Fronteira de Miguel Torga

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 Maria Emilia Miranda

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O conto «Fronteira», de Miguel Torga Tópicos de análise:  

- Tema 

- Acção - Personagens - Espaço - Tempo - Narrador - Modos de representação e de expressão - Recursos estilísticos mais utilizados - Expressividade de alguns recursos estilísticos  - Aspectos Simbólicos 

Tema  

“ Luta pela sobrevivência, à margem da lei, numa terra hostil.”   O Conto “Fronteira”, da autoria de Miguel Torga, trata acerca da luta pela sobrevivência

à margem da lei, numa terra hostil, por parte da população de Fronteira. Esta luta pelasobrevivência está patente, sobretudo, na acção principal do conto. 

Acção  

Este conto é constituído por duas intrigas: a principal, que trata da luta de Fronteira pelasobrevivência, e a secundária, que trata dos amores entre Isabel e Robalo. 

A acção principal é, quanto à composição, aberta, pois o destino dos habitantes deFronteira não é conhecido, mas pressupõe-se que continuem a sua luta contínua e diáriapara sobreviver. Aliás, o narrador informa-nos que esta luta sempre existiu (“Desde que o

mundo é mundo...”) e que não terminará tão cedo (“…Fronteira e o seu destino.”). A história

de Robalo e Isabel, eventualmente, acaba por corroborar esta ideia, pois Robalo deixa deser guarda para se tornar contrabandista. E isto tem especial importância, visto que este

representa o guarda e o Estado em toda a sua força, mas que, contudo, acaba por se renderà “Lei da Vida”, ou seja, ao contrabando. 

A acção secundária, por sua vez, é fechada, pois conhece-se o destino dos dois amantes – eles acabam por ficar juntos, após uma série de peripécias que retratam a relação entre osguardas e os contrabandistas: um entendimento, seguido de uma tensão entre as duasforças até ao alcance de um novo entendimento ou até à rendição dos guardas ao destinode Fronteira e dos seus habitantes. Esta acção está encaixada na acção principal através deuma analepse (“Desses saltos do quotidiano de Fronteira, o pior foi o que se deu com a

vinda do Robalo.”). 

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Personagens  

 A personagem principal da acção central é a própria localidade, Fronteira (“…Fronteira

desperta.”, “Mas Fronteira tinha de vencer”). Fronteira é, neste conto, uma personagem

colectiva, sendo por isso muito importante na história. O nome "fronteira" é tambémimportante porque se reveste de grande simbolismo, pois representa não só a fronteira entrePortugal e Espanha, mas também a fronteira entre guardas e contrabandistas e entre o serhumano e o que o rodeia. 

Podemos ainda encontrar, na acção principal, algumas personagens-tipo. Elas são, porexemplo, o Valentim, o Sabino, o Rala, o Salta e a Isabel, entre outros. Estes são descritosdirectamente (“…[Valentim] magro, fechado numa roupa negra…”, “ O Salta, que parece

anão…” e “ [Isabel] aquilo são pés de veludo.”) e indirectamente (“ [Sabino] parece um rato a

surgir do buraco.”, “ O Salta… chega ao cruzeiro, benze-se…”). Convém, ainda, mencionar ofacto de estas personagens existirem para conferir verosimilhança à história. 

As personagens principais da acção secundária são Robalo e Isabel. Como já foireferido, eles acabam por encarnar a “luta” entre guardas e contrabandistas: ele é umguarda zeloso e cumpridor, tão consciente da sua função que reprime os seus instintos deHomem, até para com a sua amante, Isabel (“…parecia um cão a guardar.”, “sítio que

rondasse era sítio excomungado.”, “ gosto muito de ti [Isabel], tudo mais, mas se teencontro…atiro como a outro qualquer.”, “…como por detrás do Homem...passos só

pressentidos.”, “cego e frio dentro da função”) e ela, a contrabandista, orgulhosa e

determinada, bela e irresistível (até para os guardas) - “A rapariga tirava a respiração a ummortal.” -, tão necessitada de ganhar a vida com o contrabando que parecia sempre grávida,o que deu lugar a equívocos (“Este volume todo é gente... Querias?”).  

Como se pode verificar, as personagens são caracterizadas directa e indirectamente e,aqui, embora Isabel seja protagonista, ela é uma personagem plana – permanece orgulhosa,determinada e corajosa até ao fim, não muda nunca. O Robalo, por sua vez, desiste de serguarda para ser contrabandista  –  esta decisão (ou “resignação”) revela uma grandemudança da sua parte, logo, ele é uma personagem modelada. 

Espaço  

O espaço exterior onde a acção da narrativa se desenrola é constituído,

maioritariamente, por Fronteira (“Pequenina, de casas iguais e rudimentares, escondida domundo nas dobras angustiadas e ossudas de uma capucha de granito”.). Contudo, algumas

cenas passaram-se no ribeiro (“E, quando os passos se molharam… à margem (…)”).  Quanto ao espaço interior, não há referências precisas. Relativamente ao espaço psicológico, há a destacar os momentos que dão conta da

vivência interior de Robalo, referidos através de discurso indirecto livre, onde o narradorrevela os pensamentos, emoções e sonhos da personagem (“Pena a Isabel ter -lhe saídocontrabandista… tê-la encontrado numa terra daquelas…senão, mais tarde, quando tivesse

a reforma…Até mesmo agora…”). Para caracterizar o espaço social, podemos retirar a seguinte citação: “…casas na

extrema pureza de uma toca humana, e aqueles seres deitados ao Sol como queesquecidos da vida (…)”. Explicitando, o meio social em que se desenrola a acção é pobre e

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rural. 

Tempo  

Através dos dados fornecidos ao logo do texto, pode concluir-se que a acção centralocorre daquele modo desde há muito tempo e que continuará a ocorrer assim durante outrotanto (“Desde que o mundo é mundo que toda a gente ali governa a vida na lavoura que a

terra permite”), sendo difícil de definir por ser muito vago. Pode até dizer -se que esta históriapoderia ocorrer em qualquer tempo (no presente, no passado, ou até no futuro), o que lheconfere características intemporais. 

Por sua vez, a acção secundária deve ter-se realizado em pouco mais de nove meses,visto que esta narra a história de Robalo e Isabel, iniciando-se pouco antes de estes seconhecerem e terminando após o nascimento do seu filho. 

Quanto ao tempo psicológico, não existem muitas informações, especialmente no quetoca à acção principal, mas pode deduzir-se que o tempo da acção secundária foirelativamente curto para Robalo (“Como a vida em Fronteira é de noite que  se vive…

puderam decorrer meses sem o rapaz pôr os olhos sequer na rapariga.”).  Este conto apresenta uma narrativa bem organizada cronologicamente (“Já lá vão

anos…”, “ Quando a noite desce…”, “E até ao Natal…”), mesmo apesar de as duas acções

estarem ligadas através do encaixe (a acção secundária encaixa na acção principal). A

acção secundária apresenta também uma característica discursiva típica do conto: osumário. Este foi aplicado aos meses de gravidez de Isabel, que são assim mencionados:“… puderam decorrer meses sem o rapaz pôr os olhos sequer na rapariga.” e “E até ao

Natal a vida foi deslizando assim.”. 

Narrador  

O narrador desta história é, quanto à presença, não participante. Ele é omnisciente poissabe o que se passa no interior das personagens (“Comovido, deixou-se perder por

momentos na vaga mansidão da brancura.”), apresenta indícios sobre o que vai ocorrer e é

subjectivo pois faz comentários (“Mas Fronteira tinha de vencer.” ; “…porque o Diabo põe e

Deus dispõe.”). Após o estudo do conto, pode concluir-se que este não possui narratário explícito, ou

seja não há qualquer indicação quanto à sua identidade. 

Modos de representação e de expressão  

Neste conto, predomina claramente a narração, não fosse este facto característico deste

tipo de narrativa  –  “Quando algum não regressa… a passar o ribeiro.”. Contudo, podemos

encontrar excertos de descrição (“A rapariga tirava a respiração a um mortal. Vinte e dois

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anos que nem vinte e dois dias de S. João. Cada braço, cada perna, cada seio, que era de agente se lamber.”). 

É também de referir que este conto é pobre em diálogos e em monólogos, sendo estes,na sua maioria, curtos e sintéticos (“- O Valentim?...Parecia um bombo.”). 

Recursos estilísticos mais utilizados  

Podemos verificar que neste conto predominam determinados recursos estilísticos, dosquais passamos a apresentar exemplos: 

comparação: “Parece um rato a sair do buraco”, “…parece aço a bater em pederneira.”  metáfora: “Era o rei de Fronteira”, “…vão deslizando da toca.”, “…governa a vida na

lavoura que a terra permite.” e “…a sua ladradela de mastim zeloso…”  personificação  – aplicada especialmente a Fronteira, mas não só: “Fronteira desperta”,

“Fronteira sossega”, “…o coração da aldeia estremece mas não hesita.” e “…as ervasfalam…”). 

Embora não tão predominantes, ainda é possível encontrar no conto alguns exemplos deantítese (“… se por conta do Estado… se por conta da Vida a passar o ribeiro.” ) e de duplaadjectivação (“…missão hirta e fria…”), entre outros recursos. 

Cada um deles tem um papel na narrativa, mas, de entre todos, podemos destacar opapel da personificação (por vezes animismo) e da antítese. A primeira tem muitaimportância pois permite ao leitor entender Fronteira como uma personagem que não sóencarna todos os seus habitantes, como também parece ser uma entidade exterior a eles; aantítese, por sua vez, opõe as duas forças em permanente confronto que “ditam” a vida em

Fronteira e no conto: os Guardas (Lei do Estado) e os contrabandistas (Lei da Vida).  Expressividade de alguns recursos estilísticos  

Se entre os recursos mencionados anteriormente, é possível destacar, devido à suaexpressividade, alguns deles, comecemos pela recorrente personificação. Esta, tal como jáfoi referido, é utilizada especialmente para dar a Fronteira características humanas (elareceia, teme pelos seus, não compreende a Lei do Estado…). Para caracterizar Fronteira,

são também usados outros recursos como a antítese (“…esta rarefacção que se faz na

aldeia, longe de a esvaziar, enche-a.”) que, neste caso, nos permite deduzir que quandoesta fica vazia de gente, fica cheia de angústia pelos seus habitantes, a metáfora (“… na

lavoura que a terra permite…”) que faz uma analogia entre a fonte de alimento e riqueza de

qualquer comum aldeia e a “fonte de alimento e riqueza de Fronteira”, entre outros.  Na acção secundária do conto encontram-se variadas comparações e metáforas que

associam Robalo a um cão de guarda (“…parecia um cão a guardar.”, “…a sua ladradela de

mastim zeloso…”), o que permite ao leitor aperceber -se da personalidade teimosa e doprofissionalismo da personagem. Outras comparações surgem, ainda, para descrever a suarelação com Isabel, destacando-se, por exemplo, estas: “…o lume pegou-se à estopa…”, o

que é uma maneira de dizer que se apaixonaram quase imediatamente (a estopa é muito

inflamável, logo, em contacto com o fogo incendeia facilmente) e “… a presença da raparigaera como um enigma sagrado para ele…”. Esta última - apresentada imediatamente antesde Isabel dizer que estava grávida - transmite a ideia de que Robalo não compreende Isabel,

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mas que a acha muito bela, misteriosa (enigma) e sedutora (sagrado).  

Aspectos Simbólicos  

É possível encontrar neste conto alguns elementos simbólicos. Eles são, por exemplo,atoca dos habitantes da Fronteira (que parece não só simbolizar a protecção que as suascasas lhes proporcionam, mas também fazer uma comparação entre os aldeãos e animaisselvagens, pois são obrigados a proteger-se e a refugiar-se), o ninho de Robalo e Isabel(que é o nome que o narrador dá à casa dos dois e é uma forma indirecta de os compararaos “pombinhos” e de deixar transparecer o carinho da sua relação) e a noite da véspera de 

natal . Este é um elemento simbólico de grande importância pois conceder ao filho dos dois omesmo dia de anos de Jesus Cristo, comparando, assim, aquele que trouxe um novo rumoao mundo àquele que trouxe um novo rumo à vida de Robalo. 

Outro elemento simbólico muito importante é a própria Fronteira. Esta simboliza não só

aqueles que vivem a Lei da Vida, mas também a “fronteira” entre Portugal e Espanha, entre

guardas e contrabandistas e entre o ser humano e o que o rodeia, como já foi referido.