FORMAÇÃO DE PÚBLICO E...

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CADERNO 4 FORMAÇÃO DE PÚBLICO E CINECLUBISMO

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CADERNO 4

FORMAÇÃO DE PÚBLICO E CINECLUBISMO

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SUMÁRIOINTRODUÇÃO...................................................................................................................4

4.1 FORMAÇÃO DE PÚBLICO.......................................................................................4

4.2 O MOVIMENTO CINECLUBISTA..............................................................................74.2.1 Os primeiros anos – as relações entre arte e política.....................................74.2.2 A retomada do movimento cineclubista no pós-guerra....................................94.2.3 O Movimento Cineclubista Brasileiro.............................................................10

4.2.3.1 Os primeiros cineclubes.....................................................................104.2.3.2 Os anos 50 – a influência católica, o comunismo, a expansão e

organização do movimento cineclubista............................................114.2.3.3 A ditadura militar – resistência e cineclubismo popular.....................124.2.3.4 Os anos 80 – agonia do movimento..................................................144.2.3.5 O movimento cineclubista brasileiro hoje – a retomada....................15

INTRODUÇÃO

Os Cadernos Cine Mais Cultura são parte integrante da ação Cine Mais Cultura,

programa do governo federal desenvolvido pelo Ministério da Cultura.

Esses cadernos foram criados com o objetivo de reunir informações básicas

sobre o Cine Mais Cultura e fornecer subsídios para a implantação, operação e

manutenção dos CINES, funcionando como apoio para o treinamento das equipes

responsáveis pela administração dos CINES.

Neste caderno, intitulado FORMAÇÃO DE PÚBLICO E CINECLUBISMO,

abordaremos questões relacionadas à importância do envolvimento e da formação do

público como condição essencial para fortalecer os vínculos de identidade com o

cinema nacional e estimular a diversidade cultural.

Paralelamente, vamos buscar na experiência acumulada pelo movimento

cineclubista as bases do trabalho de formação de público com visão crítica, a partir do

princípio da inserção e participação da comunidade. Para complementar,

apresentamos um breve relato da trajetória do cineclubismo, as principais influências,

conquistas, lutas e dificuldades vividas ao longo de sua história.

4.1 FORMAÇÃO DE PÚBLICO

Podemos afirmar que a atividade cinematográfica se completa plenamente

quando acontece o encontro com o público. Não é exagero concluir, portanto, que o

público é a razão de ser do cinema.

No CADERNO 3, ESTRATÉGIAS DE PERMANÊNCIA, vimos que o audiovisual

é um campo muito abrangente e em permanente expansão, e que é fundamental que

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as equipes dos CINES tenham uma noção da complexidade e do funcionamento do

mercado audiovisual para que se situem nesse contexto e exerçam seu papel de

agentes culturais.

Vimos que devido à forma como o mercado do audiovisual se estruturou

comercialmente, tanto no Brasil como em vários países do mundo, ocorreu uma forte

concentração econômica no setor, notadamente nas atividades de distribuição e

exibição, controladas por poucas empresas.

Como conseqüência desse modelo de negócios, vivemos uma realidade em que

o filme brasileiro tem um alto custo para entrar no mercado exibidor, situação que é

agravada por um número insuficiente de salas de exibição frente ao tamanho da nossa

população. Esses fatores contribuem significativamente para que o cinema nacional

tenha uma participação de público muito menor do que a do filme estrangeiro, mas não

podemos atribuir o distanciamento do público em relação ao filme brasileiro

exclusivamente ao mercado.

Trata-se de um problema complexo em que a busca de soluções passa

necessariamente por desenvolver estratégias para criar vínculos de interesse mais

consistentes entre o público e o cinema brasileiro.

Nesse sentido, entidades sem fins lucrativos voltadas à exibição cinematográfica,

como cineclubes, cinematecas e associações culturais, vem desenvolvendo,

historicamente, um trabalho alternativo e de resistência ao modelo comercial

predominante, estimulando o acesso a produções consideradas não comerciais e

incorporando o público como sujeito ativo na atividade cinematográfica.

Mais recentemente, com o desenvolvimento da tecnologia digital e o

barateamento dos custos de equipamentos, novas formas de produção e difusão vem

ganhando espaço no Brasil. Iniciativas como festivais de cinema, projetos de exibição

itinerantes e alternativos, ambientes de trocas de arquivos na internet e a retomada do

movimento cineclubista vem agregando novos segmentos de público.

No âmbito da política cultural, a disponibilização de recursos governamentais

para o segmento audiovisual, com diversos projetos e editais de alcance regional e

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nacional, vem despertando um interesse renovado pela realização de projetos, por

atividades de pesquisa e de preservação da memória cinematográfica em diferentes

regiões do país.

A esse contexto vem se somar o programa CINE MAIS CULTURA, tendo como

objetivos centrais estimular a democratização do acesso a obras audiovisuais, com

ênfase na produção brasileira; a formação de público com visão crítica e a formação de

redes sociais e culturais que viabilizem o intercâmbio e a divulgação de informações.

Facilitar o acesso e atuar na formação do público são, portanto, questões

centrais para fortalecer a identidade entre o público e a produção nacional, contribuindo

para a diversidade e a cidadania cultural.

No que se refere à formação de público com visão crítica, é fundamental

ressaltar a experiência acumulada pelo movimento cineclubista, ao longo de décadas

de atuação, baseada na prática de exibição focada na inserção e participação da

comunidade, permitindo discutir e aprofundar aquilo que vem da tela.

É justamente tendo em vista a experiência do movimento cineclubista nesse

processo de envolvimento do público, que reforçamos aqui as recomendações de

atuação para as equipes dos CINES, já apresentadas nos cadernos anteriores. Ou

seja, para lograr êxito, o trabalho deve ser cuidadosamente estruturado de modo a

contemplar atividades consistentes de pesquisa, programação, divulgação, debate,

acervo e documentação.

A seguir, com intuito de resgatar e ilustrar a importância histórica do movimento

cineclubista, apresentamos um breve relato da trajetória do cineclubismo, em âmbito

nacional e internacional, revisitando sucintamente as principais influências, conquistas,

lutas e dificuldades vividas ao longo de 90 anos de história.

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4.2 O MOVIMENTO CINECLUBISTA

A documentação bibliográfica sobre a história do cineclubismo é ainda muito

incipiente e fragmentada. O texto a seguir tem por objetivo delinear uma breve

trajetória do cineclubismo, no mundo e no Brasil. Ao final do texto, apresentamos uma

pequena bibliografia complementar para quem tiver interesse em conhecer um pouco

mais sobre o movimento cineclubista, além de outros textos disponíveis virtualmente.

4.2.1 Os primeiros anos – as relações entre arte e política

Os primeiros movimentos cineclubistas que se tem notícia surgiram na França no

começo dos anos 20 do século passado. O CASA, Clube dos Amigos da Sétima Arte,

foi criado em 1921, e reunia periodicamente intelectuais e cineastas franceses para

discutir cinema. Em 1922, é criado o Clube Francês de Cinema e, em 1924, o CASA e

o Clube Francês se fundem e criam o Clube de Cinema da França. Em 1925, nasce a

Tribuna Livre do Cinema, que inaugura a tradição cineclubista de sessões semanais

seguidas de debate. Nessa época a legislação francesa passa a reconhecer o caráter

específico dos cineclubes, reconhecendo seu direito de projetar filmes para associados

sem autorização da censura. Nos anos seguintes, o movimento cineclubista se

expande para outros países da Europa, como Inglaterra, Itália, Espanha, Alemanha e

Holanda, agregando entre seus associados renomados intelectuais e cineastas.

Esses primeiros cineclubes surgiram do impulso de compreender o cinema,

afirmar sua autonomia em relação a outras linguagens e, ao mesmo tempo, resistir a

uma padronização imposta pela consolidação do modelo comercial de cinema. O

grande motor desses primeiros cineclubes era a necessidade de reunir artistas e

críticos em torno de um compromisso essencial com a arte.

No entanto, em certos círculos, esses primeiros cineclubes eram vistos como

excessivamente burgueses, uma vez que a intelectualidade que os prestigiava não se

confundia com um público mais popular, que não freqüentava os cineclubes. Naquelas

primeiras décadas do século XX, ao mesmo tempo em que explodiam movimentos

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artísticos também se organizava o movimento popular e operário, e fundavam-se

partidos comunistas em todo o mundo. Esses dois movimentos, “artístico” e “político”,

se imbricavam e eventualmente se arreliavam de diversas maneiras.

Foi nesse contexto que, em 1928, foi criado o cineclube Os Amigos de

Spartacus, com a preocupação de levar o cinema de conteúdo crítico e político a um

público mais amplo. Registrado como uma sociedade civil independente, com apoio do

Partido Comunista Francês, o Spartacus logo se transformaria em uma rede de

cineclubes pelos subúrbios operários de Paris e do interior da França. O seu grande

sucesso vinha dos filmes soviéticos mas a sua programação era bem ampla, com

filmes franceses, alemães, suecos, exibindo os avanços da linguagem cinematográfica,

a divulgação da organização operária, filmes educativos e de vulgarização científica.

Os cineclubes franceses usavam um expediente legal que lhes permitia exibir

filmes sem um “visto”, obrigatório para salas comerciais, o que lhes permitia passar

filmes soviéticos proibidos. Porém, no final de 1928, os cineclubes foram proibidos de

exibir filmes sem “visto” e, pouco tempo depois, o Spartacus encerrou suas atividades.

Sobre o pano de fundo da agitação cultural e política da década de 20, realiza-se

na Suíça, em 1929, o 1º Congresso Internacional do Cinema Independente, no

histórico castelo de La Sarraz. A principal proposta aprovada no Congresso foi a

criação de uma Liga Mundial de Cineclubes, com sede em Genebra, e uma

Cooperativa Internacional do Filme Independente. Mas os debates revelaram as

grandes divisões ideológicas entre o cinema experimental, como investigação formal, e

o cinema de massas. Eisenstein, que estava presente, realizou um filme sobre o

encontro: Tempestade sobre La Sarraz. O filme perdeu-se e o congresso não teve seus

objetivos concretizados, mas produziu um programa geral para o movimento

cineclubista internacional que seguiu crescendo.

Na América Latina, tivemos o Chaplin Club, no Rio de Janeiro, e o Cine Club

Buenos Aires, ambos criados em 1928, e o Cineclub Mexicano em 1931.

Em vários países, proliferaram também as associações ligadas a movimentos de

trabalhadores. Nos EUA, a Film and Photo League teve um papel fundamental – face à

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esmagadora hegemonia do cinema comercial naquele país – no desenvolvimento do

cinema independente e documentário. Baseada inicialmente na documentação nas

mobilizações operárias, evoluiu para uma produção mais universal e é uma das

grandes bases do cinema independente norte-americano. Em 1936, a FPL se

transforma numa produtora privada, sem fins lucrativos.

Com a ascensão dos regimes fascistas começa a desestruturação da atividade

cineclubista na Europa. No entanto, na França, circuitos cineclubistas atuam como

forma de resistência, onde se destacam cineastas como Jean Renoir e Marcel Carné.

Mas a Segunda Guerra Mundial praticamente interrompe as atividades dos cineclubes

em todo o mundo.

4.2.2 A retomada do movimento cineclubista no pós-guerra

Com o final da Segunda Guerra Mundial um processo de reconstrução e

transformação toma conta da Europa, acompanhado por uma grande movimentação

cultural que inclui a renovação dos cinemas nacionais.

O movimento cineclubista volta a crescer: só na França, 20 cineclubes são

fundados em 1945, 80 em 46, 130 em 1947, com cerca de 100.000 associados. Em

ritmos diferentes, federações nacionais foram criadas em vários países e, em 1947, foi

constituída a Federação Internacional de Cineclubes (FICC). A Federação Internacional

estabeleceu alguns princípios gerais e fundamentais: o caráter não comercial dos

cineclubes, o compromisso com o cinema independente e de experimentação, a

disposição de criar uma rede internacional de circulação de filmes.

O movimento cineclubista reafirmou seu papel de discussão e de renovação do

cinema, e de produção de uma crítica impressa que influenciava o cinema do mundo

inteiro. Por essa via, assumia igualmente uma importância política, na defesa do

pluralismo, dos cinemas nacionais, na luta contra o colonialismo cultural, pela

renovação da linguagem, contra a padronização dos produtos comerciais.

A FICC é membro do Comitê Consultivo da UNESCO e hoje agrupa mais de 30

países e 50 Federações Nacionais. O brasileiro Antonio Claudino de Jesus, presidente

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do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, é o atual vice-presidente da FICC.

4.2.3 O Movimento Cineclubista Brasileiro

4.2.3.1 Os primeiros cineclubes

O Chaplin Club, fundado em 1928 no Rio de Janeiro, é considerado o cineclube

pioneiro no Brasil, pois foi o primeiro que constituiu estatutos e manteve uma atividade

permanente. O Chaplin Club publicou a revista de ensaios O Fã – com 9 números

editados em cerca de dois anos – que além de divulgar a programação do cineclube,

promoveu uma intensa discussão estética sobre o cinema. Foi no Chaplin Club que foi

exibido, em 1931, o filme Limite, de Mário Peixoto, um marco do cinema brasileiro e

mundial.

Em agosto de 1940, foi fundado O Clube de Cinema de São Paulo que se

propunha a estudar o cinema como arte independente, por meio de projeções,

conferências, debates e publicações. As exibições do Clube de Cinema eram na

Faculdade de Filosofia e até mesmo nas casas de Paulo Emílio Salles Gomes ou de

Lourival Gomes Machado, dois de seus fundadores. Mas essas sessões logo

chamaram a atenção do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) – orgão do

Governo Federal encarregado da censura no governo de Getúlio Vargas – que acabou

fechando o cineclube. Somente em 1946, O Clube de Cinema de São Paulo voltou a

funcionar.

Através da ligação de Paulo Emílio, que estava na França e funcionava como

uma espécie de embaixador, o Clube de São Paulo, e outros cineclubes que surgiram,

mantinham-se informados do que se passava nos meios de vanguarda do cinema

europeu. Paulo Emílio se tornou um nome importante no ambiente cinematográfico

europeu com a publicação de sua obra sobre Jean Vigo, um cineasta de vanguarda e

cineclubista da primeira geração.

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4.2.3.2 Os anos 50 – a influência católica, o comunismo, a expansão e organização do movimento cineclubista

Assim como no resto do mundo, também no Brasil o cineclubismo se expande e

se desenvolve enormemente depois de 1945. Enquanto o Clube de Cinema se

consolida cada vez mais, começam a surgir cineclubes em outras cidades importantes:

Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre, entre outras.

No mesmo momento, acontece uma importante tomada de posição por parte da

Igreja, que terá muita influência no cineclubismo brasileiro dessa e da próxima década.

Em 1952, chega ao Brasil uma missão do OCIC – Ofício Católico Internacional do

Cinema (recentemente criado), para dar cursos e seminários e estimular a formação de

cineclubes nas instituições ligadas à Igreja. Surgem dezenas de cineclubes em todo o

país, em colégios, seminários, instituições laicas com influência da Igreja, e cria-se uma

literatura e um método cineclubista católico. O livro orientador dessa postura era o

Elementos de Cinestética, do padre Guido Logger, mas outras obras de orientação

também foram publicadas nesse período.

O método do cineclubismo católico baseava-se na promoção dos princípios

cristãos e a observância de sua aplicação ao cinema e na educação do público. Em

alguns centros mais importantes, editava-se periodicamente boletins de avaliação dos

filmes em circulação, recomendando os mais consentâneos com os referidos princípios

e vedando a exibição dos que, pelo contrário, atentavam de alguma maneira contra o

cristianismo e a Igreja.

Entretanto, outras vertentes disputavam esse espaço crescente de organização

do público brasileiro. Só nos anos 50 podemos lembrar o Clube de Cinema de Porto

Alegre, o Centro de Estudos Cinematográficos do Rio – e o de Minas – o Clube de

Cinema de Salvador. Em cada um desses, participavam grandes nomes do

cineclubismo, da crítica e da realização cinematográfica, que contribuíram muito para a

evolução do cinema brasileiro e a efetiva integração de seus estados nesse processo.

Esse cineclubismo laico tinha, por sua vez, uma forte influência comunista, então

corporificada basicamente no Partido Comunista, com algumas dissidências

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influenciadas pelo pensamento trotskista, e, por outro lado, fundamentalmente a

tradição cineclubista francesa, da cinefilia.

Os anos 50 são também os anos de organização dos cineclubes como um

movimento. Os cineclubes passam a se reunir e surgem as primeiras iniciativas de

organização. A partir de 59 passam a ser organizadas as Jornadas Nacionais de

Cineclubes, congressos anuais ou bianuais, e em 1961 foi criado Conselho Nacional de

Cineclubes.

4.2.3.3 A ditadura militar – resistência e cineclubismo popular

A partir de 1964, com a implantação do regime militar e a limitação da liberdade

de expressão, inicia-se um processo de controle de movimentos sociais, operários e

estudantis e, após a VII Jornada, realizada em Brasília em 1968, a poucos dias da

edição do Ato Institucional 5, os cineclubes também passam a ser perseguidos.

Calcula-se que existissem cerca de 300 cineclubes em 1968, agrupados em 6

federações regionais filiadas ao Conselho Nacional de Cineclubes. Em 1969 havia no

máximo uma dúzia de cineclubes em funcionamento e quase todas as suas entidades

representativas haviam sido desarticuladas. Apenas o Centro de Cineclubes de São

Paulo sobreviveu, quase inativo, em torno do idealismo de Carlos Vieira.

Mas a reorganização do cineclubismo não demorou e juntamente com a ABD,

entidade dos documentaristas e curtas-metragistas, foram os primeiros setores do

cinema brasileiro a se recompor.

A partir do Cineclube Glauber Rocha, do Rio de Janeiro, alguns cineclubes se

unem e reorganiza-se a Federação de Cineclubes do Rio de Janeiro, sob a direção de

Marco Aurélio Marcondes. A Federação Nordeste ressurge em 1973 e neste mesmo

ano, ocorre o Encontro de Marília para reestruturar o CNC. Em 1974 realiza-se a 8ª

Jornada Nacional de Cineclubes, em Curitiba. O documento final do Encontro, a Carta

de Curitiba, lança as bases programáticas que vão nortear o movimento cineclubista:

priorizar o filme nacional pela defesa do cinema brasileiro, compromisso com o público

e a democracia.

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As Jornadas voltam a ser anuais e o CNC se torna uma verdadeira

confederação, pois os cineclubes passam a votar e a tomar as decisões que norteiam a

entidade.

Na 10ª Jornada, em Juiz de Fora, é criada a Dinafilme – Distribuidora Nacional

de Filmes para Cineclubes, órgão do CNC, sob a direção do presidente da federação

paulista, Felipe Macedo. O acervo inicial é composto de clássicos em 16mm que

pertenciam ao acervo da Cinemateca, cedidos por Paulo Emílio Salles Gomes. Ao

longo dos próximos anos esse acervo vai ser enriquecido principalmente com

documentários brasileiros e produções não submetidas à Censura que documentam as

lutas dos setores populares. No ano seguinte, Marco Aurélio Marcondes cria na

Embrafilme o "setor 16mm", que vai abastecer durante anos o movimento cineclubista

com longas metragens brasileiros. A Dinafilme também começa a distribuir produções

de outros países da América Latina. O Brasil passa a fazer parte do Comitê Executivo

da FICC – Federação Internacional de Cineclubes no Encontro de Figueira da Foz

(Portugal). Na mesma Jornada é tratado o tema da preservação de filmes com

importante apoio na Comissão de Pesquisa e Documentação de Cosme Alves Neto e

redação final de documento de Maurício Azedo (Cineclube Macunaíma).

A 11ª Jornada acontece em Campina Grande, na Paraíba. Em São Paulo, sede

do CNC e da Dinafilme, ocorre uma invasão pela Polícia Federal, que apreende 77

filmes: clássicos, documentários britânicos, desenhos de Émile Cohl, etc… Mas a

censura à imprensa impede a divulgação do fato.

O ano de 1978 marca a retomada dos movimentos grevistas. A Dinafilme, além

do catálogo superior a 200 títulos, monta equipes móveis que exibem os filmes que

documentam as greves do ABC e ficavam prontos em tempo de serem apresentados

nas grandes assembléias sindicais com o apoio de alguns cineclubes sindicais.

A Jornada de 1978 é realizada em Caxias do Sul, RS. Com mais de 130

cineclubes presentes, mais de 400 participantes e alguns representantes estrangeiros

– entre eles, o secretário-geral da FICC, o suíço Jean-Pierre Brossard.

A Dinafilme é novamente invadida pela Polícia Federal em 1979, mas já sem

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censura à imprensa, a violência ganha destaque e uma mobilização solidária de todos

os segmentos da sociedade, em todo o País – articulada pelo CNC e pelas federações

– obriga o Ministro da Justiça, Petrônio Portela, a se retratar publicamente e ordenar a

devolução de todo o material apreendido. Neste mesmo ano, Felipe Macedo, é reeleito

– em Marly-le-Roi (França) – para a direção da FICC, ocupando o Secretariado Latino-

americano, na gestão de François Truffaut e a Jornada acontece em Santa Tereza, no

Espírito Santo.

Em 1980, O Homem que Virou Suco, melhor filme do Festival de Moscou desse

ano, é lançado simultaneamente no circuito comercial pela Embrafilme e nos

cineclubes de bairro pela Dinafilme, alcançando mais público nos cineclubes. A

Jornada é realizada em Brasília.

4.2.3.4 Os anos 80 – agonia do movimento

As mudanças no modelo de distribuição levam paulatinamente à concentração

do mercado, culminando com o fechamento de 70% dos cinemas e uma queda de

público equivalente. A crise econômica da dívida externa, a inflação crescente e a

introdução dos equipamentos de vídeo doméstico (Betamax, VHS) levaram, até o final

da década, à extinção de quase todos os cineclubes 16mm e todas as entidades

representativas.

Depois de aprovada na Jornada de Campo Grande, em 1981, toma corpo a idéia

de criar salas mais "profissionais" em 35mm, para ocupar os espaços deixados livres e

a enorme disponibilidade de equipamento dos cinemas fechados. Nessa linha, surge

em São Paulo, o Cineclube Bixiga, considerado a origem dos atuais circuitos

comerciais de arte.

Na Jornada de Piracicaba, em 1982, começa a surgir uma nova divisão no

movimento que se acentua na Jornada seguinte (1983), em Petrópolis, onde se esboça

uma genérica diferenciação entre cineclubes “populares” e cineclubes “burgueses”.

1984 é a linha divisória que marca o fim de um período: o movimento cineclubista se

divide profundamente. O setor que o dirigira até então e que tenta relançar o

movimento em torno da atividade em 35mm, é derrotado por apenas um voto nas

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eleições da Jornada de Curitiba. A nova gestão é justamente marcada pelo combate

aos cineclubes 35 mm, chamados de "burgueses".

A 22ª Jornada em Campinas comemora os 60 anos do cineclubismo, em 1988, e

tenta levantar o moral do movimento. Mas já é tarde: em 1989 realiza-se uma última

Jornada em Vitória, ES, e é eleita uma diretoria que mal chega a assumir e já não

consegue reunir forças para manter os cineclubes atuando como um movimento.

Isolados, os cineclubes 16 mm vão se extinguindo, e os que atuam com projeção

em 35 mm, com uma estrutura mais organizada, acabarão sufocados pela força do

mercado: ou tornam-se empresas ou são devorados.

Em 1990 surge o Elétrico Cineclube, em São Paulo, com duas salas de cinema e

a primeira sala de vídeo da cidade. O Elétrico e o Estação – fundado em 1985 –

inauguram o lançamento de filmes com empresas comerciais, com sucesso. O extinto

Banco Nacional patrocina inúmeras salas pelo País afora (o Estação Botafogo; o

Savassi, em BH; o Vitória, em Campinas, entre outras). Em Vitória, ES, surge o CC

Metrópolis, na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.

4.2.3.5 O movimento cineclubista brasileiro hoje – a retomada

Depois de 14 anos é organizada, por iniciativa de um cineclubista, então atuando

no Ministério da Cultura, Leopoldo Nunes, uma Jornada de Reorganização do

Movimento Cineclubista, em Brasília, em 2003. O encontro revela a existência de

vários cineclubes atuando isoladamente, em parte através do formato digital. Constitui-

se uma Comissão de Reorganização do Movimento Cineclubista com representantes

das várias regiões do País e começa-se a preparar a 24ª Jornada, para o ano seguinte.

No meio do ano os cineclubes se reúnem em uma Pré-Jornada (em Rio Claro, SP), que

foi um grande sucesso, com mais de 100 participantes.

A 25ª Jornada é realizada em São Paulo, no final de 2004. O grupo ligado ao

Centro Cineclubista de São Paulo comparece com mais de 40 cineclubes que

reclamam o direito de voto – número que equivalia a todos os outros cineclubes, de

todo o País. A assembléia nega o direito de voto para a maioria desses cineclubes

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alegando falta de documentação dos mesmos e é formada uma ampla chapa nacional

para as eleições. A Jornada consegue discutir e aprovar estatutos e deliberar pela

reorganização do Conselho Nacional de Cineclubes. Um programa bastante completo

é preparado pela chapa única, encabeçada pelo capixaba Antônio Claudino de Jesus,

que é eleita por unanimidade.

Os anos de 2005 e 2006 são muito difíceis. O apoio do governo federal não é

suficiente e o movimento, ainda em fase inicial de reorganização, não encontra

alternativas de sustentação. Acontece apenas uma Pré-Jornada, em Ribeirão Preto,

SP. A 26ª Jornada só vai ocorrer em julho de 2006, em Santa Maria, RS, e volta a ser

bianual, por causa das dificuldades.

O Conselho Nacional de Cineclubes afirma sua representatividade, inclusive

internacionalmente, com a eleição de Claudino de Jesus para a vice-presidência da

FICC, o que se soma à realização de três Encontros Ibero-Americanos de Cineclubes,

no Brasil, nesse período: 2004 em Rio Claro (SP), 2006 e 2007 em Santa Maria (RS).

Em 2007 é realizada uma Pré-Jornada, em Vitória, ES, que reúne mais de 60

cineclubes da maioria dos estados brasileiros. No final do ano, a Agência Nacional de

Cinema promulga a Instrução Normativa 63, que reconhece e regulamenta a existência

dos cineclubes. Nos estados e regiões organizam-se as federações: a Ascine; do Rio

de Janeiro; a Federação de São Paulo; a Associação de Cineclubes de Vila Velha (ES),

o Conselho de Cineclubes no Ceará; a Federação em Pernambuco.

A afirmação do movimento e de suas entidades reativa também o diálogo com o

governo federal. As principais reivindicações do cineclubismo vão se tornando

programas de ação cultural do MINC: edital de distribuição de equipamentos de

projeção, em 2006; criação da Programadora Brasil e início de construção do seu

catálogo de filmes, em 2007.

O movimento hoje está organizado e possui uma impressionante capilaridade,

com mais de 300 cineclubes atuando em todos os estados brasileiros.

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Para saber mais:

• www.cineclubes.org.br

Comentário: o sítio contém todos os documentos pertinentes ao cineclubismo,

principalmente os mais recentes, após o início da rearticulação do movimento, em 2003.

• www.cineclube.utopia.com.br

Comentário: o sítio aborda diversos aspectos relacionados ao movimento cineclubista,

contendo informações sobre história e cronologia do movimento, artigos, documentos e

links relacionados ao cineclubismo.

• CLAIR, Rose. Cineclubismo: memórias dos anos de chumbo. Rio de Janeiro:

Editora Multifoco, 2008.

Comentário: Texto defendido como tese de doutorado em Educação, faz um rico

apanhado do movimento cineclubista na época da ditadura militar, apresentando uma

série de depoimentos que rememoram a história dos cineclubes cariocas relacionando

com as motivações pessoais dos envolvidos.

• GATTI, André. “Cineclube”. In: RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe

(orgs.) Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 2000.

Comentário: apresenta um breve histórico do movimento cineclubista no Brasil.

• ____________. "Cineclubismo, Cinematecas, Entidades Culturais

Cinematográficas: os casos de São Paulo e Rio de Janeiro (1928-2008)". In:

Plano B, n. 03, São Paulo: TZ Editora, outono 2009.

• LISBOA, Fátima Sebastiana Gomes. “O cineclubismo na América Latina:

idéias sobre o projeto civilizador do movimento francês no Brasil e na

Argentina (1940-1970)”. In: CAPELATO, Maria Helena; MORETTIN, Eduardo;

NAPOLITANO, Marcos e SALIBA, Elias Thomé. História e Cinema –

Dimensões históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda, 2007.

Comentário: O texto apresenta reflexões sobre a importância do movimento cineclubista

para a construção do cinema na América Latina. Analisa as bases ideológicas e os

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projetos sociais que deram origem ao cineclubismo europeu, em especial na França.

Utiliza como estudo de casos o Brasil e a Argentima relacionando-os com as influências

do projeto civilizador francês.

• MALUSÁ, Vivian. “O Cineclube do Centro Dom Vital: Católicos e cinema na

capital paulista”. In: MCHADO JR., Rubens; SOARES, Rosana de; ARAÚJO,

Luciana Corrêa de. (orgs.) Estudos de Cinema Socine, VIII. São Paulo:

Annablume; Socine, 2007.

Comentário: O artigo destaca as atividades do Cineclube do Centro Dom Vital, de

orientação católica, criado em São Paulo, na movimentação cinematográfica das

décadas de 1950 e 1960. Analisa as suas particularidades, verificando a concordância

de seu perfil com o que pregava a concepção católica de cinema, e analisando os

reflexos de suas atividades.

• PIMENTEL NETO. João Baptista. “Cineclubes: uma rede em defesa dos

Direitos do Público”. In: MORAES, Geraldo (org.) O Cinema de Amanhã.

Brasília: Congresso Brasileiro de Cinema; Coalização Brasileira pela

Diversidade Cultural, 2008.

Comentário: O artigo faz uma análise dos aspectos importantes da atividade

cineclubista, destacando o estabelecimento de parcerias e a contrução de redes

solidárias, muitas delas construidas através das nova tecnologias. Destaca também a

importância da Carta dos Direitos do Público para o movimento brasileiro.

• RIBEIRO, José Américo. O Cinema em Belo Horizonte: do cineclubismo à

produção cinematográfica na década de 60. Belo Horizonte, Editora UFMG,

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