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Os “Escritos” como caminho a Francisco Os Escritos de Francisco de Assis são uma fonte inexaurível de riquezas porque seu autor viveu com uma intensidade profunda as mais variadas experiências de abertura a Deus, a todas as classes e situações de pessoas, a todas as criaturas da natureza, a todos os sentimentos e aspirações humanos, a todas as experiências de fé. Essas experiências transparecem nos seus escritos. São a via privilegiada para acessar o coração de nosso santo, porque lhes expõem as vibrações interiores. A esse manancial é imprescindível recorrer cotidianamente para manter viva a seiva do carisma que corre em nossas veias. Encontrar São Francisco de Assis 1 é uma aventura do espírito, doce, forte, inquietante, aventura sempre nova. Às vezes ele nos vem ao encontro como os lugares da nossa infância, onde tudo aparece assim presente, bom, familiar e, ao mesmo tempo, assim distante, perdido. Mas, acima de tudo, mais vivo do que nunca! Francisco é um homem radicalmente enraizado no seu tempo e “peregrino do Absoluto”. Ele parece inatingível e fora do nosso dia-a-dia. Porém, olhos e corações perseguem-no com estupor de uma pergunta: está Francisco longe de nós ou estamos nós vivendo distantes da verdade de nós mesmos? O mistério de Francisco não é uma novidade. Este fazia, muitas vezes, Francisco ser incompreensível para os seus primeiros companheiros, como nos é descrito pelos Fioretti, quando Frei Masseo de Marignano, homem de grande santidade e discrição, que facilmente falava com Deus e de Deus, e por isso muito amado por Francisco, interpelava o Santo sobre o porquê de ele atrair as pessoas: Fior 10. Francisco, com a sua resposta, corta toda tentação de triunfalismos humanos e responde (Ler o texto: 1505). O mistério de Francisco se encontra e se esconde, assim, no mistério da Graça e nas buscas e realidades históricas das pessoas e do mundo do seu tempo. Em Francisco encontramos a inaudita atualidade de uma figura e de uma mensagem. A ele o nosso tempo está olhando com interesse. Ali, parece, está escondido o mistério ao qual anelamos. Ali, cremos, há o caminho ao mistério, sonho e utopia ínsitos nossos. Francisco repropôs a cada pessoa e ao coletivo “a vida do Evangelho de Jesus Cristo”. Esta vida enriqueceu, de maneira extraordinária, a humanidade. Para tanto, necessário se faz vivê-lo. O Evangelho deu a Francisco coragem viril e a candura de uma criança, amor filial ao Pai e amor fraterno a cada criatura, senso vivo de uma justiça superior à história do seu tempo e “doçura na alma e no corpo” no cuidar das chagas dos próprios 1 Cf Carlo Paolazzi, Lettura degli “Scritti” di Francesco d‟Assisi, 3-4.

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Introdução aos escritos de Francisco de Assis. Extraído de http://www.estef.edu.br/arno/wp-content/uploads/2011/07/Escritos-o-caminho-at%C3%A9-Francisco.pdf acesso em 22 jul. 2011.

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Os “Escritos” como caminho a Francisco

Os Escritos de Francisco de Assis são uma fonte inexaurível de riquezas

porque seu autor viveu com uma intensidade profunda as mais variadas experiências

de abertura a Deus, a todas as classes e situações de pessoas, a todas as criaturas da

natureza, a todos os sentimentos e aspirações humanos, a todas as experiências de fé.

Essas experiências transparecem nos seus escritos. São a via privilegiada para acessar

o coração de nosso santo, porque lhes expõem as vibrações interiores. A esse

manancial é imprescindível recorrer cotidianamente para manter viva a seiva do

carisma que corre em nossas veias.

Encontrar São Francisco de Assis1 é uma aventura do espírito, doce, forte,

inquietante, aventura sempre nova. Às vezes ele nos vem ao encontro como os lugares

da nossa infância, onde tudo aparece assim presente, bom, familiar e, ao mesmo

tempo, assim distante, perdido. Mas, acima de tudo, mais vivo do que nunca!

Francisco é um homem radicalmente enraizado no seu tempo e “peregrino do

Absoluto”. Ele parece inatingível e fora do nosso dia-a-dia. Porém, olhos e corações

perseguem-no com estupor de uma pergunta: está Francisco longe de nós ou estamos

nós vivendo distantes da verdade de nós mesmos?

O mistério de Francisco não é uma novidade. Este fazia, muitas vezes,

Francisco ser incompreensível para os seus primeiros companheiros, como nos é

descrito pelos Fioretti, quando Frei Masseo de Marignano, homem de grande santidade

e discrição, que facilmente falava com Deus e de Deus, e por isso muito amado por

Francisco, interpelava o Santo sobre o porquê de ele atrair as pessoas: Fior 10.

Francisco, com a sua resposta, corta toda tentação de triunfalismos humanos e

responde (Ler o texto: 1505).

O mistério de Francisco se encontra e se esconde, assim, no mistério da Graça e

nas buscas e realidades históricas das pessoas e do mundo do seu tempo. Em Francisco

encontramos a inaudita atualidade de uma figura e de uma mensagem. A ele o nosso

tempo está olhando com interesse. Ali, parece, está escondido o mistério ao qual

anelamos. Ali, cremos, há o caminho ao mistério, sonho e utopia ínsitos nossos.

Francisco repropôs a cada pessoa e ao coletivo “a vida do Evangelho de Jesus Cristo”.

Esta vida enriqueceu, de maneira extraordinária, a humanidade. Para tanto, necessário

se faz vivê-lo. O Evangelho deu a Francisco coragem viril e a candura de uma criança,

amor filial ao Pai e amor fraterno a cada criatura, senso vivo de uma justiça superior à

história do seu tempo e “doçura na alma e no corpo” no cuidar das chagas dos próprios

1 Cf Carlo Paolazzi, Lettura degli “Scritti” di Francesco d‟Assisi, 3-4.

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irmãos. Por um momento, a luz do projeto de Deus, plenamente revelado em Cristo,

volta a desposar-se em Francisco com o nosso sonho, mesmo se bruxuleante, sempre

vivo de um mundo pacífico e de uma humanidade reconciliada, que procura e conhece

e vive a suprema justiça do amor.

Nascido de uma experiência de vida, o ideal evangélico franciscano se impõe

com força somente quando o encontramos encarnado e vivido por alguém “com

simplicidade e pureza”, como Francisco exigia de si mesmo e dos seus irmãos. A

quem, para encontrar Francisco, considera importante os escritos históricos, temos

dois caminhos a percorrer. Uma é a das narrações dos Biógrafos, que narram a

aventura de Francisco e da sua primeira fraternidade, caminho mais percorrido nesses

800 anos. O outro é escutar o próprio Francisco, através dos seus Escritos. Além da

Regra bulada e do Cântico do Irmão Sol, todos os demais Escritos de Francisco

ficaram no esquecimento. Francisco, a partir dos seus escritos, ficou esquecido,

também porque, no seu Testamento, ele se autodefine “simples e iletrado”. Nos

últimos anos, para conhecer Francisco, os olhos e a atenção se voltaram para os seus

Escritos.

Hoje sabemos que os Escritos são a Fonte primeira para encontrarmos a sua

interioridade e sua identidade profundas e o seu projeto de vida evangélica (óbvio,

sempre é importante manter a relação com as Biografias). O caminho dos Escritos, que

são breves, é muito mais difícil e austero. Este caminho nos obriga a esquecer as cores

afetuosas, heróicas de tantas páginas biográficas para descer até o coração de

Francisco, redesenhando o mundo e a vida com os seus olhos e as suas palavras: o

caminho do seu rezar e louvar, das trevas juvenis de São Damião até o êxtase do

Alverne; suas cartas, Admoestações... o seu grande projeto de fraternidade “segundo a

forma do santo Evangelho”, que encontramos nas Regras, empenho particular de

Francisco, desafio à Igreja e para nós, hoje. Para chegarmos a Francisco, precisamos

ter claro que saber ou entender não basta, é necessário viver o Evangelho para

entender Francisco e a sua proposta.

Estudo dos Escritos de São Francisco: Sirvo- me de:

- “Fontes Franciscanas”: Frei José Carlos Pedroso, OFMCap.

- Algum estudo, texto de Frei Aldir Crocoli, OFMCap.

- Estudos de Frei Inácio Dellazari, OFM.

- Estudos e pesquisas meus (Exp. Assis 2007 e agora).

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1. O que são Fontes ou uma Fonte? Água. Beber da Fonte, na fonte e não água

tratada, ou de reservatório.

Todo estudo sério e histórico precisa ir às Fontes. Bíblia: estudar e conhecer

bem línguas e a terra Santa, e ter o pensar de Deus, entrar nele, ocupar-se com ele.

Falando em FF, queremos saber qual a melhor forma de ter informações

genuínas sobre São Francisco de Assis e o movimento franciscano.

Francisco nunca foi tão conhecido como hoje. Mas foi só no fim do século XIX

que se começou a trabalhar o material franciscano a partir das fontes garantidas,

autênticas. Antes, era comum usar uma metodologia popular, que só visava a

divulgação.

1. Fontes.

Fontes históricas são documentos de qualquer tipo em que possamos descobrir de

maneira direta os fatos passados pelos quais estamos interessados.

Muitas vezes são importantes também documentos indiretos, que são antigos e

se basearam nas fontes. Na verdade, são subsídios para o estudo. Mas os subsídios

adquirem valor de fontes se os documentos mais antigos em que foram baseados

tiverem sido perdidos.

1.1. Tipos de Fontes.

Há dois tipos principais de Fontes: os vestígios e os testemunhos.

Os vestígios foram deixados inconscientemente. Vestígios são, por exemplo, objetos

(ossos, utensílios, armas...) ou tradições (como instituições, usos, costumes, ritmos de

vida...) ou mesmo escritos (como acordos políticos, anotações pessoais ou

comerciais...).

Os testemunhos foram deixados por pessoas que quiseram passar alguma coisa para a

história. Estes podem ser mudos, orais ou escritos. Em geral são mais claros e

reveladores, mas podem não ser tão originais, porque nós sempre julgamos e

selecionamos o que comunicamos. É como que uma interpretação.

Testemunhos mudos são, por exemplo, os monumentos, os ritos que se instituíram

para preservar a história. Testemunhos orais são, por exemplo, mitos, provérbios,

cânticos...

Os testemunhos escritos costumam ser os mais importantes e são constituídos

geralmente por narrativas, documentários ou expressões de atividades artísticas.

1.2. As Fontes Franciscanas. Nesta Experiência Assis nós iremos entrar em contato

com várias das Fontes Franciscanas: Vestígios e os testemunhos (fontes mudas, como

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as grutas, monumentos; Fontes orais (não teremos) e Escritos – que também podem ser

tendenciosos, pois sempre se escolhe o que se quer falar ou escrever). Aqui vamos nos

ater aos documentos escritos e que podemos dividir em 3 grandes secções: os Escritos

de S. Francisco, as Biografias e as Crônicas. Vamos dar a lista completa e alguma

apresentação das mais importantes.

2. Os Escritos de São Francisco

2.1. Introdução. O que não são:

- um programa apresentado por Francisco;

- definições do que ele pensava;

- o que queria que os outros pensassem;

- um pensar abstrato ou intelectual. Francisco não é intelectual.

O que são: o que Francisco escreveu é o transbordamento do que ele sentia

diante de Deus, das pessoas e da criação. A Deus ele celebra, canta a criação, exorta as

pessoas.

Frei Dorvalino Fassini opina: “Fonte é mais do que o texto em seu sentido

historiográfico. A Fonte, que se encarnou em Jesus Cristo, irrompe também em

Francisco, Clara, Egídio, Junípero e em cada vocacionado à Vida Franciscana. (...) Por

isso, vai-se ao texto não pra ver Francisco, mas para descobrir como ele se historiou

com a Fonte”.

O que é importante para nós: é que nesses Escritos nós auscultamos, apalpamos

e entramos em contato com a sua experiência viva, com a sua personalidade, com suas

intenções, com a graça das origens. É assim que encontramos nele uma proposta de

vida.

É importante não se limitar aos Escritos. Todas as Fontes, mesmo exigindo uma

leitura crítica e atenta, são necessárias para entendê-lo, no seu tempo, na sua terra.

Ajudam-nos a colher a sua Forma Vitae, ou como diz a velha antífona: Forma

minorum! . É óbvio que todos os estudos que nos ajudam a compreender a Idade

Média são de ajuda, ou até fundamentais.

Os Escritos precisam ser lidos, meditados, rezados e assimilados. É preciso ter

calma, reverência. Muita escuta e desejo de interagir. Cada Escrito se torna muito

pobre e reduzido se não for bebido no conjunto de todos os outros.

Francisco sabia escrever (atestam-no os seus Autógrafos). Não sabia o latim

erudito. Escreveu e ditou ou fez escrever. Alguns textos são bem originais e outros

ricamente adornados com citações bíblicas: encarregava irmãos para adorná-los, como

é o caso da Rnb e da CtaM. Geralmente ditava a um irmão, e, possivelmente, ditava no

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seu dialeto e o escrivão (um irmão perito na arte da escrita) já ia escrevendo no latim

que conhecia.

2.2. Quais são?

Os Escritos que hoje possuímos são pouco mais de trinta, trinta e oito (nas nossa

FF são 36 – Não registram a Bênção a Santa Clara (Ep 108), a Carta aos Frades

Franceses – esta só é testemunhada na Crônica de Tomás de Ecleston) e a Carta a Frei

Jacoba (há alusão na 3Cel 37). É muito para quem se auto-definiu “ignorans et idiota”

(ctaO 39: Ignorante e iletrado; Test 19; PA 11; 1Cel 27,1; TC 36,3). Ver também nas

FF, à página 8.

2.2.1. Exortações (são 3):

- Admoestações

- Testamento

- Cântico “Ouvi, pobrezinhas!”

2.2.2. Proposta de vida, textos legislativos (são 6):

- Regra não bulada

- Regra bulada

- Regra para os Eremitérios

- Forma de Vida para Santa Clara

- Última Vontade para Santa Clara

- Fragmentos de outra Regra não bulada

2.2.3. Cartas (são 11):

- Primeira Cara aos Fiéis

- Segunda Carta aos Fiéis

- Primeira Carta aos Custódios

- Segunda Carta aos Custódios

- Primeira Carta aos Clérigos

- Segunda Carta aos Clérigos

- Cara a toda a Ordem

- Carta ao Ministro

- Carta aos Governantes dos povos

- Carta ao Frei Leão

- Carta a Santo Antônio

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2.2.4. Orações (são 10):

- Oração diante do Crucifixo

- Exortação ao Louvor de Deus

- Louvores para todas as Horas

- Ofício da Paixão

- Exposição sobre o Pai Nosso

- Bênção a Frei Leão

- Louvores a Deus Altíssimo

- Saudação à Beata Virgem Maria

- Saudação às Virtudes

- Cântico de Frei Sol

2.2.5. Fragmentos em outros livros:

- Bênção a Frei Bernardo

- Testamento de Sena

- Ditado da Verdadeira e Perfeita Alegria

- Carta aos Bolonheses

- Carta a Santa Clara sobre o Jejum e

- Bênção a Santa Clara

- Carta a Frei Jacoba

- Carta aos Frades Franceses

E tem ainda os não autênticos ou inseguros, entre estes: a „Oração simples pela paz‟

(que surgiu na França em 1914).

2.3. Francisco autor?

Há uma grande variedade de modalidades nas quais Francisco passa por autor:

a) Algumas vezes ele escreveu diretamente, sem auxílio de ninguém e de próprio

punho (BLe, CtaL).

b) Outras vezes escreveu sozinho, mas ditando o conteúdo a um secretário. É o

caso das orações, CISol.

c) Ou alguém simplesmente anotava o que Francisco falava (Adm) e não sabemos

se ele revisou os textos ou não.

d) Em outras, ele escreveu ou ditou o que fora debatido por um grupo

(Testamento) ou em um capítulo. Ou ainda, um assunto fora debatido com Francisco e

alguém escreveu. Este é o caso da Rnb. As informações de que Cesário de Espira teria

acrescentado textos bíblicos atualmente já não é pacífica, pois certos textos são o

próprio conteúdo central.

e) Outras vezes ainda ele praticamente nada pôs de próprio, apenas recolheu

citações bíblicas (Ofp). Neste caso, sua espiritualidade se revela (e muito) na seleção

feita dos testos.

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f) Por fim, fez o primeiro esboço da Rb. No texto trabalharam també]m Frades e a

Cúria Romana.

Todas estas são formas de autoria. Francisco escreveu em latim. Dois textos no

italiano vulgar: CISol e OCr.

2.4. História dos Escritos.

Falávamos, acima, de “Forma minorum”. Com esta expressão se atinge o âmago

da vida franciscana. A Regra não é a forma, ou seja, o modo, o como, o todo e o

elemento constitutivo dessa vida. Esta encontramos na figura viva de nosso pai

comum, Francisco, que por sua vida e por sua exuberante personalidade representa o

tipo original e o modelo perene da vida franciscana, o ponto de referência para quem

recebeu o dom da vida franciscana.

Como é que os Escritos de São Francisco chegaram até nós? Dizem nossas FF

(p. 14) que „desde muito cedo, houve, por parte dos Frades Menores, grande interesse

em recolher tudo aquilo que São Francisco escreveu ou mandou escrever‟. Assim

foram surgindo escritos, Manuscritos que recolhiam tudo o que havia sobre o santo,

em particular o que viera dele, inclusive alguns mosteiros dos Beneditinos foram

copiando e anexando alguns textos de Francisco aos seus Manuscritos.

Frei Caetano Esser, na segunda metade do séc. XX examinou os Escritos de São

Francisco, entrou em contato com mais do que uma centena de Manuscritos. Vários,

destes, provém do século XIII, sendo o mais importante o códice 338 da Biblioteca

Comunal de Assis (Metade do Séc.). Fazer coletâneas era normal: Francisco era

importante e o Movimento Franciscano forte e de projeção na Igreja e nas

Universidades; São Francisco tinha incentivado os destinatários de seus escritos a

fazerem cópias, a guardá-los na memória e a colocá-los em prática (CtaG, seu final;

final da ctaO; final da ctaCl e ctaCust). Assim, grande é o número de Manuscritos que

trazem coletâneas, umas mais completas e outras menos dos Escritos do Santo. Ao

longo do primeiro século franciscano houve uma verdadeira proliferação destas

coletâneas (foram copiadas).

Alguns têm uma documentação muito antiga, outros constam de coleções

medievais, e outros foram descobertos há bem pouco tempo. Sua apresentação: 1) os

testemunhos mais antigos; 2) as coleções medievais; 3) outras descobertas.

2.4.1. Os testemunhos mais antigos:

a) Autógrafos (saíram das mãos de Francisco): são 3: a Bênção a Frei Leão e

os Louvores a Deus Altíssimo, estão nos dois lados de um mesmo pergaminho,

conservado e exposto na Basílica de S. Francisco em Assis. A Carta a Frei Leão, está

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exposta na catedral de Espoleto. São pergaminhos pequenos, que Frei Leão guardou no

seu hábito até o fim da vida. Pergaminhos: é de couro. Papiro: de planta. Trapo: pano

(China).

b) O códice B. 24 da Biblioteca Vallicelliana em Roma. Pertence à Abadia do

Subiaco e contém um missal em que se transcreveu (entre os anos 1219 e 1238) a

Primeira Carta aos Clérigos. É o códice mais antigo com um Escrito de Francisco.

Contém o sinal “Tau com a cabeça”, como na Bênção a Frei Leão.

c) Um sermão de 1231: Pregando aos universitários de Paris, no dia 13 de

julho de 1231, um dominicano citou a Admoestação 6, atribuindo-a explicitamente a

S. Francisco.

2.4.2. As coleções medievais.

Há 4 coleções antigas, já estudadas por Paul Sabatier (1858-1928) e Sofrônio Clasen

OFM (+1975).

a) O Códice 338 de Assis: Pertencia ao Sacro Convento de Assis e foi seqüestrado em

1810, passando a pertencer ao governo italiano, que desde 1981, permitiu que voltasse

a ser guardado no convento. Foi escrito por frades do Sacro Convento antes de 1279,

metade do século.

b) A compilação de Avinhão. Trabalho de um Frade que, por volta do ano 1340,

reuniu informações sobre o Santo que não constavam na Legenda Maior.

c) O grupo da Porciúncula. São 8 manuscritos feitos por copistas profissionais,

provenientes dos conventos da estrita observância. São do século XIV, um deles

certamente antes de 1370.

d) O grupo do norte ou da província da Colônia. São 11 manuscritos, feitos por

profissionais, fora da Ordem: cônegos regulares ou crucíferos. São do fim do século

XIV ou do começo do século XV.

Estes grupos somam uns 30 códices, que constituem a base de quase todos os

outros manuscritos conhecidos.

Todas essas coleções apresentam as Admoestações, a 2CtaF, a CtaO e a SV. As

3 primeiras dão também a Regra bulada e o Testamento.

Assis, Avinhão e Norte dão também a REr e os LH. Avinhão e Porciúncula

trazem a BL e a SBVM. Assis e Avinhão dão o OP e o CIS. Só Avinhão traz a OC e a

CtaA. Só Porciúncula tem a CtaM e Rnb. Avinhão dá um pedacinho do cap. 16 da

Rnb.

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2.4.3. Outras descobertas. Há também algumas coleções conservadas em códices do

século XIV e XV. A mais importante está guardada no Antonianum de Roma.

Numerosos manuscritos só dão um ou dois Escritos, em geral a Rb e o Test.

Todos estes pergaminhos foram descobertos nos últimos anos do séc. XIX ou no

século XX. “Ouvi, pobrezinhas” só foi descoberto em 1976, por Giovanni Boccali,

após indicações das Clarissas.

2.4.3.1. Edições impressas.

Nos tempos modernos as edições dos Escritos de Francisco estão ligadas a estudiosos

que as publicaram. Eis os mais importantes:

1) Lucas Wadding: fez a primeira edição desde a invenção da imprensa (uma coleção

não sistemática). É um frade irlandês que publicou os Annales Minorum. Usou a

palavra Opusculos (obrinhas). Hoje falamos em Escritos. Este livro era enorme e tinha

710 páginas. Ele como que recolheu tudo o que tinha. Não precisou pela autenticidade

e nem pela sistemática. A primeira tradução de Escritos de S. Francisco foi Francesa,

1632.

2) Paulo Sabatier: é um pastor protestante e escreveu uma Vida de São Francisco, em

1893. Estudou os pergaminhos que falavam de Francisco e revolucionou as buscas

franciscanas, já muito insatisfeitas com a coleção de Wadding por ter incluído obras

legítimas juntamente com outras inseguras ou apócrifas. As publicações de Sabatier

animou outros estudiosos e pesquisar e rever os Escritos de São Francisco e as Fontes

históricas. A questão franciscana movimentou os estudiosos. A partir disto

começaram, já no século XX a aparecer edições críticas.

3) Leonardo Lemmens (franciscano - 1904), publicação dos estudiosos de Quaracchi,

perto de Florença. Limitou-se aos escritos em latim, logo não incluiu o Cântico de Frei

Sol, cujo original era em italiano, e estava no códice 338, usado por ele. Heinrich

Boehmer (leigo - 1904), de Tübingen. Apresenta a história dos Escritos, a edição de

Wadding e distingue os diversos escritos do Santo. A partir destas os Escritos de

Francisco ficaram já bem reduzidos. Sabatier colaborou com os dois, que estudaram

separadamente, mas a conclusão é muito próxima.

4) Caetano Esser (edição crítica é de 1976. Viveu de 1913-1978). Nos primeiros

decênios do século XX os estudiosos encontravam muitos novos manuscritos. Estava

em alta a Questão Franciscana. Os Escritos foram cada vez melhor conhecidos. Esser

fez sua tese sobre o Testamento. Comparou um por um os pergaminhos que traziam o

texto. Foi percebendo a dependência entre os diversos códices e estabeleceu a base

para uma edição crítica. Continuou a estudar todos os escritos do Santo. Conseguiu

reunir 196 códices que continham os Escritos, sem contar mais 56 que só tinham a

Regra não bulada e o Testamento. Em 1976 saíram duas edições críticas: a de Esser e a

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outra de João Boccali, ofm. Este publicou uma concordância dos Escritos de Francisco

e de Santa Clara. O texto de Esser serviu de base para as traduções modernas.

5) Em 2001 (25 anos depois) foi celebrado um Congresso em cima dessa edição e foi

tomada a decisão de manter esta Edição, mas também se decidiu publicar um anexo

com várias modificações e melhoramentos. Este trabalho continua. Sempre avançamos

e melhoramos. No Brasil, em 2004 fomos contemplados com uma nova edição das FF

com os textos de Francisco e de Clara e das principais fontes do primeiro século

franciscano.

6) Uma nova edição. Em 1995 as Edizioni Porziunola, de Assis apresentaram as

Fontes Franciscani (latim). São 2.581 páginas em papel bíblia. Traz todas as Fontes

mais importantes, com preciosas introduções atualizadas (traz os Escritos, a Legenda e

o Processo de Santa Clara). É edição na versão crítica.

7) 2009: Edizione critica, a cura di Carlo Paolazzi, ofm. Francesco d‟Assisi. Scritti.

Para celebrar o 8º Centenário da Aprovação da Forma de vida.

2.4.3.2. Para se ter uma idéia de como se faz uma edição crítica.

O fundamental é estudar todos os pergaminhos antigos para chegar a estabelecer

um texto seguro, isto é, o mais próximo possível do que foi escrito no tempo de S.

Francisco.

„Quanto mais velho o pergaminho mais próximo do texto verdadeiro‟, é princípio

válido (caso o códice 338 de Assis), mas nem sempre garantido. Um texto

intermediário pode ter copiado com maior autenticidade. Então, para termos uma idéia,

há regras que foram estabelecidas:

1. O latim menos certo ou textos com os italianismos não corrigidos.

2. Alguns textos estavam decorados (Testamento e Regra): é preferível a forma

diferente.

3. A Ordem mudou muito e certas expressões sobre a vida fraterna não se

entendiam mais. Então o costume era tomar outra palavra em uso. Aqui é importante o

conhecimento da história, pode ajudar a perceber o texto corrigido.

4. A linguagem teológica de Francisco e companheiros é anterior à Escolástica. O

texto mais antigo é o menos correto, ou com linguagem certamente mais antiga.

5. S. Francisco usava uma prosa despojada, sem belezas de estilo. Entre um

pergaminho que tem um texto mais bonito e outro com linguagem mais rude, é preciso

ficar com o menos bonito.

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2.4.3.3. Datação dos Escritos. Conforme página 18s das nossas Fontes

Franciscanas e Clarianas.

2.5. Metodologia de leitura.

Para uma metodologia mais científica de leitura importa ter presente as diversas

formas em que Francisco foi autor. Isso interfere na compreensão.

Ter presente o momento cronológico ou psicológico, pessoal em que elaborou:

é ver o texto, contexto e pretexto. Há sempre um porquê e um para quê.

Francisco é homem longe das ambições literárias, mas, por sua origem, é

mercador dotado de inato espírito prático, no agir, no falar, no escrever. Cada palavra é

importante: pode fechar um negócio ou perdê-lo! Ligado ao seu mundo interior, a

palavra de Francisco é instrumento ágil e segura que está direcionada ao objetivo.

Para não fazer uma leitura fundamentalista, é importante fazer umas perguntas:

quando; por que (Francisco responde a qual situação; o que se passava com Francisco

(contexto pessoal).

É importante ainda saber desde onde se lê, isto é: a partir de que lugar social.

Assim, não existe uma leitura neutra. Certas dimensões do conteúdo apenas quem vive

a experiência poderá perceber.

Ter cuidado de não ler os Escritos com a idéia de mito de Francisco que as

biografias nos passaram (Fioretti).

3.1. Em grupos:

1) Admoestações. Ler, conforme acima, e Admoestação VI. Tentar evidenciar quando

foi escrito, o que estava acontecendo, o problema entre os Frades que Francisco

procura sanar. A espiritualidade do texto, e qual o Escrito onde o mesmo tema é

abordado: ler no contexto, com a maneira de pensar de Francisco. Atualizar.

2) Testamento: ler, conforme acima; tomar um parágrafo do Testamento: o que

Francisco quer confirmar ou corrigir; o que estava acontecendo. A espiritualidade do

texto e onde Francisco tem voltado a este tema? Ler no contexto. Atualizar.

3) Ouvi, pobrezinhas: ler, conforme acima. Ler o texto, entender o que estava

acontecendo com a Clarissas em São Damião e a preocupação de Francisco. Perceber

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o jeito de Francisco falar com as Irmãs. Espiritualidade no contexto dos demais

Escritos. Atualizar.

4) Regra bulada: Ler, conforme acima. Tomar o cap. IX. Quais dificuldades havia na

vida da Fraternidade? Perceber o jeito de Francisco, as palavras que usa, sua firmeza.

Entender a espiritualidade do texto com outros Escritos. Atualizar.

5. Regra não bulada. Ler, conforme acima. Tomar o cap. V, 13-17. Quais dificuldades

havia na vida da Fraternidade? Perceber o jeito de Francisco, as palavras que usa, sua

firmeza. Entender a espiritualidade do texto com outros Escritos. Atualizar.

6. Regra para os Eremitérios. Ler, conforme acima. O porquê deste texto. Quais

dificuldades havia na vida da Fraternidade? Perceber o jeito de Francisco, as palavras

que usa, sua energia e convicção. Entender a espiritualidade do texto com outros

Escritos. Atualizar.

7. Forma de Vida para Santa Clara. Ler, conforme acima. Essencialmente, o que

Francisco diz? Quais dificuldades havia na Fraternidade, ou qual segurança quer

transmitir? Perceber o jeito de Francisco, as palavras que usa, o seu coração de mãe.

Entender a espiritualidade do texto com outros Escritos. Atualizar.

8. 2ctaF. Ler, conforme acima. Tomar os vv. 4.22-27. Quais dificuldades havia entre

os Irmãos e Irmãs da Penitência? Perceber o jeito de Francisco, as palavras que usa,

sua firmeza. Entender a espiritualidade do texto com outros Escritos. Atualizar.