Fontana, 2012 IGPOA

136
ITINERÁRIOS GEOLÓGICOS DE PORTO ALEGRE: práticas de geoconservação em sítios urbanos Porto Alegre, 2012

description

O crescente movimento de geoconservação tem, por um lado, o objetivo de salientar patrimônios geológicos pontuais, em geral em locais distantes das cidades, porém mostra-se, por outro, como metodologia de enculturação para os assuntos da Terra. O tema central deste trabalho aborda a possibilidade da conservação geológica em ambientes urbanos como método de enculturação. Salienta-se o papel da Geologia Urbana para a gestão ambiental das cidades, a qual está emoldurada pelo gigantismo urbano atual e suas relações com as esferas planetária e local.Dado o gigantismo urbano contemporâneo, coloca-se a necessidade de restabelecer-se elos cognitivos entre a dinâmica do planeta, da paisagem e dos cidadãos. Como as cidades capturam a atenção humana em demasia, cortando os elos com o ambiente natural, a possibilidade de se introduzir elementos das ciências da Terra no âmbito da cultura pode contribuir com a noção de que a civilização urbana contemporânea é parte do sistema Terra. Os itinerários geológicos de Porto Alegre como propostos neste trabalho seriam um instrumento cultural nesse sentido.O presente estudo tem como premissas as noções de que: a) a geologia é base para o entendimento da paisagem e da geodiversidade; b) existem marcos institucionais e legais de geoconservação, como o programa Geoparques, sob tutela da UNESCO, e os projetos Geoparques do Brasil (CPRM) e Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP); e c) a região de Porto Alegre (RS) é encontro das paisagens da porção meridional da América do Sul e possui geodiversidade, história natural e conhecimento científico documentados e reconhecidos, como o Atlas Ambiental de Porto Alegre. Nesse contexto, têm-se a possibilidade de definir sítios representativos das unidades geológicas da região encadeados em termos de itinerários que permitem o reconhecimento da geologia como base da paisagem local e a partir desta do próprio desenvolvimento humano.Esperando exercer papel positivo de transformação da paisagem latu sensu da área, os itinerários estão fundamentados em um banco de dados com imagem de satélite e mapas temáticos de geologia, geomorfologia, áreas verdes, ordenamento urbano, etc. Esses dados foram sintetizados em termos de uma matriz de valoração, a qual apresenta indicadores geopaisagísticos usados para valorar e definir as unidades geológicas-chave do contexto da geopaisagem de Porto Alegre. Etapas de campo permitiram selecionar os sítios geológicos que representam essas unidades, os quais foram dispostos em um mapa de sítios e acessos. Sítios com alta relevância foram documentados por meio de pranchas visual-interpretativas contendo descrições geológicas e geomorfológicas, bem como fotografias panorâmicas e de detalhe.Os sítios geológicos selecionados foram espacialmente localizados em mapas e constituem uma sequência lógica de visitação. Tal sequenciamento representa a geocronologia da história geológica da região, sendo apresentada em termos de mapas de itinerários. Os itinerários geológicos de Porto Alegre podem ser utilizado para fins educacionais em vários níveis, desde o do Ensino Fundamental até o universitário e também para geoturismo e atividades correlatas. Com isso, tem-se um instrumento cultural capaz de motivar a cidadania com vistas a entender a estruturação da geopaisagem e o lugar da cidade nas esferas planetárias.

Transcript of Fontana, 2012 IGPOA

  • ITINERRIOS GEOLGICOS DE PORTO ALEGRE: prticas de geoconservao em stios urbanos

    Porto Alegre, 2012

  • 2

    RODRIGO CYBIS FONTANA

    ITINERRIOS GEOLGICOS DE PORTO ALEGRE: prticas de geoconservao em stios urbanos

    Trabalho de Concluso do Curso de Geologia do Instituto de Geocincias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Apresentado na forma de monografia, junto disciplina Projeto Temtico em Geologia III, como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Geologia. Orientador: Prof. Dr. Rualdo Menegat

    Porto Alegre, 2012

  • 3

    Fontana, Rodrigo Cybis

    Itinerrios geolgicos de Porto Alegre: prticas de geoconservao em stios urbanos. / Rodrigo Cybis Fontana - Porto Alegre : IGEO/UFRGS, 2012.

    135 f. il.

    Trabalho de Concluso do Curso de Geologia. - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Geocincias. Porto Alegre, RS - BR, 2012.

    Orientador: Rualdo Menegat

    1. Geodiversidade. 2. Patrimnio Geolgico. 3. Stio Geolgico. 4. Geoeducao. 5. Matriz de Valorao. I. Ttulo.

    _____________________________ Catalogao na Publicao Biblioteca Geocincias - UFRGS Renata Cristina Grn CRB 10/1113

  • 4

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    CURSO DE GRADUAO EM GEOLOGIA

    A Comisso Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Concluso de Curso ITINERRIOS GEOLGICOS DE PORTO ALEGRE: prticas de geoconservao em stios urbanos, elaborado por RODRIGO CYBIS FONTANA, como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Geologia.

    Comisso Examinadora:

    Andr Weissheimer de Borba

    Nome do Professor (a)

    Maria Lidia Vignol-Lelarge

    Nome do Professor (a)

  • 5

    Terra, E aos habitantes que so ela.

  • 6

    AGRADECIMENTO(S)

    Muitos agradecimentos s pessoas que participaram desse momento altamente reflexivo da vida, o qual gestado e vivenciado no mundo acadmico. Meus cumprimentos profundo para a famlia como um todo, a grande e a pequena, em especial essa menor que tanto se demonstra grande a cada dia que passa. Aos bons amigos, meus agradecimentos e a frase do Milton Nascimento que diz: se muito vale o j feito, mais vale o que ser. Aos muitos atores/viventes do planeta que induzem a criao e que criam novas artes de viver e de conviver nos dias contemporneos. Por fim, o agradecimento maior, no que diz respeito a presente obra, dedicado ao professor Rualdo Menegat, pessoa e profissional de incrvel tica e conhecimento. A ele agradeo por ter me emprestado a pequeno banco que me possibilitou enxergar ao longe no pntano do senso acadmico comum. Agradeo tambm, por ter sido um emprstimo que gerou convices prprias acerca do mundo cientfico e hoje posse dizer que aquele pequeno banco deu lugar a uma grande escada.

  • 7

    Os signos so, pois, uma fora social e no simples instrumentos de reflexo das foras sociais.

    Umberto Eco

    (O Signo, 1985, p.172)

  • 8

    RESUMO

    O crescente movimento de geoconservao tem, por um lado, o objetivo de salientar patrimnios geolgicos pontuais, em geral em locais distantes das cidades, porm mostra-se, por outro, como metodologia de enculturao para os assuntos da Terra. O tema central deste trabalho aborda a possibilidade da conservao geolgica em ambientes urbanos como mtodo de enculturao. Salienta-se o papel da Geologia Urbana para a gesto ambiental das cidades, a qual est emoldurada pelo gigantismo urbano atual e suas relaes com as esferas planetria e local.

    Dado o gigantismo urbano contemporneo, coloca-se a necessidade de restabelecer-se elos cognitivos entre a dinmica do planeta, da paisagem e dos cidados. Como as cidades capturam a ateno humana em demasia, cortando os elos com o ambiente natural, a possibilidade de se introduzir elementos das cincias da Terra no mbito da cultura pode contribuir com a noo de que a civilizao urbana contempornea parte do sistema Terra. Os itinerrios geolgicos de Porto Alegre como propostos neste trabalho seriam um instrumento cultural nesse sentido.

    O presente estudo tem como premissas as noes de que: a) a geologia base para o entendimento da paisagem e da geodiversidade; b) existem marcos institucionais e legais de geoconservao, como o programa Geoparques, sob tutela da UNESCO, e os projetos Geoparques do Brasil (CPRM) e Stios Geolgicos e Paleobiolgicos (SIGEP); e c) a regio de Porto Alegre (RS) encontro das paisagens da poro meridional da Amrica do Sul e possui geodiversidade, histria natural e conhecimento cientfico documentados e reconhecidos, como o Atlas Ambiental de Porto Alegre. Nesse contexto, tm-se a possibilidade de definir stios representativos das unidades geolgicas da regio encadeados em termos de itinerrios que permitem o reconhecimento da geologia como base da paisagem local e a partir desta do prprio desenvolvimento humano.

    Esperando exercer papel positivo de transformao da paisagem latu sensu da rea, os itinerrios esto fundamentados em um banco de dados com imagem de satlite e mapas temticos de geologia, geomorfologia, reas verdes, ordenamento urbano, etc. Esses dados foram sintetizados em termos de uma matriz de valorao, a qual apresenta indicadores geopaisagsticos usados para valorar e definir as unidades geolgicas-chave do contexto da geopaisagem de Porto Alegre. Etapas de campo permitiram selecionar os stios geolgicos que representam essas unidades, os quais foram dispostos em um mapa de stios e acessos. Stios com alta relevncia foram documentados por meio de pranchas visual-interpretativas contendo descries geolgicas e geomorfolgicas, bem como fotografias panormicas e de detalhe.

    Os stios geolgicos selecionados foram espacialmente localizados em mapas e constituem uma sequncia lgica de visitao. Tal sequenciamento representa a geocronologia da histria geolgica da regio, sendo apresentada em termos de mapas de itinerrios. Os itinerrios geolgicos de Porto Alegre podem ser utilizado para fins educacionais em vrios nveis, desde o do Ensino Fundamental at o universitrio e tambm para geoturismo e atividades correlatas. Com isso, tem-se um instrumento cultural capaz de motivar a cidadania com vistas a entender a estruturao da geopaisagem e o lugar da cidade nas esferas planetrias.

    Palavras-Chave: Geodiversidade. Patrimnio geolgico. Stio geolgico. Geoeducao. Matriz de valorao.

  • 9

    ABSTRACT

    The growing movement of geoconservation has, at one hand, the objective of highlighting specific geological patrimony in general in places distant from cities, but it shows, in the other hand a method of enculturation to the affairs of the earth. The central theme of this paper discusses the possibility of geological conservation in urban environments as a method of enculturation. It emphasizes the role of Urban Geology for the environmental management of cities, which is framed by the current urban gigantism and its relationships with the global and local spheres.

    Given the contemporary urban gigantism, there is the need to reestablish cognitive links between the dynamics of the planet, the scenery and the citizens. As cities capture excessively human attention, cutting their links with the natural environment, the possibility of introducing elements of earth sciences in the field of culture can contribute to the notion that contemporary urban civilization is part of the Earth system. The geological itineraries of Porto Alegre as proposed in this paper would be a cultural instrument accordingly.

    This study is premised on the notions that: a) geology is a basis for understanding the landscape and geodiversity b) there are legal and institutional frameworks of geoconservation like the Geoparks program, under the supervision of UNESCO, and the projects Geoparksof Brazil (CPRM) and Geological and palaeobiological sites (SIGEP), and c) the region of Porto Alegre (RS) is the meeting point of the landscapes of the southern portion of South America and has also geodiversity features, natural history and scientific knowledge, documented and recognized in the Environmental Atlas of Porto Alegre. In this context, there is the possibility of defining representative sites of geological units in the region in terms of chained routes that allow the recognition of geology as a basis of the local landscape and, from this aspect on, the recognition of its human development.

    In the expectation of exerting a positive role of landscape transformation in the broadest sense of the area, the itineraries are grounded in a database of satellite images and thematic maps of geology, geomorphology, green areas, urban planning, etc.. These data were summarized in terms of a matrix of valuation, which presents geolandscape indicators used to assess and define the geological key units of the geolandscape context of Porto Alegre. Field steps allowed selecting the geological sites representing these units, which were arranged in a map of sites and accesses. Sites with high relevance were documented by visual-interpretative boards containing geological and geomorphological descriptions, as well as panoramic and detailed photos.

    The geological sites selected were spatially localized in maps and form a logical sequence of visitation. Such sequencing represents the geochronology of the geological history of the region, and is presented in terms of geological itinerary maps. The geological itineraries of Porto Alegre can be used for educational purposes at various levels, from elementary school up to the university as well as for geotourism and related activities. Thus, it has become an instrument capable of motivating cultural citizenship in order to understand the structure of the geolandscape and the place of the city in the planetary spheres.

    Keywords: Geodiversity. Geologicalpatrimony. Geological site. Geoeducation. Matrix valuation

  • 10

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Populaes urbana e rural no mundo, 1950 a 2050 (Fonte: ONU, 2010). ........ 20

    Figura 2 - Fluxograma projetual. ......................................................................................... 24

    Figura 3 - Contexto continental da rea de estudo. Imagem da Terra mostrando Porto Alegre posicionada no centro da projeo (Menegat et al., 2006g, p. XIV-XV). ................ 25

    Figura 4 - Contexto geogrfico regional da rea de estudo. Imagem digital de alta resoluo do sul do Brasil e pases do Mercosul. Porto Alegre no centro. (Menegat et al., 2006g, p. XVI). .................................................................................................................... 25

    Figura 5 - Contexto geogrfico local da rea de estudo. Imagem da regio de Porto Alegre registra: a conurbao das cidades da Regio Metropolitana ao norte de Porto Alegre, o Lago Guaba e a Laguna dos Patos (Menegat et al., 2006g, p. XVII). ............................... 26

    Figura 6 - Contexto geolgico regional da rea de estudo. Mapa geolgico simplificado do RS. Em vermelho, Crton Rio de La Plata e Cinturo Dom Feliciano; verde e roxo, Bacia do Paran; e amarelo, Bacia de Pelotas (Modificado de Menegat et al., 2006c, p. 13). ... 27

    Figura 7 - Contexto geolgico local da rea de estudo. Unidades cronoestratigrficas (Menegat et al. 2006c, p. 11). ............................................................................................. 28

    Figura 8 - Contexto geomorfolgico regional da rea de estudo. Mapa de relevo e domnios morfoestruturais do Rio Grande do Sul (Menegat et al. 2006e, p. 25). .............. 29

    Figura 9 - Contexto geomorfolgico local da rea de estudo. Ilustrao do modelado de contrastes de Porto Alegre (Menegat et al., 2006e, p. 27-28)............................................ 30

    Figura 10 - Contexto hidrolgico regional da rea de estudo Mapa das bacias hidrogrficas que alimentam o Lago Guaba (Menegat & Kirchheim, 2006a.) ................... 31

    Figura 11 - Contexto hidrogrfico local da rea de estudo. Detalhe do Mapa das sub-bacias hidrogrficas (Menegat & Kirchheim, 2006b, p. 38). ............................................... 32

    Figura 12 - Contexto fitofisionmico regional da rea de estudo. Mapa Fitifisionmico da Amrica do Sul e rotas de migrao (Porto & Menegat, 2006a). ....................................... 33

    Figura 13 - Stios publicados pela Comisso Brasileira de Stios Geolgicos e Paleobiolgicos (Schobbenhaus & Silva, 2012). ................................................................ 48

    Figura 14 - Propostas de Geoparques j avaliadas, em avaliao e programadas. (Schobbenhaus & Silva 2010, p. 10). ................................................................................. 50

    Figura 15 - Mapa da regio costeira do Rio Grande do Sul (Jos Custdio de S e Faria, 1763, extrado de Menegat & Kirchheim, 2006c) ............................................................... 59

    Figura 16 - Mapa Geolgico. Escala 1:100.000 (Menegat et al., 2006f) ............................ 68

    Figura 17 - Mapa Geomorfolgico. Escala 1:100.000 (Menegat & Hasenack, 2006) ........ 69

    Figura 18 - Mapa do modelo espacial da cidade (Hickel et al., 2006a) ............................ 70

    Figura 19 - Mapa de rea verdes. Escala 1:100.000 (Ldke et al., 2006) ......................... 71

  • 11

    Figura 20 - Foliao tectnica marcada pela alternncia milimtrica a centimtrica de bandas claras e escuras, na UG Gnaisse Chcara das Pedras, Praa Dr. Lopes Trovo, Porto Alegre. ....................................................................................................................... 81

    Figura 21 - Lineao magmtica marcada pela orientao dos cristais de feldspato potssico, da UG Granodiorito Lomba do Sabo, Morro Tiririca, Porto Alegre. ................ 82

    Figura 22 - Textura milontica marcada pelo estiramento dos cristais, exemplificado pelo quartzo (em tonalidade escura na imagem). UG Granito Santana, Morro da Glria, Porto Alegre. ................................................................................................................................. 82

    Figura 23 - Textura no orientada, equigranular hipidiomrfica da UG Granito Santana, Parque Morro do Osso, Porto Alegre. ................................................................................ 82

    Figura 24 - Feio geomorfolgica da escarpa do plat vulcnico, vista como uma silhueta no plano de fundo da imagem, representando a UG Fm. Serra Geral, vista para o norte a partir do Morro do Osso, Porto Alegre. ............................................................................... 83

    Figura 25 - Mapa das UG-chave de Porto Alegre ............................................................ 111

    Figura 26 - Mapa de stios geolgicos e acessos ............................................................ 113

    Figura 27 - Prancha visual-interpretativa de stio geolgico da UG-chave Sistema laguna-barreira IV. Praia do Lami, Porto Alegre. .......................................................................... 115

    Figura 28 - Prancha visual-interpretativa de stio geolgico da UG-chave Sistema laguna-barreira IV. Praia de Ipanema, Porto Alegre. .................................................................... 116

    Figura 29 - Prancha visual-interpretativa de stio geolgico da UG-chave Granito Independncia. Morro Rio Branco, Porto Alegre. ............................................................. 117

    Figura 30 - Prancha visual-interpretativa de stio geolgico da UG-chave Granito Santana. Parque Morro do Osso, Porto Alegre. .............................................................................. 118

    Figura 31 - Mapa de itinerrios de longa durao ............................................................ 121

    Figura 32 - Mapa de itinerrio de curta durao .............................................................. 122

  • 12

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Sinopse da cronologia sobre geoconservao. ............................................... 44

    Quadro 2 - Relao de mapas e imagens publicadas no Atlas Ambiental de Porto Alegre. ................................................................................................................ 62

    Quadro 3 - Matriz de valorao das unidades geolgicas (UG's) de Porto Alegre. .......... 74

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Populao urbana e respectiva porcentagem no Brasil, 2009 e 2050 (Fonte: ONU, 2010). ........................................................................................... 21

    Tabela 2 -Definio da categoria da UG com base no valor de importncia. .................. 103

    Tabela 3 - Matriz de valorao das UG's de Porto Alegre com valores atribudos. ......... 108

  • 13

    SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................................... 15

    1.1 Justificativa ......................................................................................................... 20

    1.2 Problema de pesquisa........................................................................................ 22

    1.3 Objetivos ............................................................................................................ 23

    1.4 Fluxograma projetual.......................................................................................... 24

    1.5 Localizao da rea de estudo .......................................................................... 25

    1.5.1 Contexto geogrfico ........................................................................................... 25

    1.5.2 Contexto geolgico............................................................................................. 27

    1.5.3 Contexto geomorfolgico ................................................................................... 29

    1.5.4 Contexto hidrolgico........................................................................................... 30

    1.5.5 Contexto climtico .............................................................................................. 33

    1.5.6 Contexto fitofisionmico ..................................................................................... 33

    2 CONTEXTUALIZAO TERICA .................................................................... 35

    2.1 Geodiversidade, patrimnio geolgico e geoconservao ................................ 35

    2.2 Os movimentos contemporneos sobre a descoberta da geopaisagem ........... 43

    2.3 Estratgias para a geoconservao ................................................................... 52

    2.4 Porto Alegre: lugar de geodiversidade descrita desde os naturalistas do sculo XIX 58

    2.5 O conhecimento integrado da histria natural de Porto Alegre ......................... 60

    2.6 Itinerrios geolgicos de Porto Alegre: os temas da Terra inseridos na cultura contempornea ..................................................................................................................... 63

    3 METODOLOGIA ................................................................................................ 66

    3.1 Valorao das unidades geolgicas .................................................................. 73

    3.1.1 Matriz de valorao ponderada .......................................................................... 75

    3.1.2 Unidades geolgicas-chave ............................................................................... 99

    3.2 Definio de reas de busca e documentao de afloramentos ....................... 99

    3.3 Definio de stios geolgicos .......................................................................... 100

    3.4 Documentao de stios geolgicos ................................................................ 100

    3.5 Espacializao de stios geolgicos. ................................................................ 101

    4 RESULTADOS E DISCUSSO ....................................................................... 102

    4.1 Matriz de valorao das UGs de Porto Alegre com valores atribudos .......... 102

    4.2 Mapa das UG-chave ........................................................................................ 109

  • 14

    4.3 Mapa de stios geolgicos e acessos .............................................................. 112

    4.4 Pranchas visual-interpretativas de stios geolgicos ....................................... 114

    4.5 Mapas de itinerrios geolgicos ....................................................................... 119

    5 CONCLUSES ................................................................................................ 123

    6 REFERNCIAS ................................................................................................ 126

    7 ANEXOS .......................................................................................................... 136

    7.1 Declarao Internacional dos Direitos Memria da Terra ............................. 136

  • 15

    1 INTRODUO

    A rea de estudo deste projeto abrange a regio de Porto Alegre, situada no extremo sul do Brasil. A regio urbanizada conta com cerca de 4,5 milhes de habitantes, sendo 1,5 milho moradores da cidade de Porto Alegre. Situada nos limites entre os domnios continentais e costeiros do estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre apresenta diversidades geolgica e paisagstica importantes. No contexto urbano em questo, se faz necessrio o desenvolvimento de tecnologias socioculturais que dem suporte retomada do entendimento do lugar por parte das pessoas que nele habitam.

    O gigantismo urbano contemporneo, suas relaes com as esferas planetrias e o papel da Geologia Urbana para a gesto das cidades constitui-se num tema palpitante. Abundam as notcias vinculadas nos meios de comunicao acerca de desastres naturais, os quais se preferiro denominar como distrbios ecolgicos. O furaco Sandy, em 2012, o terremototsunmi e acidente nuclear de Fukushima, no Japo, em 2011 e o tsunami de Sumatra, em 2004, que matou cerca de 250 mil pessoas, so exemplos atuais de grandes colapsos para a vida humana. Entretanto, os exemplos citados nos questionam sobre a natureza dos distrbios que culminam nesses colapsos e nos leva a questionar se os cidados possuem cultura para reconhecer a relao dinmica entre as cidades e as esferas planetrias. Para alm, leva a concluir que a vida urbana contempornea, em que pese os enormes avanos tecnolgicos, no pode prescindir de uma cultura que relacione a dinmica da Terra com a do lugar em que os cidados vivem.

    A introduo de elementos das cincias da Terra no mbito cultural da sociedade torna-se um assunto cada vez mais importante para o prprio desenvolvimento das Geocincias. Como ajudar no desenvolvimento de uma cultura da Terra nas comunidades urbanas um dos desafios dos geocientistas do sculo XXI. O problema central desse trabalho situa-se dentro desse cenrio e questiona se a conservao geolgica em ambientes urbanos por meio de itinerrios geolgicos poder ser utilizada

    como metodologia de enculturao para os assuntos da Terra.

    O problema posto de extrema importncia para a atualidade e, tendo por hiptese desse problema, a possibilidade de implantao de itinerrios geolgicos de Porto Alegre, justifica tal coerncia uma vez que esses podem permitir o dilogo entre geologia e cultura. Esse dilogo possvel principalmente por meio do reconhecimento da geologia como base da paisagem local, e esta, por sua vez, como base para o desenvolvimento humano, tanto bio-evolutivo quanto sociocultural.

    Trs premissas principais foram resumidas para dar suporte ao estudo, sejam elas: a) a geologia base para o entendimento da paisagem e da geodiversidade; b) existem marcos institucionais e legais de

  • 16

    geoconservao, como o programa Geoparques, sob tutela da UNESCO, e os projetos Geoparques do Brasil (CPRM) e Stios Geolgicos e Paleobiolgicos (SIGEP); e c) a regio de Porto Alegre (RS) encontro das paisagens da poro meridional da Amrica do Sul e possui geodiversidade, histria natural e conhecimento cientfico documentados e reconhecidos, como o Atlas Ambiental de Porto Alegre.

    Nesse contexto, aproveita-se para incluir, como premissa de fundo, a proposio de que a paisagem constitui-se como totalidade primordial da cognio humana (Menegat, 2006). Em se introduzir elementos que auxiliem o entendimento da paisagem, espera-se exercer papel positivo de transformao da paisagem latu sensu da rea de estudo por meio dos itinerrios geolgicos de Porto Alegre.

    Para tanto, e embasado fundamentalmente em dados publicados no Atlas Ambiental de Porto Alegre (Menegat et al., 2006g) e em 10 mapas temticos da obra, o presente estudo identificou relaes locais significativas entre a geologia, em especfico, e a paisagem, em geral. Pelas relaes entre esses elementos naturais, construdos e de gesto ambiental urbana, foi desenvolvida uma metodologia de valorao da importncia de cada unidade geolgica (UG) para compor os itinerrios geolgicos de Porto Alegre.

    Para verificar a hiptese da viabilidade dos itinerrios geolgicos de Porto Alegre, o estudo realizou o teste de selecionar, documentar e espacializar stios geolgicos que representam o contexto geopaisagstico da regio. Foram aplicadas cinco tcnicas, a saber: 1) Valorao de unidades geolgicas; 2) Definio de reas de busca e documentao de afloramentos; 3) Definio de stios geolgicos; 4) Documentao de stios geolgicos; e 5) Espacializao de stios geolgicos.

    Cada tcnica citada gerou um conjunto de produtos diretos dessa anlise, sendo definidos cinco grupos de produtos, a saber: 1) Matriz de valorao ponderada das UG com valores atribudos; Mapa das UG-chave; 2) Mapa de reas de busca de afloramentos; banco de dados georreferenciado com descrio, fotografia e amostras dos afloramentos das UG-chave; 3) Mapa de stios geolgicos e acessos; 4) Banco de dados gerreferenciados com descrio geolgica e geomorfolgica, fotografias panormicas e de detalhes e amostras; Pranchas visual-interpretativas de stios geolgicos; e 5) Mapas de itinerrios geolgicos de Porto Alegre.

    Os produtos que, ao final, mostram-se como resultados importantes da monografia foram os seguintes: 1) Matriz de valorao ponderada das UG com valores atribudos; 2) Mapa das UG-chave; 3) Mapa de stios geolgicos e acessos; 4) Pranchas visual-interpretativas de stios geolgicos; e 5) Mapas de itinerrios geolgicos de Porto Alegre.

    Neste trabalho, no captulo 1 so apresentadas as justificativas, a caracterizao do problema e os objetivos gerais e especficos.

  • 17

    Envolvendo dados populacionais da Organizao das Naes Unidas (ONU, 2010) em relao ao mundo e ao Brasil, os quais apontam limites eminentes ao crescimento e desenvolvimento do mundo nos moldes atuais (Meadows et al., 1972; Meadows et al., 2004), apresenta-se claramente a necessidade de se restabelecer elos cognitivos entre dinmica cotidiana do planeta e dos cidados. Por meio da Geologia Urbana, tal ligao possvel para a gesto ambiental das cidades e megacidades (Menegat, 2000; Menegat, 2008), sendo necessria a introduo dos temas da Terra na esfera cultural das cidades e dos cidados, como por exemplo, na criao de stios e itinerrios geolgicos urbanos.

    No captulo 2, apresentada a contextualizao terica da pesquisa a fim de compor o estado da arte quanto ao tema e ao problema. Esse captulo traz informaes acerca da regio de Porto Alegre desde as descobertas de naturalistas do sculo XIX e incio do sculo XX (Saint-Hilaire, 1934; Rambo, 1942) at aos entendimentos e modelos atuais da histria natural da cidade (Schneider et al., 1974; Menegat et al., 2006g). Sendo finalizado por uma teoria e contextualizao do objeto, ou seja, por uma explicao do que vm a ser os itinerrios geolgicos de Porto Alegre e o cenrio mundial em que se inserem.

    Contextualizando o problema, se trouxe exemplos de movimentos contemporneos que visualizaram a importncia da paisagem geolgica ou geopaisagem, tanto de um ponto de vista, por vezes, conservacionista quanto de um ponto de vista cognitivista (Gray, 2004; Brilha, 2005; Pena dos Reis & Henriques, 2009; Menegat, 2009). So exemplos mundiais, a Declarao Internacional dos Direitos da Memria da Terra e a Rede Global de Geoparques, sob os auspcios da UNESCO. Para o cenrio brasileiro se ressaltou o Projeto Caminhos Geolgicos, desenvolvido de maneira pioneira no assunto (Mansur et al., 2001; Mansur & Nascimento, 2007) pelo Servio Geolgico do Estado do Rio de Janeiro (DRM-RJ), as aes da Comisso Brasileira dos Stios Geolgicos e Paleobiolgicos (SIGEP) e o Programa Geoparques do Brasil, pelo Servio Geolgico do Brasil (CPRM).

    No item 2.1, intitulado geodiversidade, patrimnio geolgico e geoconservao, foram revistos alguns termos tcnicos pertinentes ao assunto da manuteno dos atributos naturais da Terra como forma de conservar o registro da histria do planeta (Gray, 2004) e tambm como forma de renaturalizar o crebro humano para a paisagem em que vive e para as situaes s quais testado (Menegat, 2009). Por fim, so citadas algumas estratgias de conservao para efetivar a geoconservao (Brilha, 2005; SNUC, 2000), as quais, ainda para o ano 2012, mostram-se pouco abrangentes juridicamente e no unnimes geocientficamente, caractersticas essas discutidas como positivas, uma vez que abrem espaos para novas interpretaes e aplicaes dos termos existentes (Schobbenhaus & Silva 2010).

  • 18

    Para o captulo 3 foram reservados os espaos para a metodologia e para as estratgias de ao, a comear pela caracterizao da rea de estudo em contextos geogrfico, geolgico, geomorfolgico, hidrolgico, climtico e fitofisionmico. Essa pormenorizao dos atributos da regio de Porto Alegre apresentada em diferentes escalas e reas do conhecimento, sendo fundamental para a sustentao do problema proposto, uma vez que exemplifica e elucida a diversidade paisagstica da regio.

    Para alm, apresentou-se as maneiras pelas quais o problema foi resolvido e, assim, como se alcanou o objetivo central da proposio dos itinerrios geolgicos. Tal desenvolvimento envolveu uma base de dados do estudo com cruzamento de imagem de satlite e 10 mapas temticos (Menegat et al., 2006g) que, em conjunto com textos tcnicos, possibilitou uma anlise de geopaisagem dos elementos da paisagem local, estando os resultados sintetizados em uma matriz de valorao ponderada da unidades-geolgicas (UG) de Porto Alegre. Tal matriz relacionou as 27 UG presentes no municpio com quatro grupos de indicadores, sejam estes: 1) geolgicos, 2) logsticos, 3) geomorfolgicos e hidrolgicos, e 4) paisagsticos e culturais.

    A matriz mostra-se estruturadora da pesquisa pois valora e define as UG-chave do municpio e, para alm, concomitante com enfoque de campo, valora e define tambm os stios geolgicos importantes das UG-chave. Os stios geolgicos definidos foram documentados em relao aos indicadores presentes na matriz por meio de fotografias panormicas e de detalhe, bem como pela descrio visual e interpretativa dos stios. Ao final, como resultados, foram gerados os seguintes produtos: a) Matriz de valorao das UG's de Porto Alegre com valores atribudos, b) Mapa das UG-chave de Porto Alegre, d) Mapa de stios geolgicos e acessos, e) Pranchas visual-interpretativas de stios geolgicos; e f) Mapas de itinerrios geolgicos de Porto Alegre (de longa durao e de curta durao). A visitao sequenciada de acordo com a evoluo geolgica local e materializada pelos diferentes geosstios de importncia cognitiva auxilia o entendimento da dinmica geolgica e paisagstica de Porto Alegre e do planeta por parte dos cidados.

    O crescente movimento de geoconservao tem por um lado, o objetivo de salientar belezas geolgicas pontuais, em geral distantes das comunidades humanas, porm mostra-se, por outro lado, como uma metodologia de enculturao para os temas da Terra. O presente estudo buscar trilhar por esse segundo campo de entendimento, em especial por meio da Geologia Urbana e da Geologia Cultural (Menegat, 2008; 2009).para alcanar uma Educao Ambiental Integrada (Menegat, 2000; 2007).

    O captulo 4 referente aos resultados, os quais j foram citados acima, bem como apresentada parte da discusso. O captulo 5 destinado as concluses do trabalho e demonstra que a hiptese e o teste propostos foram sustentados uma vez que foram localizados afloramentos que

  • 19

    representam a histria geolgica local, bem como, foi desenvolvido um itinerrio scio-turstico com viabilidades logsticas e cognitivas para a introduo dos temas da Terra na esfera cultural da cidade. Com isso, preencheu-se uma lacuna quanto a existncia de roteiros de geoeducao no municpio. Para alm, abriram-se novas questes quanto ao papel profissional dos geocientistas e estudantes de geologia do sculo XXI (Borba, 2011). Tal discusso tema do captulo 6 do trabalho e propem o debate acerca do paradigma geocientfico, indicando que existem novas reas de pesquisa e atuao em geologia, as quais se aproximam das gestes ambiental, territorial e educacional.

    Os novos paradigmas da geologia do sculo XXI tm tendncias em mbitos internacionais, nacionais, estaduais, municipais e, ainda, mbitos locais mais especficos, podendo refletir-se em variadas maneiras de interpretao da geologia como cincia fundamental para o desenvolvimento sustentado da nao ou grupo em questo. A apropriao do conhecimento geolgico por parte das pessoas em geral deve ser desejada e tem possibilidade de ajudar a percepo e o reconhecimento de dinmicas dos ambientes rurais e urbanos por parte dos habitantes, podendo configurar-se como importante metodologia de enculturao humana. Essa percepo cognitiva pode estimular a atuao em prol da melhoria das condies ambientais e ecolgicas em que se inserem os seres humanos e demais formas vivas e no vivas.

    Nos captulos 6 e 7, finais do projeto, so listadas as referncias bibliogrficas pesquisadas durante as etapas de trabalho e os anexos escolhidos como materiais de consulta rpida e de interesse comum ao tema abordado.

  • 20

    1.1 Justificativa

    Mais da metade da populao mundial de sete bilhes de habitantes vive em cidades (ONU, 2010). Esse marco foi alcanado no ano de 2009, no qual o nmero de pessoas vivendo em reas urbanas (3,42 bilhes) superou o de pessoas vivendo em reas rurais (3,41 bilhes), tornando assim, o mundo mais urbano do que rural (figura 1).

    Segundo dados publicados pelo Departamento de Questes Econmicas e Sociais do Secretariado da ONU (UNDESA, Department of Economic and Social Affairs of the United Nations Secretariat), o crescimento da populao urbana mundial durante o final do sculo XX e incio do sculo XXI tem se elevado sobremaneira em relao populao mundial rural (ONU, 2010).

    Alm disso, enquanto que entre os anos de 1950 e 1980 ambas as populaes cresceram de forma proporcional, no perodo de 1980 e 2010, ocorreu o crescimento desproporcional da populao mundial urbana em relao rural (Figura 1).

    Ainda de acordo com o UNDESA, pode-se projetar esse crescimento para as prximas dcadas, ao ponto de a populao urbana mundial quase duplicar no ano de 2050, passando dos atuais 3,42 bilhes para 6,28 bilhes (Tabela 1). Nesse contexto, o Brasil j conta atualmente com percentual de sua populao urbana superior a 86,1%, devendo saltar para 93,6% em 2050 (Tabela 1), sendo, dentre os trinta pases mais

    Figura 1 - Populaes urbana e rural no mundo, 1950 a 2050 (Fonte: ONU, 2010).

    Populao urbana Populao rural

    Pop

    ula

    o

    (m

    ilh

    es)

  • 21

    populosos do mundo, em 2009, a nao mais urbanizada do planeta, seguida pelas naes da Frana, da Repblica da Coria e dos Estados Unidos da Amrica (ONU, 2010). Para 2050, projeta-se que quinze desses pases j tero percentual de populao urbana superior a 80%.

    Tabela 1 Populao urbana e respectiva porcentagem no Brasil, 2009 e 2050 (Fonte:

    ONU, 2010).

    A excessiva urbanizao do mundo leva a uma srie de distrbios ambientais que apontam para os limites do padro de desenvolvimento nos moldes do sculo XX. (Meadows et al., 1974; Meadows et al., 2004). Tais distrbios ecolgicos e scio-econmicos (Folch, 2006) so geralmente discutidos e pensados apenas quanto aos aspectos fsicos e biolgicos poluio da gua, extino de espcies, congestionamento de trnsito, etc. e pouco quanto ao desenraizamento da cultura humana contempornea em relao paisagem onde os cidados vivem.

    A catstrofe humana em Sumatra, onde cerca de 250 mil pessoas pereceram pelo avano de um tsunami em 2004, e o tsunami-terremoto e acidente nuclear de Fukushima, em 2011, mostram claramente a dificuldade dos cidados interpretarem os eventos que se delineiam e os ameaam na paisagem que observam. Poucos tm conhecimento da importncia dos eventos geolgicos como principais constituidores da paisagem e sua dinmica. Com efeito, ao longo dos bilhes de anos, os ambientes geolgicos tm sido paulatinamente transformados pela dinmica do sistema Terra, resultando na diversidade de paisagens. Assim a paisagem ou geopaisagem intrnseca evoluo do planeta e dos seres vivos, e tambm se mostra como fundamento para a identidade dos grupos humanos e seus artefatos (Mumford, 1970; Fernandz-Armesto, 2002; Brilha, 2005; Menegat, 2006; Menegat, 2009).

    A Geologia como cincia da Terra estuda cenrios e processos ocorridos no planeta desde o inimaginvel tempo profundo at o contemporneo, transitando entre escalas espao-temporais variveis e resultando em modelos de explicao do mundo em que vivemos. Portando, pela anlise das esferas planetrias, desde a litosfera, a hidrosfera, a biosfera, a atmosfera, at a antroposfera, o conhecimento geolgico mostra-se como base do conhecimento da paisagem e do lugar.

    Embora distantes da geologia tradicional, nos ltimos 20 anos, os assuntos acerca da paisagem e diversidade geolgicas vm assumindo um papel importante nos objetivos da UNESCO e da gesto ambiental

  • 22

    urbana e planetria. Por meio de novos marcos conceituais e instrumentos, como a Rede Global de Geoparques, sob os auspcios da UNESCO, e do Programa Geoparques do Brasil, desenvolvido pelo Servio Geolgico do Brasil (CPRM), essa temtica tem sido cada vez mais desenvolvida.

    A regio de Porto Alegre, localizada no leste de estado do Rio Grande do Sul, situa-se nos limites de diversas unidades geopaisagsticas locais e regionais. Sua paisagem uma sntese daquelas encontradas no estado e na regio meridional da Amrica do Sul (Menegat et al., 2006e), mostrando-se, portanto, como interessante local de estudo da geodiversidade. Essa caracterstica, somada numerosa populao da regio metropolitana que alcana cerca de quatro milhes de habitantes (IBGE, 2010), sugere a importncia da criao de mecanismos de enculturao e educao para os temas do sistema Terra e da gesto ambiental (Menegat, 2000; Menegat, 2008).

    Quando olhamos as proposies das secretarias de turismo, meio ambiente e educao do municpio, aparecem indicaes de itinerrios cemiteriais, gastronmicos, do patrimnio histrico, de floriculturas, de caminhos rurais, entre outros (PMPA, 2011), porm nenhuma em relao paisagem em geral e geologia em particular. Contudo, em Porto Alegre h um enorme potencial nesse sentido, tanto por sua geodiversidade e pelos atuais movimentos de geoconservao, quanto pelo acmulo de conhecimento cientfico (Menegat, 2006g) e apreciao pblica por esses temas na regio.

    1.2 Problema de pesquisa

    A constituio de geoparques e das atividades de geoturismo envolvem um longo processo de interao entre atores, instituies e marcos regulatrios, onde o conhecimento cientfico mostra-se como fundamental. Uma cidade com a diversidade paisagstica de Porto Alegre, relatada desde naturalistas do sculo XIX e descrita cientificamente nos sculos XX e XXI, rene potencialidades para implantar Itinerrios Geolgicos de modo a ajudar os cidados a apropriarem-se dos saberes acerca do planeta e, em especial, do lugar onde vivem. A pesquisa traz, portanto, como problema central, o questionamento se a conservao geolgica em ambientes urbanos, por meio de itinerrios geolgicos, pode configurar-se como metodologia eficaz de enculturao para os assuntos da Terra.

    Dessa forma, so definidos dois campos principais de hiptese para o trabalho, ambos balizados pela possibilidade de definir os Itinerrios Geolgicos de Porto Alegre. O primeiro de modo a permitir que:

    Se reconhea a geologia da regio como base da paisagem local;

  • 23

    Se identifique e documente stios geolgicos capazes de representar os estgios da evoluo geolgica da regio e se

    Se proponham itinerrios de geoturismo, estudo e aprendizagem, mantendo o sequenciamento de visitao de acordo com a evoluo geolgica e possibilitando, logisticamente, tal visitao no contexto urbano de Porto Alegre.

    1.3 Objetivos

    O objetivo geral desse trabalho valorar, identificar e documentar unidades geolgicas por meio de stios na rea de estudo, a fim de propor itinerrios geolgicos de Porto Alegre para o uso da sociedade.

    Como objetivos especficos, tm-se:

    Desenvolvimento de uma tcnica de valorao da geodiversidade com base em indicadores de geopaisagem

    Elaborar um mapa das UG-chave de Porto Alegre, bem como um mapa de stios geolgicos e de acessos, tendo as qualidades da geopaisagem

    Documentar os stios em termos de descrio geolgica e geomorfolgica, fotografias panormicas e de detalhes e amostragem;

    Elaborar mapas de itinerrios geolgicos de Porto Alegre, tendo os critrios histria geolgica e logstica como bases para a definio dos stios, e propor o uso dos itinerrios geolgicos considerando as afinidades de diferentes grupos de interesse.

  • 24

    1.4 Fluxograma projetual

    Figura 2 - Fluxograma projetual.

  • 25

    1.5 Localizao da rea de estudo

    O estudo abrange o municpio de Porto Alegre, cujas coordenadas geogrficas do marco rodovirio zero (Praa Montevidu) so 3001'59"S e 5113'48"O. Esta regio foi extensamente caracterizada no Atlas Ambiental de Porto Alegre (Menegat et al., 2006g) em termos de sua histria natural, subdividida em sistema natural, sistema construdo e Gesto Ambiental. Para a presente monografia, sero utilizados e analisados elementos que transpassam os trs campos citados.

    Salientou-se que a regio de Porto Alegre encontro de diferentes elementos de paisagens continentais e regionais (Menegat et al., 2006d). A seguir, a rea de estudo caracterizada em contextos geogrfico, geolgico, geomorfolgico, hidrolgico, climtico e fitofisionmico.

    1.5.1 Contexto geogrfico

    O municpio de Porto Alegre situa-se na poro centro-meridional do Continente Sul-Americano, prxima ao litoral do Oceano Atlntico Sul (Figura 3). Localiza-se na regio sul do Brasil, no leste estado do Rio Grande do Sul (Figura 4) e juntamente com outros 31 municpios, forma a Regio Metropolitana de Porto Alegre (Figura 5).

    Figura 3 - Contexto continental da rea de estudo. Imagem da Terra mostrando Porto Alegre posicionada no centro da projeo (Menegat et al., 2006g, p. XIV-XV).

    Figura 4 - Contexto geogrfico regional da rea de estudo. Imagem digital de alta resoluo do sul do Brasil e pases do Mercosul. Porto Alegre no centro. (Menegat et al., 2006g, p. XVI).

  • 26

    Figura 5 - Contexto geogrfico local da rea de estudo. Imagem da regio de Porto Alegre registra: a conurbao das cidades da Regio Metropolitana ao norte de Porto Alegre, o Lago Guaba e a Laguna dos Patos (Menegat et al., 2006g, p. XVII).

    Localmente, o municpio banhado pelas guas do Lago Guaba, ao oeste e sul, e apresenta dois domnios de ocupao do territrio, um domnio sul caracterizado por ocupao rarefeita com ncleos residenciais dispersos, e um norte, de ocupao intensiva (Hickel et al., 2006). O domnio norte se limita com as cidades de Viamo, Alvorada, Cachoeirinha e Canoas, formando uma conurbao com mais de quatro milhes de habitantes. Nota-se a expressiva rea verde do Delta do Jacu, na poro noroeste do municpio, local protegido como Unidade de Conservao Estadual.

  • 27

    1.5.2 Contexto geolgico

    Segundo Menegat et al. (2006c), os trs grandes domnios geolgicos do Rio Grande do Sul esto representados na regio de Porto Alegre (Figura 6).

    Figura 6 - Contexto geolgico regional da rea de estudo. Mapa geolgico simplificado do RS. Em vermelho, Crton Rio de La Plata e Cinturo Dom Feliciano; verde e roxo, Bacia do Paran; e amarelo, Bacia de Pelotas (Modificado de Menegat et al., 2006c, p. 13).

    As unidades geolgicas (UG) aflorantes na regio de Porto Alegre so em nmero de 27 e tm suas idades compreendidas desde o Proterozoico Superior at o Cenozoico (Figura 5). As definies petro-sedimentares das UG's e as relaes dessas com os grandes domnios geolgicos do RS foram descritas no Atlas Ambiental de Porto Alegre (Menegat et al., 2006c).

    As rochas proterozicas que afloram nos morros de Porto Alegre so dos tipos riolito, riodacito, granitos, granodioritos e gnaisse. Essas rochas pertencem ao domnio do Cinturo Dom Feliciano, com ocorrncia expressiva ao Sudoeste e denominado Escudo Sul-Rio-Grandense.

    As rochas paleozicas aflorantes ao nordeste do municpio so corpos tabulares de pelito. O conjunto de tais rochas com as rochas mesozicas aflorantes como diques de diabsio, andesito e dacito, representa o registro da Bacia do Paran em Porto Alegre. A bacia se estende para o

  • 28

    Norte e Nordeste e compreende as regies denominadas Depresso Perifrica e Planalto Meridional.

    Por fim, os depsitos sedimentares cenozoicos aflorantes em Porto Alegre so dos tipos leques aluviais, eluvionares, dunas litorneas, cordes litorneos, terraos fluviais, lacustres, de plancie e canal fluvial, e deltaicos. Geneticamente distintos, os depsitos do sul do municpio em conjunto com os do delta fazem parte da Bacia de Pelotas, que est aflorante principalmente ao leste e Sul, designada por Provncia Costeira, enquanto os demais, do norte, pertencem a Bacia de Paran, regio chamada de Depresso Perifrica.

    Figura 7 - Contexto geolgico local da rea de estudo. Unidades cronoestratigrficas (Menegat et al. 2006c, p. 11).

  • 29

    O mosaico formado pelas unidades cronoestratigrficas identificadas para a regio de Porto Alegre corrobora com a definio do local como encontro da geologia do Rio Grande do Sul. Nota-se que o local de encontro dos grandes domnios geolgicos do estado restrito regio descrita e aos arredores dessa (Figura 6).

    1.5.3 Contexto geomorfolgico

    Porto Alegre est situada entre as regies costeira e continental do estado (Figura 8), se encontrando nos j referidos limites do Escudo Sul-Rio-Grandense (a Sudoeste), caracterizado por coxilhas, morros, pontes, cristas e chapadas com at 599 m, da Depresso Perifrica (a Oeste), com predomnio de coxilhas, plancies fluviais e morros testemunhos tabulares e cnicos com at 200 m, do Planalto Meridional (ao Norte) com presena de plat com escarpas ngremes com at 1.378m, e por fim, da Provncia Costeira (ao Leste), conformada por lagoas isoladas e barreiras arenosas com at 30 m.

    Figura 8 - Contexto geomorfolgico regional da rea de estudo. Mapa de relevo e

    domnios morfoestruturais do Rio Grande do Sul (Menegat et al. 2006e, p. 25).

  • 30

    Localmente, Porto Alegre apresenta sua morfologia de superfcie intimamente ligada com os eventos climticos e geolgicos ocorridos na regio nos ltimos 400 mil anos (Menegat et al. 2006e). Os autores citaram a Crista de Porto Alegre como a principal elevao do municpio, a qual compartimenta o relevo em trs modelados de relevo distintos: 1) as terras baixas ao norte, que compem a Depresso Perifrica; 2) as terras altas, na rea central, que correspondem ao Escudo Sul-Rio-Grandense; e 3) as terras baixas com morros isolados, ao sul, que fazem parte, junto com as terras baixas do delta, da Provncia Costeira.

    Os modelados da paisagem de Porto Alegre, segundo Menegat & Hasenack (2006), foram definidos por (a) modelado residual: morros isolados, colinas e cristas; (b) modelado de acumulao: plancies e terraos fluviais, Delta do Jacu e cordes arenosos e terraos lacustres; e (c) as formas da margem do Lago: enseadas e pontas (Figura 9).

    Figura 9 - Contexto geomorfolgico local da rea de estudo. Ilustrao do modelado de contrastes de Porto Alegre (Menegat et al., 2006e, p. 27-28).

    1.5.4 Contexto hidrolgico

    Segundo Menegat & Kirchheim (2006c) a rea de estudo est localizada na Regio Hidrogrfica da Bacia do Guaba (Figura 10), onde o Rio Jacu o canal principal de escoamento, desembocando no Lago Guaba em conjunto com os rios das bacias hidrogrficas do Ca, do Sinos e do Gravata. A desembocadura no lago das guas e sedimentos desses rios

  • 31

    forma o Delta do Jacu, o qual retm a maioria das partculas grossas e algumas finas, permitindo a passagem predominantemente das partculas finas e das gua que alimentam o Lago Guaba. No lago, existe o aporte hidrolgico dos rios da Bacia Hidrogrfica do Guaba, que soma-se aos demais aportes vindos do delta para desaguarem, posteriormente, na maior laguna do mundo, a Laguna dos Patos, A Regio Hidrogrfica da Bacia do Guaba, com uma rea de 84.763,5 km, abrange quase um tero da rea total do RS e a mais densamente habitada do estado, concentrando a maior parte das atividades comerciais e industriais, sendo, portanto, o Lago Guaba um local vulnervel hidrologicamente e de complexo manejo ambiental intermunicipal.

    Figura 10 - Contexto hidrolgico regional da rea de estudo Mapa das bacias hidrogrficas que alimentam o Lago Guaba (Menegat & Kirchheim, 2006a.)

  • 32

    ]

    Podem ser delimitadas 27 sub-bacias hidrogrficas no municpio de Porto Alegre (Menegat & Kirchheim, 2006c), as quais drenam diretamente ou indiretamente suas guas at o Lago Guaba, principal manancial hdrico da regio (Figura 11).

    Figura 11 - Contexto hidrogrfico local da rea de estudo. Detalhe do Mapa das sub-bacias hidrogrficas (Menegat & Kirchheim, 2006b, p. 38).

    Quanto caracterizao urbano-espacial das sub-bacias, tm-se que

    as [...] situadas na regio central e norte do municpio possuem caractersticas urbanas e alta densidade populacional, como o caso da sub-bacia do Dilvio. medida que se avana para a regio sul, as sub-bacias tornam-se progressivamente menos ocupadas, sendo as mais expressivas, em rea, as sub-bacias do Arroio do Salso e do Lami (Menegat & Kirchheim, 2006c, p. 37).

    Porto Alegre drenada por 18 arroios principais, cada qual com diversos afluentes, sendo o maior deles o Arroio do Dilvio e o menor, o Arroio do Osso (Menegat & Kirchheim, 2006c).

  • 33

    1.5.5 Contexto climtico

    Segundo a classificao de Kpen (1948), o clima da regio de Porto Alegre subtropical mido com veres quentes e chuvas bem distribudas ao longo do ano (Cfa). Tal definio indica que a temperatura do ms mais quente superior a 22C e nenhum ms com precipitao pluvial inferior a 60 mm.

    1.5.6 Contexto fitofisionmico

    De acordo com a botnica Maria Luiza Porto (1997 e 2006), a flora de Porto Alegre tem origem e diversidade muito peculiares, englobando espcies provindas desde as distantes regies da Amaznia (ao norte), do Chaco (a noroeste), do Pampa e Patagnia (ao sul) e da Mata Atlntica (a nordeste). Tal diversidade pode ainda hoje ser lida na paisagem da regio, sendo propostas quatro rotas migratrias de plantas superiores que se estabeleceram ou colonizaram a paisagem (Figura 12).

    Figura 12 - Contexto fitofisionmico regional da rea de estudo. Mapa Fitifisionmico da Amrica do Sul e rotas de migrao (Porto & Menegat, 2006a).

  • 34

    Maria Luiza Porto props que

    os diversos processos geolgicos e geomorfolgicos, que originaram compartimentaes regionais do relevo, acompanhados das grandes mudanas de paleoclima do Quaternrio [...] so os fatores determinantes que explicam o ectono na regio de Porto Alegre (Porto, 2006, p. 47).

    Porto & Menegat (2006a) estabeleceram a condio fitofisionmica local de Porto Alegre como sendo um mosaico vegetacional de savana (Savana meridional (campos), em marrom claro), florestas (Floresta do Planalto Meridional com Araucria, em verde escuro, Floresta do interior da costa atlntica brasileira, em verde claro e Floresta da costa atlntica brasileira, em verde) e complexo vegetacional (Complexo das restingas da costa atlntica, em rosa claro).

    Localmente, so definidas nove tipologias vegetacionais, sendo os nomes populares os seguintes: campo, campo com butis e cactceas, banhado com marics e macrfitos, mosaico vegetacional mido com ilhas de mata com figueiras, mata aluvial, mata com figueiras, mata com figueiras em restinga com butis e cactceas, mata baixa dos morros e coxilhas, e por fim, mata alta das encostas dos morros (Porto & Menegat, 2006a). Como alguns dos nomes populares j indicam, existem diversas relaes entre a geologia dos terrenos e as vegetaes que neles se estabeleceram, sendo, ento, a diversidade peculiar da vegetao, comentada por Porto (2006), reflexo da peculiaridade da geologia local.

    Os seis contextos abordados para a regio de Porto Alegre mostraram que a diversidade de elementos no municpio observvel em distintas rea do conhecimento. Essa diversidade mostra-se como um mosaico paisagstico que se desenvolveu a partir da geodiversidade local, o qual tm real importncia scio-ambiental e deve ser observado, entendido, preservado e vivenciado por meio de aes da geoconservao e da geoeducao. Ao longo do trabalho que segue, traaram-se pontos de relao dos elementos geolgicos com os demais elementos da paisagem e props-se que o conhecimento da geologia de importncia fundamental para o entendimento de muitos dos processos e eventos que constituem a paisagem do planeta.

  • 35

    2 CONTEXTUALIZAO TERICA

    Esse captulo contextualiza os assuntos da diversidade geolgica global e local e apresenta Porto Alegre como lugar de importante geodiversidade. Para tanto, foi iniciado por uma reviso de termos referentes ao tema da pesquisa, seguido da apresentao de movimentos contemporneos sobre a descoberta da geopaisagem e das estratgias de geoconservao. Como local de aplicao da temtica estudada, apresenta Porto Alegre desde as viagens de naturalistas com nfase na geologia da regio at ao panorama do conhecimento cientfico acumulado sobre a da histria natural do lugar. Ao final, contextualiza a proposta dos itinerrios geolgicos de Porto Alegre como metodologia de enculturao para os assuntos da Terra em ambientes urbanos.

    2.1 Geodiversidade, patrimnio geolgico e geoconservao

    Cada lugar na superfcie terrestre possui uma paisagem [...] resultante de uma dinmica interna, do sistema do geodnamo, do sistema da tectnica de placas e do sistema clima [...] Tal conjunto de elementos define, ento, as caractersticas prprias de cada lugar [...] que, depois bilogos e eclogos vo chamar de ecossistemas e que dentro deles ns vamos viver e elaborar nossa cultura. Ou seja, a cultura humana, a diversidade da cultura humana uma leitura possvel da diversidade de ecossistemas, os quais, por sua vez, respondem diversidade de geossistemas e geodiversidade. (Menegat, 2009, p. 97-98)

    O termo geodiversidade tem sua origem bastante ligada ao termo biodiversidade e foi inicialmente utilizado por gelogos e geomorflogos australianos, na dcada de 1990, para descrever a variedade dentro da natureza abitica (Gray, 2004). Salientando a imaturidade do termo, Brilha (2005) citou como o primeiro livro dedicado expressamente ao tema, publicado apenas em 2004, por Murray Gray, a obra Geodiversity: valuing and conserving abiotic nature. O autor da obra pioneira citou a Australian Heritage Commission (2002), que definiu a geodiversidade como a gama ou diversidade de caractersticas, conjuntos, sistemas e processos geolgicos (substrato), geomorfolgicos (formas de superfcie) e do solo (Gray, 2004, p. 6).

    Stanley (2001) fez uma proposio ao termo, expandindo a gama de caractersticas para alm das esferas abiticas do planeta, propondo haver uma conexo entre a geodiversidade e os seres vivos, incluindo os humanos e seu carter cultural. Assim, o autor postulou que geodiversidade

    a ligao entre as pessoas, paisagens e sua cultura: a variedade de ambientes geolgicos, fenmenos e processos

  • 36

    ativos que do origem a essas paisagens, rochas, minerais, fsseis, solos e outros depsitos superficiais que proporcionam o suporte para a vida na Terra (Stanley, 2001, apud Gray, 2004, p. 7)

    No livro Geodiversity, Murray Gray (2004) sugeriu um compilao das definies de Stanley (2001) e da Australian Heritage (2002), definindo objetivamente geodiversidade como

    A gama natural (diversidade) de feies geolgicas (rochas, minerais, fsseis), geomorfolgicas (formas de superfcie, processos) e de solo. Inclui suas colees, relaes, propriedades, interpretaes e sistemas (Gray, 2004, p. 8).

    e tambm atribuiu valores intrnseco, cultural, esttico, econmico, funcional, cientfico e educativo para a geodiversidade, portando incluindo as ligaes anteriormente propostas por Stanley (2001) entre a diversidade geolgica e as pessoas, paisagens e culturas. Todavia, tal ligao aparece de maneira tnue quando levado em conta os campos de atuao profissional dos estudiosos da Terra que se encarregam de verificar e aplicar questes referentes ao assunto da geodiversidade e da conservao desse patrimnio natural.

    Gray (2004, p. 5) citou Pemberton (2001), o qual enfatizou a falta de treino dos geoscientistas em relao prtica, poltica e teoria de geoconservao, explicando que a maioria desses profissionais, alm de serem treinados e empregados nas indstrias de extrao, por vezes, reforam a ideia de que o ramo da conservao foge das metas da profisso. Gray (2004, p. 6) ainda se valeu do exemplo do Parque Nacional do Grand Canyon-EUA, um verdadeiro cone da diversidade geolgica, o qual contm em sua rea de proteo sequncias de rochas sedimentares de beleza acima da mdia, sendo capa de numerosos livros da cincia geolgica, e que ao ano de 2004, no empregavam sequer um profissional gelogo.

    Para Brilha (2005) a geodiversidade, em si, compreende apenas aspectos no vivos do nosso planeta, sendo no apenas testemunhos do passado geolgico, mas tambm dos processos atuais formadores de novos testemunhos. O autor ainda afirmou que a biodiversidade [...] definitivamente condicionada pela geodiversidade, uma vez que os diferentes organismos apenas encontram condies de subsistncia quando se rene uma srie de condies abiticas indispensveis (Brilha, 2005, p. 18).

    Brilha (2005) enumerou uma srie de relaes da biosfera com a geodiversidade, apresentando a diversidade geolgica como condicionante evolutiva da vida, como um todo, e da civilizao humana, em especfico. Para tanto, usou os exemplos de disponibilidade de alimentos, existncia de condies climticas favorveis, existncia de

  • 37

    locais de abrigo e de materiais para a sua construo, etc. Ainda afirmou que o patrimnio construdo um excelente espelho da geodiversidade local (Brilha, p. 18), citando exemplos empregados s construes tradicionais antigas de Portugal e extrapolou para a larga dependncia que a sociedade contempornea tem em relao aos recursos da geodiversidade, em geral, e aos elementos qumicos, combustveis fsseis e a gua, em especfico.

    Dentre as inumerveis feies paisagsticas, recursos minerais e hdricos e exemplares da diversidade geolgica em geral, alguns podem ser salientados, pela engenhosidade humana, como tendo algum valor de destaque em relao aos demais. A esses, ser designado o termo patrimnio geolgico. Geodiversidade e patrimnio geolgico tm, portanto, ntima ligao, porm esto longe de serem sinnimos. O primeiro deles tem uma gama ampla que abrange todas as colees, relaes, propriedades, interpretaes e sistemas do planeta Terra (Gray 2004) e o segundo, em sentido amplo, se refere ao conjunto de elementos da geodiversidade que possuem importncia notvel.

    O patrimnio geolgico, para Muoz (1988),

    constitudo por georrecursos culturales, que so recursos no renovveis de ndole cultural, que contribuem para o reconhecimento e interpretao dos processos geolgicos que modelaram o Planeta Terra e que podem ser caracterizados de acordo com seu valor (cientfico, didtico), pela sua utilidade (cientfica, pedaggica, museolgica, turstica) e pela sua relevncia (local, regional, nacional e internacional). (Muoz, 1988 apud Nascimento et al. 2008, p. 11)

    sendo, portanto restringidos e apresentados como patrimnios geolgicos apenas uma pequena parcela da geodiversidade, notavelmente aquelas que apresentam valores culturais. J Uceda (1996) postulou uma definio de patrimnio geolgico muito similar com as de geodiversidade, acabando por ampliar o campo desse tipo de patrimnio, o qual, para o autor,

    inclui todas as formaes rochosas, estruturas, acumulaes sedimentares, formas, paisagens, depsitos minerais ou paleontolgicos, colees de objetos geolgicos de valor cientfico, cultural ou educativo, podendo incluir ainda elementos da arqueologia industrial relacionada com instalaes para a explorao de recursos do meio geolgico. (Uceda, 1996 apud Nascimento et al. 2008, p. 11)

    As definies de Muoz (1988) e Uceda (1996), ainda que diferentes uma da outra, seguem o sentido amplo do termo, pois relacionam um conjunto definido de elementos a uma importncia, ou valor relativo. Brilha (2005, p. 52), diz que patrimnio geolgico definido pelo conjunto dos geosstios

  • 38

    inventariados e caracterizados numa dada rea ou regio. Portanto, se comea a restringir o emprego do termo, uma vez que se faz necessria a delimitao geogrfica da ocorrncia.

    As discusses e pensamentos incipientes sobre as delimitaes do termo patrimnio geolgico e dele propriamente dito foram acompanhados pela teorizao acerca da necessidade de manuteno desse bem natural. Postulou-se, para tanto, o termo geoconservao para designar a proteo e conservao da geodiversidade e, ainda imaturo enquanto ao que deve conservar estritamente, o termo vem sendo empregado para quaisquer aes de conservao que envolvam a diversidade geolgica em sua forma geral.

    Segundo Brilha (2005), a geoconservao pode originar vivas discusses entre os que pretendem conservar tudo o que apresente algum valor e aqueles que pretendem conservar apenas os expoentes mximos da geodiversidade. Para tanto, o autor sugere a mediao entre os extremos e explica que

    como impossvel conservar toda a geodiversidade, a geoconservao s deve ser concretizada depois de um acurado trabalho de definio daquilo que deve ser considerado como patrimnio geolgico. (Brilha 2005, p. 52)

    A j citada definio de patrimnio geolgico para Brilha (2005) est pautada pela definio de geosstios, os quais o autor denomina como a

    ocorrncia de um ou mais elementos da geodiversidade (aflorantes quer resultado da ao de processos naturais quer devido interveno humana), bem delimitado geograficamente e que apresente valor singular do ponto de vista cientfico, pedaggico, cultural, turstico, ou outro (Brilha, 2005, p. 52).

    Sobre os valores dos geosstios ou stio geolgicos e sobre suas importncias, os gelogos atuantes pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais/Servio Geolgico do Brasil (CPRM/SGB) Schobbenhaus & Silva (2010) comentaram que

    os stios geolgicos no so apenas objetos tridimensionais naturais, mas eles nos fornecem informaes sobre uma quarta dimenso: a histria da dinmica da Terra e a histria da vida da Terra [...]. So assim locais-chave para o entendimento da histria da Terra e da vida, desde a sua formao, e por isso devem ser preservados para futuras geraes (geoconservao). Isso somente poder ser alcanado atravs da educao em geocincias. (Schobbenhaus & Silva, 2010, p. 3)

  • 39

    Sobre a importncia enfatizada por Schobbenhaus & Silva (2010) acerca do papel fundamental da geologia, por meio dos geosstios, para o entendimento da dinmica do planeta e da vida. Brilha (2005) ainda acrescentou o valor nico do patrimnio geolgico e da geoconservao no s por ser fundamental para a manuteno da biodiversidade, mas tambm porque a geodiversidade, s por si, tem um valor intrnseco, mesmo que no se encontre diretamente associada a qualquer forma de vida (Brilha, 2005, p. 51).

    No mbito crescente das relevncias quanto geoconservao, em particular, e geodiversidade, em geral, surgem os chamados geoparques como unidades geogrficas de maior magnitude para o reconhecimento das feies geolgicas. Essa nomenclatura empregada para locais que recebem um selo de excelncia, atribudo pela Rede Global de Geoparques sob os auspcios da UNESCO, seguindo as diretrizes encontradas no documento Guidelines and Criteria for National Geoparks seeking UNESCO's assistance to join the Global Geoparks Network (UNESCO, 2010).

    De maneira sinttica, o Servio Geolgico do Brasil (CPRM) definiu que , um geoparque nos moldes da UNESCO

    uma rea onde stios do patrimnio geolgico representam parte de um conceito holstico de proteo, educao e desenvolvimento sustentvel. Um geoparque deve gerar atividade econmica, notadamente atravs do turismo, e envolve um nmero de stios geolgicos de importncia cientfica, raridade ou beleza, incluindo formas de relevo e suas paisagens. Aspectos arqueolgicos, ecolgicos, histricos ou culturais podem representar importantes componentes de um Geoparque. (CPRM, 2011).

    Schobbenhaus & Silva (2010), ao sintetizarem as definies da UNESCO sobre geoparques, reconheceram que:

    a) uma rea com limites bem definidos, envolvendo um nmero de stios do patrimnio geolgico-paleontolgico de especial importncia cientfica, raridade ou relevncia esttica ou cnica. Aspectos arqueolgicos, ecolgicos, histricos ou culturais podem tambm representar e devem ser vistos como importantes componentes de um geoparque;

    b) em princpio, representa um territrio (paisagem) que suficientemente grande para gerar atividade econmica - notadamente atravs do turismo.

    c) pequenos afloramentos ou exposies de rochas, mesmo tendo importncia cientfica, normalmente no tm esse potencial;

  • 40

    d) terrenos que so de interesse geolgico-paleontolgico (e arqueolgico e biolgico), mas que no tem pblico permanente, ou localizam-se em locais muito remotos para gerar atividade econmica, no deveriam servir normalmente como geoparques. O conceito de geoparque elaborado para relacionar as pessoas com o seu ambiente geolgico-paleontolgico e geomorfolgico; essa caracterizao pode mudar com a evoluo socioeconmica da regio no tempo;

    e) tem de prover pela educao ambiental, treinamento e desenvolvimento de pesquisa cientfica nas vrias disciplinas das Cincias da Terra, e dar destaque ao ambiente natural e s polticas de desenvolvimento sustentvel;

    f) deve ser proposto por autoridades pblicas, comunidades locais e interesses privados agindo em conjunto;

    g) deve fazer parte de uma rede global que, por sua vez, deve demonstrar e compartilhar as melhores prticas com respeito conservao do Patrimnio da Terra e sua integrao em estratgias de desenvolvimento sustentvel. (Schobbenhaus & Silva, 2010, p. 6)

    Para designar as atividades econmicas e de desenvolvimento sociais comentadas, surge formalmente o termo geoturismo, que essencialmente entendido como "turismo geolgico" e se centra na geodiversidade, tendo interesse especial focado na geologia e na formao de paisagens (Schobbenhaus & Silva 2010, p. 3).

    Embora os elementos da geosfera tenham, desde longa data, importante papel no turismo desenvolvido no planeta, so recentes os termos que designam o turismo geolgico em especial. Nascimento et al. (2008) creditaram, ao pesquisador ingls Thomas Hose, a ampla divulgao do termo, que o definiu em 1995 e o revisou em 2000. Para Hose, geoturismo pode ser designado para

    a proviso de facilidades interpretativas e servios para promover o valor e os benefcios sociais de lugares e materiais geolgicos e geomorfolgicos e assegurar sua conservao, para uso de estudantes, turistas e outras pessoas com interesse recreativo ou de lazer (Hose, 2000, apud Nascimento et al., 2008, p. 40).

    Adicionalmente, Stueve et al. (2002) definiram geoturismo como o turismo que mantm ou refora as principais caractersticas geogrficas de um lugar seu ambiente, cultura, esttica, patrimnio e o bem-estar dos seus residentes (Stueve et al., 2002, apud Nascimento et al., 2008, p. 41).

  • 41

    No cenrio brasileiro, por exemplo, Nascimento et al. (2008) fizeram uma anlise dos 62 Parques Nacionais brasileiros criados pelo IBAMA at 2008, apontando que em 42 desses parques, o patrimnio geolgico um dos principais atrativos. Schobbenhaus & Silva (2010) confirmam dizendo que o Brasil tem um enorme potencial geoturstico e condies favorveis para desenvolver plenamente essa atividade, de maneira a usufruir dos benefcios sociais que ela pode oferecer (Schobbenhaus & Silva, 2010, p. 4).

    Quanto s potencialidades geotursticas do estado do Rio Grande do Sul, o professor Andr Weissheimer de Borba (2011), exemplificou em linhas gerais a geodiversidade do estado. Afirmou que o panorama geolgico e geomorfolgico da regio tem "rica e variada geodiversidade, aspectos interessantes de cultura e biodiversidade" (Borba, 2011, p. 11), propondo ser necessria a educao por parte da populao e dos prprios geocientistas e estudantes para se aplicar as estratgias de geoconservao.

    Parafraseando Murray Gray, Borba (2011) apontou o Escudo Sul-Rio-Grandense como hotspot de geodiversidade, exemplificado pelos locais Cerro Mantiqueiras, Dorsal de Canguu, Pedras do Segredo e Pintada, essas referenciadas como maravilhas tursticas pouco exploradas. Citou tambm, as qualidades paleontolgicas das rochas sedimentares da Bacia do Paran, os cnions da regio de Cambar do Sul, os campos de dunas em Cidreira e Itapeva entre outros.

    Borba (2011) tambm afirmou a importncia da participao de variados agentes da sociedade para as iniciativas de proteo, inclusive por parte dos gestores pblicos em geral, e concluiu que os conceitos da geodiversidade, geopatrimnio e geoconservao "aproximam o conhecimento geocientfico das questes da proteo do meio ambiente, do ordenamento territorial e do desenvolvimento sustentvel" (Borba, 2011, p. 11).

    No contexto internacional, salienta-se a iniciativa da UNESCO para apoiar a criao de geoparques, a qual responde forte demanda expressa por muitos pases por uma rede global no sentido de preservar e aumentar o valor do patrimnio da Terra, suas paisagens e formaes geolgicas, que so testemunhas-chave da histria do nosso planeta (UNESCO 2010, p. 2).

    O gelogo brasileiro Rualdo Menegat trouxe, em 2009, uma interessante viso acerca da importncia dos geoparques. Fez uma relao direta entre a geodiversidade e o desenvolvimento humano, se valendo do estudo da evoluo cognitiva na e com a paisagem desde o Homo habilis at a sociedade contempornea. Para o autor:

    o tema dos geoparques abre uma perspectiva inteiramente nova na nossa cincia e prtica profissional, pois permite que sejamos

  • 42

    capazes de introduzir as geocincias na esfera cultural, contribuindo para a noo de que a cultura humana no independente da natureza (Menegat, 2009. p. 93).

    Para alm, prope o campo da Geologia Cultural:

    O estudo dessa interface entre natureza e humanidade tem sido feito por diversos campos disciplinares e sub-disciplinares [...] Ser que no caberia aqui um campo para a Geologia Cultural, que se preocupasse em pensar como a Geologia interfere na cultura humana? (Menegat, 2009, p. 93).

    Aprofundando os pontos tericos quanto polaridade natureza e cultura e o estudo interdisciplinar dessa, Menegat (2006) afirmou que

    a ideia de que a humanidade se inscreve numa Histria Natural adquire importncia a partir da obra a Origem das Espcies, publicada em 1859 por Charles Darwin (Menegat, 2006, p. 24).

    Salientando as dificuldades metodolgicas da interface j citada, Menegat (2006) afirmou que se pode descrever um quadro geral de crescimento dos estudos que se propem a pesquisar a intrnseca ligao entre natureza, cultura, humanidade e civilizao. Para tanto, citou os passos de Humboldt (1845), Ratzel (1891) e outros como precursores no assunto e trouxe uma variada gama de trabalhos atuais, como por exemplo, The Cultural Landscape (Salter, 1971), Human Ecology: the story of our place in nature from prehistory to the present (Campbell, 1983), The antropology of landscape, perspectives on place and space (Hirsch & Ohanlon, 1997), Historical ecology: cultural knowledge and changing landscapes (Crumley, 1994), Os homens na natureza (Barrau, 1998) e Civilizations (Fernndez-Armesto, 2000), estando esses referenciados em Menegat (2006).

    Segundo Menegat (2006) o lugar [...] como uma impresso digital e a humanidade, suas coisas e seus costumes sua identidade tambm fazem parte da impresso digital do lugar (Menegat, 2006, p. 36-37).

    Por isso, um grupo humano ao estabelecer relaes com um lugar e seus elementos, que podemos chamar de matriz do lugar [...], desenvolve uma lgica e, mesmo, um logos, uma forma tpica de pensar (Menegat, 2006, p. 37).

    Na tese intitulada A matriz do lugar na interpretao das cidades incas de Machu Picchu e Ollantaytambo: um estudo de ecologia de paisagem e a reconstruo de processos civilizatrios, Menegat (2006) afirmou que embora a paisagem entendida como objeto cientfico seja muito recente e ainda carregue uma forte conotao esttica, derivada do Renascimento, a cincia da paisagem apresenta-se como uma ponte entre a natureza e a sociedade. Afirmou que o estudo da paisagem implica, tambm, investigar a sua evoluo e seus padres de mudana no tempo (Menegat, 2006, p.

  • 43

    17), o que permite sondar as relaes que uma determinada civilizao estabeleceu com as mesmas.

    Para Menegat (2006),

    o avano desse estudo leva compreenso da paisagem como uma totalidade primordial, que contextualiza o desenvolvimento da cultura dos grupos humanos num processo cognitivo de interao permanente com a mesma (Menegat, 2006, p. 17).

    e sintetizou a definio de paisagem como:

    totalidade primordial da cognio humana, na qual e com a qual foram desenvolvidos no apenas nossos instrumentos e tecnologias, nossas habitaes, aldeias e cidades, mas nossos entendimentos de mundo, cosmovises e logos (Menegat, 2006, p. 18).

    2.2 Os movimentos contemporneos sobre a descoberta da geopaisagem

    O conceito de paisagem, bastante amplo e resumido ecologicamente como o resultado da interao dinmica dos elementos bitico e abitico que a compem, pode ser entendido mais profundamente e do ponto de vista social e cultural pela definio supracitada trazida por Menegat (2006).

    Uma vez que a relao mais ou menos simbitica dos elementos vivos e no-vivos se d na esfera material e imaterial, o termo geopaisagem ser adotado para referenciar os elementos geolgicos materiais existentes na paisagem, bem como para a importncia desses elementos na compreenso imaterial da mesma.

    O surgimento dos movimentos contemporneos sobre assuntos ligados geopaisagem conservao, geodiversidade, geoconservao, geosstios, geoparques, geoturismo, etc. datam da dcada de 1970, porm assumem maior visibilidade e estrutura a partir da dcada de 1990. A cronologia sobre geoconservao e um quadro sintico (Quadro 2) foram elaborados por meio da leitura e compilao de dados encontrados em UNESCO (1972 e 2010), Declarao Internacional dos Direitos da Memria da Terra (1991), Gray (2004), Brilha (2005), Nascimento et al. (2008), Schobbenhaus & Silva (2010), SIGEP (2011) e CPRM (2011).

  • 44

    Quadro 1 - Sinopse da cronologia sobre geoconservao.

    ANO MOVIMENTOS

    1972 Conveno para a Proteo do Patrimnio Mundial, Cultural e Natural, adotada pela Conferncia Geral da Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization).

    1989/90

    Lista Indicativa Global de Stios Geolgicos (Global Indicative List of Geological Sites ou GILGES). Sob as gides da UNESCO, da IUCN (International Union for Conservation of Nature) e da IUGS (International Union of Geological Sciences).

    1991 I Simpsio Internacional sobre a Proteo do Patrimnio Geolgico, realizado em Digne-Les-Bains, Frana.

    Declarao Internacional dos Direitos da Memria da Terra. (aprovada no I Simpsio Internacional sobre a Proteo do Patrimnio Geolgico).

    1992 PROGEO (Associao Europia para Conservao do Patrimnio Geolgico).

    1993 Grupo de Trabalho Nacional de Stios Geolgicos e Paleobiolgicos, no mbito do DNPM (Departamento Nacional de Produo Mineral).

    1996

    II Simpsio Internacional sobre a Proteo do Patrimnio Geolgico, realizado em Roma. Global Geosites da IUGS (Database on Geological Sites) substituindo a antiga GILGES. Global Geosites Working Group-GGWG, constitudo pela IUGS.

    1997 Comisso Brasileira dos Stios Geolgicos e Paleobiolgicos SIGEP. 29 Conferncia Geral da UNESCO.

    1999 Programa Geoparques (UNESCO).

    2001 Projeto Caminhos Geolgicos (Servio Geolgico do Estado do Rio de Janeiro - DRM-RJ).

    2002 Livro Stios geolgicos e paleontolgicos do Brasil, volume I (Schobbenhaus et al., 2002).

    2004 Livro Geodiversity: valuing and conserving abiotic nature (Gray, 2004).

    Verso final de Operational Guideline for Geopark Seeking UNESCOs Assistence. Rede Global de Geoparques (Geoparks Global Network), sob a tutela da UNESCO.

    2005 Livro Patrimnio Geolgico e Geoconservao. A Conservao da Natureza em sua Vertente Geolgica (Brilha, 2005).

    2006 Documento Aplicants Self-Evaluation and Progress Evaluation Forms for National Geoparks Seeking Assistance of UNESCO to Become Member of the Global Network of National Geoparks. Projeto Geoparques do Brasil (Servio Geolgico do Brasil-CPRM) Geoparque do Araripe (Geopark Araripe), no Cear, Brasil. Primeiro geoparque do continente americano e do Hemisfrio Sul nico at 2011.

  • 45

    2009 Livro Stios geolgicos e paleontolgicos do Brasil, volume 2 (Winge et al., 2009).

    Encaminhada a proposta de candidaturas Rede Global de Geoparques: Quadriltero Ferrfero - Brasil.

    2010 Encaminhada a proposta de candidaturas Rede Global de Geoparques: Bodoquena-Pantanal - Brasil.

    2012 Livro Geoparques do Brasil: propostas (Schobbenhaus & Silva, 2012).

    Em 1972, a Conveno Para a Proteco do Patrimnio Mundial, Cultural e Natural, adotada pela Conferncia Geral da UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization). Tal Conveno tem papel pioneiro no mbito da conservao do ambiente, uma vez que gera uma definio mundial em relao ao patrimnio natural, sendo considerado, no Artigo 2, como:

    Os monumentos naturais constitudos por formaes fsicas e biolgicas ou por grupos de tais formaes com valor universal excepcional do ponto de vista esttico ou cientfico;

    As formaes geolgicas e fisiogrficas e as zonas estritamente delimitadas que constituem habitat de espcies animais e vegetais ameaadas, com valor universal excepcional do ponto de vista da cincia ou da conservao;

    Os locais de interesse naturais ou zonas naturais estritamente delimitadas, com valor universal excepcional do ponto de vista a cincia, conservao ou beleza natural. (UNESCO, 1972, p. 2)

    O mesmo documento, no Artigo 4 declarou que:

    Cada um dos Estados parte [...] dever reconhecer que a obrigao de assegurar a identificao, proteco, conservao, valorizao e transmisso s geraes futuras do patrimnio cultural e natural [...] e situado no seu territrio constitui obrigao primordial (UNESCO, 1972, p. 3).

    J a partir das dcadas de 80 e 90, comearam a surgir movimentos mais consolidados de conservao do patrimnio natural e comeam a ser publicados artigos cientficos fazendo referncias aos termos patrimnio geolgico e geodiversidade. Dentre importantes aes esto a Declarao dos Direitos da Memria da Terra, a Global Geosites, a SIGEP, o Programa Geoparques, a Rede Global de Geoparques e o Projeto Geoparques do Brasil.

    Sob a gide da UNESCO, da Unio Internacional para a Conservao da Natureza IUCN- e da Unio Internacional das Cincias Geolgicas IUGS, em 1989/90, criada a Lista Indicativa Global de Stios Geolgicos

  • 46

    (Global Indicative List of Geological Sites ou GILGES). No Brasil, trs anos depois, em 1993, formado o Grupo de Trabalho Nacional de Stios Geolgicos e Paleobiolgicos, no mbito do DNPM.

    No ano de 1991, em Digne-Les-Bains, Frana, no I Simpsio Internacional sobre a Proteo do Patrimnio Geolgico, foi aprovada, a Declarao Internacional dos Direitos da Memria da Terra (ver anexo 8.1). Esse documento composto por nove itens que vo desde o carter nico da Terra e da ligao entre as histrias dessa e da vida, at o advento de reconhecer o Patrimnio Geolgico e de proteg-lo. No texto, consta que

    Assim como uma rvore guarda a memria do seu crescimento e da sua vida no seu tronco, tambm a Terra conserva a memria do seu passado, registrada em profundidade ou na superfcie, nas rochas, nos fsseis e nas paisagens.

    O passado da Terra no menos importante que o passado dos seres humanos. Chegou o tempo de aprendermos a proteg-lo e protegendo-o aprenderemos a conhecer o passado da Terra, esse livro escrito antes do nosso advento e que o patrimnio geolgico.

    Ns e a Terra compartilhamos uma herana comum [...]. Todas as formas do desenvolvimento devem, assim, ter em conta o valor e a singularidade desse patrimnio. (Declarao Internacional dos Direitos da Memria da Terra, 1991, p.1)

    Em 1996, a GILGES foi substituda pela iniciativa Global Geosites da IUGS (Database on Geological Sites), que permanecendo com os dados da GILGES, visa ser uma base objetiva de suporte para as iniciativas de proteo do patrimnio geolgico, mediante elaborao de um inventrio e base de dados global de stios geolgicos (Ruchkys 2007 apud Nascimento et al. 2008). Segundo Nascimento et al. (2008) o Projeto Geosites trabalha por meio de grupos de trabalho regionais, que so legitimados nacionalmente como comits nacionais, agncias ou servios geolgicos, necessitando que cada pas estabelea definitivamente seus marcos tectnicos e estratigrficos em estudos refinados.

    Quanto a participao brasileira nos assuntos de geoconservao, em seguimento s aes do Grupo de Trabalho Nacional de Stios Geolgicos e Paleontolgicos, foi instituda, com auxlio do DNPM - Departamento Nacional de Produo Mineral, em 1997, a Comisso Brasileira dos Stios Geolgicos e Paleobiolgicos SIGEP.

    A SIGEP formada por membros de diversos ramos profissionais das geocincias (SIGEP, 2011), como Servio Geolgico do Brasil CPRM, Academia Brasileira de Cincias ABC, Associao Brasileira de Estudos do Quaternrio ABEQUA, Departamento Nacional de Produo Mineral DNPM, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE, Instituto

  • 47

    Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renovveis IBAMA, Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade - ICMBio, Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN, Petrleo Brasileiro SA - Petrobras, Sociedade Brasileira de Espeleologia SBE, Sociedade Brasileira de Geologia SBG, Sociedade Brasileira de Paleontologia SBP e Unio da Geomorfologia Brasileira - UGB.

    Foi estabelecido que a principal atribuio da SIGEP estivesse apoiada no gerenciamento de um banco de dados nacional de geosstios, e sua disponibilizao em stio digital. Como parte dos objetivos do Programa, a SIGEP estabeleceu a meta de editar livros tcnicos Stios geolgicos e paleontolgicos do Brasil - abordando, com riqueza de detalhes, os mais destacados stios geolgicos e paleontolgicos do Brasil. Segundo Schobbenhaus & Silva (2010)

    a SIGEP com site na Internet [...] publicou, em 2002, um primeiro volume sobre 58 stios, desencadeando o interesse de gelogos em todo o pas e levando ao surgimento de iniciativas isoladas, dentro do contexto de crescente interdisciplinaridade e preocupao pelo meio ambiente. Um segundo volume tambm se encontra impresso (2009), contendo novos 40 geosstios referendados por essa Comisso. (Schobbenhaus & Silva, 2010, p. 4)

    Esta ampla divulgao, na internet e em livros, objetiva no s cumprir a meta de realizar o inventrio de stios geolgicos, mas de fomentar aes de preservao e conservao imediatas, principalmente de stios que esto em risco ou processo de depredao e, mesmo, extino. Para tal, a SIGEP, desde 1998 tem distribudo cartas-convite a instituies e pesquisadores incentivando-os proposio de stios e tem fomentado a elaborao de descries dos stios em linguagem popular para publicao na Internet (SIGEP, 2011).

    Exercendo esse papel incentivador para a identificao, proposio e caracterizao de stios geolgicos no Brasil, a SIGEP coordenou a publicao de dois volumes do livro Stios Geolgicos e Paleontolgicos Do Brasil, em 2002 e 2009. Os volumes 1 e 2 do livro Stios Geolgicos e Paleontolgicos do Brasil contam com a descrio de 98 stios organizados segundo captulos individuais. Os stios foram classificados de acordo com suas caractersticas geolgicas mais significativas dentro das seguintes categorias: paleontolgico, paleoambiental, sedimentolgico, geomorfolgico, marinho, gneo, espeleolgico, histria da geologia, astroblema, estratigrfico, hidrogeolgico, histria da geologia e da minerao e tectnico. Para o ano de 2012, a SIGEP j referendou 168 stios em se somando aqueles publicaods nos volumes 1 e 2, os publicados pela internet e que esto aguardando descrio (Figura 13

  • 48

    Em 1999, o Programa Geoparques, desenvolvido pela UNESCO, lanado destacando-se por atender a necessidade especfica de reconhecimento e conservao do patrimnio geolgico da mesma forma que o Programa Reserva da Biosfera se destaca por sua nfase ao patrimnio biolgico (Nascimento et al. 2008). Em consonncia com o crescente prestgio e importncia que esse tema exerceu, a UNESCO passa a publicar documentos guia para a consolidao efetiva da geoconservao (UNESCO, 2010) e passa a tutelar uma rede unificada de geoparques.

    Conhecida como Rede Global de Geoparques (Global Geoparks Network- GGN), criada em 13 de fevereiro de 2004, em reunio realizada na sede da UNESCO em Paris, a iniciativa responde forte demanda expressa por muitos pases, no sentido de aumentar o valor do patrimnio da Terra, suas paisagens e formaes geolgicas. A GGN opera de acordo com os regulamentos da UNESCO (UNESCO, 2010), sendo uma rede internacional no-governamental, voluntria e sem fins lucrativos que fornece uma plataforma de cooperao entre os geoparques, reunindo rgos governamentais, organizaes no governamentais, cientistas e comunidades de diversos pases.

    Figura 13 - Stios publicados pela Comisso Brasileira de Stios Geolgicos e Paleobiolgicos (Schobbenhaus & Silva, 2012).

  • 49

    As propostas para a denominao de um geoparque com o selo de excelncia Geoparque da UNESCO passam por um Conselho Consultivo Internacional de Geoparques e pelo Diretor Geral da UNESCO, devendo antes disso, seguir as diretrizes publicadas no documento Guidelines and Criteria for National Geoparks seeking UNESCO's assistance to join the Global Geoparks Network (GGN), primeiramente de 2004 e atualizado at 2010 (UNESCO, 2010).

    Em outubro de 2010 a rede j comportava 77 geoparques em 25 pases de diversas partes do mundo. At a referida data, 18 novos projetos de aspirantes a geoparques foram submetidos GGN (3 da Amrica, 5 da sia e 10 da Europa).

    Um importante papel indutor na criao de geoparques para o territrio brasileiro o Projeto Geoparques do Brasil, criado pelo Servio Geolgico do Brasil-CPRM, em 2006 (CPRM, 2011). Esse projeto tem como premissa bsica a identificao, levantamento, descrio, inventrio, diagnstico e ampla divulgao de reas com potencial para futuros geoparques no territrio nacional.

    A ao catalisadora desenvolvida pela CPRM representa, entretanto, somente o passo inicial para o futuro geoparque. A posterior criao de uma estrutura de gesto do geoparque, contando com pessoal tcnico especializado e outras iniciativas complementares, essencial e deve ser proposta por autoridades pblicas, comunidades locais e interesses privados agindo em conjunto.