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    O Futuro do Fotojornalismo|Artigo de Fred Ritchin |

    Fred RitchinFormado em Psicologia pela Universidade de Yale, em 1973, o fotgrafoFred Ritchin professor, escritor e curador de exposies fotogrficas.

    Foi pesquisador fotogrfico de livros na empresa Time-Life, de 1973 a 1976, editor darevista Horizon, de 1977 a 1978, editor de fotografia de The New York TimesMagazine, entre 1978 e 1982, e editor executivo da revista Camera Art, de 1982 a 1983.

    Como professor, entre outras atividades, criou o programa dos cursos de Fotojornaijsmoe Fotos para Documentao do Centro Internacional de Fotografia de Nova York elecionou na Escola de Artes da Universidade de Nova York e no Instituto de PesquisasJudaicas da Universidade de Columbia.

    Realizou tambm vrios workshops nos Estados Unidos, na Frana e na Argentina e,

    entre as inmeras exposies fotogrficas que organizou, est a que comemorou, em1989, os 40 anos da agncia Magnum.

    Publicou, em 1990, o livro ln Our Own lmage: the Coming Revolution in Photography.(traduo e edio): SETTI, Ricardo A. Conferncias e Debates do II EncontroInternacional de Jornalismo. So Paulo: IBM do Brasil. 10 a 12 de Julho de 1989.

    O Futuro do Fotojornalismo

    Fred Ritchin

    O fotojornalismo tem sido beneficirio de noes gmeas: a de que "a cmara nuncamente" e a de que o jornalismo imparcial. So percepes errneas que conferiram aofotojornalismo uma poderosa plataforma mas, tambm, ajudaram a perturbar seucrescimento. O fotojornalismo, hoje, est em decadncia e vem sendo usado em grande

    parte de forma artificial, ao mesmo tempo em que enfrenta srios desafios, do ponto devista editorial e tecnolgico, sua credibilidade. Seu reerguimento e futuro sucessodependem em bom grau de sua prpria capacidade de se repensar; de, antes de maisnada, admitir a tnue relao que mantm com a realidade para, ento, poder passar aidentificar e desenvolver seu potencial intrnseco.

    A reputao do fotojornalismo como uma transcrio direta, feita a partir da realidade,virtualmente sem mediao, e como uma linguagem universal facilmente compreensvelajuda a criar a impresso de que as imagens obtidas por um reprter fotogrfico podemser rapidamente compreendidas e sua metodologia ser automaticamente digna deconfiana. As imagens da publicidade so feitas com a inteno declarada de vender

    produtos. A arte fotogrfica por definio considerada algo subjetivo. Por sua vez, avalidade ou no das fotos domsticas, feitas por amadores, podem sem problemas serchecada com a figura fsica do parente ou amigo fotografado. Enquanto isso, a imagemfotojornalstica tida como algo que descreve pessoas e acontecimentos de formadireta, imparcial e quase mecnica.

    Essa noo normalmente livra o veculo das discusses sobre a verdade darepresentao fotogrfica e o absolve das suspeitas sobre a existncia de vieses ou

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    preconceitos de parte de fotgrafos ou editores de fotografia. Desde que uma foto foitirada onde e quando a imagem informa que foi, ela universalmente vista como algo

    preciso, correto e, por vezes, at mais digno de confiana do que o depoimento de umatestemunha humana. O fotojornalismo, porm, mesmo em sua variao mais honesta,est longe de ser algo que no sofre mediao. Cada foto uma partcula de tempo e

    espao escolhida entre um nmero infinito de outras possibilidades para representar arealidade num pequeno pedao de papel retangular de duas dimenses.

    O ser humano que seleciona essa partcula e produz a imagem est interpretando umasituao de acordo com a sua personalidade e inteligncia e com graus variveis dehabilidade. As imagens resultantes desse processo podem ser reveladoras, sem qualquersentido, ou erradas. Como Fidel Castro disse num discurso feito durante umaconferncia em Cuba, em 1984, um fotgrafo, com resultados muito diferentes, podedecidir concentrar seus esforos tanto na pintura descascada dos edifcios de Havanacomo no avanado servio de sade que existe em Cuba.

    As imagens que, no final do processo so finalmente selecionadas para publicaotambm refletem e, algumas vezes visam at defender, as idias do editor ou do autor damatria ou, mesmo, espelham a personalidade do prprio veculo em que esto saindo.A fotografia aparece sempre cercada de palavras - manchetes, legendas, textos - quedirecionam o seu significado e tentam resolver suas ambiguidades.

    Apesar dessas interferncias editoriais, o instantneo fotogrfico ainda emerge comouma representao de eventos altamente digna de crdito. Isto ocorre porque os leitoresno esto completamente a par dos processos pelos quais fotografias so produzidas eescolhidas, e tambm devido simples natureza mecnica da cmara, tornada familiar

    praticamente a todo mundo por meio de seu uso altamente disseminado.

    A percepo da viso supostamente objetiva, direta da cmara, acentuada pelaminimizao do fotgrafo. Enquanto redatores e reprteres tm suas assinaturascolocadas com destaque nas matrias, os fotgrafos quase sempre recebem apenas, aolado das fotos, crditos virtualmente invisveis. Exige-se de um redator que assumaresponsabilidade pelos fatos e julgamentos expostos na matria, por seu tom geral e

    pelo ponto de vista que dela emerge. Mas ao mesmo tempo, quase sempre se presumeque os fotgrafos simplesmente registram acontecimentos como se fossem velozestaqugrafos de imagens.

    Mesmo a desmaiada realidade da fotografia jornalstica est sendo rapidamentesubstituda por outras formas mais artificiais de produo de imagens, que, podem serconstrudas de acordo com especificaes prvias. As grandes estrelas dofotojornalismo de revistas, entre as quais costumavam se incluir os grandes ensastasfotogrficos, so cada vez mais freqentemente ilustradores capazes de descobrirformas inteligentes e divertidas de produzir imagens para preencher determinadasconvenes de estilo.

    Enquanto os jornais nos Estados Unidos ainda tendem a filiar-se prtica dofotojornalismo tradicional - na maioria das vezes sem grande inspirao -, o registro dafermentao em curso na sociedade sofre, principalmente nas revistas, a concorrncia de

    uma legio de fotgrafos equipados com estdios portteis, cuja competncia lhes

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    permite fazer o visualmente insignificante parecer interessante e transformar o apenasinteressante em sensacional.

    A necessidade compulsiva da visualizao dramtica tem, porm, uma longa tradio nofotojornalismo. Spanish Village, de W. Eugene Smith, considerado um dos melhores

    ensaios fotogrficos jamais feitos, mostra muito bem como podem funcionar ashabilidades de diretor do fotgrafo. Num livro publicado j em 1952, Words andPctures, Wilson Hicks, que algum tempo atrs deixou a revista Life, depois de 13 anosde trabalho em diferentes funes que incluram a de editor de fotografia e a de editorexecutivo, descreve como foi feito Spanish Village: "A maior parte das histrias dasfotos de carter no espontneo requer uma certa dose de montagem, rearranjo edireo. Ao lidar com isso, o propsito do fotgrafo recriar, em substncia e esprito,uma circunstncia que tome claras as idias que quer transmitir e dar coerncia a suacomposies. Nessa categoria de histrias se inclui o comovedor e impressionanteSpanish Village, de Smith, em Life, de 9 de abril de 1951. A vida na aldeia a que oensaio se refere no era propriamente constituda de uma sucesso de crises e situaes

    aflitivas. Exceto pela morte de um velho patriarca, era, na superfcie, pura rotina. Sob arotina, porm, existia uma contnua e passiva tragdia de primitivismo e pobreza. Esteera o tema da histria; o problema de Smith era como desenvolv-lo o mais vvida edramaticamente possvel em fotos. As aes do dia-a-dia dos habitantes da aldeia eramnaturais, e as fotos de Smith poderiam tambm ter sido comuns e indiferentes. Aoexplicar, porm, aos habitantes que queria contar quem eles eram e o que faziam daforma mais interessante possvel, e extrair a mxima importncia e o mais sugestivosignificado de sua aparncia e de suas aes, Smith os fez atores. Mas atores de umdrama ligado estritamente aos fatos. Eles representaram consciente para a cmara o queat ento vinham fazendo de forma inconsciente. Fizeram o que estavam acostumados afazer, mas fizeram melhor. Ao recriar uma realidade, Smith lhe conferiu mais vigor e

    beleza do que ela originalmente possua.

    " duvidoso que isso se encaixe nos cnones do fotojornalismo. Smith parece ter tido ainteno de criar imagens de carter universal mais do que as imagens especficas daaldeia espanhola de Deleitosa, onde as fotos foram produzidas. Suas fotografias

    parecem cones de humanismo romntico, a realizao da viso pessoal e artstica deSmith - uma afirmao dos valores puros da sociedade rural e pr-industrial feita nos

    primrdios do ps-guerra.

    Apesar das srias dvidas existentes em relao aos mtodos de Smith, imagens

    universalizadas, retratadas de forma sincera e apaixonada, so mais defensveis do quea fotografia cujo artifcio se destina em boa parte a satisfazer o consumismo sofisticado,que a obsesso de muitas revistas contemporneas. Enquanto as atuais fotos dirigidas,

    posadas ou arranjadas tm numerosos precedentes, a fotografia jornalsticacontempornea chocante pela habilidosa e macia refrao que manifesta investigao do lado escuro da vida. Esta ojeriza acaba encoberta sob uma densacamada de luzes estroboscpicas, posturas dramticas e fotos feitas segundo modelos

    predeterminados. No se solicita s pessoas que recriem suas vidas de forma que cheguea seu mago, mas que faam suas vidas adaptar-se s fantasias em vigor nas

    publicaes.

    Em parte, essa crescente tendncia parece ter objetivo de acompanhar os avanos dafotografia de publicidade, que muitas vezes composta de forma mais viva e mais

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    iluminada - e, tambm, fotograficamente mais consciente - do que a foto jornalstica oueditorial. Boa parte da fotografia jornalstica convencional se v diminuda por suaassociao, dentro do mesmo veculo, a imagens artificialmente produzidas, que socada vez mais atraentes, e por sua falta de sofisticao visual em comparao a elas, jque isso tipo de foto limitada pela qualidade muitas vezes catica e pouco charmosa

    daquilo que retrata.

    O resultado que muitas publicaes esto abandonando as prticas tradicionais defotojornalismo. Um bem sucedido presidente de banco, por exemplo, que at ento eramostrado sentado sua escrivaninha ou executando suas tarefas, faria hoje a delcia demuitas revistas se pudesse ser mostrado jogando dinheiro para o ar - uma imagem que

    pode at servir como entretenimento, mas no informa.

    Esse tipo de coisa que fez com que a expresso fotojornalismo quase tenha cado emdesuso pelas revistas americanas. Chama-se a isso, hoje, fotografia editorial, porque amaior parte das fotos nas revistas ilustra um conceito que algum j tinha antes de a

    publicao chegar ao acontecimento ou pessoa. So, portanto, fotografiaspreconcebidas. O controle sobre seu contedo, na maior parte dos casos, d-se jquando os editores dizem aos fotgrafos: 'Eu quero que voc faa isso ou aquilo'. Afotografia, ento, no mais descoberta ou desmascaramento de verdades e sensaes,daquilo que est acontecendo, mas se torna um drama, no sentido de algo que excita,diverte, uma coisa mais hollywoodiana, teatral. Recentemente, por exemplo, a revistaLife publicou a foto de um grande crtico da bomba atmica, algum capaz de fazertudo para manifestar a sua oposio bomba. Ao invs, porm, de mostrar a sua

    preocupao como assunto, ou uma cena que dessa idia de seu trabalho ao organizar aspessoas em tomo de sua causa, a revista colocou o homem num cavalo branco e, com ailuminao dada foto, ele ficou parecendo a estrela de algum filme. Deixou de ser

    parte do jornalismo, de estar integrado ao acontecimento coberto pela revista, umaespcie de Dom Quixote que certamente vai perder. Na foto, ele monta um cavalo

    branco, embora saibamos que est apenas combatendo moinhos de vento.

    Ento, nesse tipo de fotos, as pessoas aparecem fazendo coisas que no faziamnormalmente. Tornam-se parte de um conceito que no foi criado por elas. No so elasmesmas, mas assumem uma personagem inventada pela revista, e que mais a

    personalidade da revista do que a sua prpria. Tambm foi Life que trouxe uma matriacom os netos dos principais generais da Guerra Civil americana e o que fazem hoje. Namatria, apareciam dois netos de um general confederado - do Sul que lutou contra o

    Norte na guerra - que so hoje pastores protestantes, um dos quais dirige um abrigo paracrianas fugidas de casa.

    A revista, contudo, em vez de mostrar com seriedade a vida e o trabalho deles -sobretudo sendo ambos, no caso, netos de um general que combateu ao lado dosescravocratas, preferiu fotograf-los jogando o chapu para o alto. No se sabe muito

    bem o que se aprende com essas fotos. O leitor no est presenciando nada, comoocorreria com o trabalho do grande fotgrafo francs Robert Capa. O leitor est assistindo a um evento, a uma performance, a um espetculo.

    Executada a caa tipo papparazzo a celebridades, a fotografia de guerra talvez seja a

    ltima arena de acontecimentos humanos considerados suficientemente excitantes paraque as revistas os cubram diretamente. A guerra um exemplo do que Wilson Hicks

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    chamava de um drama cujo desenrolar disponvel em embalagem manual, umasituao onde "no existe nem tempo nem necessidade de o fotgrafo dirigir as pessoasenvolvidas".

    Atualmente, as publicaes tendem a buscar imagens de grandes conflitos e tragdias

    que so dramaticamente sensacionais, mas sem tentar investigar casos especficos oudecifrar causas. Pessoas sem teto, por exemplo, so mantidas a uma distncia segura emsuas poses trgicas, e a complexidade do Terceiro Mundo reduzida a apenas violnciae pobreza. O tipo de imagens de fotojornalismo que causaram tanto impacto durante aguerra do Vietn - a fotografia de um vietcong sendo morto com um tiro na cabea, ou aoutra garotinha queimada com napalm correndo desesperada e sem roupa por umaestrada, ou a de um monge budista transformado em tocha humana num suicdio-

    protesto ou ainda, a de uma jovem ajoelhada em estado de choque sobre o cadver deum estudante estendido no cho na Kent State University - forte por seu realismo. Masmuitas vezes foi publicada como uma espcie de homenagem a um voyeurismo que notem a preocupao de explicar os fatos.

    claro que as revistas tambm fizeram muitas coisas criativas com a guerra do Vietn.A prpria Lfe, em 1969, publicou uma matria de enorme repercusso, aosimplesmente mostrar as fotos - tipo trs por quatro - de todos os cidados americanosmortos durante uma semana no Vietn. Eram mais de 200 homens, e as fotos deles, uma um, foram publicadas em vrias pginas da revista, com informaes curtas contendonome, idade, posto, o que haviam estudado, quantos filhos ou irmos deixaram. Depoisde todas as imagens de luta, violncia e morte no Vietn, essa foi a edio em que as

    pessoas passaram a achar que a Life tinha se voltado contra a guerra. Ali se podia vertodo o impacto da guerra na vida dos Estados Unidos, nos cidados comuns norte-americanos. Aquelas fotos eram provavelmente as menos interessantes que poderiamser publicadas pela revista. Afinal, havia toda uma cobertura fotogrfica e da televisosobre a violncia que ocorria no Vietn. S que a repetio constante da violncia eradestituda de qualquer imaginao. Existe um enorme vocabulrio fotogrfico que nos

    permite fazer as coisas de forma diferente. Assim, num certo sentido, aquela sucessode americanos, na maioria jovens e sorridentes, que haviam morrido em uma nicasemana de batalhas, foi o uso mais eficiente at ento feito de fotos para contar o querealmente estava acontecendo no front.

    Recentemente, a revista Newsweek repetiu, com a AIDS, a atuao da Life no Vietn.Eles fizeram uma matria com as fotos das pessoas que morreram de AIDS ao longo de

    um ano nos Estados Unidos. Apresentavam fotos e mais fotos com o nome de cadapessoa e uma frase dela mesma ou de um amigo, de maneira a que o leitor pudessesentir algo do que ela foi. O mesmo tipo de material se estendeu por pginas e pginas,e foi possvel perceber com clareza a terrvel devastao causada pela doena. A matriamostrava algum que tinha escrito um romance e morreu, algum que fora um bomcozinheiro ou era amado por seus amigos e foi liquidado pela doena. Havia, inclusive,uma mulher que morreu e deixou seis filhos. A revista conseguiu fazer com que o leitorsentisse algo das pessoas e a perda que elas significaram. Foi realmente um uso muitoeficiente da fotografia para tratar de um assunto que causa medo s pessoas.

    Infelizmente, nem sempre a abordagem criativa ou faz sentido no fotojornalismo. A

    nova seo de Life, por exemplo, Newsbeat, no mais do que uma viso de hit paradede imagens ligadas entre si por apenas por um alto nvel de excitao visual. Newlook,

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    uma revista francesa editada por um ex-publisher da extinta Look, alterna ensaios demulheres nuas com coberturas de interesse geral no estilo fotojornalismo, deixando aoleitor a tarefa de imaginar se qualquer dos dois tipos de material contm algumaverdade.

    Nesse contexto, o fotojornalismo se torna uma magnfica performance para os olhos,mas desconectada do intelecto e das emoes. A moeda valiosa da fotografia como umajanela quase transparente para o mundo desvalorizada por manipulaes cada vez maisbvias e pelo sensacionalismo. Alm disso, o rpido desaparecimento do ensaiofotogrfico, uma forma que permite aos fotgrafos desenvolver uma narrativa profundae bem sustentada, contribui para essa publicao de imagens sem preocupao com ascausas dos fatos que tem caracterizado o fotojornalismo e tambm o conduz perda deintegridade e fora.

    esclarecedor comparar a evoluo do fotojornalismo nos Estados Unidos, com otrabalho de fotgrafos em pases menos desenvolvidos, onde os recursos financeiros e a

    sofisticao tcnica so relativamente escassos. Em novembro de 1984, por exemplo,foi realizado em Havana o Terceiro Encontro sobre fotografia Latino-Americana.Compareceram cerca de 400 a 500 delegados, a maior parte deles latino-americanos,mas tambm representaes dos Estados Unidos, da Austrlia e de pases europeus.

    A maioria dos trabalhos ali mostrados continha um carter direto, um calor e umesprito de investigao que eram revigorantes, mas pareciam quase anacrnicos aalgum familiarizado com a tendncia da fotografia nos Estados Unidos. Embora atemtica de muitos fotgrafos latino-americanos j fosse conhecida, o que era reveladorera o ponto de vista expresso nos trabalhos. Em muitos casos, a abordagem delicada,lrica, conseguia encontrar ritmos sutis nas atividades mais corriqueiras e dignidade na

    pobreza; e parecia descobrir uma essncia efmera, mtica, ausente em trabalhosfotogrficos de outras regies. O material de fotgrafos de fora da Amrica Latina tendeimplicitamente a comparar a vida dos latino-americanos de povos de sociedades maisdesenvolvidas. Isso desempenha uma funo til, estabelece uma ponte entre culturas,mas no contm a mesma riqueza de informao do trabalho de um fotgrafo latino-americano sobre o seu prprio continente.

    O que ficou claro em Havana foi que parte do problema de entender as possibilidades dafotografia a iluso sobre a sua universalidade como linguagem. A pressuposio deque a fotografia simplesmente uma extenso da vista e o mundo uma projeo de vida

    nos Estados Unidos no tem ajudado a entender a fotografia como um todo. Muitos doslatino-americanos presentes a essa conferncia, conforme se pde perceber nas palestrasdirias e nas discusses formais e informais ao longo do encontro, compartilhavam dodesejo de explorar suas prprias sociedades e razes culturais. Um fotgrafo centro-americano documentou vidas de camponeses pobres no longe da capital de seu pas

    para, disse ele, melhorar a reputao deles na sociedade urbana e como forma de elevarseu prprio auto-respeito. Em seu trabalho ele deixou de fora a pequena parcela detecnologia moderna existente na aldeia, preferindo concentrar-se na sobrevivncia deseu tradicional estilo de vida. Um sul-americano que passou anos documentandocamponeses recusou-se a mostrar qualquer comportamento menos digno de seusfotografados, tal como pessoas bbadas, como protesto contra os esteretipos negativos.

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    E, de fato, eles existem em abundncia. H uma frmula que vem sendo praticada, porexemplo, nas coberturas feitas pelas revistas. Ns tomamos contato com isso nesseEncontro, a partir da palestra de Tony Hali e da preocupao da BBC em evit-lo:comea-se, na cobertura de eventos no exterior, a fotografar apenas um tipo de coisa. Sefor um pas subdesenvolvido, vai-se em geral fotografar a violncia, os cadveres, as

    vtimas. Tudo isso muito bom como fotografia: as vtimas, por exemplo, so algoextremamente grfico. Ou, ento, fotografam-se os lderes polticos, mas quase nunca ofotgrafo transmite a sensao do dia-a-dia das pessoas naquele determinado pas, nemde porque as coisas acontecem.

    H no muito tempo Time e Newsweek fizeram quase a mesma coisa em uma semanana cobertura das negociaes de paz entre o governo e a guerrilha em El Salvador. Achamada de capa de uma foi "Dar uma chance paz". Na outra, foi "Ser que a paz teruma chance?". Sete fotgrafos das duas revistas trabalharam nas duas coberturas, mastudo o que eles fizeram foi muito semelhante. Fotos do presidente, dos chefesguerrilheiros, gente numa posio religiosa... Uma tem um nmero um pouco maior de

    fotos do que a outra, mas as manchetes e ttulos extremamente parecidos.

    Uma vez conversei com um fotgrafo que trabalhava numa importante revistaamericana e tinha vivido trs anos em San Salvador. Eu perguntei: "Voc j fotografoua rotina comum das pessoas". Ele disse que quis fazer isso, que tentava todos osdomingos registrar a vida normal dos habitantes, mas, diante do temor de que fossefurado no caso de acontecer algum episdio violento, de cobertura obrigatria, acabou

    jamais conseguindo.

    H, claro, fotgrafos que conseguem fugir do convencional nesse tipo de cobertura. o caso de Gil Perez, um francs que vive em Nova York, Ele foi ao Ir na poca em queos refns americanos estavam presos na embaixada dos Estados Unidos em Teer. Perez

    passou cinco semanas no Ir e publicou um livro de fotos que tambm inclui a edio detelexes enviados por ele de Teer. Ele viajou ao Ir porque no entendia aquela cultura eachava que, como todo o pessoal de imprensa estava postado diante da embaixadaesperando pela libertao dos refns, era preciso ver o pas e senti-lo, mesmo nofalando a lngua do povo.

    Nos Estados Unidos, as manchetes de jornais iam loucura, mas ningum sabiaefetivamente o que estava acontecendo no Ir. Pencas de jornalistas foram at l evoltaram sem entender. Ento, Perez comeou a trabalhar de forma diferente apenas

    fotografando as ruas e as pessoas, e acabou captando imagens que at ento ningum noOcidente tinha visto. Todos se lembravam do x, mas nunca tinham visto nada sobre asruas e sobre o povo do Ir. A CIA nada sabia sobre as chances que o aiatol Khomeinitinha de tomar - como tomou - o poder, a imprensa tambm nada sabia disso antes deacontecer.

    Perez foi mostrar a vida do pas e, no livro, colocou ao lado de suas fotos reproduesde mensagens de telex dizendo que precisava de mais filme, que tinha sido preso,mandado um al para sua me - tudo para tornar evidente que estava, ali, como umcorrespondente estrangeiro. Ele fotografou coisas que a TV no estava mostrando evoltou do Ir com urna outra viso. The New York Times Magazine, que publicou suas

    fotos - seis pginas sob o ttulo "Uma viso do Ir"-, talvez tenha usado pela primeiravez fotos como uma forma de mostrar um ponto de vista, e significativo que o ttulo

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    no tenha sido "O Ir hoje" ou algo editorialmente mais afirmativo. Eles chegaram concluso de que a fotografia pode ser subjetiva. O fotgrafo pode funcionar como umaespcie de escritor, e ver seu material publicado. Por qu? Porque ningum no NewYork Times sabia o que estava acontecendo no Ir, de forma que era uma oportunidadede mostrar aos leitores uma viso, uma impresso sobre o pas. algo que pode ser feito

    muitas vezes com pessoas que tm perspectivas diversas sobre eventos ou situaes.

    Sou daqueles que acreditam que diferentes pases produzem, tambm, diferentesculturas fotogrficas. Isso fica bem claro na cobertura diversa que revistas da Frana edos Estados Unidos fizeram sobre a primeira visita do papa Joo Paulo II Polnia.Paris-Match fez algo muito incomum. O papa estava voltando a seu pas natal pela

    primeira vez desde sua indicao e foi mostrado pela revista como se fosse, agora, umestrangeiro, dentro de um helicptero, de longe, representando outra cultura, outra

    potncia e trazendo consigo uma celebridade internacional que no possua antes, erauma foto grande, bem aberta na pgina, em que o papa praticamente no era visto. Noera necessrio mostrar o rosto do papa, nem sua figura para saber de quem se tratava.

    Paris-Match achava que o leitor sabia que ele estava dentro do helicptero, com amultido aguardando embaixo. Achei aquela foto muito eficaz. Voc sente esse papaque vem de longe e o impacto de sua chegada.

    J Time publicou uma foto parecida, mas pequena e depois de oito pginas de outrasfotos do papa na Polnia, obviamente mostrando, seu rosto. A me perguntei durantemuito tempo: qual a diferena entre o fotojornalismo na Frana e nos Estados Unidos?Verifiquei que, naturalmente, a fotografia no uma linguagem universal, diferenteem cada cultura. Na Frana, por exemplo, existe ainda o conceito de reportagem. Notemos mais isso nos Estados Unidos.

    A revista Vues, quando comeou no final dos anos 20, na Frana, deixou claro logo noprimeiro nmero que pretendia criar uma revista de fotos, como at ento no exista,para expressar o ritmo da vida. J quando Life apareceu nos Estados Unidos tinha comoidia e como perspectiva ver o mundo e a vida como uma testemunha ocular de grandesacontecimentos, registrar o rosto dos pobres e o gesto dos poderosos, ver e passaradiante coisas estranhas mquinas, exrcitos, multides, a vida nas selvas. Life estavasempre assistindo a alguma coisa; no se interessava pelo ritmo da vida, mas pelascoisas da vida. Isto semelhante diferena entre o idioma francs e o ingls. A lnguafrancesa a da sutileza, da nuana, da afirmao indireta. A inglesa algo mais direto,concreto. A fotografia, portanto, tambm algo complexo, que falado de modo

    diferente em diferentes culturas, e cuja leitura apresenta diversos graus de dificuldade ecomplexidade. Poucas pessoas, porm, do fotografia um crdito de complexidade esutileza nesse grau.

    Como a tecnologia um dos temas centrais deste Encontro, gostaria de referir-me aalguns de seus aspectos. Por causa dela, nos Estados Unidos, o frgil elo que at agoraligou a fotografia e a realidade est sob o perigo de ser complemente desfeito. Ocomputador, que j revolucionou tanto a cultura americana, pode tambm logotransformar a fotografia quando for aperfeioada sua capacidade de gerar imagensfotogrficas sem o uso das cmaras. Pesquisadores j criaram matematicamente umaimagem fotogrfica que aparece tremida como se fosse um videoteipe na posio de

    pause. J se prev que dentro de uma dcada, ou menos, um computador poder gerarimagens em movimento de atores e atrizes mortos e faz-los parte de novos filmes.

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    Computadores sofisticados j so usados na diagramao e na produo de publicaesimportantes para retocar fotos mais rpida e facilmente e com menos emendas do quenunca. Uma vez que as fotos so digitalizadas, as cores podem ser mudadas quaseinstantaneamente, imagens diferentes podem ser colocadas juntas em minutos eelementos dentro de determinada imagem podem ser eliminados ou mudados de

    posio. Em uma de suas edies, a revista Nacional Geographic utilizou umcomputador para alterar a posio de uma das Grandes Pirmides do Egito numa foto decapa. A revista Rolling Stone, por sua vez, buscando uma imagem de menos violncia

    para o veculo, usou um computador para eliminar um coldre e um revlver de um dosatores da srie de TV Miami Vice.

    Eu prprio fiz experincias com as novas tecnologias e, a partir de um exemplo, escrevium artigo para The New York Times Magazine. Tratava-se de uma foto de Manhattanextrada de uma revista, mas uma foto bem especial. Se o leitor prestasse ateno nela,verificaria que a torre Eiffel havia se transferido para Nova York. A Esttua daLiberdade, por sua vez, fora plantada em Manhattan, e no na ilha em frente a

    Manhattan onde efetivamente est situada. A pirmide da torre Transamrica, que narealidade fica, em San Francisco, tambm estava em Nova York. E ainda colocamos umintenso movimento de trnsito ao redor da torre Eiffel. Tambm mudamos a posio doedifcio do Citicorp, colocamos um per onde no existia e assim por diante. Eu usei umequipamento Sytex - um computador pr-impresso -, juntei outras imagens fotografiase combinei tudo em questo de horas.

    O que ocorre nesses casos que as imagens ingressam num sistema de computador, eeste, ao invs de trabalhar com a "chuva" fotogrfica, o faz com os chamadas pxells -

    pequenos quadrados que so elementos da foto, que podem ser transformados outransportados e permitem alterar a imagem de diferentes maneiras. Nesse caso passa aexistir uma opo de 16 milhes de cores - um conceito que, confesso, nunca fui capazde entender.

    curioso: quando fazamos essa composio, o tcnico que operava o computador, aover que mexamos no Empire State Building, perguntou o que eu queria fazer alm demud-lo de posio. Eu pedi: "Vamos faz-lo ficar mais alto. Num segundo, o edifcioestava mais alto. fcil de fazer, a pessoa se sente como Deus, como se tivesserecriando o universo.

    H um incrvel perigo ameaando o fotojornalismo atualmente porque muitos jornais e

    revistas importantes esto passando a produzir rotineiramente suas fotos nessessistemas. Eles so excelentes para fazer layouts e realizar uma srie de outras etapas definalizao do produto. Mas, uma vez com as fotos dentro do sistema, passa a existiruma grande tentao de alterar a imagem. Pode-se sempre querer uma cor diferente nocu, por exemplo. Ningum vai ficar sabendo. Time, Newsweek e pelo menos 25

    jornais nos Estados Unidos j dispem desses tipos de sistemas. As grficas tambmtm. O acesso a eles fcil.

    Ao falar do perigo que esse tipo de tecnologia representa para a credibilidade dafotografia, lembro-me da foto que me fez sentir que o futuro j chegou. No primeirosemestre de 1989, a revista Newsweek publicou uma foto para ilustrar uma matria

    sobre o hoje super-conhecido Rain Man que mostrava os atores Dustin Hoffinan e TomCruise juntos. S que, quando a foto foi produzida, um deles estava em Nova York e o

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    outro no Hava. Eles foram fotografados separadamente, pelo mesmo fotgrafo, mas emocasies diferentes. Newsweek juntou os dois e no disse ao leitor o que tinha feito. As

    pessoas lem as imagens para entender outras pessoas, seu relacionamento, seussentimentos. Suponho que para isso que os veculos usam foto. Olhando para aquelaimagem, tenta-se imaginar o relacionamento entre os dois atores, a qumica que existiu

    entre eles. S que eu, leitor, no sabia que um estava em Nova York e outro no Hava.

    Eu entrevistei a editora de fotografia da revista, que tambm foi ouvida pelo The WallStreet Joumal. Sua resposta foi de que ela no via problemas em alterar fotos de modaou de matrias leve, mas que fotos para ilustrar a cobertura propriamente jornalstica de

    Newsweek nunca seriam tocadas para no afetar a credibilidade da revista.

    Pessoalmente, porm, no estou certo de que exista qualquer diferena entre uma coisae outra. Se a revista resolve, por exemplo, fazer uma matria leve sobre o presidenteGeorge Bush, algo na linha de "Um dia na vida de George Bush", algum pode

    perfeitamente decidir que uma pessoa, em determinada foto, no est bem vestida, ou

    no deveria estar l e, ento, tira essa pessoa da foto. Por que no? A j se pode ir maislonge. Digamos que acontea um encontro secreto entre Bush e Mikhail Gorbachev aoqual no foi permitido o acesso de fotgrafos. O fotgrafo vai depois da reunio aosalo onde os dois se avistaram, checa onde cada um sentou, e coloca os dois l numafoto que, na verdade, no aconteceu. Se todas essas coisas j podem ser feitas, estamoschegando a uma nova era em que o registro factual da fotografia deixa de ser confivel.

    Nessa mesma linha, existem outras tecnologias que levantam interrogaes. J estosendo vendidas, por exemplo, cmaras eletrnicas que no necessitam de negativos oucromos permanentes, mas apenas um registro de impulsos eletrnicos num disco que

    pode facilmente ser apagado ou alterado. O aparecimento delas traz consigo aexacerbao do problema da contabilidade jornalstica. Fala-se, mesmo que est acaminho uma nova cmara fotogrfica que permite a um editor sentado numa salamonitorar o que o fotgrafo est vendo atravs de sua objetiva e, de uma espcie demesa de corte, j ir selecionando ali mesmo as imagens.

    Tais novas tecnologias, medida que surgem, questionam tanto a confiabilidade na qualrepousa o fotojornalismo quanto o papel do fotgrafo como um observador inteligente.As imagens geradas por computador podem no futuro tomar obrigatria a rotulao dasimagens como sendo fico ou no-fico, o que vai diminuir consideravelmente a hojeainda fcil confiana do pblico no realismo da fotografia. O simples fato de ter na mo

    um pedao de papel que contm o que parece ser uma fotografia poder no maissignificar, necessariamente, que o evento ali registrado aconteceu. Assim como afotografia usurpou, quando surgiu, algo do papel da pintura, o computador tambm

    pode fazer com a fotografia parea algo anacrnico, uma forma forada de reproduzir arealidade.

    No futuro, se as fotos de algum fotgrafo no forem suficientemente boas, a respostapode no mais ser a de que ele no chegou perto o suficiente do acontecimentoretratado, como dizia Robert Capa, mas sim de que ele precisa estudar mais matemtica.

    O que tambm preocupa que, simultaneamente a todos os problemas ticos e de

    credibilidade surgidos com as novas tecnologias na fotografia, h uma crescentesupervalorizao das imagens formadas por um computador. Um exemplo o que

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    aconteceu com o livro de fotos A Day in Life of America, de que j teriam sidovendidos um milho de exemplares. Pois bem, os editores asseguram que ali est otrabalho de 200 dos melhores fotgrafos do mundo. Para editar o livro eles tinham suaescolha, segundo informaram, nada menos que 235.000 diferentes imagens. Pois bem,tinham 235.000 imagens e no foram capazes de escolher, entre elas, uma para a capa

    do livro. A foto que aparece na capa foi transformada por um computador de imagemhorizontal numa vertical. E seus autores defendem o que fizeram, afirmando que no hproblemas em alterar uma foto para a capa de um livro, desde que haja razes demarketing envolvidas. Na verdade, cada livro da srie A Day in Life... tem sado,sempre, com fotos de capa alteradas por computador.

    Enquanto livros como esses saem com esse tipo de manipulao j na capaindependente, claro, do valor de seu contedo, certos registros cruciais de problemasconcretos do homem tm problemas para serem editados nos Estados Unidos. o casode um livro do brasileiro Sebastio Salgado, que foi regio do Sahel, na frica - afaixa de pases africanos atravessados pelo deserto do Saara para documentar a fome.

    Ele trabalhou com um grupo, os Mdicos sem Fronteiras, publicou o livro e o resultadode sua venda foi destinado a esses mdicos. O livro confere nfase idia do contexto,de que a fome no apenas um punhado de fotos iguais, mas algo situado numcontexto. H fotos de grande fora ao longo de todo o livro: um enorme lago que no mais lago - est completamente seco, com seu fundo estorricado -, pessoas morrendo defome, crianas de olhos tristes, tmulos.

    Ele retrata a fome como algo muito complexo, procurando no apenas retratar asvtimas, mas em que cultura as coisas se do. O livro foi publicado na Frana e naEspanha, e espero que pelo menos dentro de alguns anos acabe saindo nos EstadosUnidos. Tentei junto a vrios editores faz-lo publicar, mas todos temiam perderdinheiro. Daqui a alguns anos talvez eles considerem mais seguro publicar o livro,embora a fome deva continuar existindo.

    Ao mesmo tempo que necessrio proteger a confiana pblica na credibilidade dofotojornalismo, impossvel, no estgio de desenvolvimento em que a fotografia seencontra, fazer as coisas reverterem para a fase de comparativa inocncia do trabalhofeito anteriormente nos Estados Unidos, ou tentar imitar o trabalho que por

    profissionais da Amrica Latina. Ao invs disso, cada vez mais urgente que iniciemosuma redefinio e explorao do veculo e sua aplicabilidade a uma diversidade deveculos menos tradicionais, incluindo livros, murais, audiovisuais e jornais eletrnicos.

    No Massachusetts lnstitute of Technology, por exemplo, como verificamos nesteEncontro, esto sendo feitas pesquisas sobre o jornal eletrnico interativo, que permitiraos leitores no apenas selecionar os tipos de notcias que querem receber em seuscomputadores pessoais, mas redesenhar o formato em que elas aparecem, incluindo asfotos. Talvez esse sistema ajude a criar um novo mercado para o fotojornalismosofisticado, permitindo toda uma diversidade de abordagens novas.

    Ao invs de tentar recriar aqueles que foram considerados os dias gloriosos dofotojornalismo, corporificados na revista Life em sua fase original e por outras revistase jornais que tiveram grandes tiragens, talvez seja prudente tentar ampliar o conceitoque temos de foto. O jornal francs Libration , hoje em dia, o lder no uso inovador da

    fotografia. Entre muitas outras matrias, ele publicou, em sua seo internacional, umasrie de fotos tiradas por Raymond Depardon durante um vero de 1988 em Nova York,

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    acompanhadas de um texto do tipo dirio. A fotgrafa Sophie Ristelhueber fez um livroem que pintou a runa de Beirute usando exclusivamente a paisagem arquitetnica.Outra fotgrafa, Linn Underhili, publicou um livro chamado Thirty Five Years/OneWeek que um relato impressionista, quase romanesco da morte por cncer de sua irme pode ser considerado uma forma altamente pessoal de fotojornalismo. Ao abranger as

    convenes do dirio, da arte fotogrfica propriamente dita e mesmo do romance, essestrabalhos vo alm da mera repetio dos clssicos do fotojornalismo.

    A credibilidade do fotojornalismo vem sendo ameaada e sua vitalidade est comeandoa declinar. Talvez ele esteja apenas numa fase de baixa. Mas, provavelmente, precisa deuma reforma parcial que preserve o que efetivo e autntico e expanda sua abrangnciade forma a fazer pleno uso de sua capacidade de integridade, exatido, ambigidade einteligncia, bem como transmitir massas de informao. Caso contrrio, podedesidratar-se e se tomar irrelevante, superado por formas mais interessantes ou atraentesde imagens.

    Para encerrar, vou fazer uma relao entre duas coisas de duas eras diferentes. Em 1988um filme, Tin Toy, tornou-se o primeiro filme gerado em computador a ganhar umOscar em Hollywood. um filme sobre um beb, seu brinquedo e a relao entre osdois, com durao de cinco minutos e produzido por uma empresa, a Califrnia Picsar.O beb se movimenta, espirra, faz tudo. produto de um laboratrio de grafismocomputadorizado. Nesses laboratrios, est se chegando cada vez mais perto dasimulao de seres humanos. Se conseguirem, e as leis de copyright permitirem, eles

    pretendem, como j falei, fazer novos filmes com a imagem de atores e atrizes jfalecidos: trazer de volta Mariyn Monroe, por exemplo, talvez junto com Jarnes Deanou quem quer que seja.

    Pois bem, a primeira edio da revista Life tinha uma matria sobre o nascimento de umbeb, e agora temos um beb gerado por computador. Muitas coisas, portanto, estoacontecendo no campo da fotografia. Ela est se tornando num certo sentido, menosconfivel e, em outro, mais profunda. Est se tomado algo que no se pode ter maiscorno certo - a testemunha automtica que um dia foi considerada. Ao mesmo tempo,encontra entre suas fileiras fotgrafos que j so verdadeiramente autores de sua obra,trabalhando em profundidade, com complexidade e nuance, usando o vocabulrio visuale levando a realidade ao leitor em muitos nveis diferentes. Em grande parte isso tudoest acontecendo de forma independente, no nos meios de comunicao de massa.

    A fotografa tudo isso. Assistiremos, nos prximos dez ou quinze anos, a grandesmudanas, como o uso da TV para obter imagens fotogrficas em vdeo de altadefinio. Teremos, provavelmente, cmeras-rob registrando entrevistas coletivas.Seguramente, tambm veremos coisas que no tero mudado tanto. Mas acho que existeuma grande abertura para que os fotgrafos se coloquem, exponham sua forma de ver omundo, saiam pelo planeta afora e usem efetivamente a cmera e a fotografia demaneiras raramente utilizadas antes, para tentar explorar e entender melhor o mundo.

    DEBATE

    (Mesa coordenada pelo diretor editorial da revista Elle, Leonel Kas, e pelo fotgrafo

    David Drew Zingg)

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    David Zingg: De minha parte, concordo de forma geral com as colocaes de FredRitchin, mas gostaria de fazer uma observao sobre o Brasil. Aqui, perdemos algunsdos poucos veculos dotados de preocupao social, como O Cruzeiro e Realidade, eforam muito poucos os que surgiram em substituio aos desaparecidos. O mercado derevistas fracionado e no tem interesse na realidade social. O mercado de livros

    tambm no, e tampouco acho que o de jornais esteja muito interessado na realidadesocial nesse sentido: o de publicar notcias ruins. Acho que os jornais tm interesse empublicar pequenos flagrantes de notcias ruins, mas no verdadeiras histrias,devidamente ilustradas, do lado da vida mais sombria do pas.

    Algumas das coisas a que Ritchin se referiu na segunda parte de sua exposio, a partetcnica, j esto comeando a acontecer no Brasil. Sabemos, por exemplo, j que h no

    pas equipamento que ajuda a limpar imagens. No soube de qualquer caso em quealguma publicao brasileira o tenha utilizado para mudar fotos de sua cobertura, mas oequipamento est funcionando no Brasil. Mas essas coisas esto chegando, e chegandodepressa. Na Folha de S. Paulo j se pensa em imagem eletrnica; j estamos quase em

    fase de implantao da diagramao eletrnica de todo um jornal, e apenas questo detempo e de determinao para que possamos preencher eletronicamente os espaos noslayouts de diagramao. Desse modo, todas essas questes de princpios levantadas porFred Ritchin - um terreno extremamente perigoso - tero que ser encaradas num prazomuito curto no Brasil.

    Sebastio Salgado teve que deixar o Brasil para tomar-se o grande fotgrafointernacional de temas sociais que hoje. O que acha disso, ou por que isso teve queacontecer?

    FR: As bases para se trabalhar como fotgrafo free-lancer em fotojornalismo em nvelinternacional sempre foram Nova York e Paris. Salgado vive em Paris. No sei se elerealmente precisou deixar o Brasil para ser o que . Ele saiu do Brasil para estudareconomia em Londres, em 1973, e naquela poca no era fotgrafo. Decidiu serfotgrafo quando trabalhava como economista na frica e comeou a gostar mais detirar fotos do que de seu trabalho tcnico. Acho que mais fcil conseguir trabalho eviajar quando a pessoa est nesses centros de poder. No mundo todo j se comea aentender que as pessoas no ligadas a uma determinada cultura de interesse jornalsticono so necessariamente os melhores reprteres - de texto ou de fotos para cobaia. A

    boa cobertura de assuntos de vrios pases est sendo feita cada vez mais por fotgrafosdesses prprios pases. Tambm no campo da fotografia o mundo est ficando cada vez

    menor, as pessoas se conhecem umas s outras e sabem o que as demais esto fazendo.Trs diferentes seminrios sobre fotografia latino-americana realizados nos EstadosUnidos a que estive presente, por exemplo, foram muito importantes para a valorizaodo trabalho dos profissionais no continente. Sei por experincia prpria. Fui curador deuma exposio de 100 fotos de fotgrafos da Amrica Latina que j est h quatro anosem cartaz em diferentes estados americanos e tambm percorreu a Argentina. Acho queas pessoas tm grande interesse em fotgrafos da Amrica Latina e de outras culturas.Elas esto comeando a entender que o fotgrafo tem uma viso diferente quando vemde uma determinada cultura e trabalha profissionalmente dentro dela. Ele falafotograficamente de forma diferente, por conhec-la melhor e sua complexibilidade. EmParis, recentemente, entre 95 diferentes exposies fotogrficas, a melhor foi

    considerada a de Graziela Iturbide, uma fotgrafa mexicana que vive no Mxico.

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    Portanto, acho que tem crescido o reconhecimento internacional de pessoas dediferentes pases que vivem e trabalham onde nasceram.

    Como voc explica que as revistas tenham se tomado visualmente mais conservadoras,como disse em sua palestra, justamente numa poca em que a imagem progrediu tanto

    na TV?

    FR: Quando as publicaes fazem sucesso, ficam temerosas de mudar a frmula quedeu certo. Acho que poucas pessoas sentem e compreendem as possibilidades intuitivasda fotografia para expressar pontos de vista. Muita gente escolhe fotos para ilustrar otexto que as acompanha e para mostrar que ele est correto, mas no trabalha a imagemgraficamente. Esse tipo de temor toma as publicaes muito conservadoras no uso dafotografia. Teme-se a fora da fotografia, e se quer control-la numa determinadadireo. Isso verdade em quase todos os campos: quando se comea uma coisa, sempre muito excitante, novo e revigorante, mas uma vez que d certo, transforma-senuma frmula e de alguma maneira comea a estagnar. Foi o que ocorreu no comeo

    com a revista Who: esse vigor de que falei durou mais ou menos 1O anos, at que seencontrou uma frmula e a inovao cessou. Assim, em resposta pergunta, minhaexplicao pessoal se refere a esses dois pontos: um questo da frmula e o outro adificuldade de se entender a linguagem visual e trabalhar com imagens de forma maisintuitiva, expressiva, expressionista e emocional, e no da forma seca como se acaboufazendo.

    A tecnologia, segundo sua palestra, introduziu a mentira no fotojornalismo. Queprogresso esse?

    FR: Desde o comeo a fotografia uma mentira. Ns criamos o mito de que ela nuncamente, mas o fato que mente, sim. Uma foto um momento descontextualizado que

    pode ou no dizer algo verdadeiro. Acho, porm, que o extremo oposto disso que asfotos tambm expressam verdades muito maiores do que a gente imagina. Ns asconsideramos apenas um registro automtico da verdade, mas no assim. Trata-sesempre de uma interpretao. No se trata de algo objetivo, e tendo em mente tudo issoque acabo de dizer, acho que fizemos tanto um grande progresso como tivemos grandesretrocessos. A tecnologia que cria imagens fabricadas usadas em certas revistas o frutoda filosofia de que a fotografia uma ilustrao de uma opinio dos editores. Assim, sea pessoa decidir que esses dois atores de que falei, em minha exposio, so sujeitosfelizes que se do muito bem, ento o computador fabuloso para prov-lo. No foi

    idia do computador. A idia foi dos editores e das pessoas que desejam utilizar ocomputador para provar seus pontos de vista. O computador, portanto, perfeito parailustrao fotogrfica, mas pode ser um grande problema quando se trata de explorar edescobrir efetivamente o mundo. A introduo dos computadores no fez com que asrevistas parassem de investigar o mundo. Muitas publicaes tomaram essa deciso porconta prpria anos atrs, em termos do uso da fotografia. O surgimento doscomputadores no mundo da fotografia apenas coincidiu com uma poca em que, emdeterminados contextos e culturas, comeou-se a usar a fotografia com certos objetivos.Minha impresso de que se essa utilizao for um tiro pela culatra e as pessoas

    pararem de acreditar na fotografia como um instrumento imediato de concesso deautoridade a um determinado conceito, ento talvez se entenda que a foto tem muito

    mais sutileza. Tanto expressa verdades como mentiras e opinies especficas.

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    portanto, algo muito mais complexo do que imaginvamos. Mas eu nunca culparia atecnologia, e sim as pessoas que fazem o uso dela.

    Como funciona o direito autoral no caso das transformaes em imagens originais feitaspelo Sytex?

    PR: Trata-se de um problema, e no h resposta para ele. No existem respostas paramuitos desses problemas porque as respectivas prticas so muito recentes. Quando

    juntei imagens para The New York Times Magazine tive permisso para faz-lo, masfoi preciso decidir quanto se pagaria a cada fotgrafo. Naquele trabalho, a torre Eiffel,

    por exemplo, era menor que outros elementos. O fotgrafo, nesse caso, deveria recebermenos que os outros porque ela sairia menor? Como decidir a diviso desse pagamento?J existe uma grande preocupao entre os fotgrafos com esse tipo de coisa. Tomemosum caso. Algum faz uma foto muito bonita de um barco a vela, em que aparecem o cuazul, o cu brilhando e outros elementos. O diretor de arte muda a foto num computador

    para tornar as cores diferentes, retirar alguma inscrio do casco do barco e, a partir da,

    ningum est comprando a foto feita pelo fotgrafo, mas a imagem alterada. Quem proprietrio dessa imagem alterada? O fotgrafo? O diretor de arte? Essas questessobre propriedade intelectual, sobre quem est mais representado em determinadotrabalho e coisas do mesmo gnero so importantssimas e no foram resolvidas ainda,embora preocupem muito a muita gente, especialmente aos fotgrafos.

    David Zingg: H coisas estranhas acontecendo no mundo. H uma galeria no Texasespecializada em arte publicitria dirigida por uma senhora francesa muito ativa eatraente que s vende imagens computadorizadas de altssimo nvel. So trabalhosconstrudos de tal forma que dificlimo dizer se trata de arte propriamente dita ou defotografia. Eu estive num encontro a que ela tambm compareceu. Ali, ela assegurou,levantando sua mo direita, como se estivesse fazendo um juramento de escoteiro, quenunca sequer sonharia em roubar uma imagem, mas no d para saber quando e se issoocorreu ou no. Vi tambm fotos do tipo da que Ritchin produziu para The New YorkTimes Magazine num jornal da Califrnia - acho que foi no San Jose Mercury feitas

    para mostrar o que pode ser realizado hoje em dia nesse terreno. Uma delas foipublicada na poca da posse do presidente George Bush e era fascinante: tinha Bush nopdio da Casa Branca, mas com ele tambm estavam Jimmy Carter, Mike Dukakis,Ronald Reagan, claro, mas tambm John Kennedy sorrindo na segunda fila deconvidados. Pode-se, portanto, fazer coisas simplesmente assustadoras com as novastecnologias. Mas decidir a respeito da propriedade e controle desses produtos vai ser

    muito engraado nos prximos dez anos.Fred Ritchin: H algo que eu gostaria de acrescentar s para mostrar a ironia que essanova situao capaz de produzir. Um fotgrafo ganhou recentemente o prmioPulitzer nos Estados Unidos. Trata-se, como se sabe, de um grande prmio, e ele foifotografado no jantar em que recebeu o Putitzer. Um jornal de Saint Louis usou umcomputador para eliminar uma lata de Diet Coke que aparecia na foto, e o caso mereceudestaque na imprensa. A grande ironia, naturalmente, usar um computador pararetocar uma fotografia e , portanto mudar a realidade de uma imagem onde figura umhomem que, justamente, est recebendo um prmio de fotojornalismo. No tenhocerteza de que a ironia seja clara para todos os que, nos Estados Unidos, trabalham em

    jornalismo, mas para mim isso resume todo o problema que estamos discutindo.

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    Voc disse que a fotografia fala em diferentes idiomas, em diferentes culturas e usou opapa na Polnia como um exemplo da diferena entre a leitura americana e a leiturafrancesa de imagens. Porque voc diz que se trata de uma linguagem diferente?

    FR: Nem todas as imagens so capazes de passar de uma cultura a outra. Dou um

    exemplo. Em Havana, uma fotgrafa fez fotos mostrando uma garota de 15 anos devestido branco longo, comemorando seus 15 anos, e vrias pessoas na rua olhando paraela - adultos, garotos e garotas. Para mim a imagem era de uma fantasia de Hollywood.A garota fazendo 15 anos, tomando-se uma mulher, tomando conscincia de suasexualidade. Era como se ela tivesse sido destacada do restante das pessoas. Disse entoo que pensava fotgrafa, uma cubana, e ela ficou horrorizada. Ela me explicou queaquele ritual era odiado em Cuba, era algo anterior revoluo e o objetivo da srie deimagens que ela fez da cerimnia era mostrar o quanto aquilo era ruim, o quantosignificava um desperdcio. A sensao de algum ser diferente dos outros daquelaforma era, na verdade, uma crtica dentro de um pas socialista. Tivemos, portanto, duasleituras opostas das mesmas imagens. Para mim, vindo de um pas capitalista, muito

    bom um sentido de individualizao da pessoa que a faa destacar-se da massa. Para ela,tratava-se de uma imagem crtica de algum que se distinguia da massa - umdesperdcio, em sua opinio. H muitos exemplos de imagens fotogrficas relacionadasa culturas. Eu mesmo levei muito tempo para entender o significado das imagensmexicanas, aquele senso de realismo mgico. Fazer isso o mesmo que reconhecerGarcia Mrquez escreve de forma distinta da de Norman Mailer. Trata-se de umsentimento diferente da realidade. Na fotografia a mesma coisa. Os fotgrafos tm queser lidos desta forma, e no encarados como se fosse uma s coisa.

    O que quis dizer em relaco a Paris Match e The New York Times Magazine foi queaquela foto do papa que a revista francesa publicou no seria adequada aos EstadosUnidos, porque na Frana, o ritmo da vida seria o objeto a ser focalizado. Cartier-Bresson no poderia ser um fotgrafo americano, com aquele sentido de elegncia nomomento decisivo. Walker Evans, um fotgrafo americano extremamente direto eobjetivo, no poderia ser um fotgrafo francs.

    Acho que essas coisas so faladas de formas diferentes e penso que quanto maisinformaes um fotgrafo tem a respeito de determinada cultura, maior a suacapacidade de, nas fotos, mostrar o que compreende. Por exemplo, quando fui curadorda exposio de fotgrafos latino-americanos - em que havia muitas imagens do tipodocumental de profissionais como Sebastio Salgado, Graziela lturbide, Sandra Leite,

    retratos de pessoas, gente comum, camponeses etc. - o crtico do The New York Timesse declarou "chocado'". Ele julgava que o ps-modernismo tinha tomado conta domundo e era a motivao cultural vigente em toda parte. Portanto, fez uma leitura daexposio de um ponto de vista ps-moderno e disse: "Esse material no faz sentido

    para mim". Ele no entendia a cultura de onde vinham aquelas fotos, seu contexto esignificado. Essa uma espcie de resposta curta e genrica para a percepo de que afotografia falada de forma diferente em lugares diversos, e pode ser compreendida deforma diferente se a pessoa conhece um pouco da cultura de onde ela provm. Em geral,tendemos a seguir a direo oposta. Quando se pede a um fotgrafo americano ummaterial sobre um dia na vida do Japo, ele quase sempre acaba fotografandolanchonetes da Kentucky Fried Chicken, a Disneylndia de Tquio, mquinas de Coca-

    Cola ou de Pepsi-Cola. Olhando para essas fotos pode-se perceber perfeitamente queeles deixaram sua prpria cultura impressa no material que fizeram sobre uma cultura

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    diferente. Eles no enxergaram a cultura japonesa, limitando-se a registrar os costumescomo eles so nos Estados Unidos. Em minha opinio, esse tipo de problema nafotografia no reconhecido nem debatido suficientemente.

    Voc comentou as diferenas de linguagem existentes entre a fotografia americana e a

    francesa. Como se forma a linguagem fotogrfica de um pas?

    FR: A meu ver existem diferenas na pintura ou na literatura produzida em qualquercultura. O que estou tentando dizer que h um componente intelectual na fotografia,que o sentido de famlia do ser humano - de que somos uma coisa s, falamosfotograficamente a mesma coisa, temos os mesmos problemas, podemos olhar paraqualquer foto e entend-la perfeitamente como os demais o fazem - simplesmente noexiste. Acho que fotos de eventos, fotojornalismo, uma espcie de linguagem em quetodos podemos nos entender uns aos outros. Mas medida em que a fotografia se tomaum terreno mais profundo e telrico, a comeamos a ver as diferenas, tanto entreindivduos como entre culturas. preciso ento ler, ver e apreciar a fotografia de forma

    diferente. Reconhecemos isso sem problemas quando se trata de escritores ou pintores,mas muito mais difcil faz-lo no caso de fotgrafos.

    Tudo vai ficar menos complicado quando as pessoas entenderem algo que me parecebvio, ou seja, que ningum deve ler e ver as coisas de outras culturas armado com seus

    preconceitos. No se vem ao Brasil esperando todo mundo fotografar como RichardAvedon para, depois, dizer que apenas os profissionais parecidos com ele so bonsfotgrafos, s porque ele respeitado nos Estados Unidos. Deve-se tentar penetrar nacultura e entender o que ela significa. Eu tive um aluno de fotografia mexicano em

    Nova York que costumava fotografar vitrines. Subitamente, com ele, todos osmanequins de vitrine pareciam seres vivos. Eu nunca tinha visto isso acontecer em

    Nova York. Sempre olhei para os manequins como objetos extremamente secos,amorfos, comerciais, e o fotgrafo foi capaz de enxergar a fantasia contida neles. NoMxico ele tem essa capacidade de enxergar, e por isso que eu acho que diferentes

    perspectivas permitem diferentes interpretaes de um determinado lugar, e elas soexpressas de formas diversas.

    Em TV, a imagem to forte quanto a palavra. Em sua opinio, a maneira de olhar ofotgrafo de TV deve ser diferente da do fotgrafo de revista ou do jornal?

    FR: Sim, porque uma construo diferente. Num certo sentido pode-se dizer que uma

    fotografia um poema e uma apresentao de TV um romance. Uma foto pode serolhada, estudada, ser objeto de reflexo e capturada na mente do observador como umsmbolo. Todo mundo se lembra da foto de Eddie Adams no Vietn mostrando aexecuo de um vietcong com um tiro na cabea. Um filme de TV feito na mesma hora,sobre o mesmo acontecimento, menos lembrado. Da mesma forma, a foto de um

    jornal pode ser diferente de uma foto de revista. A foto para jornal tem menosgraduao de tom do que a de revista. Normalmente os profissionais fotografam para o

    jornal deixando margens de espao dos lados da cena para que a foto possa ser cortada.A foto do papa no Paris Match que eu mostrei impossvel de ser cortada. Numarevista, onde existe mais espao e possibilidade de reproduzir nuances, as extremidadesda foto tambm so usadas, algo que no se pode em geral fazer nos jornais. As fotos

    em revistas e jornais so to diferentes quanto devem ser os textos para um e outroveculo. Os nveis de complexibilidade no so os mesmos nos dois. Acho, portanto,

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    que existem vrias formas de utilizao da fotografia e, sim, diferente a postura de umfotgrafo de TV, embora eu no esteja certo de que todo mundo que faz fotografia tenhaconscincia disso.

    Uma foto dramtica mais forte em preto e branco ou em cores?

    FR: Muitas vezes se considera que as fotos em preto e branco so sedas, e as em coresno so. No concordo com isso. Acho que ambas podem ser tanto fotos srias comofotos fceis, dependendo de como so usadas. Alguns fotgrafos, como SebastioSalgado, trabalham com a cor para revistas, e continuam sendo excelentes profissionais.Alis, por falar em Salgado, quando eu estava na The New York Times Magazine pedi aele um trabalho sobre o cirurgio plstico Ivo Pitanguy para uma matria de trs pginasna revista. Eu no conhecia Salgado pessoalmente, mas tinha visto seu portiflio,resolvi cham-lo e encomendei para ele a matria toda. Ele topou e quando as fotoschegaram, em cor, estavam fantsticas, mostravam tudo. Pitanguy, seu trabalho com os

    pobres e ricos, onde ele vive, ele nos fins de semana, os amigos, ele jantando, fazendo

    karat numa academia - tudo. Eu disse que era o melhor material daquele tipo que eu jtinha visto: ele cobrira tudo, e muito bem. Isso foi h dez anos, e recentemente Salgadome disse: "Sabe Fred, aquele meu trabalho, que voc elogiou tanto? Sabe qual foi o

    problema? Naquela poca eu no falava nada de ingls. No entendi uma palavra do quevoc me disse e ento resolvi fotografar tudo o que era possvel para cumprir a pauta".

    David Zingg: Quanto questo da cor na fotografia, acho que se existe emoo nasfotos em cores elas so to boas ou mesmo mais fortes, ou mais terrveis ouassustadoras do que as em preto e branco. Se no h emoo, ento a cor no fazqualquer diferena. Em minha opinio, boa parte desse preconceito ou doquestionamento em relao cor ou ao branco e preto j faz parte da histria. Muitos dens, fotgrafos, fomos formados e crescemos sob a influncia de revistas como PicturePost, View, Life e outras do gnero, bem como dos jornais que existiam antes delas, e

    passamos a associar a verdade com o preto e branco. No estou de forma alguma certode que a atual gerao sequer pense no assunto.

    Os jornais modernos tomam-se mais rpidos a cada dia, graas s inovaestecnolgicas. Por outro lado esto sujeitos a presses cada vez mais intensas, seja do

    ponto de vista industrial, seja quanto distribuio. Assim sendo, o que resta hoje aoeditor de fotografia a tarefa de preencher espaos previamente estabelecidos - buracos- e a tendncia no s que essa situao se mantenha, mas que se agrave. Como

    conciliar, nesse caso, o ideal com a realidade? No estaramos trabalhando sobre umaimpossibilidade?

    FR: Em todos os lugares, em todos os pases h problemas no uso de fotos pelasdiferentes publicaes. rarssimo encontrar algum que trabalhe com fotografia e acheque est sendo usada da melhor forma possvel, ou da forma mais eficaz. So semprevariaes de grau do mesmo problema. Em parte trata-se da questo do respeito fotografia e sua veracidade visual. Em meu primeiro ano de trabalho na The NewYork Times Magazine, editamos sete ensaios fotogrficos, e fiquei muito feliz. A oeditor da revista descobriu que ramos capazes de fazer capas belas e atraentes, e ele

    passou a ficar mais interessado nelas do que nos ensaios. Alm dos ensaios demorarem

    mais tempo, ele no os entendia nem apreciava. Fizemos um sobre o Ir que ganhou umgrande prmio internacional, e mesmo assim ele no conseguiu entend-lo. Ento todos

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    ns temos esses problemas, e a questo saber como trabalhar dentro do espaoexistente e realizar algo com fora e impacto para, depois, conseguir espao e fazercoisas aderentes. uma luta que todo mundo precisa travar, e a razo porque eu fornecialguns exemplos foi s para dar idias. Mas acho que tambm o caso de ver outras

    publicaes e tentar mostrar o que possvel realizar. No final dos anos 70,

    costumvamos usar The Sunday Times Magazine para mostrar ao nosso editor na TheNew York Times Magazine o que era possvel fazer, j que os ingleses publicavamtimos ensaios fotogrficos. De todo modo, difcil, muito difcil fazer a utilizao

    plena do potencial das fotos. E essa uma das razes que levaram vrias revistaspublicarem trechos de livros de fotografia: elas no querem assumir riscos, entoesperam a publicao de livros e editam do material deles.

    Voc acredita que essa pasteurizao da fotografia na grande imprensa se deve a umanecessidade mercadolgica ou fora dos fotgrafos dentro das redaes?

    FR: Eu descobri recentemente que, nos Estados Unidos, as fotos de publicidade so

    mais interessantes que as fotos jornalsticas. Elas tm mais sutileza, mais nuance, svezes at fazem as pessoas aprenderem mais a respeito de outras. Elas contm maisliberdade. No acho que isso se d por falta de imagens, ou de bons fotgrafos, de idiasou de situaes. Acho que porque se comeou a usar muito a fotografia nos ltimosanos pela simples razo de que os leitores gostam, sem que nunca se soubesseexatamente o que fazer com ela. Boa parte do problema est a: h muito pouca tradiona utilizao da fotografia de maneiras significativas, relevantes. As pessoas falamsempre nas presses do mercado. No acredito nisso, porque a cada conferncia a quecompareo, cada vez que fato sobre o assunto, seja com fotgrafos, seja com pessoasno ligadas fotografia, existe um desejo de ver e de aprender coisas e acho que ele

    pode e deve ser preenchido. O Libration, de Paris, um exemplo de um jornal que usamuito bem a fotografia e tem uma boa tiragem.

    Assim, no acho que seja necessrio haver presses do mercado. Acho que se trata deter um sentido de aventura, de esprito, de excitao, de usar a fotografia para sacudir oleitor. As pessoas tm muito medo de fazer isso. Se voc produz algo que vira umsucesso e, depois, comete algum erro, encrenca na certa. Se o produto um sucesso evoc se aferra a uma frmula, at capaz de que aos poucos ele se d mal, mas vocno ter problemas por causa de um erro especfico. Esse tem sido freqentemente o

    processo de edio editorial em matria de fotografia.

    Existe nos jornais brasileiros uma preponderncia de fotos de pessoas do tipo usado emcarteiras de identidade, que chamamos de bonecos. A mesma prtica existe em algunsjornais americanos, como USA Today. Trata-se de uma tendncia internacional ousimplesmente de falta de criatividade?

    FR: falta de criatividade. Vou dar um exemplo. Um dos membros daquele famosoconjunto musical americano Peter, Paul and Mary - Paul - disse um dia que eraextremamente significativa a forma pela qual os ttulos de revistas vinham mudando nosEstados Unidos com o passar dos tempos. Primeiro havia a revista Life. Queria dizertudo: vida. Mais tarde, a revista popular ficou sendo People. J era apenas gente,

    pessoas - no mais a vida toda, mas as pessoas. Depois veio a revista Us. Ento j no

    se tratava mais de vida, nem de pessoas, mas apenas de ns. A revista seguinte a sepopularizar foi Self, a deixou de ser ns para virar somente o ser de cada um, e a

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    previso de Paul era de que a prxima revista popular se chamada Me. De algum modo,acho que isso resume a tendncia observada nas publicaes, pelo menos nos EstadosUnidos e em muitos outros pases. possvel, como disse nesse encontro Tony Hali, daBBC, que uma matria sobre quanto vale a casa dos telespectadores seja muito maisimportante para eles do que a Europa Oriental. Em referncia a USA Today, um bocado

    de revistas tm imitado a TV e procurado parecer TV, e isso um tremendo equvoco.Em minha opinio, USA Today parece TV e faz um uso terrvel da fotografia. o maiseficiente, o mais eletrnico, o mais rpido jornal e tambm o menos significativo.

    Qual sua opinio sobre a fotografia em cores nos jornais dirios?

    FR: Se ela puder ser impressa de forma clara e for relevante, sou a favor. Muitos jornaistrazem fotos em cores s para mostrar ao leitor que ele est comprando algo colorido na

    banca, algo especial, mas na verdade so fotos sem qualquer importncia especial. Masacho que, se for bem impressa e tiver contedo, timo. Caso contrrio, melhor ficarcom o preto e branco porque ele facilmente compreendido pelo leitor.

    Voc acha que o still vdeo algo que ser usado cotidianamente no futuro?

    FR: No falei mais longamente sobre a cmara de still vdeo em minha exposio porfalta de tempo. Esta cmara a cmara de disco magntico, cujo uso e funcionamento jesto sendo ensinados nas universidades americanas. No momento, ela j vendida paraamadores. a Canon Zap Shot, onde pode se ver imediatamente, numa tela de TV, 50diferentes imagens captadas num videodisco. No h negativo. Os discos soreutilizveis e podem ser trocados. Respondendo pergunta: sim, acho que o still vdeovai ser usado profissionalmente de forma efetiva para a cobertura de fatos de ltimahora. Em ensaios, essas cmaras no so teis nem relevantes. Temos, porm, que

    pensar no apenas no uso propriamente jornalstico, mas tambm em termos de histriacultural. Eu saio com a minha Canon Zap Shot, uma cmara de still vdeo. Fotografominha famlia e confiro em minha tela de computador o resultado. E resolvo que nogosto de minha tia. Vou e tiro minha tia da fotografia. possvel que eu resolva faz-lasumir da foto dali a cinco anos. Minha tia, assim, acaba nunca tendo estado naquelafoto. Ou ento, eu viajo em frias - na verdade, no viajo em frias, mas pego uma fotoda torre Eiffel e coloco minha famlia diante dela. A fao cpias e mando para todos osamigos como carto de Natal, embora ns jamais tenhamos colocado os ps em Paris.Todas essas coisas tornam-se possveis, com essa inovao, e a fotografia como fonte dehistria cultural de uma famlia, uma comunidade, ou um pas passa ento a no mais

    ser algo em que possa confiar, se for modificvel dessa forma, sem que ningum saiba.Essa mais uma questo sobre a qual eu acabei no falando mas que igualmenteimportante para o jornalismo, porque se trata de histria, de nosso sentido de passado,tanto de pequenas unidades - como famlia - quanto de povos ou naes. um grande

    problema, algo que revoluciona a fotografia e tem implicaes que vo alm delapropriamente.

    David Zingg: Gostaria de observar que o jornal USA Today tem usado, vez por outra, ostill vdeo para acontecimentos de ltima hora, e h outros jornais que tm feito amesma coisa. Se a impresso do jornal for boa, a imagem tem uma qualidade razovel -isto pode ser bem explicado tecnicamente, mas em termos prticos algo parecido com

    as radiofotos de agncias internacionais.

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    Leonel Kaz: Gostaria de fazer trs observaes a partir do que foi exposto por FredRitchin. So observaes de natureza prtica, que tm a ver com o prprio trabalhocotidiano. A primeira que h uma necessidade muito clara de que os profissionais detexto tenham um conhecimento mais pleno de imagem. Isso hoje crucial em todas asreas, no apenas por causa do avano dos meios de comunicao audiovisuais, mas do

    prprio jornalismo de revistas, jornais e mesmo de livros. Refiro-me ao conhecimentode imagem lato sensu, de propores, de cortes de fotografia, de produo fotogrficaem todos os nveis - tudo isso ajuda profundamente o trabalho editorial. impressionante como o resultado profissional final facilitado quando o redator, oreprter, o editor, o redator-chefe tm pleno conhecimento de todo o processo.

    A segunda colocao tem a ver com algo que j foi mencionado, o livro A Day in theLife of America. Faz parte de uma srie de livros que vm sendo publicada nos EstadosUnidos e tem tido a participao de fotgrafos brasileiros. Um deles o SebastioSalgado e o outro o brasileiro Klaus Mayer, da Cmara 3. curioso o fato de ele terestado na China exatamente um ms antes de todos os acontecimentos da Praa da Paz

    Celestial. Ele trouxe um material magnfico - cerca de 500 fotos - que mostravamexatamente o outro lado da China, no aquele que pde ser mostrado atravs da imagemda fotografia da guerra, do embate, ou das dificuldades de convivncia entre os que

    pretendem mudar e os que esto no poder. Ele esteve no interior da China e seaproximou de regies onde um homem branco nunca tinha sido visto antes. As pessoastocavam sua pele querendo saber que plos eram aqueles que ele carregava nos braos.

    A terceira observao sobre o que o David falou a respeito do Sytex, equipamentoutilizado no Brasil. O curioso so paradoxos como o originado por esse tipo detecnologia. O Sytex foi criado para aprofundar a transformao da imagem dalinguagem fotogrfica na sua decodificao em fotolito, para que se obtenha um melhorresultado de impresso. Quer dizer, a inteno foi claramente propiciar uma melhorleitura com mais profundidade, com maior volume de informaes provenientes dosmilhes de bits existentes em cada fotografia. Enfim, esses paradoxos que so criados

    por novas tecnologias acabam ajudando muito, principalmente em campos como o damedicina, nos quais a fotografia tem tido um desenvolvimento muito grande.