FINALIZADO Novo Rascunho de Supremo Verbo
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ANDRÉ HEITOR GOMES ZABATIERO
LITERATURA BRASILEIRA: PERIODIZAÇÃO:Análise do Poema Supremo Verbo
de Cruz e Souza e sua relação com o Cânone
Projeto apresentado àUniversidade Federal doEspírito Santo como forma
de avaliação para adisciplina de Literaturabrasileira: Periodização emLíngua Inglesa I,ministrada pelo Professor Danilo Corrêa.
VITÓRIA2011
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Sobre o Simbolismo e Cruz e Souza:
O Simbolismo tem no poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867) seu
mais importante precursor, e é um movimento de grande valor literário é difícil
ser conceituado como um movimento homogêneo, devido às diversaspeculiaridades de cada artista correspondente a este momento da história da
Literatura e das Artes em geral.
Baudelaire exerceu uma influência sobre os simbolistas principalmente no
que diz respeito a uma poesia autêntica, que maneja símbolos e que abandona
os "objetos", o "concreto", buscando o sugestivo, a alusão, a insinuação. Dele
nasce a devoção à arte pura ou a poesia pura, característica marcante domovimento simbolista. Em Baudelaire, a mistura de imagens, as metáforas
mescladas, a fusão do material com o espiritual são marcas visíveis e
familiares.
Outro detalhe sobre o simbolismo é que o poeta não é só um ser
inspirado, mas sim o Escolhido entre os demais homens, com o objetivode
desvendar o sentido simbólico do mundo e depois revelar o mesmo aoshomens comuns, os leigos, através de sua arte poética(GOMES, 1994).
No Brasil, o principal exponente do Simbolismo é João da Cruz e Sousa
(1861- morrendo de tuberculose em 1898) filho do mestre pedreiro Guilherme
da Cruz e Carolina Eva da Conceição, ambos escravos alforriados de
baixíssimo nível social. Poeta de Santa Catarina, Cruz e Souza, escreveu
poesia fortemente influenciada pela literatura europeia, principalmente a
francesa, da onde Cruz e Souza valeu-se, dos variados recursos linguísticos
herdados da vasta leitura destes autores para revelar uma das características
mais evidentes do movimento: a sugestão (BASTIDE, 1943).
Por ser negro alforriado Cruz e Souza sofria de uma realidade excludente,
e devido a tal realidade em sua obra confundem-se temas como a morte, a
marginalização e desumanização do negro, do bêbado, todos ilustrados de
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maneira maestral pelas características simbolistas como a sinestesia, as
sublimações, musicalidade, etc... (BASTIDE, 1943).
Suas obras publicadas são:
Tropos e Fantasias ( livro de prosa de 1885, com Virgílio Várzea)
Missal (1893,prosa)
Broquéis (1893,poesia)
Evocações (1898, no final do ano, após a morte)
Faróis (1900 – livro de poemas)
Últimos sonetos ( 1905, lançado em Paris).
O poema Supremo Verbo pertence ao seu livro Últimos sonetos, escritoàs portas da morte, sem família, pois seus filhos morreram doentes e suaesposa também falecera, fato importante para analise do mesmo.
Supremo Verbo
1 Vai, Peregrino do caminho santo, A2 faz da tua alma lâmpada do cego, B
3 iluminando, pego sobre pego, B
4 as invisíveis amplidões do Pranto. A
5 Ei-lo, do Amor o cálix sacrossanto!
A
6 Bebe-o, feliz, nas tuas mãos o entrego... B
7 Eis o filho leal, que eu não renego, B
8 que defendo nas dobras do meu manto. A
9 Assim ao Poeta a Natureza fala!
C
10 em quanto ele estremece ao escutá-la, C
11 transfigurado de emoção sorrindo.. D
12 Sorrindo a céus que vão se desvendando, E
13 a mundos que se vão multiplicando, E
14 a portas de ouro que se vão abrindo!" D
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Cruz e Sousa, mesmo participando do movimento simbolista, prende-se à
forma fixa soneto em seu último livro. Este é um requinte derivado de sua
influência parnasiana, que explica seu gosto pelo soneto, o vocabulário
requintado, enfim, detalhes que explicam porque uma de suas influências foi o
Parnasianismo (PIRONI,2009).
Tendo isto em mente, percebemos que os versos deste poema são
decassílabos, possuindo rimas interpoladas (A e D) e também rimas
emparelhadas (B, C e E), tendo um total de 14 versos e possuindo 2 quartetos
e 2 tercetos. Ou seja, um perfeito soneto em sua qualidade básica.
A idéia principal deste poema é o poeta e sua obra. Podemos nos basear
em algumas partes do poema para justificar isso. Primeiramente vamos nos
atentar ao título, “Supremo Verbo”, que pode ser interpretado como uma
descrição da poesia em si, como a maior expressão da arte escrita.
A 1 estrofe se refere ao poeta como “Peregrino do caminho santo” e ͣ
utiliza-se de metáforas de iluminação para exaltar o poeta como alguém na
sagrada missão de revelar ao leigo (“cego”) a beleza do complexo e
maravilhoso mundo emocional(“Pranto”). Logo no primeiro verso, quando serefere ao o poeta como “peregrino do caminho santo” o poeta encoraja outros
poetas a seguir o caminho sagrado da poesia, que envolve tanto a arte em si
mas também como as dificuldades enfrentadas pelo escritor devido a sua
profissão e raça, como vimos anteriormente na breve descrição de sua vida.
A metáfora da iluminação também está evidente no segundo e terceiro
verso desta estrofe. No segundo verso o autor utiliza a metáfora de iluminação,
de luz, para descrever a poesia, cuja serventia é usar sua alma como poetapara que sua arte possa iluminar a vida daqueles que não têm o dom do poeta
para enxergar a vida a partir de sua alma, do âmago de seu ser, sendo o
intermediário entre as emoções em sua verdadeira face e o homem comum.
Em seguida utiliza o termo “pego”, que pode significar tanto abismo como a
parte profunda de um rio. Podemos interpretar como o abismo de não
conseguir reconhecer suas emoções, fardo do homem comum, e também
como o peregrino que percorre o mais profundo nível da correnteza dasemoções, fechando então a primeira estrofe, onde o “Pranto” é uma palavra
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alegorizada interpretada como o abismo ou profundo rio das emoções, onde
apenas a arte da poesia pode desvendar seus obscuros mistérios.
Os termos “lâmpada”, “iluminando”, “pego”, “abismo” estão relacionados à
metáfora de luz e escuridão, de brancura e claridade contrapostos ao negro eobscuro. Como vimos na biografia do poeta, o mesmo sofreu discriminação
racial devido ao fato de ser negro e em por toda sua obra encontramos
referências a luz e ao branco, principalmente em forma de sublimações
(BASTIDE, 1943).
A segunda estrofe nos descreve a poesia em si e o grande valor que
Souza dá a sua arte. Em seu primeiro verso o autor se refere a sua arte como o
“cálice duplamente santo” do amor, claramente considerando a poesia como a
expressão refinada do próprio “Amor”. Encontramos aqui mais uma vez o traço
simbolista da alegorização através da utilização de maiúsculas (BALAKIAN,
1985). Neste caso o “Amor” pode ser o ágape, frequentemente traduzido como
“amor da alma”, um tipo de amor caracterizado pelos gregos antigos como o
amor puro, que transcende o mundo material, sendo infinitamente superior ao
mundano amor de atração física. Em outras palavras, pode ser o sentimento
(puro) que o poeta encontra ao chegar ao mundo dos símbolos. Este uso da
palavra Amor acontece em vários de seus sonetos e é característico de Souza,
tendo como um exemplo o soneto “Livre!” analisado por Pironi (PIRONI, 2009).
A utilização de vocábulo eclesial como em “o cálix sacrossanto”, e a
presença de metáforas claramente religiosas como “Sorrindo a céus que vão
se desvendando” e “a portas de ouro que se vão abrindo!” referindo-se ao
paraíso e as portas do paraíso respectivamente são um marco de Cruz eSouza(LOBO, 1993). Danilo Lobo afirma que Cruz e Sousa possui “um impulso
ascendente, em direção à divindade, ao elemento celeste” e as diversas
referencia espirituais e uso de vocábulo eclesiástico confirmam isso neste
poema.
As referencias ao paraíso também podem ser influencias do fato que este
soneto, presente em sua ultima obra, foi escrito provavelmente no final de sua
vida, já doente e a beira da morte, sem ter recebido o devido reconhecimento
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pela sua obra, muito pelo contrario tendo sido amplamente criticado pelos
críticos da época (BASTIDE, 1943). Este fato também nos ajuda a ver o amor
pela arte da poesia descrita dentro deste poema nos versos 7 e 8, onde a
poesia é seu filho, nunca abandonado por Souza e protegido pelo mesmo. O
último terceto é uma clara referencia à chegada da morte e do paraíso cristão,
que intensificam a impressão de que este soneto foi escrito por Souza
praticamente as portas da morte, o outro mundo que está sendo revelado a ele.
No primeiro terceto temos a referencia ao ato de escrever poesia. No qual
o Poeta desvenda os símbolos escondidos na Natureza, e que tal ato o coloca
em êxtase, de teor quase religioso, que o transfigura em seu impacto
emocional. Novamente temos exemplos de maiúsculas alegorizantes, quesugerem um sentido mais amplo e profundo aos termos Poeta e Natureza. Aqui
o Poeta não é apenas a pessoa que escreve o poema, mas sim um interprete
da natureza, um artista no sentido verdadeiro da palavra, alguém que
desvenda a Natureza e a codifica de maneira inteligível ao leigo. Já a Natureza
aqui não é apenas aquela natureza mundana disponível ao todos os homens,
mas sim a natureza como um mundo que não foi tocado pelo homem,
significado existente em outros poemas de sua obra (PIRONI, 2009).
Para Coutinho um poema pode ter sua presença justificada no cânone
devido a sua estética. E da estética simbolista de Cruz e Souza o Supremo
Verbo é um exemplo magnífico, e para provar esta afirmação vamos analisar
as características mais reverenciadas deste poeta, que se encaixam no
simbolismo, que estão presentes neste poema.
Podemos citar como marcas do estilo simbolista, presentes neste poema
as características de musicalidade, sinestesia, a utilização de maiúsculas
alegorizantes, a grande utilização de metáforas, predominância da sugestão no
lugar da nominação e a devoção a arte pura ou poesia pura, entre outras
(BALAKIAN, 1985). Abaixo faço breve comentários sobre como é feita a
presença dessas características no poema Supremo Verbo:
● Musicalidade: Característica na qual o poeta utiliza-se de efeitos
sonoros como a assonância, a aliteração e a reiteração, compondo assim amusicalidade em seu poema.
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Assonância é um fenômeno de homofonia vocálica, repetindo-se
determinada vogal para obtenção de certos efeitos de sonoridade expressiva
temos aqui como exemplo de assonância a repetição de vogais “o” e “a”:
Vai, Peregrino do caminho santo, (Verso 1)
f
az da tua alma lâmpada do cego, (Verso 2)
Aliteração (fenômeno de harmonia imitativa) é a repetição da mesma
consoante no início, no meio ou no fim de vocábulos sucessivos, ou mesmo em
vocábulos não sucessivos, mas simetricamente dispostos, e como exemplo de
aliteração neste poema temos a repetição de consonantes “n” e “r”:
Sorrindo a céus que vão se desvendando, (Verso 12)
a por tas de our o que se vão abr indo! (Verso 14)
E para exemplificar a Reiteração podemos destacar no verso 3
(“iluminando, pego sobre pego”) nos referindo a repetição da palavra “pego”.
● Sinestesia: Processo linguístico no qual o poeta mescla
sensações(sentidos).
Temos como exemplo o verso 10, “em quanto ele estremece ao escutá-
la”, contrastando tato e audição.
● Utilização de maiúsculas alegorizantes
: O objetivo desde recurso é
ampliar a significação da palavra e absolutiza-la. Para tal fim o poeta utiliza-se
de letra maiúscula em substantivo comum. Neste poema temos vários
exemplos disso, como Pranto, Peregrino, Verbo, Natureza, Amor, etc. jápreviamente analisados.
● P redominância da sugestão no lugar da nominação
: A começar pelo
título “Supremo Verbo” e durante todo o poema, o poeta utilizou-se da sugestão
para dar asas à imaginação do leitor. Utilizando o título como exemplo, no qual
o autor se refere a arte da poesia em si, dando uma sugestão até mais
profunda que a poesia é algo vivo, pois o verbo é algo que pressupõe ação,
que por sua vez no traz a idéia de vida. Logo vários significados podem ser
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derivados de cada componente deste poema, um marco simbolista de alta
qualidade, como relatado por Romero quando o mesmo classifica Souza de
“simbolista puro, o rei da poesia sugestiva”(ROMERO, 2001).
● Metáforas: Como visto na análise inicial deste poema, o uso demetáforas é uma constante. Por exemplo do poeta como “Peregrino do
caminho santo”, da poesia como “vinho sagrado” da sagrada conhunhão(“...cálix sacrossanto!
...Bebe-o, feliz,...” ) ou da morte como “...céus que vão se
desvendando”
● Realidade que o poema exprime: Existe algo mais simbolista do que oamor pela arte, mesmo perante todas suas dificuldades, como é expressoneste poema? O próprio Baudelaire descreve esta realidade de Poesia comoArte e da fusão do material com espiritual, expresso neste poema tãoclaramente.
Candido possui uma visão menos focada na estética da obra em si. A justificativa de Candido para a entrada da poesia de um autor no cânone é asua capacidade de se configurar em um sistema literário, e se não tiver certosrequisitos preenchidos o mesmo não passa de uma simples manifestaçãoliterária. Vamos examinar estes aspectos:
“...a existência de um conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes doseu papel; um conjunto de receptores, formando os diferentes tipos de público, sem
os quais a obra não vive; um mecanismo transmissor, (de modo geral, uma linguagem,traduzida em estilos), que liga uns a outros...
... Quando a atividade dos escritores de um dado período se integra em tal sistema,ocorre outro elemento decisivo: a formação da continuidade literária...”
(CANDIDO, 1981, pg 24).
Podemos interpretar a informação dada por Candido como três elementoscruciais: Autor, Público e Obra. Ou seja, um Autor consciente de que estáescrevendo com o intuito de escrever como arte, um Público receptivo que
esteja absorvendo os frutos do trabalho do Autor consciente, e o resultadodisso, um conjunto de Obras que perduram com o tempo como uma tradição.
Ora, o poema Supremo Verbo foi escrito no final da vida de Souza, foiincluso seu último livro “Últimos Sonetos”. Já definimos suas característicasestéticas que o colocam como parte do simbolismo, e sabemos seu trabalhodentro do Simbolismo teve seu público, dividido entre admiradores e detratores,chegando ao ponto que
o ensaísta francês Roger Bastide coloca Cruz e Souzaao lado de Stefan George e de Stéphane Mallarmé considerando os três comoos grandes expoentes universais do Simbolismo. Então temos um Autor consciente de estar criando sua arte e um público alvo para a mesma. Como o
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simbolismo perdurou como tradição, e a poesia de Cruz e Souza perdura atéhoje como seu principal objeto de estudos em relação a obra brasileirasimbolista, podemos afirmar categoricamente que a obra de Cruz e Souzaperdurou como tradição.
O poema Supremo Verbo é um exemplo de soneto simbolista, como já foipreviamente discutido, e como Cruz e Souza já possui seu lugar ao cânone,este poema em si merece seu lugar junto ao seu poeta no mesmo.
Bibliografia:
BALAKIAN, A. O Simbolismo.São Paulo: Perspectiva, 1985. (Stylus, 5).
PIRONI, J.C. O Simbolismo em Últimos Sonetos, do poeta Cruz e Souza.
São Jose do Rio Preto, UNESP, 2009.
ROMERO, S. História da literatura brasileira. São Paulo, IMAGO, 2001.
BASTIDE, Roger, A Poesia Afro-Brasileira, São Paulo , 1943.
LOBO, Daniel. Travessii n° 26, 1993, UnB.
GOMES, Álvaro C. O simbolismo, Série Princípios, Ed. Ática, 1994.
COUTINHO, Afrânio. Formação da Literatura Brasileira. In: Conceito de
Literatura Brasileira. Petrópolis: Ed. Vozes, 1981.
CÂNDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos.
6 ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1981.