filtro anaerobios 1

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Resumo Neste artigo serão apresentados os resultados obtidos no estudo do tratamento de esgotos do- mésticos através de um sistema alternativo cons- tituído por filtro anaeróbio com recheio de bam- bu associado a um filtro de areia. A construção desta combinação tem baixo custo e busca minimizar o problema de saneamento existente nos pequenos municípios brasileiros. O filtro anaeróbio em estudo foi alimentado com uma vazão de 2 L/min e seu efluente era aplicado em cinco taxas (20, 40, 60, 80 e 100 L/m 2 .dia) sobre a superfície de quatro filtros de areia que possuíam diferentes profundidades de leitos (25, 50, 75 e 100 cm). A remoção de matéria orgâni- ca superou 98%, mensurada pela DBO e car- bono orgânico total (COT). Quanto aos com- postos nitrogenados, ocorreu uma grande nitrificação. A concentração de fósforo também foi muito reduzida, adequando o efluente dos três filtros mais profundos a legislação brasileira, em todas as taxas empregadas. Palavras-chave: filtro de areia; pós-tratamen- to; efluente anaeróbio; baixo custo. Abstract In this article we present the results obtained from a study on domestic sewage treatment using an alternative system consisting of an anaerobic filter lined with bamboo and associated to a sand filter. The cost of building such O emprego do filtro de areia no pós-tratamento de efluente de filtro anaeróbio Adriano Luiz Tonetti Bruno Coraucci Filho Ronaldo Stefanutti Roberto Feijó de Figueiredo combination is low, and it is used as an attempt to minimize the sewage problem of small Brazilian municipalities. The anaerobic filter in this study was fed at a rate of 2 L/min and its effluent was applied at five different rates (20, 40, 60, 80 and 100 L/m 2 /day) on the surface of four sand filters with beds of different depths (25, 50, 75 and 100 cm). Removal of organic matter exceeded 98%, measured by the DBO and TOC (total organic carbon). In terms of nitrogen compounds, a high nitrification occurred. The phosphorus concentration also was very reduced, the effluent of the three deeper filters thus being in compliance with Brazilian laws at all the rates used. Key words: sand filter; post-treatment; anaerobic effluent; low cost. Introdução O Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- tística (IBGE, 2000) estima que 84% dos distri- tos brasileiros lançam seus esgotos in natura diretamente nos rios. Estados como Acre e Amazonas ou grandes cidades como São Luiz (MA) não tratam nenhum metro cúbico do efluente gerado pela sua população. Este quadro alarmante acarreta sérios pro- blemas para a saúde pública e o meio ambiente. Assim, um dos desafios atuais para a melhoria desta situação é o desenvolvimento de sistemas de tratamento simples, eficientes e adaptáveis às condições econômicas e estruturais destas The use of sand filter in the post- treatment of anaerobic filter effluent sistema alternativo constituído por filtro anaeróbio com recheio de bambu associado a um filtro de areia Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.21, n.21, p. 42-52, jan./jun. 2004 42

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Resumo

Neste artigo serão apresentados os resultadosobtidos no estudo do tratamento de esgotos do-mésticos através de um sistema alternativo cons-tituído por filtro anaeróbio com recheio de bam-bu associado a um filtro de areia. A construçãodesta combinação tem baixo custo e buscaminimizar o problema de saneamento existentenos pequenos municípios brasileiros. O filtroanaeróbio em estudo foi alimentado com umavazão de 2 L/min e seu efluente era aplicadoem cinco taxas (20, 40, 60, 80 e 100 L/m2.dia)sobre a superfície de quatro filtros de areia quepossuíam diferentes profundidades de leitos (25,50, 75 e 100 cm). A remoção de matéria orgâni-ca superou 98%, mensurada pela DBO e car-bono orgânico total (COT). Quanto aos com-postos nitrogenados, ocorreu uma grandenitrificação. A concentração de fósforo tambémfoi muito reduzida, adequando o efluente dos trêsfiltros mais profundos a legislação brasileira, emtodas as taxas empregadas.

Palavras-chave: filtro de areia; pós-tratamen-to; efluente anaeróbio; baixo custo.

Abstract

In this article we present the results obtainedfrom a study on domestic sewage treatmentusing an alternative system consisting of ananaerobic filter lined with bamboo and associatedto a sand filter. The cost of building such

O emprego do filtro de areia nopós-tratamento de efluente defiltro anaeróbio

Adriano Luiz TonettiBruno Coraucci FilhoRonaldo StefanuttiRoberto Feijó de Figueiredo

combination is low, and it is used as an attemptto minimize the sewage problem of smallBrazilian municipalities. The anaerobic filter inthis study was fed at a rate of 2 L/min and itseffluent was applied at five different rates (20,40, 60, 80 and 100 L/m2/day) on the surface offour sand filters with beds of different depths(25, 50, 75 and 100 cm). Removal of organicmatter exceeded 98%, measured by the DBOand TOC (total organic carbon). In terms ofnitrogen compounds, a high nitrification occurred.The phosphorus concentration also was veryreduced, the effluent of the three deeper filtersthus being in compliance with Brazilian laws atall the rates used.

Key words: sand filter; post-treatment;anaerobic effluent; low cost.

Introdução

O Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE, 2000) estima que 84% dos distri-tos brasileiros lançam seus esgotos in naturadiretamente nos rios. Estados como Acre eAmazonas ou grandes cidades como São Luiz(MA) não tratam nenhum metro cúbico doefluente gerado pela sua população.

Este quadro alarmante acarreta sérios pro-blemas para a saúde pública e o meio ambiente.Assim, um dos desafios atuais para a melhoriadesta situação é o desenvolvimento de sistemasde tratamento simples, eficientes e adaptáveisàs condições econômicas e estruturais destas

The use of sand filter in the post-treatment of anaerobic filter effluent

sistemaalternativo

constituído porfiltro anaeróbiocom recheio de

bambuassociado a umfiltro de areia

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.21, n.21, p. 42-52, jan./jun. 200442

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FIGURA 1 - FILTRO ANAERÓBIO DE FLUXO ASCENDENTE

localidades, visto que aproximadamente ¾ dos5.561 municípios brasileiros possuem menos de20.000 habitantes e têm escassa capacidade deinvestir em sistemas complexos de tratamento.

Porém, deve-se ter em conta que segundoCHERNICHARO e VON SPERLING (1996)entende-se por simplicidade a aplicação de mé-todos naturais menos mecanizados e com baixocusto de construção e operação, além de viá-veis e com sustentabilidade. Ou seja, a própriapopulação das pequenas localidades terá condi-ções de mantê-lo tanto economicamente comotecnicamente.

O filtro anaeróbio

O filtro anaeróbio é um tipo de reatorbioquímico caracterizado pela presença em seuinterior de um material de recheio estacionárioe inerte. O esgoto penetra pela sua parte inferi-or ou superior, saindo na extremidade oposta.Durante este percurso, ocorre o tratamento de-vido ao contato do substrato presente na águaresiduária com os microorganismos aderidos aomaterial de recheio (figura 1).

Apesar da boa eficiência deste sistema,entre 10 a 30% da matéria orgânica não é de-

gradada, o que impede que seu efluente atendaa legislação brasileira quanto a DBO, tornandonecessário um pós-tratamento.

Material de recheio

O material de recheio empregado nos fil-tros anaeróbios deve ter basicamente as seguin-tes características: estrutura resistente; ser bio-lógica e quimicamente inerte; apresentar leve-za; porosidade elevada e preço reduzido.

Pesquisadores da Unicamp constataramque o uso de anéis de bambu poderia satisfazertais pré-requisitos (CAMARGO, 2000 e COS-TA COUTO, 1993). O bambu possui baixo cus-to e é facilmente encontrado nas diversas ci-dades brasileiras. Assim, construíram e opera-ram quatro filtros anaeróbios com este materi-al de recheio e obtiveram uma remoção médiade matéria orgânica (DBO) superior a 75% edurante todo o período de estudo, correspon-dente a três anos, não foi feito nenhum descar-te de excesso de lodo. No entanto, quanto aonitrogênio orgânico, somente uma parcela desua concentração foi transformada em amôniaou nitrato.

Pode-se concluir ao final deste trabalho

a populaçãodas pequenas

localidades terácondições de

mantê-lo tantoeconomicamente

comotecnicamente

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a purificaçãodepende

principalmenteda oxidação

bioquímica queocorre nocontato do

afluente com acultura

biológica

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.21, n.21, p. 42-52, jan./jun. 2004

inicial que apesar dos bons resultados, havia anecessidade de se realizar um pós-tratamentodo efluente gerado por este reator, pois o mes-mo não era adequado à legislação brasileira.Assim, buscando manter as características deum tratamento alternativo e barato estes pes-quisadores decidiram aplicar o efluente sobre asuperfície de filtros de areia.

A associação do filtro anaeróbio com fil-tros de areia seria uma alternativa que preser-varia a simplicidade e o baixo custo total. Outroitem importante seria a possibilidade de dispor oefluente gerado diretamente sobre os cursosd’água ou reutilizá-lo na irrigação ou no consu-mo não-humano, seguindo a orientação da Or-ganização Mundial de Saúde (OMS, 1989). NoBrasil, ele também seria aplicável nas pequenascidades e até mesmo nos bairros isolados e con-domínios fechados das grandes metrópoles, ondea instalação de uma rede coletora de esgotosapresentaria custo elevado.

Histórico e funcionamento dos filtros de areia

O filtro de areia é um método de tratamentobastante antigo, inicialmente adotado na remo-ção de turbidez da água potável. A partir do sé-culo XIX, na Europa e nos Estados Unidos, pas-sou a ser aproveitado na depuração de esgotos(MICHELS, 1996).

O funcionamento deste sistema baseia-se na aplicação de afluente intermitentemen-te sobre a superfície de um leito de areia.Durante a sua infiltração, ocorre a purifica-ção por mecanismos físicos, químicos e bioló-gicos.

O tratamento físico é resultante dopeneiramento e o químico se processa pelaadsorção de determinados compostos. Mas, apurificação depende principalmente da oxidaçãobioquímica que ocorre no contato do afluente coma cultura biológica. Devido a esta característica,JORDÃO e PESSOA (1995) afirmam que estetipo de sistema é incorretamente chamado de fil-tro, pois seu funcionamento não possui como ex-plicação primordial o peneiramento ou a filtragem.Neste mesmo sentido, KRISTIANSEN (1981)sustenta que o leito de areia em conjunto com osmicroorganismos forma um filtro vivo.

Materiais e métodos

Este projeto de pesquisa está instalado emuma área experimental situada na Estação deTratamento de Efluentes Graminha, na cidadede Limeira, Estado de São Paulo e o esgoto bru-to é originário de um bairro residencial denomi-nado Graminha. Inicialmente a água residuáriapassa por um tratamento preliminar compostopor grades de retenção e caixa de areia e, emseguida, uma pequena porção do seu fluxo édirecionada até quatro filtros anaeróbios comrecheio de bambu.

Cada um destes reatores possui volume de500 L e foi construído em aço inox. Seu formatoé cilíndrico com um fundo cônico, que funcio-nou como um compartimento para a distribui-ção do esgoto. O recheio foi constituído de anéisde bambu da espécie Bambusa tuldoides (fi-gura 2). O caule do bambu foi cortado em peda-ços de aproximadamente 5 cm (CAMARGO,2000).

Os filtros anaeróbios foram operados comfluxo ascendente, tendo uma vazão de 2 L/mine tempo de detenção hidráulica de 3 horas, con-trolados diariamente.

Filtros de areia

Na construção dos filtros, foi utilizada umacaixa cilíndrica com estrutura de fibra de vidroe diâmetro de 100 cm e, conforme apresentadona figura 3 (página 46), a disposição do leito dosfiltros foi sobreposta em três camadas.

A base foi constituída de brita e possuía 20cm de profundidade. Logo acima estava a ca-mada formada por pedregulho, com 10 cm deprofundidade. Ela objetiva sustentar a areia, im-pedindo que suas partículas fossem arrastadaspara fora da estrutura do sistema. Quanto à ca-mada de areia, buscando-se determinar qual eraa espessura ideal para a realização do tratamen-to, empregaram-se quatro filtros com diferentesprofundidades de leito, conforme apresentado natabela 1.

A areia empregada foi a popularmente de-nominada de grossa comercial, possuindo um diâ-metro efetivo (D10) de 0,093 mm e coeficientede desuniformidade (DU) de 4,516. Salienta-se

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TABELA 1 - DENOMINAÇÃO DOS FILTROS E PROFUNDIDADES DO LEITO DE AREIA

Denominação do filtro de areia

F025

F050

F075

F100

Profundidade do Leito (centímetros)

25

50

75

100

o recheio foiconstituído de

anéis de bambuda espécieBambusa

tuldoides empedaços de

aproximadamente5 cm

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.21, n.21, p. 42-52, jan./jun. 2004

que estes materiais foram os mais comumenteencontrados na região de desenvolvimento doprojeto.

Para a distribuição uniforme do afluentesobre o leito dos filtros, empregou-se uma pla-ca quadrada de 20 cm de comprimento, feitade madeira e posicionada no centro da cama-da superficial (figura 4). Após o lançamentodo afluente pela tubulação de distribuição,existe o choque do líquido com esta placa, dis-tribuindo as gotículas sobre a superfície. Coma adoção deste aparato, evita-se a formaçãode canais preferenciais e a erosão do leito deareia.

Buscando a ampliação da aeração do lei-

to, foi instalado na lateral de cada filtro um tubode PVC com 50 mm de diâmetro interno. Nointerior, ele penetra na camada de brita, onde hámaior porosidade, possibilitando uma melhor dis-tribuição de ar nestas áreas inferiores.

Buscando determinar a capacidade de tra-tamento de cada um destes filtros de areia, fo-ram aplicadas sobre as superfícies as taxas de20, 40, 60, 80 e 100 L/m2.dia de efluente origi-nário dos filtros com recheio de bambu. Cadataxa foi empregada pelo período de um mês en-tre as segundas e sextas-feiras.

Na figura 5 está apresentado de formaesquemática o fluxograma de funcionamentodeste projeto de pesquisa.

FIGURA 2 - VISTAS EXTERNA (ESQUERDA) E INTERNA (DIREITA) DOS FILTROS ANAERÓBIOS

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FIGURA 4 - VISTA GERAL DO PROJETO (ESQUERDA) E SUPERIOR DE UM FILTRO DE AREIA(DIREITA), TENDO AO CENTRO A PLACA DE DISTRIBUIÇÃO DE AFLUENTE

FIGURA 3 - ESQUEMA DOS FILTROS DE AREIA

para adistribuiçãouniforme do

afluente,empregou-seuma placa

quadrada de20 cm de

comprimento

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.21, n.21, p. 33-41, jan./jun. 2004Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.21, n.21, p. 42-52, jan./jun. 200446

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FIGURA 5 - ESQUEMA DO PROJETO.

Amostragem e análises

As seguintes amostras foram obtidas se-manalmente: esgoto bruto, efluente dos filtrosanaeróbios com recheio de bambu e efluentesdos filtros de areia. Todas as análises foram ba-seadas no Standard Methods for the Examinationof Water and Wastewater (AWWA/APHA/WEF, 1999).

Os parâmetros analisados neste trabalhoforam os seguintes: pH, demanda bioquímica deoxigênio (DBO), carbono orgânico total (COT),série do nitrogênio (amônia, nitrito, nitrato e ni-trogênio orgânico) e fósforo.

Resultados

pHDe acordo com a tabela 2 pode-se fazer

uma generalização e dividir os valores de pHdos efluentes dos filtros de areia em basicamente

dois grupos. O primeiro englobaria os pHs en-contrados para as taxas de 20, 40 e 60 L/m2.dia,onde houve uma tendência a existirem valoressuperiores a 7. No segundo grupo, encontradosnas taxas de 80 e 100 L/m2.dia nota-se pHs in-feriores a neutralidade.

A característica encontrada para o primei-ro grupo não era esperada. Isto porque, con-forme será apresentado na análise dos com-postos nitrogenados, esperava-se que a gran-de transformação do nitrogênio orgânico eamoniacal em nitrato, durante a infiltração noleito de areia, levaria a uma redução do pH.Em geral esta reação bioquímica consomealcalinidade, acarretando no aumento da aci-dez do meio.

Uma possível explicação para este resul-tado pode ser a formação de um tampão quími-co pela areia. Assim, apesar do consumo doscompostos alcalinos, havia o impedimento daqueda do pH do efluente dos filtros de areia.

TABELA 2 - MÉDIA DO PH NAS DIFERENTES TAXAS DE APLICAÇÃO

Esgoto bruto

Efluente dos filtros anaeróbios

F025

F050

F075

F100

20 L/m2.dia

6,56

6,70

7,75

7,79

8,06

7,77

40 L/m2.dia

7,85

7,39

7,56

8,26

8,71

8,59

60 L/m2.dia

7,85

8,04

7,62

7,94

7,80

7,99

80 L/m2.dia

6,65

7,10

6,13

6,37

6,88

7,03

Média do pH nas diferentes taxas

100 L/m2.dia

6,90

6,19

5,30

6,13

6,11

7,16

Ponto de Coleta

pode-se dividiros valores de pHdos efluentesdos filtros de

areia embasicamentedois grupos

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A formação do sistema tampão pelo leitode areia pode ser comprovada pela análise dosdados do filtro de areia com menor profundida-de de leito, o F025. Este filtro apresentou umatendência aos pHs mais ácidos. Outro pontoobservado é que este mesmo filtro foi o primei-ro a ter resultados inferiores aos encontradospara o afluente aplicado. Por outro lado, o deleito de areia mais profundo, o F100, até o finalda aplicação da taxa de 100 L/m2.dia ainda ti-nha uma tendência a apresentar pHs superioresao do afluente.

Quando se comparam os valores encon-trados para o pH do efluente do sistema comaqueles exigidos pela legislação brasileira(Conama 20/86), que permite a emissão de umefluente cujo pH varie entre 4 e 9, nota-se queos filtros apresentaram valores bastantesatisfatórios.

Demanda bioquímica de oxigênio - DBOVê-se pela tabela 3 que o sistema gerou

excelentes resultados quanto a DBO. O maiorvalor encontrado foi de somente 28,6 mg deDBO/L, obtido no efluente do filtro com 25 cmde profundidade, durante a aplicação da maiortaxa. Este resultado está muito abaixo do máxi-mo permitido pela legislação brasileira, que é de90 mg/L.

Outra característica observada é quequanto mais profundo o leito de areia, melho-res foram os resultados. Isto pode ser expli-cado pela existência de uma maior camadade areia, que propiciava um aumento da quan-tidade de grãos de areia revestidos por umbiofilme. Assim havia uma grande possibilida-

de de contato do material orgânico com osmicroorganismos, que levou o filtro F100 aapresentar como menor resultado o valor de1,7 mg de DBO/L.

Ao analisar-se os percentuais de remoçãode DBO, observa-se que os filtros anaeróbiospropiciaram resultados bastante diferenciados aolongo do estudo, indo de 24% e chegando a 65%.De forma geral, pode-se afirmar que a médiageral foi de 47%. Este resultado é compatívelcom dados obtidos na literatura para recheio maiscomplexos, salientando que o tempo de deten-ção hidráulico adotado foi bastante baixo, sendosomente de 3 horas.

Quando examina-se a remoção propiciadapor todo o sistema, constata-se a sua grande efi-ciência. Ela nunca foi inferior a 90%, mesmopara o filtro de areia mais raso. O filtro commaior espessura de areia teve como menor va-lor 97%.

Carbono orgânico total - COTA análise da matéria orgânica através do

emprego da técnica que determina o carbono or-gânico total (COT) é bastante precisa e recenteno Brasil. Através dela tem-se a determinaçãodireta da concentração de matéria orgânica. Es-pecificamente para esta análise foi empregado oanalisador TOC-5000A da marca SHIMADZU.

Constata-se por meio da figura 6 a grandeeficiência deste sistema de tratamento na re-moção de matéria orgânica. O valor máximoencontrado foi de somente 30,00 mg/L, obtidano filtro F025 durante a aplicação da taxa de100 L/m2.dia. O filtro com espessura de cama-da de areia mais profunda, teve como valor

TABELA 3 - MÉDIA DA DBO E REMOÇÃO NOS PONTOS DE COLETA

Esgoto Bruto

Filtro Anaeróbio

F025

F050

F075

F100

20 L/m2.dia

197,1

148,9

9,2

3,8

4,8

4,5

40 L/m2.dia

286,1

105,0

7,5

3,0

3,1

3,1

60 L/m2.dia

299,8

182,3

18,7

3,6

3,5

1,7

80 L/m2.dia

341,1

195,4

14,3

11,6

5,6

2,3

100 L/m2.dia

330,9

115,1

28,6

16,8

9,6

4,0

20 L/m2.dia

-

24,4

95,3

98,0

97,5

97,6

40 L/m2.dia

-

63,2

97,3

98,9

98,9

98,8

60 L/m2.dia

-

39,1

93,7

98,7

98,8

99,4

80 L/m2.dia

-

42,7

95,8

96,5

98,3

99,3

100 L/m2.dia

-

65,2

91,3

94,9

97,0

98,7

Ponto deColeta

DBO (mg/L) Remoção de DBO (%)

remoçãopropiciada portodo o sistema

nunca foiinferior a 90%,mesmo para ofiltro de areia

mais raso

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.21, n.21, p. 42-52, jan./jun. 200448

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FIGURA 6 - VARIAÇÃO DA MÉDIA DO COT DURANTE AS SEMANAS DE COLETA

de compostos nitrogenados pouco degradados.Ao comparar-se estes dois pontos de coleta,nota-se que a concentração de amônia noefluente dos filtros anaeróbios, na maioria dassituações, superava o valor da de nitrogênio or-gânico. As concentrações de nitrato e nitrito fo-ram muito pequenas, indicando uma pequenanitrificação.

Pela figura 8, nota-se que o efluente dosfiltros anaeróbios ao infiltrar-se através dos fil-tros de areia sofreu uma grande nitrificação. Ouseja, existiu uma grande transformação do ni-trogênio orgânico e do amoniacal em nitrato, in-diferentemente da taxa que era empregada.

Para os filtros F025 e F050, a partir dataxa de 60 L/m2.dia passa a haver um aumentoda concentração de nitrogênio amoniacal, quefoi ampliada na de 80 L/m2.dia. Este aumentopode ser explicado pelo acréscimo de volumeaplicado, que acarretou na diminuição do tem-po de contato entre o líquido que se infiltrava e

TABELA 4 - REDUÇÃO MÉDIA DO COT PARA OS PONTOS DE COLETA

Efluente dos filtros anaeróbios

F025

F050

F075

F100

20 L/m2.dia

53,85

97,03

96,78

97,38

97,18

40 L/m2.dia

45,96

95,20

98,27

98,35

98,58

60 L/m2.dia

6,19

93,43

95,81

97,26

97,79

80 L/m2.dia

62,41

91,10

93,52

96,73

98,22

100 L/m2.dia

58,78

89,02

93,33

95,55

98,69

Ponto de Coleta Redução de COT (%)

máximo a concentração de 5,33 mg/L. Nota-seque também nas taxas de 20 e 40 L/m2.dia osvalores de COT foram bastante baixos para to-dos os filtros, não existindo uma diferenciaçãosignificativa entre eles. Somente a partir da apli-cação de 60 L/m2.dia os filtros passam a apre-sentar resultados diferenciados.

Constata-se por meio da tabela 4 que o fil-tro anaeróbio possibilitou uma remoção médiade COT de aproximadamente 51%. Tambémpercebe-se a boa performance do sistema, com-provada pelas altas remoção de carbono orgâ-nico total. Em todos os filtros ela foi sempre su-perior a 89%, tornando-se ainda maior quandose analisa o filtro F100, que nunca teve um re-sultado inferir a 97%.

NitrogênioPor meio da figura 7 percebe-se que tanto

o esgoto bruto como o efluente dos filtros comrecheio de bambu eram constituídos basicamente

percebe-se aboa

performance dosistema,

comprovadapelas altasremoção de

carbonoorgânico total

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.21, n.21, p. 42-52, jan./jun. 2004 49

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FIGURA 7 - CONCENTRAÇÃO DOS COMPOSTOS NITROGENADOS NO ESGOTO BRUTO E EFLUENTEDOS FILTROS ANAERÓBIOS

FIGURA 8 - CONCENTRAÇÃO DOS COMPOSTOS NITROGENADOS NOS EFLUENTESDOS FILTROS DE AREIA F025 E F050

FIGURA 9 - CONCENTRAÇÃO DOS COMPOSTOS NITROGENADOS NOS EFLUENTESDOS FILTROS DE AREIA F075 E F100

a cultura biológica.Quanto mais profundo era o leito de areia,

maior era o processo de nitrificação. Assim, deacordo com a figura 9, o filtro com 100 cm de

profundidade propiciava uma completanitrificação, possuindo uma baixíssima concen-tração de nitrogênio orgânico e amoniacal emseu efluente.

quanto maisprofundo era oleito de areia,maior era oprocesso denitrificação

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.21, n.21, p. 42-52, jan./jun. 200450

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Percebe-se que nos quatro filtros de areiaem estudo, durante a aplicação da taxa de 20 L/m2.dia existiu a saída de um efluente com baixaconcentração de todos os compostos nitrogenados.Isto pode ser explicado pela adsorção destes com-postos pelo leito de areia. Após a saturação desteprocesso, houve a saída de altos valores de nitrato,conforme observado nas taxas subseqüentes.

FósforoAo analisar-se a concentração de fósforo

pela figura 10, constata-se que os filtrosanaeróbios geraram uma remoção muito peque-na deste composto. Em todas as situações oefluente deste reator apresentava resultadosacima da legislação brasileira mais restritiva.

Quanto ao pós-tratamento, vê-se que ostrês filtros com maiores profundidades de leitode areia apresentaram efluentes que estiveram

dentro do exigido pela legislação. O filtro F025,a partir da aplicação da taxa de 60 L/m2.dia pro-duziu um efluente que estava fora destaespecificação.

Como a remoção do fósforo deve-se prin-cipalmente à ação da filtração física ou a umaadsorsão pelo leito de areia, a baixa remoção dofiltro F025 pode ser explicada por uma possívelformação de canais preferenciais neste leito maisraso. Tal fato impedia um adequado contato en-tre este composto e o meio filtrante.

Pela tabela 5 constata-se que apesar degerar uma baixa remoção, os filtros anaeróbiosretiraram aproximadamente 23% de fósforo doesgoto bruto. Ao observar-se o filtro F025, quenão satisfez as exigências da legislação brasilei-ra, nota-se ainda uma remoção superior a 78%.No filtro com maior profundidade a reduçãonunca foi inferior a 97%.

FIGURA 10 - MÉDIA DA CONCENTRAÇÃO DE FÓSFORO NOS PONTOS DE COLETA

TABELA 5 - REDUÇÃO MÉDIA DA CONCENTRAÇÃO DE FÓSFORO NOS PONTOS DE COLETA

Efluente dos filtros anaeróbios

F025

F050

F075

F100

20 L/m2.dia

22,85

97,36

98,18

98,72

97,92

40 L/m2.dia

-10,02

94,78

99,03

99,03

99,42

60 L/m2.dia

27,09

78,09

98,66

99,63

99,68

80 L/m2.dia

23,39

78,66

94,37

97,16

98,99

100 L/m2.dia

29,78

87,08

96,15

97,06

99,00

Ponto de Coleta Redução de Fósforo (%)

nos quatrofiltros de areiaexistiu a saída

de efluentecom baixa

concentraçãode compostosnitrogenados

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Conclusões

A análise destes resultados demonstra agrande viabilidade deste sistema para o trata-mento de esgotos sanitários de pequenas co-munidades, isto porque o efluente gerado esta-va de acordo com o exigido pela legislação bra-sileira para a emissão em um corpo receptor.

Outra constatação é a possibilidade doreúso deste líquido em diversas atividades, res-guardando os mananciais naturais para usosmais nobres.

Agradecimentos

À Fapesp, CNPq, Finep, Caixa Econô-mica Federal e Prosab pelo apoio e financia-mento na construção do projeto e em sua ma-nutenção.

Referências

CAMARGO, S. A. R. Filtro anaeróbio comenchimento de bambu para tratamento de esgo-tos sanitários: avaliação da partida e operação.Campinas, 2000. Dissertação (Mestrado) -Faculdade de Engenharia Civil, Universi-dade de Campinas.

COSTA COUTO, L. C. Avaliação do desem-penho de filtros anaeróbicos com diferentesmeios de enchimento no tratamento de esgotossanitários. Campinas, 1993. Dissertação(Mestrado) - Faculdade de Engenharia Ci-vil, Universidade de Campinas.

JORDÃO, E. P.; PESSOA, C. A. Tratamentode esgotos domésticos. 3. ed. Rio de Janeiro:ABES, 1995.

KRISTIANSEN, R. Sand-filter trenches forpurification of septic tank effluent: III. Themicro flora, Journal of EnvironmentalQuality, n. 10, p. 361–364, 1981c.

MICHELS, C. J. System suited for smallcommunities. Water Environmental &Technology, v. 7, n. 8, p. 45-48, 1996.

Autores

Adriano Luiz Tonetti,engenheiro químico, com atuação em empre-

sas nas áreas de tratamento de efluentesindustriais e meio ambiente, doutorando na

área de Meio Ambiente e Saneamento(Unicamp).

Bruno Coraucci Filho,professor titular da Faculdade de Engenharia

Civil, Arquitetura e Urbanismo (Unicamp),pesquisador de métodos alternativos de

tratamento de esgotos, coordenador do Prosab(Tema 2 - Editais 1, 2 e 3).

Ronaldo Stefanutti,engenheiro agrônomo, doutor pela Esalq,

pesquisador da Faculdade de Engenharia Civil,Arquitetura e Urbanismo (Unicamp).

Roberto Feijó de Figueiredo,engenheiro civil, MSc. pela Universidade daCalifórnia, Berkeley e PhD na Universidade

da Califórnia, Davis, professor titular daFaculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e

Urbanismo (Unicamp).

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE.Directrices sanitárias sobre el uso de aguasresiduales en agricultura e aqüicultura: sériesde reportagens técnicas, n. 778. Genebra,1989.

STANDARD methods for the examination ofwater and wastewater. 19th ed. New York:APHA, 1999. 626 p.

o sistemamostru-se

viável, pois oefluente atendea legislação e

permite o reúso

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