fismoderna

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ısica Moderna Texto de apoio para docentes do 12 o ano J. E. Villate Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Setembro de 2005 Este artigo faz parte do material preparado pelos autores do manual Eu e a F´ ısica - 12 o ano [1], para uma acc ¸˜ ao de formac ¸˜ ao com o objectivo de colaborar com os docentes do 12 o ano na preparac ¸˜ ao da implementac ¸˜ ao do novo programa de f´ ısica a entrar em vigor no ano lectivo 2005-2006. 1 Introduc ¸˜ ao Para manter vivo o interesse do alunos pela f´ ısica ´ e necess´ ario envolver v´ arios sectores sociais: os media, pais de fam´ ılia, docentes, empres´ arios e industriais. Esse envolvimento passa por identificar a f´ ısica como ciˆ encia essencial para compreender o mundo actual e para dinamizar o desenvolvi- mento tecnol´ ogico e a inovac ¸˜ ao. Em grande parte dos fen´ omenos com que o cidad˜ ao moderno ´ e confrontado est´ a presente a f´ ısica moderna. Para explicar os conceitos f´ ısicos subjacentes ` a f´ ısica moderna n˜ ao ´ e preciso utilizar mecanismos matem´ aticos complicados. Assim, os fundamentos da f´ ısica moderna, que n˜ ao faziam parte dos antigos curr´ ıculos da f´ ısica do ensino secund´ ario, podem ser leccionados nessa fase do ensino. A principal vantagem da introducc ¸˜ ao da f´ ısica moderna no actual programa do 12 o ano ser´ a uma maior motivac ¸˜ ao dos alunos. Os alunos, do ensino secund´ ario, e a sociedade contemporˆ anea em geral, s˜ ao muito mais receptivos aos temas da f´ ısica moderna do que aos aspectos t´ ecnicos da f´ ısica cl´ assica. O ensino da f´ ısica ao n´ ıvel secund´ ario deveria ser orientado para os conceitos, mais do que para a resoluc ¸˜ ao de problemas. A assimilac ¸˜ ao de conceitos ´ e facilitada pela discuss˜ ao com professores, colegas, familiares e amigos, actividades essas que s˜ ao mais frequentes durante o ensino b´ asico e secund´ ario do que no ensino superior. O treino na resoluc ¸˜ ao de problemas pode ser feito em forma mais individual, durante ensino superior, quando o aluno ´ e mais aut´ onomo e tem uma melhor preparac ¸˜ ao matem´ atica. 2 ısica moderna em acc ¸˜ ao Analisemos um exemplo da nossa realidade quotidiana onde os conceitos da f´ ısica moderna entram em acc ¸˜ ao: a compra de um novo aparelho de televis˜ ao. Hoje em dia os prec ¸os dos televisores de ´ ecran de plasma [2] ou de cristal l´ ıquido (LCD) [3] j´ a desceram suficientemente para que sejam uma boa opc ¸˜ ao em relac ¸˜ ao aos televisores de tubo de raios cat´ odicos (CRT) [4]. 1

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Livro de Física.

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  • Fsica ModernaTexto de apoio para docentes do 12o ano

    J. E. VillateFaculdade de Engenharia da Universidade do Porto

    Setembro de 2005

    Este artigo faz parte do material preparado pelos autores do manual Eu e a Fsica - 12o ano [1], parauma accao de formacao com o objectivo de colaborar com os docentes do 12o ano na preparacaoda implementacao do novo programa de fsica a entrar em vigor no ano lectivo 2005-2006.

    1 Introducao

    Para manter vivo o interesse do alunos pela fsica e necessario envolver varios sectores sociais: osmedia, pais de famlia, docentes, empresarios e industriais. Esse envolvimento passa por identificara fsica como ciencia essencial para compreender o mundo actual e para dinamizar o desenvolvi-mento tecnologico e a inovacao. Em grande parte dos fenomenos com que o cidadao moderno econfrontado esta presente a fsica moderna.Para explicar os conceitos fsicos subjacentes a` fsica moderna nao e preciso utilizar mecanismosmatematicos complicados. Assim, os fundamentos da fsica moderna, que nao faziam parte dosantigos currculos da fsica do ensino secundario, podem ser leccionados nessa fase do ensino.A principal vantagem da introduccao da fsica moderna no actual programa do 12o ano sera umamaior motivacao dos alunos. Os alunos, do ensino secundario, e a sociedade contemporanea emgeral, sao muito mais receptivos aos temas da fsica moderna do que aos aspectos tecnicos da fsicaclassica.

    O ensino da fsica ao nvel secundario deveria ser orientado para os conceitos, mais do que para aresolucao de problemas. A assimilacao de conceitos e facilitada pela discussao com professores,colegas, familiares e amigos, actividades essas que sao mais frequentes durante o ensino basico esecundario do que no ensino superior. O treino na resolucao de problemas pode ser feito em formamais individual, durante ensino superior, quando o aluno e mais autonomo e tem uma melhorpreparacao matematica.

    2 Fsica moderna em accao

    Analisemos um exemplo da nossa realidade quotidiana onde os conceitos da fsica moderna entramem accao: a compra de um novo aparelho de televisao. Hoje em dia os precos dos televisores deecran de plasma [2] ou de cristal lquido (LCD) [3] ja desceram suficientemente para que sejamuma boa opcao em relacao aos televisores de tubo de raios catodicos (CRT) [4].

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  • Uma pessoa que for comprar um televisor, podera questionar-se sobre as vantagens e desvantagensde comprar um televisor de CRT, LCD ou plasma. O princpio de funcionamento dos 3 tipos demonitor envolve alguns conceitos da fsica moderna. E natural que os consumidores possam temeralgum efeito nocivo para a sua saude quando ouvem falar de termos cientficos como plasma oucanhao de electroes. Na realidade o plasma presente em cada pixel do ecran de plasma e o mesmoplasma que existe em qualquer lampada fluorescente, mas em escala muito menor, e a energia doselectroes e muito baixa para constituir qualquer risco a` saude.De facto, o mecanismo de producao da luz e o mesmo nos tres casos: fosforescencia de umacamada de fosfato no ecran. O que e diferente em cada caso e a forma como e desencadeada afosforescencia: com um feixe de electroes (CRT), com um gas quente (plasma) ou com uma luzbranca que passa atraves de um cristal polarizador (LCD). A vantagem real dos novos tipos deecran, em relacao aos ecrans de CRT, e que a luz produzida em cada pixel e constante. No CRT ovarrimento do feixe de electroes produz uma luz oscilante que cansa mais a vista.

    3 Fracassos da fsica classica

    A fsica moderna nasce dos problemas surgidos no fim do seculo XIX quando foram associadas3 areas da fsica classica ja bastante maturas: a mecanica, o electromagnetismo e a termodinamica.A pesar dos grandes sucessos da fsica classica, apareciam algumas experiencias que produziamresultados que contrariavam as conclusoes da fsica classica. Dentre esses resultados problematicosdestacam-se a radiacao do corpo negro, o efeito fotoelectrico e o fracasso das tentativas paramedir a velocidade da luz no eter.

    3.1 Radiacao do corpo negro

    Nos objectos isolados existe um unico mecanismo para o seu arrefecimento/aquecimento: trans-ferencia de calor por radiacao. A primeira lei da termodinamica permite demonstrar facilmenteque o calor radiado, por um objecto, com temperatura absoluta T , e proporcional a T 4 (lei deStefan-Boltzmann). A constante de proporcionalidade depende da emissividade do objecto, no-meadamente, da facilidade com que a sua superfcie deixa passar a radiacao incidente.Um corpo negro e um objecto ideal com superfcie que deixa sair toda a radiacao produzida no seuinterior; consequentemente, toda a radiacao incidente e absorvida. O teorema de equiparticaoda energia, implica que, a energia radiada, dentro de um intervalo de comprimentos de onda, eproporcional ao numero de possveis modos de oscilacao nesse intervalo. Um argumento simplesmostra que esse numero de modos de oscilacao (possveis ondas) aumenta quando o comprimentode onda diminui. Isto e, as ondas com menores cumprimentos de onda seriam mais faceis deproduzir e um corpo quente deveria produzir mais luz violeta do que vermelha, independentementeda temperatura.Nao e isso o que se observa experimentalmente. Todos sabemos que se uma barra metalica eaquecida comeca por emitir luz vermelha e a` medida que a temperatura aumenta, essa luz mudade cor tornando-se mais branca. Assim, existe uma relacao entre a temperatura do objecto e ocomprimento de onda da luz emitida. Uma medicao mais precisa mostra que a potencia da luzemitida atinge um valor maximo para um comprimento de onda que e menor quanto maior for atemperatura (figura 1).Em vez da curva experimental da figura 1, a fsica classica conduz a uma hiperbole que cresce ateinfinito quando o comprimento de onda se aproxima de zero, resultado esse que nao faz sentido, e

    2

  • 0 /m

    P

    0.5 1.0 1.5 2.0

    0.1

    0.2

    6000 K

    5000 K

    4000 K

    Figura 1: Potencia da radiacao emitida por um corpo negro, em funcao do comprimento de onda,para tres temperaturas diferentes.

    que foi designado por catastrofe do ultravioleta.

    3.2 Efeito fotoelectrico

    O efeito fotoelectrico foi descoberto por Hertz, em 1887, nas mesmas experiencias em que demons-trou experimentalmente a existencia das ondas electromagneticas postuladas por Maxwell. Hertzobservou que a passagem de corrente entre dois electrodos metalicos era facilitada iluminando-oscom luz.

    Com a descoberta do electrao, em 1897, ficou claro que a causa do efeito fotoelectrico e a extraccaode electroes de um metal, quando e atingido por radiacao electromagnetica. A energia electro-magnetica transportada pela luz e absorvida por alguns electroes do metal, fazendo com que con-sigam fugir a` barreira de potencial que os mantem presos dentro do metal.Esse efeito explica o funcionamento das celulas fotoelectricas (figura 2). Uma celula fotoelectricasimples resulta da uniao entre dois semicondutores de tipo p e n. O semicondutor do tipo p ficacom maior potencial do que o semicondutor n, impedindo a passagem dos electroes de conducaodo semicondutor p para o n. Quando o semicondutor do tipo p e atingido por um feixe de luz,libertam-se electroes que passam para o condutor n e podem circular por um circuito externodevido a` diferenca de potencial entre os dois semicondutores. A celula actua como uma fonte detensao com electrodos positivo e negativo nos semicondutores p e n.O paradoxo em torno do efeito fotoelectrico e que, quando se aumenta a intensidade da radiacao in-cidente no metal, o numero de electroes extrados aumenta, mas a energia cinetica de cada electraonao aumenta. No entanto, essa energia cinetica aumenta quando se aumenta a frequencia da luz(mudanca da cor), algo que pareceria nao ter qualquer relacao fsica com o efeito. De facto, existeuma frequencia limiar, na qual a energia cinetica dos electroes aproxima-se de zero e, assim, naoexiste extraccao de electroes se a luz tiver uma frequencia menor do que esse valor.

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  • Luzincidente

    tipo ptipo n

    R I

    Figura 2: Celula fotoelectrica. A luz incidente no semicondutor do tipo p, faz passar electroespara o semicondutor do tipo n, produzindo corrente electrica.

    3.3 Velocidade da luz no eter

    Na teoria electromagnetica a velocidade da luz no vacuo aparece como constante fundamentaldependente das propriedades electromagneticas do vacuo. Assim, a velocidade no vacuo deveriaser constante. Mas parece obvio que a velocidade de uma onda devera mudar se o meio onde sepropaga se encontrar em movimento. Uma velocidade universal de propagacao so faz sentido sefor medida em relacao a algum meio. Foi postulada a existencia de um meio hipotetico, imaterial,designado de eter, no qual se propagariam os campos electromagneticos.A medicao da velocidade da luz em diferentes referenciais deveria permitir determinar a velocidadedesses referenciais, em relacao ao eter. Muitas experiencias foram feitas, usando luz provenientedas estrelas ou luz produzida por fontes na Terra. Todas essas experiencias falhavam na deteccaode qualquer modificacao da velocidade da luz; nao era possvel observar diferencas na velocidadeda luz quando a fonte e/ou o observador estavam em movimento. Por cada nova experiencia quefracassava, aparecia uma nova teoria que admitia que o eter era arrastado parcialmente pela fonteou pelo observador em movimento. O arraste do eter nao parecia seguir nenhuma regra simplesque pudesse ser determinada sem ambiguidade, mas parecia apenas um artifcio que precisava serajustado para cada experiencia.A actividade de investigacao intensa nessa area levou Michelson a conceber varios dispositivosexperimentais para detectar variacoes na velocidade da luz num referencial em movimento. Aevolucao desses dispositivos resultou no desenvolvimento do interferometro designado de inter-ferometro de Michelson (figura 3), onde e possvel eliminar de forma mais clara qualquer efeitodo arraste do eter.No interferometro de Michelson, um feixe de luz e separado em dois feixes perpendiculares, pormeio de um espelho semitransparente que reflecte parte da luz e deixa passar outra parte. Os doisfeixes, provenientes da mesma fonte, sao reflectidos por dois espelhos fazendo com que regressemnovamente ao espelho semitransparente, misturando-se novamente para produzir um padrao deinterferencia que pode ser observado num ecran.A distancia percorrida pelos dois feixes pode ser ajustada com precisao. Uma pequena variacaono tempo que demora um dos feixes a percorrer o seu percurso, pode ser observada atraves dadeslocacao do padrao de interferencia. Se a velocidade da luz fosse diferente em diferentesdireccoes (devido ao movimento da Terra), quando se rodasse o interferometro o padrao de in-terferencia deveria deslocar-se. Michelson e Morley realizaram essa experiencia sem observarnenhum efeito da translacao da Terra na velocidade da luz. O que observaram foi que a velocidadeda luz era a mesma em todas as direccoes.

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  • Figura 3: O interferometro de Michelson permite detectar diferencas entre os percursos da luzem duas direccoes perpendiculares.

    4 Teoria da Relatividade

    A teoria da relatividade nasce a partir dos postulados de Einstein para explicar o fracasso dastentativas de medir as diferencas na velocidade da luz em diferentes referenciais. E uma teoriamuito simples do ponto de vista matematico, mas que conduz a resultados surpreendentes quecontrariam o senso comum e as previsoes da mecanica classica.Para compreender a teoria da relatividade e preciso ter bem clara a origem dos resultados damecanica classica que sao contrariados pela teoria da relatividade. Nomeadamente, a lei de adicaodas velocidades transformacao de Galileu.Para explicar a teoria da relatividade, convem pensarmos em termos de eventos fsicos. Um eventoe algo que acontece num ponto do espaco, (x, y, z), e num instante de tempo t. As medicoesfsicas consistem no registo de dois eventos diferentes. Por exemplo, para medirmos um intervalode tempo, t, observamos dois eventos: a posicao dos ponteiros do relogio em dois instantesdiferentes. Para medirmos o comprimento de uma barra, L, comparamos dois eventos simultaneos:a passagem dos dois extremos da barra por dois pontos P e Q, no mesmo instante t. Do ponto devista classico, os valores obtidos, para o intervalo de tempo, t, e para o comprimento da barra,L, serao os mesmos, independentemente de que os eventos tenham acontecido num referencialestatico ou em movimento.

    Na teoria da relatividade de Einstein, e preciso lembrar que a velocidade da luz devera ser semprea mesma em qualquer referencial. Se considerarmos eventos que tenham a ver com a passagemde um raio de luz, poderemos aplicar o princpio da invariancia da velocidade da luz para com-parar eventos em dois referenciais diferentes. Vamos explicar essa metodologia com um exemploconcreto: a deducao da expressao para a dilatacao do tempo nos referenciais em movimento.A figura 4 mostra dois eventos E1 e E2. E1 consiste no envio de um raio de luz na direccaoperpendicular a um espelho plano, e E2 e a chegada do raio de luz a` fonte, apos ter sido reflectidopelo espelho, que se encontra a uma distancia d da fonte. O intervalo de tempo entre os dois

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  • Espelho Espelho

    E1 E2 E1 E2

    d

    vt

    v

    Figura 4: Dois eventos E1 e E2, observados em dois referenciais em movimento relativo.

    eventos, que designaremos por t , e o tempo que demora a luz a percorrer a distancia total, 2d

    t = 2dc

    (1)

    onde c e a velocidade da luz.Num segundo referencial, onde a fonte e o espelho aparecem em movimento, com velocidade v nosentido positivo do eixo dos x, enquanto a luz vai ate o espelho e regressa a` fonte, a fonte desloca-se uma distancia vt, onde t e o intervalo de tempo entre os dois eventos, medido no segundoreferencial. O raio de luz percorre os dois lados iguais de um triangulo isosceles com base igual avt e altura d. E de salientar que a distancia entre a fonte e o espelho, d, devera ser a mesma nosdois referenciais, pois nao existe movimento relativo entre eles, segundo a direccao y. Assim, nosegundo referencial, a distancia total percorrida pela luz e igual a:

    v2t2+4d2 =

    v2t2+ c2t 2 (2)(o termo no lado direito foi obtido por substituicao da equacao 1). Essa distancia, dividida pelotempo entre os dois eventos, no segundo referencial, t, devera ser igual a` velocidade da luz, c.Assim, obtemos a relacao que expressa a dilatacao do tempo no referencial em que a fonte de luze o relogio estao em movimento:

    t = t

    1 (v/c)2 (3)

    Existe muita evidencia experimental que corrobora a teoria da relatividade, e esta e, hoje em dia,parte importante da fsica do quotidiano e nao apenas uma teoria abstracta. Um exemplo e adilatacao do tempo de vida dos muoes nos raios cosmicos devido ao seu movimento [5].

    5 Introducao a` Fsica Quantica5.1 Teoria quantica

    Em 1900, Max Planck conseguiu explicar o espectro de radiacao do corpo negro, postulando quea energia de oscilacao dos atomos no corpo negro nao muda em forma contnua, mas em formadiscreta. Nomeadamente, a energia aumenta em multiplos inteiros de um quantum de energia

    E = h f (4)onde f e a frequencia de oscilacao e h e uma constante (constante de Planck) medida experimen-talmente.

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  • Combinando essa hipotese quantica com o teorema de equiparticao da energia, Planck obteve umacurva que reproduz perfeitamente o resultado experimental apresentado na figura 1.Assim, um oscilador quantico tem nveis discretos de energia e a distancia entre os nveis deenergia modos de oscilacao aumenta a medida que o comprimento de onda diminui. Assim,quando o comprimento de onda se aproxima para zero, o numero de modos de oscilacao e portanto,a energia, aproximam-se para zero (figura 1), evitando-se a catastrofe ultravioleta da fsica classica.

    5.2 Teoria dos fotoes

    Em 1905, no mesmo ano em que publicou a sua teoria da relatividade, Albert Einstein explicouo efeito fotoelectrico, com uma teoria muito simples, que lhe valeu a atribuicao do premio Nobelanos mais tarde. Segundo Einstein, a energia da luz so pode ser produzida e absorvida em pacotesde energia (fotoes) que correspondem aos quanta de energia postulados por Planck na radiacao docorpo negro.

    Assim a libertacao de um electrao de um metal, no efeito fotoelectrico, e devida a` absorcao de umfotao por parte do electrao. A energia cinetica com que ficara o electrao apos a sua sada do metal,sera assim a energia do fotao absorvido, menos a energia de ligacao do electrao no metal. Comoa energia do fotao e directamente proporcional a` sua frequencia, existira uma frequencia mnimapara que exista efeito fotoelectrico, que corresponde a` energia de ligacao dos electroes no metal esera diferente para cada metal.

    0

    f

    Ec

    f1 f2

    Meta

    l 1

    Meta

    l 2

    Figura 5: Relacao entre a energia cinetica dos electroes extrados por efeito fotoelectrico, e afrequencia da luz incidente, para dois metais diferentes.

    Por cima da frequencia mnima, a energia cinetica dos electroes libertados aumentara directamenteproporcional a` frequencia da luz. Obtem-se assim a relacao apresentada na figura 5, que e corrobo-rada experimentalmente com bastante precisao. O declve das rectas e igual para qualquer metal ee exactamente igual a` constante de Planck que ja tinha sido obtida observando a radiacao do corponegro.

    Antes do famoso artigo de Einstein em 1905, ja tinha sido resolvido um debate de varios seculosentre as teorias ondulatoria e corpuscular da luz [6]. Ja desde o seculo XIX existia suficienteevidencia para demonstrar claramente que a luz era uma onda electromagnetica e nao um conjuntode corpusculos, como tinha pensado Newton. A teoria dos fotoes de Einstein veio reavivar odebate.Ao final a luz e tanto onda como partcula (fotoes). Designou-se esse comportamento de dualidadeonda-partcula, o qual constitui um paradoxo do ponto de vista classico.

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  • 5.3 Modelos atomicos

    A teoria dos fotoes proposta por Einstein permitiu associar a termodinamica, o electromagnetismoe a mecanica, numa nova perspectiva, usada por uma nova geracao de fsicos, como ponto departida para desenvolver o modelo atomico da materia.No incio do seculo XX ja existia muita evidencia emprica, na area da fsica atomica, que naopodia ser explicada com um modelo em que o atomo for semelhante a um pequeno sistema solar.Um exemplo e o espectro de emissao, ou de absorcao, dos atomos: quando um gas e excitadoproduz luz que com alguns comprimentos de onda bem definidos que seguem uma sequenciamatematica simples designada por espectro de emissao (figura 6). Se o gas for atravessado por luzbranca, sao absorvidas as componentes da luz com uma sequencia de comprimentos de onda quecorrespondem exactamente a` mesma serie do espectro de emissao.

    Espectro de emisso do tomo de hidrognio

    Espectro de absoro do tomo de hidrognio

    nm 656486434410

    Figura 6: Espectros de emissao e de absorcao do atomo de hidrogenio. A luz e emitida, ouabsorvida, em alguns comprimentos de onda bem definidos, que formam uma sequencia

    matematica simples.

    As series espectrais sao caractersticas proprias de cada atomo e sao usadas para identificar, combastante precisao, a composicao qumica das estrelas, observando a luz que produzem. No entanto,do ponto de vista classico, o movimento circular dos electroes a` volta do nucleo atomico deveriaproduzir luz com a mesma frequencia desse movimento circular. Por outro lado, a terceira lei deKepler permite associar a frequencia do movimento circular ao raio da orbita. As series espectraisimplicam que o movimento orbital dos electroes no nucleo so pode ter uma sequencia bem definidade raios, caractersticos de cada elemento qumico. Isso e algo que nao acontece, por exemplo, como sistema solar ou com os satelites da Terra; podemos colocar um satelite em orbita, com qualquerraio orbital arbitrario, se tiver a velocidade necessaria para produzir a frequencia associada a essaorbita.Em consequencia das tentativas para explicar os fenomenos atomicos, surge uma nova mecanica:mecanica quantica. Dois conceitos basicos da mecanica quantica sao a dualidade onda-partculae o princpio da incerteza.Como vimos, o efeito fotoelectrico torna evidente o caracter dual onda-partcula da luz. Masexiste muita evidencia experimental que demonstra que a mesma dualidade onda-partcula existepara qualquer outro tipo de materia ou energia. Por exemplo, os electroes e protoes sofremdifraccao, como se fossem uma onda, quando passam atraves de um cristal. Na mecanica quantica,a dualidade onda-partcula e aceite como algo natural e proprio de qualquer tipo de materia-energia.A energia e transportada de um ponto para outro na forma de uma onda, mas e absorvida ou emitidaem nveis discretos, na forma de partculas (quanta de energia).O princpio de incerteza e consequencia da relacao que existe entre a energia e a frequencia,equacao 4, corroborada tambem em todas as experiencias referidas acima. Relacao essa que im-

    8

  • plica uma relacao directa entre o comprimento de onda e o momento linear de uma onda-partcula:

    = hp

    (5)

    Para podermos observar objectos mais pequenos, o objecto observado devera ser iluminado comradiacao de comprimento de onda menor, mas essa radiacao tera um momento linear maior quee transferido para o objecto que esta a ser observado. Um aumento da precisao na medicao dedistancias conduz a` diminuicao na precisao da medicao de momentos lineares.O princpio de incerteza explica tambem porque existem atomos estaveis. Do ponto de vistaclassico, a rotacao de um electrao a` volta de um nucleo deveria produzir uma radiacao electro-magnetica, dando origem a uma perda de energia, suficientemente elevada para que o electraofosse absorvido pelo nucleo rapidamente. Admitindo uma orbita circular, a forca centrpeta queproduz o movimento do electrao num nucleo de hidrogenio e a forca electrostatica com o protaono nucleo:

    mv2

    r=

    ke2r2

    (6)onde k e a constante de Coulomb, e a carga elementar, m a massa do electrao, v o modulo da suavelocidade e r o raio da orbita. A partir dessa relacao, obtemos o valor seguinte para o produtoentre o momento linear e o raio da orbita:

    pr = e

    kmr (7)

    portanto, pr aproxima-se de zero, a` medida que o electrao se aproxima do nucleo.Do ponto de vista quantico, o produto pr nao pode diminuir indefinidamente, pois o princpio deincerteza diz que

    pr h/4pi (8)Como p e r sao ambas grandezas positivas, as incertezas nas suas medicoes, p e r, nao podemultrapassar os valores das proprias variaveis. Isto e:

    pr pr (9)

    e combinando as equacoes 7, 8 e 9, conclui-se que

    r h2

    16pi2kme2 (10)

    Usando os valores conhecidos de h, e, k e m, obtemos

    r 1,331011 m (11)

    isto e, o raio da orbita mais pequena em que pode estar o electrao (atomo estavel), e da ordem dascentesimas de nanometro. Essa e, de facto, a ordem de grandeza medida experimentalmente. Umcalculo mais preciso, usando a equacao de Schrodinger, permite obter o valor mais aproximado de5 centesimas de nanometro.A mecanica quantica constitui a base fsica para explicar a origem das reaccoes qumicas e daspropriedades qumicas da materia. Embora a sua interpretacao filosofica seja ainda alvo de agitadosdebates na comunidade cientfica, a grande quantidade de fenomenos fsicos que consegue explicarnao deixam duvida acerca da sua veracidade.

    9

  • 6 Nucleos atomicos e radioactividade

    As reaccoes qumicas e a ligacao entre diferentes atomos sao consequencia da transicao de electroesentre diferentes nves de energia nos atomos. O espectro atomico de nveis de energia e determi-nado pela forca electromagnetica entre electroes e nucleos atomicos.Na escala do nucleo atomico tambem existe uma estrutura interna e um espectro de nveis deenergia. Os nveis de energia dos nucleoes (protoes e neutroes), no nucleo, e determinado por umaforca designada de forca forte.Os nucleoes (isolados ou a formarem um nucleo) podem ser combinados para dar origem a novosnucleos maiores fusao nuclear e um nucleo grande pode dividir-se dando origem a doisnovos nucleos menores fissao nuclear. A nivel nuclear, esses mecanismos sao o equivalentedas reaccoes qumicas a nvel atomico. A grande diferenca esta em que as energias envolvidas nasreaccoes nucleares sao muito mais elevadas do que as energias das reaccoes qumicas.Existem outros tipos de reaccoes nucleares, que envolvem a transformacao de um neutrao emprotao, ou ao contrario, e cujo mecanismo fsico e uma outra forca nuclear designada de forcafraca. Os nucleos podem tambem produzir/absorver luz, quando os nucleoes passam de umnvel energetico para outro. E um processo perfeitamente analogo a` producao/absorcao de luznos atomos, mas, como as diferencas de energias entre nveis e muito maior, a energia da radiacaoemitida raios gama e muito maior do que a radiacao visvel.

    7 A fsica moderna no laboratorio

    Nao sao precisas experiencias muito complicadas para estudar os fenomenos quanticos. Esse tipode fenomenos esta presente em experiencias simples, como as que serao descritas ja a seguir.No caso da teoria da relatividade, para observar a contraccao do espaco ou a dilatacao do tempoe preciso usar velocidades muito maiores das que podemos produzir com experiencias simples;esse tipo de velocidades sao comuns nos aceleradores de partculas. No entanto, existem muitosoutros fenomenos naturais onde estao implcitas as consequencias da famosa equacao relativistaE = mc2. Por exemplo, um prego de ferro a enferrujar dentro de um contentor com agua, fechadohermeticamente. O processo de oxidacao do ferro liberta calor que e transferido para o exterior; osistema perde energia, o qual se traduz numa diminuicao da sua massa, embora seja pequena, emfuncao do tempo [5]

    7.1 Celulas fotoelectricas

    Hoje em dia, o efeito fotoelectrico e utilizado para construir celulas fotoelectricas (figura 2), quegeram electricidade a partir da luz. Existem no mercado calculadoras electronicas com precosbastante acessveis, que usam uma celula fotoelectrica como fonte de electricidade. Essa celulafotoelectrica pode ser extrada para fazer demonstracoes na sala de aula. Ligando um ampermetroa` celula, consegue-se medir a corrente produzida quando a celula e iluminada.

    7.2 Dodos emissores de luz

    Nos dodos emissores de luz (LED) usa-se o efeito oposto ao efeito fotoelectrico, para produzirluz. Um LED esta formado por dois semicondutores do tipo p e n, tal como a celula fotoelectrica

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  • da figura 2. Quando se liga uma fem, produzindo um potencial maior no semicondutor p, circulacorrente atraves do LED, no sentido oposto ao sentido indicado na figura 2, e e emitida luz mono-cromatica cada vez que um electrao passa do semicondutor n para o p. Diferentes LEDs (figura 7)produzem luzes de diferentes cores, por serem construdos com semicondutores diferentes. A corda luz emitida nao depende da cor do plastico usado a` volta do LED.

    Figura 7: Varios tipos diferentes de LED. Cada algarismo num display numerico esta formadopor 8 LEDs.

    7.3 Caracterstica de um LED

    Um LED pode ser usado para realizar experiencias muito simples na sala de aula. Por exemplo,para determinar a curva caracterstica do LED, podemos usar o circuito representado no diagramada figura 8.

    9 V

    LED

    1 k

    Figura 8: Circuito para determinar a caracterstica tensao-corrente de um LED.

    A resistencia variavel usada e um potenciometro com resistencia na ordem dos k. A fonte detensao pode ser uma pilha comum de 9 V. O LED devera ser ligado em serie a uma resistencia deaproximadamente 1 k, para limitar a corrente, pois um LED queima-se facilmente se a correnteultrapassar algumas dezenas de mA. Ligam-se um voltmetro e um empermetro, em paralelo eem serie com o LED. Rodando o eixo do potenciometro obtem-se varios valores diferentes detensao-corrente.

    A figura 9 mostra o resultado dessa experiencia, realizada com um LED vermelho. A ordenadana origem e a forca contraelectromotriz, do LED, isto e, a energia electrica, por unidade decarga, que e transformada em luz no dodo. A energia que um electrao perde, quando atravessa a

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  • diferenca de potencial , na interface entre os dois semicondutores, e transformada na energia dofotao produzido. Assim:

    e = h f (12)Para os dados experimentais apresentados na figura 9, o resultado da regressao linear produz

    = 1,825 V (13)

    0

    I (mA)

    V (V)

    1 2 3 4 5 6 7

    11

    22

    V = 0,028 I + 1,825

    Figura 9: Caracterstica tensao-corrente de um LED vermelho.

    Se a experiencia for repetida com LEDs de diferentes cores, observa-se que a forca contraelectro-motriz dos LEDs e directamente proporcional a` frequencia da luz (os comprimentos de onda dosLEds disponveis no mercado podem ser obtidos na referencia [7]). A constante de proporcionali-dade e a constante de Planck.Portanto, a experiencia anterior permite calcular a constante de Planck a partir da equacao 12,usando o valor da carga elementar e = 1,6 1019 C, e sabendo que a frequencia da luz dosLED vermelhos e f = 4,545 1014 Hz (dado obtido pelo fabricante por meios opticos). O valorque obtemos e h = 6,78 1034 Js, que e apenas 2% maior do que o valor aceite actualmente:h = 6,6261034 Js.

    Referencias

    [1] N. Maciel, M. M. Gradim, M. J. Campante e J. E. Villate. Eu e a Fsica, 12o ano. Porto Editora,Porto, 2005.

    [2] T. Harris. How Plasma Displays Work.http://www.howstuffworks.com/plasma-display.htm (consultado em 2005-08-30).

    [3] J. Tyson. How LCDs Work. http://www.howstuffworks.com/lcd.htm (consultado em2005-08-30).

    [4] M. Brain. How Television Works. http://www.howstuffworks.com/tv.htm (consultado em2005-08-30).

    [5] B. Crowell. Simple Nature: an Introduction to Physics for Engineering and Physical ScienceStudents. 2005. http://www.lightandmatter.com/area1sn.html

    [6] J. E. Villate. Exposicao de Experiencias sobre a Luz. 2005. http://fisica.fe.up.pt/luz/[7] J. Hewes. Light Emitting Diodes (LEDs).

    http://www.kpsec.freeuk.com/components/led.htm (consultada em 2005-08-30).

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