 2006. p. 31.

É fato que vivemos em ambiente movido pelo sistema capitalista, não estamos

aqui propondo a aceitação ou não aceitação deste, mas oferecendo o fundamento

básico necessário para os caminhos já mencionados de conquista tanto das respostas

quanto das novas inquietações. Estamos, ainda, ousando um apelo. O apelo ao devido

cuidado frente às relações (todas elas) para que não descambem em modos efetivos

ou velados de alienare...

Quanto ao consumo alienado, a mídia figura dentre os meios para sua realiza-

ção, criando pseudo necessidades e estabelecendo padrões. Não é, infelizmente, raro

que a dimensão da conquista dos modos próprios de ser, de sentir, de pensar e de

agir esteja submersa e suplantada pelas vias de consumo alienado, nutrindo a neofilia

e culminado em modos de experimentar um “poder” sobre os elementos materiais

postos, suplantando também a autonomia do processo de construção de identidade

própria.

[...] Agentes influenciadores, por exemplo, os meios de comunicação

de massa, atribuem status aos produtos lançados no mercado, subs-

tituindo o valor de uso pelo valor de posse. Importa recordar que o

processo de alienação edifica nas pessoas um constante vazio que

precisa ser preenchido... O consumo alienado está entre as medidas

mais utilizadas para atender este fim, consiste na busca insaciável

pelo novo. [Entretanto], o sentido de “novo” não corresponde à dis-

posição aos novos e diversos modos de compreender e interpretar a

realidade, mas ao consumo das novidades oferecidas pelo mercado,

nutrindo a neofilia. De acordo com Cotrim (2006), neofilia significa

o amor pelas novidades do mercado, um amor obsessivo que pode

ser configurado como uma doença cultural que é alimentada pelos

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grandes produtores econômicos. Encontra eco em estratégias como

as diversas opções de pagamento que atraem consumidores e con-

sumidoras que, na busca insaciável pelo “novo”, conquistam sempre

dívidas para comprar a mercadoria que provavelmente não será

bem usufruída, pois quando novos modelos forem lançados no mer-

cado a mercadoria adquirida deixa de causar “satisfação” e atribui

espaço para outros “sonhos” de consumo [que em última instância

comprometem a construção de cada “exemplar único de ser huma-

no”]. [...] Mediante o consumo alienado homens e mulheres bus-

cam, com a posse de bens, preencher o vazio produzido tanto pelo

trabalha do alienado quanto por outras formas de alienação, não

sabendo [não sabem por devido aos processos ideológicos de do-

minação social] que dessa forma se tornarão desconhecedores das

reais necessidades humanas e cada vez mais suscetíveis aos apelos

do mercado e à ausência do poder de reflexão, crítica e intervenção

social. (MELO, 2007, p. 36, grifo nosso).

A figura a seguir favorece reflexões a respeito do consumo e do ser humano,

bem como quanto às relações de posse e ausências de construções genuínas da iden-

tidade. De qual modo você percebe a relação entre o consumo alienado, a imagem e

os dias atuais? Caso deseje, visite o AVA deste componente curricular e socialize seus

comentários e percepções...

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Anticonsumismo.JPG

Acesso em 08 dez 2012.

Tendo conquistado o fundamento básico necessário para compreensão sobre

o consumo alienado, vamos seguir nossos diálogos lançando o olhar sobre as vias de

alienação que se configuram no lazer.

Você sabia que até mesmo o lazer que é (ou precisaria, deveria ser) uma expres-

são genuína de estar bem e satisfação, muitas vezes ocupa o lugar de elemento mani-

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pulador capaz de alienar? Conforme Cotrim (2006, p. 34), “O processo de alienação na

sociedade industrial afeta também a utilização do tempo livre destinado ao lazer”.

A indústria cultural e de diversão vende peças de teatro, filmes, li-

vros, shows, jornais e revistas como qualquer outra mercadoria. E o

consumidor alienado compra seu lazer da mesma maneira como

compra seu sabonete. Consome os “filmes da moda” e frequentam

os “lugares badalados” sem um envolvimento autêntico com o que

faz. Agindo desse modo, muitos se esforçam e fingem que estão se

divertindo, pensam que estão se divertindo, querem acreditar que

estão se divertindo. Na verdade [diz Lobsenz], “através da máscara

da alegria se esconde uma crescente incapacidade para o verdadei-

ro prazer”. A lógica capitalista afeta até mesmo a relação do indiví-

duo com as obras de arte. Reduzidas ao nível de mercadorias, estas

passam a obedecer à lei da oferta e da procura. Tornam-se puros

negócios fabricados pela indústria cultural, expressão criada pelos

filósofos Adorno e Horkheimer. E o que era fruto da espontaneida-

de criativa do sujeito se transforma em produção padronizada de

objetos de consumo com vistas à obtenção de lucros econômicos.

(COTRIM, 2006, p.34).

Querido(a) estudante, à citação de Cotrim associamos considerações a respeito

das discussões em torno das perspectivas de modernindade/pós-modernidade, com

referência às reflexões quanto a vida pós-industrial, uma vez que logo mais dedicare-

mos atenção à esfera do trabalho. Compartilhamos com você um modo de pensar a

respeito do tempo, da contemplação do belo, da busca por conhecimentos genuínos.

Muitas vezes, a ausência de “um envolvimento autêntico com o que faz” (CO-

TRIM, 2006, p. 34) encontra suas origens no aceleramento sobre o qual a sociedade

industrial impôs, por assim dizer, à dimensão do tempo. É inspiradora a afirmação de

De Masi (2006, p. 237) “o mundo clássico grego entendeu aquilo que queríamos igno-

rar: que ‘duas coisas são irredutíveis a todo o racionalismo - o tempo e a beleza’, como

diria Simonjee Weil.”

Ainda com toda a dedicação à racionalidade, o pensamento grego clássico pre-

servou as relações ante o belo, o sentido de busca pelos saberes e a não aceleração do

tempo, de modo que, com toda a racionalidade, as subjetividades estiveram também

no cenário sem que fossem esquecidas em nome de fins outros que hoje se revelam,

por exemplo, no acúmulo do capital, como a metáfora já explicitada dos camundon-

gos que correm cada vez mais depressa, depressa de mais...

Desse modo, a esfera do aproximado tende a ser diminuída em nome da preci-

são própria às relações pautadas em racionalidades excessivas, movimento que reside

na contra mão do movimento complexo e integrador sobre o qual você já estudou

nestes nossos diálogos. Conforme De Masi (2006, p. 237), “o universo da precisão é

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algo diferente, não superior ao mundo do mais ou menos, do aproximado. Sabemos

medir, mas não sabemos amar e viver, refletir e dialogar melhor do que faziam os gre-

gos”.

Importa considerar que a percepção aproximativa proposta por De Masi (2006)

não corresponde à perspectiva aproximativa da sociedade rural. Seria tanto extrema-

da quanto a precisão da sociedade industrial. Em linhas gerais e, seguindo o tom de

apresentação dessas reflexões aqui associadas aos processos de alienação, a ausência

do autêntico envolvimento2, a perspectiva de De Masi (2006) é de atenção ao, por

assim dizer, lugar de cada coisa e do ser. O lugar da máquina, enquanto máquina, en-

quanto coisa. O lugar do humano, enquanto humano, enquanto ser.

Durante milênios, até o fim do século XVIII, a humanidade viveu sob

o signo do mais ou menos, do misterioso, do mágico, inerme face às

pestilências, aos raios, às invasões. A esfera emotiva nos ajudou a

sobreviver em tanta miséria, mas preenchendo os vazios deixados

pela esfera racional. Depois o Iluminismo e a industrialização con-

quistaram à razão um trono do qual ela reinou primeiro com otimis-

mo e sabedoria, depois e aos poucos com pessimismo e tirania - a

tirania da precisão do “tudo programado”, do “tudo sob controle”.

O homem não é uma máquina predisposta pela natureza para ser

veloz, repetitiva e precisa. Isto é, não é uma máquina. Pelas suas exi-

gências de velocidade, repetitividade e precisão, ele criou aparelhos

de grande alcance, mais eficazes do que ele mesmo. Para si deixou

intacto o monopólio da criatividade, da ambiguidade, da idéia

vaga, da ironia, do imprevisto, da mudança, da descontinuidade, da

complexidade, do riso, do pranto, de tudo aquilo que o torna huma-

no. (DE MASI, 2006, p.232, grifo nosso)

Nessa tirania da precisão apontada por De Masi (2006), a relação com o tempo

passa a estar pautada no atendimento às exigências da esfera produtiva de tal modo

que a dedicação às iniciativas contemplativas, criativas, teóricas, próximas às subje-

tividades fica comprometida, devido ao estado de “obcecados pela falta de tempo”,

mas há a perspectiva de esperança e de dias melhores. Nesse sentido, por gentileza,

acompanhe a leitura dos trechos selecionados a seguir.

Trechos Selecionados

“Do universo da precisão à recuperação do aproximado”

Por Domenico De Masi

O tempo calculado a palmo pelos gregos e por minuto pelos florentinos da época dos

Médici está hoje dilatado pelos funcionários que o medem em segundos e pelos cientistas

que o medem em nanossegundos. Assim, o mais ou menos transformou-se em precisão, a

precisão virou idéia fixa e os nossos corações estão compreendidos no espaço apertado dos

átimos medidos. As estatísticas nos dão um número crescente de anos, mas nós estamos

obcecados pela falta de tempo.

2 Querido(a) estudante, lembramos a você que a ausência do autêntico envolvimento, assim como a redução das relações e per-

cepções até mesmo no âmbito da arte às mercadorias aqui está associada à citação de Cotrim, alguns parágrafos anteriores, vale a pena retornar

e dar mais uma conferida.

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[...] O grande relógio da produção planetária procede sem pausas, como o relógio de

Metropolis, marcando o seu estado de avanço com o indicador das cotações da bolsa e

com as cifras decimais do Produto Interno Bruto. Em primeiro lugar não está o progresso

do espírito, mas a declaração de renda e o andamento do PIB. Se o número crescente de

desocupados desperta alguma preocupação é apenas pela sua eventual repercussão no

poder aquisitivo das massas consumidoras e na tranquilidade dos ricos ameaçada pela

receada raiva dos pobres. [...]

É preciso começar por uma melhora em nossa vida capaz de conjugar estética, ética

e filosofia com técnica e economia. Essa ecologia do trabalho não é impossível. Uma

vez delegada a precisão às máquinas, é preciso recuperar muitos aspectos do sistema

aproximativo, que não será mais aquele tosco e primitivo da era rural. Enriquecido pela

experiência industrial, deverá alargar seus limites de oportunidade, conjugando lucidez

racional com calor emotivo.

Reapropriamo-nos, portando, do aproximativo: não daquele imposto pela ignorância

durante os séculos de sociedade rural, mas de uma aproximação reinventada em termos

pós-industriais, nutrida pela relatividade de Einstein, pela possibilidade de falsificação de

Popper, pela psicanálise de Freud, pela literatura de Joyce, pela biologia de Crick e Watson,

pela matemática de Gödel, pela pintura de Escher. O aproximado recoloca o sujeito no

campo das suas especulações que recupera o flexível e o imprevisto, que derruba as

barreiras entre exterior e interior, entre forma e conteúdo, entre presente e futuro. Uma

aproximação pós-moderna, capaz de valorizar a experiência solidária do terceiro setor, de

reduzir o estresse do trabalho, de inaugurar novas formas desestruturadas de organização e

novas formas criativas de ócio.

Fonte: DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 9. ed. Rio de Janeiro: José

Olympio, 2006. p. 238-239.

Os processos de alienação, portanto, implicam também sobre o modo pelo

qual as pessoas estabelecem as relações com o tempo, como que estivéssemos ain-

da na concepção moderna de trabalho que estabelece a noção de tempo útil! Tanto

nas formas consumo e de lazer, quanto no mundo do trabalho, a alienação marca a

sua presença e torna-se capaz de despir as pessoas de sua humanidade, uma vez que

as especificidades propriamente humanas ficam submersas, perdidas na dita falta de

tempo, ou melhor, novamente utilizando a expressão de De Masi, o ser humano torna-

se obcecado pela falta de tempo. O ambiente Grego Antigo, agora quanto à narrativa

mítica em torno de Cronos, talvez, sequer pudesse imaginar o quanto permaneceria

(e permanece) atual, mesmo em nosso século, toda essa trama em torno do poder, a

violência própria a Cronos e sua literal iniciativa devoradora.

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Figura 1 - Painel de F. Sehlatter, 1908, representa o deus Cronos

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Observat%C3%B3rio_Astron%C3%B4mico_da_Universidade_Federal_do_

Rio_Grande_do_Sul_.JPG?uselang=pt-br

Acesso em: 08 dez 2012.

A “ecologia do trabalho” proposta por De Masi mostra-se como possível via de

problematização dessas relações para que não sejam aceitas. Mas como superar essas

obcessões? Seria esse um caminho de conquista de espaço para as “formas criativas

de ócio”? Mais alguns itens para nossa lista de inquietações e perguntas. Aqui segui-

mos em prol dos fundamentos. Vamos adiante!

Poucas vezes refletimos sobre o significado de palavras que parecem já óbvias

em nosso cotidiano. Algumas dentre elas podem guardar seus significados próximos

aos já associados a elas, outras palavras, entretanto, podem soar como uma verdadeira

caixa de surpresas. É este segundo caso o que ocorre com o termo trabalho, uma vez

que a origem etimológica aponta para sentidos distintos do trabalho na qualidade de

realização, transformação da natureza e humanização. Vejamos cada questão por vez.

Conforme Sandroni (2006, p.849), o trabalho corresponde a “toda atividade

humana voltada para a transformação da natureza com o objetivo de satisfazer uma

necessidade”. Ribeiro (2003, p. 195) afirma: “denominamos trabalho a ação transfor-

madora (material ou intelectual) do homem, realizada na natureza e na sociedade em

que vive”.

Nas duas citações, a significação de trabalho está associada à atividade trans-

formadora. O trabalho corresponde às ações capazes de modificar o estado das coisas,

transformando-as, atendendo a dadas finalidades. Não apenas as coisas são transfor-

madas... O trabalho está também relacionado à produção da cultura e ao processo

próprio de humanização.

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Além de transformar a natureza, humanizando-a, [...] o trabalho

transforma o próprio homem. [...] Pelo trabalho o homem se auto-

produz: desenvolve habilidades e imaginação; aprende a conhecer

as forças da natureza e a desafiá-las; conhece as próprias forças e

limitações, relaciona-se com os companheiros e vive os afetos de

toda relação; impõe-se uma disciplina. O homem não permanece

o mesmo, pois o trabalho altera a visão que ele tem do mun-

do e de si mesmo. (ARANHA; MARTINS, 1996, p.98, grifo nosso)

Quanto ao termo... Qual o significado próprio à palavra “trabalho” mediante ori-

gem etimológica?

Conforme Aranha (2006, p. 76): “Analisando

a etimologia da palavra trabalho,

descobrimos na origem o vocábulo latino

tripaliare, do substantivo tripalium, que

designava um aparelho de tortura formado

por três paus ao qual eram atados os

condenados e que também servia para

manter presos os animais difíceis de ferrar.

Assim, vemos na própria etimologia da

palavra a associação do trabalho com

tortura, sofrimento, pena, labuta.” Fonte: Stock Photos Business

Percebemos um contracenso... O trabalho corresponde à transformação, auto-

produção, “realização”? Ou, corresponde à tortura, punição, sacrifício?! Depende das

circunstancias e condições na qual o trabalho seja realizado.

Ao longo da nossa trajetória, na qualidade de humanidade, o ato de trabalhar

apresentou tanto a esfera da autoprodução quanto da punição. Na Antiguidade Gre-

ga, tivemos érgon e ponos, assim significados:

Na Antiguidade Grega o trabalho, na condição de “ponos”, era uma

atividade própria ao escravo, não devendo o cidadão realizá-lo. O

trabalho manual era compreendido como atividade inferior. Aque-

les que faziam parte da cidadania e, portanto, das reflexões capazes

de decidir o destino da polis (cidade estado) deveriam ter tempo livre

para pensar, para criar (érgon), cabendo aos escravos o tipo de ati-

vidade inferior. Há, portanto, uma distinção social entre os sentidos

do trabalho na qualidade de “érgon” e “ponos”, sendo este despreza-

do. Por exemplo, para Aristóteles a ação pode ser configurada como

livre e como ação fabricante de artefatos, mediante a técnica. Ação

livre, para Aristóteles, é a atividade digna aos homens; já a ação fa-

bricante é aquela destinada aos escravos. (MELO, 2007, p.25).

No período medieval, o trabalho correspondeu ao sacrifício do corpo, discipli-

nando-o para purificação e salvação da mente e da alma. A preguiça condenada por

ser um pecado, não favorecia a salvação. Nesse contexto do medievo, conforme Ri-

beiro (2003, p. 198), a ociosidade entre senhores, nobreza e clero “não era sinônimo

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de preguiça, mas de abstenção às atividades manuais para se dedicar a funções mais

nobres, como a política, a guerra, a caça, o sacerdócio, enfim ao exercício do poder.”

Tanto na Antiguidade quanto na Idade Média tivemos o trabalho relaciona-

do às vias de exploração e sofrimento para muitos e, para alguns (poucos), às vias de

emancipação e criação. Na Idade Moderna, diferente do que ocorria no medievo, a

pessoa que desempenhava o ato de trabalhar não possuía mais as ferramentas para o

trabalho. Portanto, a propriedade sobre os meios de produção pertenciam a outros e

não àqueles que vendiam a sua força de trabalho sendo “livres”, culminando no sentido

burguês atribuído tanto ao trabalho livre quanto à própria liberdade.

Frente a essa questão da liberdade, Ribeiro (2003, p. 198) elucida: “Essa é por exce-

lência a concepção burguesa da liberdade individual do homem: ele é livre para usar

a força de seu corpo como uma máquina natural e para escolher de modo soberano o

que deseja para si mesmo”. Entretanto, sob quais condições ocorriam essas escolhas e

de que modo poderiam ser realizadas ou não?

[...] A busca da produção de excedentes para a troca no mercado,

mediante a introdução de novas técnicas de produção e de organi-

zação do trabalho, fazia desaparecer a propalada livre escolha. Afi-

nal, como seria possível o trabalhador sobreviver numa economia

de mercado, senão submetendo-se às imposições de quem detinha

os recursos que o sistema exigia? Assim, o artesão, que na manu-

fatura medieval detinha as ferramentas e uma autonomia no uso

de seu tempo, desapareceu submetendo-se ao império do capital.

Ocorreu, portanto, a separação entre o trabalhador e a propriedade

dos meios de produção (capital, ferramentas, máquinas, matérias-

primas, terras). Desse modo, podemos afirmar que a essência do

sistema capitalista encontra-se na separação entre o capital e o

trabalho. Essa separação criou dois tipos de homens livres: o traba-

lhador livre assalariado, que vivia exclusivamente de seu trabalho,

ou seja, da venda de sua força de trabalho, e o burguês, ou capitalis-

ta, proprietário dos meios de produção. A novidade em relação aos

modelos anteriores de sociedade é que, a conceder a liberdade para

todos os indivíduos, a sociedade estabeleceu uma espécie de con-

trato social, em que ficavam definidos os direitos e deveres de cada

parte. Instituía-se nesse momento a divisão da sociedade em clas-

ses sociais. [...] O período da Revolução Industrial, nos séculos XVIII e

XIX, foi o momento em que essa separação se consolidou. (RIBEIRO,

2003, p. 198-199)

Mediante a concepção da referida espécie de contrato social, bem como as con-

cepções de liberdade e (já que havia os direitos e deveres) e igualdade, surge a con-

cepção de realização (não mais punição, nem servidão) associada ao ato de trabalhar.

(RIBEIRO, 2003)

Importa, contudo, recordar a questão da incompletude humana, assim como

da existência e conquista/construção do próprio ser em movimento constante, inces-

sante; de tal modo que não há uma realização plena do indivíduo, o humano está

sempre em busca de, sempre em construção, em autoelaboração, está a caminho e no

caminho de si mesmo e das relações que tece e pelas quais é também tecido, confor-

me você já estudou, nessa teia complexa que constitui a vida.

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Portanto, a realização plena pelo trabalho não encontra, necessariamente, um

lugar tanto porque não há uma realização humana plena, absoluta, total (o humano

corresponde ao vir-a-ser, ao projeto que faz de si), quanto porque no mundo do traba-

lho, assim como nas expressões de consumo e de lazer, as vias de alienação se tornam

ainda mais latentes.

Significa, então, que o encontro entre trabalho e realização é nulo?! Não neces-

sariamente. A perspectiva de que não há uma realização plena, absoluta, não nega a

possibilidade de realizações tanto individuais quanto sociais; pois, na busca pela cons-

trução de si mesmo e de sua realidade social, bem como no caminho e a caminho da

felicidade, o ser humano encontra momentos de realização, realiza-se e permanece

projetando-se...

Na Idade Moderna, sobretudo com a Revolução Industrial, as formas de produ-

ção pautadas tanto no fordismo quanto no taylorismo corresponderam à produção

em série, de modo que trabalhadores produzissem cada vez mais em tempo cada vez

menor. A noção de tempo útil faz-se presente na condição do tempo da produção. O

trabalhador socialmente engajado, neste contexto, representava, portanto, uma ame-

aça e medidas cada vez mais pautadas em processos de alienação buscavam manter

a ordem, a obediência. O trabalho repetitivo e fragmentado nas fábricas e indústrias

cedeu lugar a reificação do humano, ou seja, a “transformação” do ser humano em

coisa, a coisificação do trabalhador, como que este, no lugar de pessoa, fosse uma

extensão da máquina.

Considerando que as pessoas são dotadas da habilidade racional, que podem

discernir, pensar, escolher... Como são justificadas tantas vias de efetiva alienação?

Considerando ainda que os grupos que dominam (seja na esfera do trabalho ou nas

demais relações de poder) são constituídos por uma parcela menor da sociedade,

como continuam a manter as vias de exploração e alienação? Mais itens para nossa lis-

ta e chegamos ao momento de, uma vez tendo conquistado os fundamentos básicos

para começarmos a tecer possibilidades de respostas que, por questões óbvias, não

esgotam inquietações desse teor.

Querido estudante, em conjunto com essas reflexões, vamos recordar outras

perguntas que constam no final da aula anterior. Você lembra? Vamos refrescar a me-

mória: Considerando que constituímos a mesma, complexa e integrada realidade, como

então é possível a exploração de uma pessoa ou grupo por outra pessoa ou grupo? Saben-

do que construímos nosso ser de modo também relacional, em ambientes multiculturais,

tendo ainda o olhar lançado sobre a condição humana de autoconquista e construção,

com atenção aos processos de hominização, singularização e socialização, bem como às

relações do sujeito com o mundo, com ele mesmo e com tempo... Como podem ocorrer as

vias de alienação que chegam, infelizmente, a provocar a reificação do humano?

As explorações, dominações, alienações, em esferas diversas da vida, são ge-

ralmente mantidas pelos processos ideológicos de dominação social que fazem com

que todas essas circunstâncias e situações ocorram sem que, ao menos, as pessoas

possam percebê-las. Uma vez não percebendo, qual necessidade haveria de buscar

superá-las?

Para melhor compreensão, vamos seguir com os significados de Ideologia.

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O termo ideologia foi difundido pelo filósofo, militar e político Des-

tutt de Tracy (1754 – 1836), à época da Revolução Francesa, para sig-

nificar a ciência dedicada ao estudo das idéias, sua origem e desen-

volvimento. Compreendida em sentido amplo, a palavra ideologia

significa um conjunto ou sistema de idéias, logicamente ordenado

e/ou o conjunto de idéias peculiar a determinados segmentos da

sociedade. Tomando Karl Marx por referência podemos compreen-

der a palavra ideologia em sentido mais específico. Marx significa

“ideologia” como um sistema de pensamento também logicamente

ordenado que, longe de ser neutro, está imbuído de instrumentos,

iniciativas e discursos destinados à manutenção de uma classe

sobre outra, bem como dos processos de exploração e alienação.

(MELO, 2007, p. 38).

Por gentileza, observe que a palavra Ideologia consta de sentido amplo e sen-

tido específico, constam também outros modos de lançar o olhar sobre a Ideologia.

Aqui nosso propósito corresponde ao sentido específico que é atribuído à palavra a

partir das contribuições do pensamento de Karl Marx.

Esse sentido específico ou restrito é adotado hoje (inclusive por pensadores

não marxistas) no âmbito da Política, da Filosofia, da Economia, da História, da Educa-

ção e em outras áreas do saber. É o sentido próximo aos ocultamentos da realidade, às

formas de mostrar mentiras como que elas fossem verdades, à manutenção de lacunas

onde deveriam constar as devidas medidas explicativas e buscas de saberes, às ações

e intencionalidades manipuladoras que acabam por conduzir as pessoas às atitudes e,

quiçá, intenções, por sua vez, manipuladas, infelizmente, sem que percebam (esse é

um dos pilares da ideologia) esse fenômeno social...

No mundo do trabalho, especialmente no contexto moderno, a ideologia mas-

cara as desigualdades sociais, de tal modo que, se elas “não existem”, se “não há” explo-

ração nem alienação, se os operários desempenham suas funções “sem” que ocorra o

descompasso entre o real valor de sua força de trabalho e a remuneração atribuída,

então... Todos estão “felizes” e podem seguir com a “manutenção” da “paz”.

Figura 2 - Detalhe de Paz e Prosperidade. Mural por Elihu Vedder

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Peace-and-Prosperity-Vedder-Highsmith-detail-1.jpeg Acesso em: 09 dez 2012.

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Entretanto, a contemporaneidade oferece espaço (na realidade, espaço não

oferecido, mas historicamente conquistado/em conquista) para profissionais social-

mente engajados, reflexivos, críticos, transformadores, criativos. Também, entretanto,

vivemos ainda (em grande proporção) os ranços das relações de reificação e subor-

dinação do humano. E, sobre a paz, importa lembrar composição do Rappa “paz sem

voz, não é paz, é medo!”.

Para combinar com a menção à música do Rappa, utilizamos aqui a expressão

de Ribeiro (2003, p. 203): “na razão do mercado, o medo”. Mas o medo, nesta expres-

são, não está apenas para os menos favorecidos e explorados pelas relações de traba-

lho que se configuraram na modernidade. O medo está para todos, devido à ameaça

de revoluções, quando as contradições ficam mais evidentes, assim como as condi-

ções de pobreza e miséria...

A máxima produtividade [...] transformava a sociedade do trabalho

em sociedade da barbárie, marcada pela luta entre o capital e o tra-

balho. A utopia do crescimento infinito, sem contradições, parecia

haver atingido seu limite. Diante das tensões surgidas, as elites sus-

tentavam a necessidade de fazer algo além da repressão e da ca-

ridade, para evitar um desastre social maior. [...] O próprio Engels

[que compartilhava e atuava junto às propostas e pensamentos

de Marx], escrevendo em 1892, reconhecia algumas melhorias nas

condições dos trabalhadores de Londres, provenientes das amea-

ças engendradas pela pobreza: “As repetidas epidemias de cólera,

tifo, varíola e outras enfermidades indicaram ai burguês britânico a

necessidade urgente de proceder ao saneamento de suas cidades, a

fim de que ele e sua família não se tornassem também vítimas des-

sas epidemias”. (RIBEIRO, 2003, p. 203-204).

Por um lado, o medo da “paz sem voz [que] não é paz”, o medo provocado pelos

processos de alienação e ideologia que buscam manter as submissões; por outro, o

medo de ver abalada a permanência dos privilégios e, até mesmo, da vinda, frente

aos riscos quanto às condições de saúde. O primeiro lado do medo aqui mencionado

encontrou suas revoluções e ganhou um pouco de voz; mas, o segundo lado... Este, no

lugar de voz, conquistou (conquista) grito e manteve (mantém), de modos diversos,

guardadas as proporções com o contexto contemporâneo, garantir os privilégios e

impor as submissões, mantendo, dessa forma, o modelo de estrutura social atual.

É inegável que tanto o taylorismo, quanto o fordismo, assim como a máxima

produtividade, apresentaram suas contribuições para os processos de industrialização

e modos de pensar a Administração, a Economia, as relações de poder, produção etc.

Inegável. Contudo e, sobretudo, importa o cuidado frente ao humano (não reifican-

do-o), dedicando atenção às implicações diversas da “tirania da precisão”, dos recursos

ideológicos de dominação social, dos processos de alienação. Importa o cuidado à

construção do ser humano em suas relações de hominização, singularização e sociali-

zação, em suas relações com o tempo, com ele próprio e com o mundo, este compre-

endido em suas relações complexas. Podemos caminhar junto a esse cuidado com a

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“ecologia do trabalho”, com perspectivas toyotistas de flexibilização da produção, com

outros modos que sejam, mas só estaremos nesse caminho se não formos nem como

os “operários bovinos” nem como aqueles que buscam manter essa prática.

Sobre “operários bovinos” ou “homem-boi”

“Para executar [...] tarefas pouco complexas, Taylor idealizava o operário do tipo bovino: o

‘homem-boi’, imbecil, forte e dócil. Desse modo, eliminava-se aquele trabalhador politizado

e resistente ao controle. O método, ao pretender ‘punir os indolentes’ e ‘premiar os

produtivos’, ocultava o interesse na domesticação do trabalhador-cidadão”. (RIBEIRO, 2003,

p. 205)

Imagem disponível em:<http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ponto_de_exclama%C3%A7%C3%A3o_da_RedeTV!.svg>.

Acesso em: 09 dez 2012.

Cabe, portanto, e dentre outras iniciativas, compreender os fundamentos ne-

cessários para superar os processos ideológicos de dominação que se apresentam nas

mais variadas instâncias da vida. Nesse sentido, voltemos à perspectiva conceitual de

ideologia, seguindo com suas funções e características e, estando atentas e atentos a

ela, estaremos (já estamos, embora não absolutamente) em melhores vias desse cami-

nho que não aquelas da alienação.

“A ideologia é um fenômeno complexo que privilegia a aparência das coisas. Ela encobre

ou dificulta o conhecimento da realidade social, não nos deixando vê-la como é. [...] é um

fenômeno social cheio de sutilezas. Mais que idéias que se impõem, a ideologia tem uma

dimensão prática, pois idéias impulsionam os homens à ação e a própria ação altera as

idéias que não têm auto-sustentação. Esse é um processo histórico, recíproco, que ocorre ao

nos associarmos para garantir a reprodução da vida biológica e cultural.” (ARAÚJO, 2003, p.

145 e 149)

As funções da ideologia giram, portanto, em torno da manipulação e domina-

ção social. Algumas dentre essas funções são:

- Assegurar as relações dos seres humanos entre si e com suas con-

dições de existência, adaptando os indivíduos às tarefas prefixadas

pela sociedade;

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- Camuflar as diferenças de classe e os conflitos sociais;

- Assegurar a coesão entre as pessoas;

- Promover a aceitação sem críticas das tarefas mais penosas e pou-

co recompensadas, em nome da “vontade Deus” ou do “dever moral”

ou simplesmente como decorrente da “ordem natural das coisas”;

- Manter a dominação de uma classe sobre a outra. (ARANHA; MAR-

TINS, 1996, p. 37)

Para atender a essas funções e sustentar as vias de dominação social, realizan-

do-as e promovendo ocultações da realidade, a ideologia apresenta um conjunto que

compreende diversas características: generalização do particular, prescrição de nor-

mas, abstração, fetichização da mercadoria, lacuna ou discurso lacunar, inversão da

realidade, explicação da realidade, alienação, naturalização, homogeneização, oculta-

ção, representação social, universalização. Veja a seguir a descrição, conforme Araújo

(2003) e Aranha (2006), de cada uma dessas características.

Generalização do particular - “a ideologia ignora as especificidades dos fenômenos �

sociais. Trata de forma generalizada as diferentes realidades da família, da pátria, da edu-

cação, do trabalho, ocultando as condições sociais desiguais de realização dos objetivos

a que os homens se propõe.” (ARAÚJO, 2003, p. 164).

Prescrição de normas - “a ideologia prescreve normas para a conduta humana e, por �

isso, tende a manter a ordem social.” (ARAÚJO, 2003, p. 164)

Abstração - “na medida em que não se refere ao concreto, mas ao � aparecer social. A

‘idéia de trabalho’ aparece desvirtuada da análise histórica concreta das condições nas

quais certos tipos de trabalho brutalizam, em vez de enobrecer; por exemplo, o operário

na linha de montagem”. (ARANHA, 2006, p. 81)

Fetichização da mercadoria - “a mercadoria feitichizada exerce domínio sobre o produ- �

tor e fascínio sobre o consumidor, como se tivesse vida própria. [...] A ideologia vale-se

desse processo e transforma as relações entre homens em relações entre coisas.” (ARAÚ-

JO, 2003, p. 165)

Lacuna ou discurso lacunar - “há ‘vazios’, ‘partes silenciadas’ que não podem ser ditas, �

sob pena de desmascarar a ideologia; por exemplo, ao se afirmar que o salário paga o

trabalho, oculta-se o fato de que o valor produzido pela força de trabalho é maior do que

o recebido e que a diferença é apropriada pelo capitalista (é o que Marx denominava

mais-valia)”. (ARANHA, 2006, p. 82).

Inversão da realidade - “a ideologia detém-se nos efeitos dos fenômenos, encobrindo �

suas causas. Não é raro, por exemplo, as reivindicações populares por melhores condi-

ções de vida e de trabalho serem rotuladas como um problema de ‘falta de cultura’, ou a

fome de parcela significativa da população brasileira ser explicada pela falta do hábito

de plantar do nosso povo.” (ARAÚJO, 2003, p. 164)

Explicação da realidade - “a ideologia explica o que acontece, a partir do ponto de vis- �

ta dos que dominam. Tende a justificar posições sociais privilegiadas e impede, muitas

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vezes, que autoridades políticas, econômicas, religiosas, científicas sejam questionadas.

Nesse sentido, prevalece a opinião do deputado, do ministro, do religioso, do pesquisa-

dor, do intelectual, como porta-vozes da verdade. É o argumento de autoridade.” (ARAÚ-

JO, 2003, p. 164)

Alienação (na qualidade de característica da ideologia) - “a ideologia produz um afas- �

tamento do produtor em relação a seu produto, impedindo-o de achar significado em

seu trabalho. A alienação projeta-se também, em outras dimensões da vida, instalando

o conformismo e a indiferença diante de determinadas situações sociais” (ARAÚJO, 2003,

p. 164)

Naturalização - “a ideologia naturaliza as ações humanas, como a discriminação contra �

índios, por exemplo, para que aceitemos as desigualdades sociais e justifiquemos o fato

de “sempre” ter existido violência contra eles. Aponta a verdade como inscrita na ordem

das coisas, considerando uma ordem natural de acontecimentos em detrimento do pro-

cesso histórico.” (ARAÚJO, 2003, p. 165)

Homogeneização - “a ideologia homogeneíza a aparência das classes sociais original- �

mente dividida em razão do antagonismo de interesses no processo de produção e de

repartição dos bens. A ideologia apresenta-nos uma realidade sem conflitos e sem con-

tradições.” (ARAÚJO, 2003, p. 165)

Ocultação - “a ideologia prima por ocultar o verdadeiro conhecimento da realidade. �

Dada a inter-relação de suas características, a ideologia tende a esconder as intenções

predominantes nas ações, mascarando a existência de contradições na convivência so-

cial. Assim, ela é parcial, deixa opaca a realidade e auxilia a dominação. A ideologia esca-

moteia a essência dos fenômenos, deixando ver apenas sua aparência.” (ARAÚJO, 2003,

p. 165)

Representação social - “a ideologia tem a capacidade de representar a realidade, crian- �

do imagens e conceitos que dão significado às relações sociais objetivas. Ela trabalha

com símbolos e criações mentais. Um exemplo é a concepção de pátria-mãe, que conota

proteção e amparo a todos os cidadãos, como se não existissem diferenças de tratamen-

to e assistência aos problemas sociais.” (ARAÚJO, 2003, p. 164)

Universalização - “as idéias e os valores do grupo dominante são estendidos a todos; �

por exemplo, apesar dos interesses divergentes, o empregado adota os valores do pa-

trão como se fossem também os seus.” (ARANHA, 2006, p. 82)

Reunindo a compreensão dos saberes aqui elucidados à ação que almeja

emancipação, autonomia, engajamento crítico e social, bem como às posturas filosófi-

cas e éticas, podemos conquistar acessos à superação das alienações e dominações e

colocamo-nos dispostas e dispostos à aprendizagem constante que constrói nosso ser

de modo também relacional, criamos caminhos, trilhamos caminhos, compartilhamos

caminhos e neles o nosso modo peculiar, genuíno, humano de tecer e ser tecido junto

aos ambientes que passamos e ao ser que escolhemos elaborar em nós.

Desejamos a você a disponibilidade constante às (re)descobertas e agradece-

mos por sua parceria e companhia ao longo dos diálogos que constituímos. Sabendo

que mais que leitores, mais que autores, mais que graduandas e graduandos, mais

que pessoas dedicadas à Filosofia, habitamos todos sobre esse espaço maior que é a

nossa “casa”, sem promover as desigualdades, cultivamos as diferenças “simplesmen-

te” porque compreendemos tanto a beleza quanto a responsabilidade peculiares ao

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movimento de construção de quem somos e construção de como escolhemos a hu-

manidade, seguindo em prol de dias melhores, de modo não ingênuo porque crítico,

reflexivo, socialmente engajado... Mas de modo nutrido e movido pela esperança.

Abraços afetuosos e fraternos!

SínteSe

Trabalho, ideologia, alienação, tempo útil, tempo ocioso, produção, transforma-

ção, ética, moral etc. Ao longo de nossas aulas, essas e outras tantas temáticas foram

evidenciadas e postas à luz da reflexão filosófica com um único intuito, um único ob-

jetivo, nos tornarmos seres humanos, verdadeiramente humanos, sujeitos participan-

tes, críticos e reflexivos, frente aos desafios postos no próprio existir, que consigamos

todos reconhecer as diferenças e assim pautarmos nossas ações em um sentido de

promoção da qualidade de vida. Não se trata de uma tentativa de velamento das difi-

culdades, mas, muito ao contrario, é urgente que tomemos consciência para realizar-

mos uma revolução comportamental, harmonizar e não homogeneizar, preservar e

não suplantar.

queStõeS Para reflexão

01. Em que consiste o processo de alienação e quais relações estabelece com

ideologia e o mundo do trabalho?

02. Escolha um dentre os itens a seguir e elabore sobre ele um comentário ex-

plicativo, relacionando-o com a sociedade atual.

Reificação �

Tirania da precisão �

Ocultação da realidade �

leituraS indicadaS

DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.

DE MASI, Domenico; FREI BETTO. Diálogos criativos. Mediação e comentários: José

Ernesto Bologna. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução a uma Ciência Pós-Moderna. 5Ed.Rio de

Janeiro: Graal, 2010. 176p.

______Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 11. ed. São

Paulo: Cortez, 2006. 348p.

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SiteS indicadoS

http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/marx---alienacao-do-espirito-

absoluto-de-hegel-a-realidade-concreta.htm

http://www.senac.br/BTS/321/bts32_1-artigo1.pdf

http://www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0019.asp

http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/ideolog/index.html

referênciaS

ARAÚJO, Sílvia Maria de. As várias faces da ideologia. In:______ et all. Para Filosofar. 4. ed. São Paulo:

Scipione, 2003. p. 145-172.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Alienação e Ideologia. In: _______. Filosofia da Educação. São Paulo:

Moderna, 2006. p. 75-88.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 2. ed.

São Paulo: Moderna, 1996.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 9. ed. Rio de Janeiro:

José Olympio, 2006.

MAIA, Ita. Mudanças. In: JANSEN, Carlos et all. Bahia Poetas do Recôncavo. Salvador: Know How Editora,

2003.

MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 7 Ed. São

Paulo: Atlas, 2010.

MELO, Naurelice Maia de. Trabalho e Pessoa Enquanto Existência Relacional/Potencial. In: ARAÚJO, Adriano;

MELO, Naurelice Maia de; RIBEIRO, Vívian Paula. Filosofia, Ética e o Mundo do Trabalho. Salvador: FTCEaD,

2007.

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