Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 12 – S. S. Mizrahi & D. Galetti

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Capítulo 12 Fissão nuclear e fusão nuclear 12 Fissão nuclear e fusão nuclear 354 12.1 Introdução ................................................ 354 12.2 O modelo da gota líquida de Bohr e Wheeler e a ssão espontânea . . . 357 12.3 Os fragmentos da ssão ..................................... 363 12.4 Materiais físseis e materiais férteis ............................. 366 12.5 Núcleos físseis e nêutrons .................................... 368 12.5.1 Nêutrons da ssão .................................... 369 12.5.2 Origem dos nêutrons atrasados .......................... 372 12.5.3 Propriedades dos fragmentos da ssão .................... 374 12.5.4 Seções de choque ..................................... 374 12.5.5 Energia liberada em uma única ssão ..................... 377 12.5.6 Fissão ternária ....................................... 378 12.6 Fusão Nuclear ............................................. 379 12.6.1 Idéis gerais da fusão termonuclear (a quente) ............... 379 12.6.2 Efeitos quânticos na fusão nuclear ....................... 380 12.6.3 Fusão nuclear com múons .............................. 384 12.6.4 Reações termonucleares nas estrelas, nucleosíntese e evolução estelar ................................. 387 12.7 Pressão de degenerescência .................................. 397 12.8 Problemas ................................................ 399 12.9 Bibliograa ............................................... 401 12.1 Introdução Olhando para a curva da Figura 12.1, notamos que os núcleos mais pesados (maiores valores de A), assim como os mais leves (menores valores de A), têm suas frações de ligação menores do que todos os outros núcleos de massas intermediárias, que per- fazem a maioria. Portanto, podemos imediatamente conjecturar que, se um núcleo pesado, A> 200, puder ser quebrado para formar dois outros núcleos de massas inter- 354 S.S. Mizrahi & D. Galetti

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Chapter 12 – Fissão Nuclear e Fusão Nuclear - Nuclear Physics and Subnuclear Particles - A first course for undergraduate students. In Portuguese, by S. S. Mizrahi & D. Galetti.

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Capítulo 12

Fissão nuclear e fusão nuclear

12 Fissão nuclear e fusão nuclear 35412.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35412.2 O modelo da gota líquida de Bohr e Wheeler e a fissão espontânea . . . 35712.3 Os fragmentos da fissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36312.4 Materiais físseis e materiais férteis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36612.5 Núcleos físseis e nêutrons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 368

12.5.1 Nêutrons da fissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36912.5.2 Origem dos nêutrons atrasados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37212.5.3 Propriedades dos fragmentos da fissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37412.5.4 Seções de choque . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37412.5.5 Energia liberada em uma única fissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37712.5.6 Fissão ternária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 378

12.6 Fusão Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37912.6.1 Idéis gerais da fusão termonuclear (a quente) . . . . . . . . . . . . . . . 37912.6.2 Efeitos quânticos na fusão nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38012.6.3 Fusão nuclear com múons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38412.6.4 Reações termonucleares nas estrelas, nucleosíntese e

evolução estelar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38712.7 Pressão de degenerescência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39712.8 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39912.9 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 401

12.1 IntroduçãoOlhando para a curva da Figura 12.1, notamos que os núcleos mais pesados (maioresvalores de A), assim como os mais leves (menores valores de A), têm suas fraçõesde ligação menores do que todos os outros núcleos de massas intermediárias, que per-fazem a maioria. Portanto, podemos imediatamente conjecturar que, se um núcleopesado, A > 200, puder ser quebrado para formar dois outros núcleos de massas inter-

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12.1 Introdução 355

mediárias, então, por terem maior valor da fração de ligação, haverá energia liberadano processo.

Figura 12.1: Curva da fração de ligação dos nuclídeos. As setas indicam os caminhos para afissão nuclear e para a fusão.

É nisto que consiste o processo de fissão nuclear – fenômeno descoberto em 1939– e que está na base do funcionamento de todos os reatores nucleares em operaçãono mundo. As reações de fissão são induzidas de tal forma a se ter produção con-trolada de energia. Por ser muito complexo e necessitando, para o seu controle, daintervenção contínua do homem, não se esperaria encontrar este processo ocorrendo deforma espontânea na natureza; entretanto, dois fatos isolados merecem menção. Umprocesso de fissão nuclear em cadeia em certo depósito de dejetos radioativos ocorreu,de forma involuntária e acidental, quando as condições necessárias para uma intensageração de energia (uma pequena explosão) foram satisfeitas: a concentração de umaquantidade crítica de 23994 Pu diluída água comum em quantidade suficiente, esta sub-stância é necessária para termalizar nêutrons que assim se tornam mais adaptados paraserem absorvidos por núcleos de 23994 Pu que então fissionam. O relato do evento foifeito pelo bioquímico russo Zhores Medvedev [2] e aconteceu no inverno 1957-58, nosmontes Urais, na Rússia, que então era uma das repúblicas da União Soviética.Há também um outro caso bastante singular, existem indícios de que um reator nat-

ural de fissão tenha funcionado há aproximadamente dois bilhões de anos atrás na local-idade de Oklo, no Gabão [3]. Em um depósito de minérios ricos em urânio, aparente-

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356 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

mente foram satisfeitos todos os requisitos para a ocorrência de uma reação em cadeia;em particular, dado o tempo de meia-vida do 23592 U que é de cerca de 700 milhões deanos, naquela época sua abundância isotópica era de aproximadamente 3% (quandohoje é de cerca de 0, 72%)1, que é o valor necessário para o funcionamento de um reatorque use água comum para a termalização dos nêutrons. O que chamou a atenção dosgeólogos foram os seguintes fatos: a constatação de que a abundâcia isotópica do 23592 Una composição dos minérios de Oklo era de apenas 0, 64% e também a existência, emexcesso, de elementos terras-raras, resíduos típicos dos fragmentos de fissão. Pela quan-tidade de 23592 U “queimado” foi possível estimar que o reator começou a funcionar hácerca de 1, 8 bilhão de anos passados e pela quantidade de 23994 Pu presente pôde-se cal-cular que ele funcionou por um período de cerca de 600 000 anos a uma potência médiade 25 kW .

Quanto aos nuclídeos mais leves – aqueles que se situam no lado esquerdo da curvada Figura 12.1 –, somos imediatamente remetidos a pensar no processo inverso, ou seja,se for possível fundir dois núcleos de deutério, para produzir um de 42He, haverá energialiberada. É exatamente este o processo que acontece nas estrelas e que está na origem dageração de sua energia; este tipo de reação é chamado fusão nuclear. É um processo nat-ural que se manifesta em condições extremas, pois para a sua ocorrência são necessáriasaltíssimas temperaturas e pressões. Não obstante, consegue-se realizar a fusão de nú-cleos em laboratório; as primeiras reações de fusão para produção de energia foramrealizadas em 1953, na forma de reações não-controladas com consequente liberação deimensa quantidade de energia em curtíssimo intervalo de tempo, o que caracteriza umaexplosão. Os artefatos que abrigam os núcleos que irão fundir e todo os mecanismosperiféricos são chamados bombas de hidrogênio, ou bombas-H. Posteriormente, foraminiciadas as pesquisas para o controle desses tipos de reações para se poder construir umreator de fusão cuja finalidade é a produção e extração de forma controlada de energia(em analogia com os reatores que usam a fissão). Embora tecnicamente haja domíniosobre o controle das reações, até a presente data a energia fornecida para a geração dereações de fusão é maior do que a energia delas aproveitada, o que torna ainda inviável,economicamente, a construção de reatores de potência. Não obstante há um projeto in-ternacional, lançado em 1985, chamado ITER, que tem por finalidade tornar factível umtal reator; para mais informações veja página na internet, http://www.iter.org/index.htm.Neste capítulo vamos discorrer sobre os fundamentos físicos dos processos de fissão ede fusão nucleares.

Após bombardear urânio com nêutrons, em uma experiência projetada por Hahn,Lise Meitner e Strassman, mas empreendida pelos químicos Hahn e Strassmann, estescomunicaram a descoberta da presença, de forma irrefutável, de traços residuais do el-emento bário, Z = 56, na amostra utilizada. Após a análise dos dados experimentaisreportados, Meitner e Otto Frisch (físico e sobrinho de Meitner) explicaram, corre-tamente, que a descoberta da presença de bário – quando se esperava encontrar um

1A abundância isotópica de 0, 72% do 23592 U é considerada uma constante absoluta, não é verificada apenasem todas as minas de urânio na Terra mas também no solo lunar e em meteoritos.

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12.2 O modelo da gota líquida de Bohr e Wheeler e a fissão espontânea 357

elemento mais pesado que o urânio – se devia ao processo de quebra do núcleo em doisfragmentos, de tamanhos predominantemente desiguais, após a absorção de um nêutronpelo núcleo de urânio. A esse fenômeno Meitner e Frisch deram o nome fissão nu-clear; o vocábulo fissão foi emprestado da biologia, pois o processo físico reflete umacerta semelhança com o fenômeno da divisão celular. Veja a Figura 12.2 que é umarepresentação artística do processo.

Figura 12.2: Representação artística da fissão de um núcleo atômico.

12.2 O modelo da gota líquida de Bohr e Wheeler e a fissãoespontânea

Em 1939, N. Bohr e Wheeler [1] propuseram um modelo semiclássico para descrever oprocesso da fissão do núcleo, baseado na hipótese de semelhança deste com uma gotaeletricamente carregada e com tensão superficial, suplementada com as propriedadesde um líquido incompressível e irrotacional, como já discutido na seção 7.1. A idéiafundamental para explicar o processo da fissão veio da constatação da existência de umacompetição entre duas forças: a força de repulsão coulombiana (que atua apenas entreos prótons), que tende a fracionar a gota, e a força de tensão superficial, que a constrangea ficar coesa. Nesse jogo de repulsão-atração a fissão ocorre quando finalmente vencea força coulombiana, que leva à quebra do núcleo original em dois outros de massasmenores e preferencialmente desiguais – fissão assimétrica – acompanhada da emissão

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358 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

de nêutrons pelos fragmentos, como observado empiricamente. Esse tipo de competiçãoentre fragmentação e coesão está na base do processo de fissão.A variação da energia devida à tensão superficial quando o núcleo se deforma é dada

pela diferença entre as configurações esférica e deformada de uma gota líquida (veja ocapítulo 7),

∆Es = Es0

∙2

5b2 − 4

105b3 − 38

175b4 + ...

¸,

onde Es0 = asupA2/3 é o termo de energia de superfície na fórmula semi-empírica de

massa para um núcleo de formato esférico e b (omitimos o subíndice 2) é o parâmetro dedeformação associado à deformação quadrupolar2. Também pode-se calcular o déficitde energia coulombiana de uma gota deformada em relação à gota esférica,

∆Ec = Ec0

∙−15b2 − 4

105b3 + ...

¸,

onde reconhecemos Ec0 = ac(Z2/A1/3) como a energia coulombiana de um núcleo

esférico, termo presente na fórmula semi-empírica de massa.Com base nestes resultados vamos obter a condição para a ocorrência da fissão

espontânea do núcleo. Sabemos que um núcleo é mais estável quanto mais negativafor a sua energiaM(A,Z)c2, ou quanto maior for a sua energia de ligação B(A,Z), eque uma gota líquida deformada deve ser menos estável do que uma de forma esférica.Neste contexto, vamos escrever as energias: E0 = Es0 + Ec0 para o núcleo esférico eEdef = Es +Ec para o núcleo deformado; a diferença de energia é então

V0(b) = Es +Ec −Es0 −Ec0 = ∆Es +∆Ec

= Es0

µ2

5b2 − 4

105b3¶+Ec0

µ−15b2 − 4

105b3¶. (12.1)

Definindo o parâmetro de fissionabilidade

x ≡ Ec0

2Es0=

ac2asup

Z2

A, (12.2)

podemos reescrever a função (12.1) como

V0(b) =1

2Cb2 − 1

6Fb3 (12.3)

com coeficientes de restauração

C =4

5Es0 (1− x) = 14, 6 (1− x)A2/3, (12.4)

2Por simplicidade, consideraremos somente esta ordem de multipolo nos cálculos que seguem. Trata-mentos mais completos devem levar em conta ordens mais altas, envolvendo harmônicos esféricos de ordensl > 2..

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12.2 O modelo da gota líquida de Bohr e Wheeler e a fissão espontânea 359

e de anarmonicidade

F =8

35Es0 (1 + 2x) = 4, 2 (1 + 2x)A

2/3. (12.5)

A função V0(b) é interpretada como sendo a energia potencial de deformação da gotanuclear, como visto no Capítulo 7. O lado direito da Eq. (12.3) é um polinômio doterceiro grau que se anula nos pontos 0 e b. Como, necessariamente, o parâmetro nãopode assumir valores negativos, i.e., b ≥ 0 sempre, a condição x < 1 deve ser sempresatisfeita e a localização do ponto de máximo da curva é então

bps =7 (1− x)

1 + 2x. (12.6)

O potencial (12.3) em função do parâmetro b pode ser visto nas Figuras 12.3 (de formapictórica) e 12.4 (por cálculo numérico); observa–se a existência de uma “corcova”chamada barreira de fissão, e no ponto de máximo sua altura é

H (x) =

"98

15

(1− x)3

(1 + 2x)2

#Es0 = 119, 76

(1− x)3

(1 + 2x)2A

2/3 MeV, (12.7)

com dependência apenas em x. Fazendo uma análise em termos clássicos, vê-se queum núcleo com parâmetro de deformação b < bps e energia E < H (x) adquire umformato que se desvia da esfericidade mas ele não poderá fissionar pois a barreira éum impeditivo, ou seja, o núcleo não tem energia suficiente para sobrepujá-la. Noteque para 0 ≤ x ≤ 1, a função H (x) decresce monotonicamente e que b/bps = 1, 5.Para uma energia nuclear E > H(x), a deformação do núcleo aumenta com o cresci-mento do valor de b pois tem energia suficiente para se deformar continuamente e passarpelo ponto bps. Um formato esférico inicialmente torna-se um esferóide (ou elipsóide)e segue se deformando até o surgimento de um estreitamento, quando b = bps, que étambém conhecido como ponto de cissão, e diz-se que o núcleo desenvolveu “uma cin-tura” ou um “pescoço”. Finalmente, para além da barreira, b > b, ocorre a fissão donúcleo, e parte de sua energia (interna) transforma-se em energia cinética dos fragmen-tos. Na Figura 12.4, são mostradas duas barreiras de fissão para dois diferentes valoresdo parâmetro de fissionabilidade, x = 0, 8 e 0, 01. Verifica-se que quanto menor é ovalor de x, maior é a energia de deformação necessária para fissionar, pois mais alta emais larga é a barreira; em contrapartida, quando x = 1 a barreira deixa de existir e oponto bps = 0 torna-se um ponto de inflexão. É importante destacar que esta análise,para núcleos com configuração geométrica esférica (momento de quadrupolo estáticonulo) pode ser estendida para núcleos com momento de quadrulo diferente de zero, quepodem vibrar em torno de uma configuração esferoidal. Neste caso o potencial (12.3)escreve-se

Vb0(b) =1

2C (b− b0)

2 − 16F (b− b0)

3 (12.8)onde b0 é o parâmetro que representa de deformação nuclear na configuração de menorenergia, veja a curva sólida na Figura 12.5.

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360 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

Figura 12.3: Energia potencial de deformação para x < 1,H é a altura da barreira e bps é o pontode máximo. Estão mostradas as formas do núcleo para cada valor do parâmetro de deformação,até a sua fissão.

Assim, classicamente, para½x < 1 não ocorre a fissãox ≥ 1 ocorre fissão espontânea

e o ponto x = 1 é chamado valor crítico, xcr, que estabelece a seguinte relação

1 =acZ

2

2A1/3asupA2/3=

µac2asup

¶Z2

A≈ 0, 02Z

2

A,

o que permite escrever µZ2

A

¶cr

=2asupac≈ 51, (12.9)

onde asup = 18, 3MeV e ac = 0, 72MeV são os valores usados na fórmula semiem-pírica de massa. Portanto, se Z2/A > 51, classicamente haverá fissão espontânea donúcleo para qualquer valor de b, devido à ausência de barreira.Da seção 4.4 aprendemos que os nuclídeos mais estáveis têm número atômico

Z0 = Int

∙A

2

1

1 + 0, 0078A2/3

¸, (12.10)

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12.2 O modelo da gota líquida de Bohr e Wheeler e a fissão espontânea 361

Figura 12.4: Potencial de deformação para dois valores do parâmetro de fissionabilidade x.Quanto menor é o seu valor maior é a altura da barreira.

onde Int significa o inteiro mais próximo do número entre colchetes. Assim, AZ0Xé um nuclídeo situado no “vale de estabilidade”, sendo o mais estável dos isóbaros©...AZ0−1X ,

AZ0Y , AZ0+1W ,...

ª. Agora, para saber quais os nuclídeos estáveis que se

desintegrarão por fissão, é necessário usar as duas condições (12.9) e (12.10), calcu-lar o quadrado da segunda, dividir por A, e igualar o resultado ao valor da primeira.Dessa forma obtemos a equação

A

4

1¡1 + 0, 0078A2/3

¢2 ≈ 51,cuja solução numérica resulta no número de massa A ≈ 423 ao qual está associado onúmero atômico Z0 = 147. Assim, a fissão espontânea de núcleos na linha de esta-bilidade ocorrerá para aqueles que têm número de massa e número atômico próximosdesses valores. Entretanto, como o nuclídeo 423147X não existe na natureza e, ainda as-sim, a fissão espontânea é observada em muitos nuclídeos de massas bem menores (vejaa Tabela 12.2) e que têm tempos de meia-vida apreciável, logo, conclui-se que todos osprocessos de fissão, sejam eles naturais ou induzidos, em nuclídeos com Z2/A < 51só podem ocorrer por efeito túnel. Por conseguinte, a explicação para a fissão nucleardeverá se fundamentar nos conceitos da mecânica quântica.Os valores experimentais para a altura da barreira de fissão são da ordem de 6MeV ,

como apresentado na segunda coluna da Tabela 12.1. Por outro lado, um cálculo feitocom a expressão semiempírica (12.7), baseado em um modelo bastante ingênuo de de-formação e que não leva em conta a energia de emparelhamento dos núcleons, efeitos de

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362 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

camada, e outros, apresenta resultados bastante discrepantes, veja a coluna 5 da Tabela12.1. Os valores são, sistematicamente, cerca de três vezes maiores que os experimen-tais.Assim, foram propostas várias expressões semiempíricas para reproduzir a sistemática

das alturas das barreiras de fissão medidas. Em particular, uma proposta [4, 5] é

HBG (x) = H0BG (x) +∆cam +∆p (12.11)

onde

H0BG (x) =

½0, 38 asupA

2/3 (0, 75− x) para 1/3 ≤ x ≤ 2/3,0, 83 asupA

2/3 (1− x)3 para 2/3 ≤ x < 1(12.12)

é a chamada componente da gota líquida, com um parâmetro de fissionabilidade modi-ficado,

x =0, 02 Z2/A

1− 1, 7826 ((A− 2Z) /A)2; (12.13)

os demais termos na Eq. (12.11) são correções: ∆p leva em conta o efeito de empar-elhamento e ∆cam responde por efeitos de camadas. Efetivamente, se nos ativermos àexpressão (12.12) apenas, os cálculos mostram valores bem mais próximos dos valoresexperimentais do que aqueles fornecidos pela expressão (12.7); ainda na Tabela 12.1compare as colunas 2, 5 e 7. A expressão semiempírica H0

BG (x) dá valores um poucomenores que os valores experimentais.

Nuclídeo Hexp(MeV ) Z2/A x H (x) x H0BG (x)

23390 Th 7, 5 34, 76 0, 695 22, 52 0, 766 7, 3823992 U 7, 0 35, 41 0, 708 19, 67 0, 782 6, 0723692 U 6, 5 35, 86 0, 717 17, 50 0, 785 5, 7723492 U 6, 0 36, 17 0, 723 16, 15 0, 787 5, 5824094 Pu 5, 0 36, 82 0, 736 13, 93 0, 804 4, 42

Tabela 12.1: Altura da barreira de fissão e a razão Z2/A para alguns nuclídeos. Note-se quenaqueles para os quais ocorre a fissão (23692 U, 23492 U, 24094 Pu) a altura da barreira é mais baixa quenos outros, que fissionam se absorverem um nêutron. A razão Z2/A fica, sistematicamente, abaixode 51.

Quanto ao cálculo da probabilidade de fissão, um modelo baseado na mecânicaquântica, bastante simples e ilustrativo, que vale não apenas para núcleos com formade equilíbrio esférica mas para qualquer tipo de deformação permanente, foi propostoporD. L. Hill e Wheeler [6]. Eles aproximaram a barreira de fissão (a corcova da Figura12.3, ou a energia potencial (12.3)) por um oscilador harmônico invertido, veja a Figura12.5 na comparação entre as duas barreiras de fissão, e definiram o operador hamiltoni-ano como

H = − ~2

2B

d2

db2+

∙−12Bω2 (b− bps)

2+Hb

¸, (12.14)

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12.3 Os fragmentos da fissão 363

sendo que b é o parâmetro de deformação, bps (podendo-se usar a expressão (12.12) comx, Eq. (12.13) no lugar de x) é o ponto de máximo da barreira, e o termo constante adi-cionado Hb (que pode ser identificada com a expressão (12.12)) é a altura da barreira,B é um parâmetro que representa a inércia do núcleo com respeito à deformação3 (comunidades Energia × (Tempo)2) e ω é um parâmetro que está relacionado com a largurada barreira4. A curvatura da corcova da energia potencial no hamiltoniano (12.14) seiguala àquela dada no ponto bps em (12.8) para C − F (bsp − b0) /2 = Bω2. A pen-etrabilidade, ou probabilidade de tunelamento de um núcleo de energia de deformaçãoE (< Hb) calculada por Hill e Wheeler é

P (E) =1

1 + exp£2π~ω (Hb −E)

¤ ; (12.15)

nota-se que seE está no intervalo [0,∞), o valor deP (E) varia entre (1 + exp (2πHb/~ω))−1

e 1, e para E = Hb, P (Hb) = 0, 5. Na expressão (12.15) ~ω é uma medida da con-cavidade do potencial harmônico invertido: quanto maior (menor) é o valor de ~ω maisestreita (larga) é a barreira. Para baixas energias do modo vibracional, E ¿ Hb, e2πHb/~ω À 1 a probabilidade é aproximada pelo fator exponencial

P ≈ e−2πHb/~ω,

que independe de E, e a vida-média de um núcleo físsil é

τf =³2πΩe−2πHb/~ω

´−1com o fator 2πΩ sendo o número de tentativas por unidade de tempo que o núcleofaz para fissionar; ~Ω corresponde, aproximadamente, à energia de separação entre osníveis de energia mais baixos, como mostrado na Figura 12.5.

12.3 Os fragmentos da fissãoQuando um núcleo fissiona, via de regra, resultam dois fragmentos de massas desiguais,processo conhecido como fissão binária, e também há ejeção de nêutrons. Não há umalei determinística que especifique quais serão as massas dos fragmentos em uma fissão,a distribuição das massas dos fragmentos segue simplesmente uma lei estatística. Porexemplo, no caso da fissão térmica do 23692 U∗ (n+ 235

92 U −→ 23692 U∗), a distribuição dos

produtos da fissão, em função do número de massa, é uma curva de duas corcovas, vejaa Figura 12.6, localizadas em torno dos pontos de máximo, A ≈ 90 e A ≈ 140. Nestespontos se concentram os fragmentos mais prováveis que resultam da fissão. Outro ponto

3De forma mais rigorosa, o parâmetro B deveria depender da variável de deformação b.4Note que a solução da equação de autovalores pode ser obtida a partir daquela do oscilador harmônico

usual, porém trocando-se o valor da frequência, de real para imaginário puro,ω → iω. E note queV 00(bps) =Bω2 caracteriza a curvatura no ponte de sela.

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364 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

Figura 12.5: A linha sólida representa o potencial (12.3) e a linha pontilhada é o potencial har-mônico invertido no modelo de Hill-Wheeler. O ponto b0 é o parâmetro de deformação do núcleona configuração estável e bps é o ponto de sela. As linhas horizontais no poço representam osníveis de energia vibracionais do núcleo. Note-se que a aproximação de Hill-Wheeler – a substi-tuição da corcova sólida pela pontilhada – vale para qualquer que seja a deformação do núcleo,ou seja independe para localização do ponto b0.

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12.3 Os fragmentos da fissão 365

Figura 12.6: Distribuição estatística dos números de massa dos fragmentos da fissão induzida pornêutrons térmicos (energia cinética média de 1/40 eV) no processo n+ 235

92 U −→ 23692 U∗. Note

a simetria das duas corcovas em torno de A = 115.

importante a salientar na fissão binária é que para velocidades não relativísticas a razãodas energias cinéticas dos dois fragmentos (leve e pesado) é dada como

EL

EP=

MP

ML, (12.16)

onde os subíndices L e P especificam leve e pesado, eMP eML são as massas. Dessaforma, segue uma relação de energias que é inversamente proporcional às massas dosfragmentos e a distribuição dos fragmentos mostra uma estrutura de duas gaussianas,uma para os fragmentos leves e outra para os pesados, como pode ser visto na Figura12.7A seguir, apresentamos alguns exemplos de sequências de fissão e de decaimentos.

A reação

n+ 23592 U −→ 236

92 U∗ −→ AZX∗ + 236−P−A

92−Z Y ∗ + P · n+Q

representa, de forma genérica, uma fissão binária com emissão de P (2 ou 3) nêutronspelo dois núcleos fragmentos produzidos, AZX∗ e

236−P−A92−Z Y ∗, que podem estar em

estados excitados, mas com energia insuficiente para emitir mais nêutrons, e Q é aenergia liberada no processo. Alguns processos de fissão mais comumente observados

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366 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

Figura 12.7: Distribuição das energias cinéticas dos fragmentos, leves e pesados, da fissão tér-mica do 235U . A energia média dos fragmentos leves é de 99,2 MeV e a dos pesados é 68,1MeV.

neste caso são os seguintes

n+ 23592 U −→ 236

92 U∗ −→

−→

⎧⎪⎪⎨⎪⎪⎩14456 Ba + 90

36Kr + 2n+Q14054 Xe∗ + 94

38Sr∗ −→ 140

54 Xe + 9438Sr + 2n+Q (184MeV )

14156 Ba + 92

36Kr + 3n+Q (170MeV )13952 Te + 94

40Zr + 3n+Q (197MeV ).

Uma vez que o núcleo de 23692 U∗ foi formado, há valores específicos para as probabil-idades associadas a cada tipo de fissão, e a distribuição dos nuclídeos produzidos, nosdiversos canais de fissão, é dada na Figura 12.6. E, dependendo do canal seguido – obe-decendo, porém, a uma distribuição estatística bem definida dos produtos –, dois ou trêsnêutrons podem ser liberados com ocorrência aleatória.

12.4 Materiais físseis e materiais férteisOs nuclídeos 23592 U , 23994 Pu e 23392 U são ditos físseis pois a absorção de um nêutron emuma determinada faixa de energia ocasiona a sua fissão. Por sua vez, os nuclídeos tório23290 Th e o 23892 U são chamados férteis, pois através de decaimentos sucessivos eles se

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12.4 Materiais físseis e materiais férteis 367

transformam em materiais físseis, como mostrado abaixo,

n+ 23290 Th −→ 233

90 Th + γ23390 Th −→|z

T1/2∼23 min

23391 Pa + β− +Q

23391 Pa −→|z

T1/2=27,4 dias

23392 U + β− +Q.

Por absorção de um nêutron, o 23290 Th torna-se o isótopo 23390 Th∗ em um estado excitado,que decai para o seu estado fundamental por emissão de um raio γ. O 233

90 Th, em seuestado fundamental, decai por emissão β− para o protactínio 233

91 Pa com tempo demeia-vida de 23 minutos. Este, por sua vez, também é um isótopo instável que decai,também por emissão β−, para o isótopo 23392 U , com um tempo de meia-vida de 27, 4dias. O 233

92 U é bastante estável, tem um tempo de meia-vida de cerca de 160 000 anos,para então decair por emissão α.No caso do isótopo 23892 U , este decai segundo a cadeia

n+ 23892 U −→ 239

92 U + γ23992 U −→|z

T1/2=23,5 min

23993 Np + β− +Q

23993 Np −→|z

T1/2=2,35 dias

23994 Pu + β− +Q.

Inicialmente, o núcleo de 23892 U absorve um nêutron transmutando-se no estado excitado23992 U∗, que decai para o estado fundamental emitindo um raio γ. Porém, o 239

92 U éinstável, tem meia-vida de 23, 5 minutos, decaindo por emissão β− para um isótopo doelemento neptúnio, 23993 Np, que tem um tempo de meia-vida de 2, 35 dias. Finalmente,este decai para o 23994 Pu, que tem tempo de meia-vida de 24 385 anos, que finalmentedecai por emissão α. Porém, se antes de decair os núcleos de 23392 U e 23994 Pu tiverem apossibilidade de absorver um nêutron eles fissionarão, e este fato os caracteriza comonuclídeos físseisAlém do processo de fissão que segue a captura de um nêutron, a fissão em núcleos

pesados também pode ocorrer espontaneamente. Porém, a probabilidade da ocorrênciade tal processo é muito baixa, e o decaimento por emissão de uma partícula α prevalece,isto está apresentado na Tabela 12.2. No caso do 24194 Pu, o decaimento por emissão β

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368 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

ocorre com probabilidade 0, 9999755.

Nuclídeo T1/2 (anos) Prob.de fis./decai Nêut./fissão # de α/fissão23392 U 1, 59× 105 1, 3× 10−10 1, 76 7, 6× 101123592 U 7, 04× 108 2, 0× 10−7 1, 86 5, 0× 10823892 U 4, 47× 109 5, 4× 10−5 2, 07 1, 9× 10623793 Np 2, 14× 106 2, 1× 10−12 2, 05 4, 7× 101123694 Pu 2, 85 8, 1× 10−8 2, 23 1, 2× 10923894 Pu 87, 7 1, 8× 10−7 2, 28 5, 4× 10823994 Pu 2, 41× 104 4, 4× 10−10 2, 16 2, 3× 101124094 Pu 6 569 5, 6× 10−6 2, 21 2, 0× 10724194 Pu 14, 35 5, 7× 10−13 2, 25 4, 3× 10924294 Pu 3, 76× 105 5, 5× 10−4 2, 24 1, 8× 10524494 Pu 8, 16× 107 0, 125× 10−2 2, 28 8, 0× 10224195 Am 433, 6 4, 1× 10−10 3, 22 2, 4× 1011

Tabela 12.2. Fissão espontânea de nuclídeos pesados. Na segunda coluna estão dados os tem-pos de meia-vida; na terceira está dada a razão da probabilidade de fissão para as probabilidadesde outros tipos de decaimentos (α, β, etc.); na quarta encontra-se o número médio de nêutronsproduzidos por fissão e na quinta está dado o número de emissões α para cada fissão espontânea.

12.5 Núcleos físseis e nêutronsVamos falar aqui dos núcleos físseis em geral e dos isótopos do urânio em particular;este elemento foi escolhido porque, com a finalidade de extrair e aproveitar a energialiberada da sua fissão dos seus núcleos, suas propriedades foram estudadas nas décadasde 1930 e 1940 e hoje em dia elas são bastante bem conhecidas. Adicionalmente, osprocedimentos técnicos de manipulação e de metalurgia são habilmente dominados,sendo que também é o elemento mais comumente usado em reatores nucleares, nassuas mais diversas arquiteturas.Como visto pela Tabela 12.2, embora seja um processo bastante raro, i.e., pouco

provável em comparação com outros processos de decaimento, a fissão pode ocorrerespontaneamente, ou seja, um núcleo pode quebrar-se em dois fragmentos para atingiruma configuração energética mais favorável. Entretanto, a fissão da qual trataremosé aquela que é induzida em núcleos, quando nêutrons são necessários para causar suafissão. Um fluxo de nêutrons incide sobre um núcleo físsil e pelo menos um delesdeve ser absorvido; com essa absorção forma-se então um núcleo composto em umestado altamente excitado (com cerca de 7 MeV , energia esta que provêm da energiade ligação do nêutron), e a sua fissão torna-se altamente favorecida, quando a energiaé canalizada para a deformação nuclear, como pode ser visto na Figura 12.3. Alémde dois grandes fragmentos nucleares5, como subproduto ocorre a emissão de nêutrons

5A fissão binária é dominante e corresponde a mais de 99, 7% das fissões; não obstante, pode haver fissão

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12.5 Núcleos físseis e nêutrons 369

pelos próprios fragmentos (quando, em cada fragmento, a energia de excitação é maiorque a energia de ligação de um nêutron), que por sua vez podem atingir outros núcleosque irão fissionar e produzir mais nêutrons, e assim sucessivamente. Esse processo éconhecido como reação em cadeia. Para melhor entender isso, vamos expor algumaspropriedades dos nêutrons que podem causar a fissão dos isótopos 23592 U , 23892 U e 23994 Pu,que têm tempos de meia-vida da ordem de 1014 s. Os núcleos compostos formados,23692 U , 23992 U e 24094 Pu, só podem ser produzidos artificialmente com a absorção de umnêutron.

12.5.1 Nêutrons da fissão

Na natureza, os minérios de urânio apresentam, aproximadamente, a seguinte abundân-cia isotópica:

Isótopo Abundância isotópica23492 U 0, 00623592 U 0, 71223892 U 99, 282

;

os demais isótopos, do 22792 U ao 24092 U , só podem ser produzidos artificialmente. A razãoN/Z ≈ 1, 6 para o 23692 U é excessiva para os fragmentos da fissão, que então ficarãocom um excesso de nêutrons e deverão livrar-se de alguns deles. Assim, os nêutronsem excesso nos fragmentos são classificados em dois tipos: (i) os nêutrons primáriossão aqueles que – ainda nos núcleos resultantes da fragmentação do original – se trans-formam em prótons por emissão β−, e então os núcleos se tornam β radioativos; (ii)os nêutrons secundários têm sua produção devida ao seguinte processo: após a fissãoos fragmentos resultantes ficam em estados excitados e continuam ricos em nêutrons, afim de diminuir sua energia e aumentar sua estabilidade, esses nuclídeos emitem algunsnêutrons (também diz-se que há evaporação). Como um nêutron livre tem um tempo devida-média de cerca de 900 s, neste intervalo ele pode ser absorvido por outros núcleose assim induzir outras reações.Os nêutrons secundários são de interesse direto, já que dependendo do par de frag-

mentos produzidos o seu número pode variar entre 0 e 8. A partir da observação de suascaracterísticas verifica-se a ocorrência de dois tipos de emissão, classificados de acordocom os momentos de detecção dos nêutrons. Quase todos os nêutrons são emitidos emum intervalo de tempo da ordem de 10−17 s depois da cissão e são chamados nêutronsimediatos ( prompt neutrons); em seguida, os fragmentos se desexcitam emitindo raiosγ, até um tempo da ordem de 10−13 s depois da cissão, são chamados os raios γ imedi-atos. Contudo, muito tempo depois (quando a energia cinética média dos fragmentos jáficou em equilíbrio térmico com o meio) há uma emissão tardia de nêutrons, porém emmuito menor quantidade, são os chamados nêutrons atrasados (delayed neutrons). No

ternária com emissão de partículaα (0, 2%) e também de outros núcleos, como de 21H,31H, até o

105 B, porém

em percentagens muito menores. Também nesses casos os fragmentos são produzidos no estágio da cissãonuclear.

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370 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

total, entre nêutrons rápidos e atrasados, os números médios por fissão são

ν235U = 2, 5± 0, 1,ν238U = 3, 0± 0, 1,

com os respectivos erros. Veja a Figura 12.8, para uma representação pictórica. A ener-gia cinética dos nêutrons pode ultrapassar 10MeV , mas na sua maioria esses nêutronssaem do núcleo com energias típicas variando entre 1 a 2MeV [7].

Figura 12.8: Esquema da fissão do núcleo de 23592 U induzida por um nêutron: formação de um nú-cleo de 23692 U (meia-vida entre 10−16 e 10−14 s ) com subseqüente fragmentação em dois núcleosde massas preferencialmente assimétricas e emissão de dois ou três nêutrons.

Os nêutrons atrasados correspondem a cerca de 0, 73% do total daqueles emitidos,o tempo de sua emissão pode chegar até a alguns minutos depois de a fissão ter ocor-rido, mas o fluxo detectado diminui gradualmente. Os nêutrons são ejetados em gruposdistintos (essencialmente cinco), que se diferenciam pelas diferentes taxas de emissão,veja a Tabela 12.3, onde os números da terceira coluna são os tempos médios (em se-gundos) de emissão de cada grupo e na Figura 12.9 está apresentada sua distribuição.Cada grupo apresenta uma largura (ou meia-vida do grupo, em segundos) dada pelasegunda coluna

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12.5 Núcleos físseis e nêutrons 371

Grupo1) T i1/2 (s) Tempo médio (s)2) βi (%)

3) Ii = βi/Ti1/2

1 0, 43 0, 62 0, 084 0, 19502 1, 52 2, 19 0, 240 0, 15803 4, 51 6, 50 0, 210 0, 04704 22, 0 31, 7 0, 170 0, 00765 55, 6 80, 2 0, 026 0, 0005

1)Agrupados de acordo com a intensidade;2) Para as emissões em pacote; 3)Fração de nêutronsIi é a intensidade de emissão de cada grupo i

Pi βi = 0, 73%

Tabela 12.3: Nêutrons de emissão atrasada

e βi é a razão entre o número de nêutrons atrasados de cada grupo e o númerototal de nêutrons emitidos.Os nêutrons atrasados têm um papel importante no controle efuncionamento dos reatores nucleares, pois eles são usados para controlar a velocidadeda reação em cadeia, mantendo-a auto-sustentada em uma fase chamada limite crítico,ou seja, é o número médio de nêutrons gerados que deve ser igual ao número médio denêutrons perdidos ou absorvidos por núcleos; é este equilíbrio dinâmico que determinao estado estacionário de operação de um reator nuclear. Se o número médio de nêutronsgerados for menor do que o daqueles perdidos, então a reação termina e o reator deixaráde produzir energia: diz-se que ele se apaga. No caso oposto, a reação em cadeia sedesenvolve de forma incontrolável, a energia gerada pode aquecer o reator até o seu totalderretimento, como aconteceu no acidente com um reator da central nuclear localizadana cidade de Tchernóbyl, Ucrânia, em 1986.

Figura 12.9: Emissão por agrupamento temporal dos nêutrons atrasados.

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372 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

Uma fissão pode se dar devido à absorção de um nêutron rápido (fast neutrons) comenergia típica de 1 a 2 MeV . Os núcleos que fissionam dessa forma são chamadosnúcleos fissionáveis, ou, de fissão rápida, como nos nuclídeos 23892 U e 24094 Pu; ou então,por um nêutron que tenha perdido quase toda a sua energia cinética original, este tipo denêutron, chamado nêutron térmico, é muito mais eficientemente absorvido por núcleosde 23592 U , 23392 U e 23994 Pu, os chamados núcleos físseis. Entretanto, a probalidade defissão é muito maior nos núcleos físseis do que nos fissionáveis6. Por isso, para seobter uma reação em cadeia, é necessário que os nêutrons emitidos pelos núcleos sejam“termalizados”, i.e., eles devem entram em equilíbrio térmico com os átomos do meio.Para a fissão térmica (aquela devida a um nêutron térmico) o número médio de nêutronsemitidos é também da ordem de 2, 5, mas este número depende do núcleo físsil; àmedida que a energia do nêutron capturado aumenta, a excitação do núcleo compostotambém aumenta e os fragmentos ficam em estados excitados de energia mais alta, assimmais nêutrons rápidos são produzidos. É interessante notar a disparidade de valoresentre as energias médias envolvidas: a energia média dos nêutrons rápidos é de 2MeVe para os térmicos é de apenas 0, 025 eV . Na Tabela 12.4 estão dados os númerosmédios de nêutrons emitidos por diversos nuclídeos (físseis e fissionáveis) a partir defissão rápida e térmica e as respectivas frações β dos nêutrons atrasados.

A partir de fissão rápida térmicaNuclíd. físsil ν β = νdel/ν ν β = νdel/ν

23592 U 2, 57 0, 0064 2, 43 0, 006523392 U 2, 62 0, 0026 2, 48 0, 002623994 Pu 3, 69 0, 0020 2, 87 0, 0021

Nuclíd. físsionável24194 Pu − − 3, 14 0, 004923892 U 2, 79 0, 0148 − −23290 Th 2, 44 0, 0203 − −24094 Pu 3, 30 0, 0026 − −

Tabela 12.4. Os números médios dos nêutrons (rápidos e térmicos) produzidos, assim como asfrações β dos nêutrons atrasados (νdel), para alguns nuclídeos.

12.5.2 Origem dos nêutrons atrasados

Vamos ver como surgem os nêutrons atrasados e vamos considerar o grupo 5 da Tabela12.3 como exemplo. Um dos produtos da fissão do 23592 U é o bromo-87 8735Br que decaipor emissão β− por dois canais, veja a Figura 12.10. O primeiro é representado por

6Nêutrons mais energéticos, em torno de 5 MeV ou mais não têm mais nenhum papel na fissão, elesparticipam de reações diretas, do tipo AZX (n, 2n) A−1Z X, AZX (n, p) A

Z−1Y ,AZX (n, α) A−3Z−2W .

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12.5 Núcleos físseis e nêutrons 373

Figura 12.10: Decaimento do 8735Br, um dos produtos da fissão do 235

92 U, e origem do nêutronatrasado.

(1) 8735Br −→ 87

36Kr∗ + e− + νe

↓8636Kr + n. (12.17)

Se a energia de excitação do núcleo de 8736Kr for maior do que a energia de ligaçãodo nêutron, ele decairá para o 8636Kr (que é estável) e emitirá de um nêutron atrasado.Entretanto, se o 8735Br decair para o estado fundamental do 8736Kr, cuja energia é menordo que a energia de ligação do nêutron, o 8736Kr decairá para o 8738Sr por emissões β

como

(2) 8735Br −→ 87

36Kr + e− + νe

↓8737Rb+ e− + νe

↓8738Sr + e− + νe. (12.18)

Desta forma, a intensidade de emissão do grupo de nêutrons é determinada pela taxa deformação de núcleos de 8736Kr, a qual, por sua vez, depende da probabilidade de fissãodo núcleo 23592 U para produzir um núcleo de 8735Br como fragmento .

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374 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

12.5.3 Propriedades dos fragmentos da fissão

Na Figura 12.6 vemos a distribuição dos fragmentos da fissão do 23592 U em função donúmero de massa. Em apenas 10−2 % das fissões (1 em 10 000 fissões) o núcleo sefragmenta em duas partes com quase o mesmo número de massa; na maioria dos casoso número de massa do núcleo mais leve situa-se no intervalo 90 ∼ 100 e o do maispesado no intervalo 134 ∼ 144. O evento de fissão mais provável (6, 4%) fornece osfragmentos A1 = 95 e A2 = 139.As séries radioativas dos núcleos produto ocorrem, em média, em três estágios su-

cessivos. Consideremos, por exemplo, a série de transformações do fragmento 14054 Xe

14054 Xe

β−z|−→ 14055 Cs

β−z|−→ 14056 Ba

β−z|−→ 14057 La

β−z|−→ 14058 Ce

T1/2 16s 66s 128d 40h estável;

observa-se que na sua formação ele é instável e para atingir a estabilidade energéticaele deve decair por emissão β, passando por quatro estágios sucessivos até chegar a umnuclídeo situado na linha de estabilidade. Verifica-se, desta forma, que ocorrem, emseqüência, outros processos radioativos em processos de fissão.

12.5.4 Seções de choque

Na Figura 12.11 estão apresentadas as seções de choque de fissão (note a escala log-arítmica em ambos os eixos) para os nuclídeos 23592 U , 23994 Pu e 23892 U como função daenergia cinética dos nêutrons incidentes Tn. Para energias de incidência do nêutron en-tre 10−2 eV e 1 eV , para os nuclídeos 23592 U e 23994 Pu observa-se grandes valores paraas seções de choque, que diminuem com o aumento de Tn. Entre 1 e 103 eV há umaregião de ressonâncias (identificadas pelas oscilações na seção de choque). Para Tn emtorno de 1MeV (nêutrons rápidos) haverá fissão, mas com muito menor probabilidade(cerca de mil vezes menor) do que para Tn ≈ 10−2 eV . Finalmente, verifica-se que o238U pode fissionar com um nêutron de energia acima de 1, 2 MeV , porém de formabem menos eficiente que os nuclídeos 23592 U e 23994 Pu.Na Figura 12.12-a compara-se a seção de choque total σtot com a seção de choque

de fissão σf para o 23592 U . Para a energia do nêutron entre 10−2 e 1 eV , σf/σtot ≈ 0, 84,ou seja, o canal de fissão predomina. Acima dessa energia surge a região de ressonân-cias, que se estende para a linha tracejada (oscilações muito mais acentuadas, poucoresolvidas na escala usada). Para um nêutron com energia cinética acima de 10 keV ,e especialmente em torno de 1MeV , a seção de choque de fissão se reduz apreciavel-mente. Ainda na Figura 12.12-b são mostradas as mesmas seções de choque para o23892 U ; verifica-se que a seção de choque de fissão só se torna significativa para uma en-ergia cinética do nêutron em torno de 1, 4MeV (veja a parte de baixo do lado direitoda figura). A linha horizontal, para Tn < 10 eV , corresponde ao espalhamento elás-tico do nêutron. Acima desse valor surgem as ressonâncias que se estendem até a linhapontilhada, com oscilações mais pronunciadas. Assim, constata-se que, praticamente,

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12.5 Núcleos físseis e nêutrons 375

Figura 12.11: Seções de choque de fissão para os núcleos de 23592 U, 23994 Pu e 23892 U.

o 23892 U é um núcleo com baixa probabilidade de fissionar. Adicionalmente, no gráficoda Figura 12.13 são apresentados detalhes das ressonâncias associadas à absorção deum nêutron com a formação do 23992 U e subseqüente decaimento por emissão de umapartícula α.Em suma, enquanto o isótopo 238

92 U fissiona só com nêutrons rápidos (Tn ≈ 1MeV ), o 23592 U fissiona tanto com nêutrons rápidos como com nêutrons térmicos. NaTabela 12.5 apresentamos alguns processos de absorção de nêutrons por núcleos½

n (rápido) + 23892 U −→ fissão

n (lento) + 23892 U −→ 239

92 U −→ 23994 Pu½

n (rápido) + 23592 U

n (lento) + 23592 U

¾−→ fissão

½n (1, 7MeV ) + 233

90 Thn (0, 1MeV ) + 232

91 Pa

¾−→ fissão

Tabela 12.5. Processos de transformação de alguns nuclídeos após a absorção de um nêutron.

O núcleo de 23892 U pode fissionar se capturar um nêutron rápido, entretanto, se onêutron capturado for lento ele se transforma no 23994 Pu. Essa é a forma de se obtero elemento plutônio, que não existe em estado natural. Ele é produzido em reatoresnucleares construídos específicamente para esse fim, ou então pode ser extraído, como

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376 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

Figura 12.12: Seção de choque total σtot e de fissão σf em função da energia cinética de in-cidência do nêutron, no referencial de CM; note-se que são gráficos log-log. (a) Para o 235U, (b)para o 238U.

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12.5 Núcleos físseis e nêutrons 377

Figura 12.13: Os picos são ressonâncias; o nêutron incidente é capturado pelo núcleo de urânioquando tiver energia cinética com valores correspondentes às dos picos.

subproduto, das barras de combustível, já consumidas, usadas nos reatores nucleares depotência. No caso do 23592 U , ambos os tipos, nêutrons rápidos e lentos, induzem a fissão.Nos casos do tório (23390 Th) e do protactínio (23291 Pa), sua fissão irá depender da energiado nêutron que atinge estes nuclídeos; note-se a grande disparidade nas energias dosnêutrons (1, 7 e 0, 1MeV ) para que os processos ocorram.

12.5.5 Energia liberada em uma única fissão

A energia liberada em um único processo fissão situa-se entre 170MeV e 205MeV , oque pode ser constatado, por exemplo, na fissão do 23592 U após a absorção de um nêutrontérmico

n+ 23592 U −→ 95

38Sr +13954 Xe + 2n+Q.

As massas em unidades u dos constituintes do processo são, respectivamente

M235U = 235, 044 u, Mn = 1, 0089 u, M95Sr = 94, 919 u, M139Xe = 138, 919 u,

e, calculando a diferença de massas, obtemos a energia

M235U−Mn−M95Sr−M139Xe = 0, 197 u = 0, 197×931, 49MeV = 183, 60MeV,

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378 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

que se distribui aproximadamente conforme mostrado a Tabela 12.6

Energia cinética dos fragmentos (Tfrag) 148MeVEnergia cinética dos nêutrons da fissão 5MeVEnergia dos raios γ imediatos 7MeVEnergia das partículas β dos fragmentos 5MeVEnergia da radiação γ das séries β 5MeVEnergia dos neutrinos 14MeV

Tabela 12.6. Distribuição da energia da fissão

Como os neutrinos praticamente não interagem com a matéria, não transferindoportanto sua energia para o meio ambiente, logo, dos cerca de 184 MeV de energiadisponível, apenas 170MeV podem ser usados seja para geração de energia controladaou em uma explosão nuclear.A energia cinética dos fragmentos, 148MeV , distribui-se como

T139Xe =M95Sr

M95Sr +M139XeTfrag ≈ 60MeV,

T95Sr =M139

54 Xe

M95Sr +M139XeTfrag ≈ 88MeV,

que são transferidos, por colisão, para os átomos e moléculas do meio circundante,aumentando a sua agitação e gerando portanto calor.

12.5.6 Fissão ternária

Na fissão padrão o núcleo físsil quebra-se em dois fragmentos com distribuição de mas-sas que segue, via de regra, o esquema do 23592 U , conforme mostrado na Figura 12.6.Entretanto há raros eventos em que uma partícula carregada acompanha os dois grandesfragmentos, o que caracteriza a fissão ternária. Na maioria dos casos essa partícula éumaα. As partículas mais leves nascem juntamente com os fragmentos maiores, quandoo núcleo quebra durante o processo de cissão. A partir da análise das distribuições an-gulares das α´s com relação aos fragmentos maiores, conclui-se que elas se formam naregião do “pescoço” entre os dois fragmentos que se separam. A força coulombianaatuará de forma a impelir a partícula mais leve numa direção aproximadamente per-pendicular à direção de vôo dos fragmentos maiores, que viajarão em direções opostas,como observado experimentalmente, e apresentado na Figura 12.14. Na Figura 12.15vê-se uma representação pictórica desse tipo de processo.Na fissão ternária os nêutrons também evaporam-se dos fragmentos, depois da cis-

são, quando a partícula α ganhou velocidade devido à interação coulombiana. Note-seque devido ao princípio de conservação do momentum linear, nas fissões ternárias acolinearidade no vôo dos fragmentos é perdida.

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12.6 Fusão Nuclear 379

Figura 12.14: Evento de fissão ternária observado em uma emulsão. A partir do vértice um dosfragmentos desloca-se para cima e o outro para baixo. O traço à direita é devido ao longo alcanceda α. A reação é U(n, f), de Tsien San-Tsiang e equipe [8].

12.6 Fusão NuclearA observação da curva de fração ligação na Figura 12.1 nos leva a ver que as reaçõesde fusão nuclear com elementos leves como o hidrogênio e seus isótopos, que podemser obtidos da água do mar, são um campo extremamente rico para o estudo de novaspossibilidades de produção de energia. Se, por um lado, a fusão nuclear a quente,consubstanciada nos projetos de plasma, já é de conhecimento amplo, há, por outrolado, uma outra possibilidade que merece destaque. Especificamente, a fusão nuclearde elementos leves induzida por múons – que, como já mencionamos, é um léptoncom características semelhantes às do elétron, só que com uma massa cerca de 200vezes maior – será também motivo de nossa atenção aqui. Para efeitos comparativosdiscutiremos inicialmente a fusão termonuclear nos seus ingredientes básicos e entãodescreveremos os princípios básicos envolvidos na fusão a frio com múons e, por fim, oprocesso de fusão termonuclear natural que ocorre nas estrelas.

12.6.1 Idéis gerais da fusão termonuclear (a quente)

A fusão de núcleos não é um processo natural na Terra, como é a fissão, por causa delimitações impostas pela barreira coulombiana dos núcleos. Rompida a resistência dabarreira, a fusão torna-se possível com a sobreposição dos núcleos que assim atingemuma energia mais baixa. O primeiro passo do procedimento costumeiro para se obter achamada fusão termonuclear consiste em suprir o gás7 contendo os núcleos que se querfundir com grandes quantidades de energia para aquecê-lo, de tal forma a se estabelecerum plasma. Neste caso, os problemas que tal tecnologia encontra são bem conhecidos,entre outros:i) a necessidade de confinamento do plasma;ii) a manutenção do plasma em confinamento por períodos longos em confinamento;iii) o controle das instabilidades do plasma;7As notaçoes comumente usadas são hidrogênio – 1H ou p –, deutério – 2H ouD –, trítio – 3H ou T .

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380 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

Figura 12.15: Desenho pictórico da fissão ternária, com a partícula-α afastando-se dos fragmen-tos maiores em direção quase perpendicular. O ânguloΘ é aquele que descreve as direções entrea α o fragmento mais leve.

iv) o desenvolvimento de tecnologia específica de materiais para a construção dovaso de contenção do plasma, bem como do equipamento eletrônico-eletrotécnico asso-ciado.Estes problemas têm razões, ou de especificidades da geometria (e inerentemente

da eletrodinâmica e as instabilidades das soluções de suas equações) ou de carácterintrínseco das reações nucleares esperadas. Desta forma, no que se refere às reaçõestermonucleares, a necessidade de se aquecer o gás tem razões físicas bastante claras:a) em primeiro lugar vê-se que é necessário um excedente de energia para se fundir

dois núcleos (hidrogênio, deutério ou trítio) já que, como ambos são sistemas eletrica-mente carregados, apresentam repulsão coulombiana.b) Um cálculo bastante simples para a repulsão coulombiana máxima dá uma ener-

gia equivalente de aproximadamente 340 keV para cada par próton-próton (p − p), ouequivalentemente para os pares dêuteron-dêuteron (D −D), próton-dêuteron (p −D),próton-trítio (p− T ) ou dêuteron-trítio (D − T ).Tais sistemas devem obedecer às leis da mecânica quântica e, como tal, podemos

calcular a probabilidade de que ocorra uma fusão nuclear mesmo em condições normais,i.e., sem aumento da pressão nem temperatura. Esse cálculo é realizado, em geral,com algumas aproximações. Não obstante, são justamente esses efeitos quânticos quegovernam o processo de fusão nesses sistemas e, como tal, merecem ser discutidos commais detalhes.

12.6.2 Efeitos quânticos na fusão nuclear

As reações de fusão, de fato, não ocorrem somente quando os sistemas colidentes têm

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12.6 Fusão Nuclear 381

energia suficiente para sobrepujar a barreira coulombiana8; na realidade, elas começama ocorrer com probabilidade significativa para energias bastante abaixo do máximo dabarreira repulsiva coulombiana em virtude do tunelamento quanto-mecânico através dabarreira. Experimentalmente, as possíveis reações termonucleares exotérmicas conheci-das, envolvendo os núcleos mais leves, estão apresentadas na Tabela 12.6.

(1) p+ p −→ D + e+ + νe +Q (1, 44MeV )(2) p+D −→ 3He+ γ +Q (5, 5MeV )

(3) D +D −→

⎧⎨⎩ T + p+Q (4, 03MeV )3He+ n+Q (3, 27MeV )4He+ γ +Q (24, 0MeV )

(4) D + T −→ 4He+ n+Q (17, 6MeV )(5) p+ T −→ 4He+ γ +Q (20, 0MeV )(6) T + T −→ 4He+ 2n+Q (10, 0MeV )(7) 3He+ 3He −→ 4He+ p+ p+Q (12, 85MeV )

Tabela 12.6. Possíveis reações termonucleares.

Note-se que a possível reação p + p −→ 2He não foi levada em conta. Isto sedeve à instabilidade do nuclídeo formado, fazendo com que a reação (1) seja a alterna-tiva viável, sendo a mais fundamental das reações que ocorrem no Sol. A energia doneutrino é menor que 0, 42 MeV 9, não contribuindo para processos nucleares subse-qüentes, uma vez que ele praticamente não interage com os bárions. As demais reaçõesocorrem em etapas posteriores à (1). Como já dissemos, a altura da barreira coulom-biana é da ordem de algumas centenas de keV e, para a reação (4), foi determinadoexperimentalmente (com aceleradores) que a fusão começa a ocorrer com energias daordem de 1− 10 keV para mais. Agora, uma energia média equivalente a 10 keV podeser obtida se colocarmos o sistema a uma temperatura de 108 K, quando então, havendoequilíbrio térmico, os átomos do gás apresentam uma distribuição de velocidades comum valor médio tal que a energia cinética correspondente seja de 10 keV . Nesse con-texto da teoria cinética de gases vemos que: 1) o número de sistemas que têm energiamaior do que a barreira coulombiana é pequeno, 2) isto significa que a maior parte dasreações ocorre por efeito túnel quântico. Para esclarecer tal afirmação vamos consid-erar um gás de partículas livres, de massas m, à temperatura T , cuja distribuição de

8Do ponto de vista da distribuição de velocidades na estatística de Maxwell-Boltzmann, mesmo se aenergia cinéticamédia dos núcleos colidentes for menor que a altura maior da barreira repulsiva coulombiana,o que impede de atravessá-la, haverá sempre uma pequena fração de núcleos com energia acima da alturamáxima da barreira, e estes com certeza poderão passar pela mesma.

9A energia efetivamente liberada é 0, 42MeV , mas encontrando o pósitron um elétron na sua trajetória,ocorre então a aniquilação de ambos, resultando em uma energia adicional de cerca de 1, 02 MeV , total-izando 1, 44MeV . O neutrino não poderá adquirir uma energia cinética maior que 0, 42MeV .

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382 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

velocidades v segue a estatística de Maxwell-Boltzmann (MB)

dwMB (v) = 4π

µm

2πkBT

¶3/2exp

∙− mv2

2kBT

¸v2dv, (12.19)

onde kB é a constante de Boltzmann; esta suposição é bastante razoável dadas ascondições do sistema global. Agora, mesmo dotadas de altas velocidades as partícu-las carregadas se repelem, dificultando assim o processo de reações de fusão. Isto élevado em conta pelo fator atenuante da probabilidade de uma reação10

exp

∙−2π (Z1e) (Z2e)

~v

¸, (12.20)

(como visto no capítulo 8) que envolve duas partículas de cargas (Z1e) e (Z2e) e vé a sua velocidade relativa. A existência da repulsão, formalizada pelo fator (12.20),torna muito remota a possibilidade de fusão entre núcleos que tenham grande valordo produto Z1Z2. Por isso as reações termonucleares possíveis envolvem apenas osnuclídeos deutério e trítio, veja a Figura 12.16.Nota-se que, de fato, a região mais importante da distribuição (12.19) para reações

termonucleares é aquela que, incluindo o fator da barreira coulombiana (12.20), tornamínimo o expoente11

dwMB+C (v) = 4π

µµ

2πkBT

¶3/2exp

∙−µ

µv2

2kBT+2πZ1Z2e

2

~v

¶¸v2dv, (12.21)

sendo que se encontra

v0 =

µ2πZ1Z2e

2kBT

¶1/310Para duas partículas de cargas (z1e) e (z2e), uma aproximação adicional na expressão da probabilidade

de tunelamento (veja o capítulo 8), consiste em desprezar o termo −1 na expressão

e−G = exp − 8µR20Eb

~2

1/2π

2

Eb

E

1/2

− 1

onde G é o fator de Gamow, Eb é a altura da barreira coulombiana, E á a energia relativa das partículascolidentes, µ é a sua massa reduzida, o que leva a

e−G ≈ exp −2πz1z2e2

~v,

onde v é a velocidade relativa. Em um contexto mais geral, e−G é um fator atenuante para a probabilidadede uma reação, ou captura de um núcleo por um outro, mais especificamente uma fusão. Assim, a pos-sibilidade de fusão entre núcleos com grande valor do produto z1z2 é muito pouco provável. Por isso asreações termonucleares produzidas artificialmente envolvem apenas deutério e trítio, isótopos mais pesadosdo hidrogênio.

11Doravante, na distribuição deMB, v é a velocidade relativa entre duas partículas colidentes e substituímosa massam pela massa reduzida µ.

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12.6 Fusão Nuclear 383

Figura 12.16: Potencial para uma partícula relativa, a parte atrativa (o poço) é devido à forçanuclear e a repulsiva é devida à interação coulombiana. Há faixas de níveis de energia que sãometaestáveis, onde a partícula pode tunelar com maior probabilidade.

e o valor da energia cinética (não relativística) correspondente é

E0 =1

2µv20 =

1

2

µµ1/22πZ1Z2e

2kBT

~

¶2/3≈ 12, 24× 10−5

¡Z21Z

22AT

2¢1/3

(keV ) . (12.22)

Nesta expressão, A = A1A2/ (A1 +A2), onde A1 e A2 são os números de massa dosnúcleos colidentes e usamos kB = 8, 62× 10−8keV K−1 e 939MeV/c2 para a massado núcleon. Para a reação d + d, fazendo o cálculo no RCM (A = 1, Z1 = Z2 = 1)obtemos E0 ≈ 1, 224 × 10−4T 2/3(keV ) = 1, 224 T

2/36 (keV ), onde costuma-se usar

a nomenclatura para a temperatura Tn = T/10n. Para T6 = 102K, encontra-se ovalor E0 ≈ 26, 4 keV , que está consideravelmente abaixo do topo da barreira repulsivacoulombiana (da ordem de 1 MeV )! Por essa razão, o estudo do tunelamento quân-tico merece nossa atenção, pois a natureza ondulatória da função de onda dos núcleosdesempenhará um papel preponderante no processo de fusão.Como é bem sabido - veja o capítulo 8 - o fator de tunelamento é dado pela ex-

pressão

B = exp

Ã−2Z r2

r1

r2µ

~2(V (r)−E)dr

!, (12.23)

(vamos admitir um momentum angular l = 0) que apresenta os seguintes aspectos:a) Este fator é mais sensível à largura de barreira do que à altura da mesma. Isto

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384 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

pode ser verificado reescrevendo

B ≈ exp∙−2~

q2µU (r2 − r1)

¸,

onde substituímos o valor da integral por uma altura média efetiva da barrreira U . Note-se que o fator de tunelamento depende linearmente com (r2 − r1), a largura da barreira,e com a raiz quadrada da altura. É muito interessante verificar que esse resultado ex-plica porque nas reações químicas as transições abaixo da barreira praticamente não têmqualquer importância. Esse fato é devido a que, embora as barreiras de potencial sejammais baixas (quando comparadas com aquelas nucleares), suas larguras são tão maioresque o fator de tunelamento se torna praticamente desprezível.b) Em virtude daquele resultado, vemos que poderíamos ter reações nucleares, mesmo

para energias cinéticas bastante baixas dos núcleos colidentes, se pudéssemos trazê-lossuficientemente próximos um do outro por efeito de pressão externa (piezofusão) ou deforças químicas.

12.6.3 Fusão nuclear com múons

Para as separações interatômicas costumeiras em uma molécula de hidrogênio, r0 ≈0, 74 A (Angstrons, 1 A = 10−8 cm), reações nucleares são praticamente impossíveis.Nesse caso, o fator de tunelamento é aproximadamente (considerando o momentumangular l = 0)

B ≈ exp∙−2~¡2µe2r0

¢1/2¸,

onde µ é a massa reduzida dos núcleos de hidrogênio na molécula. Contudo, umaestimativa para r0 nos diz que ele é da ordem de grandeza do raio de Bohr para oelétron de ligação da molécula, r0 ≈ a0 = ~2/mee

2, onde me é a massa do elétron e,consequentemente,

B ≈ exp∙−2r2µ

me

¸. (12.24)

A partir deste resultado podemos obter uma estimativa da probabilidade de uma reaçãode fusão nuclear em uma molécula de hidrogênio-deutério (HD). Para 1 m3 de HDlíquido, um cálculo direto fornece o resultado de 10−21 reações por ano! Ou, umareação a cada 1021 anos. O mais interessante, porém, é notar que se diminuíssemos S: Precisamosmostra

culo.a distância entre os núcleos por um fator de 5 a 10, as reações poderiam atingir taxasbem mais interessantes. Por exemplo, em 1 kg de deutério (D) a uma pressão de 6×108 atm (densidade 80 g/cm3) e uma separação média entre as partículas no entorno dametade daquela da molécula deH2, seria observada, emmédia, uma reação por minuto.Esse tipo de reação é conhecido como piezofusão. Por outro lado, não há compostosquímicos que reduzam essa distância e, desta forma, facilitem reações de fusão.Se estamos interessados, de alguma forma, em produzir um sistema que tenha prob-

abilidade maior de fusão para que possamos ter energia liberada - veja a lista anterior

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12.6 Fusão Nuclear 385

de reações -, devemos procurar alguma outra maneira de tornar B maior. De fato, ol-hando a expressão (12.24) notamos que é suficiente termos um sistema molecular queseja ligado não por um elétron, mas sim por uma outra partícula com as mesmas pro-priedades do elétron, porém de massa maior! Isto quer dizer que um sistema de doisátomos ligados não por um elétron, mas por essa outra partícula de massa maior, temuma separação menor entre seus núcleos (prótons) já que o raio de Bohr para a novasituação é ap = ~2/mpe

2. Podemos procurar por essa partícula na família dos léptons,conforme apresentado na Tabela 12.7.

léptons vida-média massaelétron (e−) estável me

múon (µ−) 10−6 s 207me

tau (τ−) 5× 10−13 s 3500me

Tabela 12.7. Os léptons massivos.

O candidato natural nessas circunstâncias é o múon µ− uma vez que pode ter carganegativa e quase não reage com o núcleo durante seu tempo de vida, i.e., os processosfundamentais que caracterizam o tempo de vida do µ− em hidrogênio são: (1) a sualei de decaimento, µ− −→ e− + νe + νµ, com uma taxa de decaimento λ = 0, 45 ×106 s−1(o que dá sua vida média de 10−6 s) e (2) a taxa de reação com os prótons dohidrogênio µ− + p −→ n + νµ. Porém, essa última reação é da ordem de 10−3 −10−4 vezes menor que a sua probabilidade de decaimento, o que implica que o µ−praticamente não reage com os núcleos durante sua vida média, de tal forma que, numaprimeira abordagem, não se consideram reações de captura do múon negativo pelosnúcleos. Desta forma, o µ− pode servir de partícula de ligação numa molécula nolugar do elétron e seu raio de Bohr é dado por aµ = ~2/mµe

2 ≈ 2, 56 × 10−11 cm,que é muito menor que os 10−8 cm do elétron. Dessa forma, vê-se que é a relação dasmassas do µ− e do elétron que indica que haverá aumento da probabilidade de fusão dosátomos de elementos leves nessa nova situação. O fator de tunelamento B é aumentadoem algumas ordens de grandeza e, com essa nova taxa de fusão, podemos ter um númeromaior de reações com maior liberação de energia. Essas possibilidades formidáveis deresultados de grande significado físico foram descobertas teoricamente por F. C. Frankem 1947 [9], e depois estendidas porA. D. Sakharov [10] em 1948 eYa. B. Zel’dovich[11] em 1954. É interessante observar que Frank elaborou estas idéias imediatamenteapós o aparecimento dos resultados de Powell, Lattes e Occhialini [12] relatando sobreos traços de mésons detectados em emulsões. Já Sakharov estudou, em 1948, as reaçõesnucleares produzidas por múons em deutério líquido, ou seja,

D +Dµ −→ 4He+ µ

e estimou a vida da meso-molécula DDµ como sendo 10−11 s. Zel’dovich, em 1954,verificou a possibilidade de se ter reações nucleares desse tipo catalisadas por múons.A reação p + Dµ −→ 3He, como produzida pela fusão induzida pelo múon, foi de-scoberta experimentalmente por Luis Alvarez [13] em 1957. Uma conclusão parecia

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386 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

então óbvia: fusões nucleares poderiam ser obtidas, em condições simples, sem o usode fortes campos magnéticos; simplesmente µ− precisariam ser introduzidos numa mis-tura de gases (ou líquidos) de hidrogênio com deutério. Cada µ− poderia induzir espon-taneamente um certo número de reações de fusão nuclear, como um perfeito catalisadordurante sua vida média.12 Fonte da referência?Naquela ocasião, estimativas teóricas preliminares previam umas poucas fusões catal-

isadas por um múon em reações p +D. Já nas experiências de Alvarez raras foram asvezes em que um múon catalisava mais do que uma fusão.A perspectiva, que parecia ruim, foi de novo orientada para um panorama mais

otimista – para a produção de energia em larga escala – em conseqüência de trabal-hos realizados em Dubna, na então União Soviética. Nesse sentido, inicialmente V. P.Dzhelepov e colaboradores [14] mostraram que a taxa de formação de uma moléculamuônica – estágio inicial do processo de fusão – envolvendo deutério, depende crucial-mente da temperatura. A explicação para tal fato veio da compreensão do fato que oprocesso de formação das moléculas muônicas envolve um estágio de formação resso-nante (proposta por E. A. Vesman, em 1967 [15] ), ajustada pela temperatura dos áto-mos muônicos envolvidos. Posteriormente, foi verificada em 1979, por S. I.Vinitsky[16], a existência de um estado excitado fracamente ligado da molécula muônicaDµDem condições de, por efeito de temperatura, ajustar sua energia àquela de um estadovibracional da molécula muônica inteira,DµD −D.Também foi mostrado por S. S. Gershtein e L. I. Ponomarev, em 1977 [17], que

formações ressonantes de moléculas muônicas também ocorrem, e ainda mais rapida-mente, emmisturasD−T , a 540K, (temperatura ajustada para a formação ressonante).Com essa nova abordagem, a catálise muônica é verificada com um alto índice de

regeneração do múon. Assim, a cadeia

Dµ− +D −→

⎧⎨⎩ Tµ+ p+Q (4MeV )3He+ n+ µ− +Q (3, 3MeV )4He+ γ +Q (24MeV )

12Alvarez descreveu a euforia que dominou sua equipe quando da descoberta da fusão no seu discurso deaceitação do Prêmio Nobel de 1968:

"We had a short but exhilarating experience when we thought we had solved all of the fuel problems ofmankind for the rest of time. A few hasty calculations indicated that in liquid HD a single negative muonwould catalyze enough fusion reactions before it decayed to supply the energy to operate an accelerator toproduce more muons, with energy left over after making the liquid HD from the sea water. While everyone else had been trying to solve this problem by heating hydrogen plasmas to millions of degrees. we hadapparently stumbled on the solution. involving very low temperature instead"

"Tivemos uma pequena mas divertida experiência quando imaginamos que tínhamos resolvido todosos problemas da humanidade com respeito a combustível, para o resto da vida. Alguns cálculos apressa-dos indicaram que na mistura de HD líquido, um único múon [carga] negativo poderia catalizar um númerode reações de fusão, antes de cair, suficiente para suprir a energia de operação de um acelerador para pro-duzir mais múons, e ainda sobrando energia após produzir o HD líquido da água do mar. Enquanto osoutros tentavam resolver este problema aquecendo hidrogênio a milhões de graus para levá-lo a um estadode plasma, aparentemente, nós havíamos tropeçado na solução, necessitando, em vez disso, de temperaturasmuitos baixas"

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12.6 Fusão Nuclear 387

foi encontrada, bem como a cadeia mais interessante devido a sua eficiência

Dµ− + T −→ 4He+ n+ µ− +Q (17, 6MeV ),

com ciclos de mais de cem fusões catalisadas; S. Jones [18] cita o Los Alamos MesonPhysics Facility como tendo sucesso em obter até 150 fusões por múon, em média, emmisturas densas de deutério e trítio. Contudo, pode-se constatar que para cem reaçõesa produção de energia corresponde a 1, 76 GeV , o que corresponde a 1/3 da energianecessária (≈ 5 GeV , é a energia necessária para produzir um µ−) para haver balançofavorável.Um fator limitante no papel de catalisador de fusões do múon durante sua vida média

é a probabilidade – ainda que pequena – de que ele se agregue à partícula alfa emitidano processo de fusão. É este o fator que controla o número de fusões que um múonpode, em média, catalisar e limita este número a uma centena.Desta forma, ainda não se alcançou a situação ideal para produção de energia com

vantagens econômicas, embora tenha havido inegavelmente um progresso respeitávelno que se refere à compreensão da física fundamental relacionada com esse interessanteproblema (recomenda-se a referência [19, ]).

12.6.4 Reações termonucleares nas estrelas, nucleosíntese e evoluçãoestelar

Um aspecto interessante do estudo em Física Nuclear da fusão de elementos leves éque ele está na base da compreensão de como os elementos químicos são produzidosna Natureza. Em particular, ele fornece subsídios para a ousada proposta da formaçãodos elementos a partir do modelo do Big Bang. O estudo da nucleosíntese baseado nomodelo do Big-Bang13 pode ser dividido em três etapas principais, a partir do início daexplosão primordial (a temperatura será expressa em unidades de energia; a conversãopara unidadesK (kelvin) é imediata, lembrando que T = E/kB , onde kB = 8, 6174×10−11MeV K−1)I) Na etapa 1 (t . 0, 01 s e T ∼ 10 MeV ) a densidade de energia do Universo

é dominada pela radiação (fótons), as demais partículas elementares existentes são oselétrons, pósitrons, neutrinos, nêutrons e prótons. A abundância dos demais elementosé ínfima (por exemplo, a fração de deutério é 6× 10−12 e de hélio-4 é de 2× 10−34) e arazão entre o número de bárions para os fótons é de cerca de 1 para 109 – considera-seque o Universo está "muito quente-- com igual quantidade de prótons e nêutrons.II) Na etapa 2 (t . 1 s e T ∼ 1MeV ) a temperatura diminui por um fator 10, os

pares e− − e+ aniquilam-se produzindo um raio γ, a interação fraca – que faz a inter-conversão p ¿ n – se congela e estabelece-se um equilíbrio entre prótons e nêutrons,6 : 1, respectivamente, mas ocasionalmente há decaimento β de nêutrons livres.

13Por Big-Bang, entende-se o “instante inicial” para o processo de partida da formação do Universo emnosso atual modelo, no sentido de a “grande explosão primordial”, suposta ter ocorrido na natureza . Nãoentraremos em detalhes, eles podem ser encontrados, de forma rigorosa no texto de Kolb e Turner, [21].

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388 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

III) Na etapa 3 (t ∼ 1 − 3 min e T ∼ 0, 3 − 0, 1 MeV ) a razão próton-nêutroné 7 : 1, o elemento 4He é produzido e elementos mais pesados também começam aser produzidos, embora suas abundâncias relativas sejam ainda muito pequenas, veja aFigura 12.17.

Figura 12.17: Evolução da abundância relativa dos elementos no processo de nucleosíntese doUniverso primordial. A linha vermelha é indicativa do 4He.

Enquanto a temperatura continua diminuindo, o Universo se expande espacialmentee a nucleosíntese do Big-Bang cessa até o início de formação das estrelas e dos aglom-erados galácticos. Após a sua formação (por nucleação dos elementos já produzidos),as estrelas, por sua vez, começam a produzir novos elementos, a liberar energia e emi-tir neutrinos. Em seu caroço, onde a pressão é mais alta, ocorrem as reações de fusãotermonuclear onde são sintetizados os elementos mais leves até os mais pesados comoo elemento ferro, mas esses são produzidos somente nas estrelas de grandes massas,bem maiores que a do Sol. O efeito visível dessas reações é o brilho das estrelas. Defato, há emissão de radiação eletromagnética em todas as freqüências (ondas de rádio,raios X , raios γ) e também de partículas carregadas, como prótons, que podem chegarà Terra. No caso do nosso sistema solar, é também importante a emissão de neutrinosque provêm das reações termonucleares, chamados neutrinos solares; a detecção deles D: Eles podem vir

quer fonte, não só doS: Mas os neutrinossão importantes poiscalcular a sua taxa dee a fração dos que atra Terra.

na Terra – bem difícil pois apenas 1 em 109 é passível de detecção – permite inferirinformações sobre as reações termonucleares solares. É importante salientar que a teo-ria da estrutura estelar é um ramo bastante desenvolvido da astrofísica, senão o mais,

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12.6 Fusão Nuclear 389

por permitir fazer muitas medições dos processos cosmológicos, com instrumentos demedição localizados tanto na superfície terrestre como a grande profundidade (minasdesativadas ou grutas), em balões que chegam aos limites da estratosfera, em satélitesterrestres, e mesmo em naves espaciais que viajam pelo sistema solar e mesmo para foradele. Aqui iremos nos concentrar apenas nas reações básicas que ocorrem no caroço dasestrelas e fazer uma discussão no contexto da Física Nuclear. Um relato pedagógico so-bre estrelas, sua evolução e estabilidade foi feito por Subrahmanyan Chandrasekhar(PNF-1983) em [20].O processo de nucleosíntese se inicia com uma concentração inicial 3 : 1 de 1H

paraHe na estrela; as reações, de diferentes tipos, ocorrem em uma sucessão de etapas,que apresentamos abaixo.(i) Producão de 4He: inicialmente, prótons se convertem em isótopos de hélio por

uma seqüência de reações, no chamado ciclo próton-próton14 ou cadeia pp1,

pp1 :

⎧⎨⎩(a1) p+ p −→ D + e+ + ve +Q(1, 44MeV )(b1) p+D −→ 3He+ γ +Q(5, 5MeV )(c1) 3He+ 3He −→ 4He+ p+ p+Q(12, 85MeV ).

(12.25)

Por outro lado, algumas reações como

p+ p −→ 2He (instável) −→ p+ pp+ 4He −→ 5Li (instável) −→ p+ 4He,

não são relevantes pois os elementos formados são instáveis, o isótopo 2He desintegra-se novamente em dois prótons em um tempo muito curto, o mesmo ocorrendo para o5Li. Em 1939, Hans Bethe propôs um mecanismo possível, pelo qual a interação fracaé determinante na reação p− p, a1 em (12.25), que é exotérmica com liberação de umaenergia de 0, 42MeV e depois mais 1, 02MeV provinda da aniquilação e− − e+. Asreações ocorrem na seqüência a1→ b1→ c1. Para dois pares de reações a1 e b1 ocorreuma c1, portanto a energia total liberada no processo para a formação de uma partículaα é de 26, 73MeV , o que leva ao resultado líquido

pp1 : 4p −→ 4He+ 2e+ + 2νe + 2γ +Q (26, 73MeV ). (12.26)

Desta forma, a energia, por núcleon, é cerca de oito vezes maior do que a energia lib-erada no processo de fissão – no caso da fissão do 238U , seriam 6, 7 MeV de (12.26)em comparação com 0, 84MeV (200MeV /238). Em média, cada neutrino carregaráuma energia de 0, 26MeV , emergindo do caroço da estrela diretamente para o espaço,sem praticamente participar de qualquer outro processo. Antes que todo o hidrogênioda estrela se converta em hélio, a segunda etapa do processo pode começar desde quehaja abundância suficiente de 4He para o seu início, que se dá porque a força gravita-cional atua aumentando a probabilidade de colisão entre os núcleos de hélio de forma ainiciar novas cadeias de reações – com a produção de energia –, como as seqüências dereações abaixo descritas.

14Chama-se ciclo próton-próton, pois o processo se inicia e termina com dois prótons.

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390 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

Cadeias pp2 e pp3: um núcleo de 3He pode colidir uma partícula α, levando àseqüência

pp2 :

⎧⎨⎩(a2) 3He+ 4He −→ 7Be+ γ +Q (1, 59MeV )(b2) 7Be+ e− −→ 7Li+ νe +Q (0, 86MeV )(c2) 7Li+ p −→ 4He+ 4He+Q (17, 35MeV )

(12.27)

quando então os elementos mais pesados 7Be e 7Li são sintetizados, sendo o resultadolíquido dessa seqüência a produção de duas partículas α

pp2 : 3He+ 4He+p+e− −→ 4He+ 4He+γ+νe+Q (19, 80MeV ). (12.28)

Uma parte da energia resultante vai para o neutrino (0, 8MeV , em média) que emergeda estrela e o resto fica no seu interior ou participa da fotosfera, camada responsávelpelo brilho das estrelas. No entanto, pode acontecer que, após a reação b2, o núcleo de7Be, em vez de absorver um elétron, pode capturar um próton, para finalmente tambémdecair em duas partículas α, com a seguinte seqüência

pp3 :

⎧⎨⎩(a3) 7Be+ p −→ 8B + γ +Q (0, 13MeV )(b3) 8B −→ 8Be+ e+ + νe +Q (17, 05MeV )(c3) 8Be −→ 4He+ 4He

. (12.29)

Haverá então a produção de um núcleo de boro-8 que é instável, decaindo para o berílio-8, que tem um tempo de meia-vida bastante curto, 10−16s, que decai em duas partículasα, sem praticamente emissão de energia. Portanto, o resultado líquido é

pp3 : p+ 7Be −→ 4He+ 4He+Q (17, 18MeV ) (12.30)

com uma produção de 17, 18MeV de energia, que é energeticamente menor que a en-ergia produzida na cadeia pp2. O neutrino carregará uma energia máxima de 14MeV .Diferentemente dos raios γ produzidos nas reações, que podem ficar por muitos mil-hões de anos confinados no caroço das estrelas, os neutrinos das cadeias pp1, pp2 epp3 emergem à velocidade da luz, tão logo são formados, isto permite obter informaçãorecente e sempre atualizada sobre o estado do caroço do Sol. Entretanto, os cálculosteóricos relacionados com a taxa de emissão dos neutrinos não são corroborados pelasmedições feitas: a Terra receberia menos neutrinos do que o esperado. Isto levou àhipótese de "oscilação dos neutrinos", no sentido que os três tipos de neutrinos atual-mente conhecidos e detectados15, devem se constituir em uma superposição de partícu-las mais fundamentais, porém não passíveis de detecção pelos detetores existentes. As-sim, a oscilação seria devido à mudança, por exemplo, de um neutrino eletrônico paraum neutrino muônico.(ii) Com a formação de partículas α em quantidade suficiente, inicia-se a cadeia de

queima dessas partículas (de α´s). Entretanto, para isso é necessário que a temperatura

15Os três tipos de neutrinos conhecidos e detectados são aqueles associados aos léptons massivos, elétron,múon e tau: νe, νµ, ντ .

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12.6 Fusão Nuclear 391

da estrela seja maior que 108K, por causa da barreira coulombiana mais alta (Z1 =Z2 = 2, em (12.20)). Isso só pode acontecer em estrelas com massas da ordem de ousuperior a 2, 5M¯ (ondeM¯ simboliza a massa do Sol) por meio do ciclo½

(a2) 4He+ 4He −→ 8Be+ γ +Q (− 95 keV )(b2) 8Be+ 4He −→ 12C + γ +Q (7, 366MeV ).

(12.31)

A reação 4He +4 He é endotérmica e, além disso, o núcleo de 8Be é altamente in-stável: como dito, ele decai novamente em dois núcleos de hélio em um tempo médiode cerca de 10−16s. Entretanto, antes de sua fissão, há uma probabilidade finita de cap-tura de uma partícula α – em uma reação exotérmica – e, através dessa reação, irá seformar o nuclídeo estável 12C, processo conhecido como triplo-α – o encontro de trêspartículas α, para formar um núcleo de carbono-12. Esse processo é pouco provável,mas é favorecido pela existência de uma ressonância (a seção de choque de captura defusão da partícula α com núcleo de 8Be é drasticamente aumentada) no núcleo de 12C,ocorrendo em um nível excitado 0+, em 7, 654MeV , conhecido como ressonância deHoyle, pois o mecanismo foi proposto pelo astrofísico Fred Hoyle16. A diferença emenergia entre a do sistema que funde e a ressonância é fornecida pela temperatura daestrela.Há uma figura muito legal

ág. 53 do livro do Heyde. Há também nas estrelas um processo chamado ciclo do carbono ou ciclo CNO, con-sistindo de uma seqüência cíclica de reações de fusão

12C + p −→ 13N + γ13N −→ 13C + e+ + νe

13C + p −→ 14N + γ14N + p −→ 15O + γ

15O −→ 15N + e+ + νe15N + p −→ 12C + 4He.

Neste caso, o 12C entra como um catalisador para a criação de uma partícula α, pois eleé regenerado no fim do processo, apesar de sofrer transmutações durante o ciclo, veja aFigura 12.18 para uma ilustração esquemática. O processo líquido é escrito como

CNO : 4p −→ 4He+ 2e+ + 2νe, (12.32)

da mesma forma que em (12.26) e com a mesma quantidade de energia liberada. O cicloCNO compete com a cadeia pp1 para a produção de 4He, em temperaturas mais altas,que compensa a maior altura da barreira coulombiana.Em seguida, havendo de núcleos de carbono em número suficiente em estrelas bas-

tante massivas, a captura α torna-se possível, dando início à síntese do 16O, que por sua

16Em contraponto ao modelo do Big Bang para a evolução do Universo, Fred Hoyle propôs a idéia de umUniverso sem começo nem fim, porém seu tamanho oscilaria entre um mínimo e um máximo, e na passagemde mínimo para o máximo teríamos a expansão e no sentido inverso, a contração. Fred Hoyle foi tambémescritor de livros de ficção científica, seu conto Nuvem negra, foi o que ganhou maior repercussão.

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392 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

Figura 12.18: Ciclo CNO, onde o núcleo de 12C atua como catalisador para a produção de umapartícula α.

vez é usado para a síntese do 20Ne,12C + 4He −→ 16O + γ +Q (7, 162MeV )16O + 4He −→ 20Ne+ γ +Q (4, 730MeV ) .

Depois, uma variedade de processos nucleares se manifesta, levando à síntese dos ele-mentos mais pesados. Por exemplo, a reação carbono-carbono requer temperaturas daordem 5− 10× 108K, em estrelas massivas

12C + 12C −→ 24Mg + γ +Q (13, 93MeV )

−→ 23Na+ p+Q (2, 24MeV )

−→ 20Ne+ α+Q (4, 62MeV ),

enquanto que a reação oxigênio-oxigênio requer uma temperatura T > 109,16O + 16O −→ 32S + γ +Q (16, 54MeV )

−→ 31P + p+Q (7, 68MeV )

−→ 31S + n+Q (1, 45MeV )

−→ 28Si+ α+Q (9, 60MeV ).

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12.6 Fusão Nuclear 393

Estrelas com massas > 10− 15M¯ conseguirão fundir núcleos gradualmente maispesados até conseguir produzir o elemento ferro, e a estrela irá adquirir um formato decamadas de uma cebola, onde em cada camada haverá um processo próprio. Veja aFigura ilustrativa 12.19, onde no centro da estrela, em seu caroço, se concentram os el-

Figura 12.19: Estrela massiva e as queimas em forma de camadas em um formato cebola. Nãohaverá queima (reações de fusão) somente no caroço inerte – constituído de elementos mais pe-sados , até o Fe – e na camada exterior (a envoltória da estrela), constituída de hidrogênio.

ementos mais pesados, de silício até o ferro, que permanece inerte, isto é, não há maisqueima, pois é impossível sintetizar elementos mais pesados pela fusão. Também, nacamada mais exterior da estrela não há queima do hidrogênio, por falta de pressão su-ficiente. Em algum momento, quando a estrela consiste essencialmente de ferro, silícioe outros elementos vizinhos na tabela periódica, a queima por reações termonuclearespára e a seguir pode se iniciar outra fase do processo de evolução, a da contração oucolapso gravitacional.(iii) Durante a contração, havendo suficiente número de nêutrons livres, um ele-

mento mais pesado pode ser sintetizado pela captura de um nêutron por um núcleo jáexistente, em um processo como

AZX + n −→ A+1

Z X + γ −→

⎧⎨⎩A+1Z+1Y + e− + νe

A+1Z−1W + e+ + νe

quando o decaimento β± adquire um papel importante na núcleosíntese.

Quanto tempo leva uma estrela para queimar todo o seu combustível? Paraestimar o tempo que uma estrela leva para queimar seu combustível, é inicialmentenecessário calcular a taxa da reação, que é uma quantidade essencial para fazer cálcu-

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394 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

los envolvendo reações nucleares. Por exemplo, se a reação considerada envolve duasespécies a+X −→ Y +b, (X (a, b)Y também é uma notação usada), é imprescindívelcalcular a que taxa os núcleos das espécies a e X se combinam em um determinadovolume. Essa taxa é definida como

RaX = (1 + δa,X)−1

nanX

Z ∞0

vσ (v) p(v)dv = (1 + δa,X)−1

nanX hvσ (v)i ,(12.33)

onde na e nX são o número de núcleos e/ou partículas de cada espécie por unidade devolume, de cada espécie; o fator (1 + δa,X)

−1dá diferentes pesos dependendo se paranúcleos de espécies diferentes ou de mesma espécie (neste caso deve-se considerar o fa-tor multiplicativo 1/2). v = |va − vX | é a velocidade relativa entre os núcleos a e Xcolidentes e σ (v) é a seção de choque de reação, que é proporcional à probabilidade deocorrência de um espalhamento. A taxa de reação é calculada teoricamente ou obtidaempiricamente a partir de dados experimentais, levando-se em conta o fator de pene-tração da barreira coulombiana, a probabilidade de formação do núcleo intermediário(em particular ressonâncias, antes de decair para Y e b) e as probabilidades de seu de-caimento por vários canais. A função p(v) é a distribuição de velocidades por unidadede velocidade (p(v)dv é adimensional) e deve ser normalizada,Z ∞

0

p(v)dv = 1.

Como σ (v) tem dimensão de área e v tem dimensão de comprimento por segundo, ofator hvσ (v)i tem o seguinte significado: podemos pensar em uma tubo cilíndrico cujaárea da base é σ (v) e de comprimento v∆t, (∆t um intervalo de tempo); o produtovσ (v)∆t é a probabilidade de ocorrência de uma reação no volume especificado parauma velocidade relativa v, portanto a quantidade hvσ (v)i é a média na velocidades rela-tivas de uma reação por segundo no referido volume. A quantidadeRaX da Eq. (12.33)tem unidades

£cm−3s−1

¤, ou seja, por conter o fator nanX é o número de reações por

cm3 e por segundo de "matéria estelar". Agora vamos admitir que a distribuição de ve-locidades de ambos os tipos de núcleos colidentes segue a lei de Maxwell-Boltzmannp(v)dv = dwMB (v), logo

hvσ (v)i = 4

π

µµ

2kBT

¶3/2 Z ∞0

v3σ (v) exp

∙− µv2

2kBT

¸dv, (12.34)

ou em termos da energia cinética não-relativística, E = µv2/2, no RCM,

hvσ (v)i =µ8

πµ

¶1/2(kBT )

−3/2Z ∞0

E σ (E) exp

∙− E

kBT

¸dE. (12.35)

O cálculo da seção de choque torna-se um desafio quando não se tem conhecimento pre-ciso da força total que atua entre os núcleos. Entretanto, é conveniente fazer a decom-posição σ (E) = S (E)E−1 exp

h−2π(Z1e)(Z2e)~v

i, onde o fator exponencial representa

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12.6 Fusão Nuclear 395

a repulsão coulombiana, E−1 é um fator geométrico e S (E) é um fator nuclear, quevaria lentamente com E. O fator geométrico aparece pelo seguinte motivo: Supõe-seque o núcleo tenha “forma esférica”, cuja seção transversa é proporcional ao quadradodo seu raio – como “enxergado” de acordo com a energia relativa no RCM –, que é es-timado pelo comprimento de onda de de Broglie, R20 = λ2 = (~/µv)2 = ~2/ (2µE),de onde R20 ∝ E−1. Portanto, a Eq. (12.35) pode ser escrita como

hvσ (v)i = c

µ8

πmpc2A

¶1/2(kBT )

−3/2

×Z ∞0

S (E) exp

∙− E

kBT− 31, 41 Z1Z2A

1/2

E1/2 (keV )

¸dE,

(12.36)

sendo que para dois prótons colidentes tem-se A = 1/2, para dois dêuterons A = 1e para um próton e um dêuteron A = 2/3. O fator S (E) depende dos detalhes daestrutura nuclear17 e, comparado com o fator coulombiano, apresenta uma variaçãolenta com a energia; no caso de colisão ressonante ele é representado, empiricamente,por uma forma lorentziana,

S (E) =C

(Γ/2)2 + (E −Eress)2 ,

onde C é uma constante, Γ é a largura da linha e Eress é a energia de ressonância. Deforma geral, na ausência de ressonância, pode-se calcular a integral em (12.36) pelométodo de ponto de sela18, que resulta emq

0, 442 (Z21Z22A)

1/3T5/36 S

³1, 224T

2/36

´exp

"−42, 6

µZ21Z

22A

T6

¶1/3#e portanto

hvσ (v)i = 7, 15× 105 × (Z1Z2A)−1

׳S³1, 224T

2/36

´ £keV cm2

¤´τ2e−τ

hcm s−1 (keV )−1

i,

(12.37)

17As energias E e kBT são medidas em unidades de keV , S(E) em unidades de keV cm2, e hvσ (v)iem cm3/s.

18Uma integral do tipo ∞0 g(x)e−f(x)dx, onde g(x) tem variação lenta e f(x) À 1, exceto em um

ponto de mínimo x0, pode ser calculada usando o método de ponto de sela, (em inglês, saddle point methodou method of steepest descent). Este método consiste em, primeiro expandir f(x) na forma de uma série deMcLaurin, em torno do ponto x0, f(x) ≈ f(x0) + x− x20 f 00(x0)/2! + · · ·, a seguir, consideram-setermos até segunda ordem, calcula-se g(x0) e, por fim, efetua-se a integral, que leva ao resultado

0g(x)e−f(x)dx ' 2π

f 00(x0)g(x0)e

−f(x0).

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396 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

onde as unidades estão dadas entre os colchetes e τ = 42, 6¡Z21Z

22A/T6

¢1/3. Entre-tanto, por causa das dimensões da seção de choque envolvendo as forças nucleares, ofator S

³1, 224T

2/36

´é mais convenientemente expresso em unidades [keV b] em vez

de£keV cm2

¤. Convertendo então

£keV cm2

¤→ [keV b], a expressão (12.37) deve

ser multiplicada pelo fator de conversão b/cm2 = 10−24, o que resulta em

hvσ (v)i = 7, 15×10−19× (AZ1Z2)−1³S³1, 224T

2/36

´[keV b]

´τ2e−τ

£cm3 s−1

¤,

(12.38)sempre lembrando que o valor de S

³1, 224T

2/36

´deve ser convertido em unidades

[keV b].Agora, antes de substituir (12.38) na Eq. (12.36), vamos escrever o produto nanX

em termos da densidade de massa estelar e das frações de cada espécie reagente. Adensidade de número de núcleons de uma espécie está relacionada com a sua densidadede massa pela relação na = ρa/ (AamN ) (o mesmo vale para a espécie X), onde mN

é a massa do núcleon, a densidade total é dada como a soma das densidades de número,n = na + nX . A densidade de massa total é

ρ = nmN = (naAa + nXAX)mN

e, definindo as frações das densidades de massa

Xa =ρaρ=

naAa

n, XX =

ρXρ=

nXAX

n,

com Xa +XX = 1, podemos estabelecer as seguintes relações entre as densidades denúmero parciais e as frações

na =ρXa

AamN, nX =

ρXX

AXmN.

Agora, efetuando o produto das duas densidades obtemos

nanX =ρa

Aamp

ρXAXmp

=1

m2p

ρ2XaXX

AaAX= 35, 74× 1046

ρ£g cm−3

¤2XaXX

AaAXcm−6,

cujo resultado é agora substituído em (12.33), que adquire a forma

RaX =2, 56× 1029(1 + δa,X)

ρ2£g cm−3

¤XaXX

AaAXAZ1Z2S³1, 224T

2/36

´τ2e−τcm−3 s−1. (12.39)

Esta útima expressão admite algumas correções adicionais, entretanto mesmo na pre-sente forma ela é capaz de fornecer algumas estimativas confiáveis. Por exemplo, con-sideremos as reações p − p no centro do Sol, cuja temperatura é T6 ≈ 16, a densi-dade é de ρ ≈ 160 g cm−3, então o fator nuclear é estimado em S

³1, 224T

2/36

´≈

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12.7 Pressão de degenerescência 397

4× 10−22 keV b e τ ≈ 13, 3, tal que

Rpp =2, 56× 1029

2

(160)2 (1/4)

1/2

¡4× 10−22

¢(13, 3)

2e−13,3

= 2, 56× 107 × 2, 56× 104 × 1, 7689× 102 × 1, 674× 10−6

≈ 1, 9× 108 reações¡cm3 s

¢−1≈ 6× 1015 reações

¡cm3 ano

¢−1Visto que a densidade estelar é de cerca de 160 g cm−3 e que um próton tem massa de1, 67 × 10−24 g, isto resulta em (160/1, 67) × 1024 ≈ 9, 6 × 1025 prótons/cm3, queserão queimados (supondo que a taxa de queima não mude com o tempo) em 9, 6 ×1025/

¡2× 6× 1015

¢≈ 1010 anos!19 Este tempo de 10 bilhões de anos é bastante

longo; como a idade do Sol é estimada entre de 4 e 5 bilhões de anos, ele tem, portanto,bastante tempo para continuar queimando o seu combustível.

12.7 Pressão de degenerescênciaNesta seção, vamos fazer uso do modelo de Fermi para os núcleons, discutido no capí-tulo 7, para analisar o comportamento de uma estrela que se encontra no estágio em quejá passou pelas seqüências de queima de combustível. Neste caso, a única barreira quepoderá se contrapor ao colapso gravitacional total é o efeito da pressão de degenerênciados elétrons20

Pdeg = −µ∂Eel

∂V

¶Ne

=π3~2

15me

µ3Ne

π

¶5/3V −5/3, (12.40)

que é devida à presença de Ne elétrons livres na estrela de volume V . Essa pressãoé exercida, de dentro para fora, ou seja, sobre o "envólucro"da estrela, e lembremosque ela é devida do princípio de exclusão de Pauli: por serem férmions, os elétronsnão podem ocupar o mesmo estado quântico, dando origem assim a uma anticorrelaçãorepulsiva.Agora, a pressão gravitacional, que atua em sentido oposto ao de Pdeg, é facilmente

calculada se considerarmos que a densidade estelar devida à massa bariônica ρ é uni-forme e que o formato da estrela é esférico. A energia potencial gravitacional de umamassa M = ρ

¡4πR3/3

¢= Nmn (mn é a massa de um nêutron – aproximadamente

igual à massa de um próton – e N é o número de núcleons), contida em um volume de

19O fator 2 no denominador foi inserido porque cada reação consome dois prótons.20A partir do modelo de gás de Fermi, apresentado no capítulo 7, um gás de N elétrons livres, confinados

em um volume V , tem energia

Eel =π3~2

10me

3N

π

5/3

V −2/3

ondeme é a massa do elétron.

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398 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

raio R é

Vg = −Gµ3

5

M2

R

¶= −3

5

µ4π

3

¶1/3G (Nmn)

2 V −1/3,

onde G é a constante gravitacional. Então, a pressão gravitacional é

Pg = −µ∂Vg∂V

¶N

= −15

µ4π

3

¶1/3G (Nmn)

2V −4/3. (12.41)

Se supusermos que o número de prótons na estrela é aproximadamente igual ao númerode nêutrons e que o número de elétrons é igual ao número de prótons, então,Ne = N/2.Uma situação de equilíbrio se estabelece quando, para um determinado valor de N , asduas pressões, Pdeg e Pg, se tornam iguais em módulo; então escrevemos a equação

π3~2

15me

µ3Ne

π

¶5/3V −5/3 =

1

5

µ4π

3

¶1/3G (Nmn)

2V −4/3

e o tamanho da estrela é estimado pelo raio da esfera, calculado como

R∗ =

µ3

¶1/3V 1/3 =

µ81π2

128

¶1/3 ~2

Gmem2n

N−1/3. (12.42)

Note-se a dependência nas massas do elétron, do núcleon, do número de núcleons edas duas constantes universais. Para uma estrela como o Sol, o número de núcleons éestimado pela razão entre a massa do Sol e a do núcleon,

N¯ =M¯mn≈ 2× 1033g1, 67× 10−24g = 1, 2× 10

57

e, portanto, o raio de uma estrela degenerada é estimado como sendo R∗ ≈ 1, 1 ×104km, enquanto que o raio do Sol (estrela não-degenerada) é ≈ 7 × 108 km. Entre-tanto, se a estrela tiver uma massa muitas vezes maior que a do Sol, a energia média doselétrons cresce, tornando-se da ordem da sua massa de repouso, fazendo–se necessário,por conseguinte, usar a fórmula relativística para a energia, Ee =

pc2p2 +m2

ec4, ou,

em casos extremos, quando a energia cinética é muito maior que a massa de repouso,Ee ≈ cp. Neste último caso, a pressão de degenerescência é Pdeg ∝ V −4/3 e para Nsuficientemente grande a pressão gravitacional acaba sobrepujando-a. Nestas circun-stâncias a interação fraca se manifesta e um nova seqüência de reações se estabelece naforma

e− + p −→ n+ νe, (12.43)ocorrendo então um escape de neutrinos da estrela. Um excesso de nêutrons em relaçãoao número de prótons se estabelece, formando-se assim uma estrela de nêutrons. Porserem férmions, a pressão de degenerescência dos nêutrons é dada por (calculada nocapítulo 7, seção Modelo de Fermi)

Pdeg =π3~2

15me

µ3Nn

π

¶5/3V −5/3 (12.44)

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12.8 Problemas 399

e o raio da estrela de nêutrons é expresso como

R∗,n =

µ81π2

16

¶1/3 ~2

Gm3n

N−1/3; (12.45)

note-se que o valor de (12.45) é menor que o de (12.42) por um fatorme/mn ≈ 1/1840.Para uma estrela com duas massas solares, encontra-se um raio R∗,n ≈ 10 km! E, seN for muito grande, de forma que os nêutrons se tornam relativísticos, não há força queimpeça o colapso gravitacional, quando então a estrela se torna um buraco negro.

12.8 Problemas1. Considere a fórmula semi-empírica de massa, Eq. (4.1), e despreze o termo deemparelhamento. Mostre que a condição para que um núcleo par-par AZX fissione si-metricamente, isto é, em dois núcleos A/2Z/2Y é

asupac

21/3 − 11− 2−2/3 <

Z2

A, ou 18 <

Z2

A;

esta condição é verdadeira para nuclídeos β estáveis mais pesados que o 9842Mo. A

energia liberada na fissão de elementos mais pesados é muito maior do que na emissãoα. A energia liberada na fissão simétrica do 23892 U é de aproximadamente 180 MeV ,mas o processo é inibido pelo fator de tunelamento.Toda fissão seria, tam-

? 2. A partir da energia potencial de deformação (??) deduza a altura da barreira defissão e o ponto de máximo da curva da Figura 12.3. Discuta os casos x < 1 e x > 1.Quais são esses valores para o 235U? Use a expressão (12.12) para estimar a altura dabarreira.

3. Demonstre a relação (12.16).

4. A radiação do Sol chega à Terra com uma potência média de 1, 4 × 103 W porm2 de área.a) Visto que a Terra está situada a uma distância média de 1, 5×1011 m do Sol, qual

é potência total da energia emitida pelo Sol?b) Iremos supor que apenas o processo da cadeia pp1 é responsável pela produção de

energia no Sol, Eq. (12.26), onde cada processo de fusão libera em média 27MeV deenergia; quantos processos de fusão serão necessários, por segundo, para se conseguiraquela potência? E quantos prótons são consumidos em cada segundo?c) Supondo a taxa de queima do item (b), quanto tempo levará o Sol para queimar

todo seu hidrogênio pelo processo pp1, sabendo-se que a sua massa éM¯ = 2×1033 g,e que a massa do próton émp = 1, 67× 10−24 g?Resp: a) 3, 96×1026W , b) 9, 3×1037 reações de fusão por segundo que consomem

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400 Capítulo 12. Fissão nuclear e fusão nuclear

3, 7× 1038 prótons por segundo, c) 1011 anos.

5. Nas reações de fusão dadas na tabela abaixo

D + T −→ 4He+ n+Q (17, 6MeV )D +D −→ T + p+Q (4, 03MeV ) 50%

” −→ 3He+ n+Q (3, 27MeV ) 50%D + 3He −→ 4He+ p+Q (14, 7MeV )T + T −→ 4He+ 2n+Q (11, 3MeV )3He+ 3He −→ 4He+ 2p+Q (12, 9MeV )3He+ T −→ 4He+ p+ n+Q (12, 1MeV ) 51%

” −→ 4He+D +Q (9, 5MeV ) 43%” −→ 4He (0, 5MeV ) + p (11, 9MeV ) −

+ n (1, 9MeV ) +Q (14, 3MeV ) 6%D + 6Li −→ 2 4He+Q (22, 4MeV )p+ 6Li −→ 4He+ 3He+Q (4, 0MeV )3He+ 6Li −→ 2 4He+ p+Q (16, 9MeV )p+ 11Be −→ 3 4He+Q (8, 7MeV )

calcule as energias cinéticas das partículas ou núcleos resultantes das reações com pro-dutos binários. A reaçãoD+D pode ocorrer por dois diferentes processos eqüiprováveis,enquanto que a reação 3He + T , pode se dar por três diferentes caminhos, com as re-spectivas probabilidades, dadas na últimas coluna.

6. Reescreva a Eq. (12.21) mudando para a variável energia cinética não relativís-tica E = µv2/2.

7. Deduza a expressão da energia (12.22) e mostre porque na Eq. (12.36) o fatorcoulombiano pode ser escrito como

exp

"−31, 41 Z1Z2

µA

E (keV )

¶1/2#.

Qual é o valor do expoente para dois prótons colidentes a uma energia de 2 keV noRCM? E para uma energia de 200 keV ? O que você conclui?

8. Considere um gás de nêutrons em seu estado fundamental, com densidade demassa ρ variando de 1011 a 1016 gm cm−3. Calcule a energia de Fermi como funçãode ρ. Note que em algum ponto o gás de nêutrons começa a se tornar relativístico, istoé, a relação entre energia e momentum linear é relativística. Em que intervalo de densi-dades deve-se começar a usar a fórmula relativística?

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12.9 Bibliografia 401

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