Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A...

9

Click here to load reader

Transcript of Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A...

Page 1: Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A ...unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0038521.pdf · Agropecuária - EMBRAPA, a ciência agrícola passou

V Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santo Domingo, Rep. Dominicana, 24 - 27 Oct. 2000

Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A experiência da EMBRAPA, Brasil

Anis Nacfur

Vicente Galileu Ferreira Guedes Introdução: As transformações sociais, políticas, econômicas e tecnológicas que se registram na sociedade

contemporânea dão ensejo a uma nova condição, denominada por alguns como era da informação e do conhecimento. Compondo o quadro de macro-transformações percebe-se o fenômeno da aceleração e integração econômica global impactando, no mundo das organizações públicas e privadas, as relações de trabalho e os modelos de gestão. Dentro dele, referenciais como efetividade, competência, flexibilidade, sustentabilidade e competição, majoritariamente adstritos ao mundo empresarial privado, em termos históricos, passam a integrar o mundo da administração pública.

Particularmente no caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, as questões ligadas à mudança de época (ou a uma época de mudanças) são especialmente importantes. Na condição de instituição pública do governo federal brasileiro, vinculada ao Ministério da Agricultura e do Abastecimento, com finalidades estatutárias voltadas para a atividade de ciência e tecnologia para o complexo agropecuário-agroindustrial, a EMBRAPA experimenta de pronto os impactos das transformações no cenário externo e, em grande número de oportunidades, é chamada à construção de respostas para os desafios que as transformações impõem. Definida no âmbito de um exercício de planejamento estratégico, a missão institucional da Empresa é “viabilizar soluções para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro, por meio de geração, adaptação e transferência de conhecimentos e tecnologias em benefício da sociedade“(EMBRAPA, 1998: 15).

Nas organizações em geral, Bresciani Filho (1999: 4) argumenta que “a inovação expressa a criação de conhecimento organizacional e deve ser entendida como um processo no qual a organização concebe os problemas e desenvolve meios para resolvê-los, para a seguir tomar suas decisões”.

Este texto se destina a descrever os passos de formulação e implantação de um modelo de organização e divisão do trabalho na EMBRAPA, com a implantação de uma estrutura organizacional semi-flexível, à qual segue a adoção da gestão por processos como forma de arranjo das atividades. Ao mesmo tempo pretende chamar a atenção para alguns pontos tomados como importantes na matéria, especialmente a relação entre a mudança institucional e o preparo para a produção do conhecimento.

Para melhor indicar o contexto em que a mudança organizacional planejada se dá, incorpora-se como uma das noções de referência deste trabalho o paradigma da mudança: fenômeno que atinge permanentemente as instituições, sobretudo aquelas cujo escopo de atuação está no campo da ciência e tecnologia.

2 - Exercício da mudança institucional programada: Contextualizar a criação da Empresa, assim como diretrizes políticas e modelos de gestão pelos

quais a mesma se conduz, tendo em conta as circunstâncias sociais, políticas, econômicas e tecnológicas que se registram na sua contemporaneidade não é um esforço apenas do presente

Page 2: Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A ...unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0038521.pdf · Agropecuária - EMBRAPA, a ciência agrícola passou

V Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santo Domingo, Rep. Dominicana, 24 - 27 Oct. 2000

2

momentâneo. Neste particular, tendo em conta a instalação da Nova República1 em 1985, a reforma econômica de 1986 e a emergência de certo grau de mobilização da sociedade, o então Ministro da Agricultura assim se manifestou em solenidade internacional promovida pela EMBRAPA:

“A Nova República encara a aplicação da ciência e da tecnologia à agricultura como meio para atingir o progresso social e econômico, realocando os recursos financeiros, anteriormente em atividades especulativas, para atividades produtivas.

Nestes 14 anos, desde que foi reorganizado o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, através da criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, a ciência agrícola passou a ser uma poderosa força produtiva na sociedade brasileira. Foram desenvolvidos projetos de pesquisa e novas tecnologias de importância mundial.” (Brasil, 1986: 45)

Dentre os desafios que a Organização tem a enfrentar está, por exemplo, a produção de

conhecimento no processo de inovação tecnológica do complexo para o qual sua atividade é direcionada. Desafio este que implica em bem diagnosticar, interpretar, priorizar e responder às demandas do ambiente externo. Mais que isso, implica em perceber e conhecer o conhecimento enquanto produto de seu trabalho e compreender que a noção de conhecimento (em termos gerais) sempre esteve intimamente agregada ao estágio de evolução em que se encontram as sociedades em suas diversas épocas. E capacitar-se institucionalmente, em termos de recursos humanos, métodos e processos de trabalho, para bem produzir respostas para as demandas tecnológicas recebidas.

Desde os últimos anos da década de 80 a EMBRAPA vem conduzindo um processo de mudança institucional planejada, que teve início com o exercício de construção de cenários alternativos para a pesquisa agropecuária brasileira e prosseguiu com o próprio delineamento e adoção de uma metodologia para o planejamento estratégico, esta última etapa realizada nos primeiros anos da década de 90. Os pressupostos da prática do planejamento estratégico são apontados por Freitas Filho (1989: 5):

“O planejamento estratégico surgiu da necessidade de contrabalançar o elevado ritmo de mudanças políticas, sociais e tecnológicas que condicionam, significativamente, a sobrevivência das organizações. O ambiente muda a cada instante e exige que as organizações adotem uma postura estratégica perante o contexto que passa a vigorar e condicionar a vida ou a morte das empresas.”

No âmbito da sociedade brasileira a EMBRAPA desfruta de imagem especialmente favorável e,

não raro, é alvo de elogios de setores sociais organizados ou de dirigentes políticos, em certa medida desejosos de se servirem da imagem favorável que o procedimento possa proporcionar. Por outro lado, as manifestações favoráveis formuladas por membros do Governo Federal podem significar respeito e consideração para com a Instituição, o que se configura em fato favorável, sobretudo quando se considera que parcela majoritária das receitas da Organização provém do Orçamento da União federal.

A proposta de governo lançada durante a campanha eleitoral do atual Presidente da República (Cardoso, 1994: 105) consignava, sob o título Desenvolvimento Tecnológico, no capítulo dedicado à agricultura: “garantir recursos estáveis e satisfatórios para o sistema nacional de pesquisa agropecuária e a sua coordenadora, a Embrapa, e para a coordenação do sistema brasileiro de assistência técnica e extensão rural”.

1 Gestão governamental federal tendo à frente o Presidente Tancredo Neves (enfermo e internado por ocasião da solenidade de posse no cargo, veio a falecer logo depois) e seu vice José Sarney, civis eleitos de modo indireto no âmbito do Colégio Eleitoral no Congresso Nacional, ao final do Regime Militar, instituída em março/85. Se estendeu até março/1990

Page 3: Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A ...unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0038521.pdf · Agropecuária - EMBRAPA, a ciência agrícola passou

V Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santo Domingo, Rep. Dominicana, 24 - 27 Oct. 2000

3

Hoje o quadro de recursos humanos da Empresa conta com pouco mais de oito mil e quinhentas pessoas, das quais 2.064 ocupam o cargo de pesquisador. Destes, cerca de 49% têm formação no nível de doutorado e 46% de mestrado. A formação de pessoas com o nível de pós-graduação no sentido estrito não está apenas no âmbito dos quadros de pesquisadores: técnicos das áreas de administração e gestão também experimentam formação avançada. Este grau de treinamento formal do corpo funcional foi construído com um programa de formação de recursos humanos sobremaneira arrojado e continuado, o que o diferencia dos para os padrões usualmente identificados em países em desenvolvimento.

Ciente de que capital humano capacitado é condição necessária mas não suficiente para a efetividade organizacional, a Empresa iniciou e prossegue no processo de mudança institucional. E, quando o Governo Federal brasileiro acelerou e aprofundou o seu próprio exercício de Reforma do Aparelho do Estado, em 1995, a EMBRAPA deu início a ajustes no seu processo em curso, visando internalizar políticas e diretrizes definidas para todo o setor público federal.

O ecossistema organizacional da Empresa é formado por um complexo na Sede, composto pela alta administração e 15 unidades centrais. Destas, nove têm o caráter de assessoramento à alta direção e seis tem o perfil técnico-operacional. Maioria das unidades centrais é de coordenadoras de sistemas institucionais, definidos para o exercício de funções estratégicas administrativas: planejamento, desenvolvimento institucional, gestão do capital humano, sistema orçamentário-financeiro e gestão do recurso informação.

No nível descentralizado a Empresa possui trinta e nove unidades, definidas segundo quatro classes: centros de referência de produtos vegetais, animais ou agroindustriais; centros de temas básicos; centros de referência ecorregional e serviços especiais. A definição das classes e a distribuição das unidades se dá na observância de fatores das seguintes ordens: de produtos, de temas, regional-geográfica, ecológica e de apoio à pesquisa e desenvolvimento.

A concepção e adoção de um modelo organizacional com estrutura semi-flexível teve como pressuposto definir um mínimo de uniformidade e unidade de gestão, dentro da diversidade de circuntâncias nas quais as unidades descentralizadas precisam se ajustar e produzir com eficiência, permitindo que cada uma delas possa, flexivelmente, organizar o seu trabalho. A definição e adoção deste modo de arquitetura organizacional se enquadra no processo de mudança autogestionada, em curso na Empresa. Como passo seguinte à definição da estrutura semi-flexível (como diretriz para toda a Organização), cada uma das unidades dá início à organização do trabalho sob o enfoque da gestão por processos.

Esta decisão está inserida em um contexto corporativo mais amplo de mudança organizacional [a partir da adoção das técnicas de planejamento estratégico (Freitas Filho, 1989), com a reorientação conceitual, organizacional e administrativa configurada em um esforço de administração estratégica (Flores, 1991) e com a compatibilização com a Reforma do Estado brasileiro da segunda metade dos anos 90 (EMBRAPA, 1998), culminando com a adoção e adaptação do método do Balanced Scorecard no final dos 90 e ao longo de 2000 (Fresneda, 1998)], avança e se complementa com a internalização da gestão por processo como modo de organização do trabalho.

A preocupação da Organização com o auto-ajuste às circunstâncias que a cercam e às aspirações e pretensões da sociedade levou a outras medidas de caráter igualmente estrutural, como a criação e instalação da Ouvidoria e de um Serviço de Atendimento ao Cidadão - SAC (EMBRAPA, 2000: 103). O SAC, operando em princípio através do correio eletrônico, estuda a expansão de seus modos de articulação para meios adicionais de comunicação.

3 – Revisão de literatura:

Page 4: Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A ...unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0038521.pdf · Agropecuária - EMBRAPA, a ciência agrícola passou

V Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santo Domingo, Rep. Dominicana, 24 - 27 Oct. 2000

4

A humanidade mutante em suas circunstâncias mantém sob o signo da mudança, em conseqüência, todos os seus componentes. Logo, a noção mais coerente de ser trabalhada no âmbito das organizações é a de que mudança é um estado permanente.

Muitos são os pesquisadores que, de forma concordante, têm trabalhado as mudanças como substrato para a construção do conhecimento e as novas formas de gestão das organizações. A respeito, Martínez (1994: 7) observa que os tempos atuais estão marcados pela velocidade, a convergência, a intensidade e a simultaneidade de numerosos fenômenos. Uma síntese está em Toffler (1993) que sugere que a história humana até o final do século XIX é caracterizada por idades ou revoluções, da pedra, fogo, bronze, arado, moinhos, pólvora, imprensa, navegações, vapor, eletricidade e química. Na atual “revolução parece haver a simultaneidade das eras do automóvel, dos hidrocarbonetos, da fissão nuclear, da eletrônica, da corrida espacial, da informática, das telecomunicações e da biogenética. Ela se dá no contexto de profundas contradições na sociedade capitalista, caracterizadas por destruição e contaminação ecológica, desemprego, marginalização de grandes setores da população, concentração de capital e endividamento externo (Boff, 1999; Capra, 1994; Drucker, 1980; EMBRAPA, 1990; e Naisbitt e Aburdene, 1990).

Sobre a mudança num sentido mais amplo, Toffler (1993)2 entende que, após a Primeira Onda, com a descoberta da agricultura, e a Segunda, com a Revolução Industrial, chega uma Terceira Onda, que conceitua dizendo:

“Estamos tateando à procura de palavras para descrever a potência e o

alcance totais desta mudança extraordinária. Alguns falam de uma Idade Espacial, de uma Idade de Informação, de uma Era Eletrônica ou de uma Aldeia Global que se anuncia. (...) Nenhum desses termos, porém, inclusive o meu, é adequado.”

.............................................................................................. “A humanidade enfrenta um salto de um quantum para a frente. Enfrenta

a sublevação social e a reestruturação criativa mais profundas de todos os tempos. Sem o reconhecermos claramente, estamos empenhados na construção de uma notável civilização nova desde os alicerces. Este é o significado da Terceira Onda.” (Toffler, 1993: 23-24).

Na verdade, há um frenesi revolucionário que domina o ritmo de produção, as formas de acúmulo

e registro, os meios de divulgação-transferência e até as técnicas de assimilação e apropriação do conhecimento.

Eboli (1999: 58), estudando as universidades corporativas, afirma que o seu surgimento inclui, como uma de suas forças, a configuração de uma era do conhecimento marcada pelo advento de uma economia do conhecimento, base para formação da riqueza.

Para compreender a contemporaneidade, Capra (1994: 14) adverte que “vivemos hoje num mundo globalmente interligado, no qual os fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais são todos interdependentes. Para descrever esse mundo apropriadamente, necessitamos de uma perspectiva ecológica”. Nesta direção também aponta Dini (1994: 196) alertando que “o conhecimento que a ciência proporciona é necessariamente fragmentário e parcial”, insuficiente, portanto, para o entendimento integral da complexidade dos fatos e fenômenos.

Gibbons e outros (1996) dedicaram-se a estudar e explicar mudanças havidas nos modos pelos quais o conhecimento é produzido. Concluíram que um novo modo de produção do conhecimento está em vigor e que ele afeta não somente que conhecimento é o produzido mas também como ele é 2 Op. cit.

Page 5: Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A ...unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0038521.pdf · Agropecuária - EMBRAPA, a ciência agrícola passou

V Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santo Domingo, Rep. Dominicana, 24 - 27 Oct. 2000

5

produzido, isto é, o contexto em que isso se dá, o caminho pelo qual a produção é feita e que processos são formulados e ainda que mecanismos de controle da qualidade são definidos.

Mudança é uma informação que as instituições podem extrair das sinalizações emitidas pelo mercado, esse produto da criação social que funciona como caixa de ressonância da sociedade (Flores e Silva, 1992). Mais que isso: gerando informação e conhecimento, a organização estará capacitada para conduzir a própria mudança, “ligada à evolução simultânea da empresa e de seu ambiente” (Freitas e Lesca, 1992: 93). Ou, num sentido especialmente gerencial, mudança é qualquer alteração iniciada pela administração no ambiente de trabalho (Judson, 1969: 14).

Diante disso tudo, ou em sua decorrência, é importante a tecedura de um fio condutor entre a atmosfera de mudanças e a transformação do modo de organização do trabalho no âmbito da EMBRAPA, até mesmo como providência para maximizar o exercício de construção do conhecimento [tanto para a própria sustentabilidade institucional quanto para o atendimento das demandas que a Empresa tem a responder].

Sendo busca constante e construção permanente, gerando resultados que contribuem para aumentar o conhecimento, alargando suas fronteiras, a ciência não tem resultados transitados em julgado. Entendendo que o conhecimento resultante da ciência clássica não é suficientemente abrangente e integrado para uma correta compreensão do mundo em sua complexidade (Dini, 1994), vários autores têm propugnado por uma abordagem mais holística (Capra, 1994) ou, por outra forma, mais ecológica e espiritual (Boff, 1999).

O modo “ecológico” de ver a construção do conhecimento é pertinente também como lentes para a análise da organização. E, assim analisada a organização, é viável compreender a necessidade de que fosse concebido modo semi-flexível de estrutura organizacional na EMBRAPA.

Nas duas últimas décadas está cada vez mais patente que “...as organizações, assim como as pessoas, não se formam definitiva e

inapelavelmente na infância. Em cada uma das etapas posteriores da vida surgem novas e diferentes oportunidades de mudança e de revitalização. E certamente, em cada uma dessas fases, existem riscos e conflitos característicos da passagem de uma etapa para outra. Esta transição, de modo geral, encerra um momento de crise.” (Pereira, 1988: 16).

Se é verdade que as organizações não se formam inapelavelmente na infância e que a construção

do conhecimento é importante para responder às questões da sobrevivência e do bem estar, ganha importância o elemento intelectual nas organizações.

Na organização, a habilidade de “ler” o ambiente social, político e econômico em que está inserida, de diagnosticar as mudanças sinalizadas, de pressupor a mudança como um estado normal é chamada por Boni (1992: 124) de cultura estratégica. Em adição, a necessidade de “identificar-se com o mundo novo” que rodeia a organização e de perceber as tendências anunciadas por sinais fracos do ambiente, que podem se “transformar em ameaças ou oportunidades”, é discutida por Gaj (1987: 15) ao estudar administração estratégica.

A relação entre estratégia, futuro, negócio, mercado e cliente é mostrada por Drucker (1980) o qual afirma que nas organizações a estratégia visa explorar as oportunidades novas e diferentes do futuro, mediante as quais a firma raciocina sobre qual deve ser seu negócio, entende as razões de seus clientes e, mais especificamente, identifica o seu mercado presente e futuro.

Ainda sobre a construção do conhecimento nas organizações, Eboli (1999: 57), estudando o fenômeno das universidades corporativas, afirma que ele surge no contexto em que o exercício das organizações aprenderem a fazer gestão do conhecimento é um fator crítico para o sucesso.

Para Gibbons e outros (1996), o novo modo de construção do conhecimento opera em um

Page 6: Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A ...unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0038521.pdf · Agropecuária - EMBRAPA, a ciência agrícola passou

V Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santo Domingo, Rep. Dominicana, 24 - 27 Oct. 2000

6

contexto de aplicação cujos problemas não podem ser tomados sem uma abordagem transdisciplinar. Essa transdisciplinaridade não se caracteriza como a mono ou a multidisciplinaridade. Está caracterizada pela não-hierarquizada e heterogênea forma de organização, a qual está em permanente mudança. O Novo Modo exige a interação de vários atores na produção do conhecimento e isso significa que o processo ocorre de uma forma muito mais social. Uma conseqüência dessa mudança é que o Novo Modo produz um conjunto de critérios para avaliação e controle de qualidade.

4 – Flexibilidade na estrutura organizacional: A figura da cooperação no exercício criativo é importante nas dimensões intra e

interorganizacional. No âmbito interno exerce importante influência no trânsito de informações e na formulação de conhecimento organizacional. Tomando a organização como produto da criação social, Bresciani Filho (1999: 1) diz que o “meio ambiente social exerce influência na atividade de criação do indivíduo, e o indivíduo exerce influência na organização social da qual faz parte”. De modo mais específico, Borges-Andrade (1997) aponta a relação existente entre treinamento de pessoal e busca de conhecimento em organizações de pesquisa. Kanter (1999: 8), estudando a gestão do conhecimento, aponta que o capital humano reside nas mentes da força de trabalho da companhia e não em seus manuais, arquivos e bancos de dados.

Contudo, se quebra a linearidade do pensamento, não abole a exigência de coerência, ligada à necessidade de se estabelecer um sentido lógico para o texto (ao escrever) (Koch e Travaglia, 1998), para os projetos (ao planejar) e para a sustentabilidade estratégica (na gestão organizacional) (Boni, 1992).

A simultaneidade é responsável também por uma outra especificidade dos novos tempos: a transdisciplinaridade definida por Gibbons e outros (1996: 124), os quais apontam que o desenvolvimento, há 15 anos, de redes de firmas e alianças deu ensejo a forte incremento das atividades de geração de conhecimento.

Assim, o emprego de uma estrutura flexível, que permita às pessoas organizarem-se em equipes para o trabalho, explorando complementarmente suas habilidades, é um imperativo que se procurou cumprir com a racionalização da estrutura na EMBRAPA. No bojo da reestruturação está contida, por exemplo, a criação de núcleos de gestão tecnológica nalgumas unidades de pesquisa, como forma de organizar e maximizar o exercício da pesquisa e desenvolvimento.

O processo de implantação da estrutura semi-flexível na Empresa se dá em etapas. Gradualmente a nova forma de estruturação é implantada nas unidades descentralizadas, a partir de 1999, como parte da implementação do plano estratégico, o qual prevê uma gestão estruturada por processo, introduzindo e aprofundando uma visão sistêmica do trabalho (EMBRAPA, 1998: 31 e 2000:3).

Como efeito mais substantivo do esforço, até meados de 2000 a Empresa já estava com vinte, de suas trinta e nove unidades descentralizadas, organizadas com a estrutura sob a ótica de processos. Para chegar a este ponto foi necessária uma consistente seqüência de transformações. Uma delas foi mudar a própria concepção dos documentos e atos de gestão que instituem a estrutura organizacional. Até 1998 cada uma das unidades organizacionais contava com um regimento interno, cuja produção estava prevista no Regulamento Geral da Empresa. Este Regulamento, datado de 1989, possui cento e quarenta e dois artigos, muitos dos quais repetem literalmente o antigo estatuto da Empresa.

Os regimentos internos, dispondo individualmente sobre a organização e funcionamento das unidades, e que nalguns casos ainda existem, se caracterizavam pelo formalismo e por serem fortemente impregnados por princípios e métodos de administração pública adotados e disseminados no Brasil desde o início do corrente século, princípios estes que tiveram seu ponto culminante (em termos de viabilidade e aplicação) sob a égide do Departamento de Administração do Serviço Público - DASP,

Page 7: Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A ...unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0038521.pdf · Agropecuária - EMBRAPA, a ciência agrícola passou

V Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santo Domingo, Rep. Dominicana, 24 - 27 Oct. 2000

7

do Governo Federal. A aprovação de um regimento interno para cada uma das unidades organizacionais (centrais e

descentralizadas), entre o último ano da década de 80 e maior parte dos anos 90, marcou, na Empresa, um ciclo que poderia ser conceituado como de aprimoramento burocrático. Em muitos de seus aspectos o regimento de cada unidade apenas repetia um texto criado e adotado como padrão.

Como parte do exercício da disseminação da estrutura semi-flexível os regimentos das unidades passaram a ser revogados pelo mesmo ato que instituía o novo modelo. Questões mais gerais, que dizem respeito igualmente a todas as unidades, estão sendo definidas em um regimento interno único, que vale para toda a EMBRAPA e que ora está em elaboração, bem como em um manual de organização, instrumento que tratará operacionalmente das premissas já definidas (em caráter estratégico) no estatuto e no regimento, este último por ora em desenvolvimento.

O que hoje é chamado, generalizadamente, de modelo semi-flexível de estrutura organizacional, na EMBRAPA, é caracterizado pela definição prévia, no ato de gestão que a cria, apenas dos cargos de gerência superior das unidades (chefia ou gerência geral e chefias ou gerências adjuntas). Além desses níveis hierárquico mais elevados, cada unidade dispõe de um certo número de funções gratificadas de supervisão, sem atribuição liminar de atividades ou funções, as quais a própria unidade direciona, segundo seus projetos, processos e linhas de trabalho prioritários.

5 – Entendendo o que foi trabalhado e refletindo prospectivamente: Conhecer o conhecimento, localizar-se nos tempos atuais e sintonizar suas condicionantes,

construir conhecimento, atualizar-se e aplicar inteligência como mecanismo de sobrevivência é mister nas organizações. Estar estruturalmente preparada para este desafio é um dos resultados mais substantivos colhidos pela Empresa neste processo em andamento.

Em termos abstratos, é pertinente para a EMBRAPA a pergunta: a organização contemporânea tem sido capaz de alavancar o recurso intelectual em modos adequados de construção do conhecimento e trabalhar no mesmo sentido?

É visando organizar-se internamente para construir conhecimento compatível com a complexidade dos desafios presentes e futuros que ao processo de mudança organizacional programada prossegue. Prossegue no sentido do avanço da adoção do processo como modo de organização do trabalho e de fortalecimento das equipes como locus em que se revela e realiza o trabalho das pessoas.

Bibliografia BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Ed. Vozes, 1999. 199 p. BONI, O Comportamento estratégico e declínio organizacional: estudo na rede Somar de

abastecimento. Brasília: UnB, 1992. Dissertação de mestrado. BORGES-ANDRADE, J. E. Treinamento de pessoal: em busca de conhecimento e tecnologia

relevantes para as organizações brasileiras. (129-240) in Trabalho, organizações e cultura. Coletâneas da ANEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia). Cooperativa de Autores Associados, 1997.

BRASIL. Ministério da Agricultura. Pesquisa agropecuária: a experiência brasileira. Brasília: MA-Coordenadoria de Comunicação Social, 1986. 12 p. (Coleção documentos, 4).

BRESCIANI FILHO, E. Processo de criação organizacional e processo de auto-organização. Ci. Inf. Brasília, v. 28, n. 1. p 1-9. 1999.

CAPRA, F. O ponto de mutação. 14 ed. São Paulo: Ed. Cultrix, 1994. 447 p.

Page 8: Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A ...unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0038521.pdf · Agropecuária - EMBRAPA, a ciência agrícola passou

V Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santo Domingo, Rep. Dominicana, 24 - 27 Oct. 2000

8

CARDOSO, F. H. Mãos à obra, Brasil: proposta de governo / Fernando Henrique Cardoso. Brasília: s/ ed., 1994. 300p.

DINI, R. Editorial. Universa, Brasília, v. 2, n. 2. p 192-197. 1994. DRUCKER, P. F. Administração em tempos turbulentos. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1980.

230p. EBOLI, M. P. Universidade corporativa: ameaça ou oportunidade para as escolas tradicionais de

administração? Revista de Administração, v. 34, n. 4. p. 56-64. 1999. EMBRAPA. Assessoria de Comunicação Social. Balanço social da pesquisa agropecuária

brasileira: 1999. Brasília: EMBRAPA-ACS, 2000. 138p. EMBRAPA. Departamento de Organização e Desenvolvimento – Coordenadoria de Desenvolvimento

Institucional. Gestão de processo: tecnologia gerencial com foco no cliente e em resultados. Brasília: EMBRAPA-DOD, 2000. 60p.

EMBRAPA. Secretaria de Administração Estratégica. Cenários para a pesquisa agropecuária: aspectos teóricos e aplicação na EMBRAPA. Brasília: EMBRAPA-SEA, 1990. 153p. (EMBRAPA-SEA. Documentos, 2).

EMBRAPA. Secretaria de Administração Estratégica. III Plano Diretor da EMBRAPA: realinhamento estratégico. 1999-2003. Brasília: EMBRAPA-SPI, 1998. 40p.

FLORES, M. X. A pesquisa agropecuária no Brasil. Brasília: EMBRAPA-SEA, 1991. 23 p. (EMBRAPA-SEA. Documentos, 6).

FLORES, M. X. e SILVA, J. S. Projeto EMBRAPA II: do projeto de pesquisa ao desenvolvimento sócio-econômico no contexto de mercado. Brasília: EMBRAPA-SEA, 1992. 55 p. (EMBRAPA-SEA. Documentos, 8).

FREITAS, H. e LESCA, H. Competitividade empresarial na era da informação. Revista de Administração, v. 27, n. 3, p. 92-102. 1992.

FREITAS FILHO, A. Planejamento estratégico: conceitos e metodologia para sua formulação. Brasília: EMBRAPA-DPL, 1989. 23p. (EMBRAPA-DPL. Documentos, 6).

FRESNEDA, P. S. V. Transformando organizações públicas: a tecnologia da informação como fator propulsor de mudanças. Revista do Serviço Público, ano 49, n. 1, p. 71-91, jan-mar/1998.

GAJ, L. Administração estratégica. São Paulo: Ed. Ática, 1987. 184 p. GIBBONS, M.; LIMONGES, C.; NOWOTNY, H.; SCHWARTZMAN, S.; SCOTT, P. e TROW, M.

The new producction of knowledge: the dynamics of science and research in contemporary societies. Londres: SAGE Publications, 1996. 179 p.

JUDSON, A. S. Relações humanas e mudanças organizacionais. São Paulo: Ed. Atlas, 1969. 244 p. KANTER, J. Knowledge management, practically speaking. Information Systems Management, p. 7-

15. fall 1999. MARTÍNEZ, E. Ciência, tecnologia y desarrollo: interrelaciones teóricas y metodológicas. Caracas:

Nueva Sociedad – UNESCO, 1994. 523 p. NAISBITT, J. e ABURDENE, P. Megatrends 2000: ten new directions for the 1990’s. Nova Iorque:

Avon Books, 1990. 416 p. PEREIRA, M. J. L. B. Mudanças nas instituições. São Paulo: Nobel, 1988. 94 p. TOFFLER, A. A terceira onda. 19 ed. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1993. 491 p.

Resenha Biográfica: ANIS NACFUR é Administrador de Empresas com curso de Mestrado em Administração. Hoje

atua como Chefe do Departamento de Organização e Desenvolvimento - DOD da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. Fone (61) 577.1849. SHIN, QI 14, Conjunto 6, Casa 24.

Page 9: Flexibilidade na organização e divisão do trabalho A ...unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD/clad0038521.pdf · Agropecuária - EMBRAPA, a ciência agrícola passou

V Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santo Domingo, Rep. Dominicana, 24 - 27 Oct. 2000

9

71530-060 Brasília – DF. Endereço eletrônico: [email protected] VICENTE GALILEU FERREIRA GUEDES é Analista de Desenvolvimento Institucional da

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. Hoje atua como Coordenador de Desenvolvimento Institucional no Departamento de Organização e Desenvolvimento - DOD da EMBRAPA. Fone (61) 448.4273, fax (61) 448.4234 e caixa postal 040315. Parque Estação Biológica, Via W3 Norte (final). 70770-901 Brasília – DF.

Endereço eletrônico: [email protected]