FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES DA...
Transcript of FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES DA...
4350
FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO
INFANTIL: CONTEXTOS E DESAFIOS
Elieuza Aparecida de LIMAAriadni da Silva de OLIVEIRA
Marilete Terezinha DE MARCODepartamento de Didática e Programa de Pós-Graduação em Educação,
Unesp, Campus de Marília – SP.Eixo Temático 04: Formação de professor da Educação Infantil
1 Introdução
Esta exposição traz discussões sobre aspectos da formação docente e os
impactos dessa formação para a prática educativa em turmas de crianças da Educação
Infantil. Trata-se de reflexões oriundas de pesquisa de mestrado concluída, denominada
“Percepções de professores de escolas públicas de Educação Infantil acerca de sua
formação e prática educativa: o caso de Medianeira/Paraná” (MARCO, 2014), junto ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp Campus de Marília, São Paulo.
Esse estudo teve como objetivo principal verificar na prática pedagógica das professoras
investigadas, se a prática efetivamente realizada se articula aos subsídios apropriados
em seus cursos de formação inicial e continuada; o enfoque teórico da investigação
baseou-se nos estudos da Teoria Histórico-Cultural, que tem em Vigotsky (1996) como
um dos seus principais representantes.
A revisão da literatura da área e as leituras realizadas na pesquisa demonstraram
a distância entre os objetivos da educação voltados às crianças pequenas e o que é
efetivamente realizado em turmas de Educação Infantil, sem, de fato, garantir condições
efetivas de um desenvolvimento integral da criança, a partir da apropriação de
conhecimentos culturais essenciais para sua formação pessoal e intelectual.
No contexto legal, recorremos às propostas elencadas pela Lei de Diretrizes e
Bases (BRASIL 1996), que estabelece critérios visando à formação docente pautada em
práticas educativas que privilegiem o pleno desenvolvimento da criança pequena. Essa
legislação destaca a capacitação do professor tanto em sua formação inicial e
continuada, valorizando a constante apropriação de conhecimentos fundamentais para
promoção de mudanças necessárias à sua atuação intencional no âmbito da docência na
Educação Infantil.
As reflexões apresentadas no decorrer deste texto retratam percepções das
professoras investigadas quanto à sua formação inicial e continuada, bem como os
4351
impactos das aprendizagens decorrentes de sua formação para o êxito do seu trabalho
junto às crianças pequenas. No conjunto das discussões, destacamos as contribuições
de Vigotskii, Luria e Leontiev (1988), Leontiev (2004) e autores contemporâneos como
Libâneo (2004), Campos (2008) e Saviani (2009).
2 Educação Infantil e formação docente: aspectos legais e pedagógicos
Como direito da criança e responsabilidade do Estado, a Educação Infantil é uma
conquista recente no contexto educacional no/do Brasil. Após um período de ditadura
militar e de diversas manifestações civis em prol da democracia no país, a Constituição
Federal de 1988, elaborada com a participação e contribuição dos movimentos
socialmente organizados, iniciou o processo que consolidou o direito à educação aos
cidadãos brasileiros, de forma ampla e irrestrita, conforme estabelece a redação do texto
da Lei:
Art. 205º. – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visandoao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício dacidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).
Com base nesta Lei, os anos de 1996 marcam as conquistas da Educação Infantil
especialmente a instituição desse nível da educação como a primeira etapa da Educação
Básica (BRASIL, 1996). Com esse novo status, os olhares de estudiosos e formuladores
de lei se voltaram, com mais atenção, à importância dessa etapa da educação e também
ao valor da formação do professor para atuar no âmbito da Educação Infantil. Assim
estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB):
Art. 62º. – [...] a formação de docentes para atuar na educação básicafar-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena,em universidades e institutos superiores de educação, admitida comoformação mínima para o exercício do magistério na Educação Infantil enas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nívelmédio na modalidade normal. (BRASIL, 1996).
Em sintonia com esses objetivos, reafirmamos a necessidade de formar, em nível
de graduação e no próprio exercício da profissão, professores que, consciente e
intencionalmente, capazes de criar situações educativas por meio das quais as crianças
possam ampliar seu conhecimento de mundo a partir do acesso à riqueza cultural e de
aprendizagens de diferentes linguagens e contextos, de maneira a garantir os direitos
infantis, dentre os quais, aqueles referentes à saúde, proteção, liberdade, confiança,
respeito, dignidade, brincadeira e à convivência e interação com outras crianças. Com
essa atuação projetada para a plenitude da formação e desenvolvimento da
personalidade e da inteligência infantis, o professor assume-se como mediador e
trabalhador intelectual.
4352
No âmbito da formação docente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (BRASIL, 2009) sinalizam aspectos para pensarmos acerca da
formação docente para a educação da criança pequena, enfatizando elementos vitais
para a formação humana e a vida em sociedade, tais como o cuidado com a saúde,
criatividade e autonomia.
Em consonância com esse amparo legal, autores como Vigotskii, Luria e Leontiev
(1988) defendem que a mediação de um adulto é indispensável para a realização da
aprendizagem da criança. Esses estudiosos apontam que, ao contemplar os aspectos
afetivos, sociais, cognitivos, culturais, a partir da apropriação de bens constituídos
historicamente, o ensino pode acontecer em contexto que privilegia e estimula o processo
de humanização. Os autores explicam que é por meio da atividade infantil que a criança
aprende, considerando condições sociais e culturais do ambiente no qual a criança está
inserida. Essa defesa envolve reflexões sobre a atuação consciente e cientificamente
embasada do professor, o que requer conhecimentos acerca de como a criança aprende
e melhor se relaciona com o mundo em cada idade, além daqueles relativos às situações
sociais que influenciam o desenvolvimento infantil para melhor compreendê-la e educá-la.
Em seus estudos, Leontiev (1978) aponta a importância de o professor se
apropriar de conhecimentos específicos sobre o desenvolvimento da atividade da criança
e como esta atividade é construída nas condições concretas de vida. Nesse aspecto, o
autor chama atenção para o papel do professor:
Só com esse modo de estudo, baseado na análise do conteúdo daprópria atividade infantil em desenvolvimento, é que podemoscompreender de forma adequada o papel condutor da educação e dacriação, operando precisamente em sua atividade e em sua atitudediante da realidade, e determinando, portanto, sua psique e suaconsciência. (LEONTIEV, 1978, p. 63).
Essas assertivas do autor podem se tornar fundamentos científicos e filosóficos
norteadores de práticas pedagógicas potencialmente humanizadoras, por meio das quais
o professor expresse bases teóricas essenciais orientadoras de sua atividade de ensino e
crie condições de a criança ser sujeito de sua atividade de aprendizagem, dentre elas a
brincadeira.
2.1 Metodologia
Nesta oportunidade, discutimos aspectos dos percursos e resultados de pesquisa
de Mestrado concluída (MARCO, 2014), como já assinalamos. Para atingir seu objetivo
principal, isto é, verificar na prática pedagógica das professoras investigadas, se a prática
efetivamente realizada se articula aos subsídios apropriados em seus cursos de
formação inicial e continuada, a investigação envolveu 8 (oito) professoras de 4 (quatro)
4353
escolas distribuídas em localizações distintas, da rede pública de Educação Infantil, do
município de Medianeira. Este município está situado na zona oeste do Paraná e tem sua
economia é baseada na produção agropecuária, agrícola, fábricas e indústrias. Tem,
aproximadamente, 42 mil habitantes, sendo a maioria residente na zona urbana.
No desenvolvimento da pesquisa, foram realizadas ações bibliográficas e de
campo, visando à produção de dados necessários para responder os problemas
investigados. A revisão bibliográfica efetuada em acervos digitais de informações, livros,
revistas, teses e outros materiais impressos, proporcionou um aprofundamento sobre a
formação docente, uma apropriação de fundamental importância para embasar a
pesquisa de campo e oferecer subsídios para a discussão dos dados produzidos.
As ações de campo envolveram uma entrevista semiestruturada com as
professoras investigadas e observações de suas práticas pedagógicas.
A entrevista compreendeu 24 (vinte e quatro) questões abertas sobre
informações pessoais, formação acadêmica, tempo de trabalho, motivação para trabalhar
na Educação Infantil e outras. Após a realização da entrevista, fizemos a transcrição
literal dos dados produzidos. Alguns dados serão apresentados e discutidos no decorrer
desse trabalho.
As observações de prática pedagógica totalizaram 64 (sessenta e quatro) horas,
sendo 8 (oito) horas em cada uma das 8 (oito) turmas de crianças de Educação Infantil.
Além da sala de referência da turma, as observações aconteceram em espaços externos
do ambiente escolar, como, parquinhos, gramados, quadra de esportes, laboratórios,
passeios de rua, dentre outros.
De acordo com Chaves (2008), a sala de referência da turma é o lugar da escola
no qual a criança permanece durante a maior parte do tempo. Para a autora, o professor
de criança pequena precisa pensar como o ambiente da sala está organizado e como a
rotina se consolida no dia a dia da instituição.
[...] Façamos este exercício com algumas indagações: O queobservamos? Há números, letras, palavras, textos colados nas paredesdas salas? Há recursos didáticos, como cartazes e painéis? Quem osconfecciona? Em que altura está afixado esse material? Qual o motivopara isso? Vêem-se produtos da Disney ou de outra marca comercial?Qual a periodicidade de retirada desses equipamentos didáticos? Qual osignificado deles para as crianças e qual a sua relação com o conteúdoestudado? Como as crianças participam da organização da sala de aulae de outros espaços da escola? (CHAVES, 2008, p. 81).
Nesses ambientes, a professora encontra um lugar privilegiado para suas ações e
atitudes, assumindo um papel fundamental no processo de mediação, entre as relações
que acontecem nesse espaço. Amparadas pelos ensinamentos da Teoria Histórico-
Cultural, esse papel compreende a organização das atividades, dos espaços e do tempo
4354
para que as atividades resultem em uma prática educativa capaz de contribuir para o
processo de humanização.
Com essas premissas, apresentamos e discutimos alguns dados produzidos
durante os percursos da investigação.
3 Resultados e discussões: enlaces da teoria e da prática educativa
Nos limites desta breve exposição, como forma de contextualização dos sujeitos
da pesquisa, trazemos aspectos sobre a formação inicial das professoras investigadas.
As respostas obtidas revelam que todas as professoras têm formação em nível superior.
Das 8 (oito) professoras participantes da pesquisa, 5 (cinco) são formadas no Curso
Superior de Pedagogia, na modalidade presencial ou à distância. As outras 3 (três) têm
graduação em Geografia, Letras e Turismo.
As professoras formadas em áreas diversas informaram que, até o momento da
entrevista, não houve exigência em fazer o Curso de Pedagogia para trabalhar com
crianças na Educação Infantil.
As leituras realizadas permitem enfatizar a formação docente como imprescindível
para aprimorar a profissionalidade do professor e, consequentemente, melhorar sua
prática. No que concerne às narrativas das entrevistadas, todas são formadas em nível
superior, embora três delas tenham concluído outros cursos de graduação. Esse contexto
investigativo parece propício para discutirmos a emergência de estudos afetos aos
conhecimentos pedagógicos, fortalecidos em formação continuada de professores.
Nessa perspectiva, Lima, Valiengo, Ribeiro e Silva (2012, p. 100) acrescentam
que
A formação inicial de professore(a)s implica olhares atentos,especificamente no que se refere aos fundamentos sólidos paraorientação e significação de uma prática transformadora epotencializadora, a fim de que se constituam articulações, reflexões eunicidade entre a teoria e a prática nos cursos de formação deprofissionalidade docente, a partir da inserção ativa dos estudantes emseus estudos, leituras, ações, vivências, observações, escutas eatribuições de sentido às suas aprendizagens.
Quanto à continuidade dos estudos em nível de pós-graduação, todas as
professoras fizeram curso de especialização na área da Educação Infantil, a maioria na
modalidade de Ensino a Distância (EaD).
À questão: “Quais as disciplinas que você considera mais importantes em seu
curso de graduação?”, obtivemos as seguintes respostas das professoras graduadas em
Pedagogia: “P1: Artes”, “P2: Psicologia na Educação Infantil”, “P3: Psicologia na
Educação”, “P4: Fundamentos da Educação Infantil para as séries iniciais”, “P5:
Educação Infantil”.
4355
Percebemos a importância atribuída às disciplinas que estudam o
comportamento e o desenvolvimento humano. De acordo com Libâneo (2004), a
formação docente pode ser entendida como um processo de aprendizagem da profissão
de ser professor. Durante esse tempo, devem ser adquiridos conhecimentos teóricos e
ferramentas cognitivas promotoras do desenvolvimento do pensar. O autor destaca os
pressupostos da Teoria Histórico-Cultural quanto à abordagem sobre “[...] a natureza e a
estrutura da atividade humana, a relação entre atividade de ensino, atividade de
aprendizagem e desenvolvimento humano.” (LIBÂNEO, 2004, p. 7).
Quando questionadas: “O que você poderia ter aprendido em sua formação que
você considera importante? O que faltou em sua formação?”, 3 (três) professoras
formadas em Pedagogia responderam que faltou prática e estágio em turmas de
Educação Infantil.
Sobre essa questão, Mello (2000) defende que situações práticas merecem
lugar de destaque no curso de formação docente, desde o primeiro dia de aula, pois, por
meio de orientação em escolas, é possível simular situações, estudos de casos,
depoimentos e experiências, objetivando a qualificação do professor em sua prática
educativa. Conforme a autora,
[...] a culminância de um processo de prática que ocorre peloexercício profissional pleno, supervisionado ou monitoradocontinuamente por um tutor ou professor experiente que permita umretorno imediato ao futuro professor dos acertos e falhas de suaatuação. (MELLO, 2000, p. 104).
Saviani (2009, p.150) explicita que a formação profissional dos professores
requer objetivos e competências específicas, bem como uma estrutura organizacional
adequada para o cumprimento da profissão de ser professor.
Na sequência, destacamos excertos das percepções docentes quanto à sua
formação continuada. Questionamos: “Em sua escola e/ou município, há momentos em
que os professores se encontram para estudar? Sobre qual temática vocês debatem?”.
Transcrevemos, abaixo, algumas respostas.
P1: Tem os cursos que a Asemed (Associação dos ServidoresMunicipais de Medianeira) propõe para a gente e tem também as horasatividades, tem as horas de estudos [...]. É conforme o momento....(Professora 1: 29 anos de idade, 4 anos na função, Formada emPedagogia).
P3: Na verdade a gente pontua, assim,..((pensa)) É sobre a dificuldadedo momento, sobre o que a gente está tendo dificuldade [...]. (Professora 3: 42 anos de idade, 12 anos na função, formada emPedagogia).
P4: A gente estuda sobre as dificuldades na sala de aula,principalmente. Por exemplo, agora a gente está estudando asdificuldades com crianças especiais.
4356
(Professora 4: 39 anos de idade, 3 anos na função, formada emPedagogia).
P5: [...] a gente recebe mais sobre a questão da Educação Infantil,psicomotricidade, alfabetização... Daí tem a parte lúdica. [...] No primeiroque a gente teve agora semana passada foi sobre as Leis de Diretrizes eBases da Educação Infantil.(Professora 5: 36 anos de idade, 8 anos na função, formada emHistória).
P8: Da escola a gente sempre tem quando a gente tem Conselho deClasse.... [...] E a gente sempre tem a hora de estudo. E:::...((pensa)), sesurge alguma coisa, algum documento, alguma coisa que tem quedecidir, mandar pra secretaria, uma exigência, a gente se reúne fora dehora pra debater sobre o assunto pra daí ver o que podemos fazer.(Professora 8: 47 anos de idade, 12 anos na função, formada em Letras)
A partir das respostas docentes, inferimos que a formação continuada realizada
nas escolas e no município de Medianeira-PR parece não se configurar como um
processo educativo que fomenta o crescimento e a atualização profissional. As narrativas
enfatizam que os encontros de professoras objetivam resolver problemas de
aprendizagem e dificuldades apresentadas pelas crianças. Ambos os aspectos são
importantes e merecem atenção do professor, porém, entendemos que, mesmo nesses
momentos, pode haver apropriação de conhecimentos, socialização de vivências com as
crianças e reflexões sobre a prática pedagógica.
O panorama descrito no parágrafo anterior encontra suporte na concepção de
Martins (2009, p. 148). A estudiosa explica sobre a necessidade de entender a educação
do professor como um processo que “[...] devolve ao homem a sua própria personalidade,
isto é, a sua qualidade de agente da História.” Como trabalhador intelectual, e em sua
relação com os outros, o professor pode modificar as condições externas de forma
intencional, ao mesmo tempo em que modifica a si mesmo.
Ainda sobre a questão apresentada acima, percebemos nas narrativas das
respondentes que, para algumas delas, a formação continuada não se apresenta de
forma clara, com objetivos traçados, sequência de conteúdos e periodicidade. Vejamos.
P3: Na verdade a gente pontua, assim,...((pensa))a dificuldade domomento [...]vêm cursos assim, como eu disse, que trazem umproblema do momento, então sobre o que a gente está tendo dificuldade[...].(Professora 3: 42 anos de idade, 12 anos na função, formada emPedagogia). P6: Ano passado a gente tinha a cada 15 dias, ganhava uma apostila,estudava em casa e vinha aqui debater, apresentar as atividades. Emcima do planejamento, dos conteúdos ((pensa)) É isso.(Professora 6: 44 anos de idade, 17 anos na função, formada emPedagogia).
P7: [...]e tem assim na escola, uma vez por bimestre, a gente fazConselho de Classe, a gente estuda também nesse dia. E a gente estásempre recebendo textos para fazer leitura em casa:::...
4357
(Professora 7: 39 anos de idade, 17 anos na função, formada emLetras).
Pelas transcrições, deduzimos que os encontros de formação oferecidos pelas
escolas e município priorizam estudos focados em possíveis soluções para resolver
problemas emergenciais e de rotina. Conforme posto anteriormente, são importantes.
Entendemos, porém, que concomitante a estes, os encontros oferecidos precisam
priorizar o desenvolvimento e aperfeiçoamento do próprio professor, para que sua
atuação resulte em uma prática pedagógica humanizadora.
Sob o enfoque da Teoria Histórico-Cultural, Chaves (2011) assinala que a
formação docente deve integrar o conhecimento e o referencial teórico que norteia o
trabalho de capacitação docente, considerando ainda as experiências vividas e o
potencial do educador. Na compreensão da estudiosa, um processo educativo que mire a
plenitude da humanidade em cada pessoa desde a infância requer um professor
solidamente formado, prática e teoricamente, dirigindo conscientemente seu trabalho
para instrumentalizar os participantes do processo educativo: quem ensina e quem
aprende, promovendo ações e condutas que estimulem novos modos de pensar e de se
relacionar com o mundo. Com essa perspectiva, as intervenções pedagógicas podem ser
potencialmente humanizadoras, retratadas em ações didático-pedagógicas
intencionalmente organizadas nas escolas de Educação Infantil, capazes de assegurar a
“[...] grandeza do que podem vir a ser o trabalho do professor e as realizações das
crianças pequenas.” (CHAVES, 2011, p. 97).
Para ampliar esta reflexão, recuperamos narrativas docentes acerca da questão:
“Os momentos de formação continuada são importantes e necessários para você?”:
P1: [...] porque você ouve opinião de todos, então às vezes o que eu seio outro passa de um jeito, então assim é mais fácil de aprender do quevocê ler um texto só você. [...] Com as outras opiniões você chega auma conclusão mais fácil.(Professora 1: 29 anos de idade, 4 anos na função, formada emPedagogia).
P2: Sim. Porque você tem uma troca de conhecimento, daí sempre vocêacaba aprendendo:::... Troca de experiência e troca de ideias renovam.(Professora 2: 47 anos de idade, 7 anos na função, formada emPedagogia).
P3: Porque a gente, como eu disse, precisa estar se reciclando. Então,se eu não fizer esses cursos, eu vou ficar sempre fazendo aquelasmesmas coisas, que podem ou não surtir um efeito desejado. Então,assim, se eu conhecer um novo, eu posso passar o novo para ascrianças.(Professora 3: 42 anos de idade, 12 anos na função, formada emPedagogia).
P6: Porque às vezes eu tenho uma dúvida e a outra colega sabe meresponder a minha dúvida. Então é:::...assim pra se tirar muitas dúvidas.São bons esses estudos. E cada vez aprende mais.
4358
(Professora 6: 44 anos de idade, 17 anos na função, formada emPedagogia).
P7: Sim. Muita coisa pra aprender. E muitas coisas mudam.(Professora 7: 39 anos de idade, 17 anos na função, formada emLetras).
As respostas docentes revelam como a interação com colegas de trabalho pode
alavancar possibilidades de novas aprendizagens, mudança de atitudes e de ações
docentes. A socialização de conhecimentos e de experiências também ganha destaque.
Apreendemos, pela Teoria Histórico-Cultural, que o homem se desenvolve e se humaniza
pelas relações sociais e culturais no ambiente em que se encontra. Pelas apropriações
de conhecimentos construídos e transmitidos historicamente, de ser biológico, o homem
se constitui em ser social e histórico. Segundo Vigotskii (1988, p. 22), “[...] a sociedade e
a história social moldam a estrutura daquelas formas de atividades que distinguem os
homens dos animais.”
Em sintonia com essas assertivas, de acordo com as postulações de Vigotskii
(1988), no ambiente escolar, as interações sociais, próprias deste contexto, podem
proporcionar os meios necessários para a apropriação de novos conhecimentos pelas
crianças. No contexto da escola, ao estimular o diálogo, a socialização de
conhecimentos, a divisão de tarefas, a ajuda mútua e a cooperação entre as crianças e
delas com outros sujeitos desse espaço, o professor atua como mediador de novas
aprendizagens que são fundamentais para o desenvolvimento intelectual e da
personalidade infantil (MARCO, 2014, p. 88).
Pelo exposto neste texto, é possível depreender que, apesar das carências em
relação à maneira como é configurada e efetivada, a formação continuada é uma
oportunidade de socialização e de apropriação de conhecimentos essenciais à
profissionalidade docente. As narrativas das participantes da pesquisa enfatizam que,
nesses momentos, elas aprendem e ensinam. Em um processo de socialização de
conhecimentos e vivências, encontram suporte não apenas à sua prática pedagógica,
mas também ao crescimento emocional e teórico/científico para a realização exitosa do
seu trabalho.
Pelas respostas docentes, entendemos que, nesses encontros, os professores
têm a possibilidade de se fortalecerem na teoria e na prática e se desenvolverem do
ponto de vista intelectual e emocional, a partir da apropriação de novos conhecimentos.
Além dos conhecimentos teóricos, os conhecimentos da vida também devem ser
valorizados e, juntamente com outros sistematizados e cientificizados, podem viabilizar a
plenitude da atuação pedagógica bem pensada e, consequentemente, para o êxito da
aprendizagem e do desenvolvimento infantil.
4359
4 Conclusões
Os recortes legais e teóricos apontados neste trabalho revelam a urgência por
uma formação docente capaz de promover a capacitação específica para trabalhar com a
criança pequena. Sabemos que pertence ao professor a tarefa de realizar uma prática
educativa voltada ao pleno desenvolvimento infantil, privilegiando o ensino dirigido aos
direitos das crianças, valorizando suas experiências de vida, sua história, cultura e
relações sociais. Entender e respeitar as diferenças e histórias de cada criança,
determinantes para os processos de ensino e de apropriações de novos conhecimentos,
é, pois, outra importante capacidade docente.
No decorrer da pesquisa realizada com as professoras de Educação Infantil da
rede pública da pequena cidade de Medianeira, Paraná, aprendemos e apreendemos
novos conhecimentos. Pela análise dos dados produzidos e ora discutidos, vivenciamos
uma realidade que muito difere daquela estabelecida em documentos legais, que tratam
dos objetivos e fundamentos da Educação Infantil.
Do ponto de vista das narrativas e práticas docentes, a discussão dos dados
resulta em verificação de fragilidade nos processos de formação inicial e continuada de
professores, com impactos decisivos em suas práticas pedagógicas.
As vozes docentes verbalizam profissionais conscientes das lacunas deixadas
em sua formação inicial, que culminam na falta de conhecimentos específicos para
trabalhar com as crianças pequenas. As carências se materializam na dificuldade para
enfrentar situações adversas do cotidiano do universo escolar.
Quanto à formação continuada, o quadro é bastante similar à formação inicial.
No município investigado, a formação voltada para a educação humanizadora caminha a
passos lentos, com investimentos mínimos, sem planejamento e sem continuidade. Esse
caminhar não promove atualização, aperfeiçoamento e crescimento profissional. As
fragilidades reveladas nos cursos de graduação frequentados pelas professoras parecem
fortalecidas nos processos de formação em serviço.
De acordo com Kramer (2006), pensar em formação para professores que atuam
na Educação Infantil demanda um projeto de profissionalização calcado nas
especificidades de cada faixa etária, cujo objetivo é a qualidade da educação. Para a
autora, este é um grande desafio às políticas educacionais, pois, trabalhar com crianças
pequenas ainda é uma tarefa nova e recente na história da educação brasileira. Essa
realidade se agrava pelos processos de formação de caráter esporádico e emergencial,
que não conseguem promover mudanças substanciais nos aspectos educativos e
4360
profissionais, essenciais à educação mais humanizada que objetiva o desenvolvimento
pleno da criança pequena, sua inserção na sociedade e a sua autonomia, como sujeito
de vontades e de direitos.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
______. Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9.394, de 20 dedezembro de 1996. Diário Oficial da União, v. 84, n. 248, 23 dez. 1996.
_______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Ministério daEducação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CEB n. 05, 17 dez. 2009.
CAMPOS, M. M. Educar crianças pequenas: em busca de um novo perfil deprofessor. Retratos da Escola, v. 2, n. 2/3, p. 121-131, jan./dez. 2008.
CHAVES, M. Psicologia Histórico-Cultural: contribuições para o êxito da escola atual. In:FAUSTINO, C. R.; CHAVES, M.; BARROCO, S. M. S. (Orgs.) Intervençõespedagógicas na educação escolar indígena: contribuições da Teoria Histórico-CulturalMaringá: Eduem, 2008. p.75-89.
CHAVES, M. Enlaces da teoria histórico-cultural com a literatura infantil. In: CHAVES,Marta (Org.) Práticas pedagógicas e literatura infantil. Maringá: Eduem, 2011. p. 97-105.
CHAVES, M.; LIMA, E. A.; GIROTTO, C. G. G. S. Intervenções Pedagógicas erealizações humanizadoras com professores e crianças. In: CHAVES, M.(Org.).Intervenções pedagógicas e educação infantil. Maringá: Eduem, 2012. p.37-49.
KRAMER, S. As crianças de 0 a 6 anos nas políticas educacionais no Brasil: educaçãoinfantil e/é fundamental. Educação e Sociedade, v. 27, n. 96, p. 797-818, 2006.
LEONTIEV, A. N. O Desenvolvimento do Psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitário,1978.
LEONTIEV, A. N. Os princípios da Brincadeira Pré-escolar. In: In: VIGOTSKII, L. S.,LURIA, A. R., LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. SãoPaulo: Ícone: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p. 119-142.
LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Centauro, 2004.
LIBÂNEO, J. C. A aprendizagem escolar e a formação de professores na perspectiva dapsicologia histórico-cultural e da teoria da atividade. Educar em Revista, Editora UTFPR,n. 24, p. 113-147, 2004.
LIMA, E. A.: VALIENGO, A.; RIBEIRO, A. E. M.; SILVA, A. L. R. Práticas Educativas naeducação infantil: a busca da profissionalidade. In: CHAVES, M. (Org.) Intervençõespedagógicas e educação infantil. Maringá: Eduem, 2012. p. 93-106.
MARCO, M. T. de. Percepções de professores da Educação Infantil sobre suaformação inicial e continuada e suas práticas docentes: o caso de Medianeira/PR.
4361
Mestrado em Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade deFilosofia e Ciências, Unesp, Marília, SP. 2014.
MARTINS, L. M. A personalidade do professor e a atividade educativa. In: FACCI, M. G.D.; TULESKI, S. C. e BARROCO, S. M. S. (Orgs.). Escola de Vigotski: contribuiçõespara a Psicologia e a Educação. Maringá: Eduem, 2009. p. 135-150.
MELLO, G. N. Formação inicial de professores para a educação básica: uma (re)visãoradical. São Paulo Perspectiva [online]. 2000, vol.14, n.1, pp. 98-110. ISSN 0102-8839.http://www.scielo.br/pdf/spp/v14n1/9807.pdf
SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista brasileira de Educação, v. 14, n. 40, p. 143-155, 2009.
VIGOTSKII, L. S., LURIA, A. R., LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento eaprendizagem. São Paulo: Ícone: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.