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FORMAÇÃO CRÍTICA DE EDUCADORES PELA VIA DO CONHECIMENTO NARRATIVO DAS HISTÓRIAS DE VIDA DOS EDUCANDOS RAIMUNDO NONATO MOURA OLIVEIRA 1 Universidade Estadual do Maranhão [email protected] RESUMO: O presente trabalho analisa a formação de educadores de jovens e adultos pela via do conhecimento narrativo das histórias de vida dos educandos. Reúne discussões de estudo bibliográfico realizadas em pesquisa de doutorado concluída na PUC/SP. Analisa três processos dinâmicos que contribuem para a realização da formação: as histórias de vida como referência legítima de conhecimentos; o conhecimento narrativo da experiência feita como objeto de reflexão da prática de ensinar; e, a reconstrução da prática para atuar na transformação dessas experiências sociais dos educandos no sentido da construção de sua autonomia, numa política cultural dominante, articulada pela função de inserir os educandos nas relações sociais e de produção pela construção de “consumidores”, de saberes elitizados disseminando comportamentos, hábitos e valores que reforçam a reprodução da sociedade capitalista em seus princípios de individualismo e meritocracia. A discussão propõe que o conhecimento narrativo das histórias de vida dos educandos na formação de educadores provoca mudanças na prática de ensinar, razão porque se configura também uma importante estratégia formadora de consciência numa perspectiva emancipatória. INTRODUÇÃO Várias pesquisas no Brasil acerca da Educação de Jovens e Adultos (VÓVIO, 2001, 2009; SOARES, 2011; RÍVERO, 2009; DI PIERRO, 2005; DIAS, ET AL., 2011) têm discutido a complexidade dos desafios que essa modalidade de ensino enfrenta historicamente para superar o processo de expulsão desses sujeitos pela escola. A leitura desses desafios permite apontar a necessidade de que a formação dos educadores de EJA alicerçada na racionalidade técnico-instrumental dê lugar para a formação de um educador capaz de autonomia para re-orientar os processos de ensinar assumindo a reflexão crítica como eixo de sua prática pedagógica. A compreensão emergente sobre essa formação assinala para a necessidade de que os processos formativos superem a preocupação com a dimensão instrumental da profissão docente, para consolidar um paradigma que vise à formação como um compromisso com a prática social, levando em consideração, inclusive, a realidade situada dos educandos e as necessidades de aprendizagem, uma das condições em que se funda a construção/reconstrução permanente de sua atuação profissional. 11 Doutor em Educação pela PUC/SP e professor da Universidade Estadual do Maranhão. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 03352

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FORMAÇÃO CRÍTICA DE EDUCADORES PELA VIA DO CONHECIMENTO

NARRATIVO DAS HISTÓRIAS DE VIDA DOS EDUCANDOS

RAIMUNDO NONATO MOURA OLIVEIRA1

Universidade Estadual do Maranhão

[email protected]

RESUMO: O presente trabalho analisa a formação de educadores de jovens e adultos

pela via do conhecimento narrativo das histórias de vida dos educandos. Reúne

discussões de estudo bibliográfico realizadas em pesquisa de doutorado concluída na

PUC/SP. Analisa três processos dinâmicos que contribuem para a realização da

formação: as histórias de vida como referência legítima de conhecimentos; o

conhecimento narrativo da experiência feita como objeto de reflexão da prática de

ensinar; e, a reconstrução da prática para atuar na transformação dessas experiências

sociais dos educandos no sentido da construção de sua autonomia, numa política

cultural dominante, articulada pela função de inserir os educandos nas relações sociais e

de produção pela construção de “consumidores”, de saberes elitizados disseminando

comportamentos, hábitos e valores que reforçam a reprodução da sociedade capitalista

em seus princípios de individualismo e meritocracia. A discussão propõe que o

conhecimento narrativo das histórias de vida dos educandos na formação de educadores

provoca mudanças na prática de ensinar, razão porque se configura também uma

importante estratégia formadora de consciência numa perspectiva emancipatória.

INTRODUÇÃO

Várias pesquisas no Brasil acerca da Educação de Jovens e Adultos (VÓVIO,

2001, 2009; SOARES, 2011; RÍVERO, 2009; DI PIERRO, 2005; DIAS, ET AL., 2011)

têm discutido a complexidade dos desafios que essa modalidade de ensino enfrenta

historicamente para superar o processo de expulsão desses sujeitos pela escola. A leitura

desses desafios permite apontar a necessidade de que a formação dos educadores de

EJA alicerçada na racionalidade técnico-instrumental dê lugar para a formação de um

educador capaz de autonomia para re-orientar os processos de ensinar assumindo a

reflexão crítica como eixo de sua prática pedagógica.

A compreensão emergente sobre essa formação assinala para a necessidade de

que os processos formativos superem a preocupação com a dimensão instrumental da

profissão docente, para consolidar um paradigma que vise à formação como um

compromisso com a prática social, levando em consideração, inclusive, a realidade

situada dos educandos e as necessidades de aprendizagem, uma das condições em que

se funda a construção/reconstrução permanente de sua atuação profissional.

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Doutor em Educação pela PUC/SP e professor da Universidade Estadual do Maranhão.

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Nessa perspectiva, o presente texto postula discutir, a formação de educadores

para o ensino de jovens e adultos, com o uso do conhecimento narrativo das histórias de

vida desses sujeitos. Entende que as histórias de vida não é apenas um método de

investigação nas ciências sociais e na educação para entender as dinâmicas complexas

de seus objetos de estudos, mas também um conhecimento que contribui para refletir

processos de formação e promover mudanças nas práticas de ensinar e aprender dos

educandos e educadores. Nesse sentido, uma questão parece pertinente: Como o

conhecimento das histórias de vida dos educandos contribui para o desenvolvimento de

contextos de formação crítica de educadores?

HISTÓRIAS DE VIDA E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES

As historias de vida dos educandos são referências de conhecimentos

experienciais e existenciais que têm potencial para produzir contextos formativos de

educadores na medida em que favorecem a criação de tempos e espaços de reflexão

sobre sua própria prática, num diálogo com os resultados relativos aos aspectos

individuais e coletivos, em termos de aprendizado e da autonomia dos educandos nas

práticas escolares e demais práticas sociais.

Esses referenciais de conhecimentos como objetos de reflexão podem provocar

transformações na forma como os educadores compreendem sua prática em suas

finalidades, seus limites e suas potencialidades.

Ao confrontar-se com esses conhecimentos dos educandos os educadores

tendem a perceber as contradições de sua prática de ensinar e, ser capaz, inclusive, de ir

problematizando sua própria experiência. Esse processo pode ser profundamente

emancipatório na medida em que o sujeito aprende a produzir sua própria formação,

autodeterminando a sua trajetória.

No entanto, é um processo que depende, entre outras coisas, de sua disposição

para analisar criticamente a si próprio e desconstruir no diálogo com este conhecimento

o seu processo pedagógico-histórico para melhor compreendê-lo.

Nesse sentido, o trabalho com o conhecimento das histórias de vida dos

educandos na formação de educadores representa a possibilidade de colaborar na

construção de contextos formativos críticos que possibilitem os docentes

ressignificarem suas práticas de ensinar. Para isso, é importante considerar três

processos dinâmicos: as histórias de vida como referências legítimas de conhecimentos;

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o conhecimento narrativo da experiência feita como objeto de reflexão da prática de

ensinar; e, a reconstrução da prática para atua na transformação dessas experiências

sociais dos educandos no sentido de construção da sua autonomia.

As histórias de vida como referências legítimas de conhecimentos

O conhecimento das histórias de vida dos educandos é um saber da experiência

feito (FREIRE, 2007). Portanto, é um conhecimento experiencial e existencial que

expressa e apresenta as rupturas, as situações-limites e os sonhos do projeto de vida de

cada sujeito, assim como situam as lacunas e as potencialidades destas vidas inacabadas

(FREIRE, 1987).

Nesse sentido, esse conhecimento são discursos significativos de reflexão para

as práticas de ensinar e aprender, porque estão carregadas de sentidos e significados da

existencialidade concreta da vida dos educandos. Na verdade, é um conhecimento da

“práxis humana individual” que se apropria das relações sociais (FERRAROTI, 2010, p.

44), por isso, é rico de referências para se pensar a formação dos educadores na

materialidade de sua proposta educativa.

Conforme Jovchelovitch e Bauer (2003), Delory-Momerger (2008), Clandinin e

Connelly (2011, 1995), Freire (1991), Gramsci (2011), Ferraroti (2010), o conhecimento da

experiência feito se caracteriza como um saber:

real para os contadores de história que vivenciaram situações específicas no

tempo e espaço em que estão inseridos;

pessoal e detalhado de acontecimentos e ações;

existencial, fruto uma história feita de atos vitais, aos momentos da existência e

sumetido a permanente reconfiguração;

construído na interações sociais, institucionais, profissionais, interpessoais,

culturais, situadas em determinada temporalidade vivida pelas pessoas.

histórico-reflexivo de base cultural subjetiva, constituído pelas representações

pessoais, significando modos de pensar e agir;

inscrito nas condições sócio-históricas dos sujeitos as quais pertencem e tem

uma historicidade;

construído pelos sujeitos no movimento temporal vivido: do passado, recorda as

histórias e experiências, no presente, significa-as e (re)significa-as em vista do

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futuro próximo para o qual se empenhará em reconstruir a partir dos significados

compostos.

Tanto em Freire (1987) quanto em Gramsci (2011) a experiencia é

compreendida como um fenômeno histórico, e como tal, é um ato vital com

historicidade de vivência individual e/ou coletiva, situado em um contexto e

condicionado pelos seus determinantes, mas aberto a transformações pela sua

potencialidade em devir. Desse modo, as narrativas das experiências são vozes que

denunciam situações-limites e anunciam sonhos e espectativas dos sujeitos de serem

mais na sua vocação ontologica, aspectos importantes da formação crítica de

educadores (FREIRE, 1987).

Além disso, é um conhecimento que tendo caráter hermenêutico é

epistemologicamente alternativo para entender os processos de formação de uma

pessoa, justamente, porque, é um saber que se “[...] desenrola no interior de uma pessoa,

sobretudo em relação a vivências e a experiências que tiveram lugar no decurso de sua

história de vida (FINGER, 2010, p. 125)”.

Portanto, a natureza formadora desse conhecimento no sentido crítico reside na

exigência ético-política do respeito aos pensamentos, das experiências e dos projetos de

vida dos educandos que necesitam ser reconhecidos como conhecimentos legítimos de

superação, de reinvenção e de libertação, do qual a prática de ensinar crítica não pode se

eximir.

O conhecimento narrativo como objeto de reflexão da prática

A prática de analisar a prática de ensinar é um contexto em que se funda a

formação crítica de educadores (FREIRE, 2007). Significa que é refletindo sobre a

prática de ensinar, apoiados em referenciais teóricos qualificados, que os educadores

têm a possibilidade de perceber de que teorias falam as suas práticas. No entanto, torna-

se mais significativo quando essa prática é refletida na relação com o conhecimento

narrativo dos sujeitos da ação educativa, porque permite a compreensão do alcance de

suas finalidades, de seus limites e de suas possibilidades de ação na experiência

produzida.

Na verdade, a inclusão das histórias de vida dos educandos no contexto de

formação de educadores como elemento de reflexão sobre a prática representa uma

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possibilidade de diálogo do conhecimento teórico com o conhecimento experiencial e

existencial.

Reconhecer os propósitos e os limites da prática de ensinar, sejam elas quais

forem, implica dos educadores a construção da claridade política do projeto em que

estão a serviço e da competência científica para saberem a favor de quem e contra quem

as praticam. Para Freire (2007, p. 48-49):

“Não basta dizer que a educação é um ato político assim como não basta

dizer que o ato político é também educativo. É preciso assumir realmente a

politicidade a educação. [...]. Não posso reconhecer os limites da prática

educativo-política em que me envolvo se não sei, se não estou claro em face

de a favor de quem pratico. O a favor de quem prático me situa num certo

ângulo, que é de classe, em que diviso o contra quem pratico e,

necessariamente, o por que pratico, isto é, o próprio sonho, o tipo de

sociedade de cuja intervenção gostaria de participar (grifo nosso)”.

Conforme o autor em referência a compreensão crítica das finalidades e dos

limites da prática educativo-política trata-se de uma questão de poder, que está

relacionada com a questão da luta e os conflitos de classes. Compreensão o nível em

que se encontra a luta de classes em uma dada sociedade é indispensável para a

definição de espaços, dos conteúdos da formação, do projeto possível e dos limites da

prática de ensinar.

É nessa perspectiva que o conhecimento narrativo das histórias de vida dos

educandos é fundamental como objeto de reflexão da prática dos educadores. Primeiro

porque, permite aos educadores, entre o processo de reconhecer as histórias de vida e

sua formação, criarem um espaço que possibilita ver-se, refletir-se, emancipar-se, isto é,

autoformar-se (PINEAU, 2010).

Segundo, sendo um saber das vivências sociais possibilita ao educador vê as

necessidades concretas de formação dos educandos, cuja prática de ensinar deve está a

serviço. Isto desafia os educadores críticos a desenvolverem ações concretas de reflexão

sobre as condições sociais e contextuais de sua ocorrência, de análises e de decisões,

sobre o que importa ensinar, a favor de um projeto político-pedagógico transformador.

O que se discute é que uma prática de ensinar que se reconhecer como prática

política democrática não exime e nem se aprisiona aos processo burocráticos de

procedimentos instrumentais escolarizantes, ainda que “necessários”, mas lidando com

o processo de conhecer tem interesses em possibilitar tanto o ensino dos conteúdos às

pessoas quanto sua conscientização (FREIRE, 1991).

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Terceiro, a valorização do saber da experiência encarnado e integrado à pessoa

como objeto de reflexão da prática de ensinar ressalta a contribuição das histórias de

vida dos educandos como uma alternativa para se repensar a formação, atualmente

desafiada pela sociedade contemporanea. Ou seja, no nível técnico-econômico

vislumbra-se uma produção mais científica, no nível político deseja-se uma gestão mais

racional e, no nível cultural difunde-se a pedagogia do saber e dos conteúdos científicos

(FINGER, 2010).

No conjunto, os saberes narrativos provocam interrogações de ordem

epistemalógica e ética no fazer da formação crítica dos educadores. A interrogação

epistemológica refere-se a busca para desenvolver uma concepção de formação que

ultrapasse a concepção de formação pautada na lógica do modelo escolar dominante,

historicamente preocupado em formar (como? quando? onde?) em vez do formar-se (o

que é formador na vida de cada um?), como ensina Nóvoa (2010).

Porém, quando se pensa numa prática de ensinar comprometida com a

construção de conhecimentos que importam aos educandos pensamos em nossa

existência. Trata-se aqui, de uma interrogação ética. Ou seja, a busca da qualidade ética

das práticasde ensinar e aprender no sentido dalibertação, emanada da natureza humana

constituindo-se na História, como vocação para ser mais, contra toda e qualquer forma

de trabalho que negue a razão de ser de sua presença no mundo, entre as quais, a

exploração, a dominação destes sujeitos, como indivíduos e como classes, negados dos

seus diretos de estarem sendo (FREIRE, 1987, 2007).

Reconstrução da prática de ensinar

Para Freire (1991) sendo o educador o sujeito de sua prática, compete a ele

criá-la e recriá-la. Nesse caso, a consideração é de que a sua formação deve ser

constante, sistematizada porque a prática se faz e se refaz, e, além disso, deve

instrumentalizá-lo para que ele crie e recrie a sua prática através da reflexão sobre o seu

cotidiano.

Desse modo, pode-se inferir que existe uma estreita conexão entre o

conhecimento narrativo dos educandos, como parte desse cotidiano, e a formação dos

educadores: a reflexão crítica da prática de ensinar. A potencialidade desse saber no

processo de formação está na reflexão crítica da prática de ensinar e, o momento

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máximo dessa reflexão crítica é sua transformação com vista a novos saberes e fazeres,

tanto na escola quanto nas práticas sociais.

Essa formação crítica dentro da perspectiva de proporcionar ações de

reconstrução/transformação da prática de ensinar exige a compreensão de algumas

questões. Primeiro, a experiência produz discurso, e este produz a experiência numa

relação dialética que provoca mútuas influências, fato que caracteriza a linguagem do

conhecimento das histórias de vida dos educados como instrumento importante na

reflexão. Ou seja, ao tempo que a linguagem materializa o processo reflexivo ela

constitui a prática de ensinar (GIROUX, 1997).

Segundo, trabalhar com o saber da experiência feito dos educandos relativos

aos seus processos de aprendizagem, sonhos, situações-limites, bem como o nível de

aprendizado desejado e o alcançado representa contextos significativos de formação

para os educadores para refletir sobre suas ações e à tomada de decisões para reconstruí-

las.

Terceiro, significa desenvolver o poder emancipatório dos educadores para

construir e reconstruir sua própria prática. Isto significa desenvolver o poder de

pronunciamento do mundo, de sua prática pela tomada de consciência das condições objetivas e

subjetivas de sua realidade. Isso necessita de processos sistemáticos que possibilitem os

educadores para agir de forma a compreender a própria prática e transformá-la.

Dentro da perspectiva da promoção de contextos de formação crítica de

educadores pela via dos conhecimentos das histórias de vida dos educandos,

apresentamos um quadro de ações desse processo, como uma possibilidade, tendo como

referências os postulados de pedagogia freireana.

AÇÕES DE FORMAÇÃO CRÌTICA

DESCREVER

Ação que visa construir e reconstruir coletivamente com os educandos um

quadro informativo de referências das experiências feitas que permita uma

leitura de suas histórias de vidas - a situação existencial, concreta e

presencial que desafia e exige resposta em nível intelectual e da ação sobre

as quais se realizará o diálogo, e a intervenção pedagógica, no sentido de

reinvenção destas experiências.

ANALISAR

Ação que busca refletir a prática de ensinar partindo da sua situação real

dos educandos como problema e objeto de conhecimento. Com este

conhecimento, estimular e desafiar os educadores, por meio da

problematização, a desenvolver a capacidade individual e coletiva de captar

e compreender essa realidade social alcançando a consciência:

- de sua totalidade;

- de uma nova realidade e de necessidades concretas que atuam e da

imprescindível intervenção pedagógica;

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- das teorias de que falam as suas práticas?

- de a favor de que e quem, contra o quê e quem estar direcionada a sua

prática de ensinar;

RECONSTRUIR

Ação que consiste no engajamento individual e coletivo da elaboração de

atividades críticas e criativas, que faça da prática de ensinar um importante

instrumento de colaboração na emancipação dos educandos: desafiando-os

a superar as situações-limites, que se apresentam como momentos

históricos, e assim, construírem sua autonomia.

Essa ação também depende da discussão coletiva e da leitura de subsídios

de aprofundamento, sob diferentes áreas de conhecimentos.

Pedagogicamente, esse processo formativo envolve um movimento dialético da

ação à reflexão sobre a prática e desta a uma nova ação. Fundando-se na dialogicidade

essa análise problematizadora consiste numa ação de solidariedade e de colaboração

entre os educadores no trabalho de reflexão, construção e reconstrução de suas práticas

a serem transformadas e humanizadas. É nesse caminho que os sujeitos ganham

significados, existenciam-se enquanto sujeitos de sua prática Por isso, exige dos

educadores o engajamento no processo de abstração das situações representativas de

reflexão sobre a prática de ensinar e o desafio de analisá-la criticamente (FREIRE,

1987, 2007).

Por esse motivo Freire (2001, p. 42) afirma que:

“[...] a educação problematizadora está fundada sobre a criatividade e

estimula uma ação e uma reflexão verdadeira sobre a realidade, respondendo

assim à vocação dos homens que não são seres autênticos se não quando se

comprometem na procura e na transformação criadoras”.

Assim, analisar a prática de ensinar por meio da problematização como

processo de construção do conhecimento crítico e criativo é importante para a

reconstrução da própria prática pela instigação de novas fases do saber, pela

possibilidade de (re)elaboração da visão de mundo e de sua atuação escolar, profissional

e cotidiana. Isso caracteriza uma perspectiva emancipatória no sentido da construção do

saber como uma busca permanente.

Portanto, os processos de descrever, de analisar e de reconstruir a prática de

ensinar fundados na problematização representam possibilidades de um percurso para

uma aprendizagem no sentido de práxis. Isto porque, apresenta-se como caminho

pedagógico crítico de mudança que parte da realidade coletivamente refletida e

experienciada e busca desenvolver-se no próprio sujeito histórico de transformação.

Portanto, reitera-se que esse caminho necessita ser construído e reconstruído, a

partir de discussões coletivas sobre os relatos de experiências e necessidades dos

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educandos e da prática dos educadores, individual e coletiva. É um caminho que exige

fundamentalmente a clareza e o compromisso político quanto ao horizonte pretendido:

uma prática de ensinar que atue no sentido da transformação social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão da formação crítica dos educadores de EJA pela via do

conhecimento das histórias de vida dos educandos mostra sua importância como

referência de saberes para a análise e reconstrução crítica da prática de ensinar e

aprender. É importante porque está carregado de sentidos e significados das

experiencias das interações sociais, institucionais, interpessoais e culturais, situadas em

determinada temporalidade vivida pelas pessoas.

Nesse sentido, é um conhecimento reflexivo e histórico que apresenta uma

multiplicidade de situações existenciais e concretas que permite a reflexão dos

processos pelos quais as pessoas se formam e as necessidades educativas que precisam

para tornar-se sujeito do seu próprio processo de formação. Sua inserção como

referencia de discussão e reflexão na formação de educadores pode provocar mudanças

na prática de ensinar tanto na perspectiva ética quanto na epistemológica.

Do ponto de vista ético, informa que a prática de ensinar ao trabalhar com a

existência humana deve assumir a politicidade de sua ação comprometendo-se com a

superação das condições de subalternidades culturais e de opressão que impedem e

atrofiam os sujeitos da ação educativa de experimentarem formas mais elevadas de

cidadania e de novas humanidades.

Do ponto de vista epistemológico o saber narrativo também indica que ensinar

e prender são momentos do processo maior de conhecer, do qual não se realiza

significativamente sem partir do sujeito de experiência, cuja vida humana em sociedade

é o grande fenômeno para ser analisado e compreendido pelo diálogo crítico

problematizador.

Nessa perspectiva, reiteramos que o conhecimento narrativo das histórias de

vida dos educandos, como referência de análise para a construção e reconstrução das

práticas de ensinar, pode trazer importantes colaborações para o debate e reflexões

sobre processos de formação crítica de educadores, sobretudo, para os que atuam na

modalidade de educação de jovens e adultos, e aspiram uma perspectiva de prática

emancipatória.

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