França de 1968- Mês Da Revolução

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França de 1968 Mês da Revolução Lições da Greve Geral Por Clare Doyle Tradução Diego Siqueira Uma publicação do Socialismo Revolucionário 5 reais

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Artigos sobre o movimento de 1968 na França.

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  • Frana de 1968

    Ms daRevoluo

    Lies da Greve GeralPor Clare Doyle

    Traduo Diego Siqueira

    Uma publicao do Socialismo Revolucionrio 5 reais

  • Este livro tem o objetivo de trazer vida ao drama de um msna Frana, no qual o futuro do capitalismo esteve em perigo. Dezmilhes de trabalhadores, ocuparam as fbricas e locais de tra-balho de todo o pas, hasteando bandeiras vermelhas e cantandoa Internacional, deixando claro seu desejo por uma nova socie-dade. Eles foraram um poderoso presidente a fugir do seu pas.Arrastaram para seu lado amplas camadas da classe mdia.Soldados, marinheiros e a policia estavam prontos para se amo-tinarem. A chama do movimento transbordou fronteiras, inspi-rando trabalhadores e estudantes nas vizinhas Blgica, Gr-Bretanha, Espanha e, acima de tudo, Itlia.

    medida que se aproxima o 40 aniversrio destes momen-tosos eventos, vemos uma tentativa deliberada, atravs da cober-tura da mdia, de menosprezar e trivializar seu verdadeiro signi-ficado. Ela concentra-se nas extravagncias mais exticas dos es-tudantes, retira o contedo anti-capitalista dos movimentos queapareceram mundialmente, e diz pouco ou nada sobre o que foi

    a mais poderosa greve geral da histria. Este ms da revoluono corao da Europa demonstrou que uma transformao socia-lista da sociedade estava ao alcance.

    Par a mdia de massas propriedade dos capitalistas e agin-do no interesse do capitalismo quanto menos se falar de socia-lismo melhor! Isso ainda mais verdadeiro agora, quando estelivro est sendo republicado. Os capitalistas j reconhecem queesto beira da pior crise de seu sistema desde a GrandeDepresso dos anos entre guerras.

    No ano seguinte ao que Ms da Revoluo foi originalmen-te escrito, em 1989, as economias planificadas estatais da UnioSovitica e Leste Europeu comearam seu histrico colapso,caindo como um castelo de cartas depois que o Muro de Berlimveio abaixo. Nos disseram ento que o socialismo tinha acabado.O meio ideal de dirigir a sociedade, de agora em diante, seria ca-pitalista, sem nenhum concorrente. Fim da histria! Ou, como omuito citado Francis Fukuyama declarou, o fim da Histria!

    Frana de 1968 Ms da Revoluo pg 2

    Introduo

    O mundo de 68 e a Frana de hoje

    Introduo: O mundo de 68 e aFrana de hoje . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2

    Um ano para ser lembradoDireitos civisStalinismo1968 e suas conseqnciasPartidos OperriosNovas forasBatalhas passadas e presentesRelevncia de 68 no mundo de hojeLies da greve geral revolucionriaOs sindicatos hojeUm espectro assombra os patres

    Ms da Revoluo Liesda Greve Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9

    Retrospectiva

    Uma Revoluo em fabricao . . . . . . . . . . . . . . . . .9Estado forte?

    Estudantes tomam as ruas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .10Jovens Trabalhadores se unem

    O Boom um grande custo . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12Uma viso do InfernoFbricas de EducaoRepresso Estatal

    As nuvens de tempestade se aproximam . . . . . . . . .15Nos Primeiros dias...Os estudantes ocupam

    A Tempestade Arrebenta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17'A Grande Fora Tranqila''Srs. Democratas e Comunistas'

    Poder na Balana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19Comits de AoPara que serve uma RevoluoA Classe mdia entra em aoCulturaRevoluo ou No?

    Quatro condies para a Revoluo . . . . . . . . . . . .23Diviso da classe dominanteA Classe Mdia GanhaPolicia e exrcito oscilamUma democracia operria?

    O Ponto de Inflexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27Poder DualAlternativa ComunistaResultados Eleitorais

    As lies de Maio de 68 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31SectarismoGiro aos Partidos Tradicionais

    ndice

  • Mas menos de vinte anos depois, est se tornando mais b-vio a cada dia que o capitalismo um sistema cego, anrquico eperigoso. A espiral descendente na economia mundial ir mer-gulhar dezenas de milhares a mais na pobreza e no desespero. Apotnciamais perigosa, os EstadosUnidos daAmrica, e seu elen-co cada vez menor de aliados, est atravancada em guerras hor-rendas e que no podem ser ganhas. Mesmo a sobrevivncia fu-tura da espcie humana est em perigo com o aquecimento glo-bal, culpa da ganncia dos patres, que ostentam sua riqueza ese recusam a mudar o curso.

    Pouco admira que sua mdia tente enterrar o verdadeiro sig-nificado de 1968. Para as novas geraes de jovens e trabalha-dores, recontar os eventos uma reafirmao da validade, e defato da necessidade, de manter e intensificar a luta por uma so-ciedade socialista.

    Um ano para ser lembrado1968 foi um ano para ser lembrado, no apenas na Frana,

    com a greve geral revolucionria que o assunto deste livro, masem toda a Europa e mundialmente. Existem poucos de tais anosna histria. Eles so normalmente associados com fenmenos taiscomo uma guerra, especialmente mundial, ou uma revoluo, emespecial uma que se espalha de pas para pas, como 1848 ou 1917-18. Houve o ano da crise econmica em 1929 emesmo o ano dascontra-revolues de 1989.

    Mas 1968 foi memorvel de um modo diferente. Fora o fatode ser o ano em que os primeiros astronautas viram o lado escu-ro da lua, foi um ano de dramticas eventos polticos por todo oglobo eventos que abalaram as classes e elites dominantes domundo at a medula. Movimentos de massas os foraram a re-pensar suas estratgias de se manter no poder e deram coragemaos que desafiaram a eles e o modo capitalista de fazer as coisas.

    Foi um ano de revolta estudantil contra a guerra, opresso eautoritarismo e contra o sistema dos lucros em pases to distan-tes como Brasil, Polnia, EUA, Gr-Bretanha,Alemanha, Japoe Mxico. Foi o ano da ofensiva do Tet no Vietn e das manifes-taes anti-guerra e anti-imperialistas de massas nos EUA, Gr-Bretanha e outros lugares, que estiveram por trsda mudana de trajetria do presidente demo-crata norte-americano Lyndon Johnson, a res-peito do sangrento envolvimento de seu pas noVietn.

    Em maro, Johnson anunciou que ele nose candidataria na eleio presidencial daque-le ano. Em agosto, a conveno do PartidoDemocrata emChicago foi sitiada por dezenasde milhares de manifestantes que exigiam a re-tirada imediata de todas as tropas do Vietn. Oprefeito Daley enviou batalhes pesados da policia contra eles,que foram espancados e presos s centenas. Tudo isso foi mos-trado pela TV em todo o globo. O grito que subiu dos manifes-tantes combativos foi: O mundo inteiro est vendo vocs!.

    Os lderes, os oito de Chicago, foram processados. No fimdo ano, o candidato republicado, Richard Nixon, foi eleito pre-sidente o homem que terminaria a guerra no Vietn, mas noantes de ordenar muitas ofensivas brutais a mais na sia, incluin-do os assassinos bombardeios encobertos no Camboja. Hoje, de-pois de cinco anos de envolvimento no Iraque com astronmi-cos custos humanos e financeiros, comAbuGhraib, Guantnamoe rendio, o regime de George Bush se afunda cada vez maisno lodaal da impopularidade em casa e no estrangeiro.

    Foi no ano de 1968 que os oficiais Baathistas no Iraque im-plementaram o golpe que levou Saddam Hussein ao poder. Foicriada uma das mais brutais ditaduras do mundo, e, como tantasoutras, esta desfrutou do apoio ocidental por muitos anos. 1968tambm viu o juramento como presidente da Indonsia do dita-dor General Suharto. Com o total apoio dos EUA e do imperia-lismomundial, nos dois anos anteriores ele foi o responsvel pe-

    la carnificina de mais de um milho de membros e simpatizan-tes do poderoso Partido Comunista Indonsio.

    Na Rodia hoje Zimbbue Ian Smith, o supremacistabranco que morreu este ano, lutava para manter sua ditadura deuma minoria sobre a maioria negra oprimida. Na frica do Sul,o abominvel regime do apartheid de outra minoria branca mi-madamantinha dezenas demilhes de trabalhadores e jovens ne-gros escravizados. Contudo, a resistncia crescia nacional e in-ternacionalmente.

    Em 1968 na China, a brutal Revoluo Cultural de Mao,na qual milhes foram mortos, caminhava para srias dificulda-des. Ela tinha sido iniciada como uma tentativa de regenerar aeconomia chinesa estatal e planificada como era mas tam-bmpara expulsar os capitalistas dentro da casta dirigente. Comona Unio Sovitica e outros estados stalinistas, a sociedade eradirigida por uma enorme burocracia parasitria que afirmava go-vernar em nome da classe trabalhadora, mas com nenhum ele-mento de democracia operria e sugando as energias vitais do cor-po do qual ela dependia. Mas a revoluo de Mao a partir dacpula estava indo longe demais para certas camadas da buro-cracia. Apenas respirando o oxignio do controle e gesto ope-rrios uma economia estatal poderia ser saudvel e plenamentedesenvolvida.

    Na Europa, rachaduras estavam aparecendo nas ditaduras dedireita de Portugal e Grcia, que seriam derrubadas cinco anosdepois. Em Lisboa, Marcelo Caetano substituiu, como chefe doregime militar, Antnio de Oliveira Salazar, depois que este setornou incapacitado devido a um acidente. Em Atenas, a juntados coronis gregos zigue-zagueava entre represso e concesso libertando o cantor Theodorakis mas mantendo plebiscitos pa-ra reforar o seu domnio.

    Direitos civis1968 na Irlanda do Norte viu as primeiras exploses do mo-

    vimento dos direitos civis contra o governoUnionista1. Perseguidospela intolerante Polcia Real doUlster2 e os odiados B-Specials3,a juventude e os trabalhadores das reas catlicas de Derry se le-

    vantaram. Os movimentos de massas que se de-senvolveram viram importantes exemplos deunidade entre trabalhadores e jovens catlicos eprotestantes que outros, mesmo na esquerda, es-colheram ignorar.

    Nos EUA em 1968, a luta pelos direitos dosnegros j estava sendo travada h alguns anos.Em 4 de abril, seu lder mais famoso, MartinLuther King Jr., foi assassinado em Memphis,Tennessee. Tendo se movido progressivamente esquerda, King tinha, naquele dia, falado em

    um comcio de apoio aos lixeiros em greve.Seis meses depois, nos Jogos Olmpicos no Mxico, os velo-

    cistas negros americanosTommySmith e JohnCarlos fizeram suafamosa saudao de punho fechado dos Panteras em cima do p-dio, em desafio ao governo dos EUAe em solidariedade com a lu-ta dos trabalhadores e jovens negros daAmrica. Eles foram vis-tos como heris por milhes em todo omundo, mas vilipendiadosna imprensa dos EUApor seu insulto aos poderes existentes. Orancor da classe dominante refletiu-se na deciso do ComitOlmpico de bani-los dos Jogos Olmpicos por toda a vida.

    Dez dias antes do comeo daqueles Jogos, ocorreu um dosmais horrveis eventos daquele ano tumultuoso. Dezenas de mi-lhares de jovens marcharam ao estdio para expressar seu dio guerra e ditadura. Os tanques e armas do regime de Daz

    Frana de 1968 Ms da Revoluo pg 3

    1 Que defende a Unio com a coroa britnica, contra a uniocom a Repblica da Irlanda.

    2 Ulster = Irlanda noNorte, a RUC foi um corpo policial que atuouentre 1922-2001.

    3 Tropas paramilitares usadas contra a populao catlica.

  • Ordaz, com a ajuda do Pentgono, foram jogados contra eles,massacrando mais de 300. Cenas de corpos de jovens empi-lhados uns sobre os outros foram transmitidas por todo o mun-do e apenas realaram a raiva dos trabalhadores e jovens in-ternacionalmente contra os governantes e contra o sistemado capitalismo.

    Na ndia, a oposio s polticas do Partido do Congresso for-ou Indira Gandhi a simular um giro esquerda, mas tambm aadotar o governo presidencial para manter o controle em qua-tro dos estados mais populosos. Movimentos de massas noPaquisto desafiaram o governo dos senhores feudais e dos mi-litares, levando queda, no ano seguinte, do ditadorAyub Khan.

    Por todo o mundo do capitalismo e do latifndio, no Orientee Ocidente, revoltas polticas e culturais estavam em pleno flo-rescimento. Foi um ano no qual as lutas das mulheres por paga-mento igual e controle sobre suas prprias vidas crescia rapida-mente. Um ano, tambm, em que os movimentos pelos direitosdos gays se afirmavam. Um esprito de desafio e ultraje permea-va a sociedade, especialmente os jovens.

    Na Gr-Bretanha, o governo Trabalhista deWilson ficava ca-da vez mais impopular. Protestos e greves de massas se desen-volviam, inclusive contra sua tentativa de restringir a atividadesindical, que culminou no ano seguinte com o infame projeto Emlugar do Conflito, proposto pela ministra do trabalho, BarbaraCastle. Este era um governo trabalhista tentando impor uma le-gislao anti-sindical, o que lanou as bases para os brutais ata-ques dos governos Tories de Heath e Thatcher. Suas leis perma-necem at os dias de hoje em vigor, nunca sendo substitudos pe-lo Novo Trabalhismo.

    Naquela poca, o PartidoTrabalhista ainda era um partido ope-rrio com lderes burgueses. A presso de baixo forou Wilsona voltar atrs em vrias questes. Era impossivel para ele apoiarfisicamente os EUAnoVietn com tropas. O Partido TrabalhistaBlairista no teve tais constrangimentos em relao ao Iraque.Apenas isso indica o carter da gerao dos anos 60.

    As tentativas das classes dominantes e da mdia atual de refu-tar as idias do anti-capitalismo e do socialismo iro despertar uminteresse renovado. Sua incapacidade de impedir novas crises apso colapso de seu super-esgotado sistema de crdito ir criar as con-dies para a ascenso de uma nova gerao deste calibre.

    StalinismoEm 1968, dentro do campo stalinista, enormes fissuras esta-

    vam se abrindo nas estruturas estatais monolticas o legado dacontra-revoluo poltica implementada por Josef Stalin no fi-nal dos anos 20. Ele e sua camarilha assassina arrancaram o po-der das mos da classe trabalhadora e comearam a protegerseus prprios privilgios. Stalin argumentava que o socialismopoderia ser construdo em um s pas, mas fez todo o possvelpara impedi-lo de ser construdo em qualquer pas.

    Na Rssia em 1968, dissidentes intelectuais, incluindoAndreiSakharov, foram postos em julgamento por se oporem ao gover-no unipartidrio. Kosygin estava sendo deixado de lado porBrezhnev como lder da vasta Unio das Repblicas SocialistasSoviticas. Estes estados no eram socialistas, mas economiasestatais monstruosamente deformadas, onde nenhuma democra-cia operria ou planejamento democrtico eram permitidos.Depois da aniquilao fsica de toda a oposio naURSS por Stalin,e das mortes de milhes nos expurgos e coletivizaes foradas,burocratas, figurasmilitares emercenrios auto-suficientes do par-tido eram os mestres. Os pases do Pacto de Varsvia do LesteEuropeu, onde o capitalismo tinha sido eliminado aps a SegundaGuerra Mundial, ainda erammantidos sob o controle de ferro doKremlin.

    Agora em 1968, doze anos aps a herica revoluo oper-ria na Hungria ter sido afogada em sangue sob as ordens deMoscou, uma nova revolta contra o domnio do Kremlin se de-senvolvia na Tchecoslovquia. Conhecida como Primavera de

    Praga e liderada por um secretrio partidrio nomeado,AlexanderDubcek, ela foi uma tentativa de reforma a partir de cima paraimpedir a revoluo de baixo. Estudantes e jovens trabalhadorescomearam a agir para tomar o controle de seus prprios futu-ros, mas omovimento no alcanou amesma profundidade e ob-jetivos polticos que o da Hungria. A idia do socialismo comface humana era um desafio ditadura burocrtica militar, maspara alguns ela significava o inicio de uma mudana do estadoplanificado na direo das relaes de mercado e do capitalis-mo. Em 20 de agosto, 200.000 soldados do Pacto de Varsvia e2.000 tanques interviram para esmagar o experimento.

    Raivosos protestos contra a invaso foram organizados emvrios pases, inclusive dentro da Rssia. Para muitos nos parti-dos comunistas de todo o mundo, isso foi a gota dgua. Suamilitncia declinou dramaticamente. Na Sucia, as eleies rea-lizaram-se logo aps a invaso russa da Tchecoslovquia, e osvotos no PC caram em 76.000, de 5.2% para 3%.

    1968 e suas conseqnciasComo explicaMs da Revoluo, o stalinismo jogou um pa-

    pel nocivo ao impedir a classe trabalhadora da Frana de tomaro poder em maio/junho de 1968. Ele foi igualmente culpado du-rante os eventos na Itlia, onde um colossal movimento, menorapenas ao da Frana, esteve a todo o vapor durante todo o anode 1968. De fato, as poderosas greves e manifestaes de mas-sas, embora no alcanassem uma concluso poltica em termosde derrubar o capitalismo italiano, continuaram na dcada seguin-te. Como na Frana com o PSU (Partido Socialista Unificado),um pequeno partido esquerda dos comunistas o PartidoSocialista Italiano da Unidade Proletria (PSIUP) cresceu ra-pidamente medida que a onda revolucionria varria o pas (Naseleies de maio de 68, ele ganhou aproximadamente ummilhoemeio de votos, recebendo 23 assentos no parlamento). Mas nohavia nenhuma fora capaz de levar as lutas de uma dcada a umaconcluso socialista. Tragicamente, incapaz de achar um cami-nho poltico para estabelecer um governo operrio na Itlia, omo-vimento finalmente deu lugar aos anos de chumbo terroris-mo e a mortal estratgia de tenso da direita.

    Levaria mais de duas dcadas depois de 1968 antes de oMuro de Berlim cair e as economias stalinistas planificadas im-plodirem.Os trabalhadores naUnio Sovitica e no Leste Europeu,sem seus prprios partidos independentes capazes de lutar paratomar o controle das mos dos velhos burocratas, foram seduzi-dos pela idia de um retorno s relaes capitalistas de merca-do. Nos anos que se seguiram, as terrveis conseqncias da r-pida privatizao e do saque das economias planificadas foramsentidas por milhes de trabalhadores, pensionistas e jovens.Apenas a Rssia viu o colapso de 50% de sua atividade econ-mica. Alguns diretores de fbrica e especialmente altos funcio-nrios do estado e do partido se converteram ao capitalismo qua-se da noite para o dia. Usando suas posies para se apoderar dapropriedade estatal, eles no tinham averso de contratar gngs-ters e pistoleiros para se livrarem de rivais. Hoje, alguns dosmaisricos oligarcas da Rssia esto em altos postos governamentais,outros em exlio voluntrio ou na priso! Enquanto isso, a maio-ria da populao nos antigos estados stalinistas se afunda cadavez mais na pobreza privada de empregos seguros, lares, pen-ses, sistema de sade e educao.

    Partidos OperriosFoi o colapso do stalinismo que mudou to profundamente o

    mundo em que vivemos comparado com 20 anos atrs. Ele umlugar ainda mais diferente do que o de 1968. A Guerra Fria, emtermos de luta entre dois sistemas de classe antagnicos um ca-pitalista e outro no-capitalista no existe mais!

    Em muitas partes do mundo, partidos comunistas de massase tornaram uma coisa do passado.Alguns sobreviveram,mas em

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  • um tamanho muito diminudo e com polticas mudadas. A prin-cipal exceo a China, onde o Partido Comunista de 70 mi-lhes demembros ainda governa commo de ferro. Contudo, eleno o mesmo partido do passado. Possui caractersticas de umpartido stalinista, mas est sofrendomudanas. o partido da eli-te, que est levando a China para o caminho do capitalismo nomomento em que o prprio sistema capitalista inter-nacional est chegando aos seus limites!Acrise eco-nmica em desenvolvimento trar severas conse-qncias para a China, assim como para o resto domundo.

    Levantes de massas da classe trabalhadora con-tra o regime chins, quando a economia desacelerar,so previsveis nasmanifestaes e greves dirias queeclodem por todo esse vasto pas. Os tanques nas ruasde Lhasa, Tibet, nos fazem lembrar o que pode serdesencadeado contra os trabalhadores e jovens em to-da a China quando eles entrarem em ao. Mas umarepetio do banho de sangue na Praa da PazCelestial, h 19 anos atrs, com as condies modi-ficadas, pode se provar fatal para os governantes deBeijing. Haver uma profunda confuso ideolgicaentre os trabalhadores das cidades e do campo, mas uma impor-tante camada ir se voltar para os benefcios perdidos da proprie-dade estatal e da planificao, e as idias de uma genuna demo-cracia socialista podem ganhar um amplo apoio.

    Nos anos 60, e mesmo nos 70 e comeo dos 80, o socialis-mo era visto entre amplas camadas do movimento sindical, es-tudantil e operrio como a alternativa natural ao capitalismo.Haver muito debate sobre como e se ele pode ser alcanado.

    Hoje, aproximadamente todos os partidos que antes eram or-ganizaes operrias, pelo menos na base, e considerados comosocialistas, foram transfigurados. A maioria de seus lderes soagora totalmente abertos sobre sua adeso ao capitalismo demercado; alguns limitam suas apostas como protagonistas do ca-pitalismo e usam frases de esquerda para esconder seu abando-no do socialismo como objetivo. Estes antigos partidos oper-rios, como oNovoTrabalhismo de Blair ou os Social-DemocratasnaAlemanha, implementaram as polticas thatcheristas com tan-to fervor, se nomais, quanto os partidos tradicionais dos patres.O primeiro presidente grego comunista de Chipre do Sul pa-rece pronto para se unir a eles!

    Na Frana, em 1997, o PartidoComunista e o Partido Socialistatomaram o poder em uma aliana da Gauche Plurielle. Este go-verno, sob Lionel Jospin, implementoumais privatizaes do quequalquer outro governo de direita anterior ou subseqente,Gaullista ou neo-Gaullista! Tal foi a desiluso com os socialis-tas que Jospin foi batido no primeiro turno das eleies presi-denciais de 2002 pelo lder da extrema-direitista Frente Nacional,Jean-Marie Le Pen.

    Estas experincias sem dvida pesaram nas mentes dos tra-balhadores na Frana at hoje, explicando uma certa falta de en-tusiasmo em relao s lutas parlamentares e sindicais. Apenasas medidas de extrema austeridade prometidas pelo atual go-verno da Unio por umMovimento Popular (UMP) sob NicolsSarkozy explicam uma recuperao na sorte dos partidos de es-querda. Eles podem recuperar algum nvel de apoio entre oeleitorado e at crescer em nmeros, como fizeram recentemen-te, inclusive nas eleies municipais de maro de 2008, mascontinuam firmemente ligados idia de que no h alternati-va ao capitalismo.

    Novas forasNo fim deste livro, escrito em 1988, h uma afirmao de que

    novas foras para a revoluo socialista viriam de dentro dosPartidos Comunista e Socialista. Mas a situao mudou drama-ticamente no intervalo de duas dcadas. Estes partidos no maispodem ser chamados de operrios, embora alguns trabalhadores

    ainda os vejam como o mal menor e votem neles. Alguns irovotar em partidos burgueses liberais, como os Democratas nosEUA, quando no houver partidos operrios de massas para vo-tar, mas eles no os vem como suas organizaes. Novos par-tidos operrios de massas devem ser organizados das camadasfrescas de trabalhadores e jovens que procuram por uma alter-

    nativa. Entre eles estaro os melhores socialistas dofuturo.

    Na eleio geral de 2002, dois partidos trotskis-tas considerveis na Frana a Ligue CommunisteRvolutionnaire (LCR) e a Lutte Ouvrire (LO) ganharam entre eles aproximadamente trs milhesde votos, mais de 10% do eleitorado. Isso mostrouo potencial para uma nova fora que defendesse acausa do socialismo. Houve e h diferenas de abor-dagem, anlise e programa entre estes dois partidose entre eles e a Gauche Rvolutionnaire (GR) aseo do Comit por uma Internacional Operria(CIO) na Frana. Mas a GR defendeu consistente-mente que estes partidos podiam e deviam concor-dar em fazer um chamado conjunto para lanar umnovo partido operrio de massas imediatamente.

    Tal nova formao, com direito a diferentes pontos de vistae diferentes tendncias, claro, mas se baseando nas lutas da clas-se trabalhadora francesa, poderia ter decolado rapidamente. Masa LO quis ficar sozinha e a LCR apenas tardiamente encampoua idia de construir uma fora ou movimento anti-capitalista.Mesmo ento, ela abandonou a idia de manter um ncleo revo-lucionrio dentro do novo partido.

    O candidato da LCR na eleio presidencial de 2007, OlivierBesanenot, atingiu substanciais um milho e meio de votos 300.000 a mais sobre 2002 e 4% do total e atraiu um grandeapoio entre trabalhadores e jovens. Em algumas reas, nas elei-es locais de maro deste ano, a LCR chegou a ganhar 10% a17%.

    A seo do CIO na Frana est participando entusiastica-mente deste projeto de construir um novo partido operrio demas-sas, apoiando-se nas experincias em outros pases, como naItlia, Brasil, Gr-Bretanha e Alemanha. Sua abordagem estdelineada no material no web-site da Gauche Rvolutionnaire(www.gr-socialisme.org) e do CIO (www.socialistworld.net).

    Batalhas passadas e presentesAausncia de tal partido, e a pusilanimidade dos lderes sin-

    dicais, est por trs da aparente reticncia da tradicionalmentecombativa classe trabalhadora francesa nos anos recentes. Os ata-ques neoliberais tm sido severos, mas tem havido notveis vi-trias e semi-vitrias da juventude e de setores dos trabalhado-res. O voto no No no referendo de 2005 sobre a constituioda UE foi um golpe que levou renncia do Primeiro MinistroRaffarin. As manifestaes e greves da juventude em 2006 for-aram o governo a retirar a legislao que atacava seu direito aoemprego. Greves e greves gerais sobre as penses e outras ques-tes impediram mais ataques srios. Mas as cpulas das federa-es sindicais constantemente declaram trguas com o governoe os patres antes mesmo das principais batalhas comearem.

    Em 1968, os trabalhadores colocaram sua confiana nos l-deres sindicais, especialmente na CGT (Confederao Geral doTrabalho), liderado pelo PC, para lutar e ganhar. Quando eles tra-ram esta confiana e usaram o acordo da Rue de Grenelle comos patres e o governo para desmobilizar a luta revolucionria,muitos trabalhadores sentiram que lies importantes ainda ti-nham que ser aprendidas. Mais trabalhadores uniram-se s fede-raes sindicais e aos partidos de esquerda.

    Depois que o Partido Socialista sob Franois Mitterand che-gou ao poder em 1981, inicialmente houveram importantes re-formas, incluindo a nacionalizao de grandes setores da econo-mia, enquanto se permanecia dentro dos limites do capitalismo.

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  • Apresso das foras internacionais domercado apenas poderiamser superadas agindo-se para converter todas as principais com-panhias em propriedade pblica e espalhando a idia de uma ge-nuna democracia socialista.

    Ao invs disso, os recuos e as contra-reformas de Mitterandlevaram desiluso e ao retorno da Direita na eleio geral de1986. Um perodo de co-habitao com Mitterand como pre-sidente e Jacques Chirac como primeiroministro prolongou o im-passe poltico e econmico.

    Ento, em 1995, vieram as eleies de Chirac como presiden-te e a Direita formou um governo sobAlain Jupp. Comeou umabrutal rodada de ataques sociais. Em novembro daquele ano, ostrabalhadores do setor pblico, acompanhados por trabalhado-res de uma parte do setor privado, entraram em um confronto degreve geral que terminou com a pareceria Chirac-Jupp.

    Aatitude expressada nas poderosas manifestaes de rua da-quele inverno foi: Eles dizem que a classe trabalhadora no exis-te mais; bem, estamos aqui e estamos lutando!Mas aqueles mes-mos trabalhadores tinham pouca confiana de que houvesse qual-quer fora de esquerda efetiva com a qual se pudesse substituira Direita.

    Hoje, tambm, h uma falta de confiana de que, mesmo seos trabalhadores possam derrotar o governo Sarkozy, h uma al-ternativa anticapitalista verdadeiramente vivel. Apesar disso, aderrota da Direita nas recentes eleies locais mostra que a clas-se trabalhadora francesa est ansiosa em puni-la por tentar im-por suas chamadas reformas, que tm o objetivo de cortar dra-maticamente sua parcela na riqueza e recursos do pas.

    A raiva est fervendo lentamente no subterrneo na Franamais uma vez. Como em outros lugares no mundo, existe umaprofunda inquietao e descontentamento sobre o rumo que a so-ciedade est tomando, sobre a sobrevivncia do planeta e sobreos vastos abismos entre os muito ricos e os pobres. As tensesesto crescendo. O medo agora se apodera de grandes setores dasociedade trabalhadores e as camadasmais pobres da classem-dia como resultado da incerteza e insegurana com a habita-o e empregos, assim como o futuro dos servios pblicos.

    Relevncia de 68no mundo de hoje

    Estamos vivendo em um mundo profundamente perturbado,de cujas entranhas eventos cataclsmicos podem estourar comoum vulco. Mas os eventos de maio na Frana ainda mantmtanta relevncia para ns, quarenta anos depois? Porque as no-vas geraes os filhos dos filhos da gerao de 68 devemse familiarizar com o que se passou em 1968 se o mundo de ho-je to diferente? Que orientao para as futuras lutas um exa-me do que aconteceu h 40 anos atrs pode dar s novas gera-es de trabalhadores e jovens, medida que eles enfrentamuma enorme recesso econmica mundial?

    O capitalismo, um meio de organizar as coisas supostamen-te sem rivais, est se provando catastroficamente incapaz de re-solver osmaiores flagelos do sculo 21 pobreza emmassa, guer-ra, falta de habitao, fome, conflitos civis, tortura, explorao,degradao ambiental e aquecimento global. Mesmo comenta-ristas capitalistas reconhecem o que os marxistas j tm dito halgum tempo. Jeremy Warner, do jornal Independent na Gr-Bretanha, por exemplo, admitiu: Estou tirando o p da minhacpia do Das Kapital, abandonada desde os meus dias de estu-dante... depois de dcadas no limbo, possvel que algumas dasidias centrais de Karl Marx possam desfrutar de alguma reno-vao.

    O mundo j est caindo em uma crise econmica que podeser ainda maior do que a de 1929. Nos anos que se seguiram quebra de Wall Street, uma enorme rea do mundo a URSS estava imune das crises do sistema capitalista. Hoje, ser que noh mais esperanas de construir uma alternativa baseada nas

    idias socialistas de cooperao harmoniosa entre os indivduose os povos? Pelo contrrio, a convico de que outro mundo um mundo socialista possvel, tem sua validade hoje, maisdo que nunca. Como argumentava Lenin, muito antes da derru-bada do czarismo, do latifndio e do capitalismo em seu pas: semuma viso do que necessrio voc nem mesmo ir comear ocaminho de mudar a sociedade.

    O que a vitoriosa Revoluo Russa comeou a demonstrar,em um pas econmica e socialmente subdesenvolvido, em 1917,a revoluo quase vitoriosa na Frana, em umpas capitalista avan-ado, demonstrou meio sculo depois: os trabalhadores podemfazer a histria e podem, com o programa e a direo corretos,se engajar na tarefa de construir uma sociedade socialista. porisso que a mdia capitalista em seu aniversrio est tentando aba-far a verdadeira histria em uma onda imprpria de reminiscn-cias distorcidas.

    Muita publicidade est sendo dada juventude de 60, que par-tiu para conseguir o impossvel: Sejamos realistas, peamos oimpossvel, era um dos famosos slogans dos estudantes em re-volta contra a sociedade capitalista auto-satisfeita, contra o con-sumismo, a opresso colonial e a explorao de todos os tipos.Mas a maioria dos relatos d apenas um quadro unilateral daque-les eventos na Frana, omitindo o papel titnico jogado pelaclasse trabalhadora francesa, cuja massiva greve geral revolucio-nria foi decisiva para levar o capitalismo francs a ficar face aface com a perspectiva de extino!

    Na URSS, os eventos de maio de 68 tambm foram retrata-dos como meros motins estudantis.A casta parasitria privile-giada frente da sociedade na Unio Sovitica tinha um medomortal de que notcias de trabalhadores lutando pelo poder naFrana pudessem infectar seus irmos e irms na UnioSovitica, trazendo histrias de revoluo e o desejo de removero peso morto da burocracia de suas costas. At Fidel Castro, umchefe de estado popular visto como socialista, se sentiu desafia-do pela idia de que trabalhadores e jovens pudessem tomar egovernar a sociedade. Uma democracia operria verdadeira noexistia em Cuba. No recente livro sobre Castro, Minha Vida, asrecordaes sobre a Frana de 1968 no ocupammais do que qua-tro linhas. Castro fala de De Gaulle sendo ameaado, mas nofaz nenhuma meno da poderosa greve geral que paralisou aFrana capitalista.

    Lies da grevegeral revolucionria

    Ento, para os socialistas, qual o verdadeiro legado dos even-tos na Frana em 1968? Para ns, ele foi e continua a ser a maiorgreve geral da histria no apenas em termos de sua escala eextenso. Foram outros Dez dias [ou um ms] que abalaram omundo. Ela desafiou um dos principais pases imperialistas nocorao da Europa. A maior lio de todas foi que ela trouxe aperspectiva de que possvel se livrar do capitalismo e seus re-presentantes polticos em uma economia e sociedade desenvol-vidas. Quando a poderosa fora da classe trabalhadora entra emcena na histria, pouco pode ficar em seu caminho se ela tem umadireo firme. Os exrcitos e tribunais da classe dominante po-dem ser reduzidos a p.

    Como argumenta o CIO, e este livro empenha-se em provar,tudo o que preciso para uma revoluo vitoriosa uma direoperspicaz de um partido que tenha a confiana da classe traba-lhadora. O papel de tal direo indicar a tempo o que precisopara acabar com o domnio capitalista, como ligar os comits re-presentativos dos trabalhadores, arrastar as foras armadas parao lado da revoluo, ou pelo menos neutraliza-las, criar um go-verno de trabalhadores e jovens diretamente eleitos para levar ascoisas a uma concluso e apelar aos trabalhadores internacional-mente para seguir o seu exemplo.

    Na poca destes grandes eventos, o Partido Comunista daFrana era a principal fora poltica na qual os trabalhadores pu-

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  • nham sua confiana. Havia vrias outras organizaes com idiasrevolucionrias. Havia os trotskistas, e tambmos anarquistas, ba-seados principalmente entre estudantes e intelectuais radicais.Poucos deles tinham qualquer confiana na capacidade da classetrabalhadora de transformar a sociedade (Muitos, subseqentemen-te, abandonaram a poltica revolucionria e acabaram no campocapitalista!).

    Os fundadores do atual Comit por uma Internacional Operria,baseados na Gr-Bretanha, tinham apenas um punhado de cor-religionrios em poucos pases na poca, e nenhum na Frana.Apesar disso, eles previram que um confronto fundamental en-tre as classes competidoras na Europa estavaem preparao. Em uma reunio em Londres,emmaro de 1968, eles contestaram a perspec-tiva dos lderes do Secretariado Unificado daQuarta Internacional (SUQI), a organizaointernacional a qual o antecessor da LigueCommuniste Rvolutionnaire (LCR) pertencia.Estes lderes erroneamente colocavam todas assuas esperanas para a revoluo nosmovimen-tos coloniais, em sua maioria liderados pelocampesinato, contra o imperialismo e nos es-tudantes dos pasesmetropolitanos.Aclasse tra-balhadora da Europa, eles diziam, estava passiva e no iria se mo-ver!

    Semanas depois que estas palavras foram proferidas, os po-derosos trabalhadores franceses entraram em cena aos milhes.Inicialmente levados a agirem em resposta s aes de um esta-do brutal e arrogante, ao longo da lua eles arrastaram atrs de siamplas camadas da classe mdia em revolta.At os membros dasforas armadas recusaram-se a serem usados contra o movimen-to. Um dosmais poderosos governos da Europa do ps-guerra es-teve beira de ser derrubado!

    Trabalhadores de outros pasesmostraram solidariedade na pr-tica e, mesmo sem qualquer abordagem consciente dos trabalha-dores franceses, comearam a pensar em seguir o exemplo da no-va revoluo francesa dos trabalhadores. As repercusses inter-nacionais de uma vitria no podem ser exageradas; o quanto ostrabalhadores e estudantes franceses chegaram perto da vitria algo que vale a pena ser reiterado para preparar as novas gera-es de socialistas para o que est por vir.

    papel dos lderes revolucionrios examinar as lutas passa-das, como fazem os generais dos exrcitos. Como os eventos demaio de 68 aconteceram e como ummovimento to poderoso foiderrotado descrito nas pginas deste livro. Nicols Sarkozy ju-rou apagar o esprito de 1968 que ainda assombra a classe domi-nante francesa. Seu objetivo declarado era acabar com todos osprivilgios os ganhos obtidos atravs da luta da classe tra-balhadora francesa. Esta meta, ditada pelos capitalistas e banquei-ros da Frana, contrasta desfavoravelmente com seu prprio es-tilo de vida prdigo, tirando frias em iates de luxo e no pou-pando despesas para agradar sua nova esposa italiana.Aaborda-gem arrogante de Sarkozy e suas planejadas medidas draconia-nas contra a classe trabalhadora correm o risco de provocar umnovo 1968! Agora, depois de quase um ano no poder, a prome-tida ruptura com o passado ainda no se realizou.

    A fora dos trabalhadores,a fraqueza de Sarkozy

    Apenas isso testemunho do temvel poder da classe traba-lhadora francesa no apenas para resistir, mas para ir para a ofen-siva contra os patres e seu sistema. Mesmo depois de perder nasprincipais cidades para o Partido Socialista nas eleies locais, oprimeiro-ministro de Sarkozy, Franois Fillon, insiste que o pro-grama de austeridade deve ser implementado (do mesmo modoque na Itlia, o ministro das finanas de Berlusconi, RenatoBrunetta, prometera administrar uma terapia de choque para aclasse trabalhadora italiana).

    O prprio Sarkozy j se tornou um risco para seu partido. Suaavaliao pessoal caiu para 35% no inicio de maro deste ano eos marqueteiros eleitorais de seu prprio partido a UMP pe-diram-lhe que ficasse longe de suas reas! No papel, Sarkozy temuma ampla faixa de poderes plenipotencirios, que foram outor-gados presidncia desde os dias de De Gaulle e da revoluoargelina.

    O presidente de hoje, contudo, potencialmente to impoten-te ante o poder da classe trabalhadora quanto o veterano generalem1968.Omaterial explosivo para a conflagrao de maio de 68foi abastecido no apenas por causa das condies cada vez mais

    intolerveis nas fbricas e cortios da Frana.Umimportante fator que contribuiu foi a absoluta ar-rogncia de um presidente de Gaulle que noescutava as preocupaes de seu povo. Quandoos estudantes comearam a expressar nas ruassua raiva com seu autoritarismo e mtodos poli-ciais, deGaulle chamou-osdeChi-en-lit (Bagunana mesa).

    Em 2005, quando Nicols Sarkozy era mi-nistro do interior, os jovens dos banlieus dete-riorados protestaram contra o estado arrogantee negligente. Ele se referiu a eles como ral

    ou gentalha (racaille). Em 1968 a resposta dos manifestantes aseu presidente foi Le chi-en-lit cest lui! (A baguna na mesa ele!) No demorou para que deGaulle estivesse sendo gentilmen-te ridicularizado como o grande aspargo!A juventude nos ban-lieus mostrou como se sentia com seu insolente e saciado presi-dente, Sarkozy, e a classe que ele representa. Renovadas explo-ses de violncia contra bancos e companhiasmultinacionais queoperavam em suas reas foram as respostas s medidas de emer-gncia (mais polcia nas ruas) do governo Sarkozy.

    O Partido Socialista na Frana e seus lderes oferecem maisdo mesmo sobre questes de lei e ordem. Depois da ltima elei-o geral, eles se moveram ainda mais para a direita, com a can-didata presidencial, Sgolne Royale, opondo-se abertamente manuteno das 35 horas semanais. Isso no descarta a adoode frases demagogicamente radicais, embora isso no esteja emevidncia no momento atual.

    Os partidos da esquerda radical e os sindicatos na Frana de-vem acham ummeio de canalizar a raiva na sociedade em ummo-vimento organizado contra o sistema. Se eles falharem nisso, po-de haver um grande crescimento nos choques entre a juventudeimigrante despossuda e os grupos racistas e a policia. No movi-mento de 1968, as diferenas de raa, sexo e idade foram submer-sas na luta unificada para acabar com o velho regime.

    Os sindicatos hojeQuarenta anos atrs, o primeiro-ministro deDeGaulle, Georges

    Pompidou, argumentou por controle, moderao e negociao.Aocontrrio, o primeiro-ministro de Sarkozy, Franois Fillon, umdosmais ansiosos em implementar todo o programa neoliberal dereformas exigido pelos grandes capitalistas. Os direitos de pen-so, sindicais, educao e de servio de sade esto todos na li-nha de fogo. As taxas em crescimento para a economia francesa,a segunda maior da Eurozona, j foram revistas para abaixo de1.6% e o Fundo Monetrio Internacional prev que a capacidadeda Frana de equilibrar seu oramento ser atrasada at 2012, nomnimo. E isso foi antes da recesso mundial chegar!

    No ano passado, parecia que o governo Sarkozy tinha ganhadoa primeira rodada de ataques s penses e idade de aposentadoriapara uma grande parte do setor pblico, incluindo os ferrovirios os heris da grandegrevegeral de novembrode1995.E isso foi comuma proporomaior de ferrovirios envolvidos de fato nas grevesem 2007 do que nos 12 anos anteriores 73.5% contra 67%.

    Agora, aps as batalhas individuais a respeito das penses jtravadas no setor privado em 1993 e a maioria do setor de ser-vios em 2003 todos os trabalhadores franceses esto mais ou

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    menos nas mesmas condies de aposentadoria e penses. Issosignifica que se este governo atacar ainda mais sobre esta ques-to o que, do ponto de vista dos grandes negcios, preciso fa-zer urgentemente todos os trabalhadores sero afetados juntose iro lutar em um muro de resistncia unificado!

    A direo geralmente complacente do maior sindicato daFrana a CGT j foi forada a chamar grandes manifestaescontras as polticas de Sarkozy. Sob a presso de baixo, novas gre-ves e greves gerais iro quase certamente se desenvolver.

    Ms da Revoluo discute os diferentes tipos de greve geralque podem surgir. Algumas podem ganhar reformas parciais, al-gumas desafiar e enfraquecer governos, algumas serem derrota-das e levar a um perodo de reflexo. Uma greve geral revolucio-nria que se constri como uma mar cheia, como a de maio de68, coloca totalmente a questo de quem governa a sociedade.

    Embora existam certas similaridades entre a Frana de hoje ea de quarenta anos atrs, importantes diferenas mostram que oseventos podem no se desdobrar damesmamaneira... ainda!Mastodos os indicativos so de que existe um terreno frtil para o r-pido crescimento de um partido da classe trabalhadora que podeganhar um apoio e militncia de massas. Tal partido deve se en-gajar nas lutas imediatas da classe trabalhadora francesa, expon-do habilidosamente o papel dos lderes sindicais e a necessidadede construir sindicatos e organizaes de base democrticas ecombativas.

    Em maio/junho de 1968, o nico chamado oficial por aosindical contra de Gaulle foi de um dia de greve geral em 13 demaio. Trinta e cinco anos depois, em 2003, as principais federa-es sindicais na Frana chamaram outra greve geral em 13 demaio, desta vez contra os ataques s penses do governo Raffarin.Quase dois milhes sairam s ruas em 115 diferentes manifesta-es por todo o pas. Imediatamente depois, lderes da maior fe-derao sindical, a CFDT (Confederao Francesa DemocrticadoTrabalho), assinaram um acordo com o governo de direita, em-bora numerosos setores de estudantes e trabalhadores fizessemmaisaes de massa naquele ano. Apenas a covardia das cpulas sin-dicais ajudou a classe dominante da Frana, mais uma vez, a sairde uma enrascada. Isso permitiu que algumas severas reformas(ataques) fossem realizadas.

    Um espectro assombraos patres

    Apesar disso, quando qualquer luta generalizada comea naFrana, o espectro da revoluo quase vitoriosa de 68 vem ca-bea!Vrios grandes conflitos entre as classes principais na Franaocorreram desde 1968 algumas no campo eleitoral, algumas en-tre estudantes e jovens e algumas no tradicional campo de ba-talha das fbricas e locais de trabalho em greves e greves gerais.Nenhuma alcanou a escala de terremoto da greve geral de 1968.

    As greves do perodo recente foram na maioria relativamen-te pequenas e isoladas. Em fevereiro deste ano, todavia, oGuardianbritnico relatou: O governo francs est trabalhando para con-ter uma onda de greves de fbricas no setor privado, no conhe-cidos normalmente por irem s barricadas, incluindo fabricantesde sorvete, pessoal de supermercados, cabeleireiros e emprega-dos da LOral. O pessoal das fbricas est tomando medidas ca-da vez mais linha-duras, com alguns mantendo seus gerentes re-fns por alguns dias por causa dos fechamentos de plantas e cor-tes de empregos...

    A ao sindical visada tem se intensificado medida que ostrabalhadores, incluindo cabeleireiros, motoristas de txi e grfi-cos tm cruzado os braos por questes como as prticas de tra-balho, os baixos salrios e a falta de poder de gasto que Sarkozyprometeu estimular.

    Isso pode parecer pequeno em comparao comos dezmilhesocupando suas fbricas e desafiando o regime Gaullista quarentaanos atrs. No obstante, foi precisamente este tipo de lutas espon-

    tneas e amargas que constituram os primeiros sinais de alerta deum conflito maior em preparo. Durante os eventos, muitos pa-tres foram trancados em seu escritrio pelos trabalhadores.

    medida que a recesso bater, pode levar tempo antes que aclasse trabalhadora francesa embarque mais uma vez no caminhoda revoluo. Mas a revoluo no s um evento; ela um pro-cesso. J h ecos de 68 e tremores ssmicos em muitos pases domundo. Na Malsia, por exemplo, os resultados da recente elei-o mostraram um tsunami poltico mudando a paisagem polti-ca daquele importante pas da sia. E isso antes da grande reces-so na economia mundial atingir realmente aquele continente.

    Na Frana, como em muitos outros pases, pode haver umasbita apario de uma luta de classe sria. A fagulha est pron-ta! O artigo do Guardian refere-se ao doente cinturo norte-les-te da Frana e desindustrializao que destruiu meio milho deempregos desde 2001. Aponta para um massivo aumento, entre2001 e 2006, na proporo dos salrios usados para pagar as ne-cessidades bsicas de alimentao e contas de 50% para 75%!Tambm aponta para o medo dos patres franceses de uma aodos trabalhadores antes da recesso atingir.

    Os trabalhadores de cosmticos que tomaram as ruas pormaispagamentos, quando os bons resultados das vendas foram publi-cados por sua companhia, empunhavam cartazes declarando:Porque ns valemos isso!. Uma firma de logstica ofereceu1,000 para seu pessoal no entrar em greve.Mas as greves e blo-queios continuaram em reas tradicionais como a Fords,Michelin e os portos, e em reas menos tradicionais como en-tre fabricantes de esquis, taxistas e instrutores de direo. Fotgrafosameaaram parar de tirar fotos de passaporte e bloquear as cabi-nes automticas por causa dos planos do governo de emitir fotosgratuitas para passaportes biomtricos! O esprito de 68 vive!

    Mesmo antes de a recesso golpear o mundo, a mar estinundando a Europa com uma onda de greves ofensivas naAlemanha, manifestaes de massa em Portugal e greves geraisnaGrcia.AEspanha est beira de uma crise econmica e a Itliapode ser forada a se retirar da Eurozona. Os trabalhadores des-tes pasesmostraromais uma vez sua capacidade de luta. Eventosconvulsivos iro ocorrer em todo o mundo.

    Os eventos na Frana, e em outros lugares, quarenta anosatrs, ocorreram enquanto o boom do ps-guerra ainda continua-va. Um rpido colapso na economia no leva automaticamente revoluo; inicialmente, pode atordoar a classe trabalhadora na fren-te industrial. Tambm pode radicalizar enormemente os trabalha-dores e jovens. Isso pode preparar o caminho para ondas revolu-cionrias que, como em 1968, transcendem fronteiras.

    Quando se abrir um novo captulo na histria da classe traba-lhadora, as falsas afirmaes do ps-modernismo e de outros fi-lsofos, que pretendem desacreditar as idias do socialismo comofora de moda, iro ser jogadas na lata de lixo a qual pertencem.

    Acomposio da classe trabalhadora pode mudar e mudou.Aclasse trabalhadora industrial da Frana e outros pases, emboraainda substancial, no tem omesmo peso em nmeros que no pas-sado. Mas as novas camadas de professores e servidores pblicossentem a necessidade de se organizar para defender seus empre-gos e condies. Eles iro prontamente tomar o seu lugar ao ladodos tradicionais operrios fabris, cujo peso na sociedade e ca-pacidade para agir sero vistos ainda jogando o papel chave natransformao da sociedade.A centralidade da classe trabalha-dora, demonstrada nos eventos de maio de 68, provar ser um in-grediente vital de uma vitoriosa revoluo socialista em um pasindustrial avanado.

    A disponibilidade de uma direo revolucionria frente deum partido operrio de massas crucial. Uma vez estabelecido,um governo operrio em qualquer pas do mundo ir agir comoum farol para os trabalhadores em outros lugares. A hora agora de estudar os eventos do passado, para se preparar plenamente pa-ra os eventos do futuro.

    Clare Doyle, maro de 2008

  • RetrospectivaMaio-junho de 1968.A brutal represso policial de manifesta-

    es estudantis leva greves. Em alguns dias 10 milhes de traba-lhadores franceses esto em greve, muitos ocupando suas fbricas.

    As foras armadas so infectadas pela atmosfera. O futuro docapitalismo pende na balana, mas em semanas a greve se encerrae a ordem restaurada. De Gaulle e a direita ganham a maior vi-tria numa eleio parlamentar na Frana do ps-guerra.

    Como o movimento se desenvolveu? Eventos similares pode-riam ocorrer em outros lugares incluindo a Gr-Bretanha? O ca-pitalismopoderia ser derrubado?Estas emuitas outras questes sorespondidas neste livro.

    Clare Doyle visitou a Frana em 1968 e em muitas ocasiesdesde ento. Como membro do Corpo Editorial do Militant, elajogou um papel central durante muitos anos levantando o fundode luta do Militant, e tambm escrevendo, particularmente sobreassuntos internacionais.

    Uma Revoluo emfabricao

    Os eventos de Maio' da Frana de 1968 constituram a maiorgreve geral da histria.Arrebentaram como umvulco em erupo.As ondas de choque alcanaram cada canto domundo. Suas conse-qncias nunca se acalmaro verdadeiramente.No seu auge, 10mi-lhes de trabalhadores estavam em greve. Eles ocuparam seus lo-cais de trabalho, iarambandeiras vermelhas e criaramcomits. Elescantavam a Internationale e debatiam acaloradamente como assu-mir o controle de suas vidas. Cada camada na sociedade foi varri-da pela onda damar que flua rumo a uma nova forma de socieda-de um rompimento com o passado e um florescimento do talentohumano. Poucos viramaaproximaodeste grandemovimento;mi-lhes sentiram seus efeitos, e as classes dominantes em todo lugartremeram com o que poderiam ser suas conseqncias.

    O choque titnico das foras de classes aparentemente veio co-mo um raio num cu azul. O capitalismo mundial estava se aque-cendo sob a luz de um boom do ps-guerra sem precedentes, quemuitos comentaristas acreditavam que seria interminvel. Mesmoalguns que se diziam 'marxistas' decidiramque o capitalismo acha-ra um meio de amortizar (solucionar) suas crises!

    O boom especial cromado da Frana veio tarde, com a che-gada ao poder do General Charles de Gaulle em 1959. Em 1969,estava suprindo umsaudvel ndice de crescimento de 5%eganhan-do terreno para as mercadorias francesas no mercado mundial.Tudo ia para o melhor no melhor dos mundos possveis, como opersonagem de Voltaire, Pangloss, gostava de acreditar!

    Mas nenhum dos conflitos bsicos e contradies da socieda-de capitalista tinham sido eliminados. Pelo contrrio, foram agra-

    vados e exacerbados, e inevitavelmente levariam a novas crises enovas exploses na luta de classes. Do mesmo modo como vinteanos depois, quando apenas osmarxistas em torno doMilitant pre-viram a crise mundial das bolsas de valores de 1987 e as convul-ses que se seguiram, foram apenas eles que entenderam os pro-cessos em curso em 1968. Eles foram inflexveis ao dizer que mu-danas explosivas viriam pela frente, e que a revoluo socialistare-emergeria na Europa com toda a fora

    O Partido Comunista na Frana continuou a vender a idia,herdada de seu lder pr-guerra Maurice Thorez, de que a revolu-o era impossvel naFrana enquanto as condiesdevidanaRssiapermanecessem inferiores s da Europa Ocidental!As falsas pers-pectivas de outros supostos marxistas foram resumidos num arti-go do terico francsAndr Gorz, no Socialist Register de janei-ro de 1968: 'No futuro previsvel, no haver nenhuma crise do ca-pitalismo europeu to dramtica para levar a massa dos trabalha-dores greves gerais revolucionrias.'

    O PCI (Partido Comunista Internacional) cuja organizao dejuventude, a JCR, estava pesadamente envolvida nas lutas estudan-tis naFrana, ecoouestas idias.Afirmando seposicionar pelas idiasdeTrotsky, na realidade eles a abandonaramcompletamente.Numareunio em Londres algumas semanas antes da ecloso da grevegeral, eles afirmaram que tal desenvolvimento no seria possvelpelos prximos vinte anos! Os trabalhadores nas cidadesmetropo-litanas estavam derrotados e em retirada, declararam. Eles vol-taram suas costas para a classe trabalhadora da Europa e olhavampara outros lugares, por outra revoluo. Concentraram-se nos es-tudantes em toda parte e acriticamente cantaram elogios aos lde-res stalinistas das revolues coloniais de Cuba, Arglia e Vietn(que eles diziam que eram anlogas Revoluo Russa de 1917).

    O impacto total a escala, o alcance, o impulso domovimen-to revolucionrio que ocorreu na Frana surpreendeu at mesmoaqueles que esperavam ummovimento da classe trabalhadora nospases capitalistas avanados. Deu um vislumbre do passado revo-lucionrio da Frana e um gosto do que estava para vir no ape-nas na Frana, mas por toda a Europa e de fato por todo o mundo.

    No foi apenas oMilitant em maio e junho de 1968 que reco-nheceu uma novaRevoluo Francesa empreparo. O general fran-cs Beaufre declarou: 'Os tempos em que vivemos so sem dvi-da aqueles do nascimento de uma revoluo do qual impossvelprever o curso dos eventos.' Como sempre, os estrategistas sriosdo capital chegaram s mesmas concluses dos marxistas, embo-ra do ponto de vista oposto. O Financial Times de 22 de maio de1968 refletiu o terror da burguesia mundial com o panorama:

    Quando Luis Filipe foi tirado de seu trono em 1848, aps unspoucosanimadosdiasde tumultos emParis e se refugiouemLondres,houve revolues em toda a Europa. Itlia, Alemanha Ocidental,Blgica e Espanha j esto com problemas suficientes sem a Medas Revoluesmais uma vez dando ummau exemplo.

    O Evening Standard londrino declarou em 29 de maio: A si-tuao hoje pode ser resumida em poucas palavras: uma situa-o revolucionria quase do tipo de um livro didtico. TheEconomist (1 de junho) estava tirando a mesma concluso, em-bora apenas uma semana antes tenha falado da Frana no ser umpas revolucionrio!

    Frana de 1968 Ms da Revoluo pg 9

    Frana de 1968

    Ms da RevoluoLies da Greve Geral

  • Uma vez a tempestade revolucionria tenha se acalmado e oscomentaristas tenham readquirido seu equilbrio, seu tom mudou.Os eventos de maio' foram declarados 'excepcionais', uma 'aber-rao', um 'episdio' inesquecvel mas apesar de tudo um 'epis-dio. A sociedade francesa nunca foi realmente ameaada, eles in-sistiam.Mas talmovimento poderoso nopoderia ser sepultado comdeclaraes. Vinte anos depois as questes permaneciam: Poderiaacontecer de novo? Poderia acontecer em qualquer outro pas?Poderia acontecer em todo e qualquer pas?

    Que uma greve geral de tais propores possa acontecer numasociedade industrializada capitalista um pesadelo constante noapenas para a classe dominante francesa mas para muitas outras. medida que uma recesso mundial se aproxima,o medo de 68 parece maior do que nunca.

    Em 1968 havia um prolongado boom do ps-guerra. Este forneceu uma pausa de respiro para ostrabalhadores. As feridas e desapontamentos dasderrotas passadas foram cicatrizadas. Suas organi-zaes cresciam em nmero e coeso. Os patres,fazendograndes lucros, pareciammais favoravelmen-te dispostos a ceder s demandas dos trabalhadores.As relaes de classe estavam aparentemente sua-vizadas. Neste clima, as idias do reformismo po-diam ganhar terreno. A iluso de que o capitalismopoderia suprir as necessidades dos trabalhadorespouco a pouco levou os lderes das organizaesoperrias a abandonar a idia de que o socialismo era necessrio.

    As anlises dos chamados tericos trotskistas eram o outro la-do damesmamoeda. Eles, junto comnumerosos acadmicos, des-cobriram outro fenmeno que, afirmavam, impediria os trabalha-dores de se moverem rumo ao socialismo a existncia do esta-do forte. Na Frana isso foi personificado na figura de Charles deGaulle. Ele chegou ao poder em 1958, posando como o 'salvadorda nao' numa situao de crise na economia, com a misso dederrotar a guerra de libertao pela independncia argelina.

    Um Estado Forte?Engels, o colaborador de Marx, explicou como, em certas eta-

    pas da luta de classes, o estado se eleva acima da sociedade e apa-rece, mais do que o normal, estar isolado dos interesses de qual-quer uma das principais foras competidoras.Apesar da aparnciade se equilibrar entre as classes, o estado em ltimo caso reflete osinteresses da classe economicamente dominante; no caso deCharlesde Gaulle, os capitalistas franceses.

    O prprio De Gaulle afirmava que representava uma terceiravia entre o capitalismo e o comunismo. No o era de nenhumamaneira! Ele salvou a Frana para o capitalismo,mas para fazer is-so foi forado a apoiar-se em outras classes na sociedade, at mes-mo tomando medidas que um setor dos capitalistas e da pequenaburguesia achava repugnantes especialmente aqueles que se opu-seram amargamente ao abandono da colnia francesa na Arglia.Ele tambm introduziu medidas de interferncia estatal no gover-no do capital, que antes agia sem restries, o que beneficiou osgrandes negcios, mas que espremeu a pequena burguesia e espe-cialmente os pequenos negcios.Alm disso, ele exerceu uma ex-traordinria censura da mdia, parcialmente restringindo at mes-mo o direito destas camadas de debater, discutir e criticar.

    Uma forma especial de poder pessoal estava em operao. DeGaulle declarou ao se tornar presidente: Eu perteno a todos e to-dos pertencem amim. Ele agiu de forma a poder desprezar o par-lamento, preferindo governar por decretos, temperados com o ple-biscito - um referendo do povo.

    Faltando uma base firme de apoio social, um estado bonapar-tista descansa em ltimo caso na espada os destacamentos dehomens armados.ObonapartismodeDeGaulle foi de um tipomaisparlamentar e limitadoquandocomparados ditaduras policiais aber-tas que existiam emmuitas partes domundo. No obstante, era umregime brutal cuja reao natural em tempos de crise eraatacar pri-

    meiro e refletir depois. Isso no funcionou contra os protestos es-tudantis. Era ainda menos provvel de ter sucesso contra a pode-rosa nova gerao de trabalhadores franceses, cujas organizaesainda estavam intactas. Paramanter a ordemnaFrana de deGaulle,haviamaismembros das foras de estado per capita do que emqua-se qualquer outro pas capitalista avanado no mundo. Mas mes-mo esta poderosa mquina estatal desabou ao primeiro teste realde seu vigor, confundindo as teorias de todos aqueles que abando-naram a classe trabalhadora.

    Uma situao revolucionria como a que se desenvolveu naFrana em maio de 1968 pode fazer 20 anos parecerem um dia ecomo Marx disse, chegam dias em que 20 anos esto concentra-

    dos. Uma situao revolucionria no pode, por suaprpria natureza, durar indefinidamente, mas apenaspor dias, semanas, ou no mximo meses. Na Rssiaela durou no mximo talvez trs meses. H diferen-tes etapasnodesenvolvimentodos eventosduranteumarevoluomas nunca, como os Partidos 'Comunistas'ainda tentammanter, pode a luta pela democracia serseparada como uma etapa da luta pelo socialismo.A subida de De Gaulle ao poder mostrou o quo fr-gil a democracia pode ser numa sociedade capitalis-ta. Apenas se as rdeas da economia forem tomadaspela classe trabalhadora umademocracia socialista po-de ser criada. Os eventos da Frana de 1968 mostra-ram que esta idia estava longe da utopia. Cada ca-

    mada da sociedade parecia estar convencida na ao que havia ummeio mais prtico, justo e humano de organizar as coisas do queaquele ditado pelo capitalismo. Os eventos tambmdemonstraramconclusivamente que as tarefas da revoluo socialista no podemser implementadas por nenhuma outra classe alm da prpria clas-se trabalhadora. Na Frana de 1968, dados o seu grande poder e oapoio das classes mdias, a revoluo socialista poderia ser imple-mentada pacificamente numa questo de dias.

    Estudantestomam as ruas

    Omodo como os eventos se desenvolveram em 1968 pareciaa primeira vista confirmar as pretenses dos estudantes de todoo mundo de que eles poderiam detonar a revoluo. Sem dvi-da, os governos de vrios pases estavam comeando a tremer an-te tal perspectiva! Omundo estava experimentando uma onda semprecedentes de intranqilidade estudantil Polnia, Itlia, Espanha,Alemanha, Gr-Bretanha eAmrica.Algumas destas lutas alcan-aram um nvel superior ao daquelas na Frana.

    Na Espanha, os estudantes combateram o ditador Franco. NosEstados Unidos, eles estavam na proa do movimento contra aGuerra do Vietn e dos movimentos da Conscincia Negra e di-reitos civis no Sul. Na Irlanda do Norte, os estudantes estavamenvolvidos numa onda de luta contra a discriminao anticatli-ca. Intelectuais, estudantes e setores dos trabalhadores naTchecoslovquia estavam sendo arrastados para uma profunda fer-mentao poltica conhecida como a 'Primavera de Praga'.

    Grandes batalhas explodiram em todas as grandes cidadesuniversitrias daAlemanha. Um atentado foi at mesmo cometi-do contra a vida do lder estudantil Rudi Dutschke. Na Gr-Bretanha e em outros lugares, os estudantes estavam em marchas dezenas de milhares contra a guerra americana no Vietn.Embora as lutas estudantis fossem sintomticas de profundosconflitos sociais, em lugar algum a no ser a Frana elas desen-cadearam uma greve geral de trabalhadores, menos ainda uma quepoderia acabar com o governo do capital.

    Frana de 1968 Ms da Revoluo pg 10

  • Qual a explicao? Ela est no em qualquer mtodo supe-rior adotado pelos estudantes franceses, mas na reunio do todasas pr-condies polticas e sociais para a revoluo o combus-tvel material. O bonapartismo de de Gaulle agiu como um de-tonador adicional e agravante. Os estudantes franceses estiveramenvolvidos em grandesmovimentos contra a guerra naArglia nocomeo dos anos 60. Eles demonstraram tanta tenacidade quan-to qualquer outro no apoio luta do Vietn pela independncia.Isso foi uma questo particularmente potente porque reviveu asmemrias da inglria tentativa francesa de manter sua antiga co-lnia da Indochina. Foi depois da catastrfica derrota francesa emDien Bien Phu que o imperialismo dos EUA assumiu a domina-o do Vietn do Sul.

    No comeo de 1968 houve protestos contra um sistema edu-cacional restritivo e regras arcaicas, que estouraram em choquesabertos nos campi. Com a famosa sutileza de uma burocracia as-sustada, as autoridades pediram auxilio s foras do estado. Emvrias ocasies, a policia debelou os tumultos. No inicio demaio, alguns estudantes de Nanterre, incluindo Daniel CohnBendit, estavam para serem julgados nos tribunais da universida-de por comportamento perturbador'. Uma batalha entre estudan-tes e fascistas se aproximava. Em 2 de maio, Roche, o diretor, fe-chou a Universidade de Nanterre.

    No dia seguinte, os estudantes de Nanterre se reuniram paci-ficamente com os da Sorbonne, e foram violentamente atacadospela odiada tropa de choque - o CRS e centenas de estudantesforam presos. Professores na Sorbonne e no Censier Annexe fo-ram suspensos. A raiva se elevou e o Sindicato dos ProfessoresUniversitrios (SneSUP) chamou uma greve. Esta foi pronta-mente declarada ilegal peloMinistro da Educao,Alain Peyrefitte.

    No domingo, 5 demaio, os estudantes presos nasdemonstraes do dia anterior foram sumariamen-te condenados priso e multados. Todo o infernose libertou! As manifestaes foram proibidas e asgreves universitrias se espalharam para as escolassecundrias. Cada aplicao da mo de ferro le-vantavamais raiva e determinao por parte dos es-tudantes.

    Na segunda, 6 de maio, uma desafiadora mani-festao de 60mil pessoas noQuartier Latin emParisfoi atacada pela tropa de choque com uma brutali-dade que levantou uma simpatia generalizada pe-los estudantes entre a populao de Paris. Levantou,tambm, a indignao dos trabalhadores em todo lu-gar medida que as noticias das atrocidades os al-canavam pelo rdio. Para se protegerem, os estudantes comea-ram a erguer barricadas com qualquer coisa mo. Foi a primei-ra vez que barricadas apareceram nas ruas de Paris desde 1944,quando os trabalhadores se rebelaram contra o exrcito alemoantes das foras Aliadas alcanarem a capital.

    No fim de uma noite de sangrentas batalhas, 739 feridos fo-ram levados para o hospital. Vrias centenas mais foram cuida-dos nas casas dos parisienses. A classe mdia estava assombradae horrorizada. Nos dias que se seguiram, numerosas reportagensde testemunhas oculares apareceram nos jornais franceses. Umdoutor escreveu com toda a amargura da minha impotncia aoLe Monde o que ele acabara de ter visto na sua janela:

    Eu vi, saindo de um caf, jovens estrangeiros curvados e do-brados, por cinco policiais para cada um, batendo neles violenta-mente na face sempre que possvel, ou ento nas canelas. Os jo-vens tentaram se proteger com livros, ento os livros voaram. Osgolpes choveram at que eles foram jogados no furgo policialh trinta metros de distncia. Quo longe parecia esta curta dis-tancia! Os moradores deste quarteiro burgus estavam gritandosua indignao.

    Um jovem negro, que estava andando normalmente quandofoi posto no Cesto de Salada' (furgo policial) e surgiu quinzeminutos depois com sua face coberta de sangue. Ele cambaleoue caiu. Eles o deitaram numa maca e o tiraram de l. Eu imaginei

    que a cor de sua pele justificou o fato dele ter sido cuidadoden-tro do furgo.

    Muito em breve, nas batalhas com a polcia, os estudantestiveram sucesso em faz-los recuar furges e tudo.Algumas gar-rafas foram arremessadas de vrios andares de altura nas forasda lei e da ordem. A simpatia da populao ia visivelmente paraos estudantes, que continuaram donos do terreno.Amanh have-r a denncia policial de estrangeiros e os verdadeiros manifes-tantes tero esmagado os policiais e eu digo isso com satisfao...eu admito!

    Em vrias ocasies, quando a policia foi forada a recuaraplausos desataram dos balces. Nenhuma hostilidade foi osten-tada em relao aos manifestantes pelo contrrio, rdios, comi-da e abrigo foram fornecidos. Uma pesquisa indicou que 80% dapopulao de Paris estava com os estudantes. O governo avalioumal e confiou que era um minsculo grupo isolado de agitado-res. Peyrefitte falou de um punhado de arruaceiros.Escandalosamente, os lderes do Partido Comunista ecoaram es-tes sentimentos, sugerindo que o movimento dos estudantes eratrabalho de grupelhos ou grupsculos trotskistas, anarquistas, at mesmo agentes da OAS e da CIA!

    Jovens Trabalhadores se unemOs eventos de 6 de maio levaram a dias de manifestaes, ba-

    talhas de rua e o levantamento de barricadas. medida que o n-mero de estudantes crescia e jovens trabalhadores se uniam a elesnas barricadas, eles zombavamdo governo e dos lideres do PartidoComunista com gritos de ns somos um grupsculo. Em suascrescentes manifestaes os gritos aumentavam: Solidariedade

    dos estudantes e trabalhadores', Libertem nossoscamaradas!, Policia fora doQuartier Latin! e Re-abram as universidades!. Depois da revoluo de1848, o Prefeito da Policia, Haussmann, ordenouo re-desenhamento de Paris com amplos bulevarespara impedir que a cidade mais uma vez fosse blo-queada pelas barricadas. As mesmas pedras dosparaleleppedos com que os bulevares foram feitosformaram os blocos de construo ideal para asbarricadas de maio de 1968! Os trabalhadores em-prestaram sua percia e suas furadeiras para ajudarescavar os pavs (paraleleppedos) para uma cons-truo mais rpida e efetiva das defesas.

    Em 10 demaio, no que se tornou conhecido co-mo 'ANoite das Barricadas' mais de 60 destas cons-

    trues foram levantadas.Apolcia recorreu a tudo, exceto atirar.Gs lacrimogneo, bombas de fumaa e at mesmo gs CS fo-ram usados. Os moradores, a pedido dos estudantes, jogaramgua de suas casas para aliviar a irritao nos olhos e pele. O gspenetrou no Metr subterrneo, causando at mesmo aflio aospassageiros que viajavam por baixo do Quartier Latin!

    Num incidente, 30 tiros de gs lacrimogneo foram lanadosnum caf. Desde os primeiros ataques da tropa de choque, os es-tudantes gritavam CRS-SS. Neste incidente, a CRS procurouvingana, ameaando: 'Vocs vero quem SS!' Uma estudantede filosofia do primeiro ano descreveu como ela foi forada a vol-tar vrias vezes para o banheiro do andar de baixo deste caf.Vriasoutras mulheres estavam com ela, gritando e implorando, esten-didas no cho! Ela foi dominada pelo gs e pela histeria. Meioinconsciente, ela ficou sem saber, at que foi levada para fora docaf, que tinha perdido a vista de ambos os olhos!

    Os resultados das batalhas da Rue Gay Lussac foram to hor-rveis que os mdicos exigiram publicamente que a policia fosseprocessada. Veculos da policia foram vistos se jogando nos ma-nifestantes. Em uma ocasio, um pedestre foi carregado trintame-tros no pra-choque da frente e o motorista disse que no o viu!Na noite de 10 de maio, quando a CRS tomou de assalto as bar-ricadas, eles nemmesmo permitiram que a CruzVermelha entras-se e apanhasse os feridos. No dia anterior, Peyrefitte se recusou

    Frana de 1968 Ms da Revoluo pg 11

  • a permitir a abertura de Nanterre. A raiva generalizada contra abrutal resposta do governo aos protestos dos estudantes alcanouo ponto de ebulio. Os lderes das maiores federaes1 sindicaise dos partidos de esquerda foram obrigados a chamar uma grevegeral de 24 horas na segunda, 13 de maio. O primeiro-ministroPompidou anunciou a reabertura da Sorbonne e a retirada da po-licia. Mas era muito pouco e muito tarde!As comportas estavamabertas e no seriam firmemente fechadas at o ms de junho. Amxima de De Gaulle, o estado nunca retrocede, virou p! Erao inicio do fim para ele.

    A retirada parcial do governo no satisfez os estudantes, masfoi suficiente para encorajar milhes de trabalhadores a seguir oseu exemplo entrar em greve e ocupar por suas prprias deman-das. Os trabalhadores, especialmente os jovens, estavam incen-diados pelo exemplo da ao a coragem e o lan demonstradospelos estudantes engajados na luta. Estes agiram inicialmente porqueixas levantadas sobre o sistema educacional altamente centra-lizado, mas rapidamente comearam a questionar toda a estrutu-ra da sociedade., agindo como um estopim para omovimento dostrabalhadores. Infelizmente, isto deu aos estudantes a iluso deque eles eram uma fora motora. Na realidade, as condies pa-ra o movimento dos trabalhadores j estavam preparadas.

    O Boom um grande custo

    Agrande greve de maio de 1968 no ocorreu contra um panode fundo de recesso ou estagnao, mas num perodo quando ossalrios reais estavam aumentando numamdia de 5%ao ano. Paraalguns setores da sociedade trabalhadores qualificados e pro-fissionais em particular as expectativas do que o boom do ps-guerra significava para eles estavam aumentando. Em 10 anos, acompra de carros dobrou, assim como o nmero de mquinas delavar em lares privados. Compras de geladeiras triplicaram.Maisde um milho de segundas casas foram compradas. A compra deTVs quintuplicou.

    Foi este proletariado, supostamente corrompido e aburgue-sado pela sociedade de consumo, que implementou amaior gre-ve geral da histria. Foi esta classe trabalhadora que usou todo oseu poder para fazer uma revoluo. H portanto uma aparentecontradio entre o aumento nas condies de vida dos trabalha-dores, que comentaristas superficiais acreditavam que estabiliza-ria o capitalismo (e portanto de Gaulle) e a ecloso da revoluo.Os levantes de maio-junho de 1968 confirmam a anlise do mar-xismo de que as condies para a revoluo no so preparadasautomaticamente, seja por uma recesso ou uma melhora econ-mica, mas pela mudana de uma poca para outra.

    Uma catstrofe econmica como a de 1929-33 naAmrica po-de aturdir e paralisar o proletariado por um perodo. De outro la-do, um aumento na produo, com a conseqente queda no de-semprego, pode restaurar a confiana da classe trabalhadora e pre-parar o terreno para uma nova exploso da luta de classes. Ame-lhora econmica do ps-guerra na Frana, e especialmente sobde Gaulle, cicatrizou as feridas da classe trabalhadora francesa.A conscincia dos retrocessos e derrotas dos perodos interguer-ra e no imediato ps-guerra se dissolveu com o desenvolvimen-to de uma nova e combativa gerao de trabalhadores. Agora, ainflao e o desemprego ameaavam minar tudo o que tinha si-go ganho. Estes fatores juntaram-se ao potencial da sociedade fran-cesa para exploses revolucionrias.

    Consciente dos perigos de desenvolver uma poderosa classe

    trabalhadora na Frana, com suas grandes tradies de revoluo,a classe dominante francesa, por 150 anos, at o final dos anos50, deliberadamente conteve o desenvolvimento de uma econo-mia industrial. A Frana se tornou conhecida como o 'Banqueirodo Mundo' e ainda tinha um grande campesinato para agir comoum contra-peso poltico aos trabalhadores nas cidades.

    Mesmo em 1968, metade da populao vivia em comunida-des de menos de 2.000 pessoas. 28% da fora de trabalho esta-vam na industria, comparados aos 35% na Gr-Bretanha eAlemanha. A produtividade da Frana era menos da metade damdia do resto da Europa. Contudo, o declnio da proporo dapopulao da Frana diretamente empregada na terra, de 35% em1945 para 17%, foi a mais rpida de qualquer pas ocidental porum perodo de 20 anos.

    Subindo ao poder em 1958, na incandescncia de um boomsem precedentes, de Gaulle foi forado a modernizar e trazer aFrana para omercadomundial numa palavra: competir. Ele foiajudado por uma desvalorizao de 15% do franco e uma gran-de escala de investimento dos EUA. Um dficit na balana de pa-gamentos foi transformado num excedente e foi acumulada umavasta reserva em$5.25 bilhes emouro.Mas, sob o reluzente boom,a ferrugem se manifestava. O milagre foi conseguido grandescustos para as condies de vida e trabalho de milhes de traba-lhadores. A rpida expanso trouxe junto uma inflao de 45%sobre um perodo de 10 anos. Em 1968, os aumentos de preosestavam sendo exacerbados por novas imposies do TVA2 euma desregulamentao dos aluguis. O desemprego estava su-bindo em 70%desde 1960, para um quadro oficial demais de 500mil (de acordo com os sindicatos, era de 700mil). Um quarto dosdesempregados consistia de alunos que saram da escola semcompletar os estudos, formados e estudantes reprovados. Estimava-se que metade tinha menos de 25.

    As j inadequadas provises de seguro social e de sade se-riam cortadas; em particular, um decreto restringindo ainda maiso auxilio doena apareceu como uma questo ardente. A morta-lidade infantil era alta para um pas europeu. Em Paris, trs mi-lhes de pessoais viviam em cortios, emetade dos domiclios notinha banheiros internos.

    Na indstria, longas horas eram trabalhadas, freqentementepor salrios baixos. Um quarto dos trabalhadores recebia nomais do que 145 francos por semana. Um milho e meio de tra-balhadores no qualificados e rurais ainda recebiam 400 francospor ms (33) ou menos. Seis milhes de pessoas viviam abaixoda linha da pobreza. A semana de 40 horas foi introduzida pelogoverno da Frente Popular de 1936 e amplamente implementadaantes da guerra.Agora, em 1968, a semana de trabalho mdia erade 45 horas.

    Uma viso do InfernoNas gigantescas fbricas de carros, que cresceram como co-

    gumelos durante o boom, os veculos mais modernos eram pro-duzidos em condies arcaicas. Como na Amrica nos anos 30,as linhas de produo eram policiadas por exrcitos privados debandidos armados. O trabalho imigrante foi deliberadamente usa-do numa tentativa de dividir a fora de trabalho. Os trabalhado-res eram organizados na linha de produo pela nacionalidade, demodo que um trabalhador dificilmente estava prximo de outroque falava a mesma lngua.

    Trs milhes saram das condies de pobreza no Sul daEuropa, frica do Norte e Caribe para os locais de trabalho daFrana. Um tero dos 40 mil trabalhadores na planta da CitronemParis eram imigrantes.Milharesmais, especialmente espanhise portugueses, eram empregados nas grandes firmas de engenha-ria. Seus sonhos eram destrudos medida que se eles se viam vi-vendo e trabalhando em atrozes condies de terceiro mundo.Se comeassem a reagir e provassem ser muito militantes, suas

    Frana de 1968 Ms da Revoluo pg 12

    2 Imposto sobre valor agregado, equivalente ao ICMS.1 Na Frana, Federaes Sindicais correspondem s nossas centrais.

  • companhias simplesmente chamavam a policia para retirar suasautorizaes de trabalho.Muitos eram arrebanhados em albergues,onde as condies de superlotao e insalubridade eram acom-panhados por uma disciplina draconiana sem visitas, jornais, oumesmo falar na mesa de refeies. Um reprter do Militant naFrana, em maio de 1968, relata a situao na Simca:

    A fbrica tinha uma policia estatal em miniatura com a se-gurana da fbrica, muitos dos quais operavam em segredo, pron-tos para pegar qualquer sindicalista em flagrante. Eles no ape-nas exerciam seus deveres de represso na prpria fbrica, mastambm nos alojamentos e hospitais da companhia. 60% da for-a de trabalho eram de imigrantes. Durante a greve, 4 mil destestrabalhadores forammantidos prisioneiros num albergue da com-panhia.Aqualquer um que tentasse partir era-lhe dito que no ha-via mais trabalho e portanto estava sob suspeita.

    Na fbrica da Renault em Flins, uma alta proporo de traba-lhadores imigrantes estava no piquete desde o inicio. Na grandemanifestao de 13 demaio emParis, grupos de trabalhadores por-tugueses cantavam de Gaulle, Franco, Salazar - assassinos. UmComit de Ao do Magrebe divulgava um panfleto apelandoaos trabalhadores norte-africanos a apoiar a greve e denuncian-do as ditaduras na Tunsia, Arglia e Marrocos, onde estudantes,professores e colegiais j estavam em rebelio.

    The Economist descreveu a linha de montagem e fundio dafbrica gigante da Renault em Billancourt como uma viso doinferno. Os trabalhadores que saram em greve estavam se rebe-lando contra 'les cadences' o desumano ritmo de trabalho , atenso, o stress e o desgaste sobre msculos, nervos e membros.

    Estas condies explicam como a Frana pode-ria explodir como um barril de plvora. Elas so a ra-zo para a alegria e jbilo sentidos pelos trabalhado-res uma vez aberta a possibilidade de transformarsuas vidas dirias. Elas explicam, tambm, a amar-gura e desejo de vingana que se mostraram em al-guns dos slogans e nas efgies representando o capi-talismo balanando de uma forca improvisada fora dasfbricas. Isso explica as ocupaes, as discusses, ocantar de canes revolucionrias e a atmosfera fes-tiva que acompanhou a parada do trabalho. Tambmexplica os incidentes de gerentes sendo trancados emseus escritrios e alimentados por baldes abaixadosatravs da clarabia!

    Houve muitos tremores ssmicos nos anos prece-dendo o maio de 68, que alertavam um terremoto iminente. Masnenhum podia indicar a fantstica escala da exploso, depois quea tampa da sociedade gaullista foi levantada.

    A industrializao francesa forada levou exatamente ao queMarx e Engels previram noManifesto Comunista e o que a clas-se dominante francesa temia por tanto tempo. Ela reuniu traba-lhadores em enormes concentraes, com 30.000 apenas naRenault Billancourt. Eles estavam criando seus prprios covei-ros em primeiro lugar entre eles, a juventude.

    Fbricas de EducaoUm tero da populao francesa estava sob a idade dos 20 anos

    em maio de 1968. Mais de 500 mil deles estavam na universida-de (em 1946 haviam apenas 123.000 e, em 1961, 202.000). EmNanterre, pretendida peloMinistro da Educao como ummode-lo para as universidades do futuro, 23.000 estudantes foram ad-mitidos em 1964. Em 1968, o quadro era seis vezes este nme-ro! Uma composio austera de cubos de ao e vidro, ela foiconstruda rapidamente para dar conta da presso do que foi cha-mado o fervilhante formigueiro do Quartier Latin' por Seale eMcConville em seu livro French Revolution, 1968. Amontoadanum subrbio entre a construo de uma auto-estrada e favelasnorte-africanas, Nanterre se tornou um modelo para a revoluo.Foi o local de nascimento doMovimento 22 deMaro deDanielCohn Bendit. Este era um grupo muito amorfo mas bastante co-

    rajoso de anarquistas, que ocupou os escritrios da Universidadede Nanterre na poca, em protesto ao modo como os manifestan-tes anti-Guerra do Vietn estavam sendo tratados.

    Noventa por cento dos estudantes franceses ainda eram filhose filhas da burguesia e pequena-burguesia. At os filhos de mi-nistros estavam envolvidos nos eventos de maio, assim como osdo Chefe da Policia!Amontoar esta juventude dourada' em ine-ficientes emiserveis fbricas de educao, quemantinhamumargida abordagem para a educao e a vida social no campus, cau-sou inevitavelmente um rompimento no relacionamento estudan-te-professor. Havia uma convico generalizada de que os espiesda policia estavam operando intensamente nos campi, com a co-nivncia das autoridades universitrias. Livrarias e laboratriostransbordavam, salas de leitura era superlotadas e trs quartos dosestudantes no chegavam ao fim de seus cursos. Pelosmenosme-tade dos estudantes franceses de ento no completavam seus cur-sos. Pelo menos metade deles, como agora, poderiam apenas so-breviver trabalhando, o que por sua vez adicionava intolerveisesforos na sua capacidade de estudar.

    Alain Peyrefitte, o infeliz Ministro da Educao na poca doseventos de maio, comentou em 1967: 'Era como se organizsse-mos um naufrgio a fim de escolher os melhores nadadores. Osgastos na educao aumentaram seis vezes nos 15 anos anterio-res, mas isso era insuficiente para fornecer os prdios e o pessoalnecessrios para cobrir o enorme aumento no nmero de estudan-tes. Alain Touraine, um socilogo de Nanterre, notou que:

    Os grandes campi novos do sculo 20 isolaram os estudan-tes, domesmomodo comoos trabalhadores esto isolados nas com-

    pany towns3 americanas.Amultido estudantil nas-ceu to densa e annima como um proletariado in-dustrial, com seus prprios ressentimentos, seus pr-prios lderes e sua crescente noo do prprio poder

    As universidades francesas podem ser compara-das s fbricas na Rssia, trabalhando por normasordenadas pelo centro. Todas as 23 universidades dopas eram dirigidas pelo estado, em linhas rigidamen-te padronizadas, comoumdepartamento governamen-tal.As insatisfaes, ao invs de serem erodidas pe-la negociao e reformas prticas, eram represadase ento estouravam em exploses de raiva coletiva.Revoltas estouraram emNanterre contra a proibiode estudantes visitaremoutros do sexo oposto em suashabitaes!

    Queixas sobre omodo como o ensino era dirigido e, alm dis-so, seu prprio propsito na sociedade capitalista, estavam che-gando a um ponto de ebulio. Novas propostas com o objetivode adaptar a educao s necessidades dos patres tornaram ascoisas piores!

    Ao mesmo tempo, os estudantes nas escolas secundrias (ly-ces) foram radicalizados pela agitao generalizada e sua pr-pria indignao com a guerra do Vietn. Eles estiveram envolvi-dos, com a direo dos Comits deAo dos Lyce, em paralisa-es de 24 horas emanifestaes.Agora, chegavam propostas pa-ra o fim da poltica de portas abertas de entrada na universidade,para se juntar raiva ardente que eles j tinham contra o sistemade exame da escola secundria Baccalaurat. Eles estavamcompletamente prontos para irem s ruas quando les enrags(os raivosos) das universidades entraram em confronto abertocom as foras do estado.

    Na poca das lutas de maio, os professores universitrios es-tavam com os estudantes em suas demandas por reforma. Mas osprofessores do lyce primeiro tentaram manter as crianas de 13e 14 anos em suas escolas trancando as portas das salas de aula!Em alguns dias, eles tambm estavam se unindo smanifestaese organizando as ocupaes dos lyces junto com os pais!

    Frana de 1968 Ms da Revoluo pg 13

    3 Cidades onde grande parte dos imveis, comrcio e serviospertencem a uma empresa, que tambm possui uma grande f-brica ou local de trabalho na regio.

  • Leon Trotsky, o grande revolucionrio russo, comentou queo vento da revoluo chacoalha primeiro o topo das rvores osfilhos e filhas da classe dominante, a aparentemen-te saciada camada estudantil da sociedade. Ele pon-tuou que, pela primeira e provavelmente nica vezem suas vidas, os estudantes esto livres de algumasdas restries da sociedade burguesa.AUniversidade um intervalo entre as restries da vida no lar bur-gus e pequeno-burgus, e a reintegrao em con-fortveis empregos e posies na sociedade burgue-sa. Alm disso eles so encorajados a experimentaridias, at mesmo noes socialistas e semi-marxis-tas, o que em geral inteiramente estranho burgue-sia.

    Ummovimento demassas da classe trabalhado-ra pode exercer um poderoso efeito ideolgico naperspectiva dos estudantes. Se um forte plo de atrao se desen-volver, o melhor dos estudantes pode ser ganhos para as idias dosocialismo e domarxismo. Contudo, eles podem provar serem sa-dios participantes no movimento dos trabalhadores apenas rom-pendo ideologicamente, e em termos de seu estilo de vida, comas origens pequeno-burguesas e burguesas.

    A tragdia da Frana era que no existia nenhuma organiza-o que pudesse auxiliar este processo. Pelo contrrio, seitas ul-tra-esquerdistas, afirmando serem 'trotskistas', reforaram os pre-conceitos arrogantes de muitos dos estudantes, distribuindo a eleso papel de 'lderes nesta luta.Arevoluo aconteceria, disseram,sob a batuta condutora dos estudantes. Uma das seitas, a JCR, che-gou ao cmulo de produzir um panfleto comuma citao de Lninsobre a classe trabalhadora no ir alm da conscincia sindical. Aimplicao era que deveria ser deixado aos estudantes ocuparema posio de generais revolucionrios, enquanto a classe traba-lhadora meramente forneceria os soldados rasos! Isso eles defen-deram numa poca quando milhes de trabalhadores francesescomearam a exibir um tremendo poder de improvisao, inicia-tiva e atrevimento! Aqueles trabalhadores que leram os panfletossimplesmente deramde ombros e se voltaram para assuntos srios.

    The Economist (22 de maio) explicou menos cientificamenteum dos processos que se desenvolveriam nos primeiros dias demaio de 1968: Obviamente, muitos dos rebeldes de hoje seroabsorvidos amanh e se preocuparo apenas em ascender ao es-tablishment ou obter sua fatia de riqueza. Mas eles ainda so jo-vens o suficiente para escutar com simpatia os slogans sobre a der-rubada da sociedade estabelecida. O cassetete tratou do resto!AForce de Frapp, como este mesmo artigo a chamou - a tropade choque da Garde Mobile e da CRS foi um educador formi-dvel: A Frana tem as tropas necessrias para uma guerra ci-vil, e seus vrios regimes freqentemente a usaram cruelmente.

    Represso EstatalAs Companhias Republicanas de Segurana (CRS) so uma

    fora armada de segurana policial criada no fim da 2 GuerraMundial. Elas tiveram seu batismo de sangue em 1947, quan-do foram enviadas pelo Ministro Social Democrata do Interior,JulesMoch, contra mineiros grevistas. Elas foram chamadas mui-tas vezes para desferir ataques contra todo tipo de manifesta-es. Nunca antes, contudo, foram usadas to extensamente con-tra estudantes.

    Aprpria policia de Paris estava infestada de reacionrios an-ticomunistas, alm de elementos que odiavam aqueles que con-sideravam responsveis por trair a Frana e suas colnias in-telectuais e progressistas, militantes comunistas e sindicais. Umvirulento racismo foi demonstrado contra os indochineses, depoiscontra os argelinos. Isso culminou na sangrenta represso de ma-nifestaes de argelinos em Paris e nas 'caadas de ratos' nas ruase nas favelas nos subrbios da cidade. No menos violento foi ocomportamento da policia com os franceses que queriam a inde-pendncia argelina e lutaram por isso. A represso manifesta-

    o anti-OAS em 8 de fevereiro de 1962 deixou oitos mortos naestao do metr de Charonne.

    Comits para a Segurana Pblica secretos fo-ram criados na Prefeitura de Paris na poca do coupd'tat de De Gaulle em 1958. Elementos do Serviode Ao Cvica (SAC), outra organizao para-mi-litar semi-independente criada pelo partidoGaullista,notavelmente incluindo Pasqua (o odiado Ministrodo Interior de Chirac nos anos vindouros) ficaramconhecidos durante as lutas de rua. Eles exigiam ca-pacetes e porretes para ir s barricadas do lado da po-lcia. Outros organizaram gente da policia em gru-pos chamados os incontrolveis, que declaravamprontido em agir, mesmo contra as ordens de seusprprios chefes de policia.Depois, quando osComitspela Defesa da Repblica foram mobilizados aps

    a fala de De Gaulle de 30 de maio, a SAC distribuiu entre a po-licia e a CRS um panfleto os chamando a se unir a ela.

    Estes agrupamentos foram sem dvida os principais perpetra-dores dos piores excessos das jornadas demaio em Paris de 1968.Grimaud, o chefe da policia, alertou todos os policiais contra osreconhecidamente poucos entre vocs que, por suas aes im-pensadas, tm dado crdito a esta imagem desfavorvel que aque-las pessoas esto tentando impor ns!'. As tropas de elite, nor-malmente isoladas da opinio pblica, no obstante eram uma fr-gil arma no arsenal de um estado bonapartista. Flexibilidade e sen-sibilidade no so lemas de uma ditadura militar policial, mesmoas ligadas s formas parlamentares de que de Gaulle tanto desde-nhava. Muita da raiva e amargura que se acumulou na sociedadefrancesa provinha do tratamento dispensado a quase todas as ca-madas da sociedade pela repressiva maquina estatal. O compor-tamento do governo, o hbito gaullista de ig