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SDL - 1 - Sumário de entrevista
Dirce Lins Machado Coelho
Fita 01: Profissão do avô materno: - Era juiz no Serro. O pai: - Era promotor no Serro. - Quando ele se casou com a mãe de Dirce, ele foi transferido como juiz para
Salinas. - Dirce caracteriza o pai como um homem bastante exigente e bravo, mas justo
e muito carinhoso. - Ela se acha parecida com o pai. As transferências do pai: - De Salinas, o pai foi transferido para Peçanha, local de nascimento das duas
irmãs de Dirce. - Depois, ele foi para Santa Luzia, e por lá ficou seis anos. - A terceira transferência foi para Lavras, onde a família residiu por oito anos.
Foi nesse período que elas estudaram no Santa Maria. - E, finalmente, o pai veio para Belo Horizonte, dessa vez como desembargador. A mãe: - Nasceu no Serro, que era uma terra de tradição e de gente culta. - Não era carinhosa, e também exigia muito dos filhos. - Não trabalhava fora, mas ajudou a manter as filhas aqui, pois, por exemplo, ela
própria fazia todas as roupas da família, para economizar. - Queria que as filhas estudassem. Relacionamento dos pais: - Era muito bom. Fábio, o irmão mais velho: - É dois anos mais velho que Dirce. - Todos da casa tinham verdadeira paixão por ele. - O pai era muito duro com Fábio, pois achava que a formação de um homem
exigia isso, mas o resto da família o paparicava muito. - Contrariando a vontade do pai, que queria que ele seguisse carreira na justiça,
Fábio quis ser militar. - Sempre morou longe, porque foi muito cedo para a Escola Militar, e depois
de formado serviu em outros estados e no exterior. Maria do Carmo, a irmã do meio: - Sempre se deram muito bem. - Foi contemporânea de Dirce no Colégio Santa Maria. - Ao contrário de Dirce, sempre foi pouco disciplinada. - Foi casada duas vezes, mas não teve sorte em nenhum dos dois casamentos.
Para Dirce, a separação traz conseqüências para os filhos.
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Dirce Lins Machado Coelho
Algumas das peripécias da irmã: - Deu um tombo em uma irmã, para ver se ela era careca ou não. - Entrou na clausura. - Começou a paquerar um garoto do Estadual Central, em uma parada de Sete
de Setembro, e fugiu para vê-lo, no bosque, durante a noite. - Colava. - Quando ela pegou caxumba, tentava contaminar as amigas, para que ficassem
todas juntas na enfermaria. - O pai dizia que se Maria do Carmo fosse expulsa seria um escândalo em
Lavras. Ana Delina, a irmã mais nova: - O relacionamento com ela não é dos melhores, mas isso é superável. - É solteira. Local e data de nascimento: - Dirce Lins nasceu em Salinas, no período em que o pai estava trabalhando
nessa cidade. Mas, ela deixou Salinas com nove meses, e não retornou mais lá.
- Data de nascimento: 13 / 07 / 1925 Primeira viagem: - Ela viajou em um coixote na cabeça de um homem de Salinas até Montes Claros. Na época, o trajeto era concluído em 11 dias. Em Montes Claros, o carro do avô os recebeu e os levou até o Serro. O que levou Dirce a estudar no Colégio Santa Maria: - A mãe de Dirce era encantada com a educação das filhas do chefe político de Salinas, Coronel Idalino Ribeiro, que estudavam no Santa Maria, e sonhava, desde que suas filhas eram pequenas, que elas iriam estudar em tal colégio. - O Santa Maria era muito bem visto pela sociedade. - Era o melhor colégio de Belo Horizonte, e tinha o orgulho de formar boas
mães de família. Trajetória escolar: - Dirce terminou o primário em Lavras. - Ela começou a cursar o ginásio em um colégio de freiras da mesma cidade. - Lavras, na época, tinha dois colégios, um de freiras e um protestante, que era
muito afamado. Mas os católicos que estudavam em colégio protestante, segundo Dirce, poderiam ser excomungados, então elas optaram pela outra opção.
- Como o tal colégio de freiras era muito fraco, e sua mãe queria muito que elas viessem estudar no Colégio Santa Maria, elas terminaram vindo como internas.
- A vinda para o Santa Maria teve um reflexo negativo na cidade, pois eles viam essa opção como pedantismo, afinal de contas o colégio protestante era um bom colégio.
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As internas: - Dirce acredita que o total de alunas internas fosse de mais ou menos cem. - Eram, geralmente, meninas do interior. - Havia uma colega interna de Dirce, que a família era de Belo Horizonte. O
pai não queria que ela namorasse com um determinado rapaz, então, a internou.
O dia de uma aluna interna: - Levantar; toalete; revista; missa; café da manhã; estudo; recreio; banho; atividades
optativas; aulas; recreio; jantar; estudos; recreio; capela; toque de recolher. Acordar: - A freira de cada dormitório era responsável por acordar as meninas que
estavam em sua responsabilidade. - As alunas eram acordadas cedo, e tinham que levantar. Os dormitórios: - Os dormitórios eram separados por idade, tinha o das menores, o das médias
e o das grandes. - Havia mais de um dormitório de cada divisão. - Dirce, quando entrou no Colégio, ficava no das menores. - Era comprido, com muitas camas dispostas em três fileiras. - A entrevistada acredita que em cada dormitório dormia umas trinta alunas. - Tinha uma tenda separada, onde dormia uma freira, responsável por aquele
dormitório. Revista: - Tudo era vistoriado, as unhas, os dentes, o cabelo, o ouvido, etc... Missa: - Logo depois da revista, as meninas se formavam na varanda e iam para a
missa na capela. - Era obrigatório ir a missa e comungar todos os dias. Café da manhã: - Era servido no refeitório, somente para as internas, porque o Santa Maria não
tinha semi-internato. - As responsáveis por servir as mesas eram as freiras. Era a sère, que eram
repensáveis por todo serviço. As meninas não tinham nenhum tarefa, nem a de arrumar a própria cama.
- As conversas eram vigiadas. Tomar banho: - As internas tinham que tomar banho com o camisolão, pois não podiam ver o
próprio corpo. - O camisolão era bem comportado: largo, comprido. - As meninas tinham que esfregar por debaixo desse camisolão.
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- Os banhos eram por turma e sempre na parte da manhã. Horário de estudo: - Para fazer os deveres e estudar. - Também era controlado por uma freira, que orientava as alunas e tirava as
dúvidas. - A subdivisão era igual a do dormitório. - Haviam salas próprias para essa atividade. Aulas: - Era no período vespertino, de 12h às 17h. - Não tinha aula nem as quintas, nem aos domingos. - As salas de aula eram parecidas com as de hoje. - Em cada uma, estudavam, mais ou menos, uns trinta alunos. - As carteiras eram de abrir. Matérias obrigatórias: - Português, matemática, francês, história, geografia, ciências, desenho, latim,
religião, educação física. - História era a matéria preferida de Dirce. Matérias optativas: - Pintura; piano; curso manager (como receber uma amiga e por uma mesa,
saber conversar e preparar pratos); bordado; canto. - Eram atividades do internato, só para internas. Professores: - O Santa Maria tinha um excelente corpo docente. - A maioria eram homens e leigos. - O relacionamento com os professores era muito bom, havia muita afinidade e
respeito. - Uma das mesas era para uma freira, que vigiava as aulas, os professores e as
alunas. Atividades do recreio e de lazer: - Brincar de roda e pegador; seções de história, organizadas pela Mère Martin;
ping-pong, vôlei; teatro; leitura (quase tudo era permitido); festinhas; campeonatos de vôlei com o Izabela.
Dias festivos: - Garden Party: Era uma festa no jardim, em que as próprias alunas serviam as
mesas. A alta sociedade de BH freqüentava essa festa, porque as meninas de elite estudavam no Santa Maria.
- Sete de Setembro: parada. - Dia de Santo Agostinho: fundador da ordem dominicana. - Semana Santa.
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As amizades dentro do Santa Maria: - As conversas eram muito vigiadas. - Amizade particular: era proibido que somente duas alunas andassem sempre
juntas, para evitar o homossexualismo. As saídas do Colégio: - Haviam dois domingos por mês em que se podia sair do Santa Maria, sendo
que o primeiro era uma saída geral e o segundo por merecimento. - Dirce terminava saindo somente um domingo, porque a sua irmã Maria do
Carmo nunca merecia a segunda saída. - Nesses dois domingos era permitido sair do colégio ou receber visitas dos
familiares. - Os pais de Dirce raramente vinham visitar as filhas, porque, de Lavras até
Belo Horizonte, se gastava doze horas de viagem. Viajar era complicado. E, alem disso, as férias dos juizes eram em agosto.
- Quando ela e a irmã saíam, elas iam para a casa dos avós, que já eram mais velhos, ou das tias. Elas não gostavam de ir para a casa dos avós.
- Elas saíam pela manhã, junto com um responsável autorizado a buscá-las pelos pais, e voltavam a noite.
- Geralmente, iam ao cinema, nesse dia. A disciplina exigida: - Havia uma grande rigidez, justificada pela grande responsabilidade de educar,
de cuidar. O próprio comportamento: - Era muito comportada, não por virtude, mas por medo de ser punida. - A única regra do Colégio que ela burlava era não comer fígado. A cruz de comportamento: - Essa cruz ficava pendurada na gola, como uma condecoração. - Quando você cometia uma falta grave, ou sucessivas faltas menos graves, você
perdia essa cruz, e tinha que entregá-la em uma sessão solene. - As alunas tinham que assumir as próprias faltas, caso não assumissem as
freiras delatavam. - O Colégio se reunia, antes do começo das aulas, no salão nobre, para essa
sessão solene. - Exemplo de falta: conversar no especial, vir para as aulas sem boina. O anjo da classe: - Era uma espécie de monitor, que tinha a função de tomar conta da turma, de
controlar a disciplina. - Ele era responsabilizado pelas atitudes da classe. - O anjo tinha um laço que o identificava. - Quando não conseguia cumprir a sua função, o anjo perdia o laço e era
vaiado.
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A História do Colégio: - Começou a funcionar perto da Praça da Estação. - Era misto. - Um dos homens que estudou lá foi o Dr. Gastão Ribeiro. - A sogra de Dirce estudou lá nessa época. Se ela estivesse viva, estaria
completando cem anos. Rivalidades: - Com o Imaculada, Dirce não sabe o porque. - Com o Sagrado Coração de Jesus, porque era de irmãs alemãs. Essa rivalidade
foi acentuada com a guerra. O uniforme: - Saia azul marinho; blusa, branca, de gola marinheiro, para fora da saia; gravata;
boina. - Cabelo: tinha que ficar preso com rede ou trançado. - Uniforme de gala: vestido bege, de manga comprida. O bonde do Colégio Santa Maria: - Era famoso. - Os rapazes de BH esperavam o bonde do Santa Maria passar na Praça Sete. - Uma freira tomava conta, para que as meninas não olhassem para os lados,
nem conversassem. - As externas pegavam o bonde todo dia. - As internas só andavam de bonde quando iam ao dentista, ou a costureira. - Uma Sra. acompanhava as internas que precisavam sair. A correspondência: - Era censurada, tanto as recebidas quanto as enviadas. - Encarregada da correspondência era mère Rose Marie. - O que era considerado importante era grifado. - Dirce ficou com trauma disso. O bosque: - Era uma incógnita, uma fascinação, assim como a clausura, talvez por ser
departamento proibido. - O bosque só era permitido em dias de festa. - As melhores alunas eram premiadas com uma tarde no bosque. A primeira menstruação: - Dirce ficou menstruada no Santa Maria. - Ela não sabia do que se tratava, chorou muito, pois pensou que estava muito
doente, que ia morrer. - A freira que explicou o que estava acontecendo para ela. - Acha que a mãe deveria ter contado antes. O custo do Colégio Santa Maria: - O Santa Maria era o melhor colégio da época, mas cobrava caro por isso.
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- O pároco da Igreja Boa Viagem, padre Álvaro Drummond, chegava a criticar,
em seus sermões, o preço do Colégio, dizendo que até o ar era cobrado. A mulher trabalhando fora: - Quando o pai foi transferido para BH, Dirce fez um concurso público e
começou a trabalhar, contra a vontade de seu pai. - Ele achava aquilo o cúmulo do absurdo e não queria que a filha trabalhasse
fora. - Quem a ajudou a conseguir uma carta de bons antecedentes e mesmo a
estudar foi o avô materno e um tio, irmão de sua mãe. - O pai de Dirce queria levá-la no primeiro dia de trabalho. A educação dos filhos: - Ela era exigente e brava com os filhos. - As filhas mais velhas estudaram no Colégio Sion, que depois virou Colégio
Santa Marcelina. O restante das mulheres e os filhos homens estudaram no Colégio Santo Antônio, com a exceção de um, que estudou no Colégio Loyola.
- Dirce, apesar de ter ficado muito satisfeita com a educação que recebeu, não colocou seus filhos em internato. Ela acha que o adolescente precisa da família, de ternura.
Jorge, o marido: - Era médico, e, por isso, ficava muito pouco em casa. - Deixava a educação dos filhos por conta de Dirce.
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Fita 02: Relacionamento com a família materna: - Eles não eram muito ligados por causa da distância, pois a família sempre
mudou muito em conseqüência das transferências do pai. - Dirce se dava muito bem com o avô, o problema era com a avó e com as
tias. - O avô era bem moderno para a época, já que foi ele quem tomou as
providências necessárias para que ela fizesse um concurso público. - Pensa que o problema de relacionamento com a avó, as tias e as primas era,
talvez, por ciúme do avô. E, também, porque elas eram muito boas alunas e se casaram muito bem.
Relacionamento com a família paterna: - Dirce fala muito pouco da família do pai. - Todos eram bastante ligados a justiça. - Quando o pai cursou direito, ele morava na casa de um tio aqui. A ligação
maior eram com os filhos desse tio. - Cada irmão do pai foi morar em lugar diferente. Mudanças: - Salinas: 1927 - Peçanha: 1932 - Santa luzia: 1938 - Lavras: 1945 - Belo Horizonte Trajetória Escolar: 1) Grupo Escolar em Santa Luzia: - Era a melhor aluna. - Professora: D. Cira Castro e Silva - Na vinda do inspetor, ela foi a convidada, por ser a melhor aluna e filha do
juiz da cidade. 2) Grupo Afonso Pena: - Belo Horizonte - O pai foi convocado para participar da apuração das eleições, que, naquela
época, durava quase um ano. 3) Grupo Francisco Sales - Lavras - Foi onde terminou o primário. 4) Colégio de freiras: - Lavras - 1 ano ⇒ curso de adaptação - Ele era muito fraco. - Nesse período, Dirce foi muito malandra com os estudos, porque ela não
gostava do colégio, nem das freiras. - Lembra que colou uma vez. - Havia muita impunidade, porque ela era a filha do juiz.
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5) Santa Maria Refeições: - Havia um cardápio específico para cada dia da semana. Ex: sexta-feira ⇒
miolo. - A refeição era uma verdadeira aula de etiqueta. Em alguns dias, as meninas
tinham que comer com folhas de papel debaixo do braço; em outros, as freiras chegavam a medir o ângulo da posição das pernas; a comida era servida conforme as normas; era ensinado a utilizar os talheres corretamente.
- Tinha uma freira que ficava em um tablado no refeitório, tomando conta das alunas.
- Só era permitido falar francês. - Só era permitido conversar, depois do toque de um sino. Dormitório: - A divisão especial para a freira era uma espécie de quartinho, onde a entrada
era proibida. - Maria do Carmo, a irmã, já entrou lá uma vez. - Essa freira, que dormia no dormitório, vigiava as meninas, para que elas
dormissem na hora certa, não conversassem, e não passassem para a cama uma das outras.
- Ela era a responsável por acordar as meninas e fazer a revista da manhã. - As orações antes de dormir não eram feitas no dormitório, e sim na capela. Aulas: - Eram mais expositivas. As aulas de bordado: - Faziam parte do currículo. Matérias Optativas: - Piano. - Violino. - Curso Manager: Era dado pela mère Inry. As meninas aprendiam a fazer
receitas, a pôr a mesa, a receber visitas, a conversar com elas... Resumindo, aprendiam a ter traquejo social.
Provas: - Todo mês, era feita uma prova escrita. - No fim do ano, a última prova era oral. - Os professores faziam argüições, durante as aulas. Notas: - Eram lidas em público, em sessão solene, uma vez por mês. - Isso era feito no mesmo dia que as indisciplinadas tinham que entregar a
cruz e o laço. - O objetivo de tudo era humilhar quem não estava bem, para forçar essa
pessoa a mudar de postura.
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- A disciplina podia aumentar ou abaixar as notas de alguém. - Os boletins iam direto para a casa da aluna. O Prof. de História: - Era o Bolivar de Freitas. - As aulas eram excelentes. - Ele despertava admiração e paixões platônicas nas alunas. - Peitava as freiras que tomavam conta das aulas com algumas coisas que
escandalizavam, na época. A língua francesa: - Somente a aula de francês era em francês. - Na hora das refeições, o francês era a língua oficial. - Na época em que a sogra estudou no Santa Maria, tudo era em francês. - Dirce conviveu com poucas freiras francesas. Somente três eram: mère
Grabriela, mère Françoise, mère Inry. O objetivo do Colégio: - Formar mães de família. Os pais entregavam meninas as freiras e recebiam
mulheres prontas para casar. - Muitas se casavam logo depois de sair do Colégio. - Dirce falam que elas não tinham obrigações, que elas aprendiam o “lado
chic” da dona de casa, supondo que elas teriam empregadas domésticas para fazer o grosso da tarefa doméstica.
Sacramentos: - Não lembra desse tipo de cerimônia no Colégio. Médico: - O Colégio tinha um médico, que era o Dr. Gonçalves. Ele era pai de alunas
do Colégio e irmão da mère Eucaristia. Epidemia de tifo: - 1942. - Causa do tifo: falta de higiene. - Segundo Dirce, o Santa Maria era muito limpo e muito bem tratado. - O Colégio entrou em quarentena, foi fechado e teve que suspender as aulas. - Por causa da suspensão das aulas, o começo do ano letivo foi no segundo
semestre. - As meninas que pegaram a doença, todas do internato, foram para o atual
Hospital Belo Horizonte, designado pela Prefeitura para o isolamento. - As demais alunas internas foram para a casa de parentes ou de externas. Ela
e a irmã foram para a casa dos avós maternos. - Uma aluna, irmã da mère Guilhermina, morreu. - Essa história toda teve uma repercussão muito negativa na imagem do Santa
Maria. - Logo depois, o internato acabou e o Colégio começou a decair, Dirce acha
que por causa da epidemia.
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As cartas: - Eram censuradas. - O que as freiras consideravam importante era grifado. - Dirce achava um desrespeito. O retorno para Lavras: - Depois de formada, ela retornou para Lavras (1944). - Como o pai queria que ela tivesse um título, Dirce terminou fazendo o 3°
ano normal, no colégio de freiras de Lavras, que era muito fraco. - Chegou a dar aulas de francês, no colégio protestante da cidade, quando o
francês passou a fazer parte do currículo. O emprego público: - A reação do pai, quando ela resolveu fazer o concurso: achou uma afronta,
porque se achava capaz de sustentar a família sozinho; ficou sem conversar com ela; não ajudou em nada.
- O avô tomou as providências necessárias. - Prova do concurso: português, matemática e leis trabalhistas. - Quem estudou leis trabalhistas com ela foi um tio, irmão de sua mãe, que
também era juiz. - Resultado demorou um pouco a vir. - O pai ficou sabendo do resultado e ligou para Dirce, contando que ela tinha
passado em 1° lugar. - O pai queria levá-la no serviço no 1° dia, mas ela não aceitou. - Dirce começou trabalhou de 46 a 51. Curso de Letras: - 1946 / 47. - Fez como ouvinte literatura francesa, no próprio Santa Maria. - Eram 04 alunas. - O professor era francês. - Foi a faculdade que deu origem a PUC-MG. O marido: - O marido era parente dos Sigaud, que vieram para a comissão construtora. - Conheceu Jorge em uma festa na Aliança Francesa. - Ele já era médico, nessa época. ⇒ Formou em 1945. - O vizinho de Dirce, que também era médico, era muito amigo dele. - Através desse vizinho, ele mandou um recado, convidando para a hora
dançante no Minas. - Ela foi acompanhada da tia, e lá eles começaram a namorar. - Ela parou de trabalhar quando se casou, porque o marido impôs essa
condição. - Dirce acha que cresceu com ele. Trajetória resumida dos filhos: 1) Cláudia: - Nasceu 09 meses e 17 dias depois do casamento.
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Dirce Lins Machado Coelho
- Fez História na PUC-MG. - Trabalha com serviço social, com menores infratores. - É solteira. 2) Segundo: - Perdeu no parto. - Só ficou sabendo uma semana depois, porque o marido não quis contar. - Não sabe até hoje qual era o sexo da criança. - Como era o próprio Jorge que fazia os partos, ele ficou muito arrasado. 3) Patrícia: - Era muito malandra para estudar. - Trabalha no Tribunal de Eleitoral. - É casada e tem dois filhos, um de 18 e uma de 15. 4) Eduardo: - Começou a fazer engenharia e parou. - Trabalha com comércio. - É casado e tem uma filha. 5) Flávia: - Fez Economia. - Trabalha muito. - É casada e tem dois filhos, um de 18 e uma de 15. 6) Jorge Luiz: - É médico. - Trabalha com pesquisa na UFOP. - É casado. 7) Gustavo: - É arquiteto. - Logo depois de formado ele foi para a Europa e fez mestrado e doutorado
lá, por conta própria. - Vive na Europa a 12 anos, e atualmente mora em Paris. - Só veio para o Brasil uma única vez. - É solteiro. 8) Breno: - Fez administração. - Trabalhou muitos anos no Banco Nacional e hoje trabalha em outro Banco. - É casado. 9) Luciana: - Fez administração. - Mora na Serra do Cipó, onde tem uma pequena empresa de passeios
ecológicos com o marido. 10) Caçula: - É temporão, pois, quando ele nasceu, Dirce já tinha 48 anos. - É engenheiro.
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Dirce Lins Machado Coelho
Fita 03: Garden Party: - Era freqüentado pela alta sociedade de Belo Horizonte. - As mesas eram servidas pelas próprias alunas. - Os namorados das externas podiam ir. - Dirce acha que o dinheiro arrecadado foi usado na reforma da capela e
construção do altar da mesma. Outras festas: - Aniversário da fundação da ordem e do colégio, aniversário das irmãs... - As alunas apresentavam coros falados e peças de teatro. Prêmios: - Prêmio de distinção: quando uma aluna tinha as melhores notas em
comportamento e nas matérias. - Prêmio de aplicação: se referia a melhor nota nas matérias. - Dirce ganhou o prêmio de distinção no primeiro ano que estudou no Colégio.
Foi uma glória, porque tinha muitos anos que isso não ocorria. A última vez tinha sido na época da sogra de Dirce.
- As premiadas ganhavam livros com dedicatória. - Os pais não podiam vir nessas festas. Formatura: - Não foi grandes coisas, porque era o auge da 2a Guerra. Então, elas optaram
por gastar o dinheiro da formatura comprando bônus de guerra. - A cerimônia foi no próprio refeitório. - Dirce foi a oradora da turma. Ela foi eleita em uma eleição do grêmio do
Colégio. Maratona Cultural: - Foi uma ano antes dela entrar no Colégio. - Os colégios femininos e masculinos da cidade participavam. - Dirce acredita que era uma espécie de debate. - Nessa época, o irmão de Dirce já estudava no Colégio Arnaldo e participou
da Maratona. Ele escreveu para Lavras, dizendo que tinha medo de cair junto com uma aluna do Santa Maria.
- O Colégio Santa Maria ganhou todos os prêmios. - Isso teve muita repercussão, contribuiu para a fama do Colégio. Leitura: - O Colégio era muito liberal para leitura, permitindo, inclusive, livros
condenados pela Igreja. Só “A Carne” era proibido. - Duas alunas foram expulsas por causa do livro “A Carne”. - O pai de Dirce pensava da mesma forma, para ele a leitura ensinava a
pessoa a distinguir o mal do bem.
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Dirce Lins Machado Coelho
Suspensão de Maria do Carmo, por causa da fuga para o bosque: - Era estritamente proibido ir ao bosque. - Foi um escândalo; ela e as amigas foram suspensas. - O grupo ficou uma semana em um quartinho, saindo só para assistir as aulas. 2a Guerra: - Quando Dirce entrou no Colégio, a França caiu. - A bandeira da França ficava sob vigília dia e noite. - O hino da França era tocado duas vezes por dia, muito mais que o brasileiro. - Tinha uma freira alemã no Santa Maria, que chegou a passar fome, na época. - A relação com o Sagrado Coração de Jesus, que era de freiras alemãs, foi
cortada. - Os meninos que eram irmãos de alunas do Santa Maria, e estudavam no
Colégio Arnaldo, não eram muito bem vistos.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL PROJETO: VOZES DE MINAS - DISCURSO E RESTITUIÇÃO. ENTREVISTADORA: MARINA ALVES AMORIM ENTREVISTADA: DIRCE LINS MACHADO COELHO LOCAL: BELO HORIZONTE DATA: 27 / 04 / 00
Entrevista – fita 01 – lado A
M.A.: Estou aqui, hoje, com a Sra. Dirce Lins, para fazer a nossa primeira seção de
entrevista. Vamos começar... Eu queria saber um pouco sobre a sua história
familiar: o lugar que você nasceu, a data de nascimento, como que foi a sua
infância. A Sra. poderia falar para mim um pouquinho?
D.L.: Eu nasci... Meu pai falava que gato que nasce no forno não é biscoito. Então,
meu pai era juiz e ele começou a carreira em Salinas, no norte de Minas. E eu
sai de lá com nove meses e não conheço a minha terra.
M.A.: Nossa! É mesmo?
D.L.: E não conheço a minha terra. Eu, até uns três anos, atrás achava que eu tinha
nascido no dia 03 de julho. A pouco tempo, eu peguei uma certidão antiga
minha que fala que eu nasci no dia 13 de julho. Ou meu pai, que era juiz,
errou ao declarar, ou a pessoa que recebeu as informações errou. Então, hoje,
oficialmente eu nasci no dia 13, mas, na minha história de vida, eu nasci no dia
03 de julho. Em Salinas, o chefe de polícia... o chefe político de Salinas era o
Idalino Ribeiro e ele tinha duas filhas que estudavam no Colégio Santa Maria.
E mamãe desde pequena... Ela falou isso, desde que a gente era pequena, que
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era tão encantada com essas filhas do Coronel Idalino, que ela falava assim:
“Minhas filhas vão estudar... A Dirce – porque era só eu – a Dirce vai estudar
no Colégio Santa Maria. Então, desde menina, bebê... Mamãe, encantada com
essas moças, pôs isso na cabeça. A Dirce... Depois vieram a Maria do Carmo,
depois veio a Ana Delina... Só tem um homem que é o mais velho e estudou
no Colégio Arnaldo. Elas vão estudar no Colégio Santa Maria. Então...
M.A.: E, com nove meses, a Sra. mudou de Salinas?
D.L.: Não, não. Eu fiquei em Salinas... A minha primeira viagem de Salinas...
M.A.: Hum hum.
D.L.: ...era a cavalo, onze dias a cavalo para chegar em Montes Claros. Meu avô era
juiz no Serro. E meu pai trabalhava com o meu avô. Meu avô materno era juiz
e meu pai era promotor. Quando ele se casou com mamãe, ele não pode
trabalhar com meu avô. Então, ele foi para Salinas, foi quando ele entrou na
magistratura. E, para eles irem para o Serro, eles viajavam onze dias a cavalo
até Montes Claros. Em Montes Claros... O meu avô mandava um carro para
buscar, porque o abonado financeiramente, era o meu avô. [risos] E eu viajei a
primeira vez com nove meses. Meu irmão ainda pode ser... passava um lençol
assim no pescoço e punha o bebezinho assim. Mas eu era tão pequeninha que
mamãe organizou um caixotinho, fez uma cobertinha, e eu viajei na cabeça de
um camarada. Ele veio a pé, onze dias me carregando na cabeça. [risos] Mamãe
disse que com uma mão ele segurava o caixotinho e com a outra ele segurava
um guarda sol, para não me matar... para o sol não me cozinhar. [risos]
M.A.: É muito quente aquela região...
D.L.: Então, eu não conheço minha terra. Parece incrível, mas eu não conheço a
minha terra. De Salinas, papai foi para Peçanha. Minhas duas irmãs nasceram em
Peçanha. Depois, ele foi para Santa Luzia. Santa Luzia que eu acho... que eu
falo... Eu vivo atormentando o Márcio Castro e Silva, para ele me por de
cidadã honorária de Santa Luzia, porque eu sou apaixonada por Santa Luzia.
M.A.: A Sra. morou lá muitos anos?
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D.L.: Morei lá seis anos. Depois nós fomos para Lavras. Meu pai foi juiz para
Lavras, e lá ele morou oito anos. Foi quando nós fomos internas aqui. Aí, ele
veio para Belo Horizonte. Veio como desembargador e morreu, aqui, como
desembargador.
M.A.: Ah...
D.L.: Agora em 39... Eu estudava no Colégio Santa Maria... eu estudava em Lavras.
Terminei o primário lá, o quarto ano. Depois, eu entrei para o colégio de freiras,
mas o colégio era muito fraco. E mamãe sempre sonhando que a gente viria
para o Colégio Santa Maria.
M.A.: Essas moças deveriam ser muito educadas...
D.L.: ...para impressionar ela tanto, porque ela falou desde que eu era pequena. “Elas
vão estudar no Colégio Santa Maria.”
M.A.: E ela não comentava porque? Ou como é que eram essas moças?
D.L.: Não sei. Porque mamãe veio de uma terra que é uma terra de tradição, que é
Serro. Né? Serro é uma terra de tradição, terra de gente muito culta e tudo.
Então, ela não era uma pessoas assim, que não tivesse cultura, nem nada. Mas
ela se encantou pela educação dessas moças! Então...
M.A.: Seu pai, então, foi promotor, juiz e desembargador?
D.L.: É. Terminou aqui, como desembargador.
M.A.: E ele... O seu pai e sua mãe se relacionavam muito bem?
D.L.: Muito... muito bem! Ele era bravíssimo, bravíssimo, feito todo Lins falam que é
bravo! Ele era muito bravo, mas ele era muito justo. Então, ele era daquele tipo
assim... Se você mandava uma nota, ele falava assim: “Se você teve oito, então
você tem chance de ter nove. Se você teve nove, então porque que é que você
não tem dez?” E foi uma pessoa que sempre... Nós éramos muito desentoadas.
Eu... A primeira vez que eu fui coroar, em Santa Luzia, não me deixaram
cantar, porque eu era tão desentoada que eu ia atrapalhar a coroação. Então,
mamãe fez aquele anjo lindo, para mim, porque eu era a mais velha... E a irmã
1A-DL-4
da Ana Marina, essa que escreve no jornal, ela ficou atrás... A Margarida
cantando, atrás daquela cortina. Ela cantando e eu dublando na frente, porque eu
não podia contar, para não estragar a coroação! [risos] Eu ia estragar a coroação!
M.A.: A Sra. falou que o seu irmão é o mais velho.
D.L.: É.
M.A.: E depois vem as três filhas.
D.L.: Três filhas.
M.A.: E o seu irmão... Ele seguiu que carreira?
D.L.: Contrariando completamente papai, foi ser militar. Ele é general! [risos] Coisa
que não tem nada a ver com justiça!
M.A.: E a educação dada a seu irmão e a educação dada a vocês três tem alguma
diferença, por ser mulher e homem?
D.L.: Não. Ele veio interno para o Colégio Arnaldo, que também era o melhor
colégio daqui, na época. Ele veio interno para o Colégio Arnaldo, antes de nós.
M.A.: E seu pai queria que ele seguisse a carreira dele?
D.L.: Queria que ele seguisse a carreira dele. A maior mágoa dele foi quando ele
resolveu ser militar. [risos]
M.A.: E que influência que você acha que o seu pai teve na sua vida? Em quê que
você acha que vocês parecem?
D.L.: Olha, fisicamente, eu sou parecidíssima com ele. As minhas irmãs são
miudinhas, mais magrinhas. Eu sou... Fisicamente eu sou muito parecida com ele.
Muito... Eu não sou brava, tanto brava quanto ele não. Ele era triste! Quando ele
estava com raiva, a vizinhança toda escutava. Mas eu sou bem brava! Eu tenho
nove filhos. Então, quem tem nove filhos... Tive um marido maravilhoso, mas ele
falava que preferia ser pai bobo a pai bravo. Então, ele falava assim: “Educar é
por sua conta.” Ele era o lazer dos nove filhos! Ele era médico, ficava pouco
em casa. Então, ele falava: “O tempo que eu fico em casa é só para adular
1A-DL-5
esses meninos.” Tanto que eu falo que eles custaram a descobrir que tinham
mãe! [risos]
M.A.: [risos]
D.L.: Custaram a descobrir que tinham mãe! [risos] Porque a paixão toda era pelo
pai.
M.A.: E a sua mãe trabalhava fora? Não, né?
D.L.: Não.
M.A.: E como que era o relacionamento dela com os filhos? Você falou que o seu
pai era muito bravo e ela?
D.L.: O meu pai era muito bravo, mas era um bravo, assim, que punha a gente no
colo, que falava com a gente assim...
M.A.: Carinhoso...
D.L.: Carinhoso. Ele saía de casa e falava assim: “Eu vejo muita gente bonita na
rua, mas não tem ninguém mais bonito que vocês!” [risos] Ele achava a gente
linda e maravilhosa! Para ele, nós éramos isso tudo! Nós éramos isso tudo... Não
éramos não, mas, para ele, nós éramos!
M.A.: [inaudível] com muito carinho.
D.L.: Com muito carinho... Agora, mamãe era seca. Ela era seca. Ela não era
carinhosa, nem nada. Mas ela era aquela mãe, tipo assim, que achava que a gente
tinha que dar conta. Ela falava: “Coitadinho é filho de rato.” Então, não tinha
esse negócio de coitadinha da minha filha!
M.A.: Tinha que estudar...
D.L.: Ela queria que estudasse! Foi difícil para eles, porque juiz naquela época
ganhava muito mal. Papai era viúvo e tinha três filhos do primeiro casamento.
Então, tinha duas famílias para sustentar. Então, não era fácil. E o Colégio era
caro!
M.A.: Era o melhor Colégio, né?
1A-DL-6
D.L.: Tinha uma frase célebre do... do... Como que ele chamava, gente? Padre... padre
Drummond, padre Álvaro Drummond. Ele não gostava das freiras não. O capelão
lá era o padre Agnaldo. Acho padre Álvaro Drummond não gostava muito do
Colégio não. Então, uma vez, num sermão, aqui, na Boa Viagem, ele falou: “O
Santa Maria é o colégio onde as irmãs cobram o ar que as meninas respiram.”
Então, era um colégio caro!
M.A.: Caro, né?
D.L.: E papai tinha, naquela época... Ele chegou a ter quatro filhos internos aqui: o
Fábio e nós três. E isso graças a mamãe, porque, se não fosse ela pelejando,
ajudando, ele... Papai comprava pronto só terno! Quer dizer, mandava fazer.
Mamãe fazia camisa, mamãe fazia cueca, mamãe fazia pijama! A nossa roupa
toda era feita por ela. E ela era muito habilidosa. Então, era tudo bordado, muito
bem feito. Mas tudo feito por ela!
M.A.: E ela ensinou isso para vocês? Ou não?
D.L.: Ensinou. Ensinou.
M.A.: E o relacionamento com os irmãos? Você falou que o seu irmão mais velho
é general. O nome dele, qual que é?
D.L.: Fábio.
M.A.: Fábio. Como que era seu relacionamento... Como que foi, na infância, seu
relacionamento com ele?
D.L.: Com ele... Nós tínhamos verdadeira paixão por ele! Porque ele era o único
homem.
M.A.: O único homem...
D.L.: E papai foi muito duro com ele. Papai achava que tinha que ser duro com
ele, porque senão não daria homem. Então, nos todos paparicávamos o Fábio.
Tudo nós cedíamos para ele! [risos]
M.A.: E ele... A Sra. falou que ele é mais velho.
D.L.: Mais velho.
1A-DL-7
M.A.: Quantos anos?
D.L.: Eu vou fazer 74 agora; ele vai fazer, em outubro, 76.
M.A.: Então, são dois anos.
D.L.: É. Não chega a dois anos.
M.A.: Diferença pequena.
D.L.: Pequena, né? E nós sempre fomos apaixonadas por ele. Mas ele sempre morou
fora, porque ele foi para a escola militar, depois foi servir em Curitiba e se
casou lá, depois ele esteve em Suez, esteve na Venezuela... Ele esteve sempre
fora.
M.A.: General muda muito, né?
D.L.: Muda muito. Ele vem aqui uma vez por ano só, vem pouco. Mas, com ele, a
gente tem uma paixão muito grande!
M.A.: E com as outras duas irmãs?
D.L.: Maria do Carmo e eu somos assim. Essa que foi comigo lá no Colégio. Com
a mais nova tem problema, porque ela é um pouquinho difícil. Não que eu seja
melhor do que ela não. Mas, eu acho assim, que eu dei conta. Essa minha irmã,
por exemplo, a Maria do Carmo, não teve sorte no casamento. Ela foi casada
duas vezes, mas todos os dois casamentos dela não deram certo. E com isso,
vem sempre a conseqüência em cima dos filhos, né? E eu tive dez, tenho nove
e estou dando conta dos nove. Fiquei viúva à sete anos. Eu tenho um filho
temporão, quando ele nasceu eu tinha 48 anos. Então, eu era avó, quando ele
nasceu! Então, foi um menino que dá muito prazer a gente, já está formado em
engenharia. Mas sofreu muito, quando o pai adoeceu, porque ele tinha dez anos.
M.A.: Hum.
D.L.: Então, foi muito triste para ele, porque foi arteriosclerose, ele ficou doente oito
anos. Então, foi muito triste para o André. Hoje, eu tentei que segurar as pontas
aqui! Eu tenho uma família unida. Todo sábado todos eles almoçam aqui. Então
eu acho que...
1A-DL-8
M.A.: Família grande, né?
D.L.: Família grande. E minha irmã mais nova é solteira. E não é que eu ache que
seja...
M.A.: Hum...
D.L.: A minha filha mais velha é solteira, mora comigo. Ela leva outro tipo de vida
dela. Então, com a Ana Delina, tem um pouquinho de problema, mas problema
que é superável.
M.A.: E lembranças de avós, de tios, de primos?
D.L.: Olha, avós e tios... Foi um problema engraçado. Não tenho boas. Porque, como
a gente era interna, não podia sair. No internato, você tinha duas saídas por mês:
o primeiro e o terceiro domingo. O primeiro era saída geral, o terceiro era por
merecimento. Mas, como essa minha irmã Maria do Carmo era muito levada, ela
sempre perdia a cruz. Então, como ela perdia a cruz, eu tinha pena de sair e
deixar ela interna no Colégio. Então, eu não saía. Nós só saíamos uma vez por
mês, porque todo mês ela perdia... [risos]
M.A.: [risos] Ah, tinha uma cruzinha?
D.L.: Dependurada aqui. Porque o Colégio tinha as fitas, dependuradas aqui.
M.A.: Hum hum.
D.L.: Tinha uma fita aqui, que era o ano. Cada cor correspondia a um ano. A fita
prendia aqui na saia. E a cruz era uma tira... Era igual condecoração.
M.A.: Hum hum.
D.L.: E, se você perdesse a cruz, você tinha que entregar. Tinha uma sessão solene,
naquele salão de festa enorme, você tinha que subir e entregar solenemente a
cruz. Na frente de todo mundo!
M.A.: Nossa!
D.L.: E, ainda tinha mais, o anjo tinha o laço, aqui. E, quando você perdia esse laço,
você era vaiada!
1A-DL-9
M.A.: Nossa!
D.L.: O negócio era... [risos]
M.A.: Que razões... Quando acontecia da pessoa perder a cruz ou perder o laço?
D.L.: Olha, perder a cruz, por exemplo, se você – para as externas – falava no
especial. Olha, o Colégio reunia todo dia, antes das aulas começarem... O Colégio
inteiro reunia naquele salão. Sabe aquele salão?
M.A.: Sei.
D.L.: Que eu achava que era imenso, hoje eu não acho mais não. O Colégio todo
reunia ali. Então, ficava a notre mère lá em cima com a mestra de disciplina.
Então, falava assim: “Quem falou no especial?” Aí era para as externas. Tinha
que subir quem tinha falado no especial.
M.A.: E tinha alguém para contar ou elas iam?
D.L.: Elas tinham que ir! As freiras, que tomavam conta do especial, sabiam. Elas
ficavam de pé... Tinham dois ou três especiais. Elas ficavam em pé, na frente,
controlando os bancos inteiros.
M.A.: Ah, entendi!
D.L.: Então, quem não contava, a freira contada. Porque freira é dedo duro!
M.A.: Dedo duro...
D.L.: [risos]
M.A.: [risos]
D.L.: [risos] Não conta para elas não, mas freira é dedo duro! [risos] Então, elas
contavam. Então, tinha assim: “Quem veio sem boina?” Porque o uniforme do
Colégio tinha boina. Quem não vinha de boina também... Agora, se você fosse
tendo várias perdas, no fim do mês você perdia a fita. Se as perdas fossem
mais sérias, o anjo perdia o laço, porque o anjo de classe era como se fosse
um monitor.
M.A.: Ah, entendi! Como um monitor hoje, né?
1A-DL-10
D.L.: Como um monitor hoje.
M.A.: Então, se os outros alunos da classe fizessem coisas..., extrapolassem o anjo
perdia. Era como se fosse o responsável?
D.L.: Não, não. É... Mais ou menos. Ele era mais ou menos responsável por certas
coisas que..., que...
M.A.: Tomava conta...
D.L.: É... E ele era culpado! Porque pagava pelo erro de não ter conseguido
controlar a disciplina.
M.A.: Entendi. E esse anjo era respeitado, geralmente? Ele era dedo-duro também?
D.L.: Não, não. Ele não era dedo-duro não. Até pelo contrário! Ele costumava até
defender. Eu não posso falar muito, porque eu fui muito boa aluna. Eu não
pintava. Eu sofria pela Maria do Carmo, minha irmã. Eu até brinco como ela:
“Eu não sei porque que eu gosto tanto de você, porque você me deu tanto
trabalho!”
M.A.: [risos]
D.L.: Teve uma época que ela teve caxumba, ela, então, ficou na enfermaria. Eu dei
graças a Deus, porque, enquanto ela estava na enfermaria, eu estava sossegada.
M.A.: [risos]
D.L.: Ela esfregava um lenço, uma coisa qualquer no pescoço e jogava lá embaixo,
para as amigas dela pegarem caxumba e poderem ficar lá com ela. [risos] Ela
era bagunceira! E meu pai falava assim: “Dirce, ela não pode ser... A Maria do
Carmo não pode ser expulsa! Se ela for expulsa, vai ser um escândalo aqui em
Lavras!” Porque já foi um escândalo a gente vir interna!
M.A.: Ah, é?!
D.L.: Lavras tinha dois colégios. Tinha o colégio de freiras e um colégio protestante,
que era afamado. Mas, naquela época, quem era muito católica, se punha filha
em colégio protestante, você era excomungada. Então, mamãe não quis que a
gente estudasse no colégio protestante, que era um ótimo colégio de Lavras.
1A-DL-11
Então, papai... Nós já ficamos meio mal vistas por vir internas. Quando chegava
nas férias, porque a gente só ia nas férias... “Olha aquelas chatinhas ali! Porque
elas estudam em Belo Horizonte, então...”
M.A.: Achava que era metideza...
D.L.: ... estudar interna, estudar fora.
M.A.: Mas, quando a Sra. veio estudar aqui, Dirce, tinha outros colégios também.
Tinha o Izabela, que também era protestante. Tinha o Imaculada também...
D.L.: Mas, eu não estou te falando que, desde que a gente era pequena, a mamãe
sonhou que a gente ia estudar no Colégio Santa Maria?
M.A.: Então, foi esse sonho de sua mãe...
D.L.: Tinha, inclusive, o Colégio Sacré Couer, que era um colégio muito bom. Mas, o
sonho dela é que a gente estudasse no Colégio Santa Maria.
M.A.: E ela esperava que vocês se tornassem meninas como as do...
D.L.: ... as filhas do Coronel Idalino Ribeiro.
M.A.: Entendi... Então, era um sonho mesmo.
D.L.: É. Era um sonho, um sonho dela.
M.A.: Agora, vamos partir para a parte do cotidiano do Colégio de fato. Eu queria,
primeiro, que você descrevesse como que era um dia dentro do Colégio. Um dia
normal. Não um dia de festa, assim...
D.L.: Cedo, a gente levantava... Os dormitórios eram assim: o das menores, das
médias e das grandes. Quando eu entrei para o Colégio, eu tinha onze anos,
então, eu entrei para o das menores, das menores. O dormitório era comprido,
aquela quantidade de camas. Ao lado, no canto, assim, tinha uma tendinha quase,
uma cabana de pano, onde dormia a freira.
M.A.: An...
D.L.: Em cada dormitório ficava uma freira. Ela que era a responsável por aquelas
que estavam no dormitório.
1A-DL-12
M.A.: Você tem noção, mais ou menos, de quantas pessoas dormiam nesse
dormitório?
D.L.: Eram três fileiras... Devia ser... Não eram muitas alunas, naquela época.
M.A.: Ah, não?!
D.L.: Não eram tantas alunas... Mas eram vários dormitórios. Ah, devia ser umas
trinta meninas.
M.A.: Trinta? E no Colégio todo? Você falou que são três dormitórios...
D.L.: Não! Eram três... Não eram três dormitórios. Eram das menores, das médias e...
Mas tinha mais de um para cada idade.
M.A.: Ah, sei... E você tem noção, assim, de número?
D.L.: Não, não tenho.
M.A.: Porque eu já vi no jornal falando de 200, 300 alunas.
D.L.: Ah!
M.A.: Com internas e externas.
D.L.: E externas! Internas não tinha isso tudo não. Acho que não chegava nem a
cem alunas internas!
M.A.: Sei.
D.L.: Nem cem alunas internas...
M.A.: Internas tinha menos, né?
D.L.: É.
M.A.: Geralmente pessoal do interior...
D.L.: ... do interior... Ou, quando eram daqui, geralmente era, assim, quando os pais
não queriam que a menina ficasse com determinado namorado.
M.A.: Ah, é?! Tinha isso?
D.L.: Eu mesma tinha uma amiga, que eu vou te contar, que foi interna por causa
do namorado! Mas acabou casando com ele... [risos]
1A-DL-13
M.A.: Nossa! E vocês tinham um horário para acordar?
D.L.: A gente levantava de manhã... A freira vinha com um sino assim: “Vive Jesi!
Vive Jesi! Vive Jesi!” E todo mundo tinha que responder: “Vive Marie! Vive
Marie! Vive Marie!” E ai de quem ficasse enrolada nas cobertas! Ela saía
puxando as cobertas. Então, a gente ia para o toalete, onde tinha as pias, os
banheiros. Lavava rosto, escovava dente... Aí, tinha a revista. Você tinha que
mostrar a suas unhas, você tinha que mostrar os seus dentes. Ela olhava o
cabelo, se tinha piolho. Ela olhava uma por uma. Você tinha que mostrar as
suas mãos assim, você mostrar... Olhar o ouvido e a cabeça.
M.A.:O uniforme se estava bem passado?
D.L.: Não. Isso era feito no Colégio.
M.A.: Ah!...
D.L.: Tanto que mamãe brincava que...
[O gravador é desligado.]
D.L.: Você tinha que fazer essa revista. A primeira, por exemplo, era mère
[inaudível]. A primeira que acompanhava a gente. E, quando eu entrei para o
Colégio, para tomar banho, você tinha que usar um camisolão.
M.A.: Ah, mesmo?!
D.L.: Era um camisolão assim decotado. Era isso aqui, só que mais comprido e mais
comportadinho!
M.A.: E mais largo?
D.L.: Mais largo. Então, você tinha que tomar banho de camisolão. Quer dizer que
você não podia ver o seu corpo.
M.A.: E molhava tudo?
D.L.: Tudo! Ensopava tudo! Você tinha que esfregar por debaixo do camisolão!
[risos]
M.A.: Você tomava banho de manhã?
1A-DL-14
D.L.: De manhã. Terminada essa revista, de manhã, você ia para a missa. A missa
era obrigatória. Formava ali naquela varandona...
M.A.: Sei.
D.L.: ... debaixo, onde tinha o sino. A missa era obrigatória na capela. Depois da
missa, a gente tomava café. Era obrigatório comungar e assistir a missa todo
dia. Então, depois você ia para o refeitório e tomava café. Aí, começava o
estudo. O estudo era controlado por uma freira. Então, no estudo tinha o das
menores, o das médias e das grandes.
M.A.: Espera aí só um minutinho. O café como é que era? Era todas as internas no
refeitório juntas?
D.L.: Todas as internas juntas?
M.A.: Com as externas ou não?
D.L.: Não, só as internas. As refeições eram só para as internas, porque não tinha
semi-internato. Só tinha externato e internato.
M.A.: E como que era a comida?
D.L.: O café da manhã era pão, manteiga, café com leite, chocolate.
M.A.: E as freiras continuavam vigiando? Assim, as conversas...
[O gravador é desligado.]
M.A.: Então, a Sra. estava falando que só as internas tomavam as refeições.
D.L.: É.
M.A.: E as freiras ficavam vigiando?
D.L.: Ficavam. O tempo todo...
M.A.: As conversas...
D.L.: [inaudível] Tinha mère e sère. A sère era a que fazia o serviço. Então, elas é
que serviam a mesa, elas... serviam a mesa, elas... A gente não fazia nem cama!
Tanto que mamãe brincava que colégio interno era uma máquina de fazer
preguiçosos!
1A-DL-15
M.A.: [risos]
D.L.: [risos] Porque a gente não tinha obrigação nenhuma, nem de fazer cama! Tudo
era feito por elas. A gente já recebia a roupa toda lavada, passada. Não tinha
que lavar calcinha, não tinha que lavar nada. Tudo era lavado nas lavanderias do
Colégio. Então, tinha mère e tinha sère.
M.A.: E depois da missa, tinha horário estabelecido para tudo?
D.L.: Hum hum. Agora, os banhos eram por turma. Porque os banhos... Você conhece
o Colégio bem?
M.A.: Conheço.
D.L.: Aquele pedaço feio, aquele pedaço escuro... Ali que a gente tomava banho!
[risos] Porque naquela época também... Depois, tem não sei quantos anos, o
Colégio já deve ter deteriorado. Não devia ser daquele jeito, não.
M.A.: Mudou muito, né? Assim eles fizeram umas reformas, aumentaram alguma
coisa.
D.L.: É. É. Os banhos eram assim. Por exemplo... Vamos dizer, tinham banheiros com
as divisões. Se fossem, assim, dez divisões, eram dez a dez que tomavam banho.
Os banhos eram todos na parte da manhã.
M.A.: Entendi.
D.L.: Todos os banhos eram na parte da manhã.
M.A.: [inaudível]
D.L.: [inaudível] Os banhos eram todos na parte da manhã. Depois, as aulas eram de
meio-dia às cinco. Agora, de meio-dia às cinco, as aulas eram iguais para o
externato e para o internato.
M.A.: E, depois do café, qual que era...
D.L.: Estudo.
M.A.: Ah!
1A-DL-16
D.L.: A gente ia fazer os deveres... Chamava estudo. Dali, nós tínhamos a
orientadora. Qualquer dúvida, ela ficava lá na frente. Qualquer dúvida...
M.A.: E era na sala de aula mesmo?
D.L.: Não, os estudos eram separados.
M.A.: Tipo uma biblioteca mesmo?
D.L.: Não. Era uma sala mesmo, com as carteiras. Tinha lugar marcado também.
Então, todo mundo ia para o estudo e ficava lá... Aí, você não podia sair dali
até a hora... Tinha um recreio no meio da manhã. Um recreio pequenininho, um
intervalo no meio da manhã.
M.A.: Hum hum.
D.L.: Depois, começavam as aulas, que eram de meio-dia às cinco. É, quinta-feira não
tinha aula; sábado tinha.
M.A.: Ah! É mesmo? Porque?
D.L.: Não sei. Sábado tinha aula.
M.A.: Domingo também não tinha, né?
D.L.: Domingo não tinha. Depois da aula, tinha o recreio. Depois, tinha mais estudos.
O jantar era às seis horas. O jantar era às seis horas. Depois... Tinha um recreio,
depois do jantar. Brincava de roda... Naquele pátio daquele tamanho, brincava de
pegador... Tinha uma seção de história... A Mère Martin reunia o pessoal para
contar, para contar história. Depois, tinha outro estudo à noite. Depois, tinha outro
estudo. E, à noite, tinha capela outra vez.
M.A.: E as aulas? Que matérias que vocês...
D.L.: Todas. Tinha português, matemática, francês, história, geografia, ciências e
desenho.
M.A.: Não tinha pintura?...
D.L.: Aí, eram optativas. Por exemplo, Mère [inaudível] era uma francesa que dava
aula de piano e dava uma aula, que era chamada um curso de manager. Ela
1A-DL-17
ensinava a gente como receber umas amigas em casa, como por uma mesa
bonita para um jantar... Esses cursos eram dados pela Mère, só para as internas.
Era o curso de manager. Então, você tinha que saber servir bem uma mesa; por
uma mesa bem posta; receber as pessoas, saber conversar com elas; aprender os
pratos, várias receitas de biscoitinhos... Isso tudo era dado pela Mère ?.
M.A.: Mas, então, era fora das disciplinas normais?
D.L.: Pois é. Mas fazia parte das atividades do internato. Fazia parte... Tinha bordado;
piano, para quem quizesse aprender piano; tinha esse curso de manager, dado
pela Mère.
M.A.: Ah, tá...
D.L.: Tinha aula de canto, piano. Agora, aí tinha, por exemplo, mesa de ping-pong, ali
naquela varanda.
M.A.: Hum hum.
D.L.: A gente podia jogar ping-pong.
M.A.: E as matérias normais, como é que eram?
D.L.: Os professores eram excelentes! O Santa Maria tinha um excelente corpo!
M.A.: Eram freiras?
D.L.: Não. A maioria eram homens, né?
M.A.: Ah, a maioria eram homens?
D.L.: A maioria eram homens. Olha, o Bolivar de Freitas foi meu professor de
história; o Mesquita de Carvalho foi meu professor de português; o Euclides
Ferreira foi professor de latim; o [inaudível] professor de matemática; o Velloso
professor de... A maioria eram... Nós tínhamos uma professora só mulher, que
era a professora de ciências, a Dona Lígia.
M.A.: E de religião, tinha aula?
D.L.: Tinha aula de religião...
M.A.: Aí, era dado pelas freiras?
1A-DL-18
D.L.: Aí, era dado pelas freiras. De modo que... Quase todos os professores eram
homens! E ótimos professores! Mas... As aulas eram dadas pelos professores, mas
ficava numa mesinha, numa cadeira lá, sempre uma freira...
M.A.: Uma freira...
D.L.: ... tomando conta da [risos]...
M.A.: ... da sala.
D.L.: ... não sei se do professor ou da sala!
M.A.: Mas como é que era a disciplina, naquele tempo?
D.L.: Era bem rígida! Tinha, por exemplo, aquele bosque grande, que para nós era
uma incógnita, uma coisa assim..., uma fascinação...
M.A.: A clausura também devia ser, né?
D.L.: A clausura era! Porque a gente queria sempre saber o quê que tinha ali atrás!
[risos] A minha irmã, por exemplo, uma vez, deu um tombo em uma das freiras,
porque diziam que elas raspavam a cabeça, e ela queria saber se ela estava
mesmo de cabeça raspada. Deu o tombo, e no tombo o véu caiu! [risos] Então,
na verdade ela... A minha irmã conseguiu, um dia. Elas e as amigas dela
entraram na clausura, para saber como que era lá. Eu não sei te dizer como que
era a clausura. Era uma curiosidade que tinha!
M.A.: E o bosque também, né?
D.L.: O bosque era departamento proibido! Ninguém podia [inaudível]
M.A.: Eu li nos jornais... falando do bosque como uma premiação
D.L.: É... Quando você tinha, por exemplo, um dia de festa, uma coisa assim. Ou,
então, quando a gente tinha, por exemplo, umas notas muito boas. Então, elas
reuniam aquele grupo e levavam a gente para ficar uma tarde no bosque.
M.A.: Mas porque que o bosque era proibido? Você sabe?
D.L.: Primeiro, era muito grande. Primeiro, era muito grande.
M.A.: Agora, ele já está menor. Eles cortaram grande parte dele.
1A-DL-19
D.L.: Pois é, nós não podemos ver, porque... Nem sei porque que a moça falou. Acho
que está reformando.
M.A.: Tá, tá reformando.
D.L.: A Maria do Carmo queria ver o bosque. E tinha dessas coisas! A minha irmã,
por exemplo, aprontou uma. Numa parada de sete de setembro... Tinha a parada
que era uma coisa maravilhosa! O Colégio Santa Maria parou do lado do
Colégio Estadual. E tinha um rapaz, até o Orlando Miraglia, que ficou de
namoro, de paquerinha, com a minha irmã e com uma outra amiga dela. E a
noite, eles combinaram... Eles foram vê-las. Eles ficaram do lado de fora do
muro, e elas foram no bosque à noite! Foi um escândalo! A Maria do Carmo
foi suspensa! Ficou oito dias suspensa do Colégio! [risos] Porque eram quatro ou
cinco encapetadas, amigas dela, que foram lá se encontrar com eles. Eles ficaram
do lado de fora do muro, e elas do lado de dentro do bosque. Mas foi... Foi um
escândalo no Colégio! Tanto é que elas foram suspensas! [risos]
M.A.: Elas vigiavam também dentro do bonde, né? Para ver se as meninas que
estavam ali dentro olhavam para os rapazes.
D.L.: Tudo! Porque, você pensa uma coisa, você entrega meninas de onze anos, que
era a idade que a gente ia para o Colégio, entrega para umas freiras, para
educar. Então, tem que ser rígido mesmo, porque era uma responsabilidade muito
grande!
M.A.: E, mesmo assim, vocês ainda namoravam?
D.L.: [risos] E, mesmo assim, tinha gente que namorava! [risos]
M.A.: É mesmo? Nossa!
D.L.: Mas, namorava assim... Por exemplo, essa minha amiga mesmo, que foi interna
por causa do namorado. Ela ficava naquela varanda lá de cima. Conhece o
Colégio, né?
M.A.: Hum hum.
1A-DL-20
D.L.: ... aquela varanda lá de cima, e ele ficava lá de fora do muro! [Uh!] A dez
metros de distância dela! Entre ele e ela...
M.A.: E tinha um toque de recolher?
D.L.: Tocava, né? Aquele... Tudo era comandado... Não tem mais o sino. Você viu?
Tudo era... Todo o regime do Colégio era regulado por aquele sino.
M.A.: E os uniformes? Como que era? Tinha um uniforme para festa?
D.L.: De gala, né? Que chamava. O uniforme normal era uma saia azul marinho, era
uma blusa... Acho que ainda é até hoje.
M.A.: Acho que não é, não.
D.L.: Não é, não? Era uma blusa assim fofinha, por fora. Não era por dentro da saia,
não. Tinha uma gola marinheiro grande. Aqui, na gola marinheiro, justamente
aqui atrás, tinha o Santa Maria. Era um decote por fora, e por dentro tinha que
ter a gravata. Tinha uma boina. E era aquele negócio... Para tudo você tinha que
ir de boina! Você não podia usar cabelo solto, você podia usar ou trança ou
rede. As internas. Porque sujava a gola da blusa. A gente era muito bem
arrumada, sabe?! Então, você tinha ou uma rede, para prender o cabelo, ou, então,
o cabelo muito curto, que não usava na época, ou, então, trança. Quase todas as
meninas do Colégio... Todas nós usávamos trança!
M.A.: [inaudível]
D.L.: Tinha o uniforme de gala, que era um uniforme de uma seda bege...
FIM DO LADO A DA FITA 01
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Entrevista – fita 01 – lado B
D.L.: ... Mas era um vestido. Bege, de manga comprida, o mesmo [inaudível], e também,
assim, com o SM do Colégio Santa Maria. Esse era para festa.
M.A.: Agora, uma coisa, a Sra. falou que vocês iam em casa dois domingos, né?
D.L.: Dois domingos por mês.
M.A.: E a família visitava vocês também ou não? Só vocês iam visitar?
D.L.: Não, não. A família visitava. Tinha o [inaudível], aos domingos. A família visitava a
gente aos domingos. Eu te falei um negócio, aquela hora, de família, de primos... Nós
convivemos pouco com minhas tias, com meus avós, naquela época, porque eu
acabava saindo só uma vez por mês. No segundo domingo, eu acabava não saindo,
por causa da Maria do Carmo.
M.A.: E uma coisa, Dirce, como é que eram esperadas essas visitas? Era, assim... Vocês
ficavam ansiosas para esperar a saída, para esperar as visitas dos pais?
D.L.: Dos pais, a maioria não recebia visitas.
[O gravador é desligado.]
D.L.: Se a gente ficava ansiosa por visita? Meus pais, por exemplo, raramente vinham,
porque de lá... Eu não falei que nós morávamos em Lavras? Eram doze horas de
viagem! Você tomava um trem lá às dez horas da manhã e chegava aqui às dez
horas da noite! E juiz... Tinha uma férias por ano, e as férias eram em agosto. Em
julho a gente ia. Depois, tinha aula até novembro. Então, dezembro, janeiro, fevereiro.
Em março, as aulas começavam.
M.A.: Então, vocês ficavam em casa quatro meses por ano, né?
D.L.: Quatro meses.
M.A.: Natal... Essas férias vocês deviam esperar com ansiedade?!
D.L.: Ah, essas a gente esperava com ansiedade! Agora, visitas, por exemplo... A maioria os
pais vinham pouco.
1B-DL-22
M.A.: Era muito difícil...
D.L.: E era complicado viajar, naquela época!
M.A.: E, esses domingos que vocês saíam, um ou dois no máximo, o quê que vocês
faziam?
D.L.: Ou saíamos para a casa dos meus avós, que a gente não gostava muito, porque eles
já eram mais velhos, ou, então, saíamos para a casa das tias.
M.A.: Aqui, em Belo Horizonte?
D.L.: Aqui, em Belo Horizonte. Íamos ao cinema... Era o que a gente fazia.
M.A.: E as freiras que tomavam conta? Não, né?
D.L.: Não, não. Era livre! Aí, a gente ia ficava com a tia. A gente saía de manhã e
voltava para dormir no Colégio.
M.A.: Ah, bom...
D.L.: Não podia dormir fora, não.
M.A.: Então, vocês ficavam sobre a responsabilidade das tias.
D.L.: Isso. Uma pessoa tinha que buscar a gente. A gente não podia sair sozinha, não!
Tinha uma pessoa para buscar a gente. E não podia ser, por exemplo, uma prima.
Uma prima não podia buscar a gente não, tinha que ser um adulto. E os pais
deixavam, por exemplo, quem é responsável no caso de doença, quem é responsável
no caso disso.
M.A.: Agora, uma coisa... Como que era a sala de aula, Dirce? Assim, era uma sala
normal?
D.L.: Normal.
M.A.: Com mais ou menos quantos aluno?
D.L.: Ah... Mais ou menos trinta, trinta e poucos. As salas eram grandes! Tinha, assim, até
umas carteiras muito interessantes, daquele tipo que abre, para guardar o material
dentro da carteira.
M.A.: Eu acho que tem algumas carteiras desse tipo ainda lá no Colégio.
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D.L.: Ainda tem lá? Elas eram muito bonitinhas... O Colégio era muito bonito! O Colégio
era muito bonito, era muito bem tratado, era muito bem arrumado! O Colégio era
muito...
M.A.: Qual que eram as suas matérias preferidas?
D.L.: Eu sempre gostei de história! Eu sempre gostei de história! Tanto que eu sou ótima
aluna... Até hoje, eu sou boa de história! Tanto que os meus netos, quando eles tem
qualquer problema, eles apelam para mim. Eu sempre gostei de história! Agora, por
exemplo, eu estou lendo aquele livro dos Ramsés, sobre a vida dos faraós. Eu sou
apaixonada por história!
M.A.: E essas aulas especiais, assim, bordado... A Sra. não...
D.L.: Pois é! Até hoje, eu bordo! Agora mesmo, eu estou ali com os meus bordados.
M.A.: Bordado, pintura...
D.L.: Pintura não! A única coisa que eu sei desenhar é um gato. [risos]
M.A.: E uma coisa. A Sra. falou que os professores eram homens.
D.L.: É. Eram homens.
M.A.: Como que eram isso para as meninas? Porque vocês viviam lá só mulheres,
praticamente.
D.L.: É... Mas você sabe que a gente tinha uma afinidade muito boa com eles?
M.A.: E eles com vocês?
D.L.: Isso. Era um respeito muito grande! E o Bolivar de Freitas era relativamente moço;
ele era recém formado. O Edgar da Mata Machado também; ele era recém formado.
Mas eles tinham um respeito por a gente, e a gente por eles. Então, não tinha uma
distância... uma distância muito grande não. Era uma coisa boa... Tanto que, a pouco
tempo, eu encontrei com a filha do Dr. Euclides Ferreira. Eu não conhecia. E, quando
eu falei meu nome, ela falou: “Dirce, Dirce Lins... Mas o meu pai falava tanto na
Dirce! Que era a melhor aluna que ele teve.” Então, quer dizer, a gente marcava os
professores também.
1B-DL-24
M.A.: Hum hum. E o Colégio também era muito bem visto, aqui em Belo Horizonte, né?
D.L.: Muito bem visto! Era o melhor colégio daqui! Tranqüilamente...
M.A.: E as freiras? Como é que vocês viam aqueles hábitos religiosos? Porque você falou
de uma curiosidade, né? Falou da clausura, da vontade de saber se elas eram carecas
ou não. Tinha gente querendo ser igual a elas? Ou era uma simples curiosidade de
saber como é que elas viviam?
D.L.: É... Eu até conversei com essa moça... essa lá do Colégio. Como é que ela se
chama mesmo?
M.A.: A D. Terezinha? Ou a Tharcilla?
D.L.: A Tharcilla. O Colégio ele deu poucas freiras. Ele se gabava mesmo, com orgulho,
de formar boas mães de família! O Santa Maria tinha uma coisa, por exemplo, que ,
naquela época, não existia... Fazia Garden Party! Era uma festa no jardim, que as
mesas eram servidas por nós. E eram festas lindas! Porque as filhas do governador
estudavam... A Helena pelo menos, a segunda, estudava lá na mesma época que eu.
Então, era as filhas do Israel Pinheiro, do Benedito Valadares... Era um Garden Party
freqüentado pela alta sociedade de Belo Horizonte! E era servido pela gente, pelas
próprias alunas! E iam rapazes; as moças podiam levar os namorados – as externas.
Elas eram bem... bem avançadas para a época!
M.A.: Ah, sei...
D.L.: E tinha peças de teatro! Tinha a Mère Martin que era a encarregada das peças de
teatro. Então, as internas, quando não saíam, por um motivo ou outro... Então, você
pensa, nós levamos, por exemplo, “El Cid”. Esses autores clássicos, nós levávamos as
peças lá.
M.A.: Sei. E não eram coisas só ligadas a religião.
D.L.: Não, não! Uma coisa que não era proibida no Colégio era ler. Eu li Anatório Santos
no Colégio Santa Maria! Quer dizer, naquela época, que diziam que era um escândalo!
Eu li Anatório Santos, eu li Voltaire no Colégio Santa Maria! Eu li Voltaire no
Colégio Santa Maria! Você tinha acesso a qualquer livro!
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M.A.: Entendi...
D.L.: O único livro que deu escândalo, no Colégio, que duas meninas foram expulsas do
Colégio por causa disso, foi “A carne” do Júlio Ribeiro. Nós achávamos que “A
Carne” do Júlio Ribeiro era uma coisa, que devia um negócio!... Quando minha oitava
filha nasceu, meu marido falou assim: “Mãe de oito filhos, já pode ler ‘A Carne’!”
Me levou o livro de presente. Quando eu li a “A Carne”, falei assim: “Gente, ‘Dona
Flor e seus dois maridos é [risos] muito pior!”
M.A.: E de atividades católicas? Tinha duas missas por dia?
D.L.: Não. Só uma missa. Essa a noite era só oração na capela.
M.A.: E tinha que comungar, que a Sra. falou.
D.L.: É.
M.A.: Então, todo mundo..., a maioria das meninas que estudavam lá eram católicas?
D.L.: Teve casos, por exemplo, muito interessantes... A Sandra Cavalcanti, por exemplo, que
hoje é deputada. Ela e a irmã dela foram estudar no Colégio, por que teve uma
Maratona, uma Maratona Intelectual – foi um ano antes de eu entrar para o Colégio –
e o Colégio ganhou todos os prêmios. De história, de matemática, de português...
Todos ficaram com alunas do Colégio Santa Maria. E esse pai delas tinha uma
escola no Rio, um colégio no Rio, que chamava Castro Alves. Mas ele mandou as
duas estudarem aqui, porque ele ficou maravilhado com a cultura do Colégio Santa
Maria. Só que ele era positivista; ele não acreditava em nada! Fez a recomendação de
que elas não podiam assistir as aulas de religião. E as freiras tinham uma cabeça tão
boa, tão esclarecida, que elas aceitaram a Sandra e a Conceição! A Sandra virou
deputada e a Conceição foi ser freira.
M.A.: Nossa!
D.L.: Agora, elas gostaram, e ficaram muito ligadas a uma freira do Santa Maria, que era
a Mère Alberta, prima do Humberto Campos, uma mulher inteligentíssima. E, no final
das contas, elas, que o pai nem queria que assistissem aulas de religião... A Conceição
foi ser freira!
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M.A.: Agora, uma coisa... Essas atividades... Você falou que vocês jogavam ping-pong,
tinha atividades de lazer... Claro, vocês ficavam internas... Você falou que tinha o
Garden Party...
D.L.: Tinha, por exemplo, time de vôlei. Nós... O Colégio disputava com o Izabela,
disputava com...
M.A.: E a Educação Física fazia parte do currículo?
D.L.: Era obrigatório. Era obrigatório.
M.A.: E os dias festivos eram quais? Você já falou do Sete de Setembro. Qual que era a
festa marcante do Colégio, na sua época?
D.L.: ... Porque a ordem foi fundada por Santo Agostinho. Então, o dia de Santo
Agostinho era muito festivo para a gente. Era a Semana Santa... Na Semana Santa,
tinha feriado. Era uma Semana Santa mesmo! Era uma semana inteirinha de feriado.
M.A.: Aí, geralmente ia para a casa?
D.L.: Ia para a casa. Nós não íamos não, porque era muito longe. Nós ficávamos aqui, na
casa das tias ou na casa dos meus avós.
M.A.: E como que eram as amizades, dentro do Colégio?
D.L.: Olha, tinha uma coisa, que, hoje, depois que a gente cresce, amadurece... Não podia
ficar duas meninas juntas, por causa do [inaudível].
M.A.: Ah, é mesmo?
D.L.: Tinha uma freira, que era desce tamanhozinho, que tinha uma cadernetinha e vivia
anotando. E, se ficasse duas sozinhas... Tinha que ficar, sempre, no mínimo três! Era a
tal que eles chamavam de amizade particular! Hoje, depois de muitos anos, é que nós
descobrimos porque! [risos] Devia ser um medo de lesbianismo, de alguma coisa,
porque não podia ficar duas meninas sozinhas!
M.A.: E as conversas eram controladas?
D.L.: Eram controladas. Eram controladas. Ah, isso eram! Você não podia... As suas cartas,
quando você recebia, você recebia elas abertas – as cartas de casa. E, de acordo com
1B-DL-27
alguma observação, que elas achavam importante, elas riscavam, elas grifavam. Agora,
as cartas, que você escrevia para casa, você entregava aberta, para a freira Rose
Marie, que era a encarregada disso. Ela lia a carta. Aí que mandava a carta! Então, a
correspondência da gente era censurada! Tanto que eu tenho trauma disso! Hoje, até
correspondência de banco, comercial, que chega aqui em casa, para os meninos, eu não
abro. Eu tenho trauma disso! Porque tinham coisas, que você gostaria de contar para a
sua mãe e para o seu pai, mas que você não queria que outras pessoas soubessem. E
as cartas eram lidas.
M.A.: E a Sra. já namorava, na época?
D.L.: Não!
M.A.: Nessa época não, só depois, né?
D.L.: Não dava para namorar! [risos]
M.A.: E como que as meninas faziam? As que tinham namorado. Porque, para escrever
para o namorado era censurado também.
D.L.: Eu acho que a gente não devia namorar naquela época não. [inaudível]
M.A.: Ah! Vocês eram muito novinhas...
D.L.: A gente entrava com onze anos e saía com quinze. Com quinze, a gente era
menina!
M.A.: É. Quinze anos é [inaudível].
D.L.: Pois é, com quinze anos, a gente era menina!
M.A.: E os momentos de lazer? A Sra. falou que tinha jogos, tinha vôlei...
D.L.: Tinha um time de vôlei muito bom...
M.A.: ... festinhas ...
D.L.: ... festinhas ...
M.A.: Os namoros a Sra. já falou. E tinha essas... A sua irmã, a Sra. falou, que ia paquerar,
que dava umas paqueradinhas.
D.L.: Mas não era assim...
1B-DL-28
M.A.: No bonde, o quê que acontecia?
D.L.: Quando... Nós não tomávamos o bonde.
M.A.: Hum hum. Esse bonde devia ser super famoso, né?
D.L.: O bonde era! Os rapazes todos de Belo Horizonte iam esperar o bonde do Colégio
Santa Maria passar! Ali, na Praça Sete, era ali que o bonde do Colégio Santa Maria
passava. Agora, ficava essa freira, porque as externas não podiam nem olhar para o
lado! Nem as externas... Porque interna não ia de bonde para lugar nenhum!
M.A.: Ah, não, né?
D.L.: A gente ia assim... Por exemplo, se a gente ia ao dentista. Tinha a D. Zezé, que era
uma velha. Se a gente ia ao dentista, a D. Zezé levava a gente. Por exemplo, se a
gente precisava fazer uma roupa, porque a gente precisava de roupa também. No
feriado, a gente saía, e a gente crescia.
M.A.: Hum hum.
D.L.: Então, a gente tinha que ter uma roupa diferente também. Quando precisava de uma
roupa assim, a gente saía com a D. Zezé, a gente ia na Casa da Sogra comprar os
tecidos e na costureira mandar fazer.
M.A.: E o dia da interna era muito diferente do da externa?
D.L.: Elas chegavam meio-dia e saíam às cinco.
M.A.: Entendi.
D.L.: Então, a única coisa que elas tinham, junto com a gente, era o recreio da tarde.
M.A.: E as aulas, né?
D.L.: E as aulas.
M.A.: E, nas aulas, ninguém conversava, né?
D.L.: Não, não. Agora, a gente tinha... Igual eu, por exemplo, as minhas amigas, até hoje,
são do tempo do internato, do internato do Colégio. Porque, depois, nos mudamos para
aqui. Eu formei em 43, em 45 papai veio para aqui. Então, a gente ainda estava com
as amigas muito recentes.
1B-DL-29
M.A: E excursão? Alguma coisa assim?
D.L.: Não! Nada disso.
M.A.: Não tinha... E havia algum contato com esses outros colégios, em alguma olimpíada,
por exemplo?
D.L.: Não. Só vôlei.
M.A.: Com o Izabela?
D.L.: De um modo geral, a gente jogava era com o Izabela?
M.A.: E com o Imaculada?
D.L.: Não, não. Tinha uma rivalidade com o Imaculada, eu não sei porque. Porque as
freiras do Imaculada... Porque as freiras do Sagrado Coração de Jesus era porque
eram alemãs, e os franceses tinham ódio dos alemães! Então, na época da guerra, foi
uma loucura! Então, do Sagrado Coração de Jesus, a gente nem ouvia falar. Inclusive,
tinha uma freira, no Colégio Santa Maria, que era alemã. E ela sofreu na época da
guerra, sofreu, assim, (coitadinha!) de ser maltratada pelas outras freiras, porque ela era
alemã. Porque, elas eram todas francesas, só a Mère Edwiges que era alemã. Então, o
Sagrado Coração de Jesus, aquele ali da... da...
M.A.: Da Professor Morais?
D.L.: Justamente! Não tinha quase contato nenhum, e devia ser por causa dessa rivalidade.
M.A.: E o Sacré Coeur de Marie foi fundado depois, né?
D.L.: Foi fundado depois. Isso aí, foi depois.
M.A.: O Santa Marcelina, também, né?
D.L.: Isso aí, foi tudo depois.
M.A.: [inaudível]
D.L.: O Santa Maria começou a funcionar aqui perto da Praça da Estação. E era um
Colégio misto. Tanto que a minha sogra – acho que eu te falei – falava que tinha sido
colega do Dr. Gastão Ribeiro, que era amigo do meu marido. Ela falava assim: “Eu
fui colega do Dr. Gastão!” Então, eu fiquei na dúvida. Mas, como eu conheço a filha
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do Dr. Gastão, eu telefonei para ela, a Beatriz. “Era! O meu pai foi colega dela
mesmo!”
M.A.: É. Estudaram onze alunos homens lá.
D.L.: É? Ah!
M.A.: Os jornais colocam que eles eram muito levados. Agora... A gente não sabe se é
por isso mesmo que acabou.
D.L.: Porque o Dr. Gastão Ribeiro de Oliveira foi um desses, porque ele foi colega da
minha sogra. A minha sogra ela morreu a seis anos, com 94 anos. Ela estaria com
cem anos agora.
M.A.: Agora...
D.L.: Ela morreu depois do meu marido. Ela estaria com cem anos agora...
M.A.: E como que a Sra. caracterizaria o Colégio, então?
D.L.: Eu achava um excelente Colégio! Eu acho assim, nos deu uma cultura muito grande,
os professores eram muito responsáveis, era uma cobrança muito grande quanto a
parte de disciplina. Não tinha malandra, no Colégio! Todo mundo saía bem do
Colégio! O Colégio fez poucas freiras. Era assim...
M.A.: Fez mais mães de família?
D.L.: Mais mães de família, donas de casa. Eu acho que eu devo... Uma menina que entra
para um colégio com onze anos e sai com quinze, a formação que ela tem... Pode
ser até duro para pai e mãe escutar isso. Mas, é feita no colégio.
M.A.: A escola tem um papel importante na formação...
D.L.: Principalmente no internato!
M.A.: A Sra., então, se sente satisfeita?
D.L.: Completamente satisfeita!
M.A.: ...Não idealiza nenhum outro tipo de educação...
D.L.: Não, não! Mas não poria filho em colégio interno. Não usa mais isso, né? Mas eu
não poria filho em colégio interno. Eu acho que a gente fica... Não diria que a gente
1B-DL-31
fica dura não. Mas falta ternura! Em uma época que... Adolescente é complicado. Eu
vejo, por exemplo... Eu curto minhas netas, que são adolescentes. Elas precisam de
alguém com quem elas se abram, quando tem um problema muito grande. Adolescente
sofre muito! E a gente não tem isso no internato. Freira não entendia essa parte da
gente.
M.A.: Vocês não podiam contar as coisas para elas, né?
D.L.: Não podia! A gente não podia nem contar as coisas para ela. Agora, por exemplo,
quando eu fiquei menstruada foi um... Eu fiquei no internato, e foi um tormento para
mim! Porque eu não sabia! Começou a doer, doer, e eu não sabia que dor era aquela,
que eu estava tendo. Então, eu acho que isso é pesado para menino em colégio
interno.
M.A.: Como é que foi? Porque você teve que contar para elas.
D.L.: Tive que contar, porque... Elas já sabiam, porque, quando você chagava na idade de
11, 12 anos, no seu enxoval... O enxoval vinha marcado.
M.A.: Hum hum.
D.L.: O meu número era 70. Todo enxoval vinha marcado. Você tinha que levar roupa de
cama; você tinha que levar meia, sapato, uniforme... Você tinha que levar a roupa
toda. Então, vinha aquela sacola, porque não era modess que existia. Então, já vinha
aquilo tudo preparado. Eu levei um susto louco, quando eu fiquei...
M.A.: A Sra. não sabia nem o quê que era?
D.L.: ... Eu levei um susto louco! Então, eu chorei a noite... A irmã que tomava conta
dormitório queria saber o quê que tinha acontecido comigo. Aí que ela veio, me
explicou, me mostrou tudo direitinho como é que era. O modess você tinha que usar,
e por naquela mesma sacolinha. No dia seguinte, as freiras da lavanderia pegavam
para lavar aquilo, e te davam tudo prontinho, arrumado.
M.A.: Hum, entendi.
D.L.: Eu acho que a pessoa quando é adolescente... Eu não poria...
M.A.: E como é que elas explicaram, a Sra. lembra? Porque não deve ser igual hoje, né?
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D.L.: Aí, ela me explicou. Eu me lembro até muito bem, porque foi a mère Rose Marie.
Não, a mère Marie Rose. Até tem uma rua com o nome do pai dela. Então, eu entrei
em pânico! E ela era mestra de disciplina. E eu chorava, chorava, chorava, porque eu
achava que estava doente, que eu estava com uma doença seríssima. E mamãe não
me explicou! Porque quando eu entrei no colégio, com 11 anos, a mamãe devia ter
me falado. Mas ela não me explicou, talvez porque ela achou que seria mais tarde.
Aí, a mère me explicou direitinho como é que era, como é que ia acontecer, que eu
não estava doente nada, que aquilo era normal. Aí, eu acomodei, né?
M.A.: Ah, que legal! Então, o relacionamento com as freiras era muito bom, né?
D.L.: Ah, era muito bom! Muito bom... A Arlinda Corrêa Lima, que tem até uma sala no
Palácio das Artes, foi minha colega de turma. E Arlinda sempre foi excelente para
desenhar, mas malandríssima para estudar. Ela desenhava que... Foi dada a ela a
chance de ficar só... Ela podia desenhar o tempo todo. Elas incentivavam muito a
gente.
M.A.: É.
D.L.: E a Arlinda tem até uma sala lá no Palácio das Artes com o nome dela.
M.A.: E a Sra. tinha vontade de aprender outras matérias ou não? Tinha alguma coisa
especial?
D.L.: Não, não, não.
M.A.: E, igual a Sra. colocou, a Sra. era muito comportada, né?
D.L.: Comportadérrima! Não devia ter sido tanto! [risos] Não devia ter sido tanto!
M.A.: Mas a Sra. chegou a desobedecer alguma coisa?
D.L.: Não. Eu sempre fui engraçada... Porque eu sou uma pessoa assim, eu não tenho
medo da vida. Não tenho, não tenho medo da vida. Não tenho medo das pessoas.
Tanto que eu moro nessa casa e não tenho medo. Mas eu tinha... Quando eu morava
em Santa Luzia, a cadeia era junto com o fórum. E a gente ia muito ao fórum, para
ver papai. Toda hora, a gente atravessava a rua e ia ver papai no fórum! Papai era
muito grudado com a gente! Então, a gente tinha que ir visitar o papai no fórum. Ia
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e voltava. Então, a gente passava do lado da cadeia e via aqueles presos. E presos, em
Santa Luzia, naquela época, devia ser uma meia dúzia! E eles assim agarrados na
grade, conversavam com a gente quando a gente passava. E eu tinha pavor de ser
presa! Tanto que eu brincava... Porque eu nunca colei, mas, como eu falava com meus
filhos, não era por virtude não, era por medo de ser apanhada. [risos]
M.A.: [risos]
D.L.: Porque a minha irmã... Já vai aparecer o nome dela aqui, de novo! [risos] Uma vez,
ela queria ver a prova da que estava na frente dela, então, ela pegou o compasso,
furou as costas da menina que estava na frente dela. “Ou você me passa a sua
prova, ou eu te furo!” [risos]
M.A.: [risos]
D.L.: Então, eu não sei se era por... por...
M.A.: E se colasse, o quê que acontecia?
D.L.: Você era suspensa! Era suspensa! Era um escândalo se colasse!
M.A.: E que engraçado... Você e sua irmã tão diferentes! Uma comportadinha e a outra...
D.L.: Para você ver que engraçado!
M.A.: É. Irmãos, criados juntos, do mesmo jeito, e acabam sendo diferentes.
D.L.: E, hoje, nós somos completamente diferentes! Ela... ela... É o seguinte, eu fui feliz no
casamento, e ela, infelizmente, não teve essa sorte. Então, hoje, ela é... E eu sempre fui
uma pessoa muito alegre. Eu sempre gostei de conversar, eu sempre gostei de ler, eu
sempre gostei de conversar! Então, eu... Essas coisas todas, que eu sempre gostei de
fazer, eu faço até hoje. Até hoje eu faço aula de dança! Então, eu consegui manter
isso.
M.A.: Hum... E tinha alguma coisa que a Sra. detestava?
D.L.: [silêncio] Ah, tinha! Fígado. [risos]
M.A.: [risos] E era obrigado a comer.
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D.L.: Era obrigado a comer! Você não podia... Você era obrigada a comer tudo que
servia. E fígado, eu tinha horror de fígado! Como a blusa era [inaudível] assim, e a
saia tinha um cós assim, segurava. Ela ficava soltinha assim. Então, no dia, que era
terça-feira, eu levava uma folha de caderno... Eu acho que era a única coisa errada
que eu fazia! [risos] Eu levava uma folha de caderno e punha no meu colo. Quando
o fígado vinha, eu jogava ele assim, enrolava e punha dentro da blusa. E, quando ia
para o recreio, eu jogava na lata de lixo. Nunca consegui comer fígado! Nas minhas
gravidezes, o meu marido falava assim: “Você tem que comer fígado!” Eu falava:
“Não, eu faço qualquer coisa, menos comer fígado!” [risos]
M.A.: E como que a Sra. caracteriza a família? Você falou que a sua família é muito
grande...
D.L.: A família, para mim, é a coisa mais importante que existe. Acho uma coisa bonita,
que eu e o meu marido conseguimos construir. Os meninos são... Os meus filhos
estão sempre aqui. Sábado, reúnem todos aqui em casa. Sábado, por exemplo, agora, é
aniversário de uma delas e do filho, que está fazendo dezoito anos, e o almoço é
aqui em casa. Família para mim é muito importante! Muito!
M.A.: E a educação que a Sra. deu para os filhos? Para os filhos e para as filhas?
D.L.: Eles falam que eu era muito brava. Todos eles falam que eu era muito brava. Tem
coisas, por exemplo, assim... O meu mais velho dos homens freqüentava muito o
Minas Tênis e chegava tarde. Eu tenho uma empregada, eu tive uma empregada vinte
anos.
M.A.: Hum hum.
D.L.: Hoje, é a irmã dela que trabalha comigo. Então, aqui em casa, eu falava com os
meninos, é igual teatro. O Jorge não almoçava conosco, porque ele era médico, ele
tinha muitos... Mas ele jantava com a gente, e ele gostava de jantar com a família
toda junta. E eu falava com o Eduardo, aqui em casa, é igual teatro, toca a primeira
vez para falar que vai começar e toca a segunda para falar que começou. Então, se
você não chegar em casa na hora do jantar, você vai ficar sem jantar. Da primeira
vez, eu avisei. Da segunda, ele chegou todo bonitinho do Minas e eu falei com ele:
“Você vai para a cama sem jantar.” O meu marido arregalou uns olhos desse
1B-DL-35
tamanho! [risos] “Mas você vai deixar o menino sem jantar?” “Vai. Ele vai ficar sem
jantar, para aprender que ele tem hora para chegar em casa.” Então, essas coisas
[inaudível]. [risos]
M.A.: Agora, Dirce, alguma de suas filhas estudou no Colégio Santa Maria?
D.L.: Não. Elas estudaram no Colégio Sion. Aí, quando o Sion fechou, e abriu o Santa
Dorotéia, elas foram para o Santa Dorotéia. Porque aí o Santa Maria já estava...
M.A.: Não era...
D.L.: Não era mais aquela coisa!
M.A.: E deixou de ser das freiras também, né? Em 69.
D.L.: Pois é.
M.A.: Mudou muito o Colégio, né?
D.L.: Isso. Ainda é um colégio bom?
M.A.: Não sei. Acho que não é dos melhores, né? Porque, antigamente, ele era o melhor! E
o Santa Dorotéia, quando elas estudavam, era de freiras?
D.L.: Era. Tanto o Sion, quanto o Santa Dorotéia, era de freiras. Uma começou e terminou
lá, e até hoje é apaixonada pelo colégio! A Cláudia, a mais velha. Depois, a segunda e
a terceira fizeram só o primário lá, e, depois, foram para o Santo Antônio. Não
agüentou freira! Só uma que começou e terminou.
M.A.: E os homens?
D.L.: Estudaram quase todos no Santo Antônio, aqui perto de casa. Só o que é médico
que foi para o Loyola, porque os colegas foram e ele foi junto. Os outros todos
estudaram no Santo Antônio.
M.A.: Entendi. E a Igreja? Você continua tendo ligação? É católica? Vai a missa?
D.L.: Os meus filhos, nenhum deles.
M.A.: Nenhum deles. Mas seguem as tradições? Batismo, casamento?
D.L.: Seguem. Mas, infelizmente, vão só nas missas de sétimo dia. Quando vão!
1B-DL-36
M.A.: E como que a Sra. caracteriza a sociedade da época? Você acha que ela era muito
conservadora?
D.L.: Conservadora demais...
M.A.: E em relação a mulher? Ela reserva um papel específico para a mulher? Ou, assim...
O futuro da mulher era traçado? Se esperava uma postura determinada?
D.L.: Olha, eu, quando eu formei, fui para Lavras. Em dezembro de 46, meu pai foi
transferido para cá. Quando ele veio, em dezembro de 46, eu queria trabalhar. Eu falei
que eu ia trabalhar fora, porque, na época, juiz ganhava muito pouco, e eu era muito
vaidosa e queria as minhas coisas. Meu pai quase me matou! “Filha minha não
trabalha fora! É um absurdo filha minha trabalhar fora!” “Ora pai, apareceu um
concurso para mim fazer e eu vou fazer esse concurso.” Era o que hoje a gente
fala... Como é que fala? É o INPS... Era a Carteira Imobiliária. E apareceu esse
concurso federal, e eu fiz. Ele ficou com tanta raiva, que ele não tomou providência
nenhuma! E eu precisava de um atestado de bons antecedentes. O meu avô... Nós
estávamos na casa do meu avô, porque o papai não tinha montado casa ainda. O meu
avô que ligou para um juiz, que era amigo dele. “A minha neta está aqui, ela precisa
de um atestado de bons antecedentes, para fazer um concurso.” Meu avô... Tinha
umas das provas que era de leis trabalhistas. Que era um livrinho desse
tamanhozinho aqui, naquela época. O irmão da minha mãe, meu tio, que era juiz
também disse: “Senta aqui. Em um instantinho você aprende essas leis trabalhistas!”
Foi ele que me ensinou. O papai não moveu uma palha, para que eu passasse nesse
concurso!
M.A.: E seu avô, muito mais velho...
D.L.: Foi meu avô que me ajudou, que foi atrás desse juiz. Foi meu tio que estudou
comigo. E o resto estava fresquinho, porque tinha pouco tempo que eu tinha saído do
Colégio. Fiz o concurso e passei em primeiro lugar! Pois eu trabalhei seis anos. Eu
era chefe da carteira do [inaudível]. Quando eu estava para casa, meu marido disse
assim: “Ou você casa e para de trabalhar, ou eu não caso com você.” Como eu
queria casar, [risos] eu parei de trabalhar!
M.A.: Então, foi a família materna te deu apoio para você trabalhar fora.
1B-DL-37
D.L.: A materna. O pai não! E o marido também não! [risos]
M.A.: E qual foi a reação do seu pai, quando você começou a trabalhar?
D.L.: Demorou muito o vir o resultado, porque o concurso era federal. Aí, o papai falava
assim, eu já falei que a gente entra é para vencer... Porque ele falava assim: “A gente
tem que ser vencedora.” “A gente entra é para vencer. Você não estava preparada
para fazer esse concurso? Porque que você foi fazer esse concurso? Esperasse mais.”
Eu tinha acabado de fazer dezoito anos. “Esperasse você ficar mais madura.” Até que,
um dia, ele estava indo para o fórum, e encontrou com um amigo dele, que tinha
uma sobrinha que também tinha feito o concurso. “Acabei de vir de lá, a Dirce
passou em primeiro lugar!” Aí, ele até me telefonou do fórum, para dizer que eu
tinha passado. Mas, no primeiro dia, que eu ia trabalhar, ele disse assim: “Eu vou te
levar no serviço.” “Ah, papai, você não vai não. Porque você, quando eu entrei para o
Colégio, você disse para terem cuidado comigo, porque eu tinha dormido no seu colo
até ter dez anos.” Toda noite, eu tinha que dormir um pouquinho no colo dele, e,
depois, eu ia para a cama. “ então, cuida dele para mim.” “Quando eu fui para o
Colégio, você fez isso. Agora, você vai me levar para falar com o meu chefe cuidado
com ela?...”
Fim do lado B da Fita 01
1B-DL-38
A A carne, 25 alemãs, 29 alunas, 12, 24, 25 amigas, 10, 18, 19, 28 amizade particular, 26 amizades, 26 Ana Delina, 2, 8 Ana Marina, 4 Anatório Santos, 24 André, 7 anjo, 3, 8, 9, 10 anjo de classe, 9 aprender os pratos, 17 Arlinda Corrêa Lima, 32 arteriosclerose, 7 atividades católicas, 25 aula de canto, 17 aulas, 9, 15, 16, 18, 21, 23, 25, 28 avós, 8, 21, 22, 26
B bagunceira, 10 banhos, 15 Belo Horizonte, 3, 11, 22, 24, 28 Belo Horizonte, 1 Benedito Valadares, 24 biblioteca, 16 Boa Viagem, 6 Bolivar de Freitas, 17, 23 bonde, 19, 28 bordado, 6, 17, 23 bosque, 18, 19
C cabelo, 13, 20 cadeia, 32 café, 14, 15 capela, 14, 16, 25 cartas, 26 Carteira Imobiliária, 36 carteiras, 16, 22 Casa da Sogra, 28 casamento, 5, 7, 33, 35 casamentos, 7 Castro Alves, 25 católica, 10, 35 caxumba, 10 chefe político, 1 ciências, 16, 17 cinema, 22 Cláudia, 35 clausura, 18, 24 colégio, 3, 4, 6, 10, 11, 14, 24, 25, 30, 31, 32, 35
Colégio, 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 15, 19, 20, 21, 22,
23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 35, 36, 37 Colégio Arnaldo, 2, 4 colégio de freiras, 3, 10 Colégio Estadual, 19 colégio interno, 30 colégio protestante, 10 Colégio Santa Maria, 1, 3, 11, 19, 21, 24, 25, 28, 29, 35 colei, 33 comida, 14 comungar, 14, 25 concurso, 36, 37 condecoração, 8 contar história, 16 conversas, 14, 26 coroação, 3 coroar, 3 corpo, 13, 17 costureira, 28 cruz, 8, 9 cultura, 3, 25, 30 Curitiba, 7 curso de manager, 16, 17
D D. Zezé, 28 dentista, 28 desembargador, 3 desenho, 16 dia de festa, 11, 18 dias festivos, 26 Dirce, 1, 2, 10, 11, 21, 22, 23, 35, 37 disciplina, 10, 18, 30 disciplinas normais, 17 Dona Flor e seus dois maridos, 25 Dona Lígia, 17 donas de casa, 30 dormitórios, 11, 12 Dr. Gastão Ribeiro, 29, 30
E Edgar da Mata Machado, 23 educação, 3, 4, 30, 34 Educação Física, 26 El Cid, 24 enfermaria, 10 engenharia, 7 especial, 9, 32 estudo, 14, 16 Euclides Ferreira, 17, 23 excomungada, 10 excursão, 29 expulsa, 10 externas, 9, 12, 24, 28
1B-DL-39
externato, 14, 15
F Fábio, 6 família, 7, 21, 24, 30, 34, 36 famílias, 5 feriado, 26, 28 férias, 11, 21 festas, 24 fígado, 34 filhas do Coronel Idalino, 2, 11 filhos, 4, 5, 6, 7, 25, 33, 34, 35 fitas, 8 fórum, 32, 37 francês, 16 franceses, 29 freira, 9, 11, 13, 14, 18, 25, 26, 27, 28, 29, 35 freiras, 6, 9, 14, 17, 18, 19, 22, 24, 25, 29, 30, 31, 32, 35
G Garden Party, 24, 26 general, 4, 6 geografia, 16 guerra, 29
H hábitos religiosos, 24 história, 1, 16, 17, 23, 25 história familiar, 1 homem, 2, 4, 6 homens, 17, 18, 23, 30, 34, 35 horário, 13, 15 Humberto Campos, 25
I Idalino Ribeiro, 1, 11 Igreja, 35 infância, 1, 6 influência, 4 INPS, 36 interior, 12 interna, 8, 10, 11, 12, 19, 28 internas, 3, 11, 12, 14, 17, 20, 24, 26 internato, 8, 14, 15, 17, 28, 30, 31 internos, 6 irmão, 2, 4, 6, 36 irmãos, 6 irmãs, 2, 4, 6, 7 Israel Pinheiro, 24 Izabela, 11, 26, 29
J jantar, 16, 17, 34 juiz, 1, 2, 3, 5, 21, 36 Júlio Ribeiro, 25
L laço, 8, 9 latim, 17 lavanderias, 15 Lavras, 3, 10, 21, 36 lazer, 4, 26, 27 lesbianismo, 26 Loyola, 35
M mãe, 3, 5, 11, 27, 30, 36 magistratura, 2 mamãe, 1, 2, 3, 5, 6, 10, 11, 13, 14, 32 Maratona Intelectual, 25 Márcio Castro e Silva, 2 Maria do Carmo, 2, 7, 8, 10, 19, 21 marido, 4, 25, 29, 30, 34, 36, 37 matemática, 16, 17, 25 matérias, 16, 17, 23, 32 médico, 4, 34, 35 menstruada, 31 mère, 13, 14, 15, 32 Mère Alberta, 25 Mère Edwiges, 29 mère Marie Rose, 32 Mère Martin, 16, 24 Mesquita de Carvalho, 17 mestra de disciplina, 9, 32 militar, 4, 7 Minas, 1, 34 missa, 14, 15, 25, 35 misto, 29 monitor, 9, 10 Montes Claros, 2 mulher, 4, 17, 25, 36 mulheres, 23
N namorado, 12, 19, 27 namorava, 19, 27 namoro, 19 notas, 18 notre mère, 9
O optativas, 16 oração, 25 orientadora, 16 Orlando Miraglia, 19
P padre Agnaldo, 6 padre Álvaro Drummond, 6 pai, 1, 2, 3, 4, 5, 7, 10, 23, 25, 27, 30, 32, 36, 37 pais, 12, 21, 22 Palácio das Artes, 32 papai, 2, 4, 6, 11, 28, 32, 36, 37
1B-DL-40
paquerinha, 19 parada de sete de setembro, 19 pátio, 16 Peçanha, 2 peças de teatro, 24 pegador, 16 piano, 16, 17 ping-pong, 17, 26 pintura, 16, 23 por uma mesa, 17 português, 16, 17, 25 positivista, 25 Praça da Estação, 29 Praça Sete, 28 primário, 3, 35 primeira viagem, 2 primos, 8, 21 professor, 17, 18 professores, 17, 18, 23, 30 promotor, 2, 3 prova, 33
R Ramsés, 23 receber umas amigas, 17 receitas de biscoitinhos, 17 recreio, 16, 28, 34 refeições, 14 refeitório, 14 relacionamento, 5, 6, 32 religião, 17, 24, 25 revista, 13, 14 Rio, 25 roda, 16 Rose Marie, 27, 32
S Sacré Coeur de Marie, 29 Sagrado Coração de Jesus, 29 saída geral, 8 sala, 16, 18, 22, 32 sala de aula, 16, 22 Salinas, 1, 2
Sandra Cavalcanti, 25 Santa Dorotéia, 35 Santa Luzia, 2, 3, 32 Santa Marcelina, 29 Santa Maria, 2, 3, 6, 17, 20, 24, 25, 28, 29, 35 Santo Agostinho, 26 Santo Antônio, 35 seção de história, 16 Semana Santa, 26 sère, 14, 15 Serro, 2, 3 servir, 7, 17 sessão solene, 8 Sete de Setembro, 26 sino, 13, 14, 20 Sion, 35 SM, 21 sociedade, 24, 36 solteira, 8 Suez, 7 suspensa, 19, 33
T tios, 8 toalete, 13 tomar banho, 13 toque de recolher, 20 trabalhar fora, 36 tradição, 3
U uniforme, 9, 13, 20, 31
V Velloso, 17 Venezuela, 7 visitas, 21 viúva, 7 vôlei, 26, 27, 29 Voltaire, 24
2A-DL -1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL PROJETO: VOZES DE MINAS - DISCURSO E RESTITUIÇÃO. ENTREVISTADORA: MARINA ALVES AMORIM ENTREVISTADA: DIRCE LINS MACHADO COELHO LOCAL: BELO HORIZONTE DATA: 11 / 05 / 00
Entrevista – fita 02 – lado A
M.A.: Estamos aqui, com a Sra. Dirce Lins, na segunda sessão...
D.L.: Nós começamos a falar sobre o tifo no Colégio...
M.A.: Hum hum.
D.L.: ... e depois não continuamos.
M.A.: É verdade. Então, Dirce, se a Sra. quizer começar falando sobre essa história
do tifo, que é uma das coisas que eu queria tratar hoje. Aí, se a Sra. quizer
começar falando sobre isso.
D.L.: O tifo... entrou no Santa Maria em 42.
M.A.: 42.
D.L.: 42. Nós saímos em 43. 42? 41, 42? 41. E o Colégio entrou em quarentena. E as
meninas que apanharam o tifo foram para o hospital, que hoje é o Bias Fortes,
que tinha acabado de ser construído. Acho que nem tinha terminado ainda a
construção do Hospital Bias Fortes. Então, a Prefeitura designou esse hospital
para o isolamento.
M.A.: Hum hum.
2A-DL -2
D.L.: Eu não sei, mas foram muitas alunas internas que apanharam. Foi só no
internato.
M.A.: E as externas, não?
D.L.: Não, só as internas.
M.A.: Agora, nessa época, as suas duas irmãs também estudavam no Colégio, né?
D.L.: Não. A Ana Delina não. Só a Maria do Carmo. E forma muitas que ficaram! O
Colégio teve que fechar; teve que ser fechado! Não tinha aula! As internas
tiveram que sair! E, mesmo assim, não tinha condições de ir para casa! Então,
tinha que arrumar alguém da família. Até família de externas que pudessem
recebê-las!
M.A.: E você lembra em que época do ano que foi isso, mais ou menos?
D.L.: Não, não. Lembro que foi no primeiro semestre.
M.A.: É porque eu posso dar uma checada em jornal, para ver se tem alguma coisa.
Agora, uma coisa...
D.L.: Uma aluna morreu.
M.A.: Morreu?
D.L.: E até foi muita sorte do Colégio, porque ela era irmã de uma das freiras.
M.A.: Ah, é?
D.L.: Foi a Márcia... Como é que ela chama? Márcia Costa. Ela era irmã da mère
Guilhermina, que até era uma freira muito brava, muito autoritária. E foi a
Márcia que morreu. Era a irmã caçula dessas irmãs todas.
M.A.: E foi uma epidemia na cidade ou só no Colégio?
D.L.: Só no Colégio.
M.A.: E porque?
D.L.: Tifo, diziam que era falta de higiene. Tanto que, na época da guerra, o que os
alemães tinha medo do judeus era em relação ao tifo. É... É... falta de esgoto,
falta de higiene... O que não era o caso do Colégio!
2A-DL -3
M.A.: É, porque a Sra. falou que o Colégio era muito limpo!
D.L.: Muito limpo! Muito bem tratado! Ninguém entendeu! Também a gente era
muito pequena para entender qual foi a causa do tifo, né?
M.A.: E, uma coisa, nessa época, você foi para aonde? Para a casa dos seus parentes
aqui?
D.L.: Eu fui para a casa dos meus avós.
M.A.: Para a casa dos meus avós.
D.L.: Eu fui para a casa dos meus avós.
M.A.: Esses avós eram seus avós maternos, né?
D.L.: Maternos.
M.A.: Porque eu lembro... Uma das coisas que eu lembro, que a Sra. tinha falado na
última entrevista, é que quando eu perguntei sobre o relacionamento com avós,
com tios, primos, você falou que não tinha muitas boas lembranças.
D.L.: Não.
M.A.: E acabou que eu não perguntei porque.
D.L.: Porque... Hoje, eu não sei se é porque a gente sempre morou fora. Meu pai era
juiz, então, a gente estava sempre mudando de lugar. E, a gente sempre morando
fora, mesmo quando era menina. Nós moramos até em Santa Luzia, que é aqui
pertinho. A gente vinha aqui em Belo horizonte no aniversário do meu avô, no
aniversário da minha avó. Eles iam lá para chupar jabuticaba, porque tinha
jabuticaba na época. Nós não temos muita ligação, não.
M.A.: E uma coisa que eu lembro, que a Sra. falou, é que, quando a Sra. começou a
trabalhar, foi esse seu avô que te ajudou.
D.L.: É. O nosso problema era com a minha avó e com as minhas tias. O meu avô
não. O meu avô...
M.A.: Porque ele devia ser uma pessoa muito...
2A-DL -4
D.L.: O meu avô era apaixonado, principalmente pela minha irmã, pela Maria do
Carmo. O meu avô era apaixonado por ela. Então, o meu avô era uma pessoa
muito boa.
M.A.: Para a época, ele era muito moderno, não era?
D.L.: Muito moderno para a época! Por exemplo, quando papai não queria que eu
trabalhasse fora, foi ele que tomou todas as providências para mim. [inaudível]
M.A.: Eu queria... Naquele dia que a gente conversou, o finalzinho da nossa
conversa não ficou gravado, porque a fita acabou. Então, eu queria pedir para a
Sra. repetir, para mim, aquela parte da Sra. ingressando no trabalho. Como que
foi? Porque a Sra. falou que se formou em 43.
D.L.: E vim para cá em dezembro de 45.
M.A.: 45. Eu me lembro bem disso. Eu até anotei as datas aqui. E, pelos cálculos
que eu fiz, a Sra. começou a trabalhar em 48. Certo?
D.L.: Não. Eu comecei a trabalhar em 46. Eu prestei concurso e comecei a trabalhar
logo. Eu casei em 51, e trabalhei seis anos.
M.A.: Ah, entendi.
D.L.: Eu trabalhei seis anos.
M.A.: Só uma coisa, então. Quando a Sra. saiu do Colégio, a Sra. voltou para Lavras?
D.L.: Voltei para Lavras. Aí, eu fiz... Eu não queria, mas meu pai praticamente me
obrigou a fazer o terceiro ano normal.
M.A.: Hum hum.
D.L.: Porque não tinha necessidade de eu fazer o curso todo. Eu não queria. Ele
falou: “Minha filha, tenha um título.” Porque, naquela época, ninguém fazia
faculdade. “Tenha um título, qualquer que seja ele. E o título de normalista
sempre vai servir para você para alguma coisa.”
M.A.: Entendi.
2A-DL -5
D.L.: Então, eu fiz o terceiro ano normal, em um colégio péssimo em Lavras, onde
eu sabia mais do que as professoras! [risos]
M.A.: Esse colégio era aquele colégio de freiras, que você tinha estudado antes de
vir para cá?
D.L.: Foi. Esse de freiras. É. O colégio bom de Lavras era o colégio americano. Era
o Instituto [inaudível].
M.A.: Protestante?
D.L.: É protestante. Era a Escola de Agricultura, era um colégio de homens, de
rapazes. Era o colégio de meninas que era o [inaudível]. Mas esse, eu dei aula
de francês lá. Quando eu saí do Colégio, eu dei aula de francês no [inaudível].
M.A.: Então...
D.L.: Foi o meu primeiro emprego! [risos]
M.A.: É foi o seu primeiro emprego.
D.L.: Foi o meu primeiro emprego! [risos]
M.A.: Então, em 45, quando você voltou para Lavras, você foi dar aula de francês
nesse colégio?
D.L.: Não. É, justamente. Quando eu voltei para Lavras... Foi em 44. Eu sai do Santa
Maria em 43 e comecei a dar aula em 44. As alunas falavam inglês, mas
passou a fazer parte do currículo o francês. E não tinha ninguém que soubesse
francês! As alunas eram tão ruins, que, quando eu entrei, elas liam como
escreviam. Eu dei aula de francês no [inaudível].
M.A.: Então, aí você fez o terceiro ano de normal?
D.L.: Isso. Me formei em 44.
M.A.: Em 44. E um ano depois...
D.L.: ...nós mudamos para aqui. Papai foi transferido em dezembro de 45. Quando
nós chegamos aqui, em dezembro de 45, a minha irmã Maria do Carmo ouviu
falar desse concurso. Ela saiu para se matricular, porque uma amiga nossa estava
2A-DL -6
se matriculando. E, de lá, ela me telefonou. Ela disse: “Dirce, eu não posso fazer,
porque eu não tenho 18 anos.” Tinha que ter no mínimo 18 anos. Ela é dois
anos e meio mais nova do que eu. Eu desci. Era o [inaudível] Ferreira. Era ali
perto do IAPI. Ele falou: “Você tem 24hrs para arranjar os seus papéis, porque
o prazo já terminou.” Ele me deu uma prorrogação de prazo. Eu fui tirar
retrato. Porque, naquela época, você não conseguia isso rápido.
M.A.: É.
D.L.: Teve que ser naquelas câmeras grandonas no parque. O meu retrato foi tirado
no parque. Porque, naquela época, você não conseguia rápido. Então, teve que ser
naquelas câmeras do parque.
M.A.: Aquelas grandonas...
D.L.: O meu retrato foi tirado no parque. Eu fiz... Eu fiz a inscrição. Oito dias
depois, estava marcado o concurso. Entrava português, matemática e leis
trabalhistas. Era uma coisa desse tamanhozinho assim. Meu tio, irmão da minha
mãe, que era juiz, estava de férias, na casa do meu avô. As férias forenses era
em janeiro. Papai não quis nem chegar perto! Meu tio falou assim: “Nós dois
aprendemos essas leis trabalhistas.” Eu me lembro que, na sala de jantar da casa
da minha avó, ali na rua Aimorés, ficava nós dois. Ele lia e eu repetia. Ele lia e
eu repetia. Então, eu estava ótima em leis trabalhistas! Fiz concurso. Nada de vir
resultado. Nada de vir resultado. O meu pai falava assim: “Eu criei vocês para
entrar para vencer. Se não estava preparada, para quê que foi fazer o concurso?”
E eu escutando essa lenga-lenga. “Se não está preparada, para quê que foi fazer
o concurso?” Ele não queria, talvez com o medo da derrota, né?
M.A.: É.
D.L.: Mulher não trabalhava fora! Aí, um dia, ele descia para o fórum... Nós ainda
estávamos na casa do meu avô; não tínhamos montado casa ainda. Aí, ele descia
para o fórum, quando um amigo dele, o Nelson Faria, que era do Banco da
Lavoura, virou e falou: “Acabei de passar...” A sobrinha desse Dr. Nelson que
tinha falado do concurso para a minha irmã. “Acabei de ir lá, para ver o
2A-DL -7
resultado da minha sobrinha, e a Dirce passou em 1° lugar!” Aí, do fórum, ele
me telefonou. “Olha, você passou em 1° lugar.” Foi quando ele me falou que ia
me levar no serviço.
M.A.: Ah, é mesmo!
D.L.: Ele falou que ia me levar no serviço. Que ele ia me levar no serviço. E eu
não quis. Eu falei: “Papai, como é que você vai levar no serviço. Você vai
chegar lá e vai falar que eu fui criada no seu colo? Feito você fez no Colégio
Santa Maria?” [risos] “Essa foi criada mo meu colo, você toma muito cuidado
com ela.” [risos] Não tinha jeito, né?!
M.A.: Mas, quando você falou com o seu pai que ia fazer o concurso, qual que foi
a reação dele?
D.L.: Ele ficou sem conversar comigo! Ele ficou sem conversar comigo! “Eu tenho
condições de sustentar a família! Não precisa de filha nenhuma me ajudar a
sustentar a família!”
M.A.: Ficou como uma afronta?
D.L.: Foi. Foi uma afronta para ele, eu começar a trabalhar!
M.A.: Agora, uma outra coisa que, quando eu estava escutando, me chamou a
atenção, e que eu queria te perguntar. A Sra. falou de vários lugares: de Salinas,
de Peçanha, de Santa Luzia, e depois daqui. De Salinas, a Sra. saiu com nove
meses ou foi só a 1a viagem?
D.L.: Aquela 1a viagem de Salinas para o Serro, eu sai de lá com 1 mês.
M.A.: Ah, entendi.
D.L.: Essa 1a viagem foi com 1 mês. Agora, de mudança mesmo, eu saí de lá com
nove meses.
M.A.: Com nove meses... E em Peçanha, a Sra. morou lá quanto tempo.
D.L.: Foram seis anos. As minhas duas irmãs nasceram lá. Em Santa Luzia, eu tenho
certeza que foram seis anos. Agora, em Peçanha, deve ter sido também. Olha, eu
nasci em 26, devo ter saído de Salinas em 27. Fomos para Santa Luzia em 32.
2A-DL -8
M.A.: São cinco anos, então.
D.L.: É. Cinco para seis anos. Deve ter sido cinco anos.
M.A.: Depois, seis anos em Santa Luzia e oito anos em Lavras.
D.L.: Oito anos, em Lavras.
M.A.: E, depois, Belo Horizonte. É... A sua trajetória escolar... O primeiro colégio que
você estudou foi esse colégio de freiras em Lavras?
D.L.: Não. Primeiro eu estudei no Grupo em Santa Luzia. Inclusive a D. Cira Castro
e Silva, essa que foi Secretária, foi a minha primeira professora.
M.A.: Sei.
D.L.: Ela foi a minha primeira professora. E ela até fala que eu era uma ótima
aluna! Mas, outro dia, ela me contando um caso... Ela ensinava que o O era o
que não tinha rabinho e o A era o que tinha. Então, o inspetor veio e ela me
chamou, porque disse que eu era a melhor aluna. E acho também que é porque
eu era filha do juiz! E que, lá no quadro, na vista do inspetor, eu perguntei: “D.
Cira, qual que tem rabinho? É o O, ou o A?” [risos] Eu falei: “Melhor aluna, e
fez a Sra. passar vergonha, né? [risos] “Qual que tem rabinho? É o O ou o A?”
M.A.: Então, a Sra. começou no Grupo em Santa Luzia.
D.L.: Em Santa Luzia.
M.A.: E, de Santa Luzia, é que a Sra. foi para esse Colégio?
D.L.: É. Nesse meio tempo, houve as eleições. E, na época das apurações, eles
chamavam os juizes das cidades satélites. E, naquele tempo, as apurações
duravam um ano! E papai foi um dos convocados para fazer parte da junta
apuradora. E nós moramos aqui em Belo Horizonte, uns oito meses... Não
chegou a ser um ano não! Lá na rua Maranhão. Aí, nós estudamos aqui no
Afonso Pena. E podia entrar no meio do ano, sair do meio do ano! Dependia
para onde o juiz fosse. E ficamos um tempo no Grupo Afonso Pena.
M.A.: Ali na João Pinheiro.
2A-DL -9
D.L.: Ali na João Pinheiro. E o 2° semestre do 4° ano primário, eu já fiz em Lavras,
no Grupo Francisco Sales. Terminei o primário lá. Aí, depois que eu fui para o
colégio de freiras. Aí, eu fiz um ano, que chamava ano de adaptação. Eu fiz ano
lá. Mas, aí, eu fui muito malandra! Não gostava do colégio! Não gostava das
freiras! Foi, então, que eu vim para o Santa Maria.
M.A.: É engraçado! Porque lá, você não gostava das freiras, e aqui você acabou que
gostou muito, né? Mas você falou que o colégio era muito fraco, né?
D.L.: Muito fraco! Muito fraco! E, nós tínhamos uma vizinha, que a filha dela
também estudava no colégio. E, toda quinta-feira, tinha uma tal de hora de
adoração. E minha mãe e ela iam juntas. Chegando lá, as freiras falavam assim:
“A Dirce fez isso e isso! A Dirce fez isso e isso! Tereré, tereré!” E com a outra
era assim: “Mas fulana não dá trabalho.” Chegava em casa, era a hora da bronca
na Dirce. Eu não sei o quê que a gente fazia.
M.A.: Porque você sempre foi muito certinha, né?
D.L.: Muito certinha! Fui passei... E as internas do Colégio, a maioria os pais eram
fazendeiros perto de Lavras. Então, todo mês, um deles mandava um caminhão,
para buscar as meninas para passar um final de semana na fazenda deles. Eu
nunca consegui ir! Tinha uma tal D. Zezé, que era a responsável pelos boletins.
Eu esperava a D. Zezé na esquina e falava: “D. Zezé, deixa para a Sra. entregar
o meu boletim na segunda-feira.” “Ah, não! As freiras falaram que eu tenho que
entregar hoje. E tenho que entregar para o seu pai!” [risos] Ela entregava o
boletim para o papai. Papai falava assim: “Ah, não! Não vai fazer o passeio!” Em
um ano, eu não consegui fazer nenhum passeio!
M.A.: Engraçado... Será que o problema da Sra. era com o colégio mesmo? Porque a
Sra. sempre foi boa aluna!
D.L.: Eu sempre fui certinha... [risos] E eu me lembro muito bem... Em uma prova,
até hoje não sei de que matéria, eu abri o livro. A prova estava aqui, eu abri o
livro aqui do lado! A professora virou para mim: “Dirce, você não entregou a
prova ainda e está de livro aberto?” “Não... Eu estou só conferindo!” [risos]
2A-DL -10
Talvez, a impunidade de filha de juiz! Porque elas me chamavam a atenção, mas
eu estava sempre bem cotada! Então, era por isso... E, também, naquela fase, eu
estava entrando na adolescência.
M.A.: É. A puberdade, né? A cabeça fica bem confusa...
D.L.: [inaudível]
M.A.: E, então, a Sra. começou a trabalhar em 45, até 51. E, nesse meio termo, foi
que a Sra. conheceu o seu marido, né?
D.L.: Foi. Foi.
M.A.: E foi em que ano?
D.L.: Em 48. Em 49, nós ficamos noivos. Nós namoramos dois anos.
M.A.: Como que foi? Porque você falou muito dos pais, dos irmãos. E do marido,
apesar de você ter mencionado a entrevista toda, que ele era médico, do
relacionamento dele com os filhos, mas da família, você só falou que a mãe
dele também tinha estudado no Colégio Santa Maria. Então, eu queira que você
falasse um pouco mais dele, da família dele, da trajetória de vida e de como
que vocês se conheceram.
D.L.: Eu conheci meu marido assim... Nós estudávamos na Aliança Francesa, que
hoje é hoje é Cultura Francesa. E nós fomos em uma festa, eu, minha irmã e
uma amiga nossa, a Marília Sales. Nós fomos a uma festa. E essa Marília Sales
gostava do irmão do meu marido. E ela, então, convidou o Sérgio para ir nessa
festa. Ele não foi, foi o Jorge. O Jorge é o meu marido. E ele dançou com a
minha irmã, porque o namorado dela não tinha ido na festa. Ela dançou com
ele. Ela namorava o Fernando Minicursi, na época. Eu levei o meu namorado. O
namorado da minha irmã não foi. O irmão dele não foi e ele foi no lugar dele.
Quando eu o vi pela primeira vez... Ele era a cara do [inaudível]. Você já
ouviu falar?
M.A.: Já.
2A-DL -11
D.L.: Pois ele era a cara! Tanto que o apelido dele era esse! Aí, o Jorge dançou
com a minha irmã, porque o namorado dela não foi. Tudo bem. Até que, eu
tinha um vizinho... Nós morávamos na avenida Amazonas, perto da Praça Raul
Soares. Eu tinha um vizinho de frente, o Délio Duarte, que era médico também,
e era amigo dele. Ele trabalhava aqui na Santa Casa também. E a gente
encontrava muito com o Délio, porque ele morava na nossa frente. E a irmã do
Délio era nossa amiga. E ele, então, começou... De vez em quando, ele encontrava
com o Délio, ia lá, saia com ele. E eu comecei a vê-lo. Até que, um dia, ele
pediu para o Délio falar comigo. “Fala com a Dirce, fala com a sua vizinha.
Pergunta se ela quer ir ao Minas comigo?” Hora dançante no Minas. Mas, papai
era muito bravo, então nós só podíamos sair com o meu irmão. Meu irmão é
general. Meu irmão, na época, estudava aqui no CPOR. Então, ele é que levava
eu e Maria do Carmo. A minha irmã mais nova nunca ia com a gente. Mas
telefonaram do CPOR. Ele falou assim: “Dirce, eu não posso ir, porque tenho
uma atividade aqui do exército.” E o Jorge estava me esperando naquele
momento. Aí, o papai falou: “Então, vocês não vão.” Mas uma tia, até que era
muito chata, quando a gente era menina e estudava no Colégio, falou: “Não, eu
levo vocês.” Ela ficou com a gente. Aí, eu conheci o Jorge e a gente começou
a namorar.
M.A.: Aí, depois de dois anos, vocês casaram?
D.L.: É.
M.A.: Ele era parente daqueles Sigaud? Não era? Que vieram para a construção da
cidade?
D.L.: Era. O avô dele veio para a comissão construtora.
M.A.: Você me falou disso no telefone, naquela vez que a gente conversou.
D.L.: Eu tenho até uma foto aqui, depois, se você quizer, eu posso te mostrar, que
saiu no Estado de Minas. Tem a avó dele, que era viúva do Pedro Sigaud, tem
o pai e mãe dele, e tem ele pequenininho assim. Ele veio para a comissão
construtora, ele era um engenheiro, que veio para comandar a comissão
construtora.
2A-DL -12
M.A.: E, quando você conheceu ele, ele já era médico.
D.L.: Já era. Ele formou em 45.
M.A.: E, uma coisa, pelo que você me falou, você deixou de trabalhar quando se
casou.
D.L.: “Ou você para de trabalhar ou eu não caso com você!” [risos] E eu queria
casar com ele!... [risos]
M.A.: Era muito parecido com seu pai, não era?
D.L.: É. Era muito parecido com o meu pai. Mas ele... Eu falo, assim: “Eu cresci
com ele”. Porque a minha irmã, a Maria do Carmo, era muito brava. Ela sempre
foi muito brava. Então, quem tinha..., quem dominava lá em casa era ela. Até
que eu sou mais conversada, extrovertida. Eu falo muito mais do que ela, mas
quem mandava era ela. E mamãe [inaudível]. E ele não, ele me deixou crescer!
Era engraçado... Mas, por exemplo, quando a gente ia numa festa, ele chegava
em casa e falava assim: “A mulher mais bonita da festa era a sua mãe.” Para
ele, era. Não que eu fosse não, mas para ele era.
M.A.: Ele tinha muito carinho com você, né?
D.L.: Pois é.
M.A.: E uma coisa que eu lembro, porque você falou também, foi que você fez dois
anos de letras, como ouvinte, no Colégio Santa Maria.
D.L.: É.
M.A.: E quando que foi? Foi em 45, quando a Sra. chegou aqui em Belo Horizonte?
D.L.: Ah, eu já trabalhava... Foi em 46.
M.A.: 46.
D.L.: 46, 47.
M.A.: E, uma coisa, nessa época, o Colégio ainda era das freiras, né?
D.L.: Era.
M.A.: E essa faculdade também estava vinculada ao...
2A-DL -13
D.L.: Foi o começo da... Foi o começo da PUC, da Católica. Tinha um professor, ele
era francês. Como é que ele chamava? [inaudível] Era minha irmã, Maria do
Carmo, eu, Mère Martin, uma freira... Eram quatro alunas.
M.A.: Então, era das freiras, né?
D.L.: Era. Foi onde começou a faculdade católica.
M.A.: Eu sabia que tinha começado lá, porque, inclusive, hoje, o Colégio tem uma
ligação com a Católica.
D.L.: Exatamente!
M.A.: O mesmo superintendente dos colégios e diretor da Universidade Católica.
D.L.: A faculdade católica começou lá.
M.A.: Agora, eu não sei se ela foi reconhecida foi no ano de 69.
D.L.: Porque, na época, eu, como tinha feito curso normal, pude entrar. Agora, a Maria
do Carmo fez mesmo como ouvinte. Porque ela fez o ginásio e não quis fazer
mais nada.
M.A.: Agora, uma coisa, os nove filhos...
D.L.: [risos]
M.A.: Eu queria que você falasse um pouco da trajetória de cada um deles,
resumindo. O quê que cada um faz, se casou, se não casou...
D.L.: A mais velha chama Cláudia. Ela nasceu, eu tinha 9 meses e 17 dias de
casada! Teve os 17 dias, para não trazer complicações para mim! [risos] Teve os
17 dias, para garantir! O meu sogro e a minha sogra eram muito bravos com o
Jorge. E ele deve ter sido muito levado mesmo, porque ele tinha um roxo na
testa e isso, naquele tempo, era castigo. Então, quando a Cláudia nasceu, ele
falava comigo: “Eu não quero nunca que você fale com ela para esperar para
ver quando o pai chegar! Porque eu quero que ela me espere com alegria e não
com medo!” Então, ela foi criada assim: “Vamos por o vestidinho novo, para
quando o papai chegar. Vamos fazer isso, para quando o papai chegar.” Foi para
o Colégio. Quando chegava o boletim e as notas estavam muito boas, ela queria
2A-DL -14
ir no consultório, mostrar o boletim para o pai. Então, a grande paixão deles foi
o papai! Tudo girava em torno do papai! A Cláudia fez História na PUC. É a
que é solteira e mora comigo. Mas ela trabalha com serviço social. E ela devia
ter feito serviço social! Ela trabalha na favela. É um trabalho extressante, porque
ela trabalha com menores infratores! E ela ama trabalhar com menor infrator!
M.A.: É um trabalho muito gratificante, né?
D.L.: Gratificante. É.
M.A.: E, depois da Cláudia...
D.L.: O segundo eu perdi. O segundo eu perdi no parto. Eu não vi, porque Não
deixaram. Eles não me contaram... O Jorge pediu a mamãe para não me contar
o quê que era. Agora, eu só soube que tinha morrido uma semana depois. Ele
não quis me contar! Ele falava que estava na incubadora. Falava que estava na
incubadora. Como ele era médico, e era ele que fazia os meus partos, ele ficou
muito arrasado.
M.A.: E a terceira...
D.L.: A terceira é a Patrícia. Uma beleza de menina. Linda, linda, linda! No começo,
ela foi malaaannndra para estudar, mas, depois... Hoje, ela tem um emprego bom
no Tribunal Eleitoral; ela trabalha sistema eleitoral. Tem dois filhos. O mais
velho está fazendo 18 anos, e a mais nova tem 15.
M.A.: Adolescente...
D.L.: É, adolescente. O mais velho vai fazer vestibular agora. [risos] O terceiro é o
primeiro homem. O Jorge falava que queria mulher, que gostava era de mulher,
mas ficou louco quando o Eduardo nasceu! O Eduardo começou a fazer
engenharia e parou. Ele mexe com parte eletrônica..., comércio. Ele é casado e
tem uma menina. Depois, vem a Flávia. A Flávia que eu falo que é a paixão da
minha vida! [risos] É uma pessoa espetacular! Paixão assim, pela consideração
que eu tenho por ela. Ela fez economia, trabalha muito. Ela teve uma joalheria,
hoje, ela tem uma [inaudível]. Está bem!... Ela me dá um apoio danado! O ano
passado, ela teve que fazer uma cirurgia seríssima, porque levou um tombo e
2A-DL -15
rompeu uma hérnia de disco que ela tinha e não sabia. Um caso seríssimo. Ela
tem uma menina e um menino. A menina também faz 15 anos agora. E o
menino é poeta! É o melhor aluno da sala dele! Escreve aqueles acrósticos... Ele
sempre faz para mim! Dirce... doçura, inteligência... [risos] um monte de coisas
que eu sou para ele! Tem o Jorge Luiz, que tem o nome do pai, que é médico.
M.A.: Olha, que coincidência.
D.L.: Ele é formado em medicina, mas mexe com pesquisa! Ele já fez mestrado e
doutorado; é muito inteligente! Teve uma examinadora até, que veio do Rio, que
falou que de Minas tinha saído o melhor trabalho sobre [inaudível], que era do
Dr. Amílcar Martins, tinha saído o melhor trabalho sobre esquistossomose, que
era do meu ex-cunhado, José Pelegrino, e tinha saído o melhor trabalho sobre
de leximaniose, que foi dele.
M.A.: E ele é professor da Federal?
D.L.: Da UFOP. Tanto ele quanto a mulher. Todos dois são professores da UFOP.
M.A.: Lá tem farmácia, né?
D.L.: Farmácia. Os dois são professores da Federal. Depois, tem o Gustavo que é
arquiteto, e mora na França tem 12 anos. Ele formou... Esse é o gênio, o gênio
mesmo! Ele formou em dezembro, pôs a mochila nas costas e foi para a
Espanha, para Barcelona. Lá ele fez mestrado e doutorado, por conta dele, sem a
gente mandar dinheiro nenhum. Ele se virava por lá. Eu falava com ele:
“Gustavo, eu tenho 9 filhos e eu não posso mandar os 9 para estudar na
Europa, então, se você quer ir, você vai ter que ir com recursos próprios.” Eu sei
que ele vendeu uma cota do Minas, que ele tinha comprado. Eu sei que ele se
virou! Foi, ficou dois anos em Barcelona, depois foi para Paris. Tem 12 anos que
ele mora na Europa.
M.A: A Sra. vai visitá-lo?
D.L.: Ele veio uma vez! Nem quando o pai morreu, ele veio! Agora não, porque ele
tem visto de permanência. Mas, na época, ele tinha visto de turista. Então, se ele
saísse, ia ter muita dificuldade para voltar. Então, não veio. Mas, ele tem um
2A-DL -16
apartamento muito bom em Paris e eu vou uma vez por ano vê-lo. Ele é
solteiro. Depois, tem o Breno, que é formado em administração. Ele trabalhou
muito tempo no Banco Nacional. Hoje trabalha em um Banco Francês. Tem a
Lú, que essa que estava aqui. Ela também é formada em administração, mas ela
foi morar na Serra do Cipó. Casou e família do marido dela era radicada lá. A
sogra dela tem uma pousada e eles montaram um trabalho de passeios
ecológicos. Nossa é uma gracinha a casinha dela! E eles mexem com rapel, com
caiaque, com trilha, com cavalo. Sabe? Montaram um trabalho até muito
interessante, de passeios ecológicos.
M.A.: Lá é muito lindo!
D.L.: Muito lindo mesmo! Ela ama lá! E tem o temporão, que quando ele nasceu, eu
achei que era menopausa, mas era menino! [risos] Meu marido falava assim: “Se
isso for menino, eu rasgo o diploma, porque não tem ninguém que tem menino
com 48 anos!” [risos] E eu tive. Mas é uma graça de pessoa! [risos] Graças a
Deus!
M.A.: É o que é engenheiro?
D.L.: É o que é engenheiro. Trabalha com meu cunhado.
M.A.: Agora, eu queria, antes da gente passar para o cotidiano mesmo, eu quero
voltar um pouquinho na sua família. Você falou que a sua mãe...
FIM DO LADO A DA FITA 02
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Entrevista – fita 02 – lado B
M.A.: A sua mãe é do Serro, né?
D.L.: É do Serro. Tanto o meu pai quanto a minha mãe. Todos dois.
M.A.: E o avô materno...
D.L.: ...era juiz.
M.A.: A família da sua mãe... Você ficava na casa deles, aqui em Belo Horizonte,
não é?
D.L.: É. Quando eles mudaram para aqui.
M.A.: É. Ele também foi desembargador. Ele veio direto do Serro para ser
desembargador aqui. Então, quando a gente morava em Santa Luzia, ele já era
desembargador. Eu conheci meu avô como desembargador. Ele era muito ligado
a você, não é?
D.L.: Ele foi, foi. Ele, além de ser uma pessoa muito bonita, tinha assim... Ele só não
gostava muito de criança. Mas, de adolescente! Se a gente encontrasse com ele
na rua, ele virava para a gente e falava assim: “Aonde você vai?” E a gente
falasse assim, por exemplo: “Ah, a gente vai ao cinema.” Ele levava a gente ao
cinema, pagava o cinema, levava para tomar um lanche depois. Ele era uma
pessoa assim que sempre... Juiz, naquela época, ganhava muito pouco. Papai
trabalhava muito, mas não era muito fácil a vida, naquela época. Meu pai era
viúvo. Então, ele tinha outra família, que ele tinha que ajudar também. [inaudível]
[risos]
M.A.: E a sua avó? Você falou que vocês não se davam muito bem. Porque que
vocês não se davam bem?
D.L.: Outro dia, eu estava pensando nisso, e eu acho que era ciúme.
M.A.: Do avô?
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D.L.: Talvez. Porque todas elas eram apaixonadas pelo pai. E ele tinha muita história
conosco. Outro dia, eu e minha irmã Maria do Carmo estávamos pensando o
porque da antipatia. Não era antipatia não... A dificuldade com as tias era
porque, primeiro, nós éramos muito boas alunas. Tanto eu quanto a Maria do
Carmo. A Ana Delina, eu não falo tanto, porque ela estudou no Santa Maria
logo quando papai foi transferido para aqui. Nós não estudamos na mesma
época no Colégio. Então, a gente era muito boa aluna mesmo! E as outras não
eram tão boas! Por exemplo, quando tinha entrega de medalhas no Colégio, a
Maria do Carmo e a Dirce sempre ganhavam medalha.
M.A.: Mesmo a sua irmã sendo muito levada.
D.L.: Mesmo ela sendo levada. Tinha teatro no Colégio, a gente fazia os papéis
principais.
M.A.: E suas primas eram internas ou externas?
D.L.: Elas ficavam externas.
M.A.: Ah, elas eram externas.
D.L.: Então, eu fico pensando que era ciúme! Só pode ser ciúme! Depois, casamos
todas duas muito bem! O casamento da minha irmã Maria do Carmo não
durou, mas foi bom enquanto durou! [risos] Agora, acho que era um pouco de
ciúme que elas tinham da gente...
M.A.: Da família do seu pai, Dirce, é que você não fala muito.
D.L.: Olha, vou te falar uma coisa, tenho pouco para falar!
M.A.: Mesmo?
D.L.: Pouquíssimo! Olha, de irmãos dele... O tio avô do meu pai... A família dele é
toda voltada para a justiça. Toda voltada para a justiça! E ele morava aqui, o
meu pai morou com ele, quando estudou direito. [inaudível]. Então, a minha
ligação com o família do papai é com os filhos desses irmãos. Um foi membro
da Academia Mineira de Letras; tem um que foi doutor aqui; outro que morava
aqui perto de casa, que eu era apaixonada por ele e pela mulher dele. Então, a
2B-DL -19
minha ligação com a família do meu pai é mais com o pessoal da família do
Tio Edmundo do que com o pessoal da família do meu avô.
M.A.: Sei. E o seu pai nasceu no Serro, também?
D.L.: Nasceu no Serro também.
M.A.: Então a família dele deve ter ficado por lá, né?
D.L.: Não ficaram não. Eram três irmãos. Um, que morreu até a pouco tempo, era
médico no Rio. O outro era engenheiro e estudou em Ouro Preto. Ele foi um
dos primeiros alunos da Escola de Minas de Ouro Preto. Veio para aqui. Mas,
esse que a gente tinha mais contato, morava no Rio, por causa desse lado do
Tio Edmundo, que foi todo mundo para o Rio.
M.A.: Era quase todo mundo advogado, político. Eu acho que direito e política
andava meio junto, né?
D.L.: É.
M.A.: A sua irmã... A Maria do Carmo, eu sei que ela foi interna na mesma época
que você. É aquela das histórias! A Ana Delina, quando estudou no Colégio,
você já tinha saído?
D.L.: Não. Nós ficamos seis meses juntas. Como houve o tifo... É por isso que eu
estou falando que eu acho que o tifo foi em 42. Como houve o tifo, ela só
entrou no segundo semestre. As aulas, naquele ano, só começaram no segundo
semestre. Eu saí em 43. Então, eu estudei com a Ana Delina só seis meses no
Colégio. Depois, acabou o internato, porque foi uma repercussão negativa enorme
contra o Colégio.
M.A.: Deve ter sido um a repercussão...
D.L.: E o Colégio começou a decair, quando o internato acabou! O Colégio começou
a decair, quando o internato acabou...
M.A.: E foi uma época também que estava surgindo um monte de colégios novos,
né?
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D.L.: Foi fundado o Santa Marcelina. Depois, logo em seguida, veio o Colégio Sion.
Ele até começou a funcionar na Praça da Liberdade. Ele começou aí. Tanto que
as minhas filhas não estudaram no Colégio Santa Maria, elas estudaram no
Colégio Sion.
M.A.: Ah, eu lembro que você falou mesmo... Então, talvez, essa doença tenha
marcado...
D.L.: ... marcou muito!
M.A.: E foi nessa época também que foi fundado o Sacré Couer de Marie não foi?
D.L.: Foi. Não. O Sacré Couer de Marie já existia. Mas não tinha... Tanto que a
minha cunhada, que é da mesma idade que eu, estudou no Sacré Couer. Mas
não tinha a fama do Colégio Santa Maria! O Santa Maria tinha professores
excelentes!
M.A.: Uma coisa que eu fiquei em dúvida, quando você falou dos professores, as
aulas eram dadas em francês ou não?
D.L.: Não. Na época da minha sogra, é que as aulas eram em francês.
M.A.: Porque eu já li isso no jornal.
D.L.: Na época da minha sogra, até as aulas de História do Brasil era dada em
francês!
M.A.: Agora, uma coisa, com as freiras, vocês conversavam em francês, não é?
Naquelas aulas especiais que você me falou...
D.L.: Não, não, não. Só as aulas de francês que eram em francês.
M.A.: Ah, é mesmo? Eu achava que tudo era em francês.
D.L.: Só as aulas de francês que eram em francês. [inaudível] Então, se você não
falasse francês, você não comia. Você era obrigada a falar francês!
M.A.: E mesmo quando as aulas eram dadas por elas? Igual a de religião... Todas
eram em português?
D.L.: Tudo era em português!
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M.A.: Então, elas falavam português? Na época tinha freiras brasileiras?
D.L.: Ah, tinha! Eram várias! Francesas que eu peguei no Colégio foram só a mère
Gabriela, mère Françoise, mère Inry... Mère Inry era a notre mère, que era
francesa. Só! E a mère Edwiges, que era alemã.
M.A.: Agora mesmo, você acabou de citar as refeições, que eram em francês. E você
já tinha chegado a falar do cardápio do café da manhã. E, uma coisa que eu
notei, quando você falou do fígado, era que tinha um dia específico para cada
coisa. Certo?
D.L.: Para cada coisa... Sexta-feira, por exemplo, era miolo. [risos] Miolo, eu ainda
comia! Depois que eu saí de lá, nunca mais comi miolo! Mas fígado eu nunca
comi! Tinha vezes, assim, você sentava na mesa, e recebia duas folhas de papel.
Você tinha que colocar uma aqui e outra aqui [debaixo dos braços], e comer
sem deixar as folhas caírem. Porque, se você fizesse assim [abrisse um pouco os
braços], as folhas caíam.
M.A.: É verdade?!
D.L.: Você tinha que sentar assim... O joelho tinha que fazer um ângulo reto com a
coxa. Então, você não podia sentar assim! E elas ainda mediam!
M.A.: [risos]
D.L.: Elas passavam medindo, para ver se estava certo. E isso aqui, era assim! Você
punha, literalmente, uma folha de papel de cada lado! Era horrível!
M.A.: Devia ser horrível!
D.L.: E, para essas folhas não caírem, você tinha que comer assim!
M.A.: Devia, então, ter toda uma história de talheres, né?
D.L.: Manga, por exemplo, tinha parecendo... Como é que chama esse negócio? Ah,
um abridor de garrafa! Daqueles de rosca...
M.A.: Sei...
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D.L.: Isso, você enfiava assim no caroço da manga, porque tinha que comer manga
com garfo e faca! Então, você enfiava uma espécie de abridor de garrafa, assim,
até perfurar o caroço da manga. A primeira vez que nos ensinaram isso, o que
voou de manga! [risos]
M.A.: [risos]
D.L.: E isso foi até a gente aprender! [risos]
M.A.: Então, vocês tinham aula até na hora das refeições?
D.L.: Até na hora das refeições! As refeições eram servidas pela esquerda e tirada
pela direita. Era a sère. Porque tinha mère e sère. A sère era responsável pelo
serviço. A gente era servido assim.
M.A.: Era meio socila assim?
D.L.: Era meio, não! Era totalmente! [risos] Então, para descer escada... Para você ter
uma noção, aqui em casa... As meninas ainda me pegaram assim. Se você descia
correndo, as freiras falavam assim: “Suba e desça outra vez.” Então, aqui em
casa, que eu tenho escada, eu fazia muito isso, com meus filhos. “Suba e desça
outra vez.” Porque eles desciam essas escadas correndo! [risos] Pois é...
M.A.: Agora, outra coisa que eu queria te perguntar, é que... Você falou que no
dormitório tinha uma divisão especial.
D.L.: Onde ficava a que tomava conta.
M.A.: Onde ficava a moça que tomava conta.
D.L.: A freira!
M.A.: É, a freira. A freira que tomava conta de vocês. Você falou que era meio
separado das alunas, que era tipo uma tendinha.
D.L.: Era uma barraquinha mesmo, só que era de lona. Era uma barraca mesmo.
Vamos dizer, assim, como se fosse um varal.
M.A.: Sei.
D.L.: Você entendeu?
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M.A.: Sei.
D.L.: Nunca ninguém entrou! A Maria do Carmo, uma vez, ela e as amigas dela
tentaram entrar. Elas queriam saber se elas dormiam de hábito e se elas tinham
a cabeça raspada.
M.A.: [risos]
D.L.: [risos] Elas conseguiram entrar na tendinha delas! Mas era... era a cama delas...;
uma espécie de quartinho.
M.A.: Tudo delas era separado, né? Elas também não tinham as refeições no mesmo
horário, né?
D.L.: Não, não. Tudo delas era separado. E ficava sempre uma. No refeitório, por
exemplo, tinha um tablado, onde ficava sempre uma ali sentada, vigiando. Você
não podia falara! Nos primeiros dez minutos, você não podia conversar. Só
depois que tocava a campainha que você podia conversar. Aí, que você podia
falar!
M.A.: E, uma coisa, Dirce, essa freira que ficava no quarto de dormir, no dormitório,
ela tomava conta de que? Se as meninas iam dormir na hora certa?
D.L.: Se as meninas iam dormir na hora certa... Você não podia conversar, você não
podia passar uma para a cama da outra. Ela que acordava a gente. Ela levantava
cedinho, pegava uma campainha, e saía assim: “Vive Jesie! Vive Jesie! Vive
Jesie!”
M.A.: E vocês tinham que fazer orações antes de dormir?
D.L.: Não. Isso não. Isso era feito na capela.
M.A.: Ah, você já falou mesmo.
D.L.: A gente fazia na capela, e depois a gente ia direto.
M.A.: E, uma coisa...
D.L.: Ela que fazia a revista que eu te falei, da unha, da orelha...
2B-DL -24
M.A.: E, uma coisa, se alguma coisa dessas saísse errada a conseqüência era aquela
história da cruz, né?
D.L.: Qualquer coisa, você perdia a cruz!
M.A.: Você falou da perda da cruz, e da perda da asa do anjo, né?
D.L.: Não, do laço!
M.A.: Laço. Mas, eu queria saber uma coisa, e as notas? As notas, como que era,
tinha um boletim? Ou era lido em público?
D.L.: Não. Tinha um boletim, que era lido em público! Todo fim do mês, a gente
reunia naquele salão de festas. Tinha um palco lá, e as notas eram lidas ali, todo
mês.
M.A.: E tinha civilidade, nessa época? Como é que era? Tinha as matérias comuns e
tinha as...
D.L.: Não. Não tinha não. Tinha, assim, disciplina... Disciplina era... Tinha a nota de
disciplina. Você podia, por exemplo... Agora, tinha umas coisas que abaixavam ou
levantavam a sua nota. Por exemplo, a Maria do Carmo, minha irmã. Ela era
muito boa aluna também, mas ela estava sempre nos últimos lugares, como a
nota de comportamento dela era muito ruim. A nota de comportamento abaixava
a pontuação! Você tinha primeiro lugar, segundo lugar, terceiro lugar, quarto
lugar... E a nota dela baixava sempre muito, por causa da nota de
comportamento. Era tudo somado e dividido.
M.A.: Entendi. E, nesse dia das notas, aparecia essa questão da cruz e do laço, então?
D.L.: Se você perdesse, você tinha que passar pelo vexame de tirar e entregar.
Ficava a notre mère, a mère, a mestra de classe. Ficava a banca toda sentada lá
em cima.
M.A.: Era muita vergonha! Era esse o objetivo?
D.L.: Era uma vergonha! Era esse o objetivo! [risos] Você tinha que devolver a cruz!
Era uma humilhação!
M.A.: E sua irmã, mesmo assim, não se intimidava?
2B-DL -25
D.L.: [risos] Ela não se intimidava não!
M.A.: Agora, outra coisa que eu queria perguntar, ainda falando de notas, matérias.
Você falou que a matéria que você mais gostava era história.
D.L.: História.
M.A.: Eu ia te perguntar a que você menos gostava e porque.
D.L.: A que eu menos gostava era matemática. A que eu menos gostava era
matemática. Aprendi a gostar de matemática. O meu professor era o Dr. Arnaldo
Mendes. Depois, o meu professor foi o Dr. Heleno. E ele era muito interessante,
era muito bonito. Todas nós éramos apaixonadas pelo Dr. Heleno! E as provas
finais eram dadas orais. E tinha as fórmulas, né? Então, você tinha dez minutos
para relembrar as fórmulas, numa cadeira do lado, e, depois, tinha a prova oral.
M.A.: E as avaliações eram sempre assim?
D.L.: As provas... Primeiro tinha a prova escrita e, depois, tinha a prova oral. A
prova oral era individual. E, quando eu fui examinada em matemática, na prova
oral, com ele, ele me perguntou: “Você é tão boa em matemática, quanto você é
em latim?” E eu não tive coragem de falar com ele que eu não era tão boa
em matemática, como eu era em latim. Aí, eu tive sorte que caiu um ponto
fácil! Eu até me lembro que era de fração. No palco..., no quadro. Então, a partir
desse dia, eu comecei a gostar mais de matemática.
M.A.: Ah sei! Então, tinha duas avaliações por mês? Eram duas avaliações por mês?
D.L.: Não. A prova oral era só a última.
M.A.: A última do ano?
D.L.: É. É que todo mês você tinha uma prova: mensal, bimestral... Todo mês a gente
tinha uma avaliação mensal. Era daí que vinha a sua avaliação de todo mês, o
seu boletim. E os boletins iam direto para os pais, iam direto para a casa da
gente. E o meu pai falava sempre assim: “Se você tirou oito, você tem
capacidade de tirar nove. Se você tirou nove, porque que você não tira dez?”
Então, ele estava sempre cutucando!
2B-DL -26
M.A.: Então, na época que você estudava lá em Lavras, ele [inaudível]. E, uma coisa,
como é que eram as aulas? Eram mais oral, mais expositiva ou mais escrita?
D.L.: Não. Elas eram mais expositivas. E bem assim... Elas eram todas partidas
também, porque, a medida que eles davam aula, eles argüíam. A mediada que
eles davam aula, eles argüíam. Eu tinha, por exemplo, uma colega, que sentava
atrás de mim, e que, até hoje, é muito minha amiga. Ela era uma aluna
espetacular, mas você não podia interromper, porque, se você interrompesse, ela
perdia o fio da meada e não dava conta de ir para a frente! [risos] Não dava
conta de ir para a frente! Então, a minha sala era muito participativa!
M.A.: E, outra coisa, também, as matérias, você lembra mais ou menos? Porque, você
teve nove filhos, tem netos, então, você está bem por dentro do currículo hoje.
D.L.: É.
M.A.: Tem alguma diferença mais marcante, na sua opinião? Pode ser em tema de
aula ou mesmo na forma como as aulas são dadas hoje.
D.L.: Olha, eu acompanho muito, principalmente uma delas, a Cida, que é muito
ligada a mim, mas a Cida é muito malandrinha. Ela esperta para chuchu, mas é
muito malandrinha! Outro dia, ela estava falando comigo de História. “Vovó, mas
eu não entendo o quê que a professora fala!” “Como não entende? Porque,
quando você pega o livro e lê, você entende. Mas, quando ela fala, você não
entende?” Eu acho que a meneira de dar aulas hoje... Eu não sei se é diferente.
Mas elas vem me pedir ajuda. Uma estava estudando o crack da bolsa de Nova
York, a outra estava estudando a Revolução Russa. Eu acho que a gente era
muito mais para a História do Brasil, para a História do Brasil. [inaudível] Eu
acho, assim, numa época igual a de agora, você estudar a Revolução Russa?
[silêncio]
M.A.: E, mesmo na faculdade, é dividido. Você tem uma parte de História Geral e
uma parte de História do Brasil. Agora, no colégio, a aula de História está muito
problemática mesmo. Porque eu conheço pessoas mais novas, que ainda estão no
colégio, que odeio História! Eu não entendo como!
2B-DL -27
D.L.: Eu também não! Eu até falo com o pessoal aqui de casa: “Eu não entendo
você não gostar de História! Eu amava História!” Ela fala comigo: “Eu odeio
História!” A Beatriz também, que é ótima aluna. Porque a outra, tudo bem,
porque ela é malandra! E ela fala assim comigo: “Vovó, eu detesto História!”
M.A.: Eu acho que talvez seja a forma que é dada, porque História é tão
interessante!
D.L.: Eu tinha como professor o Bolivar de Freitas, que até foi deputado. Ele era
excelente professor! Você babava na fala dele! A maneira que ele dava... Para
você ver, eu gostava tanto de História! Minha filha mais velha até fez História.
M.A.: E, uma coisa, Dirce... Isso de História, que era a sua preferida. E as outras?
D.L.: De português, eu gostava muito também! [inaudível], que fez várias gramáticas,
e, depois, foi o Edgar da Mata Machado.
M.A.: O Edgar, eu queria comentar com você também, tem uma entrevista dele lá na
História Oral.
D.L.: É?
M.A.: Depois, eu vou verificar se ele fala sobre a época que ele deu aula no
Colégio e te dou um retorno.
D.L.: Santa Maria! Era ele e o Bolivar de Freitas na mesma época. Eles deram aula
lá, na mesma época. Eles eram até muito amigos! Porque, era até muito
engraçado... Ele era muito feio e casou com uma mulher muito bonita, e o
Bolivar de Freitas era muito bonito e casou com uma mulher muito feia. Então,
o Padre Agnaldo, que era capelão no Colégio... Nós todas éramos doidas com o
Padre Agnaldo! Ele falou que teve vontade de trocar! [risos]
M.A.: Isso que eu ia te perguntar, porque aluna tem sempre aquele negócio com o
professor, né? “Ah, o professor!... Ele é tão inteligente, é tão bonito!” Aluno e
professor tem sempre aquelas paixões platônicas, né? Aquelas admirações... Como
é que era isso?
2B-DL -28
D.L.: É. Nós todas tínhamos isso com o Bolivar de Freitas! Ele tinha, assim, uma
coisa! Meu pai e meu irmão riam... Quando começou a guerra, eu estudava no
Colégio Santa Maria. A guerra começou em 39, e eu já estudava no Colégio
Santa Maria. Então, tinha assim [inaudível]... Toda semana, tinha reunião do
Colégio todo. Numa semana, falava um professor, na outra semana, falava um
aluno. E, na primeira semana, foi o Bolivar de Freitas quem falou. Ele falou,
então, que, quando os inimigos chegassem no Brasil, eles iam encontrar muralhas
em nossos peitos e a ponta de nossas baionetas. E eu fiquei maravilhada com
esse discurso! Quando chegou nas férias, meu irmão falou assim: “Para você
ver, papai, eles vão encontrar a muralha dos peitos das meninas do Colégio
Santa Maria e a ponta de nossas baionetas!” [risos]
M.A.: [risos]
D.L.: [risos] Então, a gente era apaixonada pelo Bolivar de Freitas! Porque ele era...
Ele até casou enquanto a gente estudava no Colégio Santa Maria. Mas, ele era
muito interessante, para dar aula! Ele falava assim, por exemplo, sobre os índios:
“As mulheres que tinham os filhos, e os índios é que tinham que fazer
resguardo.” E, sempre, como eu te falei, tinha uma freira na sala, em uma
mesinha, tomando conta dos professores. E, quando ele falava coisas assim, ele
virava para a freira: “Não é, ma mère?”
M.A.: Ele fazia isso para escandalizar a freira?
D.L.: Ele virava para o lado dela, e falava assim: “Não é, ma mère?” [risos]
M.A.: E o quê que elas falavam?
D.L.: Elas não falavam nada! [risos] Qualquer coisa, que, naquela época, podia
escandalizar, ele virava e perguntava assim. [risos]
M.A.: Hoje é comum, por exemplo, bilhetinho para o professor...
D.L.: Não. Isso não.
M.A.: Porque, também, nem tinha jeito, né? Porque as freiras vigiavam, né?
D.L.: Ela não saía da sala!
2B-DL -29
M.A.: Falando agora de bilhetinhos, eu lembrei da cartas. Porque, você falou, que as
cartas eram abertas.
D.L.: As que você recebia e as que você enviava.
M.A.: Porque, eu fiquei pensando, o quê que poderia ter nas cartas que elas não
gostavam?
D.L.: [silêncio] As cartas vinham grifadas, tanto as que a gente recebia, quanto as
que a gente mandava. Nas que a gente mandava, é claro, que a gente não podia
falar nada que pudesse ser comprometedor! [risos] E, as que vinham de fora, a
gente recebia grifadas. Tanto que eu tenho trauma disso! Eu acho a coisa mais...
Aqui em casa, até correspondência de banco, bobagem, propaganda que vem, eu
ponho fechada no quarto de cada um. Isso eu tinha pavor no Colégio! Porque
eu acho uma falta de respeito!
M.A.: E mesmo na carta com os pais, onde ninguém ia falar nada de mais, né?
D.L.: E, mesmo porque, eu tenho direito de falar o que você quizer com pai e com
mãe! Mas não, você entregava as cartas abertas e recebia as cartas abertas!
M.A.: Outra coisa que eu quero perguntar...
D.L.: Hum.
M.A.: ... é sobre aquelas matérias optativas. Porque você falou que tinha pintura, que
tinha piano, não é?
D.L.: Tinha.
M.A.: Tinha bordado... Que tinha uma freira que dava isso.
D.L.: É. Era a mère Inry.
M.A.: Eu queria que você falasse um pouco de cada uma delas.
D.L.: Bordado, quem dava era a Dona Carmem Márcia. Ela ensinou a todas nós a
bordar! Acho que toda a geração do Colégio Santa Maria daquela época
bordava! Sempre... Tanto que, hoje, eu faço parte de um grupo de costura, que
2B-DL -30
tem várias pessoas que foram do Colégio Santa Maria. Todo mundo que foi do
Colégio Santa Maria borda! Era obrigado aprender a bordar!
M.A.: As internas, né?
D.L.: Não, as externas também tinham bordado.
M.A.: Ah, as internas também tinham bordado...
D.L.: Tinham aula de bordado.
M.A.: É porque eu achei que as optativas eram só para as internas.
D.L.: As outras. Bordado não. Bordado fazia parte do currículo. As minhas filhas,
quando elas entraram para o colégio, elas ainda tiveram aula de bordado.
M.A.: Tinha aquele negócio que você já disse, de formar mães de família, né Dirce?
Você colocou como o objetivo do Colégio. Era o esperado pelos pais, pela
sociedade?
D.L.: É. Era mais ou menos assim: você entregava uma menina, adolescente, e recebia
uma mulher pronta para casar!
M.A.: Pronta par casar, né?
D.L.: Eu tive colegas... Por exemplo essa, que trabalha comigo lá no Belvedere. Ela
casou, um ano depois que a gente formou! Então, saiu pronta para casar. A
minha sogra casou com 16 anos. Então, ela saiu do Colégio... Quando o meu
marido nasceu, ela não tinha 18 anos! Ela saiu do Colégio e casou.
M.A.: E, igual o seu pai falou, ele que tinha que sustentar a casa. Então, a mulher
tinha mesmo esse papel de cuidar, não é?
D.L.: Só isso. Então, bordado era das internas e das externas. Agora, piano não. Era
só para o internato. Quem quizesse estudar piano, quem quizesse estudar
violino... Era só piano e violino. Agora, o curso menager, quem dava era a mère
Inry, que era uma freira francesa muita feia. E ela contava para a gente que o
pai dela era amigo do Victor Hugo. Então, ela ouviu muitas histórias sentada no
colo do Victor Hugo. E, ela não gostava de História. Então, o pai viajou com ela
2B-DL -31
o mundo todo, para ela aprender História no local. Ela era uma mère
inteligentíssima! Também ouviu histórias no colo do Victor Hugo!
M.A.: E nesse curso manager, o quê que vocês aprendiam? Faz um resumindo.
D.L.: A gente aprendia, por exemplo, várias receitas. Pavê... A primeira vez que eu
fiz pavê, foi lá no Colégio. Tem um biscoitinho também... Então, a gente
aprendia um pouco de como fazer.
M.A.: Hum hum.
D.L.: A gente aprendia como fazer; aprendia, também, como por uma mesa: copo de
que lado, garfo, faca...; receber; colocar uma mesa para um chá, receber as amigas
em casa; que assuntos que você podia conversar: não falar mal dos outros, não
entrar na vida familiar... Então, era traquejo social!
M.A.: Uma coisa que eu fiquei pensando... Alguns pontos desses você já tinha
mencionado na outra conversa... Eu fiquei pensando, porque você disse que a
sua mãe falava que o colégio interno era uma máquina de fazer preguiçosos.
D.L.: É.
M.A.: [inaudível]
D.L.: Por exemplo, a única obrigação que a gente tinha era a de fazer a cama.
Então, a gente não tinha obrigação nenhuma dentro do Colégio! Por exemplo,
meia... A gente usava meia preta. A única coisa que a gente tinha que fazer era
amarrar uma na outra, na hora de lavar. Tudo era marcado. Você não lavava
uma calcinha, você não lavava nada! Você punha tudo numa cestinha ao lado da
sua cama e aquilo era entregue passado, no outro dia.
M.A.: Em compensação, vocês aprendiam como receber, como comer...
D.L.: O lado chic! [risos]
M.A.: Então, já era suposto até que você teria uma empregada, uma secretária do lar.
D.L.: Exatamente! Para fazer tudo para a gente.
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M.A.: Hum hum. Outra coisa que me incucou, que você não falou, mas eu fiquei
pensando. Como é que era os sacramentos? Porque lá tinha meninas de todas as
idades, então, devia ter gente que estava na época de fazer primeira comunhão,
de crismar...
D.L.: Não. Eu não lembro de nenhuma primeira comunhão! Eu acho que não tinha
internato para o primário.
M.A.: Ah, entendi.
D.L.: Eu acho que não tinha.
M.A.: Então, vocês fizeram na sua cidade?
D.L.: Você falou uma coisa... Eu não lembro de nenhuma primeira comunhão no
Colégio Santa Maria! Eu tenho impressão que não tinha internato para o
primário.
M.A.: Então, você fez primeira comunhão e crisma em Lavras?
D.L.: Eu em Santa Luzia.
M.A.: Santa Luzia. É, antigamente se fazia bem mais cedo, né?
D.L.: Eu acho que fazia... Porque a visita do bispo, que era uma visita pastoral, era
coisa rara numa cidade. Então, quando o bispo ia, crismava todo mundo.
M.A.: Entendi.
D.L.: Não tinha essa facilidade de hoje, então, não se considerava muito essa questão
da idade.
M.A.: Entendi. [inaudível]
D.L.: Eu não me lembro de nenhuma pequena, pequena. Começava no 5° ano.
M.A.: O internato, né?
D.L.: É. Eu não me lembro de menina muito pequena, de oito, nove anos não.
M.A.: Outra coisa que eu fiquei pensando também... Você falou que, na quinta-feira,
vocês não tinham aula. Nem no domingo. No domingo, você falou que em um
vocês saíam...
2B-DL -33
D.L.: No outro não.
M.A.: Era por merecimento.
D.L.: É.
M.A.: E tinha dois que vocês ficavam lá, então. E mais as quintas-feiras. Como que
era aproveitado esses dois dias?
D.L.: Isso eu ia te falar. Domingo, por exemplo, tinha uma freira, que era a mère
Martin. Logo que a gente entrou, ela foi para a França. Essa que é francesa. E
ela era uma artista! Então, ela cantava também! Ela representava! Então, ela
resolveu montar um teatro. Então, nós tínhamos os ensaios. Nós montamos várias
peças. Era El Cid, Molière, [inaudível].
M.A.: Aí, vocês aproveitavam esses dias para ensaiar e para fazer o teatro?
D.L.: Fazendo teatro. Agora, tinha, assim... tinha mesa de ping-pong, tinha uma
professora que dava aula de vôlei para a gente...
M.A.: Inclusive, você chegou a falar do campeonato de vôlei com as meninas do
outro colégio. Agora, uma coisa, você falou que tinha clube, que vocês iam ao
cinema, então, vocês estavam, de certa forma, ligadas ao quê que estava
acontecendo.
D.L.: Ah, estava! Estava. Estava.
M.A.: E, outra coisa que você falou, ainda sobre as saídas. Você falou que vocês
saíam para ir a costureira, para ir ao dentista, para ir ao médico.
D.L.: Era uma senhora que sempre levava a gente.
M.A.: E quem que decidia que vocês precisavam ir?
D.L.: Médico não. Porque médico, tinha o do Colégio. Era o Dr. Gonçalves, pai da
Ana Amélia Faria.
M.A.: Sei.
2B-DL -34
D.L.: Era o pai dela, da Júnia, que era o médico do Colégio. Ele tinha uma irmã, a
mère Eucaristia, que era irmã do Colégio Santa Maria. Então, o Dr. Gonçalves
que era médico do Colégio.
M.A.: Então, ele ia lá no Colégio?
D.L.: Ele ia lá no Colégio. Então, para médico a gente não saía.
M.A.: E, para dentista, vocês saíam?
D.L.: Para dentista, a gente saía.
M.A.: E tinha outra ocasião? Você falou de costureira, dentista...
D.L.: [silêncio] Só!
M.A.: E quem que decidia?
D.L.: Quando, por exemplo... Na época da gente ir para as férias, o vestido já estava
pequeno. Afinal a gente estava numa época de crescimento, né?
M.A.: Justamente.
D.L.: Então, em seis meses... O vestido feito em fevereiro, quando chegava em junho,
ele não servia mais. Então, se a gente fosse fazer nas férias, ia chegar em casa
e não ter nada para vestir.
M.A.: É.
D.L.: Então, nós que saíamos pouco, por causa do negócio da Maria do Carmo só
poder sair uma vez por mês. Então, a gente saía para ir a costureira. Tinha uma
senhora, aqui em Belo Horizonte, a D. Carmem Melo e Silva, que começou com
o método centesimal. E ela era conhecida de mamãe. Então, a gente ia na D.
Carmem. Ia na Casa da Sogra, para comprar o tecido, junto com a senhora ou
com uma das minhas tias. Comprava, então, o tecido, e, quando o papai vinha,
para buscar a gente, ele pagava a Casa da Sogra.
M.A.: Ah, entendi.
D.L.: Quando ele vinha para buscar a gente, ele pagava a Casa da Sogra.
M.A.: Essa costureira, então, era escolhida pela família?
2B-DL -35
D.L.: Era pela família.
M.A.: Entendi.
D.L.: E a D. Carmem fazia as roupas, porque a gente tinha que levar pelo menos
umas duas roupas para a gente vestir.
M.A.: É.
D.L.: Você não ia ficar de uniforme!
M.A.: E, outra coisa, Dirce...
D.L.: Médico não. Médico era no Colégio Santa Maria.
M.A.: É. Outra coisa que eu fiquei pensando foi sobre aquela festa famosa, que você
falou que tinha no Colégio.
D.L.: O garden party! O Colégio era famoso por isso!
M.A.: Como que era?
D.L.: Deve ter... No jornal, deve ter!
M.A.: Porque eu já vi muita coisa do Colégio Santa Maria no jornal, mas, assim, de
recital, com presença do governador...
D.L.: Porque as filhas do governador estudavam no Colégio Santa Maria! A Helena
estudava no Colégio Santa Maria. As filhas do Israel Pinheiro estudavam no
Colégio Santa Maria. Tanto que uma foi minha colega, outra foi colega da
Maria do Carmo, e outra da Ana Delina.
M.A.: Agora, eu fiquei pensando, do garden party eu ainda não vi nada, mas teve
outras coisas...
FIM DO LADO B DA FITA 02
2B-DL -36
A Academia Mineira de Letras, 18 administração, 16 admirações, 27 Afonso Pena, 8 alemães, 2 Aliança Francesa, 10 aluna, 2, 8, 9, 18, 24, 26, 27 alunas internas, 2 amiga, 5, 10, 11, 26 amigo, 6, 11, 30 Ana Amélia Faria, 33 Ana Delina, 2, 18, 19, 35 ano de adaptação, 9 apurações, 8 arquiteto, 15 aula, 2, 5, 22, 26, 27, 28, 30, 32, 33 aula de francês, 5 aulas, 19, 20, 26 avaliações, 25 avenida Amazonas, 11 avó, 3, 6, 11, 17 avô, 3, 4, 6, 11, 17, 18 avós, 3 avós maternos, 3
B Banco da Lavoura, 6 Banco Francês, 16 Banco Nacional, 16 Barcelona, 15 Belo horizonte, 3 Belo Horizonte, 8, 12, 17, 34 Belo Horizonte, 1 Belvedere, 30 Bias Fortes, 1 boletim, 9, 13, 24, 25 boletins, 9, 25 Bolivar de Freitas, 27, 28 bordado, 29, 30 Breno, 16
C café da manhã, 21 cartas, 29 Casa da Sogra, 34 casamento, 18 casar, 12, 30 Católica, 13 cidade, 2, 11, 32 cidades satélites, 8 cinema, 17, 33 Cira Castro e Silva, 8 ciúme, 17, 18 Cláudia, 13, 14
colégio, 5, 8, 9, 26, 30, 31, 33 Colégio, 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 18, 19, 20,
21, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35 colégio americano, 5 Colégio Santa Maria, 28, 30, 35 Colégio Sion, 20 comércio, 14 comissão construtora, 11 comportamento, 24 concurso, 4, 5, 6, 7 costureira, 33, 34 cotidiano, 16 CPOR, 11 cruz, 24 Cultura Francesa, 10 curso menager, 30
D D. Carmem Melo e Silva, 34 D. Zezé, 9 Délio Duarte, 11 dentista, 33, 34 deputado, 27 desembargador, 17 Dirce, 1 disciplina, 24 domingo, 32 Dona Carmem Márcia, 29 dormitório, 22, 23 doutorado, 15 Dr. Arnaldo Mendes, 25 Dr. Gonçalves, 33, 34
E economia, 14 Edgar da Mata Machado, 27 Eduardo, 14 eleições, 8 empregada, 31 emprego, 5, 14 engenharia, 14 engenheiro, 11, 16, 19 epidemia, 2 Escola de Agricultura, 5 Escola de Minas de Ouro Preto, 19 Espanha, 15 Europa, 15 exército, 11 externas, 2, 18, 30
F faculdade, 4, 12, 13, 26 família, 2, 7, 10, 16, 17, 18, 19, 30, 34, 35
2B-DL -37
favela, 14 férias, 6, 28, 34 Fernando Minicursi, 10 festa, 10, 12, 35 fígado, 21 filha, 4, 7, 8, 9, 10, 27 filhos, 10, 14, 15, 18, 22, 26, 28 Flávia, 14 fórum, 6 França, 15, 33 francês, 5, 13, 20, 21 freira, 2, 13, 22, 23, 28, 29, 30, 33 freiras, 2, 5, 8, 9, 12, 13, 20, 21, 22, 28
G garden party, 35 general, 11 ginásio, 13 governador, 35 Grupo, 8, 9 Grupo Francisco Sales, 9 guerra, 2, 28 Gustavo, 15
H História, 1, 14, 20, 25, 26, 27, 30 História do Brasil, 20, 26 homens, 5 Hora dançante, 11 hora de adoração, 9 Hospital Bias Fortes, 1
I IAPI, 6 inspetor, 8 internas, 2, 9, 18, 30 internato, 2, 19, 30, 32 irmã, 2, 4, 5, 6, 10, 11, 12, 13, 18, 19, 24, 34 irmão, 6, 10, 11, 28 irmãos, 10, 18, 19 irmãs, 2, 7 Israel Pinheiro, 35
J João Pinheiro, 8, 9 Jorge, 10, 11, 13, 14 Jorge Luiz, 15 José Pelegrino, 15 juiz, 3, 6, 8, 10, 17 junta apuradora, 8 justiça, 18
L latim, 25 Lavras, 4, 5, 8, 9, 26, 32 leis trabalhistas, 6
letras, 12 Lú, 16
M mãe, 6, 9, 10, 11, 12, 16, 17, 29, 31 mamãe, 12, 14, 34 manga, 22 Márcia Costa, 2 Maria do Carmo, 2, 4, 5, 11, 12, 13, 18, 19, 23, 24, 34,
35 marido, 10, 16, 30 Marília Sales, 10 matemática, 6, 25 matérias, 24, 25, 26, 29 medalhas, 18 médico, 10, 11, 12, 14, 15, 19, 33, 34 meninas, 1, 5, 9, 22, 23, 28, 32, 33 menor infrator, 14 mère, 2, 21, 22, 24, 28, 29, 30, 33, 34 mère Françoise, 21 mère Gabriela, 21 mère Guilhermina, 2 mère Inry, 21, 29, 30 Mère Martin, 13 mestra de classe, 24 mestrado, 15 Minas, 1, 11, 15, 19 miolo, 21 mulher, 12, 14, 15, 18, 27, 30
N namorado, 10, 11 namorar, 11 Nelson Faria, 6 noivos, 10 normal, 4, 5, 13 nota, 24 notas, 13, 24, 25 notre mère, 21, 24
O objetivo, 24, 30 orações, 23 Ouro Preto, 19
P Padre Agnaldo, 27 pai, 3, 4, 6, 7, 9, 11, 12, 13, 15, 17, 18, 19, 25, 28, 29,
30, 33, 34 pais, 9, 10, 25, 29, 30 paixões platônicas, 27 papai, 4, 8, 9, 11, 13, 18, 28, 34 Papai, 5, 6, 7, 9, 17 parentes, 3 Paris, 15, 16 parque, 6 parto, 14 passeios ecológicos, 16
2B-DL -38
Patrícia, 14 Peçanha, 7 pesquisa, 15 piano, 29, 30 ping-pong, 33 pintura, 29 português, 6, 20, 21, 27 Praça da Liberdade, 20 Praça Raul Soares, 11 Prefeitura, 1 primário, 9, 32 primeira comunhão, 32 primos, 3 professor, 13, 15, 25, 27, 28 professora, 8, 9, 26, 33 professoras, 5 professores, 15, 20, 28 protestante, 5 prova, 9, 25 prova oral, 25 provas, 25 PUC, 13, 14
Q quinta-feira, 9, 32
R rapazes, 5 receitas, 31 refeições, 21, 22, 23 refeitório, 23 religião, 20 repercussão negativa, 19 retrato, 6 revista, 23 Rio, 15, 19 rua Aimorés, 6 rua Maranhão, 8
S sacramentos, 32 Sacré Couer de Marie, 20
sala, 6, 15, 26, 28 salão de festas, 24 Salinas, 7 Santa Casa, 11 Santa Luzia, 3, 7, 8, 17, 32 Santa Marcelina, 20 Santa Maria, 1, 5, 7, 9, 10, 12, 18, 20, 27, 28, 29, 32,
34, 35 Serra do Cipó, 16 Serro, 7, 17, 19 serviço, 7, 14, 22 serviço social, 14 Sigaud, 11 sociedade, 30 socila, 22 sogra, 13, 16, 20, 30
T teatro, 18, 33 temporão, 16 tendinha, 22, 23 tia, 11 tias, 3, 18, 34 tifo, 1, 2, 3, 19 tio, 6, 18 tios, 3 título de normalista, 4 trabalhar, 3, 4, 7, 10, 12, 14 trabalho, 4, 9, 14, 15, 16 trajetória, 8, 10, 13 trajetória de vida, 10 trajetória escolar, 8 Tribunal Eleitoral, 14
U UFOP, 15 uniforme, 35
V Victor Hugo, 30 violino, 30 vôlei, 33
3A-DL- 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL PROJETO: VOZES DE MINAS - DISCURSO E RESTITUIÇÃO. ENTREVISTADORA: MARINA ALVES AMORIM ENTREVISTADA: DIRCE LINS MACHADO COELHO LOCAL: BELO HORIZONTE DATA: 11 / 05 / 00
Entrevista – fita 03 – lado A
D.L.: ... por nós mesmas. Toda a alta sociedade de Belo Horizonte foi convidada. E
era servido por nós, pelas alunas internas e externas.
M.A.: E essa festa era para quê? Para dançar, para escutar música?
D.L.: Não. Era para conversar.
M.A.: Hum. E você falou que inclusive os namorados das meninas podiam ir, né?
D.L.: É. As externas, que tinham namorados, podiam levar os namorados. Eu me
lembro que foi vendido uns bilhetinhos em benefício de alguma coisa, mas eu
não me lembro mais para quê que era.
M.A.: Eu já vi algumas coisas em benefício da capela, mas quando a Sra. estudava
lá já tinha capela.
D.L.: Tinha capela, mas o altar foi feito praticamente enquanto eu estudava lá.
M.A.: Ah, entendi.
D.L.: Foi a primeira vez, até... Foi até o Padre Agnaldo. A idéia foi de Padre
Agnaldo. Primeiro... Os altares antes eram quase todos a base de [inaudível]. E,
3A-DL- 2
Padre Agnaldo... Foi o primeiro altar que teve assim aquela pedra. Você conhece
a capela, né?
M.A.: Sei.
D.L.: ... aquela pedra com aquele cristo maravilhoso. A inauguração foi... O garden
party deve ter sido, então, para a capela.
M.A.: Certo.
D.L.: Porque eu já peguei a reforma da capela, lá no Santa Maria.
M.A.: E como é que foi, assim, as festas de aniversário da fundação? Eu vi também
uma festa de aniversário da mère Gabriela.
D.L.: Ah, pois é.
M.A.: Como é que eram essas festas? Porque, pelo visto, deveriam ser festas lindas,
para poder sair no jornal! Parece que, assim, a freqüência deveria ser a alta
sociedade da cidade. Como é que eram? As alunas preparavam alguma coisa?
D.L.: Não. De forma geral, tinha uma coisa que era adorado no Colégio, e que eu
adorava também, que era o coro falado. Você já ouviu falar?
M.A.: Já.
D.L.: Eu que sempre comandava aquele coro falado! A minha voz sempre foi
[inaudível]! Então, tinha uma que começava e o coro que repetia. Então, tinha
sempre ou um coro falado, ou a representação de uma peça célebre dessas. Eu
me lembro, na época da abolição da escravatura, a Maria do Carmo, minha irmã,
foi Rui Barbosa. Era um dos abolicionistas. Então, era sempre um teatro!
M.A.: Hum, entendi.
D.L.: O que mais tinha no Colégio era teatro!
[silêncio]
M.A.: Ah! Agora, outra coisa, que eu fiquei pensando. Você falou de uma Maratona
Cultural. Eu também já li alguma coisa a respeito.
D.L.: Mas isso, eu não estava no Colégio ainda.
3A-DL- 3
M.A.: Pois é. Foi um ano antes, né?
D.L.: Quem falou da Maratona foi o meu irmão, que estudava no Colégio Arnaldo.
Ele até participou da Maratona!
M.A.: E como é que era essa Maratona?
D.L.: Eu sei, porque, na época, ele escreveu para nós, em Lavras, que tinha pavor de
enfrentar as meninas do Colégio Santa Maria!
M.A.: E os homens competiam com as mulheres?!
D.L.: É. Os homens competiam com as mulheres! Não interessava homem mulher;
participava tanto os colégios femininos, quanto os colégios masculinos! Eu tenho
impressão que era um debate.
M.A.: E era só de Belo Horizonte? Ou de Minas?
D.L.: Não, só de Belo Horizonte. Tanto, eu até já te falei, que a Sandra Cavalcanti,
essa que foi deputada, e a irmã... O pai delas tinha um colégio no Rio, que
chamava Castro Alves, mas ele ficou tão encantado com o desempenho do
Colégio Santa Maria, que mesmo sendo positivista, mandou as filhas para
estudar aqui.
M.A.: É aquela história que você falou? Ele não queria que elas fizessem religião, e
uma virou freira?
D.L.: Exatamente! Uma virou freira, a mère Conceição.
M.A.: Então, devia ser assim... devia ter uma repercussão no Estado inteiro!
D.L.: Até no Brasil todo! Eu acho que foi o que deu muito nome ao Colégio,
naquela época. O Santa Maria ganhou todos os prêmios!
M.A.: A cultura geral do Colégio era muito grande, né?
D.L.: Muito grande!
M.A.: Ganhava dos homens!...
D.L.: [risos]
M.A.: Porque, naquela época, eles pensavam...
3A-DL- 4
D.L.: ... que eram os donos do mundo...
M.A.: Os donos do mundo...
D.L.: Eu me lembro que o meu irmão falava que estava com medo de cair com
uma aluna do Colégio Santa Maria. O Santa Maria... A primeira aluna mulher a
fazer engenharia foi do Colégio Santa Maria! O pai dela era diretor da Escola
de Engenharia e ela foi ser engenheira!
M.A.: Ô!
D.L.: A Beatriz Alvarenga... A Beatriz Alvarenga foi minha professora de
matemática. Ela ainda não tinha terminado o ginásio. Era novinha! A minha
primeira professora de matemática foi a Beatriz Alvarenga.
M.A.: Ela é aposentada do Departamento de Física.
D.L.: A gente sempre encontra a cada 5 anos e a Beatriz sempre vai.
M.A.: Ah, é mesmo?
D.L.: Ela é uma gracinha!
M.A.: Então, depois você vai me dar esses nomes.
D.L.: [risos]
M.A.: Agora, outra coisa que eu queria te falar é que eu gostaria que você falasse
um pouco mais de uns episódios que você chegou a citar. Primeira coisa, você
falou do livro “A Carne”, do Júlio Ribeiro.
D.L.: É.
M.A.: Você falou que era super proibido!
D.L.: É. Elas foram expulsas!
M.A.: E que teve umas alunas que foram expulsas. Mas, depois, quando você ganhou
o seu oitavo filho, você ganhou o livro de presente.
D.L.: Isso.
M.A.: Como é que foi a suspensão? Como é que foi o episódio?
3A-DL- 5
D.L.: Eu te falei até que, naquele tempo, o Colégio era até muito liberal para a
leitura, né?
M.A.: É.
D.L.: Eu fui ler Anatório Francis, eu era ainda menina! Quer dizer, era uma coisa
que podia horrorizar, porque era um livro proibido pela Igreja, estava no Index e
tudo. Voltaire... Isso tudo a gente podia ler. Mas duas meninas foram apanhadas
lendo “A Carne”, do Júlio... Pinheiro, né?
M.A.: Ribeiro?
D.L.: É. Ribeiro. Pinheiro é... “Pupilas do Sr. reitor”.
M.A.: “Pupilas do Sr. reitor”.
D.L.: Júlio Ribeiro é que é “A Carne”. Ele tem a gramática e tem o livro, né? E
elas... Foi aquele escândalo no Colégio, porque foi o primeiro caso de expulsão!
Então, duas meninas... Descobriram na pasta delas, não sei como, o livro.
M.A.: E elas tem que ter conseguido esse livro em algum lugar! Ou na casa delas,
ou elas compraram... Algum jeito elas tem que ter dado para conseguir esse
livro!
D.L.: Foi um horror! Todo mundo sonhava em ler esse livro, para saber o quê tinha
em “A Carne”, para ter ocorrido essa expulsão!
M.A.: E ninguém sabia o quê que era?
D.L.: Ninguém sabia o quê que era! Simplesmente, elas foram expulsas! E como elas
adquiriram... Elas eram externas, não eram internas.
M.A.: Ah, eram externas... Então, era mais fácil.
D.L.: Mas todo mundo queria saber porque elas tinham sido expulsas. E elas foram
expulsas porque foram apanhadas lendo “A Carne”. Quando a Juliana nasceu... O
papai, que era muito bravo e proibia tudo, não proibia leitura. A única coisa que
ele não proibia era leitura! Ele falava assim: “Leitura não faz mal para ninguém.
A gente aprende a separar o que é bom do que é mal.” E a única coisa que
papai... não era autoritário mesmo, era na questão da leitura! Só “A Carne” que
3A-DL- 6
ele nunca deixou ler! Então, quando a Juliana nasceu, o Jorge falou assim
comigo: “Mãe de 8 filhos, já pode ler ‘A Carne’!” [risos] E eu tinha acabado de
ler “D. Flor e seus dois maridos”, aí, eu falei assim: “Que bobagem! Porque que
eu sonhei tanto com esse livro?!” Você conhece o livro?
M.A.: Não.
D.L.: Porque tem um caso... No livro, tem uma moça, que foi ser cuidada pelo
padrinho, porque ela perde os pais. E ela tem uma relação com o irmão, sem
saber que ele é o irmão. É a mesma da Helena, do Machado de Assis; é a
mesma do [inaudível] do Essa de Queiroz. Mas eu não sei porque...
M.A.: D. Flor é muito pior!
D.L.: Tem muita coisa pior! [risos] Eu não entendo porque que foi esse escândalo
“A Carne”!
M.A.: Outra coisa, que você falou, sobre essa coisa de suspensão, foi de quando sua
irmã fugiu para o bosque.
D.L.: É.
M.A.: Como é que foi? E esse episódio?
D.L.: Esse episódio... Outro dia, ela teimou comigo! Porque eu falei que você tinha
estado aqui. Ela falou comigo: “Não fomos nós! Foi uma freira que foi
descoberta no bosque!” Mas, não foi! É aquilo que eu te falei, o Colégio Santa
Maria... Numa parada, o Colégio Santa Maria parou perto do Colégio Estadual. E
as meninas começaram a flertar com os meninos. Até hoje, eu lembro o nome
dele, é Orlando Miraglia! E minha irmã era linda! Minha irmã era uma
maravilha! Hoje, ela não está não, mas ela foi maravilhosa. Então, ela começou a
conversar. Era ela, [inaudível]. Então, eles começaram a conversar. Eu acho que
eles devem ter combinado de encontrar com elas. Como elas eram internas, e
não podiam sair, elas foram ao bosque e eles ficaram do lado de fora!
M.A.: Do lado de fora do muro.
3A-DL- 7
D.L.: Do lado de fora do muro, e elas do lado de dentro. E isso não era meia-noite
não! Devia ser seis horas, seis e meia. Meia-noite nem podia sair do dormitório!
Devia ser, assim, na hora do recreio.
M.A.: Hum hum.
D.L.: Elas deram uma fugidinha! Eu sei que foi um escândalo! Elas foram suspensas
as três! Elas eram internas, todas as três. Elas iam assistiam as aulas e voltavam
para um quartinho! Ficaram as três em um quartinho separado... até completar
uma semana! Não sei como é que elas não foram expulsas!
M.A.: É... É mesmo, Dirce.
D.L.: E uma delas, inclusive, a Daisy, era sobrinha [inaudível], que era freira no
Colégio. Então, foi uma confusão na época!
M.A.: Ah...
D.L.: Agora, não foi meia-noite! Foi assim na hora do recreio, depois do jantar. O
jantar era seis horas. Aí, a gente jantava e tinha um recreio pequeno. Depois,
vinha o estudo. Depois do estudo, tinha a capela, que era o boa noite. Deve ter
sido nesse horário... nesse intervalo. Mas, como era proibido ir ao bosque... Não
sei o porque daquela proibição!
M.A.: É. É mesmo! Eu já li que era proibido mesmo.
D.L.: Era proibido ir ao bosque. E eu não sei o porque dessa proibição quanto ao
bosque!
M.A.: O bosque era prêmio, não era? Por exemplo, se você tirasse nota boa...
D.L.: Eu tive o primeiro prêmio! O primeiro ano que eu estudei lá no Colégio, tinha
um prêmio. Eu te falei?
M.A.: Não.
D.L.: Era um prêmio... Chamava prêmio de distinção. É quando você tem as
melhores notas de comportamento e as melhores notas nas matérias. Depois,
tinha o prêmio de aplicação, que é quando você tem as melhores notas nas
matérias. E eu vim do colégio de freiras de Lavras, com fama de malandra e
3A-DL- 8
tudo, e, quando eu cheguei no Colégio Santa Maria, no primeiro ano, eu ganhei
o prêmio de distinção!
M.A.: Com essa transformação, o seu pai deve ter tido!...
D.L.: Eu ganhei o prêmio de distinção! Eu não sei em que Colégio que você
estudou... Mas, quando as minhas meninas foram fazer o jardim, o meu cunhado,
que era professor, falou assim: “Põe no São Tomás. Eu gosto tanto do São
Tomás!” Eu falei assim: “Eu não ponho no São Tomás por causa da Sílvia
Alvim!” Até as minhas filhas fizeram terapia com a Maria Sílvia. Mas, a Sílvia
Alvim, eu tomei horror dela! Ela estava terminando o Colégio e eu entrando.
Então, o palco estava fechado. Todas que iam receber os prêmios ficavam lá
atrás da cortina, até a cortina abrir. E eu estava inchando! Estava crescendo de
tanta vaidade! Estudava em um colégio que era péssimo, onde ninguém gostava
de mim, e tinha chegado em um Colégio onde eu ganhava prêmio de
distinção!? E as irmãs do Colégio Santa Maria ligaram falando que tinha anos
que não acontecia aquilo! Nota dez, dez, dez, em todas as matérias, o ano inteiro,
e inclusive no comportamento! Então, estava eu lá, esperando orgulhosamente, a
Sílvia Alvim vira para mim: “O único pecado que não tem perdão para ele,
você sabe que é o pecado do orgulho. Foi esse que levou o anjo bom para o
inferno.” Aí, eu murchei! Pensei assim: “Gente, vou ganhar um negócio, estou com
tanto orgulho desse trem... Vou para o inferno de qualquer maneira! Que perdão
que eu vou ter?!” [risos] Mas eu fiquei com tanto horror da Sílvia Alvim, que...
M.A.: E ela estava era morrendo de inveja, né?
D.L.: Quando foi na época das minhas filhas, ela era uma das diretoras do São
Tomás. Meu cunhado falou assim: “Porque que você não põe a Cláudia no São
Tomás?” Eu falei: “Não ponho, Sérgio. Eu não consigo entender porque uma
pessoa pode virar para uma menina de onze anos, e falar que o único pecado
que não tem perdão é o orgulho!”
M.A.: E qual que era o prêmio, Dirce?
D.L.: Eram livros! Era dada sempre, também, uma cartinha. Na capa do livro, na
primeira página do livro, tinha uma dedicatória: “Para fulana, prêmio de
3A-DL- 9
aplicação.” Porque, aí, você tinha várias coisas. O de distinção englobava tudo!
Depois, você tinha o de língua, o de língua portuguesa, o de aplicação... Eu
ganhei aquele monte de livro!
M.A.: E, como é que era? A família vinha nessas ocasiões?
D.L.: Não. O papai e a mamãe não vinham, porque eles nunca... Eles vieram para a
formatura.
M.A.: Hum hum.
D.L.: Mas não. Porque, como o meu avô fazia anos... Papai fazia anos no dia 14 de
janeiro, vovô no dia 15 de janeiro. E as férias forenses eram só em janeiro. As
aulas terminavam em dezembro.
M.A.: Hum hum.
D.L.: Então, papai e mamãe vinham só antes do Natal, porque eles vinham passar o
Natal com os meus avós. Então, essas festas, assim, eles nunca pegavam.
M.A.: Hum... Entendi.
D.L.: Porque...
M.A.: Mas ele deve ter ficado muito orgulhoso, né?
D.L.: Tanto que as irmãs tocaram para ele, dizendo que anos não acontecia aquilo
no Colégio! Tinha acontecido na época da minha sogra! Até com uma amiga
dela. Então, deve ter até alguma referência a isso na história, porque foi uma
coisa que apareceu, na época. Foram só dois, três! Foi até a D. Carmem, essa que
fez o método centesimal. Foi a D. Carmem, que foi até colega da minha sogra,
depois, anos depois, eu.
M.A.: Entendi. Deve ter sido, assim...
D.L.: Para o papai mais a mamãe foi uma glória! [risos]
M.A.: Ah, mas com certeza!
D.L.: E tem também outro caso interessante... foi uma vez que enfrentei a notre
mère. Quando eu entrei, eram duas turmas: A e B. A turma A era maioria de
3A-DL- 10
internas e a turma B era maioria de externas. Então, a eleição para a oradora da
turma ia ser feita pelo grêmio do Colégio. A filha do... Quem era a presidente
do grêmio, na época, era a Márcia Barreto.
M.A.: As vezes a gente escuta esses nomes em jornais.
D.L.: A Ana Amélia Faria foi a candidata da turma B, e eu fui a candidata da
turma A. E as turmas eram equivalentes em número de alunas. Só que tinha
uma aluna interna só na turma B. Então, eu tinha certeza que a Ana Amélia ia
ganhar, primeiro porque ela era filha do médico do Colégio, e segundo porque a
tia dela era a mère Eucaristia, vice-reitora. Ela tinha um cartaz imenso, no
Colégio. E a Ana Amélia era muito vaidosa. E muito boa aluna, também! Era
muito boa aluna. Então, ela estava certa de que ia ser a oradora da turma. A
primeira colocada seria a oradora da turma, e a segunda colocada faria a oração
da despedida. Aí, eu estava me preparando para fazer a oração da despedida,
falava assim: “Não, a Ana Amélia vai ganhar, porque as turmas são iguais”. Mas
tinha uma amiga dela a Íris de Melo Campos, que era muito amiga dela, mas
que era da nossa turma. E eu tinha certeza que a Íris de Melo Campos ia votar
nela, então eu estava me preparando para ser a segunda. E, para a minha
surpresa, na hora da votação, eu ganho para oradora da turma, porque a Íris
votou em mim e uma única interna, que era da turma dela, votou em mim
também. Então, a Ana Amélia perdeu por um ponto. Então, teve eleição,
organização do grêmio...
M.A.: Deve ter sido por causa do prêmio também, né?
D.L.: Não. O prêmio foi no começo, na admissão. Então... Foi até uma coisa muito
feia, que o Colégio fez! Então, a notre mère me procurou, pedindo para eu ceder
o meu lugar para a Ana Amélia, porque havia uma expectativa muito grande da
família dela, porque ela era a primeira que estava se formando, tinha a mère
Eucaristia, que era tia dela. Era para mim fazer a oração da despedida, porque a
Ana Amélia queria ser a oradora da turma. Eu falei assim: “Notre mère, eu
estou aqui a cinco anos, e se tem uma coisa que nós escutamos foi justiça!
Houve eleição, ficou combinado que a primeira seria a oradora da turma e a
3A-DL- 11
segunda faria a oração da despedida. E eu não vou ceder o meu lugar para a
Ana Amélia! Eu também sou a primeira a me formar, também tenho família! E,
pelo fato dos meus pais morarem fora, também sinto expectativa a meu
respeito! Eu vou ser a oradora da turma!” “Mas a Ana Amélia disse que ou ela
é a oradora da turma, ou ela não faz nada.” “Pois, então, ela não faz nada,
porque eu vou ser a oradora da turma!” Tanto que quem fez a oração da
despedida foi a [inaudível], porque a Ana Amélia se recusou a ficar em
segundo lugar. E eu não cedi o meu lugar para ela!
M.A.: E isso foi na formatura.
D.L.: Foi na formatura.
M.A.: E como é que foi a formatura?
D.L.: A formatura foi uma porcaria! Porque estava na época da guerra...
M.A.: Ah...
D.L.: Na época da guerra... Estava em 43, no auge da guerra! Então, quando falam
em bônus, eu falo: “A maior bobagem que eu fiz!” Nós, em vez de gastarmos
com a festa de formatura, compramos bônus de guerra, para mandar para o
governo, e receber mais tarde esse dinheiro. Nunca que nós recebemos! E a
nossa formatura... As formaturas, que eram afamadas no Colégio... A nossa foi
no refeitório, só com os pais e com as alunas! Só teve a oradora da turma e a
oração da despedida, porque nós estávamos em guerra.
M.A.: Entendi. Agora, tirando esses comentários que você fez aí, eu lembro de você
comentar que tinha uma freira alemã no Colégio.
D.L.: Tinha. Que sofreu demais na época da guerra!
M.A.: Eu queria que você falasse um pouquinho de como é que foi esse período.
D.L.: Quando a França caiu, eu estava no Colégio. Foi logo depois que eu cheguei
no Colégio; foi em agosto mais ou menos. As freiras dominicanas já tinham
vindo para aqui. As francesas... Então, elas puseram uma [inaudível] negra,
3A-DL- 12
coberta pela bandeira da França, e vigília 24 hrs. Eram duas freiras, dois padre,
e, sempre, quatro alunas internas! Dia e noite! Dia e noite! Uma semana...
M.A.: ...revezava.
D.L.: Revezava. Foi um horror no Colégio! O Colégio, na época, tinha seis freiras
francesas. Inclusive, uma delas tinha família ainda no... na...
M.A.: Na França?
D.L.: Na França. E tinha uma que era irmã do Alan, que era bispo, e foi...
M.A.: E a maioria da ordem dominicana é toda francesa, né?
D.L.: É. Então, elas eram muito... Então, foi uma coisa! Foi por isso, eu já te falei,
que tinha certos dias que o Bolivar de Freitas fazia um discurso.
M.A.: E o hino francês?
D.L.: Ah, todo dia a gente cantava! O ano todo! Antes e depois da guerra também!
Todo dia a gente cantava, antes e depois das aulas. Cantávamos muito mais do
que o hino nacional!
M.A.: [silêncio]
D.L.: [silêncio]
M.A.: Mais do que o brasileiro?!
D.L.: Mais do que o nosso!
M.A.: E essa... Você chegou a comentar...
D.L.: Ah! Essa freira sofreu! Velhinha... Encurvada assim... Muito corcunda... Era ela
que tomava conta da capela. Ela que trocava as flores, que arrumava a capela.
Aí, a gente pelo menos escutava da sère, que era mais simples, e conversava
mais com a gente, que até fome ela passava. Elas descontavam nela!
M.A.: E, em época de guerra, as pessoas ficam mais nacionais, né?
D.L.: Mais patriotas.
3A-DL- 13
M.A.: É. Mais patriotas. E, uma outra coisa, você chegou a falar também que, com a
guerra, o relacionamento com o Sagrado Coração de Jesus...
D.L.: ... Que eram alemãs. Aquele ali da Prudente de Morais. Não, da Professor
Morais.
M.A.: É, aquele da Professor Morais. Como é que era isso? Eles participavam
daqueles campeonatos de vôlei, e, depois, a relação foi cortada?
D.L.: Cortaram. Eu me lembro. E elas eram ótimas! Porque alemão é muito forte,
né?! E tinha cortadeiras ótimas! Elas cortavam muito bem! Mas, cortaram
relações...
M.A.: Hum hum.
D.L.: E o meu irmão estudava no Colégio Arnaldo. No Colégio Arnaldo, os padres
eram alemães também.
M.A.: É.
D.L.: [incompreensível] Eram vários que estudavam lá. Eram rapazes! Os que tinham
irmãs no Colégio, iam muito visitar a gente, no domingo que a gente não saía.
Agora, os do Colégio Arnaldo... O Colégio Arnaldo era um dos poucos colégios
bons que tinham aqui, na época. Aliás, foi o Colégio Estadual e o Colégio
Arnaldo! Os que estudavam no Colégio Arnaldo eram sempre olhados com uma
cara esquisita, porque o colégio era de alemães.
M.A.: De alemães... Agora, você acabou de falar aí outra coisa que eu achei
interessante. Foi do relacionamento... Porque você falava que o relacionamento
com as freiras era muito bom, que elas conversavam, coisa e tal.
D.L.: É.
M.A.: Aí, você acabou de falar que tinha uma diferença do relacionamento com a
sère e do relacionamento com a mère. Você falou que a sère era mais simples,
conversava mais...
D.L.: Não podia conversar... [baixinho].
M.A.: Ah, é mesmo?
3A-DL- 14
D.L.: O Colégio era fascista! [risos] O Colégio era fascista...
M.A.: Como que vocês faziam? Porque quase não podia conversar com as colegas
também, né? Era tudo vigiado, controlado!
D.L.: Ah, com colega, a gente podia! Não podia era duas a duas! No recreio, por
exemplo, a gente brincava mais do que conversava!
M.A.: Eles deviam incentivar as brincadeiras...
D.L.: ...Incentivar as brincadeiras, né? Conversava menos e brincava mais! Agora, esse
negócio de confidências, não tinha dessas coisas não!
M.A.: Não, né? Mudou muito, né?
D.L.: Muito! Não tinha assim... Eu não sei se a gente era mais menina, ou o quê
que era. Sabe o quê que eu acho, as vezes? O que a gente tinha era pouco
tempo ocioso!
M.A.: É. Mas devia ser exatamente para isso...
D.L.: É. A gente tinha pouco tempo ocioso! Levantava de manhã, tomava café, ia
para a missa, tinha estudo, depois ia para a aula, depois tinha mais estudo...
Tinha uns recreiozinhos no meio, mas... O recreio, o quê que era? Tinha roda;
tinha pular corda, porque as freiras batiam para a gente... Elas não ficavam
assentadinhas, as que tomavam conta do recreio. Elas batiam corda para a gente.
Tinha vôlei, tinha mesa de ping-pong... Então, eu acho que o tempo da gente...
Tinha tempo... Por exemplo, quando a gente não saía, a biblioteca ficava aberta,
então, a gente podia tirar livro para ler. Então, não tinha tempo ocioso!
M.A.: E, uma outra coisa que você citou, que eu queria que você comentasse... Você
falou que a maioria das internas era de fora, né?
D.L.: A maioria! De interna daqui, era uma só!
M.A.: Era dessa que eu queria que a Sra. falasse, porque você falou que ela foi
interna por causa do namorado.
D.L.: Exatamente!
3A-DL- 15
M.A.: Como é que foi essa história?
D.L.: Pois é... Ela era filha da dona... A mãe dela era Perella. E o pai dela era...
Como é que o pai dela chamava? Dr. Euvécio Pires! O filho dele, o Marcelo, foi
colega do meu marido. Ela era filha do Dr. Euvécio e a mãe dela era Perella.
Ela namorava um rapaz. Até hoje, eu sei que o rapaz chamava Rui! [risos] E ela
chamava Josefina, mas tinha apelido de Pina.
M.A.: Hum...
D.L.: Ela foi interna paro o Colégio, para não casar com o Rui. E ela aparecia lá
naquela varanda lá de cima, e ele ficava lá do outro lado do muro! Eles
namoravam assim!
M.A.: Então, mesmo interna, ela continuou namorando com ele?
D.L.: E saiu... Ela não ficou o tempo todo interna não. Quando ela saiu, continuou
namorando o Rui, e casou com o Rui. E, outro dia, eu fiquei sabendo de uma
outra moça que trabalha lá na costura com a gente! Ela é voluntária também. É
a Telma Faria Mascarenhas. A Telma também foi interna... Eu falei assim:
“Telma, mas você morava...” Ela diz que, do Colégio, ela via a casa dela! É... Ela
morava lá na av. Tocantins. Diz ela que do Colégio Santa Maria via a casa
dela! Mas, como as irmãs dela, a Maria Luiza e a Selma, que até foi ser freira,
não eram tão boas alunas quanto ela, a Telma foi ser interna.
M.A.: Gente!
D.L.: Eu falei: “Telma, porque que você foi interna, se seus pais moravam ali?” Ela
disse: “Dirce, do Colégio, eu via os meus irmãos brincando!” Que eu saiba, das
meninas que foram internas, as únicas duas que eram daqui eram a Pina e a
Telma.
M.A.: E as externas tinham um dia-a-dia bem diferente do seus, né?
D.L.: Porque elas entravam no Colégio e saíam, né?
M.A.: Era só a aula...
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D.L.: Mas, eu posso dizer que a gente tinha um relacionamento bom com elas, viu?
Muitas das minhas melhores amigas são externas!
M.A.: São externas...
D.L.: D. Carmem Vieira, até hoje, eu sou amiga dela; a dona dessa casa onde eu
trabalho, a Glória Melo... A minhas amigas são as externas do Colégio Santa
Maria, porque as internas... Internas mesmo, eu encontro pouco, porque elas não
eram daqui.
M.A.: É. Elas devem ter voltado para as cidades do interior.
D.L.: Devem ter... As internas mesmo, eu quase não encontro mais. Só quando a
gente faz esse encontro, que a maioria vem. Mas, as que moravam fora, a gente
perde de vista, né?
M.A.: Ô Dirce, obrigada, viu? Vamos terminar, então?
FIM DO LADO A DA FITA 03
FIM DA ENTREVISTA
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A A Carne, 4, 5, 6 a notre mère, 9, 10 admissão, 10 alemães, 13 alta sociedade, 1, 2 aluna, 4, 10 alunas, 1, 2, 4, 10, 11, 12, 15 amigas, 16 Ana Amélia, 10 Ana Amélia Faria, 10 Anatório Francis, 5 aniversário da fundação, 2 aplicação, 9 aulas, 7, 9, 12 av. Tocantins, 15 avô, 9 avós, 9
B bandeira, 12 Beatriz Alvarenga, 4 Belo Horizonte, 1, 3 Belo Horizonte, 1 biblioteca, 14 Bolivar de Freitas, 12 bônus de guerra, 11 bosque, 6, 7 Brasil, 3 brincadeiras, 14
C campeonatos de vôlei, 13 capela, 1, 2, 7, 12 cidades do interior, 16 colegas, 14 colégio, 3, 7, 8, 13 Colégio, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 Colégio Arnaldo, 13 colégio de freiras, 7 Colégio Estadual, 6, 13 Colégio Santa Maria, 4, 6 colégios femininos, 3 colégios masculinos, 3 comportamento, 7, 8 confidências, 14 coro falado, 2
D D. Carmem, 9, 16 Departamento de Física, 4 Dirce, 1 distinção, 8, 9 dominicanas, 11
dormitório, 7 Dr. Euvécio Pires, 15
E eleição, 10 engenharia, 4 Escola de Engenharia, 4 Essa de Queiroz, 6 estudo, 7, 14 expulsão, 5 expulsas, 4, 5, 7 externas, 1, 5, 10, 15, 16
F família, 9, 10, 12 festa, 1, 2, 11 filhas, 3, 8 fome, 12 formatura, 9, 11 França, 11, 12 freira, 3, 6, 7, 11, 12, 15
G garden party, 2 Glória Melo, 16 grêmio, 10 guerra, 11, 12, 13
H hino francês, 12 hino nacional, 12 História, 1 homens, 3
I Igreja, 5 Index, 5 internas, 1, 5, 6, 7, 10, 12, 14, 15, 16 Íris de Melo Campos, 10 irmã, 2, 3, 6, 12 irmãs, 8, 9, 13, 15
J jantar, 7 jardim, 8 Júlio Ribeiro, 4, 5
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L Lavras, 3, 7 leitura, 5 livro, 4, 5, 6, 8, 14 livros, 8
M Machado de Assis, 6 mamãe, 9 Maratona, 2, 3 Maratona Cultural, 2 Márcia Barreto, 10 matemática, 4 matérias, 7, 8 médico, 10 meninas, 1, 3, 5, 6, 8, 15 meninos, 6 mère Conceição, 3 mère Eucaristia, 10 mère Gabriela, 2 Minas, 1, 3 missa, 14 mulheres, 3
N namorado, 14 namorados, 1 Natal, 9 notas, 7
O oração da despedida, 10, 11 oradora da turma, 10, 11 ordem dominicana, 12 Orlando Miraglia, 6
P Padre Agnaldo, 1
pai, 3, 4, 8, 15 palco, 8 papai, 5, 9 peça, 2 Perella, 15 Pina, 15 prêmio, 7, 8, 10 prêmio de aplicação, 7 prêmio de distinção, 7, 8 prêmios, 3, 8 professor, 8 Professor Morais, 13
R recreio, 7, 14 refeitório, 11 Rio, 3 Rui Barbosa, 2
S Sagrado Coração de Jesus, 13 Sandra Cavalcanti, 3 Santa Maria, 2, 3, 4, 6, 8, 15, 16 São Tomás, 8 sère, 12, 13 Sílvia Alvim, 8 sogra, 9 suspensão, 4, 6
T teatro, 2 Telma Faria Mascarenhas, 15 tempo ocioso, 14 turma, 9, 10 turmas, 9, 10
V Voltaire, 5
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