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Educ Méd Salud, Vol. 17, No. 3 (1983) Universidade e mudan9al BERTOLDO KRUSE GRANDE DE ARRUDA 2 POR QUE UM NOVO ENFOQUE DA EDUCAQAO UNIVERSITARIA? Estamos vivendo um período histórico singular, caracterizado por acontecimentos, circunstancias, conflitos e também por progressos que o fazem diferente dos precedentes. Mas isto é a própria realidade humana, ou melhor, o reflexo da vida dos que a constroem, impulsionam e trans- formam. Se, nos últimos anos, os incessantes progressos da tecnologia, por um lado, provocaram significativas mudanças em nossos costumes e atitudes, por outro, estimularam nossas aspirao5es, ao mesmo tempo que se evi- denciava, particularmente no Terceiro Mundo, a incapacidade das socie- dades para satisfaze-las. E procedente, entáo, a afirmativa de Kolakowski (5), de que "vive- mos numa época em que acreditamos que a ciencia pode nos salvar e pode nos levar á extinçao; ao mesmo tiempo, percebemos nossa impotencia em controlá-la". Daí ser imprescindivel o uso de distintas alternativas que compatibilizem o esforço de desenvolvimento com o patrimonio am- biental. Este é o grande desafio para aqueles que buscam um novo humanismo, na ansia de restituir ao homen a primazia em todos os aspectos do desen- volvimento, tarefa que, dizem os especialistas, está a exigir novas formas de tratamento, porque somos mais, vivemos mais e aspiramos aquilo que muito poucos logram alcançar. Hoje, os países do Terceiro Mundo estáo diante de um quadro gravíssi- mo, no qual a subalimentaçao cria situao5es de permanente falta de energia e debilidade da populaçao, tornando-a vulnerável ás doenças. De parceria com a pobreza e a fome, esses problemas dáo origem a uma at- mosfera de frustraçoes que se transformam rapidamente em hostilidade e geram condio5es de intranquilidade política e instabilidade económica, t Adaptado de urna conferencia proferida na Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO), por ocasiao do 40 ° aniversário do curso de Nutriçao. 2 Presidente do Instituto Nacional de Alimentaçao e Nutriçao (INAN). 314

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Educ Méd Salud, Vol. 17, No. 3 (1983)

Universidade e mudan9al

BERTOLDO KRUSE GRANDE DE ARRUDA 2

POR QUE UM NOVO ENFOQUE DA EDUCAQAOUNIVERSITARIA?

Estamos vivendo um período histórico singular, caracterizado poracontecimentos, circunstancias, conflitos e também por progressos que ofazem diferente dos precedentes. Mas isto é a própria realidade humana,ou melhor, o reflexo da vida dos que a constroem, impulsionam e trans-formam.

Se, nos últimos anos, os incessantes progressos da tecnologia, por umlado, provocaram significativas mudanças em nossos costumes e atitudes,por outro, estimularam nossas aspirao5es, ao mesmo tempo que se evi-denciava, particularmente no Terceiro Mundo, a incapacidade das socie-dades para satisfaze-las.

E procedente, entáo, a afirmativa de Kolakowski (5), de que "vive-mos numa época em que acreditamos que a ciencia pode nos salvar e podenos levar á extinçao; ao mesmo tiempo, percebemos nossa impotenciaem controlá-la". Daí ser imprescindivel o uso de distintas alternativasque compatibilizem o esforço de desenvolvimento com o patrimonio am-biental.

Este é o grande desafio para aqueles que buscam um novo humanismo,na ansia de restituir ao homen a primazia em todos os aspectos do desen-volvimento, tarefa que, dizem os especialistas, está a exigir novas formasde tratamento, porque somos mais, vivemos mais e aspiramos aquilo quesó muito poucos logram alcançar.

Hoje, os países do Terceiro Mundo estáo diante de um quadro gravíssi-mo, no qual a subalimentaçao cria situao5es de permanente falta deenergia e debilidade da populaçao, tornando-a vulnerável ás doenças. Deparceria com a pobreza e a fome, esses problemas dáo origem a uma at-mosfera de frustraçoes que se transformam rapidamente em hostilidade egeram condio5es de intranquilidade política e instabilidade económica,

tAdaptado de urna conferencia proferida na Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO), porocasiao do 40 ° aniversário do curso de Nutriçao.

2Presidente do Instituto Nacional de Alimentaçao e Nutriçao (INAN).

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pelo fato de a humanidade ter consciencia de seu direito a um estado debem-estar nao conhecido antes e que se traduz com frequencia emmaiores exigencias.

Daí vermos com otimismo este reencontro com os estimados colegasdesta escola, que se dedicam á formaçao do nutricionista ajustado a umnovo perfil profissional, compatível com o momento presente, exercitandouma educaçáo sensível e útil para a comunidade. Todos aqui estaoc6nscios de que as crescentes necessidades sociais exigem revis5es profun-das nas estruturas técnico-administrativas e nos programas de estudos,tendo em vista alcançar o equilíbrio entre a pragmática e a doutrina, aconciliaçao do plano do conhecimento com o plano de aaáo.

Sabemos das dificuldades que revestem tal intento, num contexto insti-tucional geralmente conservador como a Universidade, quase sempre emaparente contradiçao com o liberalismo individual de seus membros.

O consenso indica que, se há algo que necessita de dinamismo, tal é ocaso da educaaáo universitária, que tem de evoluir de acordo com astransformaçoes da sociedade e precede-las, investigando suas origens econseqeincias, assim como a soluaáo dos problemas que podem se apre-sentar, buscando, antes de tudo, descobrir, sem hesitaçoes e constante-mente, o conjunto de valores que poderá orientar as novas geracoes.

Para isso, talvez devessemos adotar o que sugere Popper (8).' uma ati-tude racional nas relao5es sociais, pois qualquer outra atitude leva comfacilidade ao recurso da violencia. E aconselha esse filósofo que se desen-volva "a luta pela eliminaçáo de inconvenientes concretos, tais como apobreza, a ignorancia e as doenças, tornando a vida de cada geraçao umpouco menos penosa e um pouco menos injusta". Isso, porém, sem"argumentar que o sofrimento de uma geraçao pode ser consideradocomo um meio para o fim de garantir a felicidade duradoura de geraçoesposteriores, nem consolar-nos com o fato de que se trata de uma situaQaohistórica temporária".

OS RECURSOS HUMANOS NA ESTRATÉGIADE DESENVOLVIMENTO

Numa perspectiva realista, creio ser a universidade o cenário ideal parao exercício de uma proposta de reconstruçao da sociedade, de vez que oobjetivo maior do nosso esforço de aprendizagem será contribuir para umdesenvolvimento sócio-econ8mico auto-sustentado. Nesse sentido, ospaíses do Terceiro Mundo ressentem-se da insuficiencia de tres fatores in-

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dispensáveis para realizá-lo: recursos humanos, tecnologia própria e umquadro institucional adequado, tríade que deve ser planejada em estreitaintercorrelaaáo.

No que tange aos recursos humanos é imperioso atingir efetivamenteum nível de qualificajcao e quantificaQao capaz de propiciar o uso produti-vo dos recursos naturais e do estoque de capital. Esse uso pressupoe aexistencia de uma base tecnológica autónoma e de um contexto institucio-nal que favoreça a assimilaaáo e aplicaçao dos conhecimentos adquiridos.

Dentro desse prisma, ve-se que os demais insumos só se tornam dina-micos na medida em que recebem a intervençao humana. Daí a impor-tancia de atribuir aos recursos humanos, que constituem a variável estra-tégica de todo o processo, uma dimensáo econ6mica, humana e social.Por isso, recomendamr os especialistas que evitemos respaldar as discus-soes e definiçoes nesse campo apenas em estudos de oferta e demanda.Orientados pelas condio5es de venda da força de trabalho, de preço equantidade de máo-de-obra, esses estudos deixam de levar em conta umasérie de elementos que ajudam a compreender o ser humano comoalguém que reflexiona, que age e que decide, dentro tanto como fora doprocesso produtivo. E. esse caráter multidime:nsional que deve reger aabordagem dos recursos humanos ou, em linguagem económica, do capi-tal humano.

Assim, a conceituaç;ao de recursos humanos envolve dois enfoques: o

de utilizaçao e o de participaaáo. No primeiro,, como capital humano, amao-de-obra é vinculada real ou potencialmente ao sistema produtivo; nosegundo, como agente de transformaaáo da realidade, é capaz de cons-truir uma sociedade cada vez mais humana. Tal concepaáo implica anoaáo de desenvolvimento como resultante de mudanças promovidas pelohomem, as quais sáo complexas e comumente adquirem, conforme Lévi-Strauss (6), "a característica de uma onda que, uma vez em movimento,nunca pode ser canalizada numa direaáo permanente". Nessa dinámica,em parte cumulativa, o passado, longe de ser destruído de todo, é sempreparcialmente incorporado ao presente.

O mais aconselhável seria que as diretrizes e planos relacionados comos recursos humanos respeitassem o modelo organizacional do sistemaque os absorve e os mecanismos reais que definem as respectivas políticasvigentes em cada sociedade, sem descer á profundidade e ao detalhe, edando prioridade a distribuiaáo dos recursos qualificados para áreas pro-fissionais consideradas imprescindíveis ao deserivolvimento. Essa posturaé válida para evitar o risco de que tais formulaç5es resultem artificiais oudissociadas das verdadeiras necessidades do país, uma vez que as decisoes

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políticas sáo tomadas fundamentalmente com base em juízos de valor, enao segundo critérios científicos.

No Brasil, o perfil dos recursos humanos passou neste último deceniopor expressivas modificao5es. Alguns fatos merecem destaque:

* o descenso da taxa de crescimento demográfico e o aumento da ex-pectativa de vida, levando ao envelhecimento relativo da populaaáo, daíresultando maior tempo de permanencia de pessoal no mercado detrabalho;

* a existencia, segundo os resultados do censo de 1980, de uma máo-de-obra economicamente ativa de 42 milh5es de pessoas (35% da popu-laçco), com uma progressiva urbanizaçao e consequente mudança deestilo de vida;

* uma oferta de máo-de-obra portadora de grau universitário em rápi-da ascensáo, segundo dados do Ministério de Educaaáo e Cultura (1). 0número de diplomados em todos os cursos superiores oferecidos no país,de 53.771 em 1970, subiu para 231.000 em 1980. Todavia, é interessanteverificar que essa expansáo, apesar da prioridade atribuída á agricultura,nao ocorreu na área das ciencias agrárias, como seria de esperar. Corres-ponderam a esta área apenas 2,6% dos que se diplomaram-aliás, o per-centual mais baixo-, em contraposicao ao registrado na área das cienciashumanas, que concentrou 56% dos diplomados.

Outrossim, os registros assinalaram a ocorrencia de uma oferta de por-tadores de diploma universitário maior do que a de profissionais de nívelmédio, sem perspectivas de que a economia viesse a crescer a taxas eleva-das e constantes, a fim de absorver todos os que se diplomam a cada ano.Desse modo, acentuam-se os desníveis sociais e suas repercuss5es na qua-lidade da máo-de-obra, agravando-se a situaaáo com o espectro do de-semprego, que tem crescido ultimamente, tornando o quadro ainda maisalarmante.

No tocante ao Segundo Programa Nacional de Alimentaaáo e Nutriáao(II PRONAN), foram previstas atividades de capacitaçao e aperfeiçoa-mento de recursos humanos como suporte á elaboraaáo e implementaçaode linhas programáticas finalísticas.

Vale ressaltar a tonica no apoio a cursos de nutricao, inclusive os es-tudos sobre a formaaáo do nutricionista. Em nosso país, é a profissáomais jovem dentre as que compoem as chamadas "profissoes de saúde",abrindo-lhe o II PRONAN um novo mercado de trabalho. E os especia-listas veem no mercado de trabalho um fator hegem6nico na determi-nacao do perfil do profissional a ser formado, circunstancia que requer oconhecimento da realidade organizacional e funcional dos serviços. Daí a

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necessidade de que esse profissional, bem como os demais componentesda equipe, seja capaz de responder as expectatiivas da sociedade e as exi-gencias das institui5oes harmonicamente comprometidas na execuaáo dapolítica governamental no campo alimentar e nutricional, mormente nocaso brasileiro, pelo :fato de inserir marcos conceituais e operacionaisinovadores.

OS PRINCIPAIS PROBLEMAS NA FORMAQAODO NUTRICIONISTA

Em obediencia as diretrizes de aaáo fixadas no II PRONAN, o INANdeu início em 1975 a atividades que visavam a melhoria da formaçao doprofissional nutricionista, em cooperaçao com a Universidade Federal dePernambuco. Paralelarmente, realizou-se o I Diagnóstico de Cursos deGraduaaáo em Nutricao, com a participaçao do MEC e da OPAS, quepermitiu detectar os principais problemas na formaçao desse profissional.

Com relaçao aos planos curriculares vigentes aquela época, verificou-senao estarem ajustados ao modelo idealizado pa:ra a formaaáo do nutricio-nista, em funaáo do PRONAN. Esse problema era agravado pela mon-tagem e exploraáao incorreta dos currículos, em termos de relacionamen-to, ordenaaáo e seqiencia de conteúdos e experiencias de aprendizagem,dando enfase a carga teórica, em detrimento d.a prática.

Os dados obtidos sobre a situaçao dos professores indicaram a necessi-dade de capacitar docentes em planejamento de ensino, bem como acarencia de treinamento a nível de pós-graduaaáo em áreas específicas.

O mesmo estudo mostrou ser insatisfatória a. situaçáo do alunado, emvirtude das necessidades de orientaçao pedagógica e profissional, das difi-culdades para ingresso ocasionadas pelo reduzido número de vagas emalgumas universidades, da falta de condiç5es para o desenvolvimento depráticas e das poucas oportunidades de experiencias fora dos muros daUniversidade, utilizando para isso mecanismos de extensao universitáriaou outros similares. Esse conjunto de fatores, por sua vez, reforçava eacentuava a incompatibilidade entre as exigenci.as das instituiç5es empre-gadoras e os níveis de competencia alcançados pelo professional recém-graduado.

Tomando por base o marco de referencia utilizado em Alimentaaáo/Nutriaáo, as diretrizes do II PRONAN e o conjunto de prioridades suge-ridas pela Comissao que realizou o I Diagnóstico, o INAN desenvolveu, apartir de 1976, intensa atividade com vistas a melhoria da formaçao do

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nutricionista. As medidas postas em prática tinham a finalidade de pro-mover a aproximaçáo entre as instituiç5es formadoras e as instituicoesutilizadoras de recursos humanos, de modo a permitir o reforço mútuo e aremoaáo das dificuldades identificadas.

Assim, celebrou-se um Protocolo de Cooperaçáo entre o Instituto Na-cional de Alimentaçáo e Nutricao e o Ministério da Educacao e Cultura,visando á implementaaáo de uma açáo integrada em beneficio da for-maaáo de profissionais de nível superior-graduaaáo e pós-graduaaáo-,bem como ao desenvolvimento de pesquisa e de extensao universitária naárea de alimentaaáo e nutriaáo.

A operacionalizaaáo do Protocolo foi viabilizada através da prestaaáode assessoria técnica e da celebraçao de convenios com universidadesmantidas pelo setor público, envolvendo a participaçao do MEC.

No campo da assessoria técnica, o INAN ofereceu apoio a 11 universi-dades, localizadas em diversas regioes brasileiras, com exceçao da RegiaoCentro-Oeste. As ao5es mais relevantes, neste particular, foram: apoio áelaboraaáo de projetos; orientaçao pedagógica, visando a reestruturaáaoe/ou elaboraaáo de propostas curriculares e ampliaçao de campos de está-gio; análise das pré-condiçoes para implantaaáo de cursos de graduaáaoe/ou oferta de cursos de pós-graduaaáo.

A celebraaáo de convenios possibilitou implementar as recomendaç5esemanadas do I Diagnóstico e do I Seminário Brasileiro de Cursos de Gra-duacao em Nutricao, também realizado em 1975. Para tanto, foram ela-borados projetos específicos, com a finalidade de elevar o padráo dequalidade na formaçáo do nutricionista. Dentre as atividades contempla-das com financiamento constavam: contrataçáo de pessoal científico;capacitaaáo e reciclagem de professores; intercambio com outras institui-ç5es; atualizaaáo do acervo bibliográfico, com a aquisiaáo de livros e re-vistas, além do Projeto INAN/BIREME; e investigaçáo e utilizaçao demetodologias aplicáveis ao processo de ensino-aprendizagem.

Em termos de recursos financeiros, foi comprometido na época ummontante de Cr$25,4 milh5es, com a participaçao do INAN, do MEC edas universidades convenentes.

A Universidade Federal de Pernambuco recebeu a maior parcela dosrecursos, com a finalidade de desenvolver novas experiencias de aprendi-zagem e disseminá-las em sua área de influencia (Regioes Norte, Nor-deste e, posteriormente, Centro-Oeste).

Especialistas nacionais e da América Latina participaram das análiseslevadas a efeito para avaliar o desempenho alcançado com as referidas

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medidas, no período 1976-80, quando foram detectados os principais obs-

táculos á execuaáo dios projetos, tais como: prejuízos de algumas medidasretardadas por excesso de burocracia nas universidades; resistencia asinovao5es, em termos de educaaáo, por parte da administraçao universi-tária e de alguns docentes; incapacidade, em alguns casos, para utilizar

todos os recursos alocados, o que resultou em prejuízo também do pontode vista qualitativo.

As ao5es levadas a cabo, apesar das restriçoes, apresentaram resultados

positivos relevantes. Dentre as vantagens auferidas, convém destacar: oajustamento do currículo ás necessidades atuais no campo da ali:mentaçaoe nutricao, com modificao5es significativas na reorganizaaáo e objetivaáaode conteúdos e utilizaçao de carga horária; a prioridade dada ás práticas;

a diminuiaáo dos índices de evasáo e repetencia e a interligaçao universi-dade/unidades prestadoras de serviço, propiciando a retroalimentaáaonecessária ao processo de formaçao profissional. As universidades con-venentes também se beneficiaram, porquanto tiveram a possibilidade deampliar seus quadros de pessoal e capacitar o;s recursos humanos envolvi-

dos nas atividades postas em prática, além de contar com o aumento deseus recursos financeiros, ffsicos e materiais.

Todavia, as vantagens alcançadas com essas aQoes nao puderam serplenamente otimizadas ou transferidas, pois, ao mesmo tempo, começoua fase de crescimento acelerado do número .de cursos de graduaçao emNutriaáo, que passaram do total de 8 no início de 1975 para 30 em 1980.

A preocupacáo com esse fato determinou a realizaçáo de outro estudo,

co-patrocinado pelo MEC, pelo INAN e pela FEBRAN, com a finalidadede oferecer subsídios ás políticas nacionais enn vigor no campo da educa-

çao, sobre a formaaáo profissional do nutricionista, e paralelamente in-crementar a interaçiio das instituio5es envolvidas.

Com relaaáo a expansáo dos cursos, o segundo diagnóstico permitiu ve-rificar que o crescimento beneficiara o setor privado, atraído pela criaçaode programas governamentais que contribuíram para aumentar o merca-do de trabalho, notadamente o Programa de Alimentaáao do Trabalhador(PAT). As instituiçces privadas, que oferecem nove cursos de NutriQao,estáo localizadas na Regiao Sudeste (cinco em Sao Paulo e um no Rio deJaneiro) e na Regiao Sul (tres cursos no Rio Grande do Sul), isto é, nasRegioes economicamente mais desenvolvidas do Brasil, detentoras de

48% do total de vagas oferecidas no país.A título de esclarecimento, convém lembrar que a oferta de novos cur-

sos, na década de 70, nao foi equivalente para todas as profiss5es, de acor-

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do com dados constantes de recente publicaçao do MEC (2), que refereum acentuado declínio na oferta de cursos de Medicina, em oposiçao aocrescimento vertiginoso ocorrido nas áreas de Enfermagem e Nutriaáo.Esse mesmo trabalho levanta a hipótese de que a expansao ocorrida emNutriçao e Enfermagem foi propiciada pela contenaáo conseguida emMedicina, a primeira das carreiras a ter regulado o seu processo de cresci-mento.

A situaáao do corpo docente configurou-se bastante problemática, so-bretudo no ámbito do ensino privado. As limitao5es mais graves, nesseparticular, foram as seguintes: a expansáo dos cursos nao foi precedida ouacompanhada por medidas indispensáveis á capacitaçao de docentes; náohouve incremento da pós-graduaaáo strictu sensu; os docentes com forma-cáo básica em NutriQao permaneceram em desvantagem, relativamente aoutros profissionais; o incentivo ao tempo integral foi observado apenaspelas instituiçoes do setor público, pois no setor privado predomina a con-trataaáo com regime inferior a 20 horas semanais; na carreira docente, aposiçao do nutricionista é, preponderantemente, a de professor assistente.

Entretanto, revelaram os dados do segundo diagnóstico que o percen-tual de docentes habilitados a nível de especializaçao, que era de 34% porocasiáo do primeiro, chegava agora a 49,42%. Nesse particular, vale p6rem realce a participaçáo do INAN, ao dar prioridade á formaaáo de do-centes, através da celebraçao de convenios específicos com a Universi-dade Federal de Pernambuco, a Universidade de Sáo Paulo/Faculdade deMedicina de Ribeirao Preto, e a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Com relaçio ao currículo, as principais indicao5es foram as seguintes:nao foi posta em prática a recomendaçao do diagnóstico de 1975, que da-va prioridade ao desenvolvimento de estudos para traçar o perfil profis-sional do nutricionista, instrumento indispensável para reorientar a suaformacao; sobrep5e-se á formaçao generalista desejada uma forte tenden-cia á exploraçáo de áreas de estudo mais solicitadas por parte do mercadode trabalho; existem outras distoro5es ocasionadas pelo manejo inadequa-do da carga horária, beneficiando a Biologia, no Ciclo Básico, e a AreaMultidisciplinar, o que assegura o cumprimento do plano de estudo a umcusto mais baixo; a formaaáo profissional também é prejudicada pelacolocaçao em segundo plano das Ciencias Sociais e Econ6micas, bem co-mo das'práticas e dos estágios supervisionados. Esse conjunto de dificul-dades tem contribuido para a perda de funçáo orientadora do currículo,dificultando a percepQáo do seu processo de formaaáo por parte dos alu-nos, segundo depoimentos colhidos por ocasiáo das visitas realizadas asinstituiQoes de ensino.

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POR QUE UMA REAVALIAÇAO DO PRC)CESSO EDUCATIVO?

Estamos certos de que a análise dos diagnósticos realizados para avaliaro ensino da Nutriaáo no Brasil, objeto destas considerao5es, irá permitiruma reavaliaaáo do processo educativo, mormente na época atual, mar-cada por crises que esteio a exigir uma nova postura em relaçáo ao tema. Eessa influencia será bern mais benéfica na medida em que se conseguir oduplo objetivo de revalorizar a educaaáo generalista e a capacitaalo estu-dantil para um mercado de trabalho em rápida. transformaaáo.

E esse o ponto de vista defendido por Niskier (7), ao reclamar "estraté-gias que permitam educar para a crise, para um tipo de vida em perma-nente mudança".

A esse respeito, há perspectivas animadoras, conforme editorial doJor-

nal do Brasil (4), ao observar que "o Ministério da Educaaáo e Culturaestá acenando com a possibilidade de uma alteraaáo radical dos currícu-los", visando a "preparar um profissional que tenha condiçoes de seadaptar com facilidade incomparavelmente major a situao5es novas".

Para isso, julgamos essencial uma nova atitude dos corpos docentes ediscentes, a fim de que a Universidade exerça o seu poder de construaáo,através do ensino, da pesquisa e da reflexao.

Esse novo enfoque conduz á concepaáo e materializaçao de uma escolana qual:

* os programas náo sejam rígidos, adaptando-se, ao contrário, aosavanços dos conhecimentos e ás necessidades da regiáo;

* os métodos e materiais educativos sejam selecionados e adaptadosaos requerimentos e á capacidade de aprendizagem dos alunos;

* o ensino e a pesquisa sejam orientados para uma realidade nosoló-gica e tenham prioridade os projetos elaborados para resolver problemasda vida real;

* a tonica seja desenvolver no futuro profissional uma mentalidade in-quiridora e uma capacidade de auto-educaçao independente e continua;

* finalmente, por sua orientaaio geral e seus métodos de aaáo, nio sejaum núcleo estranho dentro da comunidade á qua.l pertence, mas que fun-cione como parte integrante da realidade social cla regiáo e contribua ati-vamente'para o seu desenvolvimento.

Essa nova escola depende, por conseguinte, Clas potencialidades e ap-tidoes, quer do professor-para que compreenda a natureza do aprendi-zado, os fatores que o obstaculizam, a importanci.a que tem o interesse e oestímulo do estudante, a.s novas técnicas de ensino e avaliaaio e a relevan-cia das relao5es pessoais entre o que aprende e o que ensina-, quer do

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estudante-para que tenha efetiva participaçao tanto na busca da infor-maaio existente como na coleta e análise dos dados ao seu alcance, ad-quira o hábito de utilizar o tempo disponível de maneira produtiva, se in-teresse pelos problemas da sociedade em que vive e expresse as suas opi-nioes e dúvidas cuanto ás soluo5es propostas, sob a forma de argumen-taaáo lógica, com vontade de juntar-se ao esforço comum na procura desoluo5es melhores.

O PAPEL DA UNIVERSIDADE

Laborar nesse sentido é, em última análise, o modo correto para seatingir um mundo mais humano, mais tranquilo, mais equitativo.

Tem razáo Dahrendorf (3), ao reconhecer que "as sociedades sao, amaneira dos organismos, construç5es funcionais. Enquanto cada um dosseus elementos contribui em algo para a manutençao do conjunto, náopode gerar perturbaçoes do equilíbrio da sua própria estrutura". Em quepese a sua açao perturbadora, os conflitos, ao contrario da acepaáo usualde disfuncionalidade, também podem ser funcionais. E o próprio Dahren-dorf admite que tais conflitos sáo indispensáveis, quando fazem parte doprocesso social universal, pois neles se esconde uma excepcional energiacriadora das sociedades.

É preciso entender que os conflitos se apresentam sob diversas formas enao apenas nas manisfestao5es radicais menos desejáveis, em que o diálo-go é substituido pelo desafio á autoridade constituida, a crítica construtivapela reaaáo emocional e imediata para uma enorme variedade de ques-toes, a negociaçao e o debate pela pregaaáo da violencia.

Nisso reside a própria essencia das relao5es sociais, onde o aparelhoformador, a Universidade, náo se deve restringir a mero transmissor deinformaçoes, mas assumir a responsabilidade de fator desencadeador demudanças, as mesmo tempo que procura disciplinar a sua velocidade, di-reçáo, forma e dimensáo.

Seria desejar muito? Nao há motivo para perder a fé nas criaturas e nasinstituio5es. Frente a problemas de tal magnitude, mas igualmente diantede muitas possibilidades, dever-se-ia buscar inspiraaáo no Dr. Rieux, ofamoso personagem de A Peste, de Albert Camus, quando, ao observar aconduta humana no momento álgido de tanta tragédia, exclamou: "Hános homens mais coisas a admirar do que a deplorar."

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RESUMO

A formacao do nutricionista ajustado a um novo perfil profissional,compatível com as exigencias do quadro sombrio que se observa atual-mente no Terceiro Mundo, é focalizada na perspectiva ideal de urnma Uni-versidade que tem como objetivo maior o desenvolvimento sócio-econo-mico auto-sustentado.

Para isso, sugere o autor a necessidade de: formar recursos humanosvinculados ao processo produtivo que sejam também agentes de transfor-maçao, com vistas para a construçao de urna sociedade cada vez maishumana; ajustar os currículos as necessidades atuais no campo da alimen-taçao e da nutrijao; fazer com que a Universidade, mais do que meratransmissora de conhecimentos, assuma o papel de desencadeadora demudannas, tirando partido para tanto inclusive da energia criadoragerada pelos conflitos que estáo na base do processo social universal.

REFERENCIAS

(1) Brasil, Ministério dla EducaQao e Cultura. Boletimr Informativo da Secretaria de EnsinoSuperior do MEC, Brasilia, margo de 1982.

(2) Brasil, Ministério da Educacao e Cultura, SecretaLria da Educajáo Superior. O En-sino da Nutrifdo no Brasil; evoluaáo, corpo docente e currículo, Brasilia, 1982.

(3) Dahrendorf, Ralf. As Fun¢ges dos Conflitos Sociais, Centro de Documentaq5o Política eRelaj5es Internacionais da UnB, Brasilia.

(4) Jornal do Brasil, Um Novo Ensino (editorial), Rio,. 23 de abril de 1983.(5) Kolakowski, Lszek. A Aldeia Inencontrável. Encontros Internacionais da UnB,

Brasilia, 1979.(6) Lévi-Strauss, Claude. Race and Culture in Race History. Paris, UNESCO, 1958.(7) Niskier, Arnaldo. EducaQao para Mudanqa, Jornal do Brasil, 23 de abril de 1983.(8) Popper, Karl. Utopia e Violencia. Gazeta, Jornal de Brasilia, 16 de abril de 1983.

UNIVERSIDAD Y T]RANSFORMACION (Resumen)

La formación del nutricionista ajustada a un nuevo perfil profesional, com-patible con las exigencias del cuadro sombrío que se observa actualmente en eltercer mundo, es enfocada en la perspectiva ideal de una universidad cuyo objeti-vo principal es el desarrollo socioeconómico autosilficiente.

Para ello, el autor sugiere que es necesario formar recursos humanos vincula-dos al proceso productivo que sean asimismo agentes de transformación, con mi-ras a construir una sociedad cada vez más humana; adaptar los programas de es-

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tudios a las necesidades actuales en el campo de alimentación y nutrición; hacerque la universidad, más que simplemente transmisora de conocimientos, asumael papel de desencadenadora de transformaciones, aprovechando para ello inclu-sive la energía creadora generada por los conflictos que son la base del proceso so-cial universal.

THE UNIVERSITY AND CHANGE (Summary)

The training of the nutritionist, adjusted to a new professional profile com-patible with the requirements of the current grave situation in the third world, isaddressed from the ideal perspective of a university whose prime aim is self-sustained socioeconomic development.

The author suggests the need to train human resources for the production pro-cess who are also agents of change, with a view to building an increasinglyhumane society; to adjust curricula to meet current needs in the food and nutri-tion field; to make the university not just a transmitter of knowledge, but anagent of change by, among other ways, drawing on the creative energy unleashedby the conflicts that underlie all social processes.

UNIVERSITÉ ET TRANSFORMATION (Résumé)

La formation du nutritionniste adaptée a un nouveau profil professionnel,compatible avec les exigences du cadre particulierement défavorable que l'onobserve actuellement dans le tiers monde, est axée sur la perspective idéale d'uneuniversité dont le principal objectif est le développement socio-économique auto-suffisant.

De ce fait, l'auteur suggere qu'el faut former des ressources humaines liées auprocessus de production et qui soit par lI-meme des agents de de transformation,afin de construire une société plus humaine; adapter les programmes d'étudesaux besoins actuels dans les domaines de l'alimentation et de la nutrition; faire ensorte que l'université, plus que simple propagateur de connaissances, deviennel'agent de la transformation, utilisant a cet effet l'énergie créatrice engendrée parles conflits qui sont la base du processus social universel.