Fincor in VE artigo opinião - 25-05-12

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Tiragem: 17000 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Economia, Negócios e. Pág: 39 Cores: Preto e Branco Área: 27,52 x 13,47 cm² Corte: 1 de 1 ID: 41969118 25-05-2012 A Grécia entrou recentemente num novo patamar da crise com a paralisação política a que assistimos, com a impossibi- lidade de formar um novo governo após as eleições de 6 de maio. O presidente con- vocou novas eleições para 17 de junho e as sondagens dão uma possível vitória ao partido da esquerda radical, o Syriza. A po- sição anti -“troika” já anunciada por parte do Syriza pode desencadear uma teia de acontecimentos de desfecho imprevisível e que pode culminar com a saída da Grécia da Zona Euro. Que consequências teriam a saída da Grécia da Zona Euro para o país e restantes estados membros? Embora, politicamente, o processo de saída não seja linear nem simples, as conse- quências que o país enfrentaria são relativa- mente consensuais. Segundo o FMI, o PIB grego cairia 10% no primeiro ano após a saída do Euro e a respetiva moeda deprecia- ria na ordem dos 50%. Assistiríamos a um processo rápido de empobrecimento do país e a uma degradação forte da qualidade de vida da sua população. Para os restantes países da Zona Euro as consequências também se esperariam muito violentas. O inevitável incumpri- mento das obrigações por parte da Grécia teria custos muito elevados para os restan- tes países da Zona Euro. A reestruturação parcial ou total da dívida grega, pública e privada, teria consequências arrasadoras para um sistema bancário europeu já muito debilitado. O contágio da saída da Grécia estender-se-ia também ao mercado obriga- cionista de outros países e respetivos seto- res financeiros, onde poderíamos assistir a uma fuga de depósitos. Uma eventual cor- rida aos bancos é difícil de prever, uma vez que os depositantes europeus podem olhar para a Grécia como um caso isolado, mas, se acontecesse poderia ter consequências devastadoras para o setor. Quais os países mais expostos a este cenário? Claramente, Portugal, Irlanda e Espanha. Que medidas poderiam ser tomadas para evitar o colap- so do setor financeiro? O BCE teria de intervir rapidamente no setor. Não sendo possível ao BCE ter posições no capital dos bancos, a medida mais popular seria a cria- ção de uma linha de liquidez ou de garantia de depósitos replicando o modelo utilizado na Suécia nos anos 90. Claro que isto seria mais um enorme passo na integração euro- peia com fortes consequências políticas e, como tal, difícil de implementar em tempo útil. Isto permitiria aos bancos manterem o seu balanço sustentável apesar da corrida aos depósitos, no entanto, se atualmente a torneira do crédito já se encontra a conta- gotas, neste cenário, ficaria selada. Outra alternativa seria o congelamento dos depó- sitos, que teria o mérito de salvar os bancos mas que poderia ser fatal para a economia, tal como o foi no caso da Argentina. E agora? Como podemos concluir fa- cilmente, não é do interesse da União Europeia a saída da Grécia da Zona Euro. Também não é do interesse do povo grego, dadas as consequências que vimos ante- riormente. Na última semana, uma son- dagem efetuada no país revelou que 80% dos gregos continua a ser favorável à ma- nutenção do país na Zona Euro. Resta-nos acompanhar de perto os desenvolvimentos da situação. O mês de junho será, certa- mente, determinante em novos desenvol- vimentos. Grécia, e agora? JOSÉ SARMENTO analista de mercados Fincor A reestruturação parcial ou total da dívida grega, pública e privada, teria consequências arrasadoras para um sistema bancário europeu já muito debilitado.

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Page 1: Fincor in VE artigo opinião - 25-05-12

Tiragem: 17000

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Economia, Negócios e.

Pág: 39

Cores: Preto e Branco

Área: 27,52 x 13,47 cm²

Corte: 1 de 1ID: 41969118 25-05-2012

A Grécia entrou recentemente num novo patamar da crise com a paralisação política a que assistimos, com a impossibi-lidade de formar um novo governo após as eleições de 6 de maio. O presidente con-vocou novas eleições para 17 de junho e as sondagens dão uma possível vitória ao partido da esquerda radical, o Syriza. A po-sição anti -“troika” já anunciada por parte do Syriza pode desencadear uma teia de acontecimentos de desfecho imprevisível e

que pode culminar com a saída da Grécia da Zona Euro.

Que consequências teriam a saída da Grécia da Zona Euro para o país e restantes estados membros?

Embora, politicamente, o processo de saída não seja linear nem simples, as conse-quências que o país enfrentaria são relativa-mente consensuais. Segundo o FMI, o PIB grego cairia 10% no primeiro ano após a saída do Euro e a respetiva moeda deprecia-ria na ordem dos 50%. Assistiríamos a um processo rápido de empobrecimento do país e a uma degradação forte da qualidade de vida da sua população.

Para os restantes países da Zona Euro

as consequências também se esperariam muito violentas. O inevitável incumpri-mento das obrigações por parte da Grécia teria custos muito elevados para os restan-tes países da Zona Euro. A reestruturação

parcial ou total da dívida grega, pública e privada, teria consequências arrasadoras para um sistema bancário europeu já muito debilitado. O contágio da saída da Grécia estender-se-ia também ao mercado obriga-cionista de outros países e respetivos seto-res financeiros, onde poderíamos assistir a uma fuga de depósitos. Uma eventual cor-rida aos bancos é difícil de prever, uma vez que os depositantes europeus podem olhar para a Grécia como um caso isolado, mas, se acontecesse poderia ter consequências devastadoras para o setor. Quais os países mais expostos a este cenário? Claramente, Portugal, Irlanda e Espanha. Que medidas poderiam ser tomadas para evitar o colap-so do setor financeiro? O BCE teria de intervir rapidamente no setor. Não sendo possível ao BCE ter posições no capital dos bancos, a medida mais popular seria a cria-ção de uma linha de liquidez ou de garantia de depósitos replicando o modelo utilizado na Suécia nos anos 90. Claro que isto seria mais um enorme passo na integração euro-

peia com fortes consequências políticas e, como tal, difícil de implementar em tempo útil. Isto permitiria aos bancos manterem o seu balanço sustentável apesar da corrida aos depósitos, no entanto, se atualmente a torneira do crédito já se encontra a conta-gotas, neste cenário, ficaria selada. Outra alternativa seria o congelamento dos depó-sitos, que teria o mérito de salvar os bancos mas que poderia ser fatal para a economia, tal como o foi no caso da Argentina.

E agora? Como podemos concluir fa-cilmente, não é do interesse da União Europeia a saída da Grécia da Zona Euro. Também não é do interesse do povo grego, dadas as consequências que vimos ante-riormente. Na última semana, uma son-dagem efetuada no país revelou que 80% dos gregos continua a ser favorável à ma-nutenção do país na Zona Euro. Resta-nos acompanhar de perto os desenvolvimentos da situação. O mês de junho será, certa-mente, determinante em novos desenvol-vimentos.

Grécia, e agora?

JOSÉ SARMENTOanalista de mercados Fincor

A reestruturação parcial ou total da dívida grega, pública e privada, teria consequências arrasadoras para um sistema bancário europeu já muito debilitado.