Filosofia como modo de vida em Plotino

8
Revista Diálogos Mediterrânicos www.dialogosmediterranicos.com.br Número 4 Junho/2013 Revista Diálogos Mediterrânicos ISSN 2237-6585 89 Filosofia como modo de vida em Plotino Philosophy as a way of life in Plotinus Bernardo Brandão 1 Universidade Federal do Paraná Resumo Para Plotino, a filosofia não era apenas uma prática onde discurso, doutrina e argumentos possuem um papel fundamental, mas também uma ascensão em direção aos princípios primeiros da realidade. Neste artigo, investigo como essa vida filosófica é elaborada nas Enéadas, bem como suas relações com as ideias de anagogé, trópos e mekhané, pensando-a na perspectiva da obra de Pierre Hadot e suas noções de modo de vida e exercícios espirituais. Palavras-chave: Plotino, filosofia antiga; Pierre Hadot. Abstract For Plotinus, philosophy was not only a pratice were discurse, doctrine and arguments play an fundamental role, but also a ascension towards the first principles of reality. In this paper I investigate how this philosophical life is elaborated in the Enneads and its relations with the ideas of anagogé, trópos and mekhané, thinking it in the perspective of the word of Pierre Hadot and his notions of way of life and spiritual exercises. Keywords: Plotinus, ancient philosophy; Pierre Hadot. Enviado em: 08/05/2013 Aprovado em: 05/07/2013 1 Professor de Língua e Literatura Grega da Universidade Federal do Paraná, possui graduação em Letras: bacharelado em Grego Antigo e em Português pela Faculdade de Letras da UFMG. É mestre em Filosofia pela FAFICH-UFMG e doutor em Filosofia pela FAFICH-UFMG. Atua principalmente nos seguintes temas: língua e literatura grega antiga, filosofia antiga, neoplatonismo.

description

Para Plotino, a filosofia não era apenas uma prática onde discurso, doutrina e argumentos possuem um papel fundamental, mas também uma ascensão em direção aos princípios primeiros da realidade.

Transcript of Filosofia como modo de vida em Plotino

  • Revista Dilogos Mediterrnicos

    www.dialogosmediterranicos.com.br

    Nmero 4 Junho/2013

    Revista Dilogos Mediterrnicos ISSN 2237-6585

    89

    Filosofia como modo de vida em Plotino

    Philosophy as a way of life in Plotinus

    Bernardo Brando 1

    Universidade Federal do Paran

    Resumo

    Para Plotino, a filosofia no era apenas uma prtica onde discurso, doutrina e argumentos possuem um papel fundamental, mas tambm uma ascenso em direo aos princpios primeiros da realidade. Neste artigo, investigo como essa vida filosfica elaborada nas Enadas, bem como suas relaes com as ideias de anagog, trpos e mekhan, pensando-a na perspectiva da obra de Pierre Hadot e suas noes de modo de vida e exerccios espirituais. Palavras-chave: Plotino, filosofia antiga; Pierre Hadot.

    Abstract For Plotinus, philosophy was not only a pratice were discurse, doctrine and arguments play an fundamental role, but also a ascension towards the first principles of reality. In this paper I investigate how this philosophical life is elaborated in the Enneads and its relations with the ideas of anagog, trpos and mekhan, thinking it in the perspective of the word of Pierre Hadot and his notions of way of life and spiritual exercises. Keywords: Plotinus, ancient philosophy; Pierre Hadot.

    Enviado em: 08/05/2013 Aprovado em: 05/07/2013

    1 Professor de Lngua e Literatura Grega da Universidade Federal do Paran, possui graduao em Letras:

    bacharelado em Grego Antigo e em Portugus pela Faculdade de Letras da UFMG. mestre em Filosofia pela FAFICH-UFMG e doutor em Filosofia pela FAFICH-UFMG. Atua principalmente nos seguintes temas: lngua e literatura grega antiga, filosofia antiga, neoplatonismo.

  • Revista Dilogos Mediterrnicos

    www.dialogosmediterranicos.com.br

    Nmero 4 Junho/2013

    Revista Dilogos Mediterrnicos ISSN 2237-6585

    90

    Introduo

    Como se sabe, o termo philosopha, em grego, significa amor sabedoria. Mas o sentido

    desse amor foi entendido de modo diferente nas diferentes culturas e pocas. Quando

    pensamos em filosofia nos dias de hoje, quase sempre pensamos em uma atividade racional,

    discursiva, que consiste na produo e discusso de doutrinas e argumentos. Na Antiguidade,

    entretanto, ainda o aspecto distintivo da busca filosfica pela sabedoria fosse o papel

    fundamental do lgos, ao menos em alguns crculos, ela no se reduzia uma atividade

    discursiva, mas era tambm um modo de vida. Nas palavras de Pierre Hadot, o discurso

    filosfico deve ser compreendido na perspectiva do modo de vida no qual ele , ao mesmo

    tempo, o meio e a expresso e, em consequncia, que a filosofia , antes de tudo, uma maneira

    de viver, mas est estreitamente vinculada ao discurso filosfico2.

    Tal concepo bastante til para compreendermos no apenas a filosofia da Grcia

    Antiga, mas tambm a noo de filosofia crist dos Padres3, bem como a proposta em alguns

    crculos na Idade Mdia, por exemplo, nas escolas catedrais dos sculos XI e XII, cujo objetivo

    era ensinar as litterae et mores4 e na escola vitorina de Ricardo e Hugo de S. Vtor. No sculo

    XX, j estudiosos como Henri Marrou5 e Werner Jaeger6 chamavam a ateno para esse

    aspecto da filosofia antiga. Mas foi o trabalho de Pierre Hadot que, recentemente, trouxe

    novamente o tema ao centro dos estudos dedicados filosofia antiga. No entanto, o ponto

    forte do trabalho de Hadot, sua abrangncia, tambm seu ponto fraco. que, ao apresentar

    um panorama geral, inevitvel para quem deseja mostrar que a filosofia foi compreendida

    como um modo de vida na Antiguidade desde seus primrdios at a ascenso do cristianismo,

    ele , muitas vezes, impreciso. Assim, argumentando contra Hadot, John Cooper afirma com

    razo que no existe um modo de vida filosfico, mas modos filosficos de vida, j que as

    doutrinas, opes existenciais e suas relaes eram consideravelmente diferentes nas

    diversas escolas7.

    Alm disso, justamente por seu carter generalizante, Hadot faz uso de termos e

    expresses que no refletem necessariamente o vocabulrio empregado pelos antigos. Penso

    2 HADOT, P. O Que filosofia antiga? So Paulo: Loyola, 2008, p. 18. 3 Penso aqui, por exemplo, em Justino e sua viso do cristianismo como uma filosofia revelada 4 Cf. JAEGER, S. Envy of Angels: cathedral schools and social ideas in medieval Europe. Filadelfia: University

    of Pennsylvania Press, 1994. 5 Cf. MARROU, H. Histria da Educao na Antiguidade. So Paulo: EPU, 1975. 6 Cf. JAEGER, W. On the origin and cycle of the philosophical ideal of life. In: JAEGER, W. Aristotle:

    fundamentals of the history of his development. Oxford: Oxford University Press, 1948. 7 COOPER, J. Pursuits of wisdom: six ways of life in ancient philosophy, from Socrates to Plotinus. Princeton:

    Princeton University Press, 2012.

  • Revista Dilogos Mediterrnicos

    www.dialogosmediterranicos.com.br

    Nmero 4 Junho/2013

    Revista Dilogos Mediterrnicos ISSN 2237-6585

    91

    aqui, por exemplo, na sua noo de "exerccios espirituais". Segundo Hadot, esses exerccios

    so prticas voluntrias e pessoais destinadas a operar uma transformao do eu8

    realizados pelos filsofos antigos para adequar o modo de vida doutrina professada. Por

    meio deles, ele afirma, o indivduo se eleva para a vida do Esprito objetivo, isto , ele substitui

    a si mesmo pela perspectiva do Todo. Defendendo-se da acusao de empregar uma

    expresso anacrnica, j que foi consagrada por Santo Incio de Loyola, ele afirma que, pelo

    contrrio, os exerccios inacianos so, na verdade, uma verso crist de uma tradio greco-

    romana e nota que a expresso j aparece no sculo IV na Historia Monachorum de Rufino (PL

    21, 410D) e parece remontar noo grega de exerccios da alma (skesis ts psykhs),

    encontrada em Digenes Larcio (Vida dos filsofos ilustres, 6, 70), Musnio Rufo (fr. 6) e

    Clemente de Alexandria (Stromata, 7, 16), utilizada para indicar justamente tais prticas

    filosficas.

    Contudo, ainda que possa ser encontrada em autores antigos, a expresso no

    corrente nos textos filosficos da Antiguidade. Assim, ainda que seja possvel falar em

    exerccios espirituais em Plato, nos estoicos, epicuristas, etc., trazendo a tona, assim, um

    aspecto importante da prtica desses filsofos, ao se fazer isso, corremos o risco de perder a

    oportunidade de compreender suas concepes de um modo mais rigoroso, ressaltando a

    especificidade de cada autor, estudando esses autores a partir de seus prprios termos. Em

    outras palavras, o trabalho generalizante de Hadot deve ser completado com pesquisas mais

    especficas, dedicadas a cada filsofo e escola em particular. isso que gostaria de fazer aqui

    com Plotino.

    Para compreendermos melhor sua proposta filosfica, devemos ter em mente que,

    apesar de ser considerado pelos historiadores da filosofia contemporneos como o fundador

    do neoplatonismo, ele se entendia apenas como um comentador de Plato na linha dos

    filsofos medioplatnicos dos sc. I e II d.C. E, de fato, mesmo que a profundidade de suas

    anlises, suas doutrinas sobre as hipstases e, especialmente, sobre o Um, bem como sua

    defesa da possibilidade de uma unio mstica o diferencie dos platnicos anteriores, ainda

    assim, sua filosofia no constitui uma ruptura, mas antes, um aprofundamento das concepes

    medioplatnicas.

    Podemos perceber isso ao comparar as propostas medioplatnicas e plotinianas de um

    modo de vida filosfico. Para Alcnoo, um dos poucos filsofos medioplatnicos cujos textos

    chegaram at ns, baseando-se no Teeteto (176a-b) de Plato, a meta da vida do homem, que

    8 Op. cit., p. 259.

  • Revista Dilogos Mediterrnicos

    www.dialogosmediterranicos.com.br

    Nmero 4 Junho/2013

    Revista Dilogos Mediterrnicos ISSN 2237-6585

    92

    ele pode alcanar com a filosofia, tornar-se semelhante ao deus, o que se obtem atravs da

    virtude, quando nos tornamos prudentes, justos e piedosos. A esse respeito, ele escreve no

    Didasclicos:

    Alcanamos o tornarmo-nos semelhantes ao deus pela natureza e usando o que se segue: hbitos, um modo de vida e o exerccio de acordo com os costumes, bem como o mais importante: o discurso, o ensinamento e a transmisso das coisas contempladas, de modo a deslocarmo-nos de grande parte dos assuntos humanos e estarmos sempre junto dos inteligveis9.

    Para Alcnoo, a filosofia entendida, por um lado, como uma prtica racional e

    discursiva, mas, por outro lado, tambm como um modo de vida. O mais importante o

    discurso (lgos), o ensinamento (didaskala) e a contemplao (theora), mas tambm o hbito

    (thos), o modo de vida (agog) e o exerccio (skesis). Tudo isso, para deslocarmos nossa

    ateno, dos assuntos humanos (anthropnon pragmton) para os inteligveis (noetos). Esse

    deslocamento o fundamento da virtude do filsofo e do assemelhar-se ao deus.

    Ainda que a proposta de Plotino leve esse assemelhar-se s ltimas consequncias,

    falando da possibilidade de unio com o divino, o ponto de partida de suas anlises o

    mesmo. No incio da Enada I, 2, utiliza a mesma passagem do Teeteto. Citando o texto

    platnico, ele escreve: j que os males esto aqui e por necessidade rondam esse lugar, e que

    a alma quer fugir dos males, deve-se fugir daqui10. E buscando entender o que essa fuga,

    afirma, como Plato, que o tornar-se semelhante ao deus, o que feito se nos tornamos

    justos e piedosos pela sabedoria. Em suma: pela virtude11.

    A partir da, apresentando um modelo mais desenvolvido que aquele apresentado por

    Alcnoo, ele pensa no progresso na vida filosfica a partir do crescimento nas virtudes. Para

    Plotino, o caminho da virtude uma jornada gradual, na qual virtudes inferiores do lugar a

    virtudes mais elevadas. Em primeiro lugar, deve-se adquirir as virtudes polticas, que tm

    esse nome por serem aquelas estudadas por Plato na Repblica. Segundo Plotino, elas

    limitam e impe medida "aos desejos e, em geral, impondo medida s paixes e suprimindo as

    opinies falsas12 e realmente nos ordenam e nos fazem melhores13 assim.

    9 Didascalicos. 28, 4. ' ,

    , ,

    10 I, 2, 1, 1-3. , , .

    11 I, 2, 1, 4-6. , . 12 I, 2, 2, 16-17. . 13 I, 2, 2, 14-15. .

  • Revista Dilogos Mediterrnicos

    www.dialogosmediterranicos.com.br

    Nmero 4 Junho/2013

    Revista Dilogos Mediterrnicos ISSN 2237-6585

    93

    Em uma segunda etapa, devemos buscar virtudes purificativas, que tornam a alma, de

    algum modo, desapegada do corpo. Usando a terminologia do Fdon de Plato, ele fala que

    essas virtudes separam a alma do corpo, mas deve-se ter em mente que essa no uma

    separao total, que ocorre apenas com a morte, mas antes, uma nova configurao, filosfica,

    das relaes entre alma e corpo. Por fim, quando a alma que se encontra purificada do

    sensvel, ela capaz de se voltar para o inteligvel. Ento, suas virtudes so virtudes

    contemplativas.

    Tal caminho de progresso na virtude, ao levar o filsofo do sensvel ao inteligvel, um

    caminho de ascenso. justamente o que Plotino d a entender em diversas passagens, por

    exemplo, no primeiro captulo da Enada I, 3. Ali ele escreve:

    O caminho duplo para todos, um quando ascendem e o outro quando chegam ao alto. O primeiro, a partir das coisas de baixo. O segundo para os que, tendo alcanado o inteligvel e como que colocado sua pegada ali, devem viajar at chegarem aos confins do lugar, que a meta do caminho, quando se alcana o topo do inteligvel14.

    Essa passagem digna de nota. Plotino afirma aqui que o caminho (porea) de ascenso

    possui duas etapas. A primeira vai do sensvel (as coisas de baixo) at o inteligvel. A segunda,

    vai do inteligvel at seu fundamento. Mas que fundamento esse? Para compreendermos

    melhor a natureza da ascenso plotiniana, devemos ter em mente os traos gerais de sua

    metafsica. Para Plotino, existem trs hipstases ou princpios da realidade, dispostos em uma

    relao hierarquica. Antes de tudo, temos o princpio primeiro, absolutamente simples e

    autossuficiente, do qual tudo depende. Plotino o chama por diversos nomes, ainda que afirme

    que, por sua grandeza, nenhum nome lhe convm: o deus, o Bem, o Pai ou, como Plotino

    escreve com maior frequncia, o Um. Do Um procede o Intelecto, que no outro que, mutatis

    mutandis, o mundo das ideias de Plato. A partir do Intelecto, surge a Alma, essa hipstase a

    partir da qual vm as almas dos seres humanos, dos corpos celestes e do prprio universo

    (que Plotino chama de Alma do mundo). E da Alma que surge nosso mundo sensvel.

    Tendo em mente o esquema metafsico das hipstases, percebemos que o caminho da

    virtude exposto na Enada I, 2 diz respeito primeira etapa da jornada, que vai justamente do

    sensvel ao Intelecto. No entanto, na segunda etapa, o filsofo se dirige do Intelecto ao Um, o

    princpio supremo. Obviamente no se trata de um caminho feito no espao, que um aspecto

    14 I, 3, 1, 13-15.

    , , , , , ' .

  • Revista Dilogos Mediterrnicos

    www.dialogosmediterranicos.com.br

    Nmero 4 Junho/2013

    Revista Dilogos Mediterrnicos ISSN 2237-6585

    94

    do sensvel apenas. Trata-se, na verdade, de uma ascenso contemplativa: alcanar o Intelecto

    se tornar capaz de contempl-lo a partir de um conhecimento supra-discursivo, muito

    prximo daquele descrito por msticos de diversas culturas, no qual no existe mais distino

    entre sujeito e objeto, pois a alma do filsofo no mais v o Intelecto como algo distinto de si

    mesma, mas como se ela mesma se transformasse em Intelecto. portanto uma viso que se

    torna unio.

    Por sua vez, chegar at o Um , segundo Plotino, tambm conhecer o Um de um modo

    supradiscursivo, unindo-se a ele de um modo ainda mais radical que no caso do Intelecto. Em

    suas palavras, trata-se de um conhecimento que , na verdade, uma presena superior

    cincia15. Assim, para Plotino, o caminho da racionalidade filosfica no se esgota em si

    mesmo, mas se dirige a uma experincia que, estando alm da razo, no , entretanto,

    irracional, mas superior ao pensamento discursivo.

    Essa a proposta filosfica de Plotino: um caminho de ascenso que culmina na

    contemplao unitiva e supra-discursiva do princpio supremo da realidade. Em suas

    palavras, a vida dos deuses e dos homens divinos e bem-aventurados: distanciamento das

    outras coisas daqui, vida sem prazer com as coisas daqui, fuga do s em direo ao S"16.

    Para nossos presentes propsitos, aps tudo o que vimos, a questo : como o filsofo

    pode realizar essa ascenso? Uma primeira resposta j foi apresentada. Ao menos a primeira

    parte da jornada pode ser entendida como um caminho de progresso na virtude. Nessa

    perspectiva, como vimos, o filsofo, em primeiro lugar, deve buscar a ordem e a medida, o que

    alcana atravs das virtudes polticas, em seguida, se desapegar do sensvel, o que faz com as

    virtudes purificativas e, por fim, contemplar o Intelecto com as virtudes purificativas.

    Mas Plotino no possui uma viso monoltica do caminho de ascenso. Em outros

    textos, outras possibilidades so apresentadas. Assim, por exemplo, na Enada I, 6, ele se

    pergunta:

    Qual a conduta? Qual o mecanismo? Como algum pode contemplar a beleza inconcebvel como que permanecendo no interior de santurios sagrados, sem avanar para o exterior, para que um no-iniciado veja?17

    Nessa passagem Plotino fala em trpos e mekhan, necessrios para a contemplao do

    belo, ou seja, do Intelecto. Os dois termos so importantes. Podemos traduzir trpos por

    15 VI, 9, 4, 3. . 16 VI, 9, 11, 49-51. ,

    , , . 17 I, 6, 8, 1-4. ; ;

    , ;

  • Revista Dilogos Mediterrnicos

    www.dialogosmediterranicos.com.br

    Nmero 4 Junho/2013

    Revista Dilogos Mediterrnicos ISSN 2237-6585

    95

    conduta, mas tambm por modo de vida. Por sua vez, mekhan, que traduzo por mecanismo,

    um termo que indica alguma espcie de mquina ou engenho construdo com um

    determinado fim. Se pensamos que, nesse contexto, o mecanismo s pode ser uma prtica

    filosfica que auxiliar a ascenso, somos tentados aqui a aproximar o termo plotiniano da

    noo de exerccios espirituais de Hadot. No entanto, se compreendemos a expresso tal como

    ela aparece em S. Incio de Loyola, indicando um conjunto de meditaes que tm um incio e

    um fim, ela j no se torna adequada para se referir mekhan plotiniana.

    Explico-me melhor. Na Enada I, 6, Plotino fala que aquele que quer ascender at o

    Intelecto, deve em primeiro lugar perceber, atravs do discurso filosfico, que o fundamento

    do belo que a alma tanto deseja e procura no est no mundo sensvel, mas a prpria

    realidade inteligvel (assim, segundo Plotino, a beleza do mundo sensvel o esplendor do

    inteligvel na matria). S dessa maneira ele saber o que realmente procura e ter foras

    para ascender: para Plotino o amor pelo belo o grande motor da busca filosfica pela

    sabedoria.

    Em segundo lugar, deve-se seguir um caminho de direcionamento do desejo e

    despertar contemplativo que no outro que aquele, com as devidas adaptaes

    neoplatnicas, apresentado por Scrates no discurso final do Banquete de Plato, o caminho

    de ascenso ao belo. Plotino escreve: a alma deve se acostumar, em primeiro lugar, a ver os

    belos modos de vida. Em seguida, as belas obras, no as que as artes realizam, mas as dos

    homens chamados bons. Em seguida, v a alma dos que realizam belas obras18. Para isso, ele

    exorta: ascenda a ti mesmo e v19. A contemplao da alma bela , na verdade, a

    contemplao da beleza da prpria alma. Assim, o filsofo, se deseja contemplar o

    fundamento da beleza, que o Intelecto, precisa, antes de tudo, tornar a sua alma bela, o que

    ele pode fazer cuidando dela tal como um escultor trabalha uma escultura. Esse cuidado da

    alma no outra coisa que a aquisio da virtude. Assim, aquele que tornou a alma bela

    atravs das virtudes polticas, purificativas, pode contemplar o Intelecto (e, assim, exercer as

    virtudes contemplativas).

    Por sua vez, a segunda etapa da jornada no feita atravs do esforo pessoal do

    filsofo, mas , na verdade, um movimento experimentado passivamente por ele. Para ser

    mais preciso, como se fosse uma intensificao na experincia mstica de unio com o

    18 I, 6, 9, 3-7. ,

    , ' .

    19 I, 6, 9, 7. .

  • Revista Dilogos Mediterrnicos

    www.dialogosmediterranicos.com.br

    Nmero 4 Junho/2013

    Revista Dilogos Mediterrnicos ISSN 2237-6585

    96

    Intelecto: a contemplao do Intelecto, quando se aprofunda, torna-se contemplao do

    fundamento do Intelecto, o Um.

    Assim, se o caminho do filsofo, em um primeiro momento, rduo ou, como Plotino

    escreve em I, 6, 7, 31-32, disputa (agn), a maior de todas, e fadiga (pnos), em um segundo

    momento, um deixar-se levar. por isso que Plotino afirma em V, 5, 8, 1-7 que no se deve

    andar em busca do Um, mas aguard-lo serenamente como os olhos aguardam a sada do sol,

    que, aparecendo sobre o horizonte do oceano, oferece a si mesmo, espontaneamente, aos

    olhos que o contemplam.