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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
FORMAÇÃO DA CIDADANIA
- UM COMPROMISSO SOCIAL -
CÉLIA REGINA GOMES RAMOS
RIO DE JANEIRO, FEVEREIRO DE 2001
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
FORMAÇÃO DA CIDADANIA
- UM COMPROMISSO SOCIAL -
CÉLIA REGINA GOMES RAMOS
Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes como requisito parcial à obtenção do Grau de Especialização em Supervisão Escolar. Professor Orientador: Maria Esther de Araújo Oliveira
RIO DE JANEIRO, FEVEREIRO DE 2001
DEDICATÓRIA
UMA RAZÃO EXTRAORDINÁRIA PARA DEDICAR
ESTE TRABALHO AO SENHOR VEM DO
ESPLENDOR DA SUA GLÓRIA E MAJESTADE DO
MEU DEUS AQUELE QUE CRIOU OS CÉUS E A
TERRA , AQUELE À QUEM EXALTO NA SUA
SANTIDADE , PELA SUA MISERICÓRDIA , GRAÇA E
AMOR IMUTÁVEIS PARA COMIGO CONCEDEU -ME
ESTA OPORTUNIDADE DE CONCLUIR UM
TRABALHO .
“OBRIGADO SENHOR ”
AGRADECIMENTO
AO MEU ESPOSO POR TER COMPREENDIDO E
COLABORADO EM TODAS AS MINHAS AUSÊNCIAS
NO DECORRER DESTE CURSO .
EPÍGRAFE
“SOBRE TUDO O QUE SE DEVE GUARDAR , GUARDA O TEU CORAÇÃO PORQUE DELE
PROCEDEM AS SAÍDAS DA VIDA” .
P.V . 4.23
SUMÁRIO
página
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 6 CAPÍTULOS 1 – EDUCAÇÃO E CIDADANIA NO LIBERALISMO ................................................. 10
1.1 – LOCKE E O LIBERALISMO ................................................................... 11 1.2 – MORAL E CIDADANIA EM ROUSSEAU .................................................. 12 1.3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE EDUCAÇÃO E CIDADANIA NO
LIBERALISMO .....................................................................................
14
2 – RACIONALIDADE, CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS ................................... 15 2.1 – RACIONALIDADE E CIDADANIA EM GIROUX .......................................... 16 2.2 – DIREITOS HUMANOS, EDUCAÇÃO E CIDADANIA ................................... 21 2.3 – O ANALFABETO POLÍTICO .................................................................. 22
3 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................... 25
4 – O UNIVERSO DA INVESTIGAÇÃO: UMA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL E
MÉDIO ....................................................................................................
30 4.1 – A METODOLOGIA UTILIZADA PELOS PROFESSORES ............................. 31 4.2 – DISCIPLINA X PARTICIPAÇÃO NA SALA DE AULA ................................... 31 4.3 – A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR .......................................................... 35
5 – ANÁLISE DAS RESPOSTAS DOS ALUNOS ..................................................... 38 CONCLUSÃO .................................................................................................. 44
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 50
ANEXOS ........................................................................................................ 51
6
INTRODUÇÃO
O conceito de cidadão varia de acordo com as diversas posições
ideológicas. Nossa proposta conceitua cidadão como aquela pessoa que se
apropriou dos instrumentos necessários para participar consciente e
criticamente da vida cultural, social, política e econômica e para competir e
atuar no mercado de trabalho. Esse cidadão deve ter consciência política que o
habilite a transformar a si mesmo e a se engajar na luta por mudanças sociais
mais abrangentes ou restritas, na sua escola, no seu bairro, no seu local de
trabalho.
Atualmente, a escola tem consciência de que deve preparar o
aluno para a cidadania. No entanto, ela não tem explícita uma concepção de
cidadania nem porquê fazê-lo. Há uma grande distância entre o discurso e a
prática.
E, sendo a escola o primeiro degrau para o desenvolvimento da
cidadania, a garantia de ensino fundamental e obrigatório gratuito deveria ser
cumprida pelo Estado. Mas, no Brasil, embora sendo artigo constitucional, tal
fato não se verifica pois é insuficiente o número de vagas oferecidas pela rede
oficial de ensino fazendo-se, então, necessária a participação da rede privada a
serviço da Educação.
Porém, mesmo assim, nem todas as crianças conseguem
ingressar em escolas. Na rede pública não há vagas suficientes e na privada a
maioria não pode arcar com os custos.
Os alunos que conseguem vaga na escola pública ficam
defasados em relação aos da rede privada pois o dilema do ensino público no
Brasil é exposto de forma dramática nas ruas, pelas manifestações e greves
dos professores que reivindicam um salário digno. Porém, o problema não é só
7
este. E as condições de trabalho, os recursos materiais, humanos, físicos? E a
metodologia aplicada? E os outros elementos envolvidos no processo
educacional? Os alunos, os pais, os funcionários da administração, a
comunidade, que também devem estar envolvidos nesse processo, às vezes
são meros espectadores.
Assim como a grande massa da população miserável não
reivindica melhores condições de vida, trabalho, saúde, educação, para que
possa ter uma vida mais digna, também não faz qualquer pronunciamento
pleiteando um ensino de melhor qualidade pois vive como espectador passivo,
resignado frente ao destino que alguém lhe impôs desde o seu nascimento,
quando passou a pertencer a uma classe social desfavorecida, onde o meio
não é estimulante e os recursos, escassos.
A questão educacional assume a dimensão, por um lado, de parte
de um todo que é o contexto das reivindicações que constituem a base da
cidadania e, por outro, é o elemento desencadeador e reprodutor da ordem
social vigente, enquanto responsável pela formação do cidadão brasileiro.
E a escola deve propiciar condições para o aluno superar toda
essa diversidade de barreiras e deixar de ser mero espectador para ser
participante ativo ou que, pelo menos, tenha um mínimo de condições para tal
e reconheça isto como um direito.
Pretendemos, então, com este trabalho, buscar subsídios à
compreensão da importância de resgatar, na educação do cidadão brasileiro,
principalmente o oriundo de classes populares, o sentido mais amplo da
qualidade, não aquela ligada ao tecnicismo, que preza a quantificação de
resultados, nem tampouco propor a volta à educação tradicional, conteudística,
mas sim a qualidade voltada para a autonomia do indivíduo para o aprender a
aprender, para a formação da consciência crítica e da auto-estima e confiança,
tão necessárias a sua emancipação.
A fundamentação teórica segue o princípio de que é necessário
que saibamos no que se tornou a educação do cidadão no século XX e que
fatores, ao longo do tempo, contribuíram para conduzi-la a trilhar por estes
caminhos para que, a partir daí, uma nova proposta possa surgir.
8
Assim sendo, no primeiro Capítulo, desenvolvemos o referencial
teórico acerca das diversas idéias que sugerem o conceito de cidadania, sua
relação com a cultura, com a educação e com o Estado.
Ao identificarmos a origem da idéia de cidadania no liberalismo,
procuramos caracterizar o pensamento liberal predominante nos séculos XVII e
XVIII, para melhor compreender o papel que a educação desempenhou na
concepção liberal. Para isto, reportamo-nos ao pensamento de Locke e
Rousseau, representantes do liberalismo, cujas obras muito colaboraram no
sentido de identificar a origem de algumas distorções que sofre a nossa
sociedade nos dias de hoje e, consequentemente, o nosso sistema educacional
que, além de refletir, reproduz estas distorções.
No segundo Capítulo, tomamos como referência o estudo feito por
Giroux sobre a racionalidade e cidadania, associando os diferentes tipos de
racionalidade aos respectivos interesses a ela vinculados, dando origem a um
determinado tipo de cidadão. Identifica-se, assim, o que traduz o pensamento
pedagógico moderno e que tipo de cidadão tem originado.
É de grande importância a abordagem dos direitos humanos para
o debate sobre a formação do cidadão e, naquele capítulo, comentaremos o
que vêm a ser os direitos civis, políticos e sociais, além de estabelecer uma
relação entre os direitos humanos e a necessidade de participação dos
indivíduos na sociedade, como garantia de cidadania e o papel da educação no
processo de formação desta cidadania.
No terceiro Capítulo apresentamos a metodologia utilizada ou
seja, o caminho seguido para colhermos as informações necessárias sobre o
processo ensino-aprendizagem que envolveu a observação de aspectos
relativos ao contexto escolar como um todo e a sala de aula, em especial, com
o objetivo de identificar os pontos críticos neste processo, que possam estar
colaborando para a formação de cidadãos passivos, meros espectadores de
decisões que influenciam diretamente na sua vida e as respostas dos alunos a
quatro questões relativas à dinâmica das aulas, estabelecida pelo professor.
Ainda, neste capítulo, fazemos a interpretação e análise dos dados, bem como
a delimitação do universo da pesquisa.
9
No quarto Capítulo, caracterizamos a escola investigada, tecemos
algumas considerações sobre seu espaço físico e sobre a comunidade que a
cerca. Abordamos os aspectos relativos ao ambiente educacional que
predomina na escola estabelecido pelo tipo de relacionamento existente entre
os elementos que fazem parte do contexto escolar. Descrevemos e
analisamos o modo pelo qual o ensino é organizado e executado, a
metodologia utilizada e a relação entre a disciplina e a participação na sala de
aula. Este capítulo teve como finalidade uma descrição geral do contexto
escolar no qual os alunos da classe popular estão inseridos para que
pudéssemos identificar, na dinâmica da sala de aula, os pontos críticos que
possam estar colaborando para a formação de cidadãos passivos, meros
espectadores de decisões que influenciam diretamente nas suas vidas.
Teceremos, também, alguns comentários conclusivos sobre os fatos
observados.
No quinto Capítulo fazemos uma análise das respostas dos
alunos às questões propostas buscando a opinião destes sobre a metodologia
utilizada pelos professores, que envolve aspectos relativos à atuação destes na
dinâmica dos trabalhos desenvolvidos em sala de aula e a predisposição dos
alunos em participar, quando solicitados pelo professor ou espontaneamente,
da aula.
Finalmente, na conclusão, fazemos uma síntese das principais
idéias e desenvolvemos considerações relativas aos resultados a que
chegamos sobre a questão chave que deu origem a este trabalho. Que
princípios deverão nortear a formação do indivíduo participativo?
É importante ressaltar que embora a nossa amostra tenha se
limitado a uma escola, esperamos que os elementos colhidos tenham sido de
grande importância, não no sentido de estarem presentes, obrigatoriamente da
mesma forma em todas as escolas públicas de primeiro e de segundo graus,
mas que, mesmo se tratando de fatos isolados ou típicos de um determinado
contexto, sirvam como pontos referenciais para a análise do processo
ideológico e cultural que constituem o cotidiano da escola pública.
10
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO E CIDADANIA NO LIBERALISMO
A cidadania tem como determinante histórico-social a existência
da sociedade de classes e do Estado, refletindo as condições econômicas,
políticas e sociais da sociedade na qual foi forjada. No caso da sociedade
brasileira, enquanto o Estado estiver sob o controle da classe burguesa, a
educação do cidadão passará por um processo de crise e polêmica.
A idéia de cidadania tem suas raízes no liberalismo, que é um
sistema de idéias elaboradas por pensadores ingleses e franceses. No século
XVIII, na França, na luta para se afirmar como classe dominante, a burguesia
incorporou os princípios do liberalismo.
No que se refere à educação, o liberalismo, no seu início, afirma
que ela tem como função principal a ascensão social, possibilitando ao
mesmas oportunidades a todos os homens, independente da religião, classe ou
posição ocupada na sociedade. A igualdade de oportunidades educacionais é,
assim, encarada como condição de igualdade social.
Os filósofos iluministas são os legítimos porta-vozes do
pensamento clássico liberal, destacando-se, entre eles, Locke e Rousseau.
Aproveitamos a análise apropriada que alguns autores fizeram das
contribuições desses dois pensadores, destacando alguns aspectos que
julgamos essenciais à fundamentação deste trabalho, relacionados ao Estado,
à cidadania, à política, à liberdade e à moral.
11
1.1 – LOCKE E O LIBERALISMO
Locke (1632 - 1704) foi um pensador do século XVII e viveu no
solo das raízes do liberalismo influenciado pelo racionalismo cartesiano, pelas
conquistas das ciências e as mudanças estruturais na Europa.
Suas idéias políticas têm como pressupostos os direitos naturais
do homem. Acreditava na liberdade e igualdade dos indivíduos no Estado de
Natureza.
No pensamento de Locke, o direito à vida e à prosperidade são
imprescindíveis e inalienáveis. Só quando não estão em risco é que cabe o
dever de pensar nos outros. O individualismo é bastante forte, em sua teoria.
Sua grande ilusão foi: "O indivíduo faz parte da humanidade. O que a coloca
em risco o atinge diretamente".
Locke pensou o Estado de Natureza como uma sociedade
igualitária e, de certa forma, tranqüila, onde existe uma moral natural que
impõe limites à consciência humana e diz para o indivíduo que ele não deve
prejudicar seus semelhantes em tudo aquilo que é eminente humano: a vida, a
liberdade, as posses (Ferreira, op. cit., p. 71).
Para Locke a cidadania aparece como uma metamorfose na qual
o indivíduo concreto se torna um ser abstrato impessoal e, por isto mesmo,
igual a todos os outros. Pode recorrer às autoridades sem ter que contar com
privilégios ou outro qualquer sistema de identificação; todos são iguais perante
a lei. Este é o ideal liberal, no qual não há correspondência entre a igualdade
formal e as condições concretas em que os indivíduos vivem.
Locke pensava que só em sociedade o homem é efetivamente
livre, pois só nela pode preservar a si mesmo e a sua propriedade. Daí a
necessidade de instituir o Estado.
Segundo Ferreira (ibid., p. 73), na teoria de Locke, os conceitos
de indivíduo, trabalho e propriedade são indissociáveis. O direito natural à
propriedade justifica-se pelo trabalho individual. Locke coloca que os direitos do
indivíduo são limitados a sua pessoa.
12
E, aí, Locke se torna contraditório pois admite que a educação
contribuiria para formar homens diferentes pois que tinha finalidade distinta:
para os ricos a educação seria para dotá-los da capacidade de governar, tanto
os negócios alheios como os seus próprios; para os pobres, uma virtuosa e útil
obediência pois assalariados deviam ouvir ordens porque seria o único meio de
trazê-los todos à obediência e à aplicação. A classe operária estaria
legitimamente subordinada ao Estado, sem direito à plena cidadania, e era
vista como grupamento de mão-de-obra (MacPherson, ibid.).
Segundo Ferreira, não se pode negar a importância do
pensamento de Locke para o ideário político do mundo ocidental. A ele se
recorre quando se pretende justificar o direito à rebelião e à defesa do governo
pelo consenso da maioria. No entanto, ele não consegue ultrapassar o
idealismo, na medida em que não trata das contradições reais da sociedade
inglesa da época: os conflitos de classe eram vistos como lutas por interesses
individuais. A rigor, o Estado liberal nunca existiu e só como utopia pode ser
pensado.
1.2 – MORAL E CIDADANIA EM ROUSSEAU
Jean Jacques Rousseau (1712 - 1778) foi influenciado pela
formação social, a cultura e a dinâmica das classes sociais na França, onde as
tensões giravam em torno do Estado como propriedade privada.
Quando as idéias políticas inglesas, principalmente as de Locke,
chegam à França, encontram um ambiente favorável a sua difusão. Circula
entre os enciclopedistas, e Rousseau é um deles, a concepção da liberdade
natural como um direito de todos os homens a dispor de si mesmos e de seus
bens. Rousseau amplia essas idéias e as refunde em combate ao sistema de
privilégios que dominava seu país.
A preocupação do pensador genebriano vai além das verdades
teóricas. Para ele, a moral e os costumes são fatores fundamentais para o
aperfeiçoamento do homem e da sociedade. Parte do desconhecimento da
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origem da vida social e investiga racionalmente a gênese daquilo que o homem
se tornou.
Querer e poder são forças que atormentam a cada um de nós,
diz Rousseau (Ferreira, op. cit., p. 105). A vontade não separa entre o possível
e o desejável. Daí o homem estar sempre exposto a frustrações, tendo a
alegria e o ressentimento como companheiros. Mas isto não deve fazer com
que iniba suas vontades, reduza-se ao tédio de uma vida sem sentido.
Rousseau afirma sua crença no gênero humano, mesmo que o homem se
torne egoísta, vaidoso, individualista.
Para Rousseau existiam duas fontes de perturbações para a
consciência moral: as paixões (fonte interna) e as mentiras e falsidades da
sociedade (fonte externa). A educação moral tem como objetivo assegurar
julgamentos corretos e justos, que não sejam pervertidos nem por paixões
desenfreadas do corpo nem por preconceitos e injustiças reinantes e aceitas na
sociedade.
A tarefa do educador não consiste, pois, em ensinar a virtude e a
justiça; consiste em evitar que esse sentimento natural, esse princípio inato,
seja vedado aos olhos do seu educando por uma ou outra fonte mencionadas.
A ação da criança é, pois, o solo no qual germinará o projeto
educativo de Rousseau. Agindo se aprenderá. Deixar agir será a primeira regra
que o educador deverá observar.
Segundo Ferreira, a imagem rousseauniana do homem ideal é a
do trabalhador: íntegro, modesto, pobre, um homem cujos prazeres derivam
apenas da sua natureza, nascem do seu trabalho, das suas relações e
necessidades. O alvo de Rousseau é um novo homem e uma nova sociedade,
em que consiga conciliar os interesses particulares e o interesse geral, em que
cada um seja livre, respeitando a liberdade dos outros; em que a virtude se
realize a cada momento na prática social dos indivíduos. Para que isso
aconteça, diz ele: "é preciso fazer um novo contrato social, que impulsione um
salto qualitativo da sociedade fundada apenas na ordem legal, para aquela em
que essa legalidade seja legítima" (Rousseau, apud. Ferreira, p. 137).
14
A concepção anti-individualista de Rousseau remete à visão do
cidadão como um ser que se libertou dos seus próprios limites, que encontra
sua plenitude mediante uma experiência coletiva, fraterna e igualitária junto a
outros que, assim como ele, aceitam o mesmo ideal de vida.
Formar o cidadão não é tarefa para um dia, para contar com ele
quando homem, é preciso instruí-lo ainda criança (Rousseau, apud. Ferreira,
ibid., p. 134).
A educação é, para Rousseau, o fator fundamental na concepção
de cidadão. Educar, para ele, é ajudar a sair de si mesmo, compreender o
mundo, conviver com suas próprias limitações, aperfeiçoar-se. Cidadão é,
para Rousseau, aquele que aprende a inibir sua inclinação, a centrar-se em si
mesmo, se libertar de seus próprios limites, encontrar sua plenitude na
experiência política. Na concepção rousseauniana de cidadania, resta muito
pouco, sem dúvida, para a vida particular.
1.3 – CONSIDERAÇÒES FINAIS SOBRE EDUCAÇÀO E CIDADANIA NO
LIBERALISMO
O racionalismo ilustrado do século XVII reforça a crença na
educação como pré-condição para a participação política do homem comum.
A educação do povo, gratuita e obrigatória passou a ser vista
como parte do projeto de ascensão da burguesia através da divulgação de sua
ideologia e consolidação do seu poder. A partir do movimento revolucionário,
representado pela Revolução Francesa, a instrução pública como direito de
todos foi incorporada ao patrimônio burguês servindo, desde então, de
inspiração para a formação dos sistemas de ensino nacionais.
O papel da educação, no liberalismo, é identificado como
instrumento de ascensão social e igualdade de oportunidades.
Na concepção do liberalismo, o Estado é considerado como um
instrumento de "regulação do social", pois, em princípio, a sociedade é capaz
de organizar-se sozinha de modo satisfatório, sem que um poder externo tenha
que interferir continuamente.
15
CAPÍTULO II
RACIONALIDADE, CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS
Ferreira (op. cit., p. 1) nos diz que cada nova concepção de
racionalidade afeta as normas, os interesses, os princípios morais, a conduta
coletiva e corresponde a um projeto de educação para os homens.
O pensador italiano Lourenzo Luzuriaga (apud. Ferreira, ibid., p.
2) parte do princípio de que o grupo hegemônico traça o perfil do homem que
prevalece na sociedade e enumera etapas da história ocidental, relacionando-
as a seus respectivos projetos de formação. Identifica, assim, o homem político
no período greco-romano; o religioso, na Idade Média; o cortesão, no
Renascimento; o culto, no século XVIII e, a partir do século XIX, quando as
idéias do Iluminismo foram apropriadas pelo liberalismo, o cidadão.
No entanto, a revolução técnico-científica, a comunicação
moderna, a explosão demográfica e a urbanização alteraram definitivamente as
condições de existência do homem no decorrer do século XX, produzindo
novas racionalidades que afetam a subjetividade social e a cultura política dos
povos e, consequentemente, seus projetos educacionais.
E, porque o mundo mudou, a educação precisa mudar.
A rapidez com que se dá a produção de novos conhecimentos
numa sociedade globalizada, impõe novas demandas para a educação. Mais
do que nunca o aluno precisa ser preparado para conviver com a
provisoriedade do conhecimento, com as incertezas, com os imprevistos, para
saber usar as novas tecnologias, as novas linguagens e se adaptar às novas
exigências.
16
Receber uma educação de boa qualidade é o melhor investimento
a longo prazo. Uma boa escola é essencial para os alunos de todas as classes
sociais. Sobretudo os egressos de classes sociais desfavorecidas pois a
educação é a única alternativa para que garantam melhores condições de vida
e de ascensão social.
A educação deve estimular o educando a se engajar na luta por
amplas transformações sociais e a escola deverá ser um espaço de formação e
informação, em que a aprendizagem de conteúdos favoreça necessariamente
a inserção do aluno no dia-a-dia das questões sociais marcantes e em um
universo cultural maior. A formação escolar deve propiciar o desenvolvimento
de capacidade, de modo a favorecer a compreensão e a intervenção dos
fenômenos sociais e culturais, assim como possibilitar aos alunos usufruir das
manifestações culturais nacionais e universais. Dentre as várias maneiras de
se ler a história, é preciso adotar aquelas que contemplam o povo e sua
qualidade de vida, em primeiro lugar. E essa educação além de lhe
proporcionar condições de compreender as verdadeiras contradições desse
modelo de sociedade, seus conflitos e a dialética da exploração e dos
explorados dar-lhe-á, também, preparo para não se deixar manipular pelas
ideologias veiculadas pelas diversas instituições a serviço do Estado, de
reivindicar seus direitos, de argumentar.
2.1 – RACIONALIDADE E CIDADANIA EM GIROUX
Giroux1 (apud. Ferreira, op. cit., p. 12) procura elucidar a
racionalidade que serve de base às diferentes teorias educacionais
contemporâneas e como essas teorias tratam a formação da cidadania.
Utilizando o critério da racionalidade precedente das análises de Habermas2
(apud. Ferreira, ibid., p.13) sobre conhecimento e interesse , o autor agrupa as
teorias em três grandes linhas: a racionalidade técnica, com o interesse de
dominação; a racionalidade hermenêutica, cujo interesse é a comunicação e a
racionalidade emancipatória, cujo interesse básico é a libertação do homem.
1 GIROUX, Henry, Teoria crítica e resistência em educação. Petrópolis: Vozes, L986. 2 HABERMAS, Jürgen. La Technique et la science comme "ideologie". Paris: Gallimard. 1973.
17
A racionalidade técnica trabalha com os pressupostos de predição
e controle. Transmite doutrinas capazes de conformar o indivíduo, adaptá-lo,
condicioná-lo a um projeto de sociedade (ibid., p.13).
Emile Durkheim3, identificado no critério da racionalidade técnica,
não admite que nenhum mal venha da sociedade pois esta é, por definição, a
realização social do bem. Para ela, a sociedade não produz, mas sofre o mal.
Inverte, assim, a tese original de Rousseau, como inverteu a epistemologia de
Kant e a sociologia de Marx, sendo incompatível com o iluminismo em geral.
Segundo ele, "o homem pode ser criado pela educação moral, não é o homem
que a natureza fez, e sim o homem que a sociedade quer ter" (Durkheim, apud.
Freitag, op. cit., p. 130).
Segundo Ferreira (op. cit., p.13) é evidente que este modelo prevê
a possibilidade de existirem desajustado, não integrados, bem como de
anomia. Seguindo as diretrizes da racionalidade técnica, devemos corrigi-los
até que consigamos o comportamento desejado. Nessa perspectiva, a
educação passa a ser confundida com processos de disciplinamento, de
conformação do indivíduo às normas pré-estabelecidas.
John Horton4 (apud. Ferreira, ibid.) diz que: "o aprimoramento das
técnicas pedagógicas tornaria possível socializar os indivíduos a ponto de
integrá-los perfeitamente ao sistema social, transmitindo-lhes a cidadania."
"A educação moral de Durkheim é, em verdade, uma educação para a heteronomia, para o conformismo com o social, para o respeito à tradição e segue métodos indiscutivelmente autoritários" (Piaget5, apud. Freitag, p.132).
3 DURKHEIM, Emile. "Das Padagogische Werk Durkheims". In: Erzichung. Moral und Gesellschaft. Luchterhand: Neuwied-Darmstadt, 1973. 4 HORTON, John. "Anomia e alienação: um problema na ideologia de sociologia". In: FORACCHI. Marialice M. & MARTINS. José M. (org.) Sociologia e Sociedade. 10.ed. R.J.: Ao Livro Técnico. 1977. 5 PIAGET, JEAN. Le jugement moral chez l'enfant. Paris: PUF. 1973.
18
As teorias educacionais que se fundam nessa perspectiva
deslocam o foco da discussão das contradições existentes na sociedade. Nos
direitos do cidadão não aparece a cidadania política, que pode ameaçar a
ordem necessária ao progresso. "Tudo se restringe aos direitos sociais, nos
quais a educação, a proteção à família e ao trabalhador, são garantidos, a
priori, pelo Estado, não resultam de lutas nem são conquistas" (Ferreira, op.
cit., passim).
Em seus estudos sobre liberalismo e sindicato, Werneck Vianna
(apud. Arroyo, ibid., p. 56) insiste numa das características da tradição liberal
brasileira: tratar o indivíduo e seus interesses com uma suposta ordem
comunitária. "A concepção de que a sociedade, as instituições e até a empresa
são uma comunidade que visa ao bem comum foi marcante nos homens
públicos, nos intelectuais, nos membros da Igreja e nos educadores".
Nesse liberalismo comunitarista, passam a ser centrais a norma, a
disciplina, o controle dos interesses pessoais e, consequentemente, a
educação para a harmonia e para o respeito à Lei, a compreensão e aceitação
dos interesses coletivos. Segundo Werneck Vianna (apud. Arroyo, ibid.) essa
ideologia comunitarista vem justificando uma política controlada das
manifestações autônomas de participação da classe trabalhadora.
"Que cidadania seria essa, senão cidadania inativa, conformista,
na qual a sociedade dita o comportamento necessário ao ajustamento do
indivíduo?" questiona Ferreira (op. cit., p. 16).
O segundo tipo de racionalidade é a hermenêutica, que se filia à
perspectiva da fenomenologia, na qual o binômia intencionalidade/significação
é o ponto fundamental.
Dentro dessa perspectiva, temos como representante, Jurger
Habermas que, em 1967, avançou na tese de que as ciências sociais não
deveriam abrir mão da dimensão hermenêutica da pesquisa. Ele diz que:
"Podemos descrever, explicar ou produzir um ruído que equivalha ao proferimento vocal de uma frase falada, sem ter a menor idéia do que esse
19
proferimento significa. Para captar e formular seu significado, é preciso participar de algumas ações comunicativas (...) compreender o que é dito exige a participação e não a mera observação". (Habermas, 1989, p. 43-4)
Na visão de Habermas, Durkheim e Meal lançaram os
fundamentos teóricos para uma lingüística da ação. Assentando a nova teoria
social na linguagem, mais especificamente na interação lingüisticamente
mediada, Habermas consegue elaborar uma nova teoria social: a teoria
comunicativa, uma nova teoria consensual da verdade e, finalmente, uma nova
teoria moral : a ética discursiva.
"A cidadania passa, assim, pela disputa política, por tornar falsas algumas representações e verdadeiras outras, mediante o recurso da argumentação e da persuasão. A cidadania aparece como resultado da comunicação intersubjetiva, através da qual os indivíduos livres concordam em construir e viver numa sociedade melhor". (ibid. , p. 17)
Os educadores que difundem a perspectiva hermenêutica
admitem a formação da cidadania como possibilidade de educar os alunos para
participar ativamente da criação de uma sociedade melhor, mais igualitária, na
qual haja comunicação intersubjetiva. Mas não discutem o quanto há de
idealismo nessa posição. Na sua visão, além de projetar o ideal possível, deve-
se evidenciar os óbices que devem ser vencidos para transformar esse real
possível em real concreto e afirma que qualquer teoria pedagógica que vise às
transformações globais da sociedade tem que partir das condições em que se
dão as relações pedagógicas (ibid., p. 15).
O terceiro e último tipo de racionalidade destacado por Ferreira
(ibid., p. 15) é a racionalidade emancipatória.
20
Para Giroux (ibid.): "a emancipação se dará pela dialética da
crítica/ação na sociedade". Segundo Ferreira, ele acredita que a consciência
faz a história. Embora em nenhum momento abordar a questão da luta de
classes ou destacar a organização política como o fundamento das
transformações sociais, reconhece que o cerne da questão é
fundamentalmente político e normativo. Giroux conclui:
"Uma teoria da educação para a cidadania terá que combinar crítica histórica, reflexão crítica e ação social. Essa teoria terá que recuperar os determinantes políticos que a educação para a cidadania se tornou, e então decidir o que não se quer que ela seja, a fim de que um modo mais viável de teorização possa emergir". (Giroux, apud. Ferreira, ibid., p. 16)
Esta conclusão de Giroux coincide com a nossa proposta de
trabalho. Podemos considerar esses três elementos - crítica histórica, reflexão
crítica e ação social - de grande importância para a questão da cidadania. O
primeiro elemento - a crítica histórica - contribui diretamente para a construção
de uma história elaborada a partir da ótica dos dominados e não dos
dominantes como habitualmente se tem feito. O segundo elemento - a reflexão
crítica - nos faz sentir co-responsáveis pelo que se tornou hoje a educação do
cidadão brasileiro, diferencialista, de um lado formando o homem culto para
que este seja capaz de assumir o poder e, de outro lado, a educação passiva e
arcaica. O terceiro elemento - a ação social - é que nos impulsiona a fazer o
que estiver ao nosso alcance , para que esta situação possa se reverter o mais
rápido possível.
Segundo Arroyo (op. cit. , p. 58), na tradição que predomina no
pensamento educativo dos séculos XIX e XX, a liberdade e a cidadania se
vinculam basicamente à obrigação moral. Ele questiona se teria havido uma
deformação do conceito clássico de cidadania e de liberdade quando
repassado para a prática educativa.
21
2.2 – DIREITOS HUMANOS, EDUCAÇÀO E CIDADANIA
Os direitos humanos merecem um lugar de destaque na
educação do cidadão, segundo Canivez (op. cit., p. 82) porque, por um lado,
definem um dos temas primordiais do debate político, por outro, fornecem, nos
Estados onde servem de referência, um critério para julgar o que, num
programa político ou projeto de lei, como em geral na organização da
comunidade, não é conforme os seus princípios.
Canivez (ibid.) coloca que os direitos humanos fornecem o critério
fundamental desse julgamento, crítico ou negativo, que procuramos definir. Diz
ele que a educação dos cidadãos supõe uma informação, um mínimo
conhecimento do sistema jurídico e das instituições.
Essa informação não tem apenas interesse prático. Justifica-se
também porque o indivíduo nasce numa comunidade já estruturada por
instituições e encontra as leis como coerção de fato sem as ter escolhido ou
discutido, e para que ele possa ceder aos princípios que as fundamenta,
precisa conhecer esses princípios, afirmar sua liberdade enquanto assume seu
lugar na comunidade, afirma Canivez (ibid.).
A educação só é concretamente possível e tem sentido se os
indivíduos tiverem suas necessidades básicas satisfeitas e desfrutarem do
mínimo de conforto e tempo livre para usufruir disso. Por conseguinte, a
educação, para ter eficácia, supõe direitos sociais. O respeito à pessoa está na
base dos dois tipos de direitos: "não há direitos civis e políticos sem educação
dos cidadãos. O Estado deve, pois, intervir para garantir a educação e a
instrução de todos"(ibid., p. 92).
Em se tratando de cidadania, Demo (1994, p. 4) diz que é urgente
construir uma forma coletiva de reação para obrigar ao respeito dos direitos
humanos fundamentais das pessoas. A pobreza, segundo ele, não é apenas
decorrência de condições adversas do mercado e da economia. É, também,
22
produto histórico de uma sociedade que cultiva a miséria para privilégio de
poucos.
Para Demo (op. cit., p. 4), cidadania significa, sobretudo, duas
coisas: a) "tomar consciência dos problemas que nos atingem para deixarmos
a condição de objetos e passarmos a de sujeitos", b) "organizar-se para impor
alternativas nas quais somos os decisores principais".
A educação do cidadão, preocupada com estes aspectos,
segundo Demo (ibid., p. 5) tem que formá-lo no sentido de garantir-lhe a melhor
oportunidade possível de desenvolvimento. Neste caso, não apenas transmitir
conhecimentos, mas sobretudo formar a capacidade de construir
conhecimentos, precisamente para sair da condição de receptor passivo para a
de participante decisivo.
2.3 – O ANALFABETO POLÍTICO
O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala,
não participa dos acontecimentos da cidade nem da sua Comunidade.
Ele não sabe que o preço do feijão, da carne, da farinha, do
aluguel, do sapato e do remédio depende das decisões dos governantes, com
a participação do povo, dando opiniões e reivindicando seus direitos. O
analfabeto político é tão ignorante que se orgulha de não participar de nada,
vive só para si e nem se preocupa com as outras pessoas.
Não sabe que de sua ignorância nascem o menor abandonado, o
assaltante e o pior de todos, os bandidos, o governante pilantra, corrupto e
explorador.
Durante décadas interesses ideológicos fizeram o povo confundir
política com o exercício de cargos públicos, com a administração pública e
disputa partidária. Guardar, zelar ou tomar conta da cidade é coisa do governo
e o povo simplesmente cumpre as leis e recebe benefícios... Povo não é
nação! É massa de manobra explorada por toda espécie de oportunismos.
23
Manter a população afastada do cotidiano da vida política
nacional era e é uma forma eficaz de facilitar a manipulação da re + pública
(isto é, da coisa pública), para satisfazer interesses particulares. É preciso que
o povo se reconheça e se identifique nas suas qualidades, carências, modo de
vida, formas de interação.
Nesse processo, o povo se transforma em nação. Não basta que
sejamos solidários nas campanhas de socorro. Os S.ºS. nos comovem,
fazemos uma doação, e daí? Tudo volta ao normal quando a catástrofe passa.
Será normal um povo que não conhece os seus direitos, não luta por eles? Fica
passivo quando os recursos do País são dilapidados, e o Estado utilizado para
satisfazer os interesses de alguns ao invés de garantir a promoção do bem
comum para todos os cidadãos?
Construir a nação, isto é, conscientizar as pessoas de que elas
não são simplesmente um número nas estatísticas, mas formam um grupo de
Cidadãos, com direitos conquistados e por conquistar. Este é um grande
compromisso da escola!
A escola tem várias tarefas e uma delas é o conceito de ética e
cidadania.
Se a educação não for ela o veículo, ninguém nem nada o será.
Não haverá, portanto, partido político, mídia, sociedade civil organizada capaz
de levar isto adiante: este conceito de ética e cidadania, que se dá na prática,
em termos não apenas de direitos, como a tradição latino-americana está
acostumada, mas também de deveres. Esta é uma grande tarefa. Como se faz
isto na prática? O que os educadores vão propor? É preciso que a escola faça
revisão dos métodos, a rearticulação da educação com o sistema produtivo e
com a prática fora da escola, se os profissionais de educação agilizarem esses
debates em torno da educação, ética e cidadania, estaremos dando um grande
passo na formação da Cidadania.
A razão crítica é a que emancipa o homem, colocando-o no centro
do mundo, fazendo-o criticar o mundo. A educação no final do século, em
função das novas tecnologias, parece meio emperrada a desenvolver apenas a
razão instrumental e deixar de lado a concepção crítica de que o homem é o
24
centro e não as novas tecnologias. Quanto ao segundo eixo, precisamos
recuperar a solidariedade na Educação. Há uma diferença entre educar e
instruir e nós somos levados a pensar neste início de milênio, basicamente, em
função das novas tecnologias, a atender a demandas mais imediatas, portanto
a instruir as pessoas e não a pensarmos, então, a Educação, que é uma
discussão do conhecimento como a base da solidariedade do relacionamento
humano. Para finalizar, o terceiro eixo, há uma frase dos franceses, do século
passado, que diz: "nós não queremos crianças com cabeças cheias mas com
cabeças feitas". Em função da hegemonia da razão instrumental e das novas
tecnologias, que instrumentalizam o saber, e da ausência de um espaço de
solidariedade e comunhão entre os homens, estamos cada vez mais
caminhando para crianças de cabeças cheias e nós queremos é crianças que
se vejam como seres humanos, construindo uma humanidade e não
resolvendo problemas meramente imediatos.
25
CAPÍTULO III
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
No presente trabalho, optamos por fazer um estudo de ordem
qualitativa acerca da prática docente predominante nas escolas de 1O e 2O
graus e o papel que esta desempenha na formação do cidadão oriundo das
classes populares. É uma tentativa de análise da dinâmica ideológica e cultural
que constitui o cotidiano escolar.
Com o objetivo de colher uma gama significativa de elementos
presentes no processo ensino-aprendizagem, cujos principais agentes são
professores e alunos, utilizamos o método observacional. Trata-se de um dos
métodos mais utilizados nas ciências sociais por possibilitar o mais elevado
grau de precisão. "A observação nada mais é do que o uso dos sentidos com
vistas a adquirir os conhecimentos necessários para o cotidiano" (Gil, 1987,
p.104).
A técnica da observação foi utilizada na coleta dos dados, dando
operacionalidade ao método observacional. Segundo Gil (ibid., p. 105), a
observação apresenta como principal vantagem em relação a outras técnicas,
a de que os fatos são percebidos diretamente, sem qualquer intermediação.
Desse modo, a subjetividade que permeia todo processo de investigação social
tende a ser reduzida.
Os dados, a princípio, foram colhidos através de conversa
informal na sala dos professores, reuniões pedagógicas, conselhos de classe e
reuniões com o grêmio estudantil porque o corpo docente de uma escola
pública nunca conviveu com qualquer tipo de ação provisória ou meramente
26
observadora por parte de terceiros e poderiam se sentir, de certa forma,
ameaçados em sua privacidade, o que destruiria sua espontaneidade.
Como era nosso objetivo uma visão crítica e realista do processo
educacional, a partir das nossas observações sobre os procedimentos dos
colegas professores e sobre a postura deles frente à estrutura organizacional
do ambiente escolar, pudemos identificar muitas distorções, enganos
cometidos e até mesmo alguma ingenuidade no trato de assuntos que eram
aparentemente simples, mas que, quando observados sob a ótica da classe a
qual a escola deveria servir, ocultava uma ideologia que reproduzia valores da
classe dominante.
Assim, a minha participação real na vida do grupo facilitou o
conhecimento mais profundo do seu cotidiano, do interior do próprio grupo, de
maneira bastante natural. Como membro desse grupo, tive acesso aos dados
sobre situações habituais ocorridas naquele meio, muitos dos quais
considerados de domínio privado.
A grande dificuldade encontrada, porém, foi penetrar no ambiente
de sala de aula, para poder observar a sua dinâmica e colher dados em relação
às atitudes dos alunos frente à metodologia utilizada pelo professor e também
perceber como se dava a interação professor-aluno.
Penetrar no universo dos alunos estava relacionado ao fato de eu
ser, também, professora pois, como tal, fazia parte de um outro estrato dentro
do sistema escolar, o estrato "dominante" enquanto os alunos faziam parte do
estrato "dominado".
Apesar dos obstáculos, não poderíamos deixar de observar,
diretamente, a sala de aula visto que prejudicaria o nosso trabalho. Apesar de a
Direção da Escola haver nos alertado sobre a dificuldade de aceitação por
parte dos professores, decidimos arriscar porque tínhamos a certeza de seria
de fundamental importância, se desse certo, a riqueza de informações que nos
permitiria o contato tanto com a prática do professor como também o
comportamento dos alunos na situação de aprendizagem.
27
Com o argumento da necessidade da observação dos alunos,
para a nossa pesquisa, foi mais fácil convencê-los e deixá-los mais à vontade,
evitando constrangimentos.
Para anular ao máximo a situação observador X observado,
envolvemos os professores com a nossa pesquisa e com o objetivo de
identificar comportamentos não favoráveis por parte dos alunos. Assim , eles
traziam sugestões, apontavam falhas, indicavam situações-problemas,
participavam em todos os momentos em que estavam sendo feitas as
observações na sala de aula, fornecendo subsídio valiosos de suas práticas.
Como nosso trabalho é desenvolvido para enfocar basicamente a
formação do aluno-cidadão no contexto da escola pública, acreditamos que
acrescentar a opinião dos mesmo sobre alguns aspectos relacionados à
metodologia usada pelos professores nos daria uma idéia mais abrangente
sobre o assunto.
Para que pudéssemos coletar opiniões francas e já tendo
detectado o nível de submissão destes alunos frente ao professor, elaboramos
um questionário6 simples e objetivo, o qual os alunos responderiam sem
necessidade de identificação, para que as respostas fossem as mais fidedignas
possíveis.
Assim sendo, os elementos do cotidiano colhidos através da
observação da prática docente e do comportamento do discente, bem como as
opiniões dos alunos colhidas através do questionário constituem-se no "corpus"
do nosso trabalho. A análise realizada desse "corpus" nos permitiu detectar a
presença de determinados atributos.
A oportunidade de um contato mais prolongado com o universo
pesquisado propiciou de aspectos de vivência do grupo, indispensáveis aos
métodos qualitativos de pesquisa.
6 Segundo Gil (ibid., p. 106): "Pode-se definir questionário como a técnica de investigação composta por um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças e sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas, etc.''
28
E, com isso, a análise do material colhido pôde ser aprofundada,
abrindo perspectivas para a descoberta de princípios e tendências que
veiculam no universo pesquisado.
O questionário foi elaborado tendo em vista identificar a opinião
dos alunos sobre a dinâmica das aulas estabelecida pela metodologia utilizada
pelos professores, tendo como ponto central a possibilidade de participação.
Dentre as questões formuladas, citamos as mais importantes: "Você prefere
fazer trabalhos/exercícios, sozinho ou em grupo?", "Você gosta quando o
professor faz perguntas para você?", "Os professores costumam incentivar a
participação dos alunos durante a aula através de tarefas que exijam
participação oral?", "Você costuma participar da aula por livre e espontânea
vontade, fazendo perguntas ao professor, expondo suas idéias, etc.?".
Interpretamos a realidade escolar através de determinado
paradigma ou modelo7, com o qual escolhemos focalizar as percepções
investigatórias e analíticas. Nesse sentido, os aspectos que envolvem a
dinâmica da sala de aula constituem o território de investigação, enquanto a
soma que embasa o conceito de cidadão e suas variáveis, serve como guia
para trabalharmos o caminho que nos conduza ao tipo de tratamento dado pela
escola a este cidadão, de modo a colaborar ou não, para que ele atue
participativamente nos diversos grupos a que pertence, servindo esses
aspectos como um modelo interpretativo.
Não tínhamos como objetivo qualquer tipo de análise comparativa
de séries ou graus, entre procedimentos docentes ou entre comportamento
discente, nem tampouco tínhamos preocupação em associar os fatos ligados a
problemas do tipo: falta de pessoal, precárias condições de trabalho, péssima
remuneração docente ou à falta de incentivo à reciclagem, no contexto de
trabalho. Estes, a nosso ver, fazem parte da caracterização do ensino público
atual, além de serem elementos previamente identificados e considerados
7 Segundo McLaren (1991, p. 45): "Enquanto os modelos organizam e selecionam nossas percepções, de tal forma que fazemos associações entre fenômenos, eles também estabelecem limites a nossa compreensão e interpretação do mundo. Os modelos põem entre parênteses ou isolam porções do mundo fenomenal e invariavelmente distorcem a realidade, enfatizando certos aspectos da realidade à exclusão de outros."
29
como desencadeadores do caos em que se encontra o sistema educacional do
País.
O nosso objetivo foi mais geral, ou seja, colher dados sobre os
elementos predominantes da dinâmica da sala de aula, aspectos
organizacionais, incluindo a prática docente e o comportamento dos alunos
frente a determinadas atitudes do professor, tentando associá-los, sempre que
possível, às regras da escola. Interessou-nos, também, aspectos funcionais da
organização escolar administrativa, dinâmica das reuniões e conselhos,
utilização dos espaços físicos da escola pelos membros que fazem parte dela
e, também, pelos membros da comunidade que a cerca.
Nossa preocupação foi detectar os fenômenos educacionais que
permeiam a formação do jovem cidadão brasileiro de classe popular, inserido
no ensino público, associando assim, o papel que a escola desempenha em
sua vida com as características básicas que compõem o perfil deste cidadão.
30
CAPÍTULO IV
O UNIVERSO DA INVESTIGAÇÃO: UMA ESCOLA DE
ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO
Como toda escola, nos dias de hoje, esta também enfrenta sérios
problemas de escassez de recursos materiais e humanos e, principalmente,
excesso de burocracia e falta de autonomia.
Dos alunos que comparecem às salas de aula, aproximadamente
20% estão realmente interessados em aprender e reivindicam seus direitos ao
ensino, exigem o mínimo de dedicação dos professores e impõem-se enquanto
cidadãos-alunos.
Dos 80% restantes, 5% têm muita facilidade em aprender, têm um
bom desempenho, acabam suas tarefas antes dos demais e, por lhes sobrar
tempo, ajudam a formar grupos de baderneiros; 10% são baderneiros,
somente, sem interesse em nada que não seja fazer bagunça; 10% são
totalmente desinteressados no ensino e a escola é o lugar de encontro para
conversarem, rirem, enfim, divertirem-se; e 55% são neutros isto é, se os
baderneiros atrapalham a concentração na realização de uma determinada
tarefa, eles simplesmente desistem, fazem como podem, ou aderem ao clima
de desordem. Se o professor se impõe e é quem fala mais alto, ao mesmo
tempo passam do estado de desordem ao estado de ordem absoluta.
31
4.1 – A METODOLOGIA UTILIZADA PELOS PROFESSORES
O método utilizado pelos professores é predominantemente o
expositivo, que consiste no fato de que o professor passa aos alunos os
conhecimentos que detém sobre os assuntos. Este método pressupõe a
disposição do aluno para ouvi-lo, já que se trata de um método passivo, onde
os alunos raramente participam da aula. O pequeno grau de participação é
identificado no momento de correção dos exercícios, quando são solicitados
nas respostas, mesmo assim poucos respondem; ou quando existe a suspeita
de que algum aluno não está acompanhando a explanação, este pode ser
chamado para apresentar alguma evidência de que está atento ao que está
sendo dito pelo professor.
O dispositivo espacial da sala de aula é próprio do método
expositivo tradicional: carteira dispostas em filas paralelas, a mesa do professor
à frente das demais, em posição de destaque.
Assim, apesar de ficarem juntos na sala de aula, os alunos não
formam um grupo, como tal. São separados pela disposição das carteiras. As
respostas são isoladas, as dúvidas também, os interesses individuais
prevalecem. Nessa disposição, os alunos são facilmente localizados pelo
professor, facilitando identificar o foco da indisciplina, do desrespeito, mas
também inibe-se a participação dos alunos, que na sua maioria tem dificuldade
de colocar suas idéias, pois sentem-se expostos perante o professor e a turma.
Quando solicitados pelo professor a responder alguma pergunta,
se acertam, ganham o mérito, porém, se erram, ficam sujeitos às sanções por
parte do professor e a deboches por parte da turma. Na dúvida do acerto,
preferem ficar calados e apáticos, como mostram as respostas obtidas no
questionário aplicado, apresentadas mais à frente. Portanto, é comum, quando
o professor se propõe a fazer perguntas à turma, ninguém responder.
4.2 – DISCIPLINA X PARTICIPAÇÀO NA SALA DE AULA
A escola institui a cidadania e a co-habitação de seres diferentes
sob a autoridade de uma mesma regra, segundo Canivez (op. cit., p. 33), por
isso há disciplina. Segundo ele, espera-se que esta inculque nas crianças o
32
respeito a uma certa ordem, a se conformarem com as imposições de uma
organização: "mas na medida em que essa disciplina é instaurada pelo
educador", diz ele, "também estimula nas crianças o hábito de obedecer em
geral, acostuma-as a se sujeitarem à autoridade".
Ainda segundo o pensamento de Canivez, quando se trata de
educar crianças, quanto menos idade tiverem, menos serão capazes de
compreender e de julgar. Neste caso, o hábito de obedecer parece preceder,
necessariamente, a capacidade e o gosto pela reflexão. Ele lembra que há um
antagonismo entre os dois e afirma que o hábito da obediência será tanto mais
durável quanto mais mecânico e automático for.
Segundo Rousseau: "A solução deste problema está no fato de
que a autoridade que se exerce sobre a criança deve ser tão impessoal quanto
a autoridade da lei a qual se submete o cidadão". (Rousseau8, apud Canivez,
ibid., p. 36).
A autoridade do saber dá ao professor o poder dentro da sala de
aula. Segundo Mucchielli (op. cit., p. 19), o sistema atrai aqueles que aspiram a
um poder fácil, pois favorece o exercício da autoridade e cultiva, assim, o
complexo de superioridade dos educadores. O professor é o juiz: é ele quem
corrige, sanciona, dá nota, avalia, arbitra, elogia ou repreende.
Mais do que uma resposta correta, ou qualquer tipo de
participação por parte dos alunos, o professor elogia o silêncio, a ordem
coletiva e o estado de ocupação dos alunos. Pude observar que, muitas vezes,
é mais importante estar ocupado do que estar certo. A aula se reduz, muitas
vezes, ao preenchimento do tempo e do espaço.
Kant oferece uma curiosa descrição da escola:
"As crianças são mandadas à escola não para que aprendam
alguma coisa, mas sim para que se habituem a ficar sentadas, quietas e a
observar pontualmente as ordens que lhe são dadas, a fim de que,
posteriormente, saibam tirar partido imediato de todas as idéias que lhe
ocorram. "(Kant9, apud Canivez, ibid., p. 41)
8 ROUSSEAU, J.J. Emile. Gallimard. 1969. Livro III (Col. Bibliothéque de la Pléiade. Oiuvres Complètes. T. IV). 9 KANT. Immanuel. Réflexions sur l'education. Paris: Vrin. 1966.
33
Ele justifica a disciplina pelo fato de o homem ser, por natureza,
sujeito a impulsos desordenados e seus desejos, múltiplos e contraditórios.
Canivez (ibid., p. 42) coloca que o hábito que a criança deve
adotar é o de impor uma certa forma a sua ação. Segundo ele, o hábito
essencial que se adquire na escola é o hábito do trabalho. Este impõe uma
disciplina que favorece a reflexão e o acesso a autonomia. O trabalho escolar
não busca fazer da criança um escravo, habituá-la a obedecer servilmente às
ordens e sim habituá-la a organizar seu tempo e sua atividade, a reunir forças
na consecução de um objetivo.
Segundo o pensamento de Rousseau, na escola a criança deve
respeitar a uma ordem geral, não a vontade particular do adulto como tal. A
criança se rebela quando vê que nem todos estão sujeitos à mesma regra que
ela. O que desfaz a rebelião é, portanto, a consciência da universalidade de
fato da lei. A escola, assim como a sociedade moderna, deve basear-se no
princípio da igualdade de todos perante a lei ou as regras.
Por outro lado, a autoridade do professor estabelece um efeito
tranqüilizador sobre as mentalidades infantis e adolescentes, pois a anarquia
criada por alguns gera insegurança para muitos.
A relação professor-aluno é paternalista (ou maternalista): mesmo
com severidade, ele age "para o bem dos alunos" e mantém com eles um
relacionamento afetivo que lhe permite influenciá-los sentimentalmente.
Assim como McLaren, observei que alguns professores falam
constantemente como um modo de obter uma sincronização do afeto e da
coesão geral do grupo (op. cit., p. 159). Esta sincronização do professor com a
turma se dá mais rapidamente devido a fatores como: voz alta e firme, carisma,
ar de intenso envolvimento com o que fala. Raramente os professores,
enquanto emissores de significados, ajustam suas freqüências às dos alunos.
Enquanto receptores passivos, os alunos é que devem ajustar suas
freqüências às dos professores.
34
Segundo McLaren (ibid.):
"o termo freqüência não se refere apenas à altura e à técnica rítmica de falar ou apresentar informação; uma freqüência também está relacionada com a comunicação de qualquer informação em particular".
Isso, segundo ele, requer que os professores se tornem
conscientes dos símbolos e do conteúdo que os alunos acham interessantes e
significativos. "Os professores devem saber o que os alunos precisam saber",
diz ele.
Com o propósito de manter a ordem, os professores usam duas
formas de discurso: direto e indireto. O discurso é direto quando ele repreende
diretamente a algum aluno por ter apresentado um comportamento indesejável
e utiliza o discurso indireto quando a desordem é generalizada e não
consegue identificar o (s) responsável (eis) direto (s) pela indisciplina.
Segundo Oslon10 (apud. McLaren, ibid., p. 158), "a fala indireta dá
a impressão de que a fonte das afirmativas é permanente e sagrada e que não
pode ser questionada".
Por certa vez, durante uma reunião pedagógica com a direção da
escola e os professores, um destes levantou uma questão sobre a participação
do aluno na escola; a discussão girou em torno de como os alunos poderiam
participar mais da vida escolar, compartilhando das decisões, ocupando mais o
espaço destinado a eles, tornando assim a organização escolar mais
democrática.
Como resultado disso, foram tomadas as seguintes providências
por parte desse grupo: a criação do grêmio estudantil e a permissão para que
um aluno de cada turma participasse do conselho de classe, que seria, em
princípio, o representante da turma.
10 OSLON. David. On the language and authority of text books. Journal of Communication. V. 30.n.1.1980. 186-96 p.
35
Como o reconhecimento desses direitos não partiu diretamente
dos alunos e por não serem necessidades legítimas do grupo, o grêmio
estudantil transformou-se numa organização de eventos, festas, torneios, etc.
com fins lucrativos, liderados por um grupo de alunos descomprometidos com
os interesses da maioria, e a presença dos alunos no conselho de classe foi
sendo reduzida à medida em que eles não se sentiam à vontade frente aos
professores, para expor seus questionamentos e críticas.
Os professores, no fundo, sentiam sua posição hegemônica
ameaçada no conselho pela presença dos alunos, pois os fatos, naquela
circunstância, eram analisados com uma visão bilateral: a do professor e a do
aluno.
A posição de inferioridade na hierarquia social, a pouca influência
ou domínio sobre os fenômenos sociais que estão ligados à função de mera
execução desanimam um indivíduo no sentido de buscar a cultura política à
qual tem formalmente direito mas que não lhe é imposta por seu status ou que
não está ligada à dignidade de sua posição social.
"A escola desempenha um papel nessa desmobilização. Impõe de fato ao indivíduo uma certa consciência de sua identidade social, de sua dignidade ou indignidade cultural, classificando-lhe os hábitos, os gostos e idéias numa hierarquia".
4.3. A ORGANIZAÇÀO CURRICULAR
Nas escolas públicas, a organização curricular obedece ao que
prevê a legislação de ensino vigente. Na Resolução número 6 do atual
Conselho Nacional de Educação (CNE), de 26 de novembro de 1986, diz , em
seu artigo 6O que cabe a cada estabelecimento organizar o seu plano de curso.
Segundo Sperb (1979, p.91), o currículo por atividades preconiza
que a aprendizagem ocorra através de experiências diretas, baseadas nas
36
necessidades, interesses e propósitos do educando. Este tipo de organização
curricular tem como objetivo encontrar soluções em recursos disponíveis.
Este tipo de organização curricular tem como vantagens: o
dinamismo, o estímulo dado ao aluno a lançar-se à solução de problemas,
motivando-o. Não há o estabelecimento de horários rígidos. "Trata-se de uma
organização em que o professor toma o papel de orientador, de consultor. Sua
tarefa principal é guiar o aluno na aprendizagem de como aprender"(ibid., p.
90).
Um dos tipos de organização curricular preconizados pela
legislação citada para o segundo segmento do 1O grau é o currículo por áreas
de estudo ou "áreas de ensino" como chama Sperb (ibid., p. 89).
Sperb afirma que este tipo de organização curricular promove
maior integração das matérias, oferecendo uma aprendizagem mais funcional.
"O currículo por área de ensino preconiza a integração de conteúdos afins, agrupando as matérias dentro das áreas a que pertençam. A organização das matérias deve ser funcional, flexível, utilizando recursos das comunidades, dispensando os horários rígidos". (Ibid.)
Taba11 (apud. Sperb, ibid.), analisando o currículo de áreas
de ensino, chama a atenção para as suas vantagens, mas adverte o professor
contra o perigo de, abrangendo áreas amplas, tratar todos os assuntos com
muita superficialidade.
Outro tipo de organização curricular preconizada pela legislação
vigente para o 2O segmento do 1O grau e para o 2O grau é o currículo por
disciplina, também conhecido por "matérias programáticas isoladas" como o
classificou Sperb (ibid., p. 88).
11 TABA. Hilda. Curriculum development, theory and practice. New York: Harcourt. Brace and World. 1962.
37
O currículo por disciplina preconiza o ensino de matérias isoladas.
A quantidade e a complexidade dos assuntos leva o professor a utilizar-se de
métodos passivos, onde o aluno deve ter habilidade de ouvir, memorizar e de
reproduzir o que lhe é transmitido. Requer também que o programa seja
desenvolvido em ordem lógica e horários rígidos.
"Em geral, este tipo de organização curricular não prevê o trabalho em grupo e a pesquisa. O aluno deve aprender diretamente do professor e a ele deve dirigir suas perguntas. As horas de aula não são destinadas ao desenvolvimento social do aluno."(ibid.)
Fazendo uma ponte do que prevê a legislação para cada nível
escolar, com as características dos tipos de organização curricular utilizados,
pude observar que nas séries iniciais do 1O grau, o regime do professor único
facilita o desenvolvimento do currículo por atividade, porém este não é
desenvolvido de acordo como preconiza a teoria citada anteriormente.
Com essas observações, podemos afirmar que, à medida em que
o aluno torna-se mais maduro e, consequentemente, com mais capacidade
para participar do processo educacional, mais o sistema escolar restringe o seu
espaço de liberdade, tornando os horários mais rígidos e repartidos, bem como
os conteúdos, que se separam em compartimentos estanques, já que existe a
concepção de que "cada um deles é um potencial em si e deve ser
apresentado em sua pureza intrínseca" (Mucchielli, op. cit., p. 18).
Esta concepção faz com que os alunos fiquem restritos à
memorização individual dos conhecimentos, à passividade física e mental
frente ao que lhes é transmitido. Os tempos de aulas são curtos, não
permitindo que o professor planeje trabalhos em grupo, nem existe a
possibilidade dos alunos participarem efetivamente da aula, não há tempo para
que os conteúdos sejam internalizados e refletidos por parte dos mesmos.
38
CAPÍTULO V
ANÁLISE DAS RESPOSTAS DOS ALUNOS
A análise feita sobre o conceito das respostas dos alunos às
perguntas do questionário aplicado demonstra a opinião e reação dos mesmos
ao método expositivo utilizado pelos professores.
Pelas respostas colhidas dos alunos à primeira questão ("Você
prefere fazer trabalhos/exercícios sozinho ou em grupo? Por que?"), ficou
demonstrado que a maioria (67,5%) prefere trabalhar em grupo. Afirmam que:
"trabalhando em grupo a troca de idéias e o diálogo com os colegas possibilita
uma aproximação maior entre eles; o que um não sabe, o outro pode saber;
que é bom tirar as dúvidas entre eles; todos participam da atividade; trabalham
com mais entusiasmo; descobrem coisas novas; aprendem a conhecer melhor
os colegas; criam um espírito de colaboração. Ressaltam, porém, que os
grupos têm que ser pequenos, de até seis alunos pois, como dizem, "mais do
que esse número, fica difícil manter a ordem".
Dos alunos que preferem fazer as atividades sozinhos (32,5%), as
justificativas foram: "sozinho me sinto mais à vontade, com os outros alunos
sempre conversamos sobre outros assuntos", "em grupo esquenta mais a
cabeça e não dá para estudar direito", "me concentro melhor sozinho", "em
grupo muitos não participam e ganham ponto às custas dos que trabalham",
"em grupo acaba virando bagunça, tem sempre os que não se interessam",
"sozinho eu me avalio e sei se estou atento aos detalhes", "não preciso ficar
esperando e dependendo dos outros alunos".
39
Associando as respostas analisadas acima ao que foi observado
quanto à metodologia utilizada pelos professores (método expositivo), podemos
concluir que isto provoca um desestímulo nos alunos e não colabora com o
desenvolvimento da cidadania participativa, não faz com que o aluno procure
desenvolver o seu próprio intelecto.
Não temos a pretensão de afirmar que o trabalho de grupo venha
a ser a melhor técnica de ensino, isto depende muito do conteúdo a ser
ministrado e do tempo disponível, mas sim que, se fosse mais explorado pelos
professores, com certeza estimularia bem mais a participação dos alunos,
através da oportunidade que teriam de desenvolver os aspectos citados por
eles, que são os motivos pelos quais preferem o trabalho em grupo ao trabalho
individual. Esta oportunidade seria, na verdade, um espaço aberto que
possibilitaria o desenvolvimento do hábito de falar desinibidamente, de expor
suas idéias. Isto poderia evoluir para a utilização de outras técnicas ativas de
ensino, como, por exemplo, o seminário, onde o aluno deve apresentar as
conclusões do grupo para toda a turma e para o professor.
O grande número de alunos na sala de aula, principalmente nos
primeiros semestres, que gira em torno de cinqüenta alunos, é outro fator que
dificulta a realização de trabalhos de grupo. Isto se torna um desafio ao
professor e, para que ele possa superar a era do receptor e a era da
aprendizagem individual, é necessário que ele conheça a psicossociologia e a
dinâmica de grupo, para que possa desempenhar o papel do formador.
Segundo Mucchielli (op. cit., p.87-8), existem três condições
básicas para a eficácia dos grupos de trabalho:
Condição de número: segundo Mucchielli, graças a Lewin e outros autores da
sua geração, sabemos que as interações12 é o que constituem o fator
essencial dos progressos e do rendimento dos grupos intelectuais. Um
pequeno grupo (de dois, três ou quatro) não possui muitas interações.
Estas, a seguir, crescem geometricamente (cinco, seis, sete, oito
12 Interação é a troca interpessoal, produzindo a interassimilação dos conteúdos, das intervenções e evolução das idéias pessoais, sob o choque das idéias de outrem.
40
membros); depois, se o número aumenta, o grupo fraciona-se ou tende
a fracionar-se.
Condição de maturidade de grupo: relacionada à evolução do grupo seu
potencial ideal (confiança interpessoal, identidade dos objetivos,
atitudes de cooperação, capacidade de perceber e de tratar
positivamente as eventuais tensões internas e os obstáculos à
progressão do grupo, em direção às suas finalidades).
Condição de "igualdade de direito" das pessoas durante o trabalho: o
grupo de trabalho intelectual deve ser democrático.
Segundo Mucchielli (ibid., p. 88), a igualdade democrática não é
natural.
"Todo grupo entregue a si mesmo desenvolve espontaneamente uma organização restritiva da igualdade (...) no caso do trabalho intelectual, essa tendência natural esteriliza progressivamente as performances, desfaz o moral da maioria, destrói a coesão.
É necessário que o professor tenha conhecimento de cada fator
destacado por Mucchielli tanto para a escolha do número ideal de participantes
no grupo, como para ajudar o grupo a evoluir efetivamente e alcançar o
potencial ideal para que esta possa atingir os seus objetivos, bem como
orientar o grupo para que este seja capaz de instituir e manter a igualdade de
direitos. Este pode ser considerado o seu papel principal, tendo em vista que
os alunos que responderam que preferem trabalhar sozinhos, citam como
motivo aspectos relacionados ao controle da participação dos membros do
grupo e também a questão da democracia.
"O papel do professor é 'não diretivo' no sentido de que ele não
intervém sobre os resultados do trabalho, mas regularizando o clima do grupo,
a livre expressão de cada um, as interações e os progressos do grupo em
direção aos seus objetivos." (Mucchielli, ibid., p. 88)
41
Na questão número dois ("Você gosta quando o professor faz
perguntas para você? Por que?"), 63,75% respondeu que sim pois assim
sentem-se mais interessados pela aula; que isso incentiva a discussão com o
professor; acreditam que dá mais confiança neles mesmos quando acertam a
resposta; que as perguntas do professor incentivam a que estudem mais; que
se a resposta for errada, o professor pode corrigir e explicar de forma diferente.
Dos 36,25% que respondeu que não, é porque ficam nervosos se
não sabem a resposta; não conseguem se expressar bem; sentem-se inibidos
ao falar para a turma toda; dizem que os colegas "encarnam" neles; que às
vezes o professor fica furioso se eles não sabem; não gostam de demonstrar
que não sabem.
Em relação as respostas da questão número 2, a maioria também
gosta de ser questionada pelo professor. Podemos acreditar que os alunos
sentem necessidade de mostrar ao professor o que sabem e que , quando não
sabem, podem contar com a compreensão e ajuda dele e dos colegas. Na
verdade, os alunos gostam de participar da aula, de dialogar com o professor e
que este se interesse pela sua aprendizagem.
Os números coletados na terceira questão ("Os professores
costumam incentivar a participação dos alunos durante a aula, através de
tarefas que exijam a participação oral?") vêm confirmar o que já havia sido
detectado nas observações em sala de aula, e não são nada animadores no
sentido de que possamos formar cidadãos participativos. Os 100% dos alunos
respondeu NÃO a essa questão.
Na pergunta número 4 ("Você costuma participar da aula por livre
e espontânea vontade, fazendo perguntas ao professor, expondo suas idéias,
etc.? Por que?"), 16,25% dos alunos respondeu que costumam participar
porque não gostam de ficar com dúvidas na matéria; acham que as suas
perguntas o ajudam a compreender melhor os assuntos; que quando
perguntam o professor verifica que estão acompanhando a matéria; que
gostam de se comunicar com o professor; que, embora alguns colegas não
gostem que se faça perguntas, que acham que atrapalham a aula, eles nem
42
ligam, porque acreditam que estão na escola é para aprender e, se não sabem,
têm que perguntar mesmo.
Os que não costumam participar das aulas, 83,75%, sentem-se
inseguros perante a turma e o professor, temem que as suas perguntas e as
suas idéias não sejam bem aceitas pelo professor e pela turma; preferem só
ouvir do que falar; são tímidos; temem a reação do professor; têm dificuldades
de expor as suas idéias para os outros.
Responderam assim: o tempo é pouco e o professor já fala
correndo, não dá para ficar perguntando; que se a idéia não for correta os
colegas debocham e o professor faz cara feia; o professor nem sempre tem
paciência para ouvir nossas idéias e, então, acho que ele não gosta quando a
gente fala; não falo porque não gosto quando alguém fica fazendo perguntas
na aula; antes eu participava mas meus colegas me chamavam de metido,
sabichão, eram irônicos comigo na frente do professor então, agora, eu prefiro
ficar calado.
O fato de não participarem da aula, pela maioria dos alunos, é
associado à vergonha, nervosismo e dificuldade de se expressar.
Ora, estes aspectos geralmente estão relacionados à posição
assumida pelo professor perante a turma, pois cabe a ele estimular o diálogo,
saber ouvir o aluno, ser tolerante, compreensivo com os possíveis erros
cometidos pelos mesmos alunos, ajudando-os a superar as barreiras que
possam existir entre ele e os alunos e também criando um espírito receptivo na
turma, de modo que os alunos passem a agir com os colegas da mesma forma.
Cabe ao professor desestimular atitudes como "gozações" e "deboches",
criando assim um ambiente propício à participação de todos, o que sem dúvida
irá eliminar a vergonha, o nervosismo, e desenvolver no aluno uma maior
capacidade de expressão oral.
Dentre os fatores citados pelos alunos como determinantes para
que deixem de participar espontaneamente da aula, destacamos aqui os mais
significativos e que funcionam como barreira a essa participação. São eles:
43
O medo da reação do professor: ninguém sente medo sem que tenha
experimentado uma situação anterior ameaçadora que possa ser
relacionada com a situação atual.
Dificuldade de se expressar: está relacionada tanto com a capacidade de
interpretar a realidade, organizar as idéias, utilizar um vocabulário
adequado para que possa ser compreendido, quanto a sentir-se à
vontade para expor suas idéias por reconhecer o seu direito à palavra.
Insegurança: por não haver receptividade e incentivo à participação, pelo fato
do professor sempre ditar as regras do jogo e cultivar a idéia de que o
aluno nada tem a colaborar com o processo ensino-aprendizagem.
Vergonha: por sentirem-se pouco capazes, pelo descontentamento
demonstrado claramente pelos colegas e que nem sempre é
desencorajado pelo professor.
Identificando os aspectos que fazem parte da dinâmica na sala de
aula, vemos que a metodologia utilizada pelo professor reduz os alunos ao
papel de meros espectadores que assimilam conhecimentos sobre coisas ao
invés de conhecimento de coisas em relação a outras coisas, e que também
falta-lhes oportunidade não só de vivenciar experiências na sala de aula, como
também, colocar ali as experiências que viviam fora da escola, que poderiam
servir como ponte para a aquisição de novos conhecimentos. Não há espaço
para que o aluno possa participar da aula efetivamente, sua participação se
reduz a responder às perguntas feitas pelo professor.
O caminho a ser percorrido rumo à democratização do ensino
passa pela criação de um espaço democrático na sala de aula que irá
colaborar para que algumas barreiras possam ser transpostas.
44
CONCLUSÃO
Percorremos o caminho proposto inicialmente, partindo de
considerações clássicas, que se reportam às raízes do liberalismo, traduzidas
no pensamento de Locke e Rousseau, numa análise atual que autores
modernos fizeram acerca de questões relativas à cidadania, presente na obra
desses dois pensadores em especial e sobre o liberalismo em geral.
O estudo feito por Giroux (1986), elucidando as racionalidades,
que servem como base às teorias educacionais contemporâneas, construídas
pelo pensamento de Durkheim, Habermas e outros, dando origem a diferentes
tipos de cidadania: a racionalidade técnica, originando a cidadania inativa e
conformista; a racionalidade hermenêutica, originando a cidadania
individualista e política; e, finalmente, a racionalidade emancipatória, originando
a cidadania crítico-social, levou-nos a concluir que a emancipação se dará pela
dialética crítica/ação na sociedade. Assim, como as teorias progressistas
colaboraram com o avanço do pensamento educacional, ajudando a formar um
cidadão mais consciente da importância de se viver numa sociedade mais
igualitária, resta-nos, ainda, resgatar na educação para a cidadania, o sentido
mais amplo de responsabilidade social que se fundamenta na ação do cidadão
na sociedade a que pertence.
Afastando-se dessa proposta, a ênfase em preparar o cidadão
para assumir apenas os seus deveres na sociedade é marcante na educação
das classes populares, reduzindo a dimensão da cidadania à aceitação de
obrigações morais para um convívio social harmônico, negando a este cidadão
a liberdade dos direitos e, consequentemente, a possibilidade do poder, que
passa pelo desconhecimento dos princípios e leis que fixam esses direitos.
45
Os direitos humanos garantem aos indivíduos a possibilidade de
participação política, mas, por serem direitos, garantem também que estes
vivam uma vida puramente privada, sem qualquer influência no destino da sua
comunidade.
O objetivo proposto neste trabalho conduz ao estudo do problema
que enfrentamos atualmente, quando nos deparamos com o cidadão de classe
popular, que na sua maioria, ainda tem como características a passividade, o
conformismo, a submissão e conduz também a uma análise do papel
desempenhado pela escola pública na formação desse cidadão.
Para alcançarmos esse objetivo, investigamos uma escola pública
de 1O e 2O graus e, durante as nossas observações sobre o contexto escolar
como um todo, buscando uma caracterização da mesma, identificamos a
comunidade sempre muito afastada da escola, não tendo conhecimento do que
se passa no seu interior.
Isso vem demonstrar a falta de interesse pela questão
educacional, que faz parte, tanto das reivindicações dos direitos sociais, que
entre outros é dever do Estado fornecer, constituindo assim, a base da
cidadania, quanto serve como instrumento de capacitação, não apenas pela
bagagem conteudística que é transmitida, importante por fornecer meios
intelectuais a fim de que o indivíduo possa comunicar-se de maneira eficaz,
refletir, situar-se no contexto histórico, desenvolver o raciocínio lógico e muitas
outras capacidades, mas, principalmente, pelo seu papel de formar atitudes
nas quais, aspectos como a liberdade e autonomia sejam valorizados.
Os elementos colhidos através da observação realizada no
ambiente educacional como um todo não nos fornece uma visão animadora.
Desde a escassez de recursos humanos e materiais, passando pela
desmotivação dos professores, que se sentem desvalorizados pelos alunos,
pela administração da escola e pelo próprio sistema, até a falta de
responsabilidade dos alunos, cultivada, de um lado, pela excessiva
permissividade da parte da administração da escola em relação as regras de
disciplina e organização e, de outro, pelas características do método expositivo,
o que deixa o aluno à parte deste processo, como mero expectador passivo.
46
Foi identificada no total de alunos uma grande maioria neutra e
apática, que se deixa levar pelos dois tipos de liderança existentes: a da ordem
- geralmente liderada pelo professor - ou a da desordem - liderada por alguns
alunos - dependendo da que domina no momento.
No caso específico da clientela investigada, constituída de
adolescentes e adultos, podemos afirmar que o hábito de obedecer, cultivado
pelo autoritarismo do professor, produziu a submissão ao invés da
responsabilidade, o condicionamento ao invés da autonomia e isto se deve ao
caráter pessoal dessa autoridade, diferente daquela proposta por Rousseau
(1958), tão impessoal quanto a autoridade da lei à qual se submete o cidadão.
Identificamos na atitude dos alunos uma necessidade de, no
intervalo das aulas, movimentarem-se ao máximo, falar, gesticular, andar,
como se procurassem gastar toda a energia acumulada durante o tempo de
aula, considerado por eles como de tédio e apatia, pois o silêncio e a ordem
coletiva são elementos elogiados pelos professores, mais do que uma resposta
certa ou a iniciativa de participação.
Devemos lembrar aqui que o domínio da linguagem política,
fundamental para conduzir as reivindicações, está relacionada à representação
que o indivíduo faz do próprio valor, a sua percepção do espaço social, da
posição que nele ocupa.
A escola, ao classificar os hábitos, gostos e idéias do indivíduo
numa hierarquia, favorece que este tome consciência de que o processo
educacional existe além, independentemente dele e indiferentemente a ele. A
medida em que a visão do processo educacional é automaticamente
transferida para a sociedade, esses fatores colaboram para que sua identidade
social seja marcada por sentimentos como o desânimo, a acomodação e a
insignificância.
Na análise feita sobre a organização curricular proposta pela
legislação de ensino vigente, concluímos que, à medida em que os alunos vão
atingindo maior grau de maturidade e, consequentemente, têm mais
capacidade de participar ativamente do processo educacional, mais a estrutura
do sistema escolar limita o seu espaço de liberdade, com horários rígidos e
47
repartidos. Assim sendo, como ter cidadãos participativos na sociedade se na
escola restringimos ao máximo a sua liberdade de participação?
Esta questão está relacionada não só à liberdade, mas também à
autonomia, à responsabilidade social, e devemos levar em consideração que
esses aspectos não podem ser desenvolvidos através da fixação de conteúdos
específicos e sim na prática, no dia-a-dia da sala de aula; devem envolver
atitudes do professor em relação aos alunos, que propiciem oportunidades de
participação, tempo disponível para reflexão, ênfase na troca de experiências
entre os alunos, de modo que estes possam se sentir como parte integrante e
ativa do seu processo de aprendizagem.
E, para tornarmos esta análise confiável, não poderíamos deixar
de buscar a opinião dos alunos sobre alguns aspectos determinantes de sua
conduta, frente a dinâmica das aulas estabelecida pela metodologia utilizada
pelos professores.
Analisando a resposta dos alunos pesquisados, constatamos que
a maioria deles (67,5%), sente a necessidade de trabalhar com os colegas ou
seja, em grupos. Encontramos, nas respostas, elementos importantes para a
construção de uma identidade coletiva e participante, como: espírito de
cooperação, entusiasmo pela aprendizagem, possibilidade de colaboração,
conhecimento dos membros do grupo e oportunidade de falar, de emitir
opinião.
A minoria dos alunos (32,5%) respondeu que prefere trabalhar
sozinho, e no conteúdo de suas respostas encontramos elementos voltados
para uma visão individualista, egoísmo, auto-suficiência e também outros
aspectos relativos à dificuldade de conduzir o grupo rumo aos objetivos.
Quando perguntamos aos alunos se gostavam quando o
professor fazia perguntas para eles, a maioria (63,75%) respondeu que sim e
os motivos apresentados foram: aumento do interesse pela aula; sentiam-se
testados pelo professor; treino da agilidade mental; incentivo a participação e a
discussão e a demonstração do interesse do professor pelo aluno.
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A minoria (36,25%) que respondeu não gostar quando o professor
fazia perguntas a eles, disseram ficar nervosos quando não sabiam as
respostas, não conseguiam se expressar bem e sentiam vergonha de falar.
O fato de todos os alunos terem respondido que os professores
não costumam incentivar a participação oral dos alunos durante a aula, além
de confirmar o que já tinha sido observado anteriormente, estabelece uma
relação com a resposta dos alunos à questão seguinte, que se refere a sua
participação espontânea na aula, onde a minoria (16,25%) respondeu que sim
e justifica sua resposta mencionando aspectos como: demonstrar interesse
pela aula; tentar compreender melhor o assunto e tirar dúvidas.
A grande maioria (83,75%), porém, não costuma participar da
aula por: insegurança, possibilidade de não aceitação pelo grupo, timidez, por
não gostarem de falar, por temerem a reação do professor, por dificuldade de
expressar as idéias em público.
Podemos concluir, finalmente, que os alunos demonstraram
gostar de trabalhar em grupo e, se este tipo de método ativo fosse mais
utilizado pelos professores, traria enormes benefícios a ambos, como os alunos
colocaram tão bem em suas respostas. Tê-los como aliados nesse processo de
mudança já é um bom ponto de partida.
Dentre os fatores citados pelos alunos, existem aqueles mais
significativos, que funcionam como barreiras que impedem a participação na
aula. São eles: o medo da reação do professor, a dificuldade de se expressar,
a insegurança e a vergonha, já comentados anteriormente.
Somente se formos capazes de superar essas barreiras é que
conseguiremos fazer da escola um espaço mais democrático, onde o aluno
poderá desenvolver o hábito da discussão e outras atitudes que valorizem a
participação.
A utilização de uma metodologia ativa teria que passar pela
mudança do papel do professor, de condutor a orientador da aprendizagem, o
que irá requerer dele um preparo ainda maior, pois o diálogo e a reflexão
propiciam a reorganização do conteúdo pelos alunos, através da oportunidade
49
de associar as novas experiências às anteriores e, assim, estes alunos irão
alcançar níveis mais elevados de aprendizagem.
Como educadores, não podemos esperar de braços cruzados por
um projeto de sociedade onde o progresso e a felicidade não custem o preço
da exclusão e da exploração da maioria. Temos que aproveitar o espaço da
escola pública e desenvolver nele uma relação pedagógica comprometida,
realmente, com os ideais da classe a que ela deve servir.
Estamos cientes, porém, que a questão da cidadania se insere na
temática conflitiva da possibilidade da democracia, da participação no poder e
da igualdade política numa sociedade capitalista. Acreditamos que a
possibilidade de mudança da sociedade pode ter como ponto de partida a
mudança no processo educacional, e este está ao nosso alcance.
E, se conseguirmos avançar no sentido de formarmos um cidadão
mais crítico e consciente da importância de viver numa sociedade mais justa e
igualitária, a partir do momento em que conseguirmos inseri-lo no processo
educacional como agente participativo deste processo, estaremos colaborando
para a formação do cidadão atuante que irá construir esta sociedade.
50
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