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Educ Med Salud, Vol. 22, No. 1 (1988) FORMAÁO0 DE PESSOAL AUXILIAR PARA ENFERMAGEM NOS SERVICOS DE SAÚDE: BRASIL Thereza Christina Varella Vieira' e Rosángela Scucato' INTRODUÁAO O presente trabalho, pretende apresentar a experiencia desen- volvida no setor saúde para formaçao de pessoal auxiliar de enfermagem. Justifica também, a relevancia que o tema formaaáo assume neste momento histórico de grandes mudanças no cenário das políticas de saúde no Brasil, onde a força de trabalho em enfermagem, conta ainda com um grande contigente de leigos na prestaçao da assistencia. No decorrer deste trabalho analisaremos o contexto do setor saúde, a composiaáo da força de trabalho em saúde, destacando a situaçao da força de trabalho em enfermagem. Levantaremos alguns aspectos re- ferentes ao sistema educacional e sua articulaçao com o sistema de saúde no que se refere á habilitagao do pessoal engajado nos serviços. Destacaremos, portanto, a estratégia utilizada pelas instituio5es públicas de saúde para qualificaçao de seu pessoal, com enfoque na meto- dologia de integraçao ensino/serviço. CONSIDERAÇÓES SOBRE SISTEMA NACIONAL DE SAÚDE O setor saúde no Brasil vem sofrendo transformaçoes impor- tantes que acompanham as mudanças também sofridas na sociedade bra- sileira. Esse processo culminou com a convocaaáo da 8 a Conferencia Nacional de Saúde a qual contou com mais de 4000 pessoas, sendo que entre estas 1000 delegados representando a sociedade civil, profissionais de saúde, partidos políticos e instituiçoes que atuam no setor. Os trabalhos desenvolvidos durante aquele evento, ocorreram de forma altamente participativa, democrática e representativa, estabele- cendo-se dois níveis de discussao: um ocorrido durante os trabalhos de grupo, subsidiados pelas apresentaçSes e mesas redondas sobre os temas, e outro concretizado na assembléia final onde foram votadas as recomen- daçoes. i Enfermeiras, Ministério da Saúde, Brasil. 35

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Educ Med Salud, Vol. 22, No. 1 (1988)

FORMAÁO0 DE PESSOAL AUXILIAR PARA

ENFERMAGEM NOS SERVICOS DE SAÚDE: BRASIL

Thereza Christina Varella Vieira' e Rosángela Scucato'

INTRODUÁAO

O presente trabalho, pretende apresentar a experiencia desen-volvida no setor saúde para formaçao de pessoal auxiliar de enfermagem.

Justifica também, a relevancia que o tema formaaáo assumeneste momento histórico de grandes mudanças no cenário das políticas desaúde no Brasil, onde a força de trabalho em enfermagem, conta aindacom um grande contigente de leigos na prestaçao da assistencia.

No decorrer deste trabalho analisaremos o contexto do setorsaúde, a composiaáo da força de trabalho em saúde, destacando a situaçaoda força de trabalho em enfermagem. Levantaremos alguns aspectos re-ferentes ao sistema educacional e sua articulaçao com o sistema de saúdeno que se refere á habilitagao do pessoal engajado nos serviços.

Destacaremos, portanto, a estratégia utilizada pelas instituio5espúblicas de saúde para qualificaçao de seu pessoal, com enfoque na meto-dologia de integraçao ensino/serviço.

CONSIDERAÇÓES SOBRE SISTEMA NACIONAL DE SAÚDE

O setor saúde no Brasil vem sofrendo transformaçoes impor-tantes que acompanham as mudanças também sofridas na sociedade bra-sileira.

Esse processo culminou com a convocaaáo da 8a ConferenciaNacional de Saúde a qual contou com mais de 4000 pessoas, sendo queentre estas 1000 delegados representando a sociedade civil, profissionaisde saúde, partidos políticos e instituiçoes que atuam no setor.

Os trabalhos desenvolvidos durante aquele evento, ocorreramde forma altamente participativa, democrática e representativa, estabele-cendo-se dois níveis de discussao: um ocorrido durante os trabalhos degrupo, subsidiados pelas apresentaçSes e mesas redondas sobre os temas, eoutro concretizado na assembléia final onde foram votadas as recomen-daçoes.

i Enfermeiras, Ministério da Saúde, Brasil.

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Tres grandes temas nortearam o desenvolvimento dos tra-balhos: "Saúde como Direito do Cidadáo e Dever do Estado", "Refor-mulaaáo do Sistema Nacional de Saúde" e "Financiamento de Setor".

Em linhas gerais, a 8- Conferencia Nacional de Saúde definiunovos rumos para o setor saúde, constituindo-se na chamada ReformaSanitária que estabelece alguns principios básicos:

* O sistema, de saúde deve ser unificado, de caráter público, des-centralizado (estadualizado) e de acesso universal e igualitárioás ao5es de promoaáo, proteçao e recuperaçao da saúde a todosos habitantes do território nacional.

* Os serviços de saúde devem ser ordenados de forma regionali-zada e hierarquizada por nível de complexidade das agoes.

* As aç5es de saúde devem ser resolutivas objetivando a integrali-dade da assistencia.

Esse cenário de profundas modificaçoes determinou a necessi-dade de expansáo de cobertura dos serviços de saúde, que deverá ocorrerde forma quantitativa e qualitativa tendo como pressuposto básico a inte-gralidade da assistencia com o máximo de resolutividade.

Para entender e nortear este processo é importante urna análiseda situaçao da força. de trabalho em saúde no Brasil observando as desi-gualdades existentes na tentativa de definir formas de intervençao quepossam garantir os principios de universalizaçao e equidade.

Forca de Trabalho em Saúde

Apesar de náo ser objeto do nosso trabalho uma análise pro-funda da forca de triabalho em saúde, torna-se impossível analis.ar a forçade trabalho em enfermagem fora do contexto global do trabalho em saúde.Portanto faremos aqui urm breve relato, definindo atores e quantitativosque sejam mais significativos para a continuidade do trabalho.

Segundo Nogueira (1) "a forja de trabalho em saúde podetambém ser entendida corno a totalidade das pessoas ocupadas em ativi-dades de saúde e das que, dotadas de uma qualificaaáo específica, pro-curam se ocupar nessa área. Ela está composta por tres grupos principais:1 - trabalhadores por conta própria ou aut6nomos; 2 - empregados emestablecimentos de saúde, 3 - empregados em estabelecimentos de outranatureza".

Deter-nos-emos em analisar os empregados em estabelecimen-tos de saúde, utilizando também outra forma classificatória, associando onível de escolaridade as funo5es exercidas nos níveis superior, médio eelementar, o que nao corresponde ao nível de escolaridade real das pessoasmas sim aos cargos ou atividades.

Em 1980, o total da força de trabalho em saúde era composta

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por 1 233 008 trabalhadores sendo que cerca de 70 % por profissionais denível médio e elementar. Portanto, dentro do setor terciário da economia,os serviços de saúde aparecem absorvendo uma extensa força de trabalhode baixa qualificaçao, utilizada em atividades auxiliares e de apoio.

Dentre os profissionais de nível médio e auxiliar que consti-tuem a força de trabalho em saúde, 50 % sao profissionais com atividadena enfermagem.

Os profissionais de nível superior ocupam cerca de 30% do to-tal de pessoas ocupadas em atividades de saúde. Tomando o ano de 1980,17,13% ocupadas por médicos, 9,27% por odontólogos, 0,99% por far-maceuticos e 2,03% por enfermeiros.

Com esses dados, já se pode observar que os médicos saomaioria dentre os profissionais de nível superior e que no nível médio eelementar predominam os profissionais em atividade de enfermagem. Jáse esboça a polarizaçao da assistencia entre o médico e o pessoal de enfer-magem de nível auxiliar.

Faremos agora um corte na força de trabalho em saúde paraanalisar a força de trabalho em enfermagem.

For<a de trabalho em enfermagem

Iniciaremos apontando os atores que comp5em a força de tra-balho em enfermagem agrupando-os em quatro categoriais segundo o pre-paro:

* Enfermeiro - formado em curso de graduaçao de nível supe-rior.

* Técnico de Enfermagem - formado em curso a nível de 22grau.

* Auxiliar de Enfermagem - formado em cursos de 12 e 29graus.

* Atendente - sem formaçao específica, submetido ou nao aprogramas de treinamento.

Este último grupo engloba diversas categorias náo regulamen-tadas, que recebem várias denominaçoes no setor saúde, mas que desen-volvem atividades na enfermagem.

O estudo realizado pelo Conselho de Enfermagem revelou quea força de trabalho em enfermagem, constituida por 304 287 pessoas, osenfermeiros representam 8,5% (25 889), os técnicos de enfermagem6,6% (19.935), os auxiliares de enfermagem 21,1% (64.289) e os aten-dentes 63,8% (194.174).

Este cenário demonstra que a assistencia de enfermagem pres-tada a populaçao brasileira é majoritariamente empírica, praticada porleigos, sem formaçao específica. Cumpre ainda ressaltar, que os enfer-

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meiros assumiram o papel de gerencia do processo de trabalho baseado emmodelos rígidos da administraçao científica, levados pelas estruturas or-ganizacionais do serviço que os conduziu a realizar tarefas de controle.

Portanto, a assistencia de enfermagem direta, é delegada aopessoal auxiliar, principalmente o atendente, sem supervisao no sentidoeducativo, o que determina o aspecto pouco qualitativo da assistenciaprestada.

Dessa forma o trabalho está polarizado em dois extremos: deum lado, o médico que realiza o diagnóstico e tratamento, e do outro oatendente que executa a prescriçao médica.

Para entender o processo de trabalho em saúde, é importanteesclarecer como esse trabalho está socialmente dividido.

Na origem das sociedades, a divisáo social do trabalho surge deforma natural, com a selecao das tarefas masculinas e femininas. Com aevolucáo das relao5es sociais de produaáo nas sociedades capitalistas, otrabalho é socialmente dividido segundo os setores produtivos da econo-mia, reproduzindo relao5es políticas e ideológicas de diferentes classessociais.

As sociedades capitalistas subdividiram o trabalho em parcelas,decompondo o processo de trabalho, responsabilizando individuos di-ferentes por cada parte desse processo, objetivando o aumento da pro-dutividade e maior eficiencia.

Segundo Braverman (2) "a divisao do trabalho na indústria ca-pitalista nao é de modo algum identica ao fenómeno da distribuiçao detarefas, offcios e especialidades da produaáo através da sociedade; por-tanto, embora todas as sociedades conhecidas tenham dividido seu tra-balho em especialidades produtivas, nenhuma sociedade, antes do capita-lismo, subdividiu sistematicamente o trabalho de cada especialidadeprodutiva em operaç;oes limitadas".

O setor saúde está inserido no setor terciário da economia, aproduçao de serviços, e corno tal obedece á lógica da economia capitalista.Portanto o processo de trabalho em saúde é coletivo e associado, sendoeste trabalho técnica e socialmente dividido. Por sua vez, o trabalho deenfermagem, como parte desse coletivo, determina também o produto fi-nal desse conjunto.

Assim, a enfermagem dividiu o seu trabalho fracionando a as-sistencia prestada. Cada categoria integrante cumpre determinadas tare-fas, perdendo assim a noaáo do conjunto e mais a clareza de seu papelsocial.

Discutindo tais aspectos, Braverman (2) diz que "Enquanto adivisáo social do trabalho subdivide a sociedade, a divisáo parcelada dotrabalho subdivide o homem, e enquanto a subdivisao da sociedade podefortalecer o individuo e a espécie, a subdivisao do individuo, quando efe-

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tuada com menosprezo das capacidades e necesidades humanas, é umcrime contra a pessoa e a humanidade".

Toda esta abordagem nos leva a reflexoes s6bre a situaçao deenfermagem no contexto da Reforma Sanitária Brasileira (3):

* O acesso á saúde a todos os individuos que ocupam o territórionacional, requer a expansáo da cobertura.

* Esta expansao deve obedecer a principios de resolutividade eintegralidade da assistencia garantindo a qualidade das ao5esde saúde.

* O trabalho de enfermagem está inserido no processo de tra-balho em saúde e como tal deve também obedecer a tais prin-cípios.

* A força de trabalho de enfermagem é composta majorita-riamente (63,8%) por pessoas sem formaaio específica.

* Os enfermeiros graduados (8,5%), "gerentes" do processo detrabalho, estao desviados de seu objetivo, dedicando-se, na suamaioria, a atividades burocráticas e administrativas, deixandode lado a administragao da assistencia.

Fica portanto uma questáo de grande importancia a ser solu-cionada pelas instituiçoes de saúde: a profissionalizaaáo desse grande con-tingente, já engajado na força de trabalho, que está prestando e deter-minando a qualidade da assistencia.

Somando-se a isso, a lei de n9 7498 de 25 de junho de 1986 (3),que disp5e sobre o exercício da enfermagem, reconhece apenas tres cate-gorias para a prática de enfermagem (Enfermeiro, Técnico de Enferma-gem e Auxiliar de Enfermagem) definindo um prazo de 10 anos para queos 194 174 atendentes se profissionalizem, ou nao mais exerçam ativi-dades na enfermagem.

Evidentemente que essa lei desconsiderou a realidade social dogrande contingente de atendentes que ocupam as camadas sociais histori-camente privadas do acesso á educaçao e a outros "direitos" desta so-ciedade, visto que nao indica propostas que garantam a soluçao do pro-blema.

Esse panorama determinou que as instituiçoes de saúde de-finissem políticas de modo a corrigir as distorçoes, assumindo a responsa-bilidade de formaçao de pessoal de nível elementar.

Por ser urgente e volumoso o trabalho de profissionalizaaáo dosatendentes, o setor nao está investindo ainda em programas de educaçaocontinuada para pessoal de nível auxiliar, pois o quadro atual aponta parapriorizar a formaaáo.

Em seguida, descreveremos o processo que vem sendo utilizadopelo setor saúde como estratégia de formaaáo de pessoal de nível médio eelementar.

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PROGRAMA DE FORMAÇCÁO DE PESSOAL DE NIVEL MÉDIO E DENIVEL ELEMENTAR

O projetc de formaçao de pessoal de nível médio denominado"Projeto Larga Escala" teve sua origem determinada pela necessidade deequacionar dois graves problemas com os quais se defrontaram os serviçosde saúde e o sistema educacional: a inadequabilidade deste no sentido deintegrar teoria e práitica e claquele de estabelecer programa de formaçao deseu pessoal, restringindo-se apenas a propostas com caráter de treina-mento.

Os serviços de saúde tradicionalmente adotaram o mecanismode treinamento, para superar as deficiencias de qualificaçao de pessoal,objetivando o desenvolvirnento de habilidades específicas exigidas peloserviço.

Alguns aspectos negativos podem ser ressaltados nesses treina-mentos como forma de capacitaçao de pessoal para os serviços de saúde:

* Nao oferece identidade profissional.* Provoca excesso de rotatividade em atividades desconexas, em

prejuízo cla qualidade do serviço.* Impossibilita ascensao funcional.* Náo siste:matiza o conhecimento, impedindo a construaáo do

saber em seqeIncia lógica indicada por qualquer processo pe-dagógico.

* Nao desperta o compromisso social que deve ser inerente aoservidor público.

* Inviabiliza o conhecimento do processo de trabalho pela cons-tante fragmentaçao e falta de direcionamento específico.

É importante destacar que um processo de educa<;ço conti-nuada (treinamento em serviço) de forma sistematizada, para corrigire/ou aprimorar habilidades, se faz necessário para a reciclagem de pro-fissionais já com formagao específica. Assinale-se ainda que determina-das situao5es críticas podem exigir treinamento de emerge:ncia paraequacioná-las.

Por seu turno, o sistema educacional nao venm atendendo deforma adequada á preparaçao profissional de pessoal para o setor saúde,nao oferecendo mecanismos de formaaáo que atendam a demanda especí-fica da área. Isso é facilmente constatado pelo grande contingente de pes-soal náo qualificado que comp5e a forga de trabalho de nivel inédio dasinstituigoes de saúde, colocando em risco a assistencia prestada.

Ressalta-se também que a formagao profissionalizante ofere-cida pelo sistema de ensino, vem se mostrando insuficiente para atender asespecificidades inerentes ás ag5es de saúde, visto que o processo de apren-dizagem se desenvolve em situagoes artificiais que náo retratam a reali-

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dade dos serviços, cujo dinamismo náo pode ser reproduzido em labo-ratório.

Entretanto, náo se pode omitir que as atuais articulaoSes entreo setor educacional e as instituiçoes prestadoras de serviços de saúde, per-mitem antever o equacionamento futuro destas questoes.

Esse cenário determinou que o setor saúde assumisse o processode formaçao de sua força de trabalho de nível médio, que representa cercade 70% de seu contingente, processo esse apoiado e legitimado pelo sis-tema de ensino.

Em resposta a esse quadro, foi desenvolvido um projeto de for-maaáo de pessoal de nível médio/elementar ("Projeto Larga Escala")dentro do Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos para oSetor Saúde, através do acordo Ministério da Educaçao e Cultura/Minis-tério da Saúde/Ministério da Previdencia e Assistencia Social/Organi-zaaáo Pan-Americana da Saúde.

Como assinalado anteriormente, o grande contingente de pes-soal a ser qualificado, somando-se ainda o déficit de pessoal que vemaumentando ao longo do tempo, determinou o desenvolvimento de umametodologia de integracáo ensino/serviço que atendesse a duas questoesfundamentais: nao afastar os trabalhadores de suas atividades e propor-cionar a qualificacáo profissional específica. Tal metodologia estabelecepontes entre conhecimentos gerais e conhecimentos específicos, caracteri-zando-se por movimento de açao-reflexao-açao, onde a construçao doconhecimento se faz do concreto para o abstrato.

Esse método crítico-reflexivo desperta a açao consciente ecoerente do formando.

A estratégia de formaaáo de pessoal de nível médio corrige dis-torçoes, possibilitando:

* Identidade profissional.* Melhoria na qualidade do servico.* Ascenaáo funcional (favorecendo servidor e instituiaáo).* Construcao sistematizada do conhecimento através de uma

abordagem pedagógica crítico-reflexiva.* Compromisso com a comunidade decorrente de uma formaaáo

que tem como marco referencial a construçao do saber no pro-cesso coletivo.

* Inserçao consciente no processo de trabalho assegurada pela to-talidade do conhecimento.

* Reorganizaçao dos serviços, em funçáo da capacidade de recur-sos humanos.

Ressalta-se, ainda, que esse projeto náo foi pensado exclusiva-mente para atender a demanda da enfermagem e sim, para as diversas

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categorias de nível médio que comp5em a força de trabalho do setorsaúde.

CARACTERISTICAS DO PROCESSO DE FORMAÇAO NOSETOR SAÚDE

O setor saúde vem utilizando o ensino supletivo, que por suascaracterísticas e flexibilidade favorece a profissionalizaaáo do contingentede trabalhadores, que nao tiveram acesso ao ensino regular (vide quadro1). Portanto, o Projeto Larga Escala é a qualificaaáo profissional centradana integraçao ensino-serviço com avaliaaáo no processo, resporidendo asnecessidades dos serviços de saúde e á dinámica própria do processo deaprendizagem temporariarnente, distribuida em períodos de concentraçaoe dispersao, desenvolvido com características de alto teor de supletividade.Outra forma de ensino supletivo, utilizada pelo setor saúde e princi-palmente pelo sistema educacional, é a denominada de baixo teor de su-pletividade (vide quadro 2) que se caracteriza por cursos concentrados,obedecendo a períodos letivos determinados e avaliaaáo de carátereliminatório.

Atualmente, mesmo sabendo das falhas encontradas nesse pro-cesso pedagógico, ele ainda vem sendo utilizado pelos serviços de saúde,que tradicionalmente o adotaram, por ser mais difundido e dar respostasmais rápidas. É importante ressaltar que, apesar do tempo de formaçao

QUADRO 1. Características do sistema educacional

Em relaaáo a Ensino supletivo Ensino regular

Faixa etária 14 anos para iniciar o 1 grau: 7 anos para iniciar o 19 grau:6 semestres composto por 8 séries (anos)18 anos para iniciar o 29 grau: 15 anos para iniciar o 29 grau:3 semestres composto por 3 séries (anos)

Desdobramento Ediuca:ao geral e profissionali- O profissionalizante corre juntozante sáo independentes (qualifi- com a educaaáo geral (somente acacao e suplencia profissionali- nivel de 29 grau)yzante)

Apresentaç;áo Através de programas de rádio, Através de cursos em escolasreferente a televisáo, ensino á distancia por licenciadas pelos Conselhoseducaçáo geral orientaçáo, exames supletivos, de Educaçáo.

cursosb

Náo é obrigatório o ensino profissionalizante nas escolas de ensino regular.

b Para ingressar no 39 grau o aluno necessita completar o 22 grau (educaáao geral)

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QUADRO 2. Cursos supletivos profissionalizantes

Baixo teor de supletividade Alto teor de supletividade

* Estabelece período letivo * Náo estabelece período letivo* É dividido em uma parte teórica e outra * Utiliza o currículo integrado

prática * Acompanha o ritmo de aprendizagem do· Concentrado aluno e dinámica do serviço· A avaliaaáo durante o processo é * 100% teoria e 100% de prática (teoria

eliminatória e prática nAo se dissociam)· A avalia(áo durante o processo nao é

eliminatória

ser de menor duraçao, o quantitativo profissionalizado é menor, pois ostrabalhadores sao retirados do seu processo de trabalho.

Porém, as mudanças que estao ocorrendo no sistema de saúdebrasileiro apontam para a reorganizaçao dos serviços, fazendo-se necessá-ria uma nova proposta pedagógica para a formaçao de pessoal de nívelauxiliar, que lhes permita serem agentes transformadores dessa realidade.

O enforque pedagógico comumente utilizado pelas instituiçoesde ensino, valoriza, na formaaáo do professor, os métodos para ensinar,ou seja, como melhor transmitir conhecimentos para que o aprendiz con-siga reproduzir o mais fielmente possível aquilo que lhe foi repassado.

Observamos que, como resultado desse processo, temos pessoaspouco críticas e desvinculadas de sua realidade social, com sua capacidadecriativa, de reflexáo e de resoluaáo de problemas pouco desenvolvida.

Portanto, para adequar as exigencias do novo modelo assisten-cial proposto, elegeu-se a pedagogia problematizadora, para dar suporte aesse processo de profissionalizaaáo de pessoal auxiliar. Se na pedagogiatransmissora o enfoque dado é o como ensinar, aqui, ao contrário, a preocu-paaáo está centrada no como se aprende.

Desta forma, o foco das ateno5es passa a ser o aluno, levando-seem consideraçao seus esquemas de assimilaçao e seus padroes culturais.Valorizando portanto a capacidade de problematizar a realidade, nelabuscando soluçoes e possíveis formas de intervenaáo.

A estrutura do conhecimento é trabalhada de forma dinámicafavorecendo ao sujeito, sucessivas aproximao5es do objeto, num processode açao-reflexao-acáo, partindo sempre de suas percepoSes iniciais (o con-creto) para a elaboraçao de conceitos (o abstrato).

Este processo pedagógico, dá respostas mais efetivas, pois setrata de educaaáo de adultos inseridos no mercado de trabalho.

Por seu turno, para a boa operaaáo do Projeto Larga Escala,evidenciaram-se algumas necessidades:

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* Capacitaçáao dos instrutores/supervisores.* Adequabilidade dos serviços.* Instáncia legitimadora do processo, reconhecida pelo sistema

educacional.

Capacitaçfo dos instrlutores/supervisores

Como a metodologia utilizada náo dissocia teoria e prática, oeducador é o próprio enfermeiro do serviço, que atua como orientador doprocesso de aprendizagem, numa integraçao ensino-serviço.

Para viabilizar tal processo, constatou-se a necessidade de recu-perar a competencia técnica do enfermeiro e capacitá-lo peclagogica-mente, utilizando-se a mesma metodologia aaáo-reflexáo-açao.

Esse processo de educacáo continuada possibilita ao enfermeirorepensar sua prática e vivenciar a metodologia proposta, facilitando seupapel de instrutor/supervisor.

Adequabilidade dos serviços

Durante o desenvolvimento da capacitaçao dos profissionais, os-serviços váo se organizando de forma concomitante. A pré-condiçáo paraque isto aconteça estái vinculada ás decisoes políticas e á existencia de umaestrutura mínima já organizada, ainda que de forma precária.

Ao mesmo tempo em que se criam situaçoes que facilitam aaprendizagem, efetiva-se a melhoria da qualidade da assisténcia prestada.

;O Centro Formador

Para validar a formaaáo do pessoal de nível médio e elementar,fioi necessário criar uma instancia, reconhecida pelo sistema formal de en-sino, a qual recebeu a denominaçao de "Centro Formador." O CentroFormador de Recursos para a Saúde caracteriza-se por exercer uma'?unçao administrativa através do registro do histórico escolar indicado pe-las avaliao5es de desempenho, indispensáveis para emissao de certificadosde profissionalizaaáo. Objetiva também, apoiar pedagogicamente a aáaodos instrutores nos rnomentos de concentraçao e nos momentos de dis-persáo nas unidades de saúde.

Embora essencialmente voltado para atividades de apoio naárea de educaqao, o Centro Formador está diretamente ligado ao setor desaúde em seus aspectos gerenciais, administrativos e quanto á política re-lativa á formaaáo de recursos humanos, portanto, diferencia-se estru-

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turalmente de uma escola convencional, uma vez que seu campo de en-sino nao é a sala de aula mas as unidades de saúde onde ensino e serviçoacontecem de modo integrado. Náo se trata do negar absoluto das "salasde aula" mas de sua utilizaáao adequada como "locus" de reuniao edebate.

O Centro Formador tem ainda funçao importante quanto á re-produçao de material didático, biblioteca, atendendo as necessidades dedemandas dos cursos oferecidos.

Vale a pena mencionar que em alguns estados, os Centros estaoequipados com alojamentos, o que facilita a formaçao do pessoal do inte-rior, viabilizando economicamente o projeto.

CONCLUSAO

Finalizando este trabalho, gostaríamos de deixar a seguinte re-flexao: que todo o esforço de qualificaçao profissional, repercutindo namelhoria da qualidade da assistencia, torna-se incompleto se as insti-tuiçoes de saúde nao assumirem uma política de recursos humanos quepermita a inserçao dos trabalhadores habilitados em um plano de cargos esalários compatíveis, que lhes garanta a progressao institucional e finan-ceira, refletindo numa política maior de valorizaçao dos trabalhadores desaúde.

RESUMO

As autoras fazem, neste artigo, uma rápida retrospectiva daformaaáo da forca de trabalho em saúde no Brasil e analisam, mais con-centradamente, a situaçao dos serviços de enfermagem. Esse enfoque sedeve á necessidade de formar um quadro de profissionais para exerceratividades no campo da enfermagem que, até agora, teem estado, emgrande parte, a cargo de pessoal leigo, sem formaaáo específica, em detri-mento da populaçao que busca os serviços médicos.

Este trabalho trata, em especial, do Projeto Larga Escala quevisa dar uma educaçao profissionalizante ao pessoal de nível médio e ele-mentar, na base de treinamento em serviço, isto é, ensinar e avaliar otrabalhador sem afastá-lo de suas atividades. Esse tipo de ensino beneficiatambém o enfermeiro (cuja formaçao é de nível superior) já que ele iráatuar como educador e, para tal, passa por um processo de reciclagem,recuperando sua competencia técnica ao se preparar para a nova funçaode didata.

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TRAINING OF AUXILIARY NURSING PERSONNEL IN HEALTHSERVICES: BRAZIL

Summary

In this article the authors present an overview of training of thelabor force in health in Brazil. The analysis focuses on nursing services, asthere is a need to train professionals to work in the area of nursing. To,date, nursing has been exercised to a large extent by lay personnel, who do:not have specific training, to the detriment of the population seeking med-ical services.

The article highlights a project (Projeto Larga Escala) aimed atturning mid- and elementary-level personnel into professionals throughon-the-job training. Such training integrates education and evaluationiinto the workers' day-to-day activities. This type of education also benefitsnurses with high-level training, who become educators. In preparing forthat new role, they undergo a process similar to a refresher course, renew-ing their technical skills.

BIBLIOGRAFIA

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