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Universidade Estadual de Campinas Instituto de Física Gleb Wataghin Francisco Oliva de Oliveira Modelagem teórica de monocamadas anfifílicas: O gás de rede de Doniach em aproximação de pares Campinas 2016

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Universidade Estadual de CampinasInstituto de Física Gleb Wataghin

Francisco Oliva de Oliveira

Modelagem teórica de monocamadas anfifílicas:

O gás de rede de Doniach em aproximação de pares

Campinas2016

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Francisco Oliva de Oliveira

Modelagem teórica de monocamadas anfifílicas:

O gás de rede de Doniach em aproximação de pares

Dissertação apresentada ao Instituto

de Física Gleb Wataghin da Universidade

Estadual de Campinas como parte dos

requisitos exigidos para a obtenção

do título de Mestre em Física

Orientador: Prof. Dr. Mário Noboru Tamashiro

Este exemplar corresponde à versão

final da dissertação defendida pelo

aluno Francisco Oliva de Oliveira e orientada

pelo Prof. Dr. Mário Noboru Tamashiro

Campinas2016

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES, 1186359/2013

Ficha catalográficaUniversidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Física Gleb WataghinLucimeire de Oliveira Silva da Rocha - CRB 8/9174

Oliveira, Francisco Oliva de, 1988- OL4m OliModelagem teórica de monocamadas anfifílicas : o gás de rede de Doniach

em aproximação de pares / Francisco Oliva de Oliveira. – Campinas, SP :[s.n.], 2016.

OliOrientador: Mário Noboru Tamashiro. OliDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Física Gleb Wataghin.

Oli1. Física estatística. 2. Transformações de fase (Física estatística). 3.

Fenômenos críticos (Física). I. Tamashiro, Mário Noboru,1965-. II.Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Física Gleb Wataghin. III.Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Theoretical modelling of amphiphilic monolayers : the Doniachlattice gas in the pair approximationPalavras-chave em inglês:Statistical physicsPhase transformations (Statistical physics)Critical phenomena (Physics)Área de concentração: FísicaTitulação: Mestre em FísicaBanca examinadora:Mário Noboru TamashiroSilvio Roberto de Azevedo SalinasEduardo MirandaData de defesa: 05-08-2016Programa de Pós-Graduação: Física

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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MEMBROS DA COMISSÃO JULGADORA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DEFRANCISCO OLIVA DE OLIVEIRA - RA 070929 APRESENTADA E APROVADA AOINSTITUTO DE FÍSICA “GLEB WATAGHIN”, DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DECAMPINAS, EM 05 / 08 / 2016.

COMISSÃO JULGADORA:

- Prof. Dr. Mario Noboru Tamashiro – Orientador – DFA/IFGW/UNICAMP- Prof. Dr. Silvio Roberto de Azevedo Salinas – IF/USP- Prof. Dr. Eduardo Miranda – DFMC/IFGW/UNICAMP

OBS.: Informo que as assinaturas dos respectivos professores membros da bancaconstam na ata de defesa já juntada no processo vida acadêmica do aluno.

CAMPINAS2016

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Ludwig Boltzmann, who spent

much of his life studying

statistical mechanics, died in

1906, by his own hand. Paul

Ehrenfest, carrying on the work,

died similarly in 1933. Now it is

our turn to study statistical

mechanics. Perhaps it will be

wise to approach the subject

cautiously.

D. L. Goodstein

A theory is the more impressive

the greater the simplicity of its

premises is, the more different

kinds of things it relates, and

the more extended is its area of

applicability. Therefore the deep

impression that classical

thermodynamics made upon me.

It is the only physical theory of

universal content concerning

which I am convinced that,

within the framework of

applicability of its basic

concepts, it will never be

overthrown.

A. Einstein

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Dedico este trabalho

ao meu pai e ao meu avô

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente e acima de tudo ao meu orientador, Prof. Mário N. Tamashiro, pela

paciência extrema e dedicação absoluta durante todos esses anos. Agradeço muito aos professores

presentes na banca de defesa, Prof. Silvio Roberto de Azevedo Salinas e Prof. Eduardo Miranda, pelo

entusiasmo e pelos comentários extremamente relevantes, e também aos professores que participaram

das bancas de qualificação e pré-defesa, Prof. Guillermo G. Cabrera, Profa¯ Mônica A. Cotta, Prof. José

A. Brum. Agradeço também ao Prof. Richard Landers pelas conversas muitas vezes necessárias, ao meu

colega Gabriel Soares por compartilharmos os momentos de tensão e descontração durante os altos e

baixos de nossos mestrados, e aos colegas (sempre muito bem-humorados, até quando mal-humorados)

da sala 34 do Departamento de Física Aplicada do IFGW. Aos meus companheiros de casa por muitos

anos, especialmente Diana Lanças e Diogo Cristo, por serem tão parceiros, sempre. Agradeço também

aos meus velhos amigos Breno Eitel e Paula Saito e aos companheiros da A.O.G.D.B.: Ana Paula

César, André Sztutman, Camila Djurovic, Daniel Birolli, Isabel Wolfenson, Mariano Martins, Marília

Teixeira, Nina Botkay, Paloma Mecozzi, Paula Maria Rached, sem os quais este trabalho provavelmente

teria sido concluído alguns meses atrás. Agradeço muito à Luiza Sigulem pela paisagem comovente.

Deixo um agradecimento especial à Helena Wolfenson, por ser uma pessoa tão afável e agradável de

coabitar, e ao Rafael Frydman, por sua ausência necessária. Finalmente, e por tantas coisas, agradeço

à minha mãe. Este trabalho foi realizado com o auxílio financeiro da CAPES.

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Resumo

Neste trabalho é realizada uma sintética revisão bibliográfica acerca do estudo de filmes mono-

moleculares na interface ar-água (filmes de Langmuir), seu desenvolvimento histórico e relação atual

com tópicos avançados em física de membranas biológicas e biomiméticas, além das vantagens e des-

vantagens de algumas técnicas experimentais para caracterização de filmes de Langmuir. Visando a

descrição de filmes de Langmuir formados por fosfolipídios, são discutidos alguns modelos teóricos como

preâmbulo para a apresentação do modelo de gás de rede de Doniach (Doniach lattice gas: DLG), para

o qual é apresentada a solução em aproximação de pares, implementada através de cálculos exatos na

rede de Bethe. Por fim, os parâmetros do modelo em aproximação de pares são ajustados a dados

experimentais obtidos de isotermas de compressão-expansão para dois fosfolipídios zwitteriônicos: o

dimiristoilfosfatidilcolina (DMPC) e o dipalmitoilfosfatidilcolina (DPPC).

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Abstract

In this work, we present a brief bibliographic review on the study of monomolecular films on the

air-water interface (Langmuir films), their historical development and present relation with advanced

subjects on biological and biomimetic membranes, besides the advantages and disadvantages of certain

experimental techniques for the characterization of Langmuir films. In order to describe phospholipid

Langmuir films, we discuss some theoretical models as a preamble to presenting the Doniach lattice

gas (DLG) model, which we solve in the pair approximation, implemented through exact calculations

on the Bethe lattice. Finally, we adjust the parameters of the model in the pair approximation to

experimental data obtained from compression-expansion isotherms for two zwitterionic phospholipids:

dimyristoylphosphatidylcholine (DMPC) and dipalmitoylphosphatidylcholine (DPPC).

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Sumário

Resumo 8

Abstract 9

1 Introdução 12

1.1 Prólogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

1.2 Breve história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

1.3 Moléculas anfifílicas e membranas celulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

1.4 Transições de fase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2 Metodologias experimentais 33

2.1 Cuba de Langmuir–Blodgett: LBT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

2.2 Método da bolha cativa: CBM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

2.3 Método da gota pendente: PDM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

3 Modelos teóricos 44

3.1 Modelo de Doniach . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

3.2 Gás de rede de Doniach: DLG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

4 Aproximações no modelo DLG 55

4.1 DLG em aproximação de campo médio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

4.2 DLG em aproximação de pares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

4.3 Relações de recorrência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

4.4 Potencial grande-canônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

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4.5 Pontos críticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

4.6 Pressão lateral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

4.7 Caso ciclo-2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

4.8 Transições de primeira ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

4.9 Pontos triplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

5 Análise e resultados 73

5.1 Caso ciclo-2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

5.2 DMPC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

5.3 DPPC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

6 Considerações finais 87

Referências bibliográficas 89

A Modelo de Ising na rede de Bethe 104

A.1 Árvore de Cayley e rede de Bethe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

A.2 Solução exata na rede de Bethe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108

A.3 Aproximação de Bethe–Peierls . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

A.4 Energia livre do modelo na rede de Bethe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

A.5 Analiticidade e temperatura crítica via equação de estado . . . . . . . . . . . . . . . . 121

B Equação de estado do modelo de Ising na rede de Bethe 123

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12

1Introdução

1.1 PrólogoHouve grandes desenvolvimentos no entendimento de como as interações geram efeitos difíceis de

deduzir a partir do estudo das partes isoladas de um sistema, desde os trabalhos pioneiros de Maxwell,

Gibbs, Boltzmann e outros visionários na área da física estatística até os dias de hoje. A complexi-

dade e precisão das ferramentas teóricas e numéricas da física estatística aumentou consideravelmente

desde a introdução do modelo de Ising [1] e sua solução em uma dimensão [2], nos anos 20 do século

passado, até a brilhante solução exata de Onsager [3] para a energia livre do modelo na rede quadrada

bidimensional sem campo externo. Além disso, temos o mapeamento, por Lee e Yang, de um gás de

rede no modelo [4], a obtenção da magnetização espontânea por Onsager e Yang [5] por volta de 1950,

resultados exatos para o problema de Kondo ao longo dos anos 70 [6] e, mais recentemente, estudos

sobre redes neurais [7], sistemas desordenados [8], criticalidade e universalidade [9]. Ainda assim, a

maioria dos problemas estatísticos envolvendo interações é numericamente intratável ou, do ponto de

vista analítico, insolúvel exatamente, como por exemplo o modelo de Ising em três dimensões [10].

Por conta disso, tanto ferramentas numéricas, como o método Monte Carlo; simulações atomísticas

ou coarse grained, quanto aproximações analíticas, são de vital importância para um entendimento

mais completo das soluções para estes modelos. Com o amadurecimento do conhecimento na área,

e a generalização do que antes era apenas física do estado sólido para a mais geral física da matéria

condensada, começou-se a elaborar modelos para fenômenos mais difíceis de se descrever. Embora seja

notoriamente complexa, a física do estado sólido lida majoritariamente com sistemas cristalinos, pe-

riódicos, facilitando seu tratamento. Porém, grande parte dos sistemas de interesse atual possui baixa

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1.1 Prólogo 13

simetria, como sistemas biológicos e biomiméticos; espumas; polímeros; redes complexas de vários ti-

pos, tanto ecológicas como de aprendizado de máquina (machine-learning), análise de grafos ou do

tipo data science, entre muitas outras. A falta de simetria faz com que a descrição dos fenômenos seja

mais complicada, dificultando, portanto, o entendimento do que é relevante para o comportamento

cooperativo estatístico desses sistemas. Além disso, mesmo conhecendo em detalhe algumas partes

das rotas metabólicas de sistemas biológicos, sabemos muito pouco sobre seu funcionamento como um

todo: grande parte da pesquisa na área é realizada por tentativa e erro, como silenciamento de genes

específicos ou remoção de determinados lipídios e observação das consequências. Temos então alguma

ideia dos mecanismos envolvidos, mas não muito poder de previsão, o que requer modelos capazes de

descrever não apenas o que já observamos, mas, mesmo que aproximadamente, o comportamento do

sistema como um todo.

A pesquisa acerca do metabolismo das células consiste principalmente na elucidação das reações

químicas envolvidas, pela relativa facilidade de se isolar e caracterizar compostos específicos e acom-

panhar os passos intermediários das sínteses e interações. A explosão de técnicas e conhecimentos

relacionados ao DNA serve hoje de mapa para o entendimento dos processos de síntese protéica dos

organismos, mas as proteínas inserem-se em um contexto maior. A própria definição de célula passa

pela noção de que ela é uma entidade limitada, bem definida, e o invólucro que define “dentro” e “fora”

é a membrana celular, composta majoritariamente por lipídios em um estado semi-fluido. Cerca de

um terço das proteínas codificadas no genoma residem nesta membrana e interagem com ela mas, ao

contrário das proteínas, não conseguimos extrair do dicionário genético muitas informações acerca de

sua síntese e manutenção, que reage a diversos fatores fisico-químicos, como mudanças de pH; tem-

peratura; potencial elétrico; concentração iônica; etc. Há pouco que nos oriente no que diz respeito

às consequências da interação dessas condições locais e globais da membrana celular com as proteínas

nela localizadas, de maneira que ainda conhecemos e modelamos muito grosseiramente estes fenôme-

nos. Logo, é necessária a compreensão de como as condições físicas/mecânicas da membrana afetam

essas proteínas, para que possamos ter um quadro completo de como elas executam suas funções [11].

Dentro deste contexto temos fenômenos de transição de fase, que implicam comportamento ma-

croscopicamente cooperativo com origem em interações microscópicas. Provavelmente uma das mais

importantes revoluções silenciosas da física moderna foi a realização da conexão entre o comportamento

local das interações microscópicas com a termodinâmica dos sistemas macroscópicos e suas transições

de fase, muito bem representada pela solução exata do modelo de Ising em duas dimensões e a previsão

de uma transição ordem-desordem. Enquanto a termodinâmica, como teoria geral, não tem nenhuma

pretensão de elucidar a origem das forças que geram o comportamento que ela descreve muito bem, a

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1.2 Breve história 14

física estatística é capaz, mesmo que às vezes apenas aproximadamente, de encontrar o comportamento

macroscópico cooperativo de um sistema como consequência necessária da descrição microscópica das

forças e interações locais. É uma tarefa muito mais difícil, mas que nos permite acessar um conheci-

mento mais completo do que provoca as consequências macroscópicas, as avalanches que se propagam

muito além do alcance das interações locaisF .

1.2 Breve históriaA interação de substâncias polares (e.g. água) e apolares (e.g. óleos) pode dar origem a comporta-

mentos mesoscópicos, macroscópicos e termodinâmicos bastante complexos. Dependendo da tempera-

tura, pressão e composição exata da mistura, podemos obter diferentes fases homogêneas ou segregadas,

e transições, entre estas fases, de complexa descrição. Talvez um dos fenômenos mais facilmente ob-

serváveis no dia a dia seja o da formação de uma fina película de óleo sobre a água parada, ambos

na fase líquida, como quando observamos uma poça de água com óleo, iridescente, sobre o asfalto

da rua. Os primeiros relatos deste fenômeno remontam a 2000 a.C., na antiga Babilônia [12]. Plínio

o Velho já havia relatado, no primeiro século da era cristã, que os marinheiros despejavam óleo ao

mar para acalmar as ondas ao redor de seus barcos. No século XVIII, Benjamin Franklin realizou um

experimento simples porém notável, provavelmente inspirado por esses relatos e por suas observações

ao vivo deste fenômeno em uma viagem de navio à Inglaterra. Observou que uma pequena quantidade

de óleo vegetal sobre um lago parado se espalhava rapidamente até atingir uma área determinada e

depois parava, ficando relativamente estável. Repetiu o experimento em diversas ocasiões e constatou

que o fenômeno era reprodutível.

Agnes Pockels foi uma cientista ítalo-germânica autodidata, nascida em 1862 [13]. Embora tenha

realizado estudos básicos em uma escola municipal, não podia frequentar o ensino superior, primeiro

por ser mulher e depois pela objeção de seus pais. Pockels cuidava deles sozinha, cozinhando e lavando

louça diariamente, e com cerca de 18 anos percebeu que podia controlar o tamanho da mancha de

óleo em uma pia cheia de água utilizando um objeto flutuante, como uma régua. Soltando o objeto,

a mancha expandia novamente, empurrando-o. Medindo a força com a qual a mancha movia o ob-

FAqui é necessário fazer um comentário acerca das interações ditas de longo alcance, que incluem, além dagravitacional, outra muito mais relevante na escala espacial que estamos interessados: a interação de Coulomb.É verdade que muitas das hipóteses de trabalho, especialmente a da interação apenas entre primeiros vizinhos,sobre as quais construímos modelos e previsões, são falsas para esse tipo de interação. Por outro lado, é precisolembrar que, no caso em que estamos interessados, de sistemas biológicos ou soluções eletrolíticas, muitas vezeshá um ambiente iônico que acaba por blindar a interação de longo alcance, tornando nossas hipóteses um poucomais compatíveis com a realidade.

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1.2 Breve história 15

jeto, Pockels criou uma espécie de balança de tensão superficialV , precursora de todas as utilizadas

atualmente, e realizou com ela uma série de experimentos relativamente rudimentares, mas de grande

importância. Mediu e catalogou as respostas de óleos de diferentes composições, notando que subs-

tâncias contaminantes, como detergentes, alteravam bastante o comportamento do sistema. Observou

também que uma quantidade bem pequena de óleo, quando comprimida, sofria uma variação abrupta

de compressibilidade, sinalizando transições internas de estado no filme de óleo. Após realizar expe-

rimentos cuidadosos durante dez anos, Pockels acumulou resultados promissores na área incipiente da

física de superfícies de separação líquido-ar. No entanto, ela não possuía credenciais científicas para

que pudesse publicar suas descobertas e, além disso, era mulher, dona de casa, no final do século XIX.

Soube, no entanto, que Lord Rayleigh estava realizando pesquisas muito semelhantes à sua. Sem muitas

opções, Pockels contactou Rayleigh através de uma carta e, pedindo desculpas educadamente por sua

impossibilidade de fazê-lo de outra maneira, informou-o de seus experimentos. Através da influência

do cientista inglês, e apesar das enormes dificuldades criadas por sua condição de mulher autodidata,

Pockels conseguiu ter sua carta, contendo a descrição de seu trabalho pioneiro, publicada na prestigiosa

revista Nature [14], e viria a ser uma cientista relativamente prolífica nos anos subsequentes, embora

ainda cuidando de seus pais até que faleceram. Lord Rayleigh repetiu os experimentos de Pockels

e chegou à hipótese de que a razão para a ocorrência da mudança abrupta de compressibilidade era

a formação de uma camada compacta monomolecular de óleo sobre a superfície da água. Sabendo

o volume de óleo depositado, concluiu que a espessura do filme formado era de aproximadamente 10

nanômetros, compatível com a hipótese de monocamada e com a descrição atomística da matéria, ainda

não totalmente estabelecida cientificamente na época. No começo do século XX, o notável cientista

americano Irvin Langmuir, inspirado pelos trabalhos de Pockels, Rayleigh e outros, fez experimentos

com diversas substâncias e chegou a uma descrição bastante avançada dos fenômenos de adsorção e

sua relação com a tensão superficial dos líquidos. O trabalho original de Langmuir sobre o tema [15],

publicado em 1917, viria a ser laureado com o prêmio Nobel de química em 1932. Ainda hoje, sua

leitura é certamente bastante proveitosa para os interessados no tema.

Katharine Burr Blodgett foi a primeira mulher a concluir o doutoramento na universidade de

Cambridge, Massachusetts, em 1926 [16]. Trabalhou com Irvin Langmuir nos laboratórios da General

VA pressão lateral é definida como a diferença de tensão superficial entre a subfase pura, neste caso, repre-sentada apenas pela solução aquosa, e a subfase com a presença de filme superficial. Sob um ponto de vistamais geral, uma subfase é definida como uma parte mecanicamente separada e homogênea de um sistema he-terogêneo. Assim, pode-se dizer que a balança é tanto de pressão lateral como de tensão superficial, pois sãoquantidades essencialmente intercambiáveis para uma mesma subfase.

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1.3 Moléculas anfifílicas e membranas celulares 16

Electric e estendeu seu trabalho sobre monocamadas, refinando os equipamentos utilizados e realizando

as primeiras deposições sucessivas monomoleculares sobre vidro. Esta técnica permitiu a fabricação dos

primeiros vidros anti-reflexo. Neste processo, Blodgett aperfeiçoou métodos ópticos de controle preciso

da espessura dos filmes depositados, desenvolvidos originalmente por Agnes Pockels, e deu grandes

contribuições ao que hoje chamamos de estudo de filmes finos. Essa área, especialmente no que diz

respeito à óptica, fotônica e, notavelmente, estruturas microscópicas auto-organizadas (self-assembled),

continua sendo uma das mais estudadas e inovativas em termos de ciência básica e tecnologia.

1.3 Moléculas anfifílicas e membranas celularesUma das classificações mais gerais para qualquer substância diz respeito à sua afinidade química

com a água, considerada um “solvente universal”. Longe de ser de simples descrição, a água realiza

ligações de hidrogênio, resultado de interações atrativas direcionais intensas entre suas moléculas, que

tornam seu comportamento não-trivial e, a curtas distâncias e tempos, mais semelhante ao de um gel,

apresentando “estruturas” mesmo em sua fase líquida. Exibe diversas fases sólidas a alta pressão e

sua densidade varia de maneira não-monotônica em sua fase líquida a 1 atm, possuindo um máximo

a uma temperatura de cerca de 4◦C. Diferentemente da maioria das substâncias, sua fase sólida em

pressões usuais é menos densa do que a fase líquida, permitindo, por exemplo, que lagos e rios possam

existir na forma líquida sob uma camada de gelo que os isola termicamente, ao invés de congelar lenta

mas completamente a partir do fundo, o que impossibilitaria a existência de vida na Terra tal como a

conhecemos3 . É possível dizer com segurança que a complexidade do comportamento da água, pura

ou como solvente, ainda é um tema de pesquisa ativa [17].

Quando tentamos misturar à água líquida alguma substância que não se ioniza, temos, simplificada-

mente, uma competição entre a interação atrativa das próprias moléculas de água e a interação atrativa

de van der Waals/dipolar da água e da substância (soluto) em questão. Ao redor de solutos fortemente

polares ocorre um rearranjo das moléculas de água em configurações preferenciais em seu entorno,

hidratando-os e minimizando a competição entre a energia da interação dipolar e as ligações de hidro-

3No caso dos oceanos, a grande quantidade de sal dissolvido faz com que a densidade seja maior na faselíquida e o ponto de fusão mais baixo, e gera fenômenos complexos. Quando a água salgada congela, expulsao sal da fase sólida, fazendo com que a água líquida ao redor fique com um altíssimo teor de sal dissolvido,abaixando mais ainda seu ponto de fusão e aumentando sua densidade. Se a água ao redor for menos salina,ela pode congelar e formar canais de gelo que funcionam como tubos, por onde a água muito fria e altamentesalina desce. Em locais onde o mar é muito raso, esta estrutura pode chegar até o fundo e formar uma camadade gelo que aprisiona e mata tudo em seu caminho. Coerentemente, este fenômeno é chamado comumente de“dedo gelado da morte”.

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1.3 Moléculas anfifílicas e membranas celulares 17

gênio. Por esta característica, são chamadas substâncias hidrofílicas, e são muito aquosolúveis. Quando

a substância não é suficientemente polar ou polarizável, como parafinas e óleos minerais, há uma série

de efeitos diferentes em ação, tanto entrópicos quanto entálpicos, que dependem das características

detalhadas do soluto em questão, como tamanho da molécula, presença de cadeias carbônicas cíclicas,

posição de grupos funcionais, etc. Para os nossos propósitos, podemos considerar que a atração entre

as próprias moléculas de água é mais intensa, expulsando a substância incompatível e segregando-a em

uma fase diferente com a energia livre em excesso restrita à interface entre a fase aquosa e a fase apolar.

As substâncias que apresentam este comportamento são designadas efetivamente hidrofóbicas [18].

Quando uma molécula apresenta simultaneamente caráter hidrofóbico e hidrofílico, por exemplo,

quando nela coexistem um grupo funcional polar e/ou ionizável, como uma carboxila, junto a uma

cadeia hidrocarbônica apolar, algumas ligações de hidrogênio podem ser satisfeitas em solução aquosa

e a energia de interface é reduzida. É possível, então, a formação de um filme fino estável sobre a água,

como no caso da mancha de óleo vegetal sobre o lago. À presença das duas características antagônicas

denomina-se anfifilia (ou anfipatia), e as moléculas são ditas anfifílicas (ou anfipáticas), apresentando

uma competição entre hidrofilia e hidrofobia. Essa competição pode gerar comportamentos coletivos

complexos, podendo propiciar a formação de estruturas supramoleculares com diferentes graus de si-

metria, estáveis e metaestáveis no interior do meio aquoso, além dos filmes finos na interface. Algumas

das estruturas auto-organizadas observadas, representadas nas figuras 1.1 e 1.2, incluem bicamadas

lamelares (“empilhadas”), micelas; vesículas, semelhantes a membranas biológicas por separarem um

compartimento aquoso interno do meio externo; dois tipos de fases tubulares hexagonais, compostas

por micelas/micelas inversas prolatas com eixos de simetria arranjados em uma rede hexagonal, além

de diferentes estruturas com aspecto de esponja, intermediárias entre bicamadas e vesículas; etc. Dife-

rentes fases são observadas dependendo das características da substância (ou mistura de substâncias),

como a relação entre o tamanho das partes hidrofóbicas e hidrofílicas; interações dela com o solvente

ou outros solutos, como ionização em função do pH e força das interações dipolares.

Existem diversas classes de moléculas anfifílicas, algumas delas representadas na figura 1.3, desde

as estruturalmente mais simples, como ácidos graxos; ésteres graxos; fosfolipídios naturais e sintéti-

cos; galactolipídios; glicosídeos; detergentes, copolímeros, até proteínas, mais complexas, de tamanho

comparativamente muito maior e que podem possuir diversos sítios hidrofóbicos/hidrofílicos. Os deter-

gentes, quando adicionados à água, reduzem consideravelmente sua tensão superficial, permitindo que

se misture mais facilmente com outras substâncias apolares ao criar uma emulsão e fazendo com que

a água com detergente “lave melhor”. Por diminuírem a energia livre de superfície, esta classe de subs-

tâncias também é chamada de “surfactantes”, palavra oriunda da expressão “surface active agent”. Em

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1.3 Moléculas anfifílicas e membranas celulares 18

Figura 1.1: Representação esquemática de algumas estruturas supramoleculares formadas porsubstâncias anfifílicas em solução aquosa.

Figura 1.2: Diferentes fases tridimensionais formadas por lipídios em solução aquosa: A) bica-madas lamelares, B-E) Diferentes fases bicontínuas, do tipo esponja. Imagem adaptada da ref.[19].

nossos lares, estamos rodeados de estruturas supramoleculares presentes em produtos como molhos,

cosméticos, alimentos emulsificados, produtos sanitários e remédios microencapsulados.

O exemplo mais emblemático e elegante de uma estrutura supramolecular formada por substâncias

anfifílicas talvez seja uma bolha de sabão, mas as estruturas mais notáveis provavelmente são as

membranas celulares. Estas são formadas, em primeira aproximação, por uma bicamada♦ semi-fluida

formada pela auto-organização de substâncias anfifílicas em meio aquoso. Os principais componentes

♦Existem alguns tipos de archaea, em particular espécies extremófilas, que possuem apenas uma mono-camada lipídica, com cabeças polares em lados opostos da cadeia hidrocarbônica [21], mas por simplicidadeconsideraremos aqui apenas os casos de dupla camada e cabeça polar única.

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1.3 Moléculas anfifílicas e membranas celulares 19

Figura 1.3: Representação esquemática de algumas moléculas anfifílicas que formam mono-camadas de Langmuir na interface água-ar: (a) ácido graxo; (b) metil éster graxo; (c) diacilfosfatidiletolamina; (d) diacilfosfatidilcolina; (e) diacilfosfatidilcolina com ramo alifático. Ima-gem extraída da ref. [20].

das membranas animais são fosfolipídios� (FLs), que são moléculas com uma extremidade polar e/ou

ionizável em solução aquosa, que denominaremos cabeça, e duas cadeias hidrocarbônicas, cada uma

com comprimento em geral entre 16 e 24 carbonos, que denominaremos cauda. A baixa polaridade

da cauda produz uma interação atrativa mais fraca dela com as moléculas de água do que a interação

das últimas entre si, de maneira que a interação efetiva água-caudas é repulsiva. Isso faz com que

as caudas fiquem voltadas para o interior da dupla camada, onde interagem apenas entre si, através

de forças de van der Waals e de exclusão volumétrica, e não com a água. Entre a água e as cabeças

existe uma interação atrativa, que faz com que as últimas fiquem voltadas para o meio intracelular,

de um lado da bicamada, e para o meio extracelular, do outro lado da bicamada. A fina região

hidrofóbica onde residem as caudas, tipicamente da ordem de dezenas de nanômetros, é capaz de

impedir passivamente a difusão de diversas substâncias, notavelmente íons e açúcares. O primeiro

indício de que as células são delimitadas por uma bicamada fosfolipídica veio de um experimento

�As células vegetais possuem membranas compostas por galactolipídios, que se comportam de maneirasemelhante aos fosfolipídios, embora a composição de sua parte hidrofílica seja consideravelmente diferente.Além disso, a parede celular, ausente nas células animais e responsável por conferir maior rigidez às célulasvegetais e algumas espécies de eucariontes e archaea, faz com que suas características sejam distintas. Nestetrabalho, nos restringiremos às características das membranas fosfolipídicas.

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1.3 Moléculas anfifílicas e membranas celulares 20

realizado em 1925 [22]. Nele, glóbulos vermelhos de sangue humano e de diversos animais foram

separados do plasma sanguíneo, e suas frações lipídicas extraídas quimicamente e espalhadas na forma

de uma monocamada de Langmuir. Em todas as amostras, a área máxima da monocamada coincidiu

de maneira bastante precisa com o dobro da área total das células, estimada através de um aparato

óptico. Proteínas integrais, que atravessam totalmente a membrana e possuem uma extremidade

de cada lado dela, realizam um transporte ativo seletivo de substâncias para dentro e para fora da

célula, controlando, assim, o ambiente químico e iônico intracelular. Inúmeras outras substâncias

compõem as membranas celulares, com funções como adesão, percepção e comunicação celular, além

do citoesqueleto, que fornece suporte estrutural à membrana e permite que a célula controle sua forma.

A esta descrição genérica da estrutura e função das membranas biológicas se dá o nome de “modelo do

mosaico fluido” [23] e, embora seja uma visão idealizada e simplificada de seu funcionamento, ainda

mantém algumas características essenciais e é amplamente utilizada na literatura. Uma representação

esquemática deste modelo pode ser vista na figura 1.4.

Figura 1.4: Secção transversal esquemática de uma membrana biológica segundo o modelo demosaico fluido. Podemos ver a matriz de FLs atravessada por proteínas integrais e do tipo alfa-hélice (em branco e mais finas). Do lado de dentro (inferior) da célula temos o citoesqueletoconectando algumas proteínas periféricas (incorporadas à matriz, mas que não a atravessam)e do lado externo (superior) podemos ver os anéis aromáticos de polissacarídeos, presentes emsubstâncias como glicolipídios e glicoproteínas, que interagem com o meio extracelular e formamuma rede chamada de glicocálix. Imagem extraída da ref. [24].

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1.3 Moléculas anfifílicas e membranas celulares 21

Figura 1.5: Secção esquemática transversal mostrando as diferentes membranas internas eexternas de células animais (esquerda) e células vegetais (direita). Imagem extraída da ref.[25].

Embora a descrição acima seja referente à membrana mais externa das células, é importante re-

cordar que as células de organismos eucariontes também possuem membranas internas quimicamente

diversas mas qualitativamente semelhantes, seja no núcleo celular; nas mitocôndrias; utilizadas no

encapsulamento de substâncias no retículo endoplasmático liso; no aparelho de Golgi; no retículo en-

doplasmático rugoso; no vacúolo celular e cloroplastos das células vegetais; na forma de lisossomos;

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1.3 Moléculas anfifílicas e membranas celulares 22

etc., como vemos na figura 1.5. A compartimentação intracelular, ausente nas células procariontes, e as

diferentes proteínas presentes na superfície das membranas, propiciam ambientes químicos segregados

para diferentes reações bioquímicas necessárias à manutenção do metabolismo celular. A superfície

bidimensional da membrana fornece um espaço mais restrito onde as reações podem acontecer de ma-

neira mais eficiente e controlada. Nas membranas biológicas há uma predominância de fosfatidilcolinas

(PCs), que possuem duas caudas formadas por cadeias hidrocarbônicas ligadas a uma cabeça polar

cuja estrutura química é igual à da substância representada na imagem (d) da figura 1.3. Além das

PCs, em geral cada tipo de membrana de células com diferentes funções em cada organismo especí-

fico possui uma combinação complexa de centenas de outros FLs em menores quantidades, além de

uma concentração relativa proteínas/lipídios que pode variar entre 0,25 para as membranas de mielina

dos neurônios e 3,6 para as mitocôndrias das mesmas células [26]. Dependendo do grupo funcional

da cabeça e, portanto, da relação entre a sua área transversal e a das caudas, podemos ter FLs que

são melhor aproximados por cones, cilindros ou cones invertidos. Isso dá origem a comportamentos

tridimensionais distintos, ou seja, produz estruturas supramoleculares preferenciais de acordo com a

curvatura natural da substância em questão, como ilustrado pela figura 1.6.

Figura 1.6: Representação da influência da relação entre a área da cabeça e das caudas dos FLsna curvatura natural S da membrana bidimensional formada por eles. Imagem extraída da ref.[27].

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1.4 Transições de fase 23

1.4 Transições de faseQuando comprimimos isotermicamente monocamadas fosfolipídicas na interface água-ar, como na

figura 1.7, observamos que, para uma pressão lateral específica dependente da temperatura e da subs-

tância em análise, podem haver variações bruscas de área por molécula na monocamada. Isso sugere

uma divergência na compressibilidade da monocamada, sinalizando que ela passa por uma transição de

fase. Em geral, são observadas duas transições deste tipo, comumente chamadas gás-líquido expandido

(G-LE) e líquido expandido-líquido condensado (LE-LC), em analogia com transições gás-líquido em

fluidos simples tridimensionais. Depois de anos de controvérsia [28], atualmente reconhece-se essas

transições como sendo de primeira ordem. Comprimindo mais o filme, propõe-se a existência de uma

transição de fase de segunda ordem, líquido condensado-sólido (LC-S). A pressões altas o suficiente,

é provocada a expansão para a terceira dimensão e, eventualmente, a ruptura da monocamada. As

transições propostas teoricamente e mais frequentemente observadas experimentalmente estão repre-

sentadas na isoterma típica (abaixo das temperaturas críticas) na figura 1.8. Nesta imagem não está

incluída a ruptura da monocamada. Aumentando a temperatura, aparentemente a transição LE-LC

termina em um ponto crítico, com uma temperatura crítica Tc, uma pressão lateral crítica Πc e uma

área crítica por molécula ac, como esboçado na figura 1.9.

Figura 1.7: Corte lateral esquemático de uma cuba de Langmuir com uma monocamada fosfoli-pídica de um lado da barreira, sobre a subfase aquosa. A interação das caudas hidrocarbônicase a hidratação das cabeças polares geram uma pressão lateral πint + πhyd, que precisa ser com-pensada por uma pressão Πext exercida na barreira móvel para que a área permaneça constante.Podemos entender esta pressão como consequência da diferença entre a tensão superficial re-duzida σ e a tensão superficial σ0 da subfase pura sem a monocamada. Figura extraída daref. [29].

Além destas, existem propostas de que há outras transições de segunda ordem, relacionadas à orien-

tação das caudas, desordem posicional, dimerização de cadeias, etc., embora a verificação experimental

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1.4 Transições de fase 24

Figura 1.8: Acima: Representação esquemática de uma monocamada de Langmuir na interfaceágua-ar sendo comprimida por uma barreira móvel. Abaixo: Proposta qualitativa de umaisoterma típica de pressão lateral × área para uma monocamada anfifílica abaixo de suastemperaturas críticas. As fases tilted condensed e untilted condensed podem ser atribuídasrespectivamente a uma fase líquida condensada (LC) e sólida (S), mas não trataremos destaúltima neste trabalho. Imagem extraída da ref. [20].

seja frequentemente ambígua. Para uma revisão mais completa e detalhada sobre as diferentes tran-

sições previstas teoricamente e considerações mais específicas acerca das estruturas e fases em filmes

de Langmuir formados por diferentes FLs, é imprescindível a leitura da ref. [20]. No que diz respeito

à função biológica e às propriedades físicas das membranas celulares, incluindo o papel evolutivo do

colesterol, as características de diferentes técnicas de ressonância magnética e de medidas mecânicas

e diferentes tipos de modelagem teórica, a ref. [24] é uma revisão excelente e sua leitura também é

fortemente indicada.

Bicamadas em solução aquosa, por outro lado, não possuem o grau de liberdade de pressão lateral:

estão imersas na subfase aquosa e não na interface água-ar, sendo estabilizadas pela atração efetiva

gerada pela hidrofobia. As transições observadas em bicamadas ocorrem a temperaturas fixas para

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1.4 Transições de fase 25

Figura 1.9: Isotermas típicas de pressão lateral × área, com indicações para as áreas correspon-dentes à área mínima por FL, que chamamos de parâmetro de rede neste trabalho (a0), a doestado ordenado (aord), a do estado desordenado (ad) à temperatura T , e à variação da pressãode transição ∆Π associada a uma variação de temperatura ∆T , além da isoterma crítica Tccom a pressão crítica Πc e área crítica ac indicadas. A região inferior à linha tracejada indicaa região de coexistência entre os dois estados. Imagem adaptada da ref. [28b].

cada tipo de FL. Partindo de baixas temperaturas e aquecendo o sistema, temos em geral a passagem

de um estado análogo ao sólido denominado sub-gel para um estado gel (Lc → Lβ′ , ou subtransição);

para um estado ripple (Lβ′ → Pβ′ , ou pré-transição, com regiões alternadas de alta curvatura/caudas

desordenadas e baixa curvatura/caudas ordenadas), e finalmente para um estado fluido bidimensional

(Pβ′ → Lα, ou transição principal), embora a ausência de uma ou mais transições ou a existência de

diferentes fases estáveis e metaestáveis sejam características de cada substância [30]. Um dos indica-

dores de que a transição principal é provocada por efeitos estéricos, consequência da desorganização

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1.4 Transições de fase 26

cooperativa das caudas hidrocarbônicas, é o aumento da temperatura da transição principal quando

há aumento do tamanho das caudas hidrocarbônicas. Na figura 1.10, vemos como a forma da variação

de temperatura de transição é bastante indiferente à estrutura da cabeça polar. É possível associar

uma pressão lateral equivalente entre bicamadas em solução aquosa e monocamadas na interface ar-

água, tratando a bicamada como um estado de pressão lateral específico da monocamada da mesma

substância [29], de maneira que o estudo das monocamadas pode esclarecer mecanismos envolvidos nas

transições de membranas celulares, formadas por bicamadas. Além disso, a possibilidade de controlar

mais um grau de liberdade nas monocamadas permite a obtenção de informações mais completas acerca

das interações FL-FL e FL-soluto do que em experimentos, frequentemente calorimétricos, realizados

com suspensões aquosas de vesículas ou bicamadas lamelares.

Figura 1.10: Temperatura da transição principal em bicamadas formadas por FLs com cincotipos distintos de cabeça polar, em função do número de carbonos das duas caudas saturadasidênticas. Os tipos de cabeça polar indicados são: fosfatidilcolina (PC: �); fosfatidilglicerol(PG: M); fosfatidiletanolamina (PE: �); ácido fosfatídico (PA: O); fosfatidilserina (PS: N). Aslinhas contínuas de transição são obtidas através de um modelo fenomenológico descrito naref. [31], do qual a imagem foi extraída.

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1.4 Transições de fase 27

Neste trabalho focaremos o estudo apenas na transição de primeira ordem LC-LE e o ponto crítico

associado a essa transição em monocamadas de Langmuir, conforme mostra a figura 1.9, ou, equiva-

lentemente, na transição principal para bicamadas em solução aquosa, associada ao “derretimento”, ou

desorganização, das caudas hidrocarbônicas (chain-melting). Nessa transição, as caudas mudam de

uma configuração compacta (all-trans) para uma configuração altamente degenerada, de maior entro-

pia, na qual a área ocupada por cada FL aumenta descontinuamente. Estes dois estados, chamados

de gel e fluido, associados respectivamente às fases LC e LE em monocamadas, estão representados na

figura 1.11.

Figura 1.11: Registro de simulação de dinâmica molecular de uma bicamada formada por 1-palmitoil-2-oleoil-sn-glicero-3-fosfatidilcolina (POPC), composto por uma cabeça do tipo PC eduas caudas diferentes: uma palmítica, saturada, composta por 16 carbonos, igual às caudas doDPPC, e outra oléica, com dois carbonos a mais e uma insaturação (ligação dupla) entre o nonoe décimo carbonos. Na imagem da esquerda, a bicamada se encontra no estado fluido, e na dadireita, no estado gel. Os carbonos da bicamada superior estão representados levemente maisclaros do que os da bicamada inferior, e os carbonos da cauda oléica também levemente maisclaros do que os da cauda palmítica. As esferas laranja representam o fósforo da fosfatidilcolina;as vermelhas, o oxigênio; as azuis, o nitrogênio e as verdes, os oxigênios das moléculas de água.Imagem extraída da ref. [32] e adaptada para melhor visualização pelos próprios autores dotrabalho citado.

Um dos fatores responsáveis por regular a atividade celular é a fluidez da membrana celular, sensível

a alterações de temperatura, pH, composição das monocamadas interna e externa da bicamada e do

meio aquoso circundante, entre outros fatores. Uma rigidez excessiva pode torná-la quebradiça e

reduzir a mobilidade dos elementos ativos, como proteínas, limitando sua funcionalidade. Há indícios

de que a morte celular por resfriamento súbito é causada por uma transição de fase na membrana

celular, semelhante à subtransição que ocorre em bicamadas [33]. Por outro lado, a fluidez excessiva

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1.4 Transições de fase 28

pode torná-la mais permeável a íons, dificultando a manutenção do ambiente químico intracelular.

Na natureza, observa-se diferentes vias regulatórias da fluidez da membrana. Algumas bactérias são

capazes de alterar a proporção de diferentes FLs na composição da membrana para se adequar a uma

mudança de temperatura ambiente [34]. Em animais termorregulados não se observa a existência

deste tipo de resposta ativa relacionada a variações da temperatura ambiente. Provavelmente uma

das substâncias mais estudadas em sua relação com as transições de fase em FLs é o colesterol [35],

presente em todas as células animais e responsável pela estabilização estrutural da membrana celular,

possibilitando o controle ativo do formato celular através do acoplamento membrana-citoesqueleto sem

que haja rompimento da membrana. As bactérias não possuem colesterol, mas possuem compostos de

estrutura química análoga, chamados hopanóides, que aparentemente exercem uma função semelhante.

O colesterol é uma molécula anfifílica, mas sua parte hidrofóbica, com anéis hidrocarbônicos planares,

é consideravelmente mais rígida do que as caudas fosfolipídicas, induzindo assim um enrijecimento e

compactação local e global da membrana, diminuindo a sua permeabilidade a algumas substâncias.

Além disso, a presença do colesterol faz com que a transição principal aconteça não mais a uma

temperatura específica, mas para um intervalo de temperaturas.

Observa-se também fenômenos de microssegregação de fases por influência da curvatura da su-

perfície em vesículas formadas por misturas de FLs com diferentes tamanhos de cauda [36]. Isto é

comparável à assimetria da composição da membrana celular plasmática, que possui curvaturas opos-

tas nas monocamadas interior e exterior à célula. Recentemente aventou-se a hipótese de que, nos

sistemas biológicos, as diversas substâncias presentes nas membranas apresentem ordem local, além da

ordem de longo alcance, na forma de rafts lipídicos de composições e estados moleculares específicos

que se formariam preferencialmente ao redor de proteínas, colesterol, glicosídeos, etc., sendo parte

indissociável da regulação funcional dessas substâncias. Podemos enxergar a célula viva como uma

estrutura auto-organizada extremamente complexa, que reage tanto localmente quanto globalmente

a alterações químicas e físicas internas e externas. Por conta da auto-organização em várias escalas

espaciais e temporais e da resposta a perturbações externas com relativa estabilidade termodinâmica,

aventa-se a possibilidade de que a vida [37] e, mais especulativamente, o fenômeno da consciência [38],

estejam relacionados com estados críticos ou próximos à criticalidade.

Uma das principais conexões entre o estudo de transições de fase em monocamadas de Langmuir e

a biologia vem do estudo da membrana que recobre os alvéolos pulmonares dos mamíferos. Esta mem-

brana, composta pelo chamado surfactante pulmonar, é formada por uma mistura de diferentes FLs e

proteínas, e particularmente rica em uma fosfatidilcolina com duas caudas saturadas de 16 carbonos

cada, denominada dipalmitoilfosfatidilcolina (DPPC), produzida por células alveolares do tipo II [39].

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1.4 Transições de fase 29

Os alvéolos sofrem variações de volume durante o processo respiratório, fazendo com que a membrana

de interface sofra expansões e compressões continuamente. A função deste surfactante é de reduzir

consideravelmente a tensão superficial da membrana. Fazendo uma descrição simplificada, podemos

dizer que, por estar numa situação próxima de uma transição de fase, a membrana pulmonar possui

compressibilidade singular. Sem o surfactante pulmonar, a superfície dos alvéolos entra facilmente em

colapso quando comprimida durante a expiração. Recém-nascidos que, por algum motivo, ainda não

produzem este surfactante, ou que possuem alguma alteração em sua composição, e crianças nascidas

prematuramente, antes da completa formação desta membrana, sofrem de uma síndrome aguda res-

piratória que pode ser fatal. Adultos com comprometimento na secreção desta substância, que pode

ocorrer por diversos motivos, sofrem de uma síndrome bastante semelhante, mas cujo tratamento eficaz

é bastante diferente do caso anterior, por motivos desconhecidos.

A bidimensionalidade das monocamadas de Langmuir faz com que correlações se propaguem com

maior dificuldade, podendo levar a estados de metaestabilidade. Os tempos de relaxação dos diferentes

graus de liberdade do sistema, como a ordem translacional e orientacional, podem ser muito diferentes,

os mais lentos sendo da ordem de horas ou dias. Isto gera comportamento não-ergódico das monocama-

das e se reflete em sérias dificuldades experimentais referentes à reprodutibilidade de experimentos, e

em isotermas não-horizontais durante a transição, como na figura 1.12, indicando uma não-divergência

da compressibilidade♥ , diferente do que se esperaria de uma transição de primeira ordem. Alguns

experimentos sugerem que isso ocorra por conta de impurezas e de fenômenos dinâmicos [41], depen-

dentes da taxa de compressão da monocamada. Comparando-se experimentos dinâmicos com medidas

estáticas, vê-se que, nas últimas, as isotermas são verdadeiramente horizontais [42], e que em compres-

sões extremamente lentas isso também ocorre [28c], como mostrado nas figuras 1.13 e 1.14. Porém, há

estudos colocando em dúvida a influência da taxa de compressão no aspecto das isotermas e inclusive

a existência do ponto crítico da transição LC-LE, observado em alguns arranjos experimentais e não

em outros, e mostrando que as isotermas de expansão e compressão podem ser bastante diferentes [43],

embora trabalhos mais recentes pareçam confirmar a existência do ponto crítico [37, 44]. Em geral,

experimentos realizados sob condições idênticas ou muito semelhantes por grupos diferentes resultam

em isotermas consideravelmente distintas [45]. Trataremos em mais detalhe das especificidades dos

arranjos experimentais no próximo capítulo.

♥É importante notar que existem indícios obtidos por difração de raios X de que a compressibilidade não-singular pode ser uma característica intrínseca de algumas transições em duas dimensões, como por exemplo atransição entre as fases esmética-C e sólida em monocamadas de Langmuir de azobenzenos [40].

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1.4 Transições de fase 30

Figura 1.12: Isotermas experimentais de pressão lateral × área por molécula para monocamadasde Langmuir formadas por dimiristoilfosfatidilcolina (DMPC). As isotermas compreendem umintervalo de 12◦C a 20◦C, associadas respectivamente às curvas que passam pelos pontos (a) e(c). As isotermas intermediárias foram obtidas em intervalos de 1◦C. A região de coexistênciatermina em um ponto crítico (ponto c), indicado por sua temperatura crítica Tc. Em cadaregião do diagrama de coexistência apresenta-se uma representação esquemática do estado dosFLs na interface. Imagem extraída da ref. [37b].

Com tudo isso em vista, iremos estudar um modelo bidimensional na rede (2D lattice model)

com interações locais de primeiros vizinhos que, para além do sistema experimental específico que

propomos, de interesse biológico e quase bidimensional, pode ser adaptado ou mapeado em uma gama

de problemas de diferentes áreas da física, em especial problemas verdadeiramente bidimensionais da

física do estado sólido. Neste estudo, abordaremos o modelo na rede de Bethe, uma rede hierárquica

que permite a obtenção de uma solução exata para o problema, que é equivalente à aproximação de

pares de Bethe–Peierls [46, 47] para o modelo em uma rede de Bravais. Nesta aproximação, não há

referência à dimensão do sistema, apenas ao número q de primeiros vizinhos (coordenação) de cada

sítio. Embora as propriedades críticas desta aproximação ainda sejam clássicas, como as de campo

médio [48], há a preservação de alguma correlação, e esperamos obter resultados quantitativamente

mais próximos do exato para compararmos aos dados experimentais.

O modelo investigado nesta dissertação vem se juntar a uma quantidade razoável de outros mode-

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1.4 Transições de fase 31

Figura 1.13: Isotermas de pressão lateral × área por molécula para monocamadas de Lang-muir formadas por dipalmitoilfosfatidilcolina (DPPC), realizadas através de compressão lenta.Percebe-se que na região de coexistência as isotermas são muito mais horizontais do que na ima-gem da figura 1.12, isto é, a compressibilidade aparenta apresentar uma divergência consistentecom uma transição de primeira ordem. Imagem extraída da ref. [28c].

los, com diferentes abordagens, para esclarecer detalhes do comportamento deste tipo de transição de

fase. O trabalho pioneiro na área, publicado em 1973 por Nagle [49], tratava em detalhe a entropia das

cadeias hidrocarbônicas, mapeando as configurações possíveis das caudas em dois modelos de dímeros

exatamente solúveis, um mais realista e outro mais simplificado. As interações atrativas são introdu-

zidas em um esquema do tipo van der Waals. O modelo mais realista prevê uma transição do tipo

ordem-desordem para uma temperatura da mesma ordem de grandeza da temperatura de transição

observada experimentalmente. O sucesso deste trabalho deu fôlego para que muitos outros modelos

de rede (lattice models) fossem formulados para tentar descrever as transições em monocamadas an-

fifílicas, desde um modelo envolvendo 8 estados intermediários entre um estado singleto e um estado

altamente degenerado com transição de primeira ordem [50], que por sua vez serviu de inspiração para

modelos de spin 1/2, do tipo Ising ou liga binária, apresentando transição de primeira ordem do tipo

ordem-desordem [51], até modelos do tipo Ising de spin 1, podendo apresentar transições de primeira

ou segunda ordem [28a, 28b, 52]. Uma revisão geral dos tipos de modelos teóricos e as questões rele-

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1.4 Transições de fase 32

Figura 1.14: Isoterma de pressão lateral × área por molécula para monocamada de Langmuirformada por DPPC a 28,15 C obtida por compressão a uma taxa contínua de 10 cm2/min,sobreposta a medidas estáticas (círculos), onde a área é fixa e os FLs são adicionados até seobter uma pressão lateral de equilíbrio estável. A linha horizontal tracejada indica a pressãolateral de coexistência entre as fases líquida condensada (LC) e líquida expandida (LE). As áreaspor molécula indicadas como ALE e ALC, correspondentes às respectivas fases, são obtidas pelocruzamento das retas tangentes às isotermas com o patamar de coexistência. Imagem extraídada ref. [42].

vantes para a modelagem destes sistemas pode ser encontrada na ref. [53], leitura indispensável para

interessados na área.

Apesar de representar apenas mais uma peça na visão geral do funcionamento das estruturas

biológicas e, no que diz respeito à sua sofisticação e complexidade, extremamente simplificado, o modelo

que apresentamos aqui, junto com todos os outros modelos supracitados, contribui para tentarmos

esclarecer a conexão entre a física e a bioquímica nos organismos vivos. Além disso, nos permite

a aplicação de ferramentas teóricas para o tratamento de fenômenos cooperativos que podem ser

adaptadas a modelos em áreas do conhecimento aparentemente muito distintas.

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33

2Metodologias experimentais

Experimentos com monocamadas de moléculas anfifílicas na interface ar-água permitem um con-

trole simultâneo sobre as variáveis termodinâmicas de pressão lateral e temperatura, ao contrário de

experimentos com micelas ou vesículas bi ou multilamelares em suspensão aquosa, nas quais há poli-

dispersividade dos agregados e a pressão lateral não pode ser controlada. Isto amplia a região acessível

do diagrama de fase do sistema e simplifica a análise dos resultados, porém demanda mais controle na

parte experimental. Além disso, a adição de buffers salinos, ácidos ou básicos à água ultrapurificada da

solução aquosa, que chamaremos simplesmente de subfase, funciona como blindagem eletrostática das

interações dipolares e outras características da interação surfactante-surfactante, surfactante-subfase

e subfase-subfase, e podem ser utilizados para se investigar a influência das interações eletrostáticas

nas transições de fase do sistema, especialmente em sistemas fosfolipídicos onde a cabeça polar con-

tém algum grupo ionizável. Alguns métodos experimentais, como o método da gota pulsante ou da

bolha cativa, conseguem sondar a resposta dinâmica do sistema sob taxas fisiológicas de compres-

são, mimetizando bem as condições dos alvéolos pulmonares [54]. Por isso, são sistemas-modelo para

membranas biológicas muito utilizados na caracterização de misturas naturais de substâncias anfifí-

licas e proteínas, como é o caso do surfactante pulmonar, no estudo dos próprios FLs purificados e

misturas artificiais dos mesmos, na caracterização da interação de FLs com o colesterol [55], assim

como a interação destas misturas com diferentes drogas [56]. Atualmente, existe uma ampla gama de

equipamentos comercialmente disponíveis para experimentos com filmes de Langmuir. Neste capítulo,

discutiremos comparativamente três montagens experimentais utilizadas no estudo de filmes finos: cu-

bas de Langmuir–Blodgett (Langmuir–Blodgett Trough: LBT), método da gota pendente (Pendant

Drop Method : PDM) e método da bolha cativa (Captive Bubble Method : CBM). Todos os métodos

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Capítulo 2: Metodologias experimentais 34

consistem em adicionar uma quantidade preferencialmente conhecida de FLs, na forma cristalina ou

dissolvido em solvente apolar, à interface entre o ar e uma solução aquosa (subfase) cuja área superficial

pode ser variada, e medir a relação entre pressão lateral (definida como a diferença entre as tensões

superficiais da subfase pura e acrescentada de surfactante) e área, ou no caso da quantidade de FLs

ser conhecida, área por molécula. No entanto, cada classe de equipamentos possui suas idiossincrasias

e, mesmo para montagens iguais, há diferentes protocolos para se adicionar os FLs à superfície da

subfase e, no caso de experimentos com compressão/expansão, as taxas utilizadas podem variar em até

três ordens de grandeza. As próprias subfases também podem ser consideravelmente distintas entre

experimentos diversos. Essa variabilidade de condições, expressa na tabela 1 da ref. [45], acaba por ge-

rar uma diversidade de resultados de difícil comparação entre experimentos diferentes, como podemos

observar nas comparações de isotermas experimentais de pressão-área da figura 2.1.

Nas três últimas décadas, diversas técnicas foram aplicadas à caracterização de filmes de Langmuir,

vesículas e sistemas lamelares anfifílicos formados por diferentes fases de substâncias puras, misturas ou

extrações biológicas. Essas técnicas, que sondam o sistema em diferentes escalas espaciais e temporais,

incluem ressonância magnética nuclear (nuclear magnetic resonance: NMR) [57], ressonância eletrônica

de spin (electronic spin resonance: ESR) [58]; difração de nêutrons [59]; diferentes técnicas de raios-

x [60]; difração de hélio a baixas temperaturas [61]; microscopia de ângulo de Brewster; microscopia

eletrônica de varredura e de transmissão; de difração de elétrons; de força atômicaª ; espectroscopia

de geração de soma de frequências [62], de absorção no infravermelho [63] e ultravioleta, além de um

grande volume de estudos que utiliza microscopia de fluorescência. Esta última técnica foi uma das

primeiras utilizadas na caracterização morfológica de filmes de FLs e permite a observação da formação

de domínios de diferentes fases através da diferença de solubilidade de uma sonda química fluorescente

nos mesmos. É possível observar a tensão linear da interface entre as fases e a evolução morfológica

dos domínios ao longo do tempo, no caso de metaestabilidade. No entanto, a presença da sonda

fluorescente pode alterar o diagrama de fase do sistema mesmo em baixas concentrações, influenciando o

comportamento das transições em monocamadas [41a, 64]. Deposições controladas de monocamadas de

Langmuir em substratos sólidos (filmes de Langmuir–Blodgett) se beneficiam de ambientes controlados,

como salas limpas, e contaminações da ordem ou menores que partes por milhão (ppm). Pela regra de

fases de Gibbs, uma mistura de c componentes, p fases e n variáveis intensivas possui f = c−p+n graus

ªÉ importante notar que, para a utilização de microscopia eletrônica de varredura, de transmissão e de forçaatômica, é necessário realizar a transferência do filme fino da subfase líquida para um substrato sólido utilizandouma LBT. O protocolo de transferência, neste caso, é de importância absoluta para que não haja modificaçãoda estrutura do filme no processo, como descrito na ref. [37b].

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Capítulo 2: Metodologias experimentais 35

Figura 2.1: Comparação entre uma simulação do tipo coarse grained (triângulos e quadradosnão-preenchidos nas imagens superiores e triângulos, quadrados e círculos não preenchidos nasimagens inferiores) e diversas isotermas experimentais obtidas por grupos diferentes, utilizandodiferentes aparatos de medida; taxas de compressão; solventes para espalhar os FLs e, em suamaioria, uma subfase aquosa ligeiramente ácida. As temperaturas são de 293,15K (esquerda,acima), 295,15K (direita, acima), 298,15K (esquerda, abaixo) e 303,15K (direita, abaixo). Fi-gura extraída da ref. [45], na qual pode ser encontrada uma especificação mais detalhada de cadaarranjo experimental. De modo geral, as isotermas foram obtidas com balanças de pressão dafamília das LBT, mas com diferenças significativas entre elas, exceto o trabalho de Crane [43c](1999), que utilizou o CBM.

de liberdade. Contaminações influenciam o número de componentes c e inserem graus de liberdade

termodinâmicos indesejáveis, de maneira que a transição de fase ocorre para um intervalo de pressões,

e não mais a uma pressão específica, fazendo com que os patamares de coexistência das isotermas nas

transições divirjam consideravelmente da horizontalidade. Atualmente, técnicas pouco invasivas para

sondagem de interfaces, especialmente microscopia de ângulo de Brewster (Brewster Angle Microscopy :

BAM) ou espectroscopia de geração de soma de frequências (Sum-Frequency Spectroscopy : SFS) [62],

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2.1 Cuba de Langmuir–Blodgett: LBT 36

permitem a observação de detalhes da estrutura microscópica das monocamadas sem a necessidade de

interferência química, e prometem revolucionar nosso entendimento dos fenômenos de organização de

monocamadas em nível molecular. No entanto, o frequente desacordo entre experimentos realizados

em princípio sob as mesmas condições por grupos diferentes indica problemas com a reprodutibilidade

dos resultados e a alta sensibilidade dos experimentos à observância de protocolos rigorosos.

2.1 Cuba de Langmuir–Blodgett: LBTAs cubas de Langmuir–Blodgett são descendentes diretas da montagem experimental utilizada por

Agnes Pockels em seus experimentos caseiros, mencionados na seção 1.2, e são utilizadas atualmente

tanto para caracterização de monocamadas através de medidas de tensão superficial e compressibili-

dade, como para deposição de filmes finos em substratos sólidos. Pockels utilizava originalmente cubas

e barreiras de estanho, que foram trocadas posteriormente para cubas de latão, depois vidro, para evi-

tar contaminação da subfase e, consequentemente, da monocamada, por íons metálicos. Atualmente,

são confeccionadas em um material inerte, em geral materiais revestidos de Teflonr. Possuem barreiras

móveis que podem ser de diferentes formatos, também de material inerte, e sistemas para controle de

temperatura e umidade, como podemos ver na representação genérica da figura 2.2. A pressão lateral é

comumente medida por uma placa de Wilhelmy, representada na figura 2.3, através do equilíbrio entre

a força gravitacional, o empuxo da placa submersa e a tensão superficial da subfase. A força total na

placa é

F = Flat +mg + Femp, (2.1)

onde Flat é a força exercida sobre a placa pela tensão superficial, m é a massa da placa e Femp é a força

de empuxo exercida sobre ela, dependente de suas dimensões, do material do qual é confeccionada e

da densidade da subfase.

A tensão superficial σ é dada pela força Flat dividida pelo perímetro L de contato entre a placa e

a subfase e pelo ângulo de contato θw (wetting angle) entre a placa e o menisco formado pela subfase,

como mostrado na figura 2.3:

σ =Flat

L cos θw. (2.2)

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2.1 Cuba de Langmuir–Blodgett: LBT 37

Figura 2.2: Secção transversal esquemática de uma cuba de Langmuir–Blodgett, com algunselementos indicados [65]: (A) Transdutor de pressão lateral do tipo Wilhelmy; (B) Motorde passo acoplado à barreira móvel; (C) Termostato em contato com a subfase e com o (D)Reservatório térmico contendo mais subfase; (E) Barreira de proteção contra contaminaçãorevestindo a cuba.

θw

Figura 2.3: Secção transversal de uma placa de Wilhelmy mostrando a subfase e o filme finoem contato com a superfície da placa [65]. A placa é conectada a um medidor eletrônico deforça através da haste vertical. O menisco formado pela subfase exerce uma força sobre a placaque depende do ângulo de contato θw (wetting angle). Como a subfase frequentemente é umasolução aquosa, o material da placa costuma ser platina, que é pouco reativa e possui potencialde superfície alto, ou papel descartável, pré-umedecido na solução da subfase. Isto garante queθw seja o mais próximo possível de 0, de maneira que cos θw ≈ 1 e a força exercida é todaperpendicular à cuba e paralela ao sensor.

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2.1 Cuba de Langmuir–Blodgett: LBT 38

A pressão lateral é definida como a diferença entre a tensão superficial da subfase sem e com o filme¨ :

Π = σ0 − σ =∆Flat

L cos θw, (2.3)

onde consideramos que mg e Femp se mantêm constantes, independentemente da presença do filme.

Para realizar a calibração e assegurar que não há contaminação na cuba já higienizada, primeiro é

adicionada a subfase e comprimida várias vezes. Enquanto houver variação de tensão superficial na

compressão da subfase pura, é realizada a aspiração da porção superficial da subfase para remover

as impurezas surfactantes. Quando a tensão superficial fica estável durante a compressão, o valor

encontrado é comparado com a tensão superficial da água pura e tomado como referência para a

medida da tensão superficial do filme fino. A substância/mistura surfactante a ser estudada é então

adicionada. No caso dos FLs, o protocolo mais comum é sua dissolução já altamente purificados em

clorofórmio ou misturas de clorofórmio com outros solventes orgânicos, adição de uma quantidade

conhecida à superfície da subfase utilizando uma pipeta de precisão e espera de alguns minutos para

que o solvente orgânico evapore completamente e o filme estabilize antes da realização das medidas.

Por ser mais denso que a água, uma parte do clorofórmio pode acabar misturado à subfase ao invés

de evaporar, e isso pode influenciar as medidas. Este problema não é tão pronunciado, por exemplo,

caso se utilize o PDM. Também é possível a utilização de FLs na forma de um cristal sólido, que é

posto em contato com a interface ar-subfase até que a pressão lateral atinja uma pressão de equilíbrio

Πeq com a fase sólida. O experimento é então realizado variando-se a área a temperatura constante e

medindo-se a pressão resultante ou mantendo-se a pressão constante e variando a temperatura para se

obter a área. A utilização dos diferentes protocolos faz com que se tenha de considerar efeitos de difícil

tratamento, como a inserção do solvente orgânico na subfase ou características do equilíbrio filme-bulk

no caso da utilização de cristais sólidos, que pode gerar situações de metaestabilidade indesejadas.

Embora este método seja o de análise e interpretação mais direta, existem algumas questões que

acabam se refletindo na maior parte dos estudos experimentais que o utilizam. O fato do filme ser

praticamente bidimensional para valores não muito elevados de pressão lateral faz com que o tempo

de relaxação de estados metaestáveis seja considerável, da ordem de horas ou dias, de maneira que

atingir um estado de equilíbrio sem contaminação em uma cuba com superfície que pode ser da ordem

de dezenas de cm2 é um obstáculo considerável em experimentos de compressão contínua em LBTs.

¨Posteriormente o símbolo σ será utilizado para representar a densidade superficial de lipídios na monoca-mada.

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2.2 Método da bolha cativa: CBM 39

A superfície extensa e plana da cuba é ideal para medidas de raios X e métodos ópticos em geral, e

imprescindível para a transferência do filme para um substrato sólido, mas está sujeita a problemas na

região de altas pressões laterais, pois o sistema adquire um novo grau de liberdade, podendo se expandir

para a terceira dimensão, ou ainda vazar pelas barreiras ou subir pelas paredes do equipamento (creep),

o que pode introduzir efeitos nem um pouco triviais nos resultados, incluindo interações mediadas por

curvatura.

2.2 Método da bolha cativa: CBMNeste método, uma bolha de ar é inserida em um recipiente fechado contendo a subfase e um gel

hidrofílico de agarose na parte superior, levemente curvado para manter a bolha centrada. Equipamen-

tos de captura de imagem e um computador são utilizados para analisar algoritmicamente o formato

da bolha (Axisymmetric Drop Shape Analysis: ADSA) e obter a área e a tensão superficial através da

aplicação da equação de Young–Laplace–Gauss, que relaciona a curvatura média da bolha e a tensão

superficial [66]. A monocamada é depositada na bolha através de uma seringa contendo FLs em sol-

vente orgânico. Como não há maneira de o solvente evaporar para o ambiente, a subfase é renovada

diversas vezes para que o solvente seja eliminado da subfase e do interior da bolha por difusão. O vo-

lume da bolha é variado através de aplicação de pressão hidrostática ao recipiente, fazendo com que a

área superficial e pressão lateral variem. Um diagrama esquemático do aparato pode ser visto na figura

2.4. Uma vantagem deste tipo de aparato é que o controle de temperatura, umidade e contaminação é

muito mais simples do que em LBTs, pelo seu isolamento e pequeno volume. Além disso, os FLs ficam

confinados à superfície contínua da bolha, evitando os problemas de vazamento passíveis de ocorrerem

ao se utilizar LBTs ou PDM, especialmente em situações de alta pressão lateral e alta temperatura.

Embora seja aceito que a transição LC-LE é de primeira ordem, experimentos com esse equipamento

questionam a existência do ponto crítico LC-LE em monocamadas de DPPC, sugerindo que ele pode

ser um artefato experimental provocado por este tipo de vazamento em LBTs [43c]. Ao contrário dos

outros métodos, onde se controla a área da monocamada diretamente, neste método se controla a

pressão hidrostática. Isso pode gerar problemas quando se considera a regra de fases de Gibbs, que diz

que o número de graus de liberdade termodinâmicos f , para uma mistura de c componentes, p fases e

n variáveis intensivas, é f = c−p+n. Os experimentos realizados à pressão atmosférica variam apenas

os graus de liberdade de pressão lateral e temperatura, mas é possível que, em experimentos onde a

pressão hidrostática não é constante, a pressão lateral crítica possa ser função da mesma, embora este

não pareça ser o caso no estudo citado. Uma das possibilidades neste método e do PDM, ausente

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2.3 Método da gota pendente: PDM 40

Figura 2.4: Diagrama de aparato para medição de isotermas de área × pressão lateral atravésdo método da bolha cativa. Extraído da ref. [43c].

caso se use LBT, é a variação da área superficial a uma taxa mais rápida, mais semelhante à condição

fisiológica dos alvéolos pulmonares. Por outro lado, nestes dois métodos, o volume utilizado de solução

contendo FLs é menor, gerando um erro relativo maior na determinação de áreas por molécula.

2.3 Método da gota pendente: PDMEste método é semelhante ao CBM, mas ao invés de se utilizar uma bolha de ar na subfase, se

utiliza uma gota de subfase em atmosfera controlada. Como no CBM, a tensão superficial e a área são

determinadas algoritmicamente através de captura e análise de imagem [67]. No entanto, ao contrário

do CBM, a superfície da gota não é contínua, estando em contato com a saída de uma pipeta de precisão

que é utilizada para variar a área superficial ao adicionar ou remover subfase da parte volumétrica« .

«Aqui estamos considerando uma gota macroscópica da subfase aquosa em equilíbrio com a pressão ambiente.Embora a pressão hidrostática no interior de uma gotícula possa ser muito maior do que a pressão hidrostática

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2.3 Método da gota pendente: PDM 41

Como o volume da subfase é muito pequeno, o controle ambiental é semelhante ao CBM, mais fácil do

que em LBTs. Além disso, o fato de o clorofórmio utilizado para se espalhar os FLs ser mais denso do

que a água faz com que ele não possua a tendência de se misturar à subfase, como em LBTs, pois nesta

montagem a subfase, composta principalmente de água, está aberta ao ambiente na parte inferior. No

entanto, a descontinuidade da superfície da gota na boca da pipeta pode dar origem a vazamentos a

altas pressões laterais, e o protocolo de aplicação dos FLs muda radicalmente as características das

isotermas. Na figura 2.5, vemos dois protocolos de aplicação: um no qual o solvente contendo os FLs

é aplicado diretamente à subfase, penetrando em seu interior, e outro no qual o solvente é aplicado ao

gargalo da pipeta que segura a gota, e escorre apenas pela sua superfície (aplicação indireta). Na figura

2.6, vemos como os protocolos diferentes provocam alterações qualitativas nas isotermas obtidas pela

expansão e contração da gota pendente. No caso da aplicação direta, a compressão da monocamada

pode fazer com que os FLs presentes na superfície escapem para o interior, associando-se aos FLs

dissolvidos, mascarando a transição LC-LE. No caso da aplicação indireta, não há vazamento de FLs

para o interior, e é possível observar a transição LC-LE.

externa, por conta da tensão superficial, isto se manifesta de maneira mais expressiva em gotas micro e nanoscó-picas. Para uma gota esférica de um líquido com interação do tipo van der Waals, a pressão hidrostática internaé proporcional ao inverso do raio [68]. No caso de uma gota com dimensões da ordem de mm–cm, a pressãohidrostática interna do líquido é praticamente constante e igual à pressão hidrostática externa (atmosférica), demaneira que a situação é diferente do CBM, onde a pressão hidrostática externa do líquido varia para controlaro volume da bolha de ar.

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2.3 Método da gota pendente: PDM 42

Figura 2.5: Dois protocolos de aplicação do solvente contendo FLs à gota pendente: (a) Osolvente é aplicado diretamente sobre a superfície da subfase, penetrando no bulk. (b) Osolvente é aplicado ao gargalo da pipeta que controla o volume da gota, escorrendo apenassobre a superfície e não penetrando no bulk. Extraído da ref. [43b].

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2.3 Método da gota pendente: PDM 43

Figura 2.6: Isotermas qualitativamente diferentes, obtidas através do PDM utilizando-se dife-rentes protocolos de aplicação dos FLs à subfase. Os quadrados representam a isoterma obtidapela média de três ciclos de compressão-expansão utilizando-se a deposição diretamente nasubfase, enquanto os círculos representam uma média de três ciclos de compressão-expansãoutilizando-se a deposição no gargalo da pipeta. É possível observar que o primeiro protocolofaz com que a transição LC-LE desapareça. Gráfico adaptado da ref. [43b].

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44

3Modelos teóricos

A modelagem teórica das transições de fase em sistemas fosfolipídicos tem como marco inicial o

trabalho de John Nagle [49], publicado em 1973. Neste trabalho, a transição principal nas bicamadas

é atribuída ao aumento de entropia das caudas hidrocarbônicas, além do custo energético de reaco-

modação da própria cauda, por conta das interações estéricas, gerando uma transição cooperativa na

qual todas as caudas se reacomodam simultaneamente. O modelo de Nagle mapeia as configurações

possíveis das ligações cis e trans em um modelo de dímeros, como mostrado na figura 3.1, que pode ser

resolvido exatamente para o caso de caudas de comprimento infinito. A interação não-estérica entre os

FLs, considerada secundária, é inserida em um contexto de campo médio. É importante notar que, em-

bora o este modelo seja bidimensional, o plano considerado é perpendicular à interface, ou seja, contém

as caudas, enquanto que o modelo que utilizaremos é bidimensional em um plano paralelo à interface.

Posteriormente, Doniach [51a] propôs um modelo de liga binária no qual a entropia exata das caudas

é substituída por um parâmetro de degenerescência ω, inspirado no trabalho de Nagle. Embora este

aspecto central da transição não seja tratado em detalhe no modelo de Doniach, sua interpretação é

mais direta e sua solução, mais simples. Neste trabalho, trataremos apenas do modelo de Doniach e de

sua extensão natural, o gás de rede de Doniach. No entanto, a leitura do artigo original de Nagle [49] é

absolutamente recomendada, pois é um trabalho pioneiro na área, tratando dos aspectos fundamentais

da transição e de sua modelagem.

3.1 Modelo de DoniachOmodelo de Doniach [51a] é um modelo na rede com dois estados e interações de primeiros vizinhos.

A função de partição de sítio único consiste na soma sobre um singleto que representa o estado único

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3.1 Modelo de Doniach 45

Figura 3.1: Mapeamento das configurações cis-trans das caudas hidrocarbônicas no modelo dedímeros proposto por Nagle [49]. As linhas tracejadas representam configurações das caudas,as linhas pontilhadas representam a rede de dímeros, que são individualmente representadospor traços contínuos. O mapeamento unívoco entre as duas representações permite conhecer aentropia exata do sistema no limite de infinitas cadeias de comprimento infinito. Adaptado daref. [49].

das caudas hidrocarbônicas na configuração estendida (all trans), e um multipleto de degenerescência

ω e energia de excitação εd, que representa uma média sobre toda a densidade de estados excitados

(combinações de ligações gauche) das caudas hidrocarbônicas dos FLs, conforme representado na figura

3.2.

As áreas de sítio único são definidas arbitrariamente como aord† para o singleto (estado ordenado)

e ad para o multipleto (estado desordenado), e a área total, conjugada à pressão lateral Π, é dada por

At = aordNord + adNd, (3.1)

onde Nord e Nd são os números de sítios nos estados ordenado e desordenado, respectivamente. Como

os FLs no estado ordenado estão mais estendidos, considera-se ad > aord. O trabalho original de

Doniach trata fenomenologicamente as contribuições da degenerescência do multipleto, da atração

†Utilizaremos aord, e não ao, para designar a área do estado ordenado, para que não haja posterior confusãocom o parâmetro de rede a0.

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3.1 Modelo de Doniach 46

Figura 3.2: Representação dos estados dos sítios no modelo de Doniach: (a) FL no estadoordenado (singleto); (b) conjunto de estados desordenados com degenerescência ω, mapeadosem um único estado degenerado (multipleto). Energias de interação possíveis dos sítios: (c)energia εoo de interação de sítios vizinhos ambos no estado ordenado; (d) energia εod de interaçãode um sítio no estado ordenado com um sítio vizinho no estado desordenado; (e) energia εdd deinteração de sítios vizinhos ambos no estado desordenado. Figura extraída da ref. [69].

efetiva (hidrofóbica) entre os FLs vizinhos e o custo energético da variação da área total através da

pressão lateral Π, obtendo um hamiltoniano efetivo de Ising. Aqui, no entanto, obteremos o mesmo

de maneira mais rigorosa através do formalismo de liga binária com interações de primeiros vizinhos.

Atribuindo as variáveis de ocupação ηi = 1 para o estado ordenado e ηi = 0 para o estado desordenado,

onde i indica o sítio, temos o hamiltoniano do sistema dado por

−H ′′ =∑i

[εoηi + εd (1− ηi)] +∑{i,j}

{εooηiηj + εdd (1− ηi) (1− ηj) + εod [ηi (1− ηj) + ηj (1− ηi)]} .

(3.2)

O primeiro somatório é sobre todos os N = Nord +Nd sítios, que neste modelo coincide com o número

total de lipídios N = Nlip, o segundo somatório é sobre todos os pares distintos de primeiros vizinhos,

e as energias de sítio único e de interação são dadas pelos εx e εxy. A energia total do sistema é dada

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3.1 Modelo de Doniach 47

por

−E = εoNord + εdNd + εooNoo + εddNdd + εodNod, (3.3)

onde Nx é o número de sítios nos estados x = {ord, d}, dados por

Nord =∑i

ηi, (3.4)

Nd =∑i

(1− ηi), (3.5)

Noo é o número de pares distintos de primeiros vizinhos ambos no estado ordenado, Nod é o número de

pares distintos de primeiros vizinhos em estados distintos (ord-d) e Ndd é o número de pares distintos

de primeiros vizinhos ambos no estado desordenado. Realizando a transformação para variáveis de

spin:

ηi =1 + si

2, (3.6)

obtemos, a menos de uma constante, o hamiltoniano

−H ′ = J∑{i,j}

sisj +H ′∑i

si , si = ±1 , (3.7)

com

J =εdd − 2εod + εoo

4, (3.8)

H ′ =2εo + εdd − 2εd − εoo

4. (3.9)

A função de partição do sistema no ensemble canônico é dada por

Z(T,At, N) = Tr{si}′ ωNd e−βH ′(si) = e−βF (T,At,N), (3.10)

onde F (T,At, N) é a energia livre de Helmholtz. O traço Tr{si}′ na equação 3.10 é realizado com a

área At constante, dificultando o cálculo de Z. Para relaxar essa condição, faremos uma mudança de

ensemble para o ensemble das pressões, onde a pressão lateral Π é constante. O número de sítios no

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3.1 Modelo de Doniach 48

estado desordenado Nd pode ser escrito em termos das variáveis de spin como

Nd =∑i

1− si2

, (3.11)

de maneira que, a menos de uma constante, podemos incorporar o fator ω no termo linear do hamil-

toniano, obtendo um campo dependente da temperatura

H(T ) = H ′ − 1

2βlnω, (3.12)

e renomear o hamiltoniano obtido por essa substituição para H ′′. Como queremos trabalhar no

ensemble das pressões, faremos uma transformada de Legendre da energia livre de Helmholtz para a

energia livre de Gibbs:

G(T,Π, N) = F [T,At(T,Π, N), N ] + ΠAt(T,Π, N). (3.13)

A função de partição se torna

Y (T,Π, N) = e−βG(T,Π,N) = Tr{si}

e−β[H ′′(si)+ΠAt], (3.14)

onde agora o traço não possui mais a restrição de área At constante. Em termos das variáveis de spin,

a área total é dada por

At =∑i

aord1 + si

2+∑i

ad1− si

2= N

(aord + ad

2

)+

(aord − ad

2

)∑i

si. (3.15)

Assim, podemos juntar todos os termos para obter um hamiltoniano do tipo Ising com campos depen-

dentes da temperatura:

Y (T,Π, N) = Tr{si}

e−βH (si), (3.16)

H = −J∑{i,j}

sisj −[H(T ) +

Π

2(aord − ad)

]∑i

si −NΠ

2(aord + ad) . (3.17)

Ignorando o termo constante que resulta da última contribuição, obtemos o hamiltoniano efetivo do

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3.1 Modelo de Doniach 49

tipo Ising com campo externo dependente da temperatura e da pressão lateral:

−H = J∑{i,j}

sisj + H(Π, T )∑i

si, (3.18)

H(Π, T ) = H ′ − 1

2βlnω +

Π

2(aord − ad) . (3.19)

Em analogia com o sistema magnético, definimos um parâmetro de ordem para o estado médio de

organização das caudas hidrocarbônicas, que por conveniência chamaremos de magnetização:

mDon =〈Nord〉 − 〈Nd〉

N, (3.20)

onde 〈· · · 〉 denotam médias no ensemble das pressões. A área média por sítio no modelo de Doniach é

dada, portanto, por

aDon =〈At〉N

=aord〈Nord〉+ ad〈Nd〉

N, (3.21)

e podemos ver que estes parâmetros não são independentes, pois

aDon =mDon

2(aord − ad) +

1

2(aord + ad). (3.22)

O diagrama de fase deste modelo, apresentado na figura 3.3, é idêntico ao diagrama do modelo

de Ising ferromagnético bidimensional, com uma transição entre a fase ordenada e a desordenada a

uma temperatura Tf para H(Π, Tf ) = 0, terminando em um ponto crítico. Para uma dada pressão

Π1, a transição ocorre para uma temperatura específica Tf1 a campo efetivo nulo (H = 0), e podemos

utilizar a solução exata de Onsager [3, 5]. Embora obtenhamos um comportamento semelhante ao

que gostaríamos de descrever, temos algumas limitações: as áreas de cada estado de sítio único são

atribuídas arbitrariamente, fazendo com que a área total do sistema não tenha uma relação direta com

o número de sítios, e sim apenas a soma das áreas arbitrárias atribuídas a cada estado. Neste sentido,

a rede considerada no modelo, onde estão localizados os N sítios, não possui a noção de distância entre

eles. Embora experimentalmente a área do estado ordenado aord seja quase constante, a área do estado

desordenado ad varia bastante com a temperatura, fazendo com que essa descrição arbitrária deixe a

desejar. O modelo de Doniach é incapaz de descrever a transição G-LE que, embora não seja o foco

de nosso estudo, é uma característica importante do sistema experimental de interesse.

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3.2 Gás de rede de Doniach: DLG 50

Figura 3.3: Diagrama de fase do modelo de Doniach mapeado no modelo de Ising bidimensi-onal. A abscissa é a temperatura, enquanto a ordenada é o campo magnético dependente datemperatura e pressão H(Π, T ) definido na equação 3.19. Π1 e Π2 representam linhas isobá-ricas, que cruzam a linha de transição de primeira ordem em Tf1 e Tf2, respectivamente. Alinha de transições de primeira ordem termina em uma temperatura crítica T ∗, associada auma pressão crítica Π∗ > Π2, não indicada. Figura extraída da ref. [51a].

3.2 Gás de rede de Doniach: DLGO gás de rede de Doniach [69] (ou Doniach Lattice Gas: DLG) é uma generalização do modelo de

Doniach para três possibilidades de ocupação dos sítios da rede, mapeados em três estados discretos:

lipídio ordenado, lipídio desordenado e desocupado (ou seja, ocupado por moléculas de água). A

adição de um estado desocupado permite que trabalhemos no ensemble grande canônico, de maneira

que, para uma área fixa da rede, a ocupação média (ou densidade superficial) é uma variável obtida

pela estatística do modelo. Isso consiste, em outras palavras, em introduzir flutuações de densidade

no modelo de Doniach, desacoplando os parâmetros de ordem de densidade superficial e estado das

caudas, e possui algumas vantagens do ponto de vista teórico. A primeira é não precisarmos definir

uma área arbitrária para cada estado, apenas o parâmetro de rede a0, que equivale à área mínima do

estado ordenado, de densidade máxima e incompressível: obtemos a área média ocupada por lipídio,

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3.2 Gás de rede de Doniach: DLG 51

em função da temperatura e pressão lateral, como consequência do modelo, e temos a variação da

área do estado desordenado com a temperatura. Além disso, a área no modelo DLG é a própria área

total At = Na0 da rede (para uma rede contendo N sítios), diferente da área do modelo de Doniach,

calculada através do somatório das áreas de cada sítio de uma rede sem noção de distância. Podemos

ver a comparação entre os dois modelos na figura 3.4.

Figura 3.4: Comparação entre (a) rede do modelo de Doniach, ocupada por FLs de diferentesáreas, onde cada sítio pode estar em um de dois estados diferentes e (b) rede do modelo DLG,onde cada FL ocupa um sítio de mesma área, mas há a incorporação de sítios vazios (água),fazendo com que a área média ocupada por lipídio, em relação à área total da rede At, possavariar. A coordenação da rede é q = 4 e a figura foi extraída da ref. [69].

Omodelo DLG é mapeado numa versão estendida do modelo de Blume–Emery–Griffiths [70] (BEG)

com interações dipolo-quadrupolo [71, 72] e campos dependentes da temperatura, sem nenhuma sime-

tria por permutação de estados. Desenvolvido originalmente para descrever a linha de transição λ entre

o He3 e o He4 e o ponto crítico no qual ela termina, o modelo BEG já foi e continua sendo bastante

estudado [73, 74] por ser o primeiro e mais simples modelo estatístico a apresentar um ponto tricrítico,

mesmo quando tratado em campo médio, e possuir um rico diagrama de fase.

O primeiro trabalho apresentando o modelo DLG na literatura é recente, e trata apenas sua solução

em campo médio [69]. A aproximação de campo médio, por desprezar completamente as correlações,

falha gravemente próxima a pontos críticos, onde há divergência do comprimento de correlação e com-

portamento pronunciadamente coletivo dos sistemas. Nesta seção, apresentaremos alguns resultados do

estudo em aproximação de campo médio, para fins de comparação com os resultados inéditos da seção

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3.2 Gás de rede de Doniach: DLG 52

4.2, onde tratamos este modelo em aproximação de pares, uma abordagem de campo médio um pouco

mais refinada e que preserva, em algum grau, correlações entre sítios. A importância de preservarmos

correlações, mesmo que fracas, vem de estarmos interessados no comportamento do modelo próximo a

um ponto crítico da transição LE-LC.

Começamos novamente escrevendo o hamiltoniano de ocupação para o modelo, agora para duas

variáveis de ocupação, que descrevem a presença (∆i = 1) ou ausência (∆i = 0) de FL em um sítio i,

e se ele está no estado ordenado (δi = 1) ou desordenado (δi = 0):

−H =∑{i,j}

{2εwq

[(1−∆i) + (1−∆j)] +2εdq

[∆i(1− δi) + ∆j(1− δj)] +2εoq

(∆iδi + ∆jδj) +

+ εww(1−∆i)(1−∆j) + εwd [∆i(1−∆j)(1− δj) + ∆j(1−∆i)(1− δi)]

+ εwo [∆j(1−∆i)δi + ∆i(1−∆j)δj ] + εdd∆i∆j(1− δi)(1− δj)

+ εoo∆i∆jδiδj + εod∆i∆j [(1− δi)δj + (1− δj)δi]}. (3.23)

Como na seção anterior, os εx são as energias de sítio único e os εxy, as energias de interação entre

os sítios primeiros vizinhos ocupados por FLs no estado ordenado (o), desordenado (d) ou por água

(w). O somatório sobre {i, j} representa uma soma sobre pares distintos de primeiros vizinhos, ou

seja, sobre todas as ligações, e por conveniência as somas sobre sítios únicos estão incluídas neste

somatório de maneira simetrizada e incorporando o fator de coordenação q para evitar contagem

superestimada. Podemos trabalhar com apenas uma variável de spin 1, ao invés de duas variáveis de

ocupação, realizando a seguinte transformação no hamiltoniano:

∆i = s2i , δi =

1 + si2

, (3.24)

com si = {−1,0,1}. Temos então o mapeamento

∆i = 0 → si = 0, (3.25)

∆i = 1, δi = 0 → si = −1, (3.26)

∆i = 1, δi = 1 → si = 1. (3.27)

Substituindo si na expressão 3.23, obtemos termos proporcionais a s3i , mas como s2

i = {0,1}, podemos

substituir s3i → si, e obtemos um hamiltoniano efetivo do modelo BEG com parâmetro de interação

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3.2 Gás de rede de Doniach: DLG 53

dipolo-quadrupolo L da forma s2i sj + s2

jsi:

−H = E0 +∑{i,j}

[Jsisj +Ks2

i s2j +

L

2sisj(si + sj)

]+∑i

(Is2i +Hsi

), si = 0,±1, (3.28)

E0 = N(εw +

qεww

2

), (3.29)

J =εdd + εoo − 2εod

4, (3.30)

K =εdd + εoo + 2εod − 4εwd − 4εwo + 4εww

4, (3.31)

L =εoo + 2εwd − εdd − 2εwo

2, (3.32)

I =εd + εo − 2εw + q(εwd + εwo − 2εww)

2, (3.33)

H =εo − εd + q(εwo − εwd)

2, (3.34)

onde N é o número total (fixo) de sítios da rede, N = Nlip + Nw, sendo Nlip o número de sítios ocu-

pados por lipídios e Nw o número de sítios vazios (ocupados por água). O primeiro somatório contém

termos de interação de sítios vizinhos, enquanto o segundo somatório contém termos de interação de

sítio único com campos. Os estados si podem ser 1 (lipídio no estado ordenado), 0 (sítio vazio: água)

ou −1 (lipídio no estado desordenado). No hamiltoniano efetivo apresentado, o termo de acoplamento

bilinear J > 0 favorece a segregação entre os dois estados ocupados; o termo biquadrático K favorece a

segregação dos estados ocupados e desocupados; o termo cúbico L favorece o estado ordenado a baixas

temperaturas. No segundo somatório, o termo de campo cristalino I, acoplado ao termo quadrático

s2i , será incorporado ao potencial químico dos lipídios na passagem ao ensemble grande-canônico. O

campo externo H é acoplado ao termo linear si, e será mantido para a obtenção de algumas grande-

zas por derivadas parciais. No entanto, consideraremos que a energia de interação água-lipídios é a

mesma independente do estado das caudas dos últimos, e que a energia de sítio único dos diferentes

estados lipídicos também é a mesma. A diferença entre os estados será considerada, sob estes aspectos,

puramente entrópica. Por estes motivos, ao final do cálculo, faremos sempre H = 0.

Este hamiltoniano é o mais geral para o modelo de spin-1 e interações apenas de primeiros vizinhos e

campos de sítio único, e já foi estudado em trabalhos anteriores relacionados às propriedades tricríticas e

diagramas de fase de misturas ternárias [71, 72]. No presente trabalho, incorporamos a degenerescência

ω do estado desordenado, que pode alternativamente ser incluída nos parâmetros do modelo com o

formalismo de campos dependentes da temperatura. É conveniente a utilização do ensemble grande

canônico para remover a restrição de Nlip constante. A função de partição grande-canônica associada

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3.2 Gás de rede de Doniach: DLG 54

é dada por:

Ξ(T,At = Na0, H, µlip, µw) = Tr{si}

ωNd exp{−β[H {si} − µlipNlip − µwNw

]}, (3.35)

dependente dos potenciais químicos dos FLs e da água, µlip e µw, respectivamente. O traço é efetuado

sem o vínculo de número de lipídios Nlip constante. Podemos expressar as quantidades Nx como

Nd =∑i

∆i(1− δi) =∑i

si(1− si)2

, Nlip =∑i

∆i =∑i

s2i , Nw = N −Nlip =

∑i

(1− s2i ),

(3.36)

e incorporar os potenciais químicos µlip e µw nos campos do modelo, obtendo um novo hamiltoniano

efetivo:

−H = E′0 +∑{i,j}

[Jsisj +Ks2

i s2j +

L

2sisj(si + sj)

]+∑i

(µeffs

2i +Hsi

), (3.37)

E′0 ≡ E0 −Nµw = N(εw − µw +

qεww

2

), µeff ≡ µlip − µw − I. (3.38)

O termo constante E′0 será ignorado daqui em diante‡. Ao invés de utilizarmos os dois potenciais

químicos µlip e µw, consideraremos que o sistema está em equilíbrio com um reservatório de água,

ou seja, µw é constante, e trabalharemos apenas com o potencial químico efetivo µeff . Utilizaremos,

sempre que possível, a degenerescência expressa explicitamente na função de partição grande canônica

do hamiltoniano efetivo, dada por:

Ξ(T,At, H, µeff) = Tr{si}

ωNd exp (−βH {si}). (3.39)

Os parâmetros de ordem do sistema são dados pelos momentos de dipolo e quadrupolo das variáveis de

spin, que designaremos magnetização por sítiom e densidade superficial σ, associadas à ordem (m > 0)

ou desordem (m < 0) das caudas hidrocarbônicas e à área média a ocupada por lipídio na rede:

m =1

N

∑i

〈si〉 =〈M〉N

, σ =1

N

∑i

⟨s2i

⟩=〈Nlip〉N

=a0

a, a ≡ At

〈Nlip〉, (3.40)

onde 〈· · · 〉 representam médias no ensemble grande-canônico e a0 é o parâmetro de rede.

‡Este termo constante vincula-se à tensão superficial σ0 da subfase pura, mencionada na figura 1.7. Noentanto, como as pressões laterais medidas experimentalmente sempre se referem a diferenças de pressões lateraisentre a subfase pura e a subfase contendo FLs na interface água-ar, esta contribuição pode ser desprezada.

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55

4Aproximações no modelo DLG

4.1 DLG em aproximação de campo médioÉ conveniente definirmos os parâmetros adimensionais:

j = βJ ≡ 1

t, k ≡ βK, ` ≡ βL, µ ≡ βµeff , h ≡ βH. (4.1)

Para o tratamento em campo médio na versão Curie–Weiss–Kac [75] com interações de longo alcance,

primeiro eliminaremos a restrição topológica de que a soma seja realizada sobre primeiros vizinhos,

modificando os somatórios do hamiltoniano e introduzindo novos parâmetros {ξk}:

j∑{i,j}

sisj → ξ1

(N∑i

si

) N∑j

sj

= ξ1M2 , (4.2)

k∑{i,j}

s2i s

2j → ξ2

(N∑i

s2i

) N∑j

s2j

= ξ2Q2 , (4.3)

`

2

∑{i,j}

(s2i sj + s2

jsi)→ ξ3

(N∑i

s2i

) N∑j

sj

= ξ3QM , (4.4)

µ

N∑i

s2i → ξ4

N∑i

s2i = ξ4Q , (4.5)

h∑i

si → ξ5

N∑i

si = ξ5M . (4.6)

Podemos relacionar os parâmetros de campo médio {ξk} com os do modelo original, com interações

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4.1 DLG em aproximação de campo médio 56

de primeiros vizinhos, comparando as energias de dois estados equivalentes. No limite em que T = 0

e todos os sítios com si = 1, temos

M = Q = N. (4.7)

Cada sítio participa deq

2pares de primeiros vizinhos, e a rede completa possui

qN

2pares de primeiros

vizinhos, portanto as energias deste estado são dadas por

βEDLG,T=0 = −qjN2− qkN

2− q`N

2− µN − hN, (4.8)

βECM,T=0 = −N2 (ξ1 + ξ2 + ξ3)− ξ4N − ξ5N. (4.9)

Para que as energias sejam iguais, vamos associar

ξ1 =qj

2N, ξ2 =

qk

2N, ξ3 =

q`

2N, ξ4 = µ , ξ5 = h, (4.10)

fazendo com que a grande função de partição se torne

Ξ(T,At, H, µeff) = Tr{si}

ωNd exp(ξ1M

2 + ξ3QM + ξ2Q2 + ξ4Q+ ξ5M

). (4.11)

Para eliminar o termo cruzado ξ3QM , completamos os quadrados perfeitos:

Ξ = Tr{si}

ωNd exp

[ξ1

(M2 +

ξ3

ξ1QM +

ξ23

4ξ21

Q2

)+

(ξ2 −

ξ23

4ξ1

)Q2 + ξ4Q+ ξ5M

]= Tr{si}

ωNd exp

[ξ1

(M +

ξ3

2ξ1Q

)2

+

(ξ2 −

ξ23

4ξ1

)Q2 + ξ4Q+ ξ5M

]. (4.12)

Os termos quadráticos são linearizados através de duas transformações gaussianas da forma

ea2

=1√π

∫ ∞−∞

e−x2+2ax dx.

Realizando primeiro a linearização do termo Q2, obtemos

Ξ = Tr{si}

ωNd

√π

∫ ∞−∞

exp

−x2 +

2x

√ξ2 −

ξ23

4ξ1

+ ξ4

Q+ ξ5M + ξ1

(M +

ξ3

2ξ1Q

)2dx. (4.13)

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4.1 DLG em aproximação de campo médio 57

Realizando o mesmo procedimento para ξ1

(M +

ξ3

2ξ1Q

)2

, obtemos

Ξ = Tr{si}

ωNd

π

∫ ∞−∞

∫ ∞−∞

e−(x2+y2) exp

2x

√ξ2 −

ξ23

4ξ1+ ξ4 + y

ξ3√ξ1

Q+(

2y√ξ1 + ξ5

)M

dx dy.

(4.14)

O fator e−(x2+y2) garante a convergência da integral. Por conveniência na notação, faremos mais

uma mudança de variáveis§:

α1 = 2

√ξ2 −

ξ23

4ξ1, α2 = 2

√ξ1 , α3 =

ξ3√ξ1, (4.15)

tal que a grande função de partição se torna

Ξ = Tr{si}

ωNd

π

∫ ∞−∞

∫ ∞−∞

e−(x2+y2) exp [(xα1 + yα3 + ξ4)Q+ (yα2 + ξ5)M ] dx dy. (4.16)

Como as integrais são absolutamente convergentes, podemos trocar a sua ordem com o traço. Lem-

brando das definições de M e Q, temos

Ξ =1

π

∫ ∞−∞

∫ ∞−∞

e−(x2+y2) Tr{si}

ωNd exp

[(xα1 + yα3 + ξ4)

∑i

s2i + (yα2 + ξ5)

∑i

si

]dx dy. (4.17)

Os somatórios na exponencial estão desacoplados, portanto podemos realizar o traço sobre os estados

{si} de maneira direta. Definindo

δsi,−1 =si(si − 1)

2, Nd =

∑i

δsi,−1, (4.18)

obtemos

Ξ =1

π

∫ ∞−∞

∫ ∞−∞

e−(x2+y2)N∏i=1

Trsiωδsi,−1 exp

[(xα1 + yα3 + ξ4) s2

i + (yα2 + ξ5) si]

dx dy

=1

π

∫ ∞−∞

∫ ∞−∞

e−(x2+y2)[1 + exp (xα1 + yα3 + ξ4 + yα2 + ξ5)

+ ω exp (xα1 + yα3 + ξ4 − yα2 − ξ5)]N

dx dy =1

π

∫ ∞−∞

∫ ∞−∞

eNφ(x,y) dx dy, (4.19)

§Aqui fica claro que estamos trabalhando com a restrição J ≥ 0.

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4.1 DLG em aproximação de campo médio 58

com

φ(x, y) = − 1

N(x2 + y2) + ln

[1 + exα1+yα3+ξ4

(eyα2+ξ5 + ωe−yα2−ξ5

)]. (4.20)

No limite N →∞, o método de Laplace prevê que

∫ ∞−∞

∫ ∞−∞

eNφ(x,y) dx dy =2π eNφ(x0,y0)

N∣∣H−1(φ)(x0, y0)

∣∣ 12 , (4.21)

onde (x0, y0) são as coordenadas do máximo global da função φ(x, y) e |H−1(φ)(x0, y0)|, o módulo do

determinante da matriz inversa à hessiana da função no ponto (x0, y0). O potencial grande-canônico

por sítio é dado, portanto, por

βψ(T, h, µ) ≡ limN→∞

1

NβΨ(T,At, H, µeff) = − lim

N→∞

1

Nln Ξ(T,At, H, µeff)

= − limN→∞

φ(x0, y0)− 1

Nln

N ∣∣H−1(φ)(x0, y0)∣∣ 12

2

= lim

N→∞

{1

N

(x2

0 + y20

)− ln

[1 + ex0α1+y0α3+ξ4

(ey0α2+ξ5 + ωe−y0α2−ξ5

)]}, (4.22)

pois estamos considerando o limite N → ∞ e, portanto, lnN � N . As condições de extremo são

dadas por

∂φ(x, y)

∂x

∣∣∣∣(x0,y0)

= 0,∂φ(x, y)

∂y

∣∣∣∣(x0,y0)

= 0, (4.23)

que resultam em

x0 =N

2

α1ex0α1+y0α3+ξ4(ey0α2+ξ5 + ωe−y0α2−ξ5

)1 + ex0α1+y0α3+ξ4 (ey0α2+ξ5 + ωe−y0α2−ξ5)

, (4.24)

y0 =N

2

ex0α1+y0α3+ξ4[(α3 + α2)ey0α2+ξ5 + ω(α3 − α2)e−y0α2−ξ5

]1 + ex0α1+y0α3+ξ4 (ey0α2+ξ5 + ωe−y0α2−ξ5)

. (4.25)

Os parâmetros de ordem de magnetização m ≡ 〈si〉 e densidade superficial σ ≡ 〈s2i 〉 se relacionam

termodinamicamente com as derivadas parciais do potencial grande-canônico em relação aos seus res-

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4.1 DLG em aproximação de campo médio 59

pectivos campos conjugados:

σ =Q

N= −

(∂βψ

∂µ

)T, h

= −(∂βψ

∂ξ4

)T, ξ5, x0, y0

=ex0α1+y0α3+ξ4

(ey0α2+ξ5 + ωe−y0α2−ξ5

)1 + ex0α1+y0α3+ξ4 (ey0α2+ξ5 + ωe−y0α2−ξ5)

, (4.26)

m =M

N= −

(∂βψ

∂h

)T, µ

= −(∂βψ

∂ξ5

)T, ξ4, x0, y0

=ex0α1+y0α3+ξ4

(ey0α2+ξ5 − ωe−y0α2−ξ5

)1 + ex0α1+y0α3+ξ4 (ey0α2+ξ5 + ωe−y0α2−ξ5)

. (4.27)

É fácil observar que

x0 =α1Q

2, y0 =

α3Q+ α2M

2. (4.28)

Podemos então substituir (x0, y0) na equação 4.22 e obter o potencial grande-canônico extensivo

βΨ(T,At, H, µeff) =1

4

[α2

1Q2 + (α3Q+ α2M)2

]−N ln

{1 + e

12 [(α2

1+α23)Q+α2α3M]+ξ5

[e

12(α2α3Q+α2

2M)+ξ4 + ωe−12(α2α3Q+α2

2M)−ξ4]}, (4.29)

ou ainda, reexpressando a forma intensiva por sítio ψ em termos de (m,σ),

βψ =q

2

(jm2 + kσ2 + `mσ

)− ln

{1 + e

12q`m+qkσ+µ

[eqjm+ 1

2q`σ+h + ωe−(qjm+ 1

2q`σ+h)

]}, (4.30)

com os parâmetros de ordem termodinâmicos (m,σ) definidos pelo sistema de equações transcendentes

acopladas:

m(T, µ, h;m,σ) =e

12q`m+qkσ+µ

[eqjm+ 1

2q`σ+h − ωe−(qjm+ 1

2q`σ+h)

]1 + e

12q`m+qkσ+µ

[eqjm+ 1

2q`σ+h + ωe−(qjm+ 1

2q`σ+h)

] , (4.31)

σ(T, µ, h;m,σ) =e

12q`m+qkσ+µ

[eqjm+ 1

2q`σ+h + ωe−(qjm+ 1

2q`σ+h)

]1 + e

12q`m+qkσ+µ

[eqjm+ 1

2q`σ+h + ωe−(qjm+ 1

2q`σ+h)

] . (4.32)

Para um dado conjunto de parâmetros, as equações acopladas podem apresentar mais de uma

solução, das quais a que representa a situação de equilíbrio termodinâmico é a que minimiza o poten-

cial 4.30. Podemos obter diagramas de fase qualitativamente diferentes dependendo dos parâmetros

utilizados, como mostrado na figura 4.1. Para a apresentação dos resultados numéricos, o trabalho

original [69] do qual esse diagrama foi extraído utiliza parâmetros reduzidos em relação a J , e não β,

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4.2 DLG em aproximação de pares 60

definidos de maneira ligeiramente diferente em relação ao conjunto (k, `, µ) da equação 4.1:

K =K

J=k

j, L =

2L

J=

2`

j, µeff =

µeff

J=µ

j, H = 0. (4.33)

Além disso, devemos considerar as redefinições µeff → µ, µeff → µ, L→ 2∆ naquele trabalho. É claro

que os dois conjuntos de parâmetros são totalmente equivalentes, e a escolha por definir a escala de

energia em função da temperatura ou do acoplamento bilinear J é apenas questão de conveniência, caso

os cálculos sejam analíticos ou numéricos. Posteriormente utilizaremos definições análogas ao apresentar

os resultados numéricos. Para L fixo e valores baixos de K, há apenas duas fases, a ordenada (Ord=LC)

e a desordenada (Dis=LE). Com o aumento de K, surgem uma fase gasosa (Gas=G), um ponto triplo

e um ponto crítico G-LE, e a transição G-LC se move para potenciais químicos mais baixos.

__

effeff

Figura 4.1: Diagramas de fase para ω = 1000, q = 4 e os parâmetros: (a) L = 0,3; K = 0,8; 1; 1,2e (b) K = 1, L = 0,4− 0,7. Diagramas adaptados da ref. [69], substituindo o eixo das abscissasµ/J original por µeff ≡ µeff/J na notação utilizada aqui nesta dissertação.

4.2 DLG em aproximação de paresO tratamento em aproximação de pares será realizado de maneira diferente, mas equivalente, à

metodologia apresentada no apêndice A. No entanto, ao invés de obtermos relações de recorrência para

os campos efetivos (h, µ), utilizaremos aqui equações análogas para a magnetização e para a densidade

superficial (m,σ). Estas equações definem um mapa dinâmico bidimensional, cujos atratores (pontos

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4.3 Relações de recorrência 61

fixos ou ciclos-2, ou seja, soluções numericamente estáveis) serão obtidos e analisados. É importante

frisar que os resultados obtidos são exatos para a rede de Bethe (região central de uma árvore de Cayley

infinita), porém são equivalentes à aproximação de pares de Bethe–Peierls [46, 47] na rede de Bravais.

Para os cálculos analíticos, utilizamos novamente os parâmetros adimensionais {j = t−1, k, `, µ, h} já

definidos na equação 4.1, enquanto que, para os gráficos e comparações com experimentos, empregamos

preferencialmente a temperatura reduzida t e razões entre estes parâmetros adimensionais,

k ≡ K

J=k

j, ¯≡ L

J=`

j, µ ≡ µeff

Jq=

µ

jq, h ≡ H

J=h

j= 0. (4.34)

O hamiltoniano do sistema é parametrizado, portanto, sob a forma

−βH =∑{i,j}

[jsisj + ks2

i s2j +

`

2sisj(si + sj)

]+∑i

[µs2

i + hsi +si(si − 1)

2lnω

]. (4.35)

Este hamiltoniano representa uma versão estendida do modelo BEG com interações dipolo-quadrupolo

(ou seja, com ` 6= 0), adicionado do termo de degenerescência, que, como mencionado, poderia ter sido

incorporado aos campos se utilizado um formalismo de campos dependentes de temperatura.

4.3 Relações de recorrênciaNa árvore de Cayley, vamos considerar interações dos q − 1 spins da geração n+ 1 com o spin da

geração n, de maneira que definimos o hamiltoniano para a geração n como

−βHn(sn, sn+1) =jsnsn+1 + ks2ns

2n+1 +

`

2snsn+1(sn + sn+1) + µs2

n + hsn +sn(sn − 1)

2lnω . (4.36)

A função de partição parcial, ou seja, o traço sobre a geração n+ 1 da árvore de Cayley, é dada por

Qn(sn) = eµs2n+hsn

[Tr{sn+1}

e−βHn(sn,sn+1)Qn+1(sn+1)

]q−1

= ωδsn,−1eµs2n+hsn

[eks

2n+jsn+ `

2sn(sn+1)Qn+1(+) + eks

2n−jsn− `

2sn(sn−1)Qn+1(−) +Qn+1(0)

]q−1,

(4.37)

ou seja,

Qn(+) = eµ+h[ej+k+`Qn+1(+) + ek−jQn+1(−) +Qn+1(0)

]q−1, (4.38)

Qn(0) = [Qn+1(+) +Qn+1(−) +Qn+1(0)]q−1 , (4.39)

Qn(−) = ωeµ−h[ek−jQn+1(+) + ej+k−`Qn+1(−) +Qn+1(0)

]q−1. (4.40)

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4.3 Relações de recorrência 62

É útil realizarmos uma mudança de variáveis da forma:

xn =Qn(+)

Qn(0)=

σn +mn

2(1− σn), yn =

Qn(−)

Qn(0)=

σn −mn

2(1− σn), xn + yn + 1 =

1

1− σn, (4.41)

mn =Qn(+)−Qn(−)

Qn(+) +Qn(−) +Qn(0)=

xn − ynxn + yn + 1

, σn =Qn(+) +Qn(−)

Qn(+) +Qn(−) +Qn(0)=

xn + ynxn + yn + 1

,

(4.42)

de maneira que podemos escrever as relações de recorrência para as variáveis auxiliares (xn, yn) como

xn =Qn(+)

Qn(0)= eµ+h

[ej+k+`xn+1 + ek−jyn+1 + 1

xn+1 + yn+1 + 1

]q−1

≡ eµ+hαq−1(xn+1, yn+1) (4.43)

= eµ+h

[1

2ej+k+` (σn+1 +mn+1) +

1

2ek−j (σn+1 −mn+1) + 1− σn+1

]q−1

,

yn =Qn(−)

Qn(0)= ωeµ−h

[ek−jxn+1 + ej+k−`yn+1 + 1

xn+1 + yn+1 + 1

]q−1

≡ ωeµ−hγq−1(xn+1, yn+1) (4.44)

= ωeµ−h[

1

2ek−j (σn+1 +mn+1) +

1

2ej+k−` (σn+1 −mn+1) + 1− σn+1

]q−1

.

Para o spin central, ou seja, considerando o sítio central da árvore de Cayley como um sítio da rede

de Bethe, temos a função de partição parcial da árvore de Cayley dada por

Ξ0(s0) = ωδs0,−1eµs20+hs0

[eks

20+js0+ `

2s0(s0+1)Q1(+) + eks

20−js0−

`2s0(s0−1)Q1(−) +Q1(0)

]q, (4.45)

Ξ0(+) = eµ+h[ej+k+`Q1(+) + ek−jQ1(−) +Q1(0)

]q, (4.46)

Ξ0(0) = [Q1(+) +Q1(−) +Q1(0)]q , (4.47)

Ξ0(−) = ωeµ−h[ek−jQ1(+) + ej+k−`Q1(−) +Q1(0)

]q. (4.48)

A função de partição total da árvore de Cayley com N gerações é dada por

Ξ0,N = Ξ0(+) + Ξ0(−) + Ξ0(0). (4.49)

A superfície da árvore é uma condição de contorno que determina o comportamento da relação de

recorrência. Para diferentes valores de {xN , yN} ou, equivalentemente, {mN , σN}, a iteração das

equações 4.43 e 4.44 resulta na convergência a diferentes atratores possíveis: pontos fixos {x, y} ou

ciclos-2, do tipo {. . . , (xA, yA), (xB, yB), (xA, yA), . . . }. Estas são as soluções numericamente estáveis

do sistema. Por outro lado, presumindo xn = xn+1 = x e yn = yn+1 = y, ou mn = mn+1 = m e

σn = σn+1 = σ, essas mesmas equações se tornam duas equações transcendentes acopladas que podem

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4.4 Potencial grande-canônico 63

ser resolvidas através de métodos numéricos, fornecendo as soluções numericamente estáveis e instáveis

do mapa dinâmico. Considerando a convergência das equações de recorrência, ou seja, xn = xn+1 → x,

yn = yn+1 → y, podemos obter expressões para os campos (h, µ) em função das variáveis auxiliares

(x, y), α = α(x, y), γ = γ(x, y) definidas de acordo com as equações 4.43 e 4.44:

e2h =ωx

y

(γα

)q−1=ω (σ +m)

σ −m

(γα

)q−1, e2µ =

xy (αγ)1−q

ω=

σ2 −m2

4ω (1− σ)2 (αγ)1−q . (4.50)

Os parâmetros de ordem termodinâmicos (m, σ) na rede de Bethe (centro da árvore de Cayley)

podem ser obtidos através de médias ponderadas pelos pesos de Boltzmann no sítio central,

m ≡ 〈s0〉 =1

Ξ0,NTrs0s0 Ξ0(s0) =

ej+k+` (σ +m)2 − ej+k−` (σ −m)2 + 4m (1− σ)

ej+k+` (σ +m)2 + ej+k−` (σ −m)2 + 2ek−j (σ2 −m2) + 4 (1− σ2),

(4.51)

σ ≡ 〈s20〉 =

1

Ξ0,NTrs0s2

0 Ξ0(s0) =ej+k+` (σ +m)2 + ej+k−` (σ −m)2 + 2ek−j

(σ2 −m2

)+ 4σ (1− σ)

ej+k+` (σ +m)2 + ej+k−` (σ −m)2 + 2ek−j (σ2 −m2) + 4 (1− σ2),

(4.52)

que podem ser expressas como m =x− y

x+ y + 1, σ =

x+ y

x+ y + 1, onde definimos para o sítio central

x ≡ Ξ0(+)

Ξ0(0)= eµ+hαq(x, y) = x

(ej+k+`x+ ek−jy + 1

x+ y + 1

), (4.53)

y ≡ Ξ0(−)

Ξ0(0)= ωeµ−hγq(x, y) = y

(ek−jx+ ej+k−`y + 1

x+ y + 1

). (4.54)

4.4 Potencial grande-canônicoApesar de ser possível obter o potencial grande-canônico na rede de Bethe através da integração

das equações de estado 4.51 e 4.52, o método apresentado na seção A.4 do apêndice A é mais prático,

por evitar a necessidade de resolver integrais, neste caso multidimensionais. Para a rede de Bethe de

coordenação q, a expressão exata para o potencial grande-canônico ψ por sítio¶ é dada por [76]

ψ(T, h, µ) ≡ limNv→∞

1

NvΨ = − 1

2βlimN→∞

lnΞ0,N

Ξq−11,N

= − 1

2βlimN→∞

lnΞ0,N

Ξq−10,N+1

, (4.55)

¶Aqui devemos tomar o limite termodinâmico considerando apenas os sítios no interior da árvore de Cayley,a rigor utilizando a diferença Nv ≡ Nt − Ns, onde o número de sítios Ns da superfície da árvore e o númerototal de sítios Nt da árvore completa são dados, respectivamente, pelas equações A.1 e A.2. Obviamente, olimite Nv →∞ implica número de gerações da árvore completa N →∞.

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4.5 Pontos críticos 64

com a função de partição Ξ0,N definida pela equação 4.49. A função de partição Ξ1,N = Ξ0,N+1 é

obtida de maneira semelhante, mas considerando como central um sítio da geração imediatamente

anterior de uma árvore de Cayley com o mesmo número N de gerações ou, equivalentemente, o sítio

central de uma árvore com N + 1 gerações. Por conveniência na notação, estamos fixando o índice na

superfície da árvore e não no spin central. Tomar o limite N →∞ equivale a considerar a convergência

para os atratores do mapa dinâmico, xn = xn+1 = x, yn = yn+1 = y, no caso de ponto fixo. Portanto:

e−2βψ = limN→∞

Ξ0,N

Ξq−11,N

=Ξ0(+) + Ξ0(−) + Ξ0(0)

[Ξ1(+) + Ξ1(−) + Ξ1(0)]q−1 =

{Q1(0)

[Q2(0)]q−1

}q×[eµ+h

(ej+k+`x+ ek−jy + 1

)q+ ωeµ−h

(ek−jx+ ej+k−`y + 1

)q+ (x+ y + 1)q

]2−q

= (x+ y + 1)2

[eµ+h

(ej+k+`x+ ek−jy + 1

)q+ ωeµ−h

(ek−jx+ ej+k−`y + 1

)q(x+ y + 1)q+1 +

1

x+ y + 1

]2−q

= (1− σ)−2

[1

4ej+k+` (σ +m)2 +

1

4ej+k−` (σ −m)2 +

1

2ek−j

(σ2 −m2

)+ 1− σ2

]2−q. (4.56)

Portanto, o potencial grande-canônico por sítio (em unidades de kBT ) na rede de Bethe é dado por

βψ = ln (1− σ) +q − 2

2ln

[1

4ej+k+` (σ +m)2 +

1

4ej+k−` (σ −m)2 +

1

2ek−j

(σ2 −m2

)+ 1− σ2

].

(4.57)

Podemos verificar, aplicando o determinante jacobiano nas derivadas parciais das equações 4.50 e 4.57,

que de fato (m, σ) obtidos na rede de Bethe, definidos pelas equações 4.51 e 4.52, representam as

variáveis termodinamicamente conjugadas aos campos H e µeff :

m = −(∂βψ

∂h

)T, µ

= −∂ (βψ, µ)

∂ (h, µ)= −∂ (βψ, µ)

∂ (m,σ)

[∂ (h, µ)

∂ (m,σ)

]−1

=x− y

x+ y + 1= 〈s0〉

=ej+k+` (σ +m)2 − ej+k−` (σ −m)2 + 4m (1− σ)

ej+k+` (σ +m)2 + ej+k−` (σ −m)2 + 2ek−j (σ2 −m2) + 4 (1− σ2), (4.58)

σ = −(∂βψ

∂µ

)T, h

= −∂ (βψ, h)

∂ (µ, h)= −∂ (βψ, h)

∂ (m,σ)

[∂ (µ, h)

∂ (m,σ)

]−1

=x+ y

x+ y + 1= 〈s2

0〉

=ej+k+` (σ +m)2 + ej+k−` (σ −m)2 + 2ek−j

(σ2 −m2

)+ 4σ (1− σ)

ej+k+` (σ +m)2 + ej+k−` (σ −m)2 + 2ek−j (σ2 −m2) + 4 (1− σ2). (4.59)

4.5 Pontos críticosPara calcularmos as coordenadas dos possíveis pontos críticos do diagrama de fase, precisamos

calcular as derivadas parciais do potencial termodinâmico apropriado em relação ao parâmetro de or-

dem m, de acordo com o procedimento das refs. [71, 77]. É importante observar que os potenciais

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4.5 Pontos críticos 65

termodinâmicos são funções das variáveis auxiliares (m,σ), enquanto que as variáveis termodinâmi-

cas conjugadas aos campos (h, µ) são, respectivamente, (m, σ). Lembrando que estes parâmetros de

ordem são funções implícitas dos seus respectivos campos, as condições de equilíbrio para o potencial

termodinâmico apropriado‖ no ponto crítico são dadas por] :

βϕ (T, m, µ) ≡ βψ[T, h(T, m, µ), µ] + mh(T, m, µ), (4.60)(∂βψ

∂m

= 0, (4.61)(∂βϕ

∂m

= h, (4.62)(∂2βϕ

∂m2

=

(∂h

∂m

= 0, (4.63)(∂3βϕ

∂m3

=

(∂2h

∂m2

= 0. (4.64)

As três primeiras equações são equivalentes à equação para m e às duas relações de recorrência acopla-

das para os parâmetros de ordem (m, σ). Como temos m = m(m,σ), precisamos utilizar o determinante

jacobiano para obter as duas últimas equações, que fornecem as coordenadas do ponto crítico. Para a

primeira delas temos:

h(1) ≡(∂h

∂m

=

(∂h

∂m

(∂m

∂m

≡ η(1)

(∂m

∂m

)−1

µ

= 0. (4.65)

Para que a inversa no último fator esteja bem definida, precisamos supor que a transformação (m, σ)→

(m,σ) não seja singular, isto é,

(∂m

∂m

=∂(m, µ)

∂(m,σ)

∂(m,σ)

∂(m,µ)=mmµσ − mσµm

µσ6=∞. (4.66)

Para simplificar a notação, a derivação parcial em relação a uma variável foi indicada através de

subescrito. Estenderemos também esta notação simplificada para derivadas de ordem superior,

µm ≡(∂µ

∂m

, µσ ≡(∂µ

∂σ

)m

, µmσ ≡(∂µm∂σ

)m

= µσm, µ2m ≡(∂µm∂m

, etc. (4.67)

‖O potencial termodinâmico apropriado é o potencial semi-grande canônico ϕ(T, m, µ). A energia livre deHelmholtz f por sítio pode ser obtida a partir de uma transformada de Legendre inversa de ϕ, βf(T, m, σ) ≡βϕ[T, m, µ(T, m, σ)] + σµ(T, m, σ).

]A partir daqui, a fim de não sobrecarregar a notação, eliminaremos a condição de T constante em todas asderivadas parciais.

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4.5 Pontos críticos 66

Com a hipótese de não-singularidade satisfeita, a primeira condição 4.65 se reduz a:

η(1) =∂(h, µ)

∂(m,σ)

∂(m,σ)

∂(m,µ)=

∂(h, µ)

∂(m,σ)

[∂(m,µ)

∂(m,σ)

]−1

=hmµσ − hσµm

µσ= 0 . (4.68)

Explicitamente, o numerador desta equação pode ser reescrito como uma equação de segundo grau

para ek:

η(1) = 0 → κ2 e2k + κ1ek + κ0 = 0, (4.69)

κ2 = [2− q + (q − 1)σ]{

[qe−2j − e2j(q − 2)](σ2 −m2) + e`(σ +m)2 + e−`(σ −m)2}, (4.70)

κ1 = (1− σ){

ej+`(σ +m)[m(q − 1)2 − q[(q − 4)σ + 2]− 3σ + 4

]− ej−`(σ −m)

×[m(q − 1)2 + q[(q − 4)σ + 2] + 3σ − 4

]− 2e−j

[m2(q − 1)2 + (1− q2)σ2 − 2σ

]}, (4.71)

κ0 = 4(1− σ)2ej+`[1 + (q − 1)σ]. (4.72)

As soluções simultâneas para as condições 4.61, 4.62 e 4.69 representam os limites de estabilidade

(linhas espinodais) para as fases do sistema.

A última condição 4.64 para definir o ponto crítico é dada por:

h(2) ≡

(∂h(1)

∂m

=∂

∂m

[η(1)

(∂m

∂m

(∂m

∂m

=

(∂η(1)

∂m

(∂m

∂m

)2

µ

≡ η(2)

(∂m

∂m

)2

µ

= 0, (4.73)

pois(

∂2m

∂m ∂m

= 0. Como estamos novamente considerando(∂m

∂m

6= 0, a condição crítica h(2) = 0

implica necessariamente

η(2) =

(∂2h

∂m2

=

(∂η(1)

∂m

=∂(η(1), µ)

∂(m,σ)

∂(m,σ)

∂(m,µ)=η

(1)m µσ − η(1)

σ µmµσ

= 0. (4.74)

Ignorando o denominador desta última equação, a condição crítica 4.64 é dada, portanto, por

η(1)m µσ − η(1)

σ µm = h2mµσ − hσµ2m − 2hmσµm +µm (h2σµm + 2hσµmσ)

µσ− hσµ

2mµ2σ

µ2σ

= 0. (4.75)

A equação explícita em termos dos parâmetros do hamiltoniano e das variáveis auxiliares (m,σ) é

bastante extensa por conta das derivadas de segunda ordem das equações 4.50, ocupando várias pá-

ginas, e não será transcrita. Grande parte da manipulação e verificação algébrica, assim como todos

os procedimentos numéricos, foi realizada no software MathematicaTM. Pode-se ver que o sistema

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4.6 Pressão lateral 67

não é de fácil solução numérica, mas ainda é tratável. Como a transformação[∂(m, µ)

∂(m,σ)

]−1

é bem

comportada, devemos ressaltar que foi possível simplificar a obtenção das condições críticas utilizando

apenas o anulamento do determinante jacobiano∂(h, µ)

∂(m,σ)= 0 para obter a equação 4.69 e utilizar esta

propriedade para simplificar a expressão 4.64. Mesmo assim, transcrever explicitamente a condição

crítica 4.75 ocuparia algumas páginas. Por isso, manteremos apenas a representação simbólica das

equações: a representação explícita pode ser obtida calculando-se as derivadas de segunda ordem de

acordo com o procedimento descrito acima em qualquer software de manipulação algébrica adequado.

4.6 Pressão lateralO potencial grande-canônico extensivo para um sistema bidimensional é dado pela relação termo-

dinâmica entre as variáveis conjugadas pressão lateral e área total, que segue da relação de Euler:

Ψ = −ΠAt. (4.76)

Fixando a área total At do sistema como sendo (Nlip +Nw) vezes a área a0 de um sítio, temos

Ψ = (Nlip +Nw)ψ =Ata0ψ = −ΠAt. (4.77)

Temos então uma expressão intensiva para a pressão lateral

Π = − ψa0, (4.78)

a partir da qual, junto com o valor da ocupação média σ, podemos obter isotermas de pressão × área

média por lipídio. Equivalentemente, podemos definir uma pressão lateral adimensional Π a partir da

relação termodinâmica, empregando o potencial grande-canônico expresso em unidades de J :

Ψ

J=Atψ

Ja0= −ΠAt → Π =

Π

J= − βψ

ja0= − tβψ

a0. (4.79)

A pressão lateral adimensional pode ser obtida diretamente da expressão para o potencial grande-

canônico 4.57, dividindo-o por −ja0 = −a0

t. Para obter a pressão lateral em newtons/metro, é neces-

sário conhecer a escala de energia J . Para isto, relacionaremos a temperatura crítica Tc do sistema

experimental, expressa em graus Kelvin, com a temperatura crítica adimensional do modelo tc,

tc =kBTcJ

→ J =kBTctc

. (4.80)

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4.7 Caso ciclo-2 68

4.7 Caso ciclo-2Para um intervalo de valores dos parâmetros do hamiltoniano encontramos, ao invés de um atrator

do tipo ponto fixo simples, órbitas de ciclo-2 no mapa dinâmico. Temos então uma solução numeri-

camente estável, mas que oscila entre dois valores para cada variável auxiliar, em gerações alternadas.

Para tratar este caso, faremos um procedimento semelhante ao tratamento do modelo de Ising anti-

ferromagnético, dividindo a árvore de Cayley em dois tipos de gerações alternadas, A e B, cada uma

possuindo suas variáveis auxiliares mA, σA, mB, σB. Para que isso possa ser feito é importante que,

na rede de Bravais que gostaríamos de tratar como uma rede hierárquica, cada sítio possua primeiros

vizinhos que pertençam exclusivamente à outra sub-rede. Pela equação 3.38, temos para cada sub-rede

i = (A,B)

µieff ≡ µilip − µiw − I. (4.81)

Se o sistema está em equilíbrio, o potencial difusivo entre as sub-redes é nulo [78], e temos que µilip−µiwpossui o mesmo valor quando calculado em qualquer sub-rede i. Portanto, podemos considerar nume-

ricamente µA = µB ≡ µ. No entanto, para obter a magnetização e a densidade através de derivadas

parciais do potencial termodinâmico, é necessário considerar inicialmente os campos µA, µB, hA, hB

como sendo independentes. Após a obtenção das equações de estado por derivação parcial, podemos

tomar µA = µB = µ, hA = hB = 0, assim como no caso homogêneo. Realizando o procedimento idên-

tico às seções anteriores, obtemos quatro, e não duas, relações de recorrência não-lineares acopladas,

simétricas pela permutação A→ B, B → A:

xAn = eµA+hAαq−1(xBn+1, y

Bn+1), yAn = ωeµ

A−hAγq−1(xBn+1, yBn+1), (4.82)

xBn−1 = eµB+hBαq−1(xAn , y

An ), yBn−1 = ωeµ

B−hBγq−1(xAn , yAn ), (4.83)

onde as funções α(x, y) e γ(x, y) são as mesmas definidas no caso homogêneo (sem ciclo), equações

4.43 e 4.44.

Os campos (hA, hB, µA, µB), expressos em termos do ciclo-2 (mA, σA) ≡ (mn, σn) = (mn−2, σn−2),

(mB, σB) ≡ (mn+1, σn+1) = (mn−1, σn−1), são dados por

e2hA =ω (σA +mA)

σA −mA

(γBαB

)q−1

, e2hB =ω (σB +mB)

σB −mB

(γAαA

)q−1

, (4.84)

e2µA =σ2A −m2

A

4ω (1− σA)2 (αBγB)1−q , e2µB =σ2B −m2

B

4ω (1− σB)2 (αAγA)1−q , (4.85)

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4.7 Caso ciclo-2 69

com as funções (αi, γi), i = A,B, definidas por

αi ≡1

2ej+k+`(σi +mi) +

1

2ek−j(σi −mi) + 1− σi, (4.86)

γi ≡1

2ek−j(σi +mi) +

1

2ej+k−`(σi −mi) + 1− σi. (4.87)

O potencial termodinâmico por sítio, dado pela média dos potenciais termodinâmicos por sítio

de cada uma das sub-redes, é expresso em função das quatro variáveis auxiliares (mA,mB, σA, σB) e

também é simétrico por permutação dos índices das sub-redes:

βψ = − (q − 2) ln 2 + 12 ln(1− σA) + 1

2 ln(1− σB) + 12(q − 2) ln

[ej+k+`(σA +mA)(σB +mB)

+ ej+k−`(σA −mA)(σB −mB) + 2ek−j(σAσB −mAmB) + 4(1− σAσB)]. (4.88)

Novamente, os parâmetros de ordem termodinâmicos na rede de BetheN são dados por

mA ≡ −2

(∂βψ

∂hA

)hB ,µA,µB

= −4e2hA

(∂βψ

∂e2hA

)hB ,µA,µB

= −4e2hA∂(βψ, e2hB , e2µA , e2µB )

∂(mA, σA,mB, σB)

[∂(e2hA , e2hB , e2µA , e2µB )

∂(mA, σA,mB, σB)

]−1

=xA − yA

xA + yA + 1

= ej+k+`(σA+mA)(σB+mB)−ej+k−`(σA−mA)(σB−mB)+2ek−j(mAσB−mBσA)+4mA(1−σB)ej+k+`(σA+mA)(σB+mB)+ej+k−`(σA−mA)(σB−mB)+2ek−j(σAσB−mAmB)+4(1−σAσB)

, (4.89)

mB ≡ −2

(∂βψ

∂hB

)hA,µA,µB

= −4e2hB

(∂βψ

∂e2hB

)hA,µA,µB

= −4e2hB∂(βψ, e2hA , e2µA , e2µB )

∂(mA, σA,mB, σB)

[∂(e2hB , e2hA , e2µA , e2µB )

∂(mA, σA,mB, σB)

]−1

=xB − yB

xB + yB + 1

= ej+k+`(σA+mA)(σB+mB)−ej+k−`(σA−mA)(σB−mB)−2ek−j(mAσB−mBσA)+4mB(1−σA)ej+k+`(σA+mA)(σB+mB)+ej+k−`(σA−mA)(σB−mB)+2ek−j(σAσB−mAmB)+4(1−σAσB)

, (4.90)

σA ≡ −2

(∂βψ

∂µA

)hA,hB ,µB

= −4e2µA

(∂βψ

∂e2µA

)hA,hB ,µB

= −4e2µA∂(βψ, e2hA , e2hB , e2µB )

∂(mA, σA,mB, σB)

[∂(e2µA , e2hA , e2hB , e2µB )

∂(mA, σA,mB, σB)

]−1

=xA + yA

xA + yA + 1

= ej+k+`(σA+mA)(σB+mB)+ej+k−`(σA−mA)(σB−mB)+2ek−j(σAσB−mAmB)+4σA(1−σB)ej+k+`(σA+mA)(σB+mB)+ej+k−`(σA−mA)(σB−mB)+2ek−j(σAσB−mAmB)+4(1−σAσB)

, (4.91)

NO fator 2 decorre do fato da rede de Nv sítios ter sido dividida em duas sub-redes deNv

2sítios cada uma.

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4.8 Transições de primeira ordem 70

σB ≡ −2

(∂βψ

∂µB

)hA,hB ,µA

= −4e2µB

(∂βψ

∂e2µB

)hA,hB ,µA

= −4e2µB∂(βψ, e2hA , e2hB , e2µA)

∂(mA, σA,mB, σB)

[∂(e2µB , e2hA , e2hB , e2µA)

∂(mA, σA,mB, σB)

]−1

=xB + yB

xB + yB + 1

= ej+k+`(σA+mA)(σB+mB)+ej+k−`(σA−mA)(σB−mB)+2ek−j(σAσB−mAmB)+4σB(1−σA)ej+k+`(σA+mA)(σB+mB)+ej+k−`(σA−mA)(σB−mB)+2ek−j(σAσB−mAmB)+4(1−σAσB)

, (4.92)

coincidindo com os cálculos utilizando os fatores de Boltzmann na rede de Bethe para cada sub-rede.

4.8 Transições de primeira ordemCom as expressões para as relações de recorrência dos parâmetros de ordem e do potencial termo-

dinâmico, podemos construir o diagrama de fase e as isotermas de pressão lateral × área para qualquer

conjunto de valores dos parâmetros {k, ¯, h, q, ω} do modelo. É possível obter as soluções numerica-

mente estáveis iterando as relações de recorrência para uma distribuição de valores iniciais, de maneira

a se assegurar a identificação de todos os atratores do mapeamento. Com isso, e com o valor do po-

tencial termodinâmico para cada atrator, podemos obter rapidamente um diagrama de fase preliminar

µ× t que serve de referência para a exploração qualitativa do espaço de parâmetros. Para se obter as

linhas de transição de primeira ordem, é preciso resolver numericamente as relações de recorrência com

mn = mn+1 = m, σn = σn+1 = σ ou, equivalentemente, xn = xn+1 = x e yn = yn+1 = y. Isto resulta

em duas equações transcendentes para cada par {m,σ}. Lembrando que as funções α e γ podem ser

expressas tanto em função de {x, y} quanto de {m,σ}, temos

Cm(m,σ) ≡ m− eµ+hαq−1(m,σ)− ωeµ−hγq−1(m,σ)

eµ+hαq−1(m,σ) + ωeµ−hγq−1(m,σ) + 1= 0, (4.93)

Cσ(m,σ) ≡ σ − eµ+hαq−1(m,σ) + ωeµ−hγq−1(m,σ)

eµ+hαq−1(m,σ) + ωeµ−hγq−1(m,σ) + 1= 0. (4.94)

Portanto, temos de resolver quatro equações transcendentes para dois pontos fixos estáveis distintos e

igualar os potenciais termodinâmicos das duas soluções simultaneamente, fixando µ ou t e resolvendo

para a outra variável. Denominando {mi, σi} os pontos fixos e zf = (tf ou µf ), temos as condições

para determinar as cinco coordenadas restantes da transição de primeira ordem a µ ou t constante:

Cm(mf1 , σ

f1 ; zf ) = 0, (4.95)

Cσ(mf1 , σ

f1 ; zf ) = 0, (4.96)

Cm(mf2 , σ

f2 ; zf ) = 0, (4.97)

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4.9 Pontos triplos 71

Cσ(mf2 , σ

f2 ; zf ) = 0, (4.98)

ψ(mf1 , σ

f1 ; zf ) = ψ(mf

2 , σf2 ; zf ). (4.99)

Na prática, a escolha de fixar tf ou µf depende da posição da linha de transição no diagrama de

fase: quando a transição ocorre aproximadamente a µ constante, é mais favorável fixar tf e resolver

para µf , e vice versa. Os casos intermediários tem de ser abordados de maneira individual, mas em

geral são menos problemáticos e qualquer umas das duas opções costuma ser eficaz. A solução do

sistema de equações é sensível ao conjunto de valores iniciais (σ01,m

01, σ

02,m

02, z0) e, por esse motivo,

é bastante útil poder construir rapidamente um diagrama de fase preliminar que guie a escolha de

(µ0, t0) e da opção de variável constante. Para que o sistema possa ser resolvido, é necessário que haja

pelo menos dois pontos fixos estáveis para os valores iniciais (µ0, t0), ou seja, que o ponto inicial esteja

localizado entre os limites de metaestabilidade (linhas espinodais) do diagrama de fase. Primeiramente,

as relações de recorrência para as variáveis auxiliares são iteradas a partir de uma distribuição de valores

iniciais até que haja convergência, considerada arbitrariamente como uma variação menor do que 10−30

dos valores entre iterações consecutivas. Estes valores são então designados como (σ01,m

01, σ

02,m

02) e

incluídos nas condições iniciais para a solução do sistema de cinco equações que determina a linha de

primeira ordem. Como a expressão para o jacobiano do sistema é longa e, portanto, relativamente

lenta para ser calculada, o método de Newton é mais demorado. No entanto, o método da secante

é mais sensível às condições iniciais, e o tempo gasto na adequação das mesmas pode fazer com que

seja preferível a utilização do método de Newton. Dadas as coordenadas (σf1 ,mf1 , σ

f2 ,m

f2 , µf , tf ) de

um ponto de transição, a variável mantida fixa é incrementada de um passo, geralmente da ordem de

10−2 a 10−3, e as coordenadas obtidas anteriormente são utilizadas como valores iniciais para a nova

solução do sistema. Obviamente, na proximidade de um ponto crítico, os valores (σf1 ,mf1) e (σf2 ,m

f2)

começam ambos a se aproximar do valor crítico (σc,mc) e este sistema de equações eventualmente para

de convergir, pois os pontos iniciais se tornam muito próximos. Como temos condições de obter as

coordenadas dos pontos críticos, conforme explicitado na seção 4.5, este problema pode ser antecipado

e contornado.

4.9 Pontos triplosPara obter as coordenadas dos pontos triplos, são resolvidas oito equações simultâneas: seis para

três pontos fixos estáveis distintos, e mais duas igualando os respectivos potenciais termodinâmicos de

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4.9 Pontos triplos 72

cada um deles:

Cm(mtr1 , σ

tr1 ; µtr, ttr) = 0, (4.100)

Cσ(mtr1 , σ

tr1 ; µtr, ttr) = 0, (4.101)

Cm(mtr2 , σ

tr2 ; µtr, ttr) = 0, (4.102)

Cσ(mtr2 , σ

tr2 ; µtr, ttr) = 0, (4.103)

Cm(mtr3 , σ

tr3 ; µtr, ttr) = 0, (4.104)

Cσ(mtr3 , σ

tr3 ; µtr, ttr) = 0, (4.105)

ψ(mtr1 , σ

tr1 ; µtr, ttr) = ψ(mtr

2 , σtr2 ; µtr, ttr), (4.106)

ψ(mtr1 , σ

tr1 ; µtr, ttr) = ψ(mtr

3 , σtr3 ; µtr, ttr). (4.107)

Com isso, obtemos as coordenadas (µtr, ttr) do ponto triplo, além dos seis valores para os três pares

(σtri ,mtri ) correspondentes às três fases coexistentes no ponto triplo.

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73

5Análise e resultados

A título de comparação com a figura 4.1 (b), é exibido na figura 5.1 um diagrama de fase para os

mesmos valores de ω e q, e com parâmetros k e ¯ corrigidos pelo fator q incorporado aos acoplamentos

no tratamento de campo médio. A única exceção é o valor mais alto de ¯/q, onde utilizamos um

valor ligeiramente maior (0,8 ao invés de 0,7), para demonstrar o diagrama de fase qualitativamente

distinto gerado por esse parâmetro. O valor ¯/q = 0,7, em aproximação de pares, ainda gera um

diagrama de fases qualitativamente igual aos valores mais baixos. É importante notar que, como o

valor do J efetivo é diferente para cada aproximação, esta comparação é meramente qualitativa. No

entanto, podemos ver que as temperaturas críticas e de transições de primeira ordem diminuem quando

utilizamos a aproximação de pares, como esperado. Diferentemente dos diagramas de fase de campo

médio correspondentes à figura 4.1, os diagramas de fase em aproximação de pares ajustados para o

DMPC e o DPPC, apresentados nas figuras 5.6 e 5.9, não possuem o ponto triplo e o ponto crítico

G-LE presentes na figura 5.1, e sim um ponto crítico LC-LE, ausente na figura 4.1. Entretanto, com

uma escolha adequada de parâmetros, espera-se o surgimento de um ponto crítico LC-LE também para

a solução de campo médio, mas isto não foi explorado na ref. [69], de onde a figura 4.1 foi extraída.

Para o caso q = 4, k = 4, ¯= 2,4, e µ = −3,6925 é possível constatar, conforme mostrado na figura 5.2,

que a reentrância observada no trabalho em aproximação de campo médio, apresentada nas figuras 5c

e 5f da ref. [69], continua existindo na aproximação de pares.

Para comparar os resultados teóricos de nosso modelo com dados experimentais, foram escolhidas

duas substâncias: o dipalmitoilfosfatidilcolina (DPPC) e o dimiristoilfosfatidilcolina (DMPC). Ambas

são zwitteriônicas, ou seja, possuem momento de dipolo na cabeça polar, mas não se ionizam em solução

aquosa, o que é importante, pois o modelo não leva em consideração a possibilidade da existência de

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Capítulo 5: Análise e resultados 74

_

Figura 5.1: Diagramas de fase para ω = 1000, q = 4 e os parâmetros k = 4, ¯ = 1,6; 2; 2,4; 3,2,com o ponto triplo e o ponto crítico assinalados com círculos e triângulos negros, caso existam.Estes parâmetros são apenas para fins de comparação com o trabalho de campo médio: nãorefletem uma escolha realista de parâmetros para a modelagem dos experimentos.

interações eletrostáticas. Existe um modelo semelhante que trata a possibilidade de dissociação iônica

das cabeças dos FLs [79], mas que não inclui sítios vazios no tratamento estatístico. O DPPC e

o DMPC são FLs saturados, com duas caudas hidrocarbônicas possuindo 16 e 14 carbonos, e com

temperaturas críticas geralmente aceitas como sendo aproximadamente 40◦C e 20◦C, respectivamente.

Os parâmetros ω foram obtidos dos cálculos teóricos da ref. [51b]. Para uma cauda consistindo em

duas cadeias hidrocarbônicas saturadas, cada uma com M carbonos de comprimento, ω ≈ 6(3M−6).

A princípio, seria possível inferir um valor aproximado a partir de medidas de entalpia de transição

mas, como os erros relativos das medidas disponíveis são grandes, a expressão teórica é mais prática e

suficientemente adequada para nossos propósitos. A coordenação escolhida foi q = 6 para reproduzir

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Capítulo 5: Análise e resultados 75

Figura 5.2: Densidade superficial σ em função da temperatura para os parâmetros q = 4, k = 4,¯ = 2,4, ω = 1000 e µ = −3,6925. É possível observar que a transição LC-LE não é direta: háuma reentrância da fase G entre as fases líquidas LE e LC. Como a reentrância é extremamentepequena, se torna invisível na escala da figura 5.1.

a simetria hexagonal observada na fase LC. A princípio, poderíamos escolher a0 como sendo a área

mínima por FL antes do rompimento da membrana. No entanto, por conta da expansão para a terceira

dimensão que ocorre a altas pressões laterais, além da pequena variação de área ao se comprimir a

fase LC, tomaremos o parâmetro de rede do modelo como sendo a própria área da fase LC para cada

FL estudado, ou seja, consideraremos a0 = aord. Os parâmetros k e ¯ foram ajustados através de um

conjunto de cinco equações acopladas, resolvidas ou para {m,σ, µ, t, k} com ¯fixo, ou para {m,σ, µ, t, ¯}

com k fixo. É indiferente resolver para um conjunto ou outro de parâmetros fixos, pois o conjunto final

de parâmetros é único para cada substância. As equações são, respectivamente, duas para as variáveis

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5.1 Caso ciclo-2 76

auxiliares, duas para a condição crítica e uma para a pressão crítica:

Cm(mc, σc; µc, tc, ¯c) = 0, (5.1)

Cσ(mc, σc; µc, tc, ¯c) = 0, (5.2)

η(1)(mc, σc; µc, tc, ¯c) = 0, (5.3)

η(2)(mc, σc; µc, tc, ¯c) = 0, (5.4)

Π(mc, σc; µc, tc, ¯c) = pc = − 1

a0tc βcψ(Tc, h = 0, µc), (5.5)

lembrando que há expressões explícitas para as condições η(1) = 0 e η(2) = 0, dadas pelas equações

4.69 e 4.75.

A temperatura crítica experimental é necessária para se determinar a escala de energia na última

equação e resolvê-la em unidades de N/m. Como a transição LC-LE acontece a uma densidade próxima

de σ = 1, utilizamos um fator de correção para a pressão igual aln 3

2 ln 3/2, que é a razão entre a

temperatura crítica exata e em aproximação de pares para o modelo de Ising bidimensional de spin 1/2

na rede triangular (q = 6). Para encontrar o valor do parâmetro mantido fixo, ¯ou k, que melhor ajusta

os resultados do modelo aos dados experimentais, as cinco equações foram resolvidas para diversos de

seus valores e, através de aproximações sucessivas, foi escolhido aquele que reproduzia a pressão de

coexistência associada às transições das menores temperaturas presentes nos trabalhos experimentais,

contanto que fosse possível identificar com alguma precisão o início e o fim da transição, ou seja,

aos pontos experimentais relativos à temperatura mais baixa na figura 5.6 e à segunda mais baixa na

figura 5.9. As aproximações sucessivas permitem que se obtenha o valor do parâmetro mantido fixo com

precisão arbitrária. A precisão numérica utilizada internamente para os cálculos foi de pelo menos 800

dígitos e as soluções, obtidas com acurácia de pelo menos 10 casas decimais. Foi escolhida a utilização

desta precisão padrão elevada devido a problemas numéricos encontrados a baixas temperaturas em

cálculos iniciais.

5.1 Caso ciclo-2Embora esteja bem estabelecido [74] que o diagrama de fase do modelo BEG sem termos cúbicos

do tipo sis2j contém fases alternadas (staggered), esta fase se manifesta apenas na presença de campo

magnético H diferente de zero ou acoplamento biquadrático K negativo. Em contraste ao modelo

BEG, o modelo DLG apresenta esta fase alternada mesmo para todos os acoplamentos positivos, uma

consequência do estado altamente degenerado que pode ser interpretado como um campo magnético

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5.1 Caso ciclo-2 77

H dependente da temperatura. Esta fase modulada possui mA 6= mB 6= 0, σA 6= σB 6= 0, podendo ser

classificada, dentro da analogia com sistemas magnéticos, como uma fase ferrimagnética (FI). Embora

não esteja no escopo deste estudo, é possível que haja relação entre esta fase modulada e a fase ripple

que se manifesta em bicamadas fosfolipídicas [30b, 30d, 80]. Na figura 5.3, apresentamos um perfil de

magnetização contendo uma transição de primeira ordem entre as fases LC e FI e uma transição de

segunda ordem, que se manifesta como uma bifurcação, entre as fases FI e LE.

Figura 5.3: Manifestação da fase modulada ferrimagnética (FI) para os parâmetros k = 2,¯= 5,8, ω = 4× 104, q = 6 e µ = −4. Da fase LC para a fase FI há uma transição de primeiraordem, enquanto a transição entre a fase FI e a fase LE é contínua, de segunda ordem. Nafase FI, são mostradas as magnetizações das duas sub-redes e a magnetização média da redecompleta.

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5.2 DMPC 78

5.2 DMPCPara obter os dados relativos às monocamadas de DMPC, que consistem nas temperaturas de

transição e suas pressões e variações de área por FLs correspondentes, foram comparados três trabalhos

experimentais [37b, 81]. As comparações são apresentadas nas figuras 5.4 e 5.5. É possível observar

que não há boa concordância entre os diferentes experimentos, portanto será utilizado o conjunto de

dados mais completo, obtido por Nielsen et al. [37b], e que prevê corretamente, pela variação da área

na transição, que a temperatura crítica deve ser por volta de 20◦C e a pressão crítica, por volta de 43

mN/m. Utilizamos o parâmetro de rede coincidindo com a área por FL no estado ordenado, a0 = aord =

46,9Å, obtida através da abscissa da intersecção da linha pontilhada que indica a coexistência LC-LE,

praticamente vertical do lado da fase LC, a partir da figura 5.7 contendo as isotermas experimentais.

Dado o comprimento das duas caudas saturadas, de 14 carbonos, temos da ref. [51b] ω ≈ 4 × 104, e

utilizamos este valor nos ajustes.

Figura 5.4: Diferença de área entre os estados LC e LE em função da temperatura, obtidasde medidas experimentais diferentes: círculos, dados extraídos da ref. [81a]; quadrados, daref. [37b]; losangos, da ref. [81b]. No primeiro trabalho, as diferenças de área são dadas direta-mente. Do segundo trabalho estimou-se a área do estado ordenado aord = 46,9Å2 e consideramosa0 = aord. O terceiro trabalho mencionado fornece apenas as áreas do estado desordenado emfunção da temperatura, mas foi possível estimar, através das isotermas, a área do estado or-denado, de cerca de 46Å2, em concordância com a literatura. As linhas ligando os pontos sãoapenas para auxiliar a visualização.

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5.2 DMPC 79

Figura 5.5: Comparação entre as pressões de coexistência e diferenças de áreas, obtidas dosmesmos trabalhos experimentais da figura 5.4.

Os dados experimentais extraídos da ref. [37b] estão reunidos na tabela 5.1. Os dados numéricos

experimentais, quando não disponíveis diretamente (no caso das temperaturas), foram extraídos através

do programa de código aberto Engauge Digitizer, considerando os pontos de transição como sendo as

descontinuidades de derivada (“cotovelos”) das isotermas. Embora o erro das medidas experimentais

de pressão lateral seja, em geral [42, 43c, 82], de cerca de 0,1 mN/m, utilizamos os valores numéricos

com a maior precisão que a digitalização dos gráficos nos permitiu, pois estamos trabalhando com

temperaturas muito próximas à temperatura crítica, da ordem de pelo menos 0,97× Tc.

O resultado do ajuste está sumarizado na tabela 5.2 e o diagrama de fase pressão × tempera-

tura, obtido através dos parâmetros ajustados, é apresentado na figura 5.6. As isotermas teóricas

correspondentes aos parâmetros ajustados e as isotermas experimentais são comparadas na figura 5.7.

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5.2 DMPC 80

a (Å2) Π (mN/m) T (◦C)

57,4372 21,7682 12

56,9653 22,9849 13

56,0887 25,4179 14

55,2798 27,4935 15

53,8639 31,2864 16

53,3245 32,7892 17

52,6503 34,5783 18

52,0437 36,0100 19

48,0704 43,3160 20

Tabela 5.1: Dados experimentais extraídos da ref. [37b], relativos à transição de primeira ordemLC-LE para o DMPC. A última linha da tabela é referente ao ponto crítico (ac, Πc, Tc).

k ¯ ω a0 (Å2)

6,51200 9,30161 4× 104 46,9

tc µc mc ac (Å2) J (Joules)

5,2504 −5,30818 −0,7337 47,3645 7,7×10−22

Tabela 5.2: Área (a0) e degenerescência (ω) obtidas da literatura e parâmetros ajustados (k, ¯)para aproximar a temperatura e pressão críticas e a pressão de coexistência a 12◦C e resultadosdo modelo em aproximação de pares: temperatura crítica reduzida (tc), potencial químicocrítico (µc), magnetização crítica (mc), área crítica (ac) e escala de energia (J).

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5.2 DMPC 81

6. 8. 10. 12. 14. 16. 18. 20.TH L15.

20.

25.

30.

35.

40.

45.PHmN�mL

DMPC

LC

LE

Figura 5.6: Diagrama de fase temperatura × pressão de coexistência para o DMPC. A linhatracejada representa a transição de primeira ordem LE-LC obtida pelo modelo teórico, quetermina no ponto crítico (círculo negro). Os dados experimentais extraídos da ref. [37b], cons-tantes da tabela 5.1, são representados por triângulos negros. O ponto relativo à temperaturamais baixa, em conjunto com o ponto crítico experimental (triângulo vazio), foram utilizadospara ajustar simultaneamente os valores dos parâmetros {k, ¯}.

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5.2 DMPC 82

40 50 60 70 80 90 100 110aHÞ²L0

10

20

30

40

50PHmN�mL

DMPC

Figura 5.7: Acima: Isotermas obtidas através do modelo teórico, utilizando os parâmetrosajustados da tabela 5.2. Abaixo: Isotermas experimentais, extraídas da ref. [37b], partindo datemperatura de 12◦C (isoterma associada ao ponto a), aumentando em passos de 1◦C até atemperatura crítica de 20◦C (isoterma associada ao ponto c).

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5.3 DPPC 83

5.3 DPPCAdotamos o mesmo procedimento utilizado na seção anterior para realizar a análise do DPPC.

Na figura 5.8 são comparados os dados extraídos de dois trabalhos experimentais [37b, 83]. Podemos

observar que, entre estes trabalhos, há melhor concordância dos resultados, embora na proximidade da

temperatura crítica eles apresentem alguma divergência. Na ref. [83] não são apresentadas isotermas

para as monocamadas de DPPC puro, portanto utilizaremos novamente os dados extraídos do trabalho

de Nielsen et al. [37b], apresentados na tabela 5.3, a fim de ajustar os parâmetros do modelo teórico.

Este trabalho mede uma temperatura crítica de cerca de 40◦C, para uma pressão crítica de cerca de 33

mN/m. Pela estimativa da ref. [51b], temos ω ≈ 3,5×105. A área do estado LC difere um pouco entre

trabalhos experimentais diferentes [43a, 45, 64], portanto utilizamos o valor a0 = aord = 48Å2, presente

em trabalho mais recente [42] para ajustar k e ¯. Os resultados do ajuste podem ser encontrados na

tabela 5.4. O diagrama de fase pressão de coexistência × temperatura, calculado através do modelo

teórico com os parâmetros ajustados, é apresentado na figura 5.9.

Embora as isotermas do trabalho utilizado como fonte dos dados experimentais não estejam muito

horizontais, como seria de se esperar para uma transição de primeira ordem entre apenas dois compo-

nentes, os trabalhos [28c, 42] que apresentam isotermas horizontais se limitam a um intervalo restrito

de temperaturas, impedindo a determinação da pressão crítica. Como a isoterma a 20◦C não possui

descontinuidades visualmente identificáveis, é difícil determinar a pressão de coexistência das fases e

as áreas correspondentes aos estados LC e LE. Por esse motivo, a isoterma utilizada para o ajuste dos

parâmetros foi a de 25◦C. No entanto, para fins de comparação, a figura 5.10 inclui também a isoterma

de 20◦C.

a (Å2) Π (mN/m) T (◦C)

79,8887 2,85714 20

70,1051 7,63975 25

61,3892 16,4596 30

55,2305 24,472 35

48,3669 32,9814 40

Tabela 5.3: Dados experimentais extraídos da ref. [37b], relativos à transição de primeira ordemLC-LE para o DPPC. A última linha da tabela é referente ao ponto crítico (ac, Πc, Tc).

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5.3 DPPC 84

æ

æ

æ

æ

æà

à

à

à

à

à

æ

æ

æ

æ

æà

à

à

à

à

à

20 25 30 35 40TH L0

10

20

30

40

PHmN�mL

DPPC

Figura 5.8: Comparação entre as pressões de coexistência e temperaturas de transição experi-mentais para o DPPC. Os dados representados por círculos foram extraídos da ref. [37b] e osdados representados por quadrados, da ref. [83].

k ¯ ω a0 (Å2)

10,20970 11,17619 3,5× 105 48

tc µc mc ac (Å2) J (Joules)

5,2418 −8,9758 −0,8069 48,5833 8,2× 10−22

Tabela 5.4: Área (a0) e degenerescência (ω) obtidos da literatura e parâmetros (k, ¯) ajustadospara aproximar a temperatura e pressão críticas e a pressão de coexistência a 25◦C e resultadosdo modelo em aproximação de pares: temperatura crítica reduzida (tc), potencial químicocrítico (µc), magnetização crítica (mc), área crítica (ac) e escala de energia (J).

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5.3 DPPC 85

0 10 20 30 40TH L0

10

20

30

40

PHmN�mL

DPPC

LCLE

Figura 5.9: Diagrama de fase temperatura × pressão de coexistência para o DPPC. O resultadoobtido através do modelo teórico é representado pela linha tracejada, indicando a transição deprimeira ordem LC-LE, que termina num ponto crítico (círculo negro). Os dados experimentaisextraídos da ref. [37b], constantes da tabela 5.3, são representados por triângulos negros. Oponto relativo à segunda temperatura mais baixa, em conjunto com o ponto crítico experimental(triângulo vazio), foram utilizados para ajustar simultaneamente os valores dos parâmetros{k, ¯}.

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5.3 DPPC 86

40 50 60 70 80 90 100 110 120aHÞ²L0

5

10

15

20

25

30

35

40PHmN�mL

DPPC

Figura 5.10: Acima: Isotermas calculadas através do modelo teórico, utilizando os parâme-tros ajustados da tabela 5.4. Abaixo: Isotermas experimentais, extraídas da ref. [37b], comas temperaturas indicadas. As temperaturas das isotermas calculadas teoricamente são corres-pondentes às do trabalho experimental.

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87

6Considerações finais

Podemos observar que o modelo teórico não reproduz totalmente as características das transições

observadas experimentalmente para o DMPC, e prevê isotermas bastante inconsistentes para o DPPC.

No último caso, é possível que a inconsistência decorra da qualidade das próprias medidas experi-

mentais. Notavelmente, o diagrama de fase para os parâmetros encontrados no ajuste às isotermas

experimentais, nos dois casos, não contém a fase G. Além disso, o modelo prevê maiores variações de

área em função da temperatura e uma pressão lateral maior, para áreas maiores, do que as observadas

experimentalmente, em especial para o DPPC. Embora isso possa ser consequência da aproximação de

pares, é possível que o relaxamento da condição h = 0 e uma melhor determinação da degenerescência

ω ajudem a melhorar os resultados. A escala de energia prevista pelo modelo, da ordem de 10−22

joules, é uma ordem de grandeza menor do que o valor proposto na análise do mesmo modelo na

aproximação de campo médio [69], mas é consistente entre as duas substâncias estudadas, o que seria

de se esperar para FLs com o mesmo tipo de cabeça. Verificamos a veracidade da proposta do trabalho

de campo médio, de que a modelagem dos FLs provavelmente necessitaria de valores de ¯ maiores do

que os lá considerados para a ocorrência da transição LE-LC. A observação da fase FI em um espaço

de parâmetros de interação estritamente positivo é um fato bastante interessante, podendo ter relação

com a ocorrência da fase ripple em bicamadas fosfolipídicas, e merece um estudo posterior mais apro-

fundado. Seria proveitoso verificar a fidelidade dos resultados aqui obtidos através de simulações do

tipo Monte Carlo, o que foge também do escopo deste trabalho. O modelo na rede despreza entropia

translacional, e faz com que as isotermas sejam praticamente verticais na fase LC, diferentemente das

isotermas experimentais, onde a compressibilidade da fase LC, proporcional ao inverso da derivada da

isoterma, é menor do que a da fase LE, mas ainda não tão pequena quanto prevê o modelo. Já foi

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Capítulo 6: Considerações finais 88

sugerido [50b] que utilizar um sistema de dois níveis para modelar o estado de desordem das caudas

hidrocarbônicas é insuficiente. A complexidade do sistema real não é completamente capturada pelo

modelo, extremamente simplificado, e que não leva em conta fenômenos intrinsecamente tridimensio-

nais de interação com o bulk. É possível que a abordagem do modelo de Nagle seja mais adequada para

descrever a transição LC-LE, pois descreve de forma mais realística e detalhada os fenômenos de ex-

clusão volumétrica responsáveis por essa transição. No entanto, a análise do modelo DLG é um ponto

de partida interessante para se estudar transições de fase e fenômenos críticos em duas dimensões, e

a aproximação de pares implementada através de cálculos exatos na rede de Bethe é uma ferramenta

útil. Além da utilização de ferramentas teóricas complementares adequadas, considerando hamiltoni-

anos mais sofisticados e outras topologias de rede para se estudar fenômenos mais complexos como

frustração, não-ergodicidade e mapas dinâmicos caóticos, ela representa uma aproximação um pouco

mais refinada do que a aproximação de campo médio tradicional.

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89

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Wu, T. T., The two-dimensional Ising model , 2nd ed. (Dover Publications, Mineola, NY,

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104

AModelo de Ising na rede de Bethe

A aproximação de pares de Bethe–Peierls consiste em, partindo de um hamiltoniano microscópico,

encontrar a função de partição do sistema a partir da solução exata para um cluster formado por

um sítio central e seus q primeiros vizinhos, os quais estão submetidos a um campo efetivo médio

que representa o restante da rede. Assim, a aproximação de pares pode ser considerada uma aproxi-

mação de campo médio, uma vez que apresenta os mesmos expoentes críticos da solução de campo

médio [48]. No entanto, por resolver exatamente apenas um cluster de primeiros vizinhos, correlações

entre spins vizinhos são fracamente preservadas. Podemos considerar a aproximação de campo médio

habitual como uma aproximação de ordem zero, que ignora as flutuações espaciais dos spins e sua

correlação, i.e., se toma 〈SiSj〉 = 〈Si〉〈Sj〉, enquanto a aproximação de Bethe–Peierls é de primeira

ordem, resolvendo exatamente a primeira camada de primeiros vizinhos e as camadas subsequentes

em campo médio, isto é, considerando os primeiros vizinhos de um sítio arbitrário como submetidos a

um campo efetivo que representa o resto da rede. Diferentemente do tratamento de campo médio da

seção 3.2, onde os parâmetros de ordem do modelo são obtidos através de extremação de um funcional

do potencial termodinâmico apropriado, neste caso encontramos o campo efetivo e a magnetização

através da imposição de autoconsistência das equações de estado para o sítio central e para os sítios

periféricos. Para um modelo em uma rede de Bravais qualquer, esse procedimento resulta em uma

solução aproximada, chamada aproximação de Bethe–Peierls [46, 47].H Porém, desconsiderando efei-

tos de superfície, o limite termodinâmico da solução exata do modelo em uma rede hierárquica de

HAlguns autores incluem também P. R. Weiss [84] na nomenclatura desta aproximação [85], que no entantonão deve ser confundido com Pierre Ernest Weiss, associado à aproximação de campo médio de Curie–Weiss–Kac! [75].

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A.1 Árvore de Cayley e rede de Bethe 105

topologia simplificada chamada “árvore de Cayley” é equivalente a esta aproximação autoconsistente

para o modelo de Ising numa rede regular, razão pela qual chama-se “rede de Bethe”8 a árvore de

Cayley sem efeitos de superfície [86]. Nas próximas seções serão apresentadas, a título de introdução

aos procedimentos adotados na seção 4.2, a solução exata recursiva para o modelo de Ising na rede de

Bethe e a aproximação de Bethe–Peierls para o modelo de Ising na rede de Bravais, e será mostrado

que as duas soluções são idênticas. Porém, diferentemente da seção 4.2, aqui trataremos a solução na

rede de Bethe com a equação de recorrência para o campo efetivo, e não para o parâmetro de ordem,

no caso, a magnetização. Na prática, não existe diferença no resultado final caso se opte por um ou

outro método. A consequência de se resolver exatamente um modelo na rede de Bethe é que a solução

termodinâmica se relaciona com os atratores (pontos fixos ou órbitas periódicas estáveis) de um mapa

dinâmico, de maneira semelhante a procedimentos de renormalização. Isto é uma grande vantagem,

pois para modelos mais simples as equações de recorrência sempre convergem a um ponto fixo, inde-

pendentemente das condições iniciais. Por outro lado, pode ser uma abordagem útil para a análise de

modelos que descrevam sistemas mais complexos, como vidros de spin ou enovelamento de proteínas,

que podem possuir comportamento não-ergódico ou atratores estranhos no espaço de fase [87].

A.1 Árvore de Cayley e rede de BetheUma árvore de Cayley consiste em um grafo criado a partir de um sítio central, ao qual se conectam

q primeiros vizinhos, que chamaremos coletivamente de primeira geração. Conectados a cada um dos

primeiros vizinhos do sítio central, temos adicionalmente q−1 sítios, ou a segunda geração. Procedendo

assim N vezes, obtemos um grafo regular (figura A.1) com uma propriedade notável e outra indesejada.

Podemos observar facilmente que uma árvore de Cayley não possui circuitos fechados: há apenas

um caminho possível entre quaisquer dois sítios distintos da árvore. Por outro lado, temos que a

superfície do grafo, ou seja, o conjunto de sítios mais distantes do sítio central, que possuem apenas

um primeiro vizinho, cresce muito rapidamente. É trivial notar que o número de sítios da superfície

para uma árvore de N gerações é dado por

Ns = q

N − 1 vezes esse fator︷ ︸︸ ︷(q − 1) . . . (q − 1) = q(q − 1)N−1 . (A.1)

8É importante notar que “rede” talvez não seja a denominação mais adequada, dado que, de fato, trata-sede uma pseudo-rede, mas é a nomenclatura mais comum na literatura.

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A.1 Árvore de Cayley e rede de Bethe 106

n=N=5

n=4

n=3

n=2

n=1

n=0

Figura A.1: Representação de uma árvore de Cayley de coordenação q = 3 e N = 5 gerações,sendo a geração do spin central denotada por n = 0 e a última geração, da superfície, porn = N = 5. Note que os sítios da última geração possuem apenas um vizinho, correspondentea um sítio da penúltima geração.

O número total de sítios da árvore, Nt, éI

INitidamente, para que esta expressão esteja bem definida, precisamos de q 6= 2. Para q = 2, recuperamos

o modelo de Ising unidimensional e temos Nt = 1 + 2N , Ns = 2. Neste caso, para N → ∞,Ns

Nt= 0, e os dois

problemas são formalmente idênticos.

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A.1 Árvore de Cayley e rede de Bethe 107

Nt = 1 + q + q(q − 1) + q(q − 1)2 + · · ·+ q(q − 1)N−1 = 1 + qN−1∑n=0

(q − 1)n

= 1 + q

[1− (q − 1)N

1− (q − 1)

]= 1 + q

[(q − 1)N − 1

q − 2

]=q(q − 1)N − 2

q − 2, (A.2)

e o número total de ligações (bonds) bt é

bt = 0 + q + q(q − 1) + q(q − 1)2 + · · ·+ q(q − 1)N−1 = qN−1∑n=0

(q − 1)n =q(q − 1)N − q

q − 2. (A.3)

Temos então a proporção entre o número de sítios de superfície e o número total de sítios dada por

Ns

Nt=q(q − 2)(q − 1)N−1

q(q − 1)N − 2. (A.4)

O limite termodinâmico N →∞ dessa expressão é claramente (q− 2)/(q− 1), de maneira que, exceto

no caso unidimensional (q = 2), os efeitos de superfície se manifestam mesmo no sistema de tamanho

infinito. Neste limite, obtemos também a razão limN→∞

bt/Nt = 1.

Podemos definir “dimensão” de várias maneiras, e nem sempre elas são iguais para um mesmo

objeto matemático [88]. Uma maneira de definir a dimensão fractal de uma rede discreta é contar a

variação do número de sítios no interior de uma hiperesfera de raio r em função deste mesmo raio. Em

geral, para física, sejam de Bravais ou fractais, o número de sítios escala com o raio através de uma lei

de potência. Podemos supor então

Nt = Ard. (A.5)

Dessa maneira, dimensões não-inteiras podem ser calculadas numericamente para os diferentes tipos

de conjuntos de pontos através da equação

d =lnNt − lnA

ln r. (A.6)

Na árvore de Cayley, r é equivalente à distância em termos de gerações, e temos

limN→∞

ln[q(q−1)N−2

q−2

]lnN

∝ ln (q − 1) limN→∞

N

lnN=∞ , (A.7)

pois a superfície cresce de maneira exponencial. Portanto, a árvore de Cayley completa é profundamente

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A.2 Solução exata na rede de Bethe 108

diferente de uma rede de Bravais, no sentido de que sua dimensão é mal definida quando se usa

qualquer definição de dimensão fractal que presuma um comportamento de lei de potênciaA . Porém,

podemos desconsiderar os efeitos de superfície se analisarmos sítios bastante distantes dela. A chamada

“rede de Bethe” é composta por sítios distantes o suficiente da última camada para que não sejam

influenciados pela densidade de estados da superfície, a qual eventualmente decai com a distância

à superfície. Embora estejamos analisando uma rede heterogênea que possui estrutura topológica

de árvore, sem ciclosd , podemos desconsiderar a contribuição da superfície através da imposição de

simetria translacional. Portanto, a rede de Bethe pode ser entendida como uma rede de Bravais onde

cada sítio é um sítio central de uma árvore de Cayley infinita.

A.2 Solução exata na rede de BetheQuando consideramos o hamiltoniano de Ising na rede de Bethe, podemos nos utilizar do fato de

que, ao removermos o i-ésimo sítio da n-ésima geração (n 6= 0), separamos as gerações superiores desse

ramo específico em q−1 sub-ramos hierárquicos não-conectados entre si. Cada um tem por raiz um sítio

da geração n+ 1 do ramo que tinha por raiz o sítio removido. Podemos ver isto de maneira mais clara

na figura A.2, que representa um ramo da figura A.1 com raiz no sítio de geração zero. No caso n = 0

vemos que remover o spin central separa a árvore inteira em q (e não q− 1) ramos, e precisamos tratar

este caso separadamente. Podemos então definir uma função de partição parcial para um ramo de forma

que ela seja recursivamente o produto de funções de partição parciais semelhantes, mas dos sub-ramos

de gerações superiores, e da influência do sítio que conecta os ramos. Definiremos abaixo a função de

partição parcial, ou traço parcial, da penúltima geração, e mostraremos que aplicando o procedimento

recursivo até o spin central ela nos permite obter uma equação de estado para a magnetização. Esse

procedimento guarda semelhança com o caso unidimensional, onde a aplicação sucessiva da matriz de

transferência adiciona sítios na cadeia, e também procedimentos de renormalização no espaço real, do

tipo Kadanoff.

ANeste sentido, dizer que a dimensão da árvore de Cayley é infinita seria talvez um abuso de linguagem, poissuas propriedades vão contra as hipóteses das próprias definições de dimensão consideradas.

dOutras redes de interesse no que diz respeito à estrutura topológica são, por exemplo, o cactus de Husimi [89],por permitir a obtenção de soluções exatas de maneira semelhante à rede de Bethe, e a rede de Kagomé, porser altamente frustrada [90].

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A.2 Solução exata na rede de Bethe 109

n=0

n=1

n=4

n=3

n=2

n=N=5

Figura A.2: Esta imagem representa um dos 3 ramos da árvore apresentada na figura A.1 quepossuem como raiz o sítio central (geração n = 0). Vemos que podemos subdividir este ramoprogressivamente em q−1 = 2 sub-ramos idênticos ao remover o sítio que conecta os sub-ramos.

Começamos definindo o hamiltoniano de Ising para a árvore de Cayley:

H = −J∑(i,j)

σiσj −H∑i

σi, σi = ±1, (A.8)

onde os índices (i, j) indicam pares de primeiros vizinhos de uma árvore de Cayley de coordenação q

composta por um spin central (n = 0) e N + 1 gerações` . Podemos também definir um hamiltoniano

parcial para um spin j da penúltima geração (com n = N , N � 1), imediatamente anterior à superfície,

que só interage com (q − 1) spins da superfície, de geração N + 1:

HN = −Jσ(N)j

q−1∑i=1

σ(N+1)i −H

q−1∑i=1

σ(N+1)i . (A.9)

`Para que não haja confusão: estamos definindo as gerações de maneira que a geração n = N+1 correspondaà superfície da árvore, apenas por conveniência na notação.

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A.2 Solução exata na rede de Bethe 110

Vale notar que temos para os sítios da superfície HN+1 = 0, pois não existe nenhuma geração superior

n = N + 2 com a qual eles interajam. Partindo deste hamiltoniano relativo à geração N , podemos

obter uma função de partição parcial@ QN associada ao traço de e−βHN somando explicitamente sobre

os estados σ(N+1)i = ±1, ou seja, realizando um traço parcial sobre os estados dos sítios da última

geração, correspondentes à superfície da árvore. Designando σ(N)j ≡ σN para simplificar a notação e

utilizando as definições k ≡ βJ , h ≡ βH, podemos escrever QN (σN ) = Tr{σ(N+1)

i }e−βHN como

QN (σN ) =

q−1∏i=1

[exp (−βJσN − βH) + exp (βJσN + βH)] = [2 cosh (kσN + h)]q−1 . (A.10)

Nos será útil expressar essa equação na forma

QN (σN ) = AN exp (η′NσN ) . (A.11)

Para determinar a constante AN e o campo efetivo η′N , consideramos os casos σN = 1 e σN = −1,

obtendo então duas equações para as duas incógnitas:

[2 cosh (h+ k)]q−1 = ANeη

′N ,

[2 cosh (h− k)]q−1 = ANe−η′N .

(A.12)

Tomando o logaritmo da razão entre as equações, podemos encontrar o campo efetivo η′N :

η′N =1

2ln

[cosh (h+ k)

cosh (h− k)

]q−1

=1

2ln

[cosh k coshh+ senh k senhh

cosh k coshh− senh k senhh

]q−1

=q − 1

2ln

(1 + tgh k tghh

1− tgh k tghh

)= (q − 1) tgh−1 (tgh k tghh) . (A.13)

@Embora nesta seção utilizemos a expressão função de partição parcial, vale notar que essa nomenclaturanão é exatamente correta, e estamos utilizando a letra Q, e não Y , por esse motivo: embora o procedimentoapresentado seja válido para obtermos a equação de estado para a magnetização, a imposição de autoconsistênciaatravés da simetria translacional não é suficiente para que possamos obter a energia livre diretamente a partir dafunção de partição. Isso ocorre pois o sistema não é homogêneo: a contribuição de cada geração para a energialivre é diferente, e a energia livre média por sítio acaba incorporando a contribuição indesejada da superfície.Aqui, ao término do cálculo, obtemos a função de partição Y da árvore de Cayley completa, mas não da redede Bethe. Para calcular a energia livre da rede de Bethe faz-se necessária uma análise mais cuidadosa. Existem,no entanto, técnicas acessíveis [91] para se calcular exatamente o caso particular de spin 1/2 ou mesmo o casogeral, para qualquer valor da variável de spin, em qualquer rede recursiva [76].

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A.2 Solução exata na rede de Bethe 111

Substituindo esse resultado na primeira equação de A.12, obtemos o prefator

AN = [2 cosh (h+ k)]q−1 e−η′N = [2 cosh (h+ k)]q−1 exp

[−(q − 1) tgh−1 (tgh k tghh)

]= [2 cosh (h+ k)]q−1

(1− tgh k tghh

1 + tghh tghh

) q−12

. (A.14)

Prosseguimos definindo um hamiltoniano parcial para a geração N − 1 de maneira semelhante:

HN−1 = −Jσ(N−1)j

q−1∑i=1

σ(N)i −H

q−1∑i=1

σ(N)i . (A.15)

Podemos introduzir uma função de partição parcial que incorpore o efeito das gerações mais externas,

levando em conta que existem q − 1 sub-árvores que interagem apenas através do sítio σ(N−1)j :

QN−1(σN−1) = Tr{σ(N)

i }

[e−βHN−1

q−1∏i=1

QN (σ(N)i )

]= Tr{σ(N)

i }

[e−βHN−1Aq−1

N exp

(η′N

q−1∑i=1

σ(N)i

)]. (A.16)

Aqui, vemos a utilidade de escrever a função de partição parcial da geração anterior na forma da

equação A.11:

QN−1(σN−1) = Aq−1N Tr

{σ(N)i }

exp

(−βHN−1 + η′N

q−1∑i=1

σ(N)i

)

= Aq−1N Tr

{σ(N)i }

exp

[βJσ

(N−1)j

q−1∑i=1

σ(N)i + (η′N + βH)

q−1∑i=1

σ(N)i

]

= Aq−1N Tr

{σ(N)i }

exp

[(kσ

(N−1)j + η′N + h)

q−1∑i=1

σ(N)i

]= Aq−1

N [2 cosh (kσN−1 + ηN )]q−1 ,

(A.17)

fazendo ηN = h+η′N . Claramente, a relação obtida guarda semelhança com a equação A.10. Podemos

novamente reescrever

[2 cosh (kσN−1 + ηN )]q−1 = A′N−1 exp(η′N−1σN−1

), (A.18)

QN−1(σN−1) = Aq−1N A

′N−1 exp

(η′N−1σN−1

)= AN−1 exp

(η′N−1σN−1

), (A.19)

com o campo efetivo η′N−1 dado por

η′N−1 = (q − 1) tgh−1 (tgh k tgh ηN ) (A.20)

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A.2 Solução exata na rede de Bethe 112

e a definição do prefator

AN−1 = Aq−1N A′N−1 =

{[2 cosh (h+ k)]q−1 e−η

′N

}q−1[2 cosh (ηN + k)]q−1 e−η

′N−1 . (A.21)

Até aqui, realizamos o traço explicitamente sobre os spins da superfície {σ(N+1)j } e da penúltima

geração {σ(N)j }. No entanto, vemos que a topologia da árvore permite que generalizemos os resultados

anteriores para N → n, n ∈ [1, N ]. Dado ηn+1 = h + η′n+1, obtemos relações de recorrência para o

campo efetivo ηn,

ηn = h+ (q − 1) tgh−1 (tgh k tgh ηn+1) , (A.22)

e para o prefator An,

An = Aq−1n+1A

′n =

{[2 cosh (ηn+2 + k)]q−1 e−η

′n+1

}q−1[2 cosh (ηn+1 + k)]q−1 e−η

′n . (A.23)

Juntas à condição de contorno η′N+1 = 0, estas duas relações de recorrência definem o mapa dinâmico

que estamos estudando.

Estamos realizando o traço parcial da função de partição partindo da superfície da árvore de

Cayley e, como já mencionado, a mesma possui uma superfície problemática. No entanto, conforme

nos afastamos da superfície, reobtemos um sistema homogêneo, de maneira que esperamos que a relação

de recorrência A.22 convirja para um atrator ou, em outras palavras, para um ponto fixo. Após um

número suficientemente grande de gerações, o campo efetivo sentido pelos spins localizados no interior

da árvore convergeG , e obtemos algo semelhante a uma invariância translacional das propriedades

termodinâmicas. O ponto fixo é denotado por h∗, definido como tal que satisfaça h∗ = ηn = ηn+1 na

equação A.22,

h∗ = h+ (q − 1) tgh−1 (tgh k tghh∗) . (A.24)

Após a convergência do ponto fixo, temos

A′n−1 = An = [2 cosh (h∗ + k)]q−1 e−η∗, (A.25)

GÉ possível que, ao invés de convergir para um ponto fixo, a relação de recorrência convirja para um cicloperiódico (ou, equivalentemente, “órbita”, na nomenclatura de mapas dinâmicos), como no caso antiferromag-nético. Não trataremos este caso aqui por simplicidade, mas na seção 4.2 isto é necessário, e veremos que bastatratar gerações alternadas como pertencentes a sub-redes distintas. Podemos utilizar a convergência do campoefetivo η como condição para definir adequadamente a rede de Bethe: ela é a parte homogênea de uma árvorede Cayley infinita, ou seja, a parte interior na qual o campo efetivo sentido por cada spin é o mesmo.

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A.2 Solução exata na rede de Bethe 113

com η∗ = h∗ − h, e obtemos a relação de recorrência simplificada para o prefator An

An−1 = Aqn , n 6= 1 . (A.26)

Continuando a realizar o traço parcial até a primeira geração, obtemos a função de partição parcial

para a primeira geração:

Q1(σ1) = A1 exp (η∗σ1) . (A.27)

Vamos definir o hamiltoniano associado ao spin central de maneira que ele tenha q vizinhos,

H0 = −Jσ0

q∑i=1

σ(1)i −Hσ0 −H

q∑i=1

σ(1)i , (A.28)

assim como todos os outros sítios da árvore de Cayley exceto os da superfície, que possuem apenas um

vizinho. Realizamos agora o traço de e−βH0 sobre os q spins da primeira geração para obter a função

de partição parcial Q0(σ0),

Q0(σ0) ≡ Tr{σ1}

[exp (−βH0)

q∏i=1

Q1(σ(1)i )

]= Aq1 ehσ0 [2 cosh (kσ0 + h∗)]q . (A.29)

Assim, estamos unindo q, e não q − 1, sub-árvores através do sítio central. A função de partição da

árvore de Cayley completa Y é dada, portanto, por

Y ≡ Trσ0Q0(σ0) = Aq1 Tr

σ0ehσ0 [2 cosh (kσ0 + h∗)]q = Aq1

{eh [2 cosh (h∗ + k)]q + e−h [2 cosh (h∗ − k)]q

}.

(A.30)

Por conta da superfície problemática, não podemos obter a magnetização do sítio central 〈σ0〉 através

de uma derivada parcial da função de partição Y da árvore completa, como de costume. Porém, através

de Q0(σ0), podemos calcular a magnetização média do spin central 〈σ0〉 realizando o traço sobre os

estados ponderados pelos seus respectivos pesos de Boltzmann, normalizados por Y :

〈σ0〉 ≡ m0 =Trσ0σ0Q0(σ0)

Trσ0Q0(σ0)

= Y −1Aq1 Trσ0σ0 ehσ0 [2 cosh (kσ0 + h∗)]q

=eh [cosh (h∗ + k)]q − e−h [cosh (h∗ − k)]q

eh [cosh (h∗ + k)]q + e−h [cosh (h∗ − k)]q

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A.2 Solução exata na rede de Bethe 114

=

e2h

[cosh (h∗ + k)cosh (h∗ − k)

]q− 1

e2h

[cosh (h∗ + k)cosh (h∗ − k)

]q+ 1

=

e2h

(1 + tgh k tghh∗

1− tgh k tghh∗

)q− 1

e2h

(1 + tgh k tghh∗

1− tgh k tghh∗

)q+ 1

. (A.31)

Para analisar a magnetização do spin central m0, expressamos a equação A.24 como

tgh

(h∗ − hq − 1

)= tgh k tghh∗ =

x− 1

x+ 1, (A.32)

com o parâmetro x definido por

x =1 + tgh k tghh∗

1− tgh k tghh∗=

cosh (h∗ + k)

cosh (h∗ − k), (A.33)

em termos do qual a magnetização média do spin central é dada por

m0 =xqe2h − 1

xqe2h + 1, (A.34)

em concordância com a equação 4.4.1 da Ref. [91b]. Vemos que é possível inverter a equação A.34 para

obter

x = e− 2h

q

(1 +m0

1−m0

) 1q

, (A.35)

a partir do qual temos

lnx = ln

(1 + tgh k tghh∗

1− tgh k tghh∗

)= 2 tgh−1 (tgh k tghh∗) =

2

qtgh−1m0 −

2h

q. (A.36)

Portanto, pela equação A.32 temos

tgh−1 (tgh k tghh∗) =1

qtgh−1m0 −

h

q=h∗ − hq − 1

, (A.37)

o que nos permite eliminar o campo efetivo h∗ na equação A.37. Obtemos então a equação de estado

para a magnetização do spin central:

m0 = tgh

{h+ q tgh−1

[tgh k tgh

(h

q+q − 1

qtgh−1m0

)]}. (A.38)

Pela imposição de simetria translacional, este resultado deve valer para todos os sítios do interior da

árvore de Cayley infinita (a rede de Bethe), sem a influência da superfície. Fazendo então m0 → m,

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A.3 Aproximação de Bethe–Peierls 115

temos a magnetização média por sítio para o modelo de Ising na rede de Bethe. Esta equação de

estado é nitidamente distinta daquela obtida para o modelo de Ising na aproximação de campo médio

usual [48]:

m = tgh (qkm+ h). (A.39)

A.3 Aproximação de Bethe–PeierlsA aproximação de Bethe–Peierls tradicional [47] consiste em se obter a função de partição exata

para um aglomerado composto por um spin central e seus q primeiros vizinhos. Adicionalmente, os

primeiros vizinhos são submetidos a um campo efetivo que representa a influência do resto da rede,

como na aproximação de campo médio. Esse procedimento é diferente da abordagem usual de campo

médio, pois preserva correlações de pares para primeiros vizinhos. Podemos escrever o hamiltoniano

para um aglomerado composto por um spin central σ0 e coordenação q como

H = −Jσ0

q∑i=1

σi − (Hef +H)

q∑i=1

σi −Hσ0 , (A.40)

de maneira que, como dito antes, estamos considerando a interação exata entre σ0 e o campo externo

H conjugado à magnetização M , e entre σ0 e seus q primeiros vizinhos {σi}, sendo esses últimos

submetidos adicionalmente a um campo efetivo Hef , que representa a interação de campo médio com

o restante da rede. Definindo k ≡ βJ , η ≡ βHef , h ≡ βH, temos que a função de partição para o

aglomerado pode ser expressa como um funcional do campo efetivo Hef , dado por

Y (T,H;Hef) =∑{σ0,σi}

exp

[βHσ0 + β (Jσ0 +Hef +H)

q∑i=1

σi

]

=∑{σ0,σi}

ehσ0 exp

[(kσ0 + η + h)

q∑i=1

σi

]

=∑σ0=±1

ehσ0 [2 cosh (kσ0 + η + h)]q = Y + + Y − , (A.41)

Y ± ≡ e±h [2 cosh (η + h± k)]q . (A.42)

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A.3 Aproximação de Bethe–Peierls 116

Podemos determinar o comportamento magnético do sistema através da simetria translacional da rede

de Bravais, notando que as magnetizações médias podem ser obtidas por derivadas parciais de lnY ,

〈σi〉 = mi =1

q

(∂ lnY

∂η

)h

=2q

Y

[eh coshq−1 (η + h+ k) senh (η + h+ k) + e−h coshq−1 (η + h− k) senh (η + h− k)

]=

1

Y

[Y + senh (η + h+ k)

cosh (η + h+ k)+ Y −

senh (η + h− k)

cosh (η + h− k)

]=Y + tgh (η + h+ k) + Y − tgh (η + h− k)

Y, (A.43)

〈σ0〉+ q〈σi〉 = m0 + qmi =

(∂ lnY

∂h

=Y + − Y − + q [Y + tgh (η + h+ k) + Y − tgh (η + h− k)]

Y. (A.44)

Definindo h∗ ≡ η + h e comparando as equações A.43 e A.44, temos

m0 =Y + − Y −

Y=

eh [cosh (h∗ + k)]q − e−h [cosh (h∗ − k)]q

eh [cosh (h∗ + k)]q + e−h [cosh (h∗ − k)]q=

e2h

(1 + tgh k tghh∗

1− tgh k tghh∗

)q− 1

e2h

(1 + tgh k tghh∗

1− tgh k tghh∗

)q+ 1

, (A.45)

idêntica às equações A.31 e A.34 para a magnetização média na rede de Bethe, obtidas na seção

anterior.

A imposição de simetria translacional, ou seja, m0 = mi, implica a condição de autoconsistência

para o campo efetivo h∗. Igualando as expressões acima para as magnetizações, obtemos a relação

Y + [1− tgh (h∗ + k)] = Y − [1 + tgh (h∗ − k)] . (A.46)

Substituindo as definições introduzidas na equação A.41 nesta expressão, obtemos

eh [cosh (h∗ + k)]q [1− tgh (h∗ + k)] = e−h [cosh (h∗ − k)]q [1 + tgh (h∗ − k)] , (A.47)

e podemos obter a condição de autoconsistência para o campo efetivo:

[cosh (h∗ + k)

cosh (h∗ − k)

]q= e−2h

[1 + tgh (h∗ − k)

1− tgh (h∗ + k)

]= e−2h

[cosh (h∗ + k)

cosh (h∗ − k)

] [cosh (h∗ − k) + senh (h∗ − k)

cosh (h∗ + k)− senh (h∗ + k)

], (A.48)

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A.4 Energia livre do modelo na rede de Bethe 117

[cosh (h∗ + k)

cosh (h∗ − k)

]q−1

= e−2h

[cosh (h∗ − k) + senh (h∗ − k)

cosh (h∗ + k)− senh (h∗ + k)

]= e−2h

[e(h∗−k) + e−(h∗−k) + e(h∗−k) − e−(h∗−k)

e(h∗+k) + e−(h∗+k) − e(h∗+k) + e−(h∗+k)

]= e2(h∗−h) = e2η , (A.49)

ou ainda

η =q − 1

2ln

[cosh (h∗ + k)

cosh (h∗ − k)

]= (q − 1) tgh−1 (tgh k tghh∗) . (A.50)

Obtemos assim a equação para o campo efetivo auto-consistente h∗,

h∗ = h+ (q − 1) tgh−1 (tgh k tghh∗) , (A.51)

idêntica à equação A.24. Assim sendo, o comportamento termodinâmico exato da magnetização para

o modelo de Ising na rede de Bethe é idêntico ao comportamento da aproximação de Bethe–Peierls

para o modelo de Ising na rede de Bravais.

Podemos observar que a equação A.49 nos fornece uma relação útil entre o campo efetivo h∗, o

campo externo h e o parâmetro x definido em A.33:

[cosh (h∗ + k)

cosh (h∗ − k)

]q−1

= xq−1 = e2η = e2(h∗−h) ∴ e2h∗ = xq−1e2h . (A.52)

É possível obter também uma outra relação semelhante, equação B.14, entre o campo efetivo h∗ e o

acoplamento k, demonstrada no apêndice B. Combinando as equações A.52 e B.14, obtemos as relações

e2h =

(e−2k − xe−2kx− 1

)x1−q, (A.53)

e−2k =x− e2hxq−1

1− e2hxq, (A.54)

em concordância com a equação 4.5.1 da Ref. [91b] com a transformação x→ 1/x.

A.4 Energia livre do modelo na rede de BethePodemos separar a energia livre G(T,H) do modelo de Ising na árvore de Cayley em duas con-

tribuições: a relativa à superfície Gs e a relativa ao volume Gv. Como os efeitos da superfície se

manifestam mesmo no limite termodinâmico, temosGsGv6= 0. A energia livre na rede de Bethe é ape-

nas a parte Gv, de maneira que precisamos identificar as duas contribuições. Isso é possível através

da comparação da energia livre do modelo com a energia livre exata em um estado de referência, no

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A.4 Energia livre do modelo na rede de Bethe 118

caso, campo H intenso o suficiente para que 〈σi〉 = 1, e posterior integração da equação de estado [91].

Além disso, é necessária a imposição da condição de homogeneidade. Para uma rede com um total de

bt ligações entre Nt sítios de coordenação q, isso implica em tomarbtNt

=q

2, mesmo que em árvores

de Cayley infinitas esta razão seja igual a 1, como podemos observar tomando o limite termodinâmico

da razão entre as equações A.2 e A.3. Aqui, no entanto, optamos pelo método de Gujrati [76], muito

engenhoso, de eliminarmos a contribuição da superfície e, ao mesmo tempo, chegar à homogeneidade

como consequência. Primeiro, vemos que a árvore de Cayley finita não é homogênea, e atribuímos uma

energia livre por sítio que depende da sua posição, isto é, da geração n, à qual o sítio pertence. Por

conta da simetria da árvore, presumimos que as energias livres por sítio, para sítios de uma mesma

geração, sejam iguais. Temos então que, sendo gn a energia livre por sítio da geração n, a energia livre

total de uma árvore T0,N que vai da geração N até a geração 0 é dada por

G0,N = g0 + qg1 + q(q − 1)g2 + . . . = g0 + q

N∑n=1

(q − 1)n−1gn . (A.55)

Pela equação A.2, o número total de sítios dessa árvore é Nt =q(q − 1)N − 2

q − 2. Removendo o sítio

central dessa árvore, obtemos q ramos, e a diferença δbt no número de ligações entre a união dos ramos

e T0,N são as q ligações dos sítios da primeira geração ao sítio central. Uma árvore T1,N formada pela

união de q (e não q − 1) ramos, cuja raiz é um sítio da primeira geração, tem a energia livre dada por

G1,N = g1 + qg2 + . . . = g1 + qN∑n=2

(q − 1)n−1gn (A.56)

e o número total de sítios dela é N ′t =q(q − 1)N−1 − 2

q − 2. Vemos que uma árvore T ′1,N formada pela

união de (q − 1) árvores T1,N possui o mesmo número de sítios de superfície que T0,N , sua função de

partição sendo o produto das funções de partição das árvores T1,N e sua energia livre G′1,N dada por

G′1,N = (q − 1)g1 + q

N∑n=2

(q − 1)n−1gn . (A.57)

A diferença no número de ligações entre a árvore T0,N e a árvore T ′1,N é δbt = q, e a diferença no

número total de sítios é

δNt = Nt − (q − 1)N ′t =q(q − 1)N − 2

q − 2− (q − 1)

(q(q − 1)N−1 − 2

q − 2

)=

2(q − 1)− 2

q − 2= 2. (A.58)

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A.4 Energia livre do modelo na rede de Bethe 119

Lembrando então que

G0,N = − 1

βlnY0,N , G1,N = − 1

βlnY1,N , G′1,N = − 1

βln

(q−1∏i=1

Y i1,N

)= − 1

β

q−1∑i=1

lnY i1,N ,

definimos a seguinte quantidade como sendo a energia livre por ligação da rede de Bethe:

gb =1

δbtlimN→∞

(G0,N −G′1,N

)=

1

qlimN→∞

[g0 + q

N∑n=1

(q − 1)n−1gn − (q − 1)g1 − qN∑n=2

(q − 1)n−1gn

]

=1

q[g0 + qg1 − (q − 1)g1] =

1

q(g0 + g1) . (A.59)

Podemos definir também a energia livre de Gibbs por sítio g como sendo

g =1

δNtlimN→∞

(G0,N −G′1,N

)=

1

2(g0 + g1) . (A.60)

Vemos, portanto, que 2g = g0 + g1, e g =q

2gb, de maneira que a homogeneidade do sistema decorre

naturalmente do modelo.

Definindo z = z(h, h∗, k, q) ≡ eh [2 cosh (h∗ + k)]q + e−h [2 cosh (h∗ − k)]q, temos

βgb = −1

q

(lnY0,N −

q−1∑i=1

lnY i1,N

)= −1

q

[ln(zAq1)−

q−1∑i=1

ln(zAq2)

]= −1

qln

[zAq1

(zAq2)q−1

], (A.61)

onde os {An} são definidos pela relação de recorrência A.23, An−1 = Aq−1n A′n−1, o que fornece

βgb = −1

qln

[zA

q(q−1)2 A′1

q

(zAq2)q−1

]= − ln

(A′1

zq−2q

). (A.62)

Lembrando que, após a convergência dos campos efetivos, vale a equação A.25, A′n−1 = An =

[2 cosh(h∗ + k)]q−1 e−η∗, obtemos uma expressão fechada para a energia livre por ligação:

βgb = − ln

{[2 cosh(h∗ + k)]q−1 e−η

{eh [2 cosh (h∗ + k)]q + e−h [2 cosh (h∗ − k)]q}q−2q

}

= − ln

[2 cosh(h∗ + k)]q−1 eh−h

[2 cosh (h∗ − k)]q−2{

eh[

cosh (h∗+k)cosh (h∗−k)

]q+ e−h

} q−2q

= − ln

2 cosh (h∗ − k)

[cosh (h∗+k)cosh (h∗−k)

]q−1eh−h

{eh[

cosh (h∗+k)cosh (h∗−k)

]q+ e−h

} q−2q

= − ln

{xq−1

[e(h∗−k) + e−(h∗−k)

]eh−h

(ehxq + e−h)q−2q

}.

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A.4 Energia livre do modelo na rede de Bethe 120

Introduzindo os parâmetrosF v ≡ eh, u ≡ e−k, x ≡ cosh (h∗ + k)

cosh (h∗ − k), definido em A.33, obtemos

βgb = − ln

xq−1(vu+ v

ue−2h∗)

(vxq + 1

v

) q−2q

. (A.63)

Utilizando a identidade A.52 para eliminarmos o campo efetivo, e2h∗ = xq−1v2, obtemos a energia livre

de Gibbs por sítio na rede de Bethe,

βg =q

2βgb = −q

2ln

vuxq−1 + 1vu(

vxq + 1v

) q−2q

, (A.64)

em acordo com o resultado da ref. original [76] e a equação 4.6.8 da Ref. [91b]V ,

βg = −1

2qk − 1

2q ln(1− u4) +

1

2ln

[1 + u4 − u2

(x+

1

x

)]+

1

2(q − 2) ln

(x+

1

x− 2u2

). (A.65)

Além disso, para q = 2, tais expressões coincidem com a energia livre exata do modelo de Ising

unidimensional [92].

A partir da equação A.53 temos v2 =

(u2 − xu2x− 1

)x1−q e a magnetização por sítio pode ser obtida

através de derivação parcial da energia livre por sítio A.64 em relação ao campo externo H:

m = −(∂g

∂H

)T

= −(∂βg

∂v

)u,x

(∂v

∂h

)−(∂βg

∂x

)v,u

(∂x

∂h

)k

. (A.66)

Após realizar as derivadas parciais auxiliares,

(∂v

∂h

)= v ,

(∂x

∂h

)k

= 2v2

(∂v2

∂x

)−1

u

=2x(u2 − x

) (u2x− 1

)x(2− q − qu4) + u2(x2 + 1)(q − 1)

, (A.67)

eliminar o acoplamento u através da relação A.54 e rearranjar a equação resultante, obtemos

m =xqv2 − 1

xqv2 + 1. (A.68)

Portanto, a equação para a magnetização encontrada diretamente por derivação parcial da energia livre

FÀ exceção do parâmetro u, que foi expresso originalmente como seu inverso, ou seja, u ≡ ek, utilizamosaqui a notação da ref. original [76].

VÉ importante observar que a nossa definição de x é inversa à definição da ref. [91b]. Porém, é fácil observarque a energia livre é simétrica sob a transformação x→ 1/x, que corresponde à simetria m(h) = −m(−h).

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A.5 Analiticidade e temperatura crítica via equação de estado 121

por sítio A.64 é idêntica à equação A.45 obtida pela abordagem tradicional via autoconsistência, e se

reduz à equação de estado exata do modelo de Ising unidimensional [92] para q = 2.

A.5 Analiticidade e temperatura crítica via equação de es-

tadoConforme demonstrado no apêndice B, é possível expressar a equação de estado transcendente para

m, A.38, de uma forma alternativa:

m =1

2

(1 + tgh k

1− tgh k

){e

2hq (1 +m)

(1−m1 +m

) 1q

− e− 2h

q (1−m)

(1 +m

1−m

) 1q

}

=e2k

2

[e

2hq (1 +m)

(1−m1 +m

) 1q

− e− 2h

q (1−m)

(1 +m

1−m

) 1q

], (A.69)

onde substituímos m0 → m para simplificar a notação.

Além disso, conforme demonstrado no apêndice B, é possível transformar a equação A.24 em uma

equação algébrica de ordem q, que pode ser expressa na forma

Λξq − e2kξq−1 + e2kΛξ − 1 = 0 , Λ = exp

(− 2h

q − 1

), ξ = exp

(2h∗

q − 1

). (A.70)

Para o caso q = 4 e h = 0, essa equação fornece uma expressão analítica simples para o campo efetivo:

2h∗

3= ln

[e2k ± (e4k − 4)

12

2

], (A.71)

resultado também demonstrado no apêndice B.

Quando não há campo externo (h = 0) e a interação k é nula, podemos ver que a equação trans-

cendente A.51 fica simplificada e h∗ = 0 é sua solução para qualquer temperatura e qualquer valor de

q ≥ 2. Conforme aumentamos a interação, a solução trivial h∗ = 0 continua existindo, mas a partir de

um valor crítico de k, a mesma se divide em uma solução trivial e duas soluções não-triviais simétricas.

Isso ocorre quando a derivada do lado direito da equação A.51 se torna igual ou maior que 1, perto de

h∗ = 0. Para encontrar a temperatura crítica, podemos derivar o lado direito de A.50 em h∗ = 0,

q − 1

2

∂h∗ln

[cosh (h∗ + k)

cosh (h∗ − k)

]h∗=0

=q − 1

2[tgh (h∗ + k)− tgh (h∗ − k)]h∗=0 = (q − 1) tgh k , (A.72)

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A.5 Analiticidade e temperatura crítica via equação de estado 122

e igualar o resultado a 1. Temos, portanto, que o valor crítico kc é dado por

(q − 1) tgh kc = 1 (A.73)

ou

kc = tgh−1 1

q − 1=

1

2ln

q

q − 2, e2kc =

q

q − 2. (A.74)

Em termos de temperatura, temos portanto o valor crítico na aproximação de Bethe–Peierls

kBTcJ

=2

ln qq−2

. (A.75)

Claramente, no limite do caso unidimensional q → 2 temos Tc → 0, diferente da aproximação de campo

médio e compatível com a solução exata do modelo de Ising unidimensional.

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123

BEquação de estado do

modelo de Ising na rede de Bethe

Primeiramente, mostraremos que é possível expressar a equação transcendente A.38 sem envolver

funções hiperbólicas e hiperbólicas inversas. Começamos com a equação original

m = tgh

{h+ q tgh−1

[tgh k tgh

(h

q+q − 1

qtgh−1m

)]}, (B.1)

que pode ser reescrita como

1

q

(tgh−1m− h

)= tgh−1

[tgh k tgh

(h

q+q − 1

qtgh−1m

)],

tgh

[1

q

(tgh−1m− h

)]= tgh k tgh

(h

q+q − 1

qtgh−1m

). (B.2)

Desenvolvendo o membro esquerdo de B.2 e definindo λ ≡ e−h

q , temos

tgh

[1

q

(tgh−1m− h

)]= tgh

[1

2qln

(1 +m

1−m

)− h

q

]= tgh

{ln

(1 +m

1−m

) 12q

]}

=

λ

(1 +m

1−m

) 12q

− 1

λ

(1 +m

1−m

)− 12q

λ

(1 +m

1−m

) 12q

+1

λ

(1 +m

1−m

)− 12q

=

λ2

(1 +m

1−m

) 1q

− 1

λ2

(1 +m

1−m

) 1q

+ 1

=λ2(1 +m)

1q − (1−m)

1q

λ2(1 +m)1q + (1−m)

1q

. (B.3)

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Apêndice B: Equação de estado do modelo de Ising na rede de Bethe 124

Desenvolvendo o lado direito de B.2, vem

tgh k tgh

(h

q+q − 1

qtgh−1m

)= tgh k tgh

{ln

[1

λ

(1 +m

1−m

) q−12q

]}

= tgh k

1λ2

(1 +m

1−m

) q−1q

− 1

1λ2

(1 +m

1−m

) q−1q

+ 1

= tgh k

[(1 +m)

q−1q − λ2(1−m)

q−1q

(1 +m)q−1q + λ2(1−m)

q−1q

]. (B.4)

Igualando as equações B.3 e B.4, temos

λ2(1 +m)1q − (1−m)

1q

λ2(1 +m)1q + (1−m)

1q

= tgh k

[(1 +m)

q−1q − λ2(1−m)

q−1q

(1 +m)q−1q + λ2(1−m)

q−1q

], (B.5)

portanto

[λ2(1 +m)

1q − (1−m)

1q

] [(1 +m)

q−1q + λ2(1−m)

q−1q

]= tgh k

[(1 +m)

q−1q − λ2(1−m)

q−1q

] [λ2(1 +m)

1q + (1−m)

1q

]. (B.6)

Como (1±m)1q (1±m)

q−1q = (1±m) e (1∓m)

1q (1±m)

q−1q = (1±m)

(1∓m1±m

) 1q

, podemos simplificar

a equação:

(1 +m)− 1

λ2(1 +m)

(1−m1 +m

) 1q

+ λ2(1−m)

(1 +m

1−m

) 1q

− (1−m)

= tgh k

[(1 +m) +

1

λ2(1 +m)

(1−m1 +m

) 1q

− λ2(1−m)

(1 +m

1−m

) 1q

− (1−m)

]. (B.7)

Reagrupando os termos, obtemos

2m+1

λ2(1−m)

(1 +m

1−m

) 1q

− λ2(1 +m)

(1−m1 +m

) 1q

= tgh k

[2m+

1

λ2(1 +m)

(1−m1 +m

) 1q

− λ2(1−m)

(1 +m

1−m

) 1q

]. (B.8)

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Apêndice B: Equação de estado do modelo de Ising na rede de Bethe 125

Portanto

2m(1− tgh k) = (1 + tgh k)

[1

λ2(1 +m)

(1−m1 +m

) 1q

− λ2(1−m)

(1 +m

1−m

) 1q

], (B.9)

que nos leva à equação A.69,

m =1

2

(1 + tgh k

1− tgh k

){1

λ2(1 +m)

(1−m1 +m

) 1q

− λ2(1−m)

(1 +m

1−m

) 1q

}

=e2k

2

{1

λ2(1 +m)

(1−m1 +m

) 1q

− λ2(1−m)

(1 +m

1−m

) 1q

}. (B.10)

Vamos mostrar agora que a equação A.51,

h∗ = h+ (q − 1) tgh−1(tgh k tghh∗) , (B.11)

pode ser expressa como uma equação algébrica. Inicialmente a reescrevemos sob a forma

tgh

(h∗ − hq − 1

)= tgh k tghh∗ . (B.12)

Desenvolvendo o membro esquerdo de B.12, temos

tgh

(h∗ − hq − 1

)=

exp[

2(h∗−h)q−1

]− 1

exp[

2(h∗−h)q−1

]+ 1

=Λξ − 1

Λξ + 1, ξ ≡ exp

(2h∗

q − 1

), Λ ≡ exp

(− 2h

q − 1

). (B.13)

Desenvolvendo o membro direito de B.12, vem

tgh k tghh∗ = tgh k

(exp 2h∗ − 1

exp 2h∗ + 1

)= tgh k

(ξq−1 − 1

ξq−1 + 1

). (B.14)

Lembrando que tgh k tghh∗ =x− 1

x+ 1, equação A.32, podemos derivar uma relação útil entre o campo

efetivo h∗ e o acoplamento k:

tgh k

(ξq−1 − 1

ξq−1 + 1

)=x− 1

x+ 1, (B.15)

ξq−1

(x+ 1

x− 1tgh k − 1

)=x+ 1

x− 1tgh k + 1 , (B.16)

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Apêndice B: Equação de estado do modelo de Ising na rede de Bethe 126

ξq−1 =

[(x+ 1) tgh k + (x− 1)

(x+ 1) tgh k − (x− 1)

]=

[(x+ 1)(e2k − 1) + (x− 1)(e2k + 1)

(x+ 1)(e2k − 1)− (x− 1)(e2k + 1)

]=

e−2k − xe−2kx− 1

, (B.17)

∴ e2h∗ =e−2k − xe−2kx− 1

. (B.18)

Igualando B.13 e B.14, obtemos

(Λξ − 1

Λξ + 1

)(ξq−1 + 1

ξq−1 − 1

)= tgh k =

e2k − 1

e2k + 1. (B.19)

Reduzindo esta relação numa equação algébrica:

(e2k + 1

)(Λξ − 1)

(ξq−1 + 1

)=(

e2k − 1)

(Λξ + 1)(ξq−1 − 1

)(

e2k + 1) (

Λξq − ξq−1 + Λξ − 1)

=(

e2k − 1) (

Λξq + ξq−1 − Λξ − 1)

e2kΛξq − e2kξq−1 + e2kΛξ − e2k + Λξq − ξq−1 + Λξ − 1

= e2kΛξq + e2kξq−1 − e2kΛξ − e2k − Λξq − ξq−1 + Λξ + 1. (B.20)

Concluímos, portanto, que

Λξq − e2kξq−1 + e2kΛξ − 1 = 0 . (B.21)

Para coordenação q = 4, obtemos

Λξ4 − e2kξ3 + e2kΛξ − 1 = Λξ4 − e2kξ(ξ2 − Λ)− 1 = 0 . (B.22)

É possível expressar as soluções da equação quártica para ξ em forma fechada, em função dos coefici-

entes e2k e Λ = e−2h3 . No entanto, a expressão é muito grande e não nos interessa no momento. Para

o caso h = 0, tal que Λ = 1, a expressão fica na forma simplificada

ξ4 − e2k(ξ3 − ξ)− 1 = (ξ2 − 1)(ξ2 − e2kξ + 1

)= 0 , (B.23)

cujas soluções podem ser obtidas explicitamente:

ξ = exp2h∗

3= ±1 , ξ = exp

2h∗

3=

1

2

[e2k ± (e4k − 4)

12

]. (B.24)

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Apêndice B: Equação de estado do modelo de Ising na rede de Bethe 127

Ao tomar o logaritmo das duas primeiras soluções, obtemos

2h∗

3= ln (±1) . (B.25)

No caso +1, o campo efetivo h∗ é sempre zero, que corresponde à solução trivial. Para o caso −1

2h∗

3= ln (−1) = ln exp (±iπ) = ±iπ . (B.26)

Como essas soluções não possuem significado físico e não dependem de k, ou seja, da temperatura, as

descartamos. Resta, portanto, o segundo par de soluções, que são simétricas:

ln ξ+ =2h∗+

3= ln

[e2k + (e4k − 4)

12

2

], ln ξ− =

2h∗−3

= ln

[e2k − (e4k − 4)

12

2

], (B.27)

ξ+ξ− = exp2(h∗+ + h∗−)

3=

[e2k + (e4k − 4)

12

2

][e2k − (e4k − 4)

12

2

]=

e4k − (e4k − 4)

4= 1 , (B.28)

∴ h∗+ + h∗− = 0 . (B.29)