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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO ISSN 0103-3905 FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser que divulga análises socioeconômicas de caráter conjuntural no âmbito das econo- mias gaúcha, nacional e internacional. EDITOR Maria Heloisa Lenz SECRETÁRIA EXECUTIVA Lilia Pereira Sá Trimestral CONSELHO DE REDAÇÃO Maria Heloisa Lenz Maria Conceição Sá e Souza Schettert Maria Lucrécia Calandro Martinho Roberto Lazzari Miriam De Toni Teresinha da Silva Bello CONSELHO EDITORIAL Maria Heloisa Lenz Álvaro Antônio Louzada Garcia Maria Aparecida Grendene de Souza Pedro Cezar Dutra Fonseca Otília Beatriz K. Carrion Dercio Garcia Munhoz Leda Paulani Maurício Coutinho Luiz G. Belluzzo Indicadores Econômicos Indic. Econ. FEE Porto Alegre v. 33 n. 1 p. 1-340 2005

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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO ISSN 0103-3905FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser

A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e EstatísticaSiegfried Emanuel Heuser que divulga análises socioeconômicas de caráter conjuntural no âmbito das econo-mias gaúcha, nacional e internacional.

EDITORMaria Heloisa Lenz

SECRETÁRIA EXECUTIVALilia Pereira Sá

Trimestral

CONSELHO DE REDAÇÃOMaria Heloisa LenzMaria Conceição Sá e Souza SchettertMaria Lucrécia CalandroMartinho Roberto LazzariMiriam De ToniTeresinha da Silva Bello

CONSELHO EDITORIALMaria Heloisa LenzÁlvaro Antônio Louzada GarciaMaria Aparecida Grendene de SouzaPedro Cezar Dutra FonsecaOtília Beatriz K. CarrionDercio Garcia MunhozLeda PaulaniMaurício CoutinhoLuiz G. Belluzzo

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INDICADORES ECONÔMICOS FEE / Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. — v. 16, n. 2 (1988) - . - Porto Alegre: FEE, 1988 - . - v.- Trimestral

Continuação de: Indicadores Econômicos RS, v. 16, n. 2, 1988. Índices: 1973-1988 em v. 17, n. 1; 1973-1990 em v. 19, n. 1; 1973-1992 em v. 21, n. 4; 1992-1994 em v. 23, n. 3.

ISSN 0103-3905

1. Economia - periódicos. 2. Estatística - periódicos. I. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. CDU 33(05) CDU 31(05)

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Sumário

A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas exter-nas — André Moreira Cunha e Daniela Magalhães Prates ............

O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica —Aod Cunha de Moraes Jr. .............................................................

Contradições e limites da política industrial do Governo Lula — ClarisseChiappini Castilhos ........................................................................

Dezenove milhões, novecentos e noventa e oito mil, novecentos equarenta e sete empregos e políticas públicas: buscando avançar alémda conjuntura — Duilio de Avila Bêrni e Eduardo Grijó .................

A política macroeconômica do crescimento insustentável — FabrícioAugusto de Oliveira e Paulo Nakatani ...........................................

A ortodoxia econômica do Governo Lula da Silva e a busca daesperança perdida a partir de uma proposição de política econômicaalternativa — Fernando Ferrari Filho ...............................................

Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento —Flávio Benevett Fligenspan ..........................................................

A governança da política monetária brasileira: análise e proposta demudança — José Luís Oreiro e Marcelo Passos ............................

Os lumes da razão e os milagres da Providência: a necessidade deimpor limites ao capital rentista — Luiz Paulo Ferreira Nogueról ....

Política econômica e crescimento sustentado: os resultados da pri-meira metade do Governo Lula — Marcelo S. Portugal e PauloChananeco F. de Barcellos Neto ......................................................

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Política monetária e relação entre PIB real e mercado de ações naeconomia brasileira — Maurício Nunes e Sergio da Silva ..................

A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade daretomada do crescimento — Paulo Gonzaga M. de Carvalho eCarmem Aparecida Feijó .............................................................

Dois anos de Governo Lula: resultados e alternativas às políticaseconômicas adotadas — Ricardo Dathein .........................................

Por que o Brasil não volta a crescer como antes? Uma questão depolítica econômica? — Roberto Camps Moraes .................................

Crescimento, desenvolvimento e cidadania — Rosa Maria Marques eÁquilas Mendes ..............................................................................

A atual condução das negociações internacionais brasileiras —Teresinha da Silva Bello ..................................................................

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A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas

A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas*

André Moreira Cunha** Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pesquisador do CNPQ.

Daniela Magalhães Prates* ** Professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas.

Resumo

Desde 1999, com a desvalorização do real e a subseqüente implementação deum regime de câmbio flexível associado ao arcabouço de metas de inflação e auma política fiscal bastante restritiva, a economia brasileira tem experimentadoum ajuste importante em suas contas externas. Este trabalho analisa tal processode ajustamento e seus limites. Sugere-se que a estratégia macroeconômicabaseada naquele tripé não é uma condição suficiente para promover ocrescimento sustentável com estabilidade no contexto de volatilidade da recenteonda de globalização financeira.

Palavras-chaveEconomia brasileira; ajuste do balanço de pagamentos; globalização fi-nanceira.

* Versão atualizada em abril de 2005. Os autores agradecem os bolsistas de iniciação cientí- fica Guilherme Alexandre de Thomaz do CNPq-PIBIC, João Henrique Melo da Unicamp e Henrique Renck da UFRGS.

**E-mail: [email protected]

***E-mail: [email protected]

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AbstractSince 1999, with the Real devaluation, and the subsequent implementation of aflexible exchange rate regime associated with an inflation targeting frameworkand a very restrict fiscal policy, the brazilian economy has been experience animportant adjustment in his external accounts. This paper analyses thatadjustment process and its possible limits. We suggest that the macroeconomicstrategy based on that triad is not a sufficient condition to promote sustainedgrowth with stability, in a volatile context of the recent wave of financialglobalization.

Artigo recebido em 15 mar. 2005.

Introdução

Há mais de uma década, o debate sobre os rumos da economia brasileiraem geral e sobre a política econômica em particular tem se concentrado nadificuldade de o País retomar o crescimento de forma sustentável. Se, por umlado, o Plano Real foi capaz de debelar um processo crônico de descontroleinflacionário, por outro, a adoção da âncora cambial e a política de juros elevadosgeraram o acúmulo de sensíveis desequilíbrios de estoques nos fronts externoe fiscal. A gestão desses desequilíbrios em um contexto de reversão no quadrode liquidez financeira internacional, que fora um dos pressupostos para a estra-tégia de estabilização e “crescimento com poupança externa”, marcou a segundafase do Plano — após a desvalorização cambial do início de 1999. Da mesmaforma, a tutela do FMI e a implantação de um novo regime de políticas fiscal,monetária e cambial foram definindo os marcos da política econômica perseguidadesde então.

Como pode ser visto na Tabela 1 do Anexo, os resultados da “Era Real”estão longe de configurar um quadro animador. A euforia da estabilização comalgum crescimento nos primeiros anos, que garantiu a base para a reeleição doPresidente Fernando Henrique Cardoso, foi dando lugar à estagnação econômica,à deterioração do mercado de trabalho e ao aprofundamento dos passivos fiscale externo. Foi nesse contexto socioeconômico que se deu a eleição do Presidente

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A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas

Luiz Inácio Lula da Silva. Tendo de administrar uma profunda crise, potencializadapelas incertezas da transição política, o novo Governo optou por manter asdiretrizes de política econômica herdadas do período anterior. O comando daárea econômica foi confiado a pessoas alinhadas ao pensamento dominante noestablishment financeiro. Buscou-se, com isso, o aval dos credores, numa linhaque claramente apontava a acomodação dos conflitos distributivos que sustentamuma situação estrutural de má distribuição de renda, riqueza e oportunidades.Assim, um governo que havia sido eleito com um discurso de “mudança” tornou--se, com o tempo, uma engrenagem cada vez mais ajustada à manutenção dostatus quo na sociedade brasileira.

Até agora, tal opção conservadora tem se legitimado, devido à retomadarecente do crescimento econômico e à melhoria nas condições de financiamentoexterno do País. É nesse ponto que se insere o presente trabalho. Procura-seanalisar a qualidade do ajuste externo que vem se realizando desde 1999. Emespecial, mostra-se que a conjuntura externa, tanto nos mercados financeirosquanto no comércio, indica para uma situação excepcionalmente favorável. Tem--se, com isso, uma clara oportunidade de se romper com o ciclo de instabilidademacroeconômica e de baixo crescimento derivado de um padrão de fragilidadefinanceira externa. Além desta Introdução, os argumentos estão estruturadosem mais três itens. A seguir, retomam-se alguns pontos do debate recente sobreas prioridades da política econômica. Depois, faz-se uma análise detalhada doajuste nas contas externas do Brasil, desde 1999. Conclui-se que, apesar dasmelhorias de fluxos, a existência de importantes desequilíbrios de estoquesimpõe um desafio crucial para os formuladores de política econômica. Se elesnão forem enfrentados com políticas ativas na área cambial e de gestão dosfluxos privados de capitais, poderão comprometer o estabelecimento de umciclo virtuoso de crescimento com estabilidade.

1 - A política econômica e o desempenho recente da economia brasileira

Nas Tabelas 1 e 2 do Anexo, pode-se ver um pouco do desempenho daeconomia brasileira no período do Plano Real. Este teve pelo menos duas fases.Entre sua implementação e janeiro de 1999, a utilização da âncora cambial, emum contexto inicialmente marcado por uma elevada liquidez externa, levou auma sensível apreciação do real. Em conjunto com a redução unilateral de tarifasde importação, também como medida voltada para o combate à inflação, o real

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forte gerou déficits comerciais crescentes, que, associados aos demais pagamen-tos de serviços e remessas de rendas diversas, levaram a conta corrente aposições negativas superiores a 4% do PIB. O Brasil perdeu espaço no comérciomundial exatamente em uma década de forte expansão das exportaçõesmundiais.1 O financiamento externo passou a depender tanto da atração deinvestimento externo direto, o que foi facilitado pelos processos de privatizações,quanto da manutenção de um elevado diferencial entre os juros internos eexternos,2 de modo a atrair investimentos em portfólio. Câmbio apreciado ejuros elevados contribuíram para que a dívida líquida do setor públicoduplicasse no período e para o aumento da carga tributária em 10 pontospercentuais com respeito ao PIB — chegando a 40% da renda, um nível muitosuperior ao de economias de porte semelhante ao do Brasil.

A estabilidade de preços e os ganhos reais nos salários até 1997 geraramos dividendos eleitorais. Todavia a reeleição de FHC deu-se em meio a um ataqueespeculativo. A fuga de capitais de US$ 40 bilhões levou, após a definição dopleito eleitoral, à realização do primeiro dos três programas do FMI, da “EraFHC”. A desconfiança dos detentores de ativos brasileiros quanto àsustentabilidade do regime de câmbio administrado levou, no começo de 1999,a uma desvalorização de mais de 70% do real. Sob o risco da volta da inflaçãoe aderindo às sugestões do FMI, adotou-se um novo regime macroeconômico,que passou a vigorar, ao longo do segundo mandato de FHC, alicerçado em trêselementos: câmbio flutuante, metas de inflação e geração de superávits primários(que excluem o pagamento de juros sobre a dívida pública) no setor público.Ainda assim, o período de câmbio apreciado e os juros reais elevados fizeramcom que os estoques de dívida fiscal e de passivo externo duplicassem na “EraFHC” (Garcia, 2002; Garcia; Didier, 2001). A estratégia de estabilização,especialmente entre 1995 e 1998, implicou uma troca entre instabilidade depreços e vulnerabilidade externa crescente. Não à-toa, às vésperas da eleição

1 Enquanto as exportações cresceram, em termos acumulados, somente 33% entre 1994 e2001, as importações expandiram-se em mais de 68%. Entre 1995 e 2000, as exportaçõesmundiais aumentaram a uma taxa média composta de 5%. Porém as exportações brasilei-ras cresceram somente 4,5%. Outros “emergentes” aproveitaram o drive exportador deforma mais intensa, com taxas anuais de crescimento das exportações muito superiores,tais como: México, com 14%; China, com 11%; Coréia, com 8%; Malásia e Indonésia, com7%; e Tailândia, com 6% (estimativas dos autores com base nos dados do InternationalMonetary Fund (1995/2001)).

2 A taxa Selic média (remuneração dos títulos públicos, com prazos médios de cerca de trêsanos), deflacionada pelo IPCA (índice oficial de inflação), da “Era FHC” foi de 16% ao ano(Tabela 1 do Anexo). Com taxas equivalentes no mercado internacional, de 4% — estimadapor nós a partir de dados do International Monetary Fund (2004b) —, chega-se a umdiferencial de 12% em termos reais.

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A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas

que levou Lula ao poder, no final de 2002, passou-se a questionar a capacidadedo País de sustentar suas dívidas (Goldstein, 2003; Williamson, 2002).

A partir da adoção do regime de câmbio flutuante, a conta corrente dobalanço de pagamentos (BP) passou a reagir positivamente aos estímulos deuma moeda mais competitiva e, em 2003 e 2004, aos de um ambienteinternacional mais favorável (Tabelas 1 e 2 do Anexo). O saldo comercial passoude um déficit de US$ 1,2 bilhão em 1999 para o superávit recorde de US$ 33,7bilhões em 2004. O superávit em conta corrente atingiu US$ 4,1 bilhões (ou0,8% do PIB) em 2003 e US$ 11,7 bilhões (1,9% do PIB) em 2004. Em paralelo,nos dois primeiros anos do Governo Lula, a inflação retomou uma trajetória dequeda3, e o Risco-País, que havia chegado à casa de 2.400 pontos básicos em2002, estava entre 400 e 500 no final de 2004. A Bolsa de Valores de São Paulo(Bovespa) registrou uma alta acumulada expressiva em 2003 e 2004, ao redorde 160%, se medida em dólares.4 No plano fiscal, a relação dívida/PIB era de52% em dezembro de 2004, o menor nível em três anos. Houve um alargamentono seu prazo médio de vencimento e uma redução da parcela indexada à variaçãocambial.5 Apesar desses resultados, a política monetária apertada fez com queas despesas com juros atingissem 9,3% do PIB em 2003, um nível superior àmédia do período 1995-02. Em 2004, tais gastos caíram para 7,3%. No lado realda economia, depois da manutenção do quadro recessivo em 2003, o ano de2004 foi caracterizado por uma recuperação do crescimento da produção, doemprego e dos salários. O drive exportador, viabilizado por condições internacio-nais excepcionalmente favoráveis, foi o motor do crescimento.

Representantes do Governo Lula e vários analistas consideram que osindicadores supracitados são sinais de acerto na adoção da estratégia de

3 É importante lembrar que, em novembro de 2002, a inflação mensal oficial (IPCA) chegou a3%, o maior nível desde a implementação do Real. Isso significava uma taxa anualizada demais de 40%. As expectativas de inflação apuradas pelo Banco Central do Brasil (2002) paraos 12 meses seguintes, que antes das eleições se situavam dentro da meta inflacionária (ouseja, abaixo dos 5% para o IPCA), chegaram a 13% ao ano, em dezembro de 2002.

4 Entre janeiro de 2003 e dezembro de 2004, os ganhos acumulados no mercado acionárioatingiram a casa de 136% (Ibovespa, em reais), e a apreciação do câmbio nominal (R$/US$)atingiu 21%. Note-se que essa elevação se deu a partir de uma base frágil, pois, entre 2000e 2002, houve uma queda acumulada de mais de 80% no Ibovespa.

5 A apreciação do real contribuiu para reduzir a atratividade das aplicações indexadas àvariação do dólar norte-americano. Com isso, a dívida atrelada ao dólar passou de cerca de40% do total dos papéis em poder do público no final de 2002 a 10% no final de 2004. Aparcela pré-fixada da dívida evoluiu, no mesmo período, de 2% para 18%. Ainda assim, éimportante lembrar que a dívida mobiliária seguiu crescendo em 2003 e 2004, tanto emtermos absolutos quanto relativos.

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manutenção do tripé de gestão macroeconômica herdado do Governo FHC, qualseja: o câmbio flexível associado a uma crescente abertura financeira; um regimede metas de inflação; e a realização de expressivos superávits primários nascontas públicas. Dentro do debate econômico recente no Brasil,6 tal opção éracionalizada a partir da perspectiva de que o problema macroeconômico centraldo País é de origem fiscal.7 Argumenta-se que, para estabilizar a relação dívida//PIB no curto prazo e reverter sua tendência de elevação no longo prazo, há quese adotar medidas de contenção de gastos em uma gestão fiscal ortodoxa quesinalize para os credores a capacidade de solvência da dívida pública. A opçãoda elevação de receitas teria chegado ao seu limite. Somente a manutençãodos fundamentos de política macroeconômica do período 1999-02 seria capazde garantir a “credibilidade” do Governo junto aos mercados financeiros. Soma--se a isso o esforço de se criarem condições estruturalmente estáveis de financia-mento do setor público, especialmente pela via de reformas constitucionais(previdenciária, tributária, independência do Banco Central, etc.) que comprimamgastos e cristalizem o referido “tripé”.

Conquistada a credibilidade, segue o argumento, as taxas reais de jurospoderiam ser reduzidas de forma gradual, o que abriria espaço para um maiorcrescimento da renda e, também, para uma redução nos custos de carregamentoda própria dívida. As reformas na microeconomia completariam um quadro virtuosode ajuste estrutural. Para ampliar a oferta de crédito e reduzir o spread bancário,bastaria implementar uma nova legislação de falência que aprimorasse acapacidade dos credores em reaver seus créditos em caso de inadimplemento.Para enfrentar as desigualdades sociais, haveria de se focalizar o gasto públicodas políticas sociais compensatórias. O setor privado realizaria os investimentosem infra-estrutura, a partir da alteração dos marcos regulatórios e da estatizaçãodos riscos, agora na forma dos projetos de parceria público-privadas. Ficaria defora dessa “agenda” a ampliação substantiva de investimentos públicos em áreasque atuam a favor da redução das desigualdades no longo prazo, como educação,saúde, saneamento, tecnologia, etc.8

6 Recomenda-se a leitura dos trabalhos reunidos por Benecke e Nascimento (2003), Sicsu,Oreiro e De Paula (2003), Albuquerque e Velloso (2003) e Giambiagi e Moreira (1999), alémde Giambiagi (2003) e Carneiro (2003).

7 Ver, dentre outros, Garcia e Didier (2001), Garcia (2002), Williamson (2002), Goldstein(2003), Giambiagi (2003), Arida (2003a, 2003b), Bacha (2003) e Brasil (2003a, 2003b).

8 Exemplo particularmente ilustrativo da visão hegemônica do Governo Lula está no documen-to Gasto Social do Governo Central: 2001 e 2002 (Brasil, 2003), disponível no sitewww.fazenda.gov.br

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A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas

No plano externo, a gestão fiscal conservadora garantiria a confiança dosinvestidores e, com ela, a poupança financeira em moeda forte, necessária parao financiamento estável do BP e para a elevação da taxa de investimentos. Sãopressupostos implícitos nessa estratégia, que pode ser sintetizada no termoConfidence Building9, o aprofundamento da liberalização financeira — no limite,tornando o real plenamente conversível (Arida, 2003a; 2003b; Bacha, 2003)10 , oestreitamento da ação do Estado no estímulo aos investimentos domésticos(em função da contenção dos gastos) e o enfraquecimento de políticas capazesde redistribuir renda de forma estrutural. Em síntese, caberia ao Governo o papelexclusivo de manter a estabilidade macroeconômica e a abertura irrestrita daeconomia e, com isso, criar o ambiente de confiança capaz de incentivar osinvestidores internacionais a apostarem no Brasil. Tal posição, sustentada peloGoverno FHC e claramente identificada com os interesses de certos segmentosda sociedade, especialmente o setor financeiro, tornou-se também hegemônicano Governo Lula.

2 - O ajuste nas contas externas, no período 1999-04

A evolução do BP brasileiro, de 1999 a 2004, foi condicionada: pela mudançano regime de política econômica, cujo marco foi a adoção do câmbio flexível11;pela ampliação do grau de abertura financeira da economia em 2000, comeliminação praticamente total das restrições ainda existentes aos fluxos decapitais entre o País e o exterior; pelo choque externo excepcionalmente favorávelde preços de commodities; e pela recuperação na demanda mundial, a partir de2003. Contudo a adoção do regime de câmbio flutuante num ambiente de livremobilidade de capitais aliviou apenas de forma parcial a situação devulnerabilidade externa do País. Para demonstrar isso, divide-se esta análise

9 Para uma crítica dessa estratégia, ver Belluzzo e Carneiro (2003).10 Vale mencionar que as recentes medidas liberalizantes do Banco Central caminham nesse

sentido. As Resoluções nº 3.265 e nº 3.266, de março de 2005, unificaram o mercadocambial, ampliaram os prazos de retenção de dólares no exterior pelos exportadores eeliminaram os limites para que pessoas físicas e jurídicas convertam reais e dólares e osremetam ao exterior.

11 O segundo pilar desse regime, a política de metas de inflação — que se tornou âncora dapolítica monetária —, foi implementado em junho de 1999.

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em dois momentos. Inicialmente, mostra-se como a reversão dos déficits emconta corrente decorreu de uma sensível recuperação no comércio, que, por suavez, deve ser explicada pelo choque externo positivo do biênio 2003-04. A seguir,são apresentados: (a) a dinâmica das contas capital e financeira, fortementedependente dos ciclos feast-famine dos mercados financeiros globalizados edesregulamentados; e (b) os indicadores de vulnerabilidade externa.

2.1 - O desempenho da conta corrente: os efeitos do “choque benigno”

Observando-se os dados das Tabelas 1 e 2 do Anexo, fica evidente que oajuste na conta corrente, depois de 1999 e especialmente em 2003 e 2004,deveu-se ao excelente desempenho da balança comercial, na medida em queos itens de serviços e rendas são estruturalmente deficitários. Assim, a análisedo desempenho das transações correntes requer um exame detalhado da balançacomercial no período, cujo superávit se ancorou na taxa excepcional decrescimento das exportações — cerca de 32% entre 2003 e 2004 —, numcontexto de recuperação das importações — que se expandiram 30% em relaçãoa 2003. É interessante notar que, até agora, a tendência de apreciação da taxade câmbio real, mais intensa a partir do segundo semestre de 2004, não chegoua comprometer o saldo comercial.12 O fato é que, em 2004, o superávit comercialatingiu o resultado excepcional de US$ 33,7 bilhões, para o qual foi ainda maisdecisiva a performance das exportações. Isto porque, enquanto, em 2003, essesuperávit foi determinado pelo aumento das exportações num contexto deimportações estagnadas, em 2004 esse aumento foi acompanhado por umaprogressiva recuperação das importações, associada, em grande parte, àrecuperação do nível interno de atividade e ao próprio crescimento dasexportações, que implicou demanda por insumos importados. Assim, o ritmo decrescimento das exportações passou de um patamar médio entre 4% e 5% noperíodo 1995-02 para 21% e 32% em 2003 e 200413.

12 Há uma certa defasagem temporal, estimada em nove meses pela Funcex (Boletim deComércio Exterior, 2003), entre os fechamentos dos contratos de câmbio e os embarquesefetivos e, assim, entre a evolução da taxa de câmbio real efetiva e o quantum exportado.

13 É importante notar que, nesse biênio, o quantum exportado (60%) cresceu em um ritmosuperior ao dos preços (34%).

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O denominador comum que explica o crescimento significativo das quanti-dades exportadas em todas as classes de produtos é o crescimento sincroniza-do da economia mundial, que deve ter atingido 5% em 2004, segundo estimati-vas do FMI (International Monetary Fund, 2004b), taxa recorde desde 1976. Noâmbito dos países em desenvolvimento, o crescimento estimado é aindamaior — cerca de 6,6%, taxa mais elevada em 30 anos —, associado aodinamismo da Ásia, liderado pela China, o qual foi acompanhado por maiorestaxas de crescimento na América Latina e na Europa do Leste. Essas taxasexcepcionais de crescimento têm como contrapartida a expansão — igualmenteum recorde recente — do comércio mundial, que deve atingir 8,5% em 2004,segundo a OMC.14 Essa situação inédita em mais de duas décadas constituiuma das dimensões do “choque externo benigno”, que contribuiu decisivamentepara o desempenho exportador do Brasil. Ressalta-se que os três principaismercados do País, que representam cerca de 50% das exportações — EstadosUnidos, Argentina e China — destacaram-se em termos de taxas de crescimentoeconômico.

Outra dimensão do choque externo benigno — a alta dos preços dascommodities15 — beneficiou especialmente os produtos básicos e os semimanu-faturados da pauta brasileira. Todavia, enquanto, em 2003, essa alta foigeneralizada, atingindo as mais diversas modalidades de commodities — alimen-tos, grãos, óleos, metais, etc. —, em 2004, essas diversas categorias apresenta-ram desempenho distinto. A influência negativa da queda do preço da soja ederivados16 sobre os preços dos produtos básicos e semimanufaturados exporta-dos pelo Brasil foi compensada, parcialmente, pela alta dos preços de diversosmetais, que mantiveram sua trajetória altista. Parcialmente porque a participação

14 Ver World Trade Organization (2004).15 Entre 2001 e 2003, o preço da soja e derivados cresceu mais de 50%; em 2004, verificou-

-se uma tendência de queda. Já as commodities metálicas, cujos preços se ampliaram emcerca de 10% naquele período, atingiram um crescimento de 20% em 2004 (United NationsConference on Trade and Development, 2004; The Economist, 2001/2004). Tal alta esteveassociada a três principais determinantes, que se auto-reforçaram: a retomada da econo-mia mundial; as características do crescimento chinês (altas taxas e investimentos emnovas plantas); e compras especulativas por parte de fundos de investimento, fomentadaspela combinação particular dos preços-chave da economia mundial (taxas de juros baixase desvalorização do dólar).

16 A queda de quase 40% (em dólares) decorreu, principalmente, das melhores condiçõesprevistas para as próximas safras nos três principais produtores mundiais: Estados Uni-dos, Brasil e Argentina (United Nations Conference on Trade and Development, 2004; TheEconomist, 2001/2004).

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14 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates

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das commodities agrícolas na pauta de exportação brasileira é superior à dasmetálicas (19% versus 10% respectivamente).

Em relação às exportações de manufaturados, o dinamismo da demandaexterna — um dos pilares do choque externo benigno — contribuiu decisivamentepara a manutenção do seu excelente desempenho, num contexto de apreciaçãoda taxa de câmbio real, já que, no caso desses produtos, para os quais aconcorrência via preço é importante, variações nessa taxa afetam diretamentesua competitividade em intensidade proporcional à elasticidade-preço dademanda. Ademais, como têm ressaltado alguns analistas17, as exportações demanufaturados no contexto atual parecem estar associadas a decisõesestratégicas das empresas residentes, nacionais e estrangeiras, de direcionarpara o exterior uma parcela relevante de sua produção. Essas decisões teriamsido induzidas, num primeiro momento, pelas desvalorizações cambiais de 1999e 2002 e, num segundo momento, pelo encolhimento do mercado doméstico,pela menor incidência de carga tributária sobre essas vendas vis-à-vis às internase pelo acesso a crédito externo mais barato (este último mais relevante no casodas nacionais)18.

Estudos recentes sugerem que o coeficiente de exportação da indústriabrasileira aumentou após a mudança do regime cambial, em 1999. De acordocom Nassif e Puga (2004), considerando a indústria em geral, esse coeficientepassou de 14,7% em 1998 para 22,3% em 2003, aumentando na maioria dossetores. O estudo desses autores também ressalta as diferenças de competitivi-dade internacional dos diversos setores da indústria brasileira, a partir do cálculodos índices setoriais de vantagens comparativas reveladas (VCRs) entre 1996e 2004. Os resultados mostram que, no âmbito da indústria de transformação,além da manutenção das vantagens comparativas nos setores onde a economiabrasileira tem competitividade estrutural — aqueles intensivos em trabalho (comotêxtil e calçados) e/ou em recursos naturais (como metalurgia) —, nesse período,houve ganhos expressivos de competitividade nos setores de veículosautomotores e aviação/ferroviário/embarcações/motos (em função, sobretudo,do de aviação). Tal resultado foi confirmado pelo exercício de Prates (2004), que

17 Ver, por exemplo, Barros (2004, p. B2) e Balbi (2004, p. B1).18 Contudo a apreciação recente do real, que já comprometeu a rentabilidade das exporta-

ções de acordo com a Funcex (Boletim de Comércio Exterior, 2005), pode reverter algu-mas dessas decisões (caso, por exemplo, do setor calçadista) — ver Jurgenfeld e Salga-do (2005) — e mesmo induzir a transferência da produção para filiais de empresas brasi-leiras no exterior (Watanabe; Salgado, 2005).

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procurou avaliar o desempenho exportador dos setores que mais contribuírampara o crescimento das exportações.

Assim, a performance excepcional desse saldo em 2004 decorreu, emgrande parte, de uma conjunção de fatores externos favoráveis, de caráterconjuntural ou de sustentabilidade incerta, que beneficiaram as exportaçõesbrasileiras, concentradas em commodities agrícolas e industriais: a expansãoeconômica da China, o patamar inusitadamente alto dos preços das commoditiese a recuperação sincronizada da economia e do comércio mundial. Contudo, emgrande parte devido ao seu perfil tecnológico, a pauta exportadora continuamarcada pelo baixo dinamismo: de acordo com o Instituto de Estudos para oDesenvolvimento Industrial (2005), os setores que mais contribuíram para ocrescimento das exportações em 2004 tiveram declínio em sua participação nocomércio mundial, entre 1996 e 2001.19

Finalmente, dois comentários sobre as importações. Por um lado,destacam-se as contribuições significativas ao seu crescimento (e negativasao do saldo) por parte de alguns setores de alta intensidade tecnológica lideradospelas empresas transnacionais (ETs) (elementos químicos, químicos diversose equipamentos eletrônicos), nos quais não houve substituição de importaçõesem resposta às variações de preços relativos após as desvalorizações cambiais(Fligenspan, 2004). Aliás, nesses setores é improvável que ocorra essa substitui-ção, devido às escalas de produção necessárias e ao controle da tecnologia poressas empresas.20 Já nos setores produtores de insumos onde houve substituiçãode importações (medida pela redução do coeficiente importado) após a adoçãodo regime de câmbio flutuante — de acordo com o estudo de Fligenspan (2004),12 dos 26 setores industriais pesquisados —, essa mudança não tem necessaria-mente caráter estrutural, pois ocorreu simultaneamente à queda da demandadoméstica dos setores que utilizam esses insumos. Assim, é provável que,

19 O estudo de Ferraz e Ribeiro (2004), realizado para o período 1996-02, corrobora essaconclusão: no biênio 2001-02, 39% das exportações brasileiras referiam-se a produtos emdecadência no comércio mundial (variações negativas), e 18,9%, a produtos em regres-são (variações abaixo do crescimento médio desse comércio). Como a pauta de exporta-ção brasileira não se alterou entre 2001-02 e 2003-04, essa proporção deve ter se man-tido.

20 Essa substituição depende da coordenação do Estado, mediante políticas industrial, deciência e tecnologia e de comércio exterior integradas, voltadas para a atração de inves-timentos dessas empresas, a valorização da participação das filiais brasileiras nas redesmundiais de fornecimento e a ampliação dos investimentos de empresas nacionais dosetor (Coutinho; Hiratuka; Sabbatini, 2003). Para um detalhamento dessas políticas, verCoutinho e Sarti (2003).

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16 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates

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num contexto de retomada sustentável do crescimento, ocorra aumento dasimportações desses setores e elevação do coeficiente importado.

Por outro lado, o aumento das importações em 2004 é reflexo da retomadado nível de atividades doméstico, que implica demanda tanto por insumos(principalmente daqueles mais intensivos em tecnologia), pelas empresasnacionais e estrangeiras — dada a elevação do conteúdo importado da produçãointerna após a reestruturação produtiva dos anos 90 —, quanto por bens deconsumo, sobretudo duráveis, dado o perfil da atual retomada. Inclusive, nessacategoria de bens, o aumento do quantum explicou mais de 100% do crescimentodo valor das importações, em virtude da redução dos preços. Somente nasimportações de combustíveis, a alta dos preços foi relevante — devido à elevaçãodos preços do petróleo no mercado internacional — e acabou contaminando oíndice de preços das importações totais (Prates, 2004).

2.2 - Dinâmica financeira e vulnerabilidade externa

Na atual etapa de desenvolvimento das economias capitalistas, onde háuma crescente interpenetração dos mercados e o predomínio de um ambientede desregulamentação, especialmente no setor financeiro, o principal determinanteda evolução dos BP dos países, de forma geral, tem sido o desempenho daconta financeira. No caso dos países periféricos, como o Brasil, com um elevadopassivo externo (seja de curto, seja de médio e longo prazos), essa relação decausalidade é ainda mais acentuada. Isto porque esses países dependem doingresso de fluxos líquidos de capitais privados para fechar suas contas externas,os quais são altamente voláteis.

A volatilidade dos fluxos de capitais direcionados para os países emergentesnão está associada somente ao fato de esses fluxos serem determinados, emúltima instância, por uma dinâmica exógena e intrinsecamente instável — aquelados mercados financeiros internacionais globalizados, que depende, por suavez, da fase do ciclo econômico e do patamar das taxas de juros dos paísescentrais —, mas também à sua forma particular de inserção nesses mercados.Por um lado, apesar do crescimento do volume absoluto dos fluxos de capitaisdirecionados para esses países nos anos 90, a sua participação nos fluxos

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globais ainda é marginal,21 o que os torna mais vulneráveis às mudanças nasexpectativas dos investidores estrangeiros, uma vez que a venda das moedase dos ativos financeiros emitidos por esses países tem efeitos igualmentemarginais sobre a rentabilidade dos portfólios desses agentes. Por outro lado,os títulos emitidos pelos países emergentes, principalmente por aqueles commaior prêmio de risco, classificados como “sem grau de investimento” (ou seja,sub-investment grade) pelas agências de rating, integram um mercado maisamplo, o de papéis de alta rentabilidade (high yield bonds), cuja dinâmica éinerentemente especulativa e, conseqüentemente, volátil.

Assim, para se compreender a evolução das contas externas brasileirasapós a adoção do regime de câmbio flutuante, é fundamental apresentar asprincipais características da dinâmica do mercado de títulos de dívida, que seconsolidou como a principal modalidade de captação de recursos pelos paísesemergentes, no mercado internacional de capitais, a partir dos anos 90. Já asemissões brutas de ações, além de menos voláteis, foram pouco significativase concentradas num número reduzido de emissores dos países asiáticos. Osempréstimos bancários, por sua vez, reduziram-se desde a crise asiática emantiveram-se num patamar baixo a partir de então.22

O mercado de títulos de dívida dos países emergentes tem sido marcadopor uma dinâmica de “feast or famine”23 — abundância ou escassez —, que sereforçou nos últimos anos, devido à influência crescente das mudanças desentimento dos investidores e das condições de liquidez globais sobre a dinâmicadesse mercado. De acordo com cálculos realizados pelo FMI (InternationalMonetary Fund, 2003a), essa influência transparece na elevada correlação entrea volatilidade e os prêmios de risco dos mercados emergentes (medidos poríndices como o EMBI+), no comportamento dos mercados acionários madurose, principalmente, no comportamento sincronizado entre os spreads dos cha-mados junk bonds, os títulos de alta rentabilidade emitidos por corporaçõesnorte-americanas (US high-yield bonds), e o rendimento dos títulos emitidos pe-

21 De acordo com dados do Bank for International Sehlements (BIS Quartely Review, 2004),em dezembro de 2003, os países centrais absorviam cerca de 90% do estoque de em-préstimos bancários internacionais. No mercado internacional de títulos de dívida, essaconcentração é ainda maior: em torno de 94% do estoque total de títulos, em março de2004, haviam sido emitidos por residentes desses países (BIS, 2004).

22 Sobre os fluxos de empréstimos bancários para os países emergentes após a criseasiática, ver Cintra e Farhi (2003).

23 O FMI tem utilizado em seus relatórios a expressão on-off nature (Adams; Mathieson;Schinasi, 1999; Mathieson; Schinasi, 2001) e, mais recentemente, “feast or famine”(International Monetary Fund, 2003a), para caracterizar a dinâmica volátil dos fluxos decapitais direcionados para os “mercados emergentes”.

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18 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates

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los mercados emergentes.24 Os períodos de fechamento — issuance famine —dos mercados primários emergentes tornaram-se crescentemente associadosao aumento do prêmio de risco dessa categoria de papéis. Nesses períodos, osdevedores de maior risco, geralmente os principais emissores de títulos, são osprimeiros a serem excluídos do mercado. De forma simétrica, as reaberturasestiveram associadas à redução desse prêmio25 e caracterizam-se por umexcesso de emissões lideradas exatamente por esses emissores, que podemrapidamente saturar os mercados primário e secundário.26

Mudanças na estrutura do mercado de títulos de dívida emergentes, noperíodo analisado, contribuíram para reforçar essa correlação, dentre as quaisse destacam: o aumento da presença de fundos de investimento globais,referenciados a um benchmark mais amplo (core plus benchmark) — que incluitítulos com e sem grau de investimento —, que intensificou os links entre osmercados maduros e emergentes; e a adoção crescente de sistemas Value atRisk , que induz os investidores a cancelarem suas posições nesses mercadospara reduzir a volatilidade geral do seu portfólio, acentuando a instabilidade doacesso ao mercado (Mathienson; Shinasi, 2001).

Assim, o desempenho da conta financeira do balanço de pagamentosbrasileiro no período considerado foi, em grande medida, um “espelho” da dinâmicade “feast or famine” que caracterizou a oferta de recursos para os paísesperiféricos nesse período, a qual foi sintetizada acima. Outro condicionante dessedesempenho foi a retração da demanda por recursos externos pelas empresas einstitutições financeiras residentes — associada à maior volatilidade cambial

24 Vale mencionar que o aumento dos spreads dos títulos emergentes no segundo trimestrede 2004 não foi acompanhado por uma elevação pari passu dos spreads dos junk bonds.De acordo com o BIS Quartely Review (2004), essa divergência está associada a doisfatores. Em primeiro lugar, à maior liquidez do mercado de títulos de dívida emergente, quefaz com que a desmontagem das operações alavancadas se inicie nesse mercado; e, emsegundo lugar, às maiores incertezas em relação ao desempenho futuro de vários paísesemergentes (dentre os quais o Brasil) num contexto de taxas de juros mais elevadas.

25 Dados das emissões semanais dos mercados emergentes no período 1994-02 sugeremque ocorreram 21 períodos de fechamento do mercado — período de mais de duassemanas onde as emissões soberanas dos mercados emergentes são, pelo menos, 20%menores que a média —, dos quais 13 afetaram um amplo espectro de emissores emer-gentes, e os demais, principalmente emissores sub-investment graded (InternationalMonetary Fund, 2003a).

26 De acordo com o FMI (International Monetary Fund, 2003a), um dos fatores que têmcontribuído para esse excesso de emissões é a dependência crescente dos bancos deinvestimento em relação às comissões obtidas na montagem das operações de coloca-ção de títulos no exterior. Nesse contexto, essas instituições estimulam os tomadores demaior risco a acessarem o mercado o mais rapidamente possível nos momentos dereabertura, contribuindo para a sua rápida saturação.

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após a adoção do regime de câmbio flutuante —, cuja influência transpareceu,sobretudo, no biênio 2003-04, quando as condições de liquidez internacional setornaram novamente favoráveis aos mercados emergentes.

No período 1999-02, a tendência de volatilidade foi acompanhada por umaredução progressiva dos fluxos líquidos de capitais privados para o País, a qualse acentuou a partir de meados de 2001, quando as condições econômicas efinanceiras nos países centrais se deterioram.27 No biênio 2001-02, foi ocrescimento, igualmente progressivo, das operações de regularização (quecorrespondem, majoritariamente, aos empréstimos concedidos pelo FMI) quegarantiu o financiamento do balanço de pagamentos (Gráfico 1).

Simultaneamente à retração dos fluxos líquidos de capitais privados,observou-se uma deterioração do perfil de algumas modalidades de capital externo.Em relação aos fluxos de investimento direto estrangeiro (IDE), sua redução, apartir de janeiro de 2001, decorreu da retração da modalidade participação nocapital, associada a fatores tanto internos — o menor número de privatizaçõese a baixa taxa de crescimento doméstica — quanto externos — a desaceleraçãoeconômica nos países centrais e, especialmente, nos Estados Unidos, principalpaís de origem dos investimentos diretos direcionados para o Brasil na segundametade dos anos 90. A partir de meados de 2002, as conversões de dívida eminvestimento (debt-equity swaps) — que não representam novo financiamento,mas uma reestruturação patrimonial — aumentaram progressivamente até oinício de 2003, diante da impossibilidade de rolagem de dívidas no mercadointernacional de capitais, nos segundo e terceiro trimestres do ano. Já osempréstimos intercompanhias28 apresentaram um comportamento mais volátil,com uma retração em 2002, o que sugere a dependência desse tipo de fluxo dascondições financeiras do mercado internacional de crédito, que afetam acapacidade de financiamento das matrizes. No que diz respeito ao endividamentoexterno, houve retração progressiva — de meados de 2001 ao início de 2003 —de todas as suas modalidades — além dos títulos de renda fixa negociados noexterior, dos empréstimos e financiamentos bancários, dos créditos a fornecedo-

27 Vale citar os principais eventos desestabilizadores: continuidade da deflação da bolha dospreços dos ativos dos setores TMT (telecomunicações, mídia e tecnologia) nos mercadosglobais; início de uma recessão nos Estados Unidos, simultaneamente a uma reduçãosincronizada do crescimento global; número recorde de falências e revelação de diversasfraudes contábeis; crise financeira na Turquia; ataque terrorista de 11 de setembro; edefault da Argentina após uma crise duradoura (International Monetary Fund, 2002; BIS72nd Anual Report, 2002).

28 Esse tipo de fluxo passou a ser contabilizado como investimento externo direto, com aadoção de uma nova metodologia de apresentação do balanço de pagamentos em 2000,a qual segue os padrões definidos pelo FMI em 1993.

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res e, inclusive, do crédito comercial (todos incluídos na modalidade outrosinvestimentos), o qual somente se recuperou a partir de meados de 2002, devidoà expansão das exportações.29

Em 2003, primeiro ano do Governo Lula, as condições externas de financia-mento apresentaram tendência de melhora, associada ao ciclo de liquidezinternacional. Considerando os fluxos de capitais voluntários, predominaram asmodalidades potencialmente mais voláteis — como investimento de portfólio noPaís,30 American Depositary Receipts (ADRs) e títulos de renda fixa emitidos noexterior —, reflexo do contexto de elevado apetite por risco. Os fluxos líquidosde IDE recuperaram-se somente no último trimestre do ano. Já em 2004, o IDEfoi a principal modalidade de capital direcionada para a economia brasileira e aúnica subconta que apresentou valores positivos no acumulado do ano. As demaismodalidades de fluxos voluntários — investimentos de portfólio e outros inves-timentos — registraram fluxos negativos, associados à quitação e à não-renova-ção de empréstimos, seja securitizados, seja junto a organizações multilaterais,fornecedores e instituições financeiras.

Em relação ao endividamento externo, apesar do retorno do País ao merca-do internacional de crédito voluntário, tanto as emissões líquidas de títulos quantoas demais modalidades de empréstimos (incluídas em outros investimentos)foram altamente voláteis e apresentaram valores negativos em vários meses doano.31 Contudo o perfil das emissões de títulos no exterior, modalidade de endivida-mento externo predominante, melhorou ao longo do ano. No bimestre setembro--outubro, as taxas de rolagem positivas estiveram associadas às colocaçõeslíquidas de papéis de médio e longo prazos, simultaneamente aos resgateslíquidos de títulos de curto prazo (que predominaram no primeiro semestre).Essa mudança de composição reflete a própria queda do cupom cambial e arealocação dos portfólios dos investidores estrangeiros em direção aos títulosbrasileiros após o upgrading da Rússia.32

29 A forte contração desses fluxos no período anterior esteve associada à moratória da dívidaexterna argentina, que envolveu os créditos à exportação, quebrando uma convenção domercado financeiro internacional, já que os financiamentos ao comércio exterior nuncahaviam sido atingidos pelos processos de moratória e renegociações das dívidas.

30 Os investimentos de portfólio no País direcionaram-se essencialmente à aquisição deações na Bolsa de Valores de São Paulo, que, como as demais bolsas de valores emer-gentes, apresentou alta rentabilidade em 2003.

31 Pelo critério das médias móveis trimestrais (Prates, 2004).32 A partir de março de 2004, observaram-se uma redução do volume e uma piora de

qualidade das principais modalidades de fluxos de capitais (com exceção dos créditoscomerciais), devido à perspectiva de elevação da taxa de juros básica norte-americanaainda no primeiro semestre de 2004. Essa elevação ocorreu efetivamente na reunião doFederal Reserve de 30 de junho.

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Investimento estrangeiro direto Investimento estrangeiro em carteiraOutros investimentos estrangeiros Operações de regularização (líquido)

Gráfico 1

Legenda:

FONTE: Banco Central do Brasil. PRATES, D. A assimetria das contas externas. Política Econômica em Foco, Campinas, SP, Instituto

de Economia, UNICAMP, n. 4, p. 49-72, maio/out. 2004. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br

NOTA: Valores acumulados em 12 meses.

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A queda da dívida externa privada foi acompanhada pela redução, em menorintensidade, da dívida externa pública em 2004, o que resultou em diminuiçãoda dívida externa total,33 contribuindo para a melhora dos indicadores de vulnera-bilidade externa. Algumas hipóteses podem ser levantadas para explicar a quedada dívida externa privada em 2004. Como condicionante mais geral, pode-secitar a menor demanda por endividamento externo num contexto de maior riscocambial e custo de hedge potencialmente mais elevado, associados ao regimede câmbio flutuante. Ademais, essa demanda também deve ter sido abaladapelas duas crises cambiais que eclodiram num curto intervalo de tempo (1999 e2002), pela percepção da dinâmica volátil do mercado financeiro internacional,caracterizada por miniciclos de “feast or famine” e, mais recentemente, pelaqueda do estoque de títulos públicos indexados ao câmbio, que significou menoroferta da modalidade mais segura de hedge cambial. Como no período 1999-02predominou uma situação de escassez de oferta de financiamento externovoluntário, a influência dessa demanda não transpareceu.

Apesar de um importante ajuste de fluxos nas contas externas do Brasil,com destaque para o desempenho da conta corrente, a herança de acúmulo deum estoque de passivos externos e a ausência de uma política mais forte derecomposição de reservas internacionais fizeram com que, no período analisado,os indicadores de liquidez e solvência externas permanecessem em níveispreocupantes. Para avaliar a situação de liquidez, que reflete a vulnerabilidadeexterna no curto prazo, calcularam-se três indicadores, que têm como caracte-rística comum a utilização das reservas internacionais líquidas ajustadas — asreservas próprias do País, excluindo, assim, os recursos do FMI — no denomi-nador.34 Eles se diferenciam somente na composição do numerador. Em ordemcrescente de abrangência, tem-se: (a) o indicador passivo externo de curto prazo//reservas, que inclui no numerador a dívida externa de curto prazo e o estoquede investimento de portfólio; (b) o indicador Standard & Poors, que considera nonumerador as necessidades brutas de financiamento externo (NBFE) — queequivalem à soma do saldo em transações correntes, com o principal vencível

33 No final de 1999, a dívida externa total era de US$ 226 bilhões, a parcela privada era de US$113 bilhões, e a pública, de US$ 112 bilhões. Entre janeiro e dezembro de 2004, a dívidaexterna total caiu de US$ 215 bilhões para US$ 202 bilhões; a dívida privada caiu de US$79 bilhões para US$ 72 bilhões; e a dívida pública, de US$ 136 bilhões para US$ 131bilhões (Boletim de Finanças Públicas, 1999/2004).

34 Esse é o critério utilizado pelas agências de rating na avaliação da qualidade de crédito dospaíses. A lógica é a seguinte: mesmo que os empréstimos stand by do FMI possam serutilizados em situações de iliquidez externa, esses recursos constituem reservas em-prestadas, que deverão ser pagas pelo País no curto prazo.

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005

A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas

da dívida externa de médio e longo prazos nos próximos 12 meses e o estoqueda dívida de curto prazo —; (c) e o indicador mais amplo, que estima a pressãopotencial sobre as reservas internacionais no País — que se denominou“Standards & Poors + portfólio” —, que soma as NBFE com o estoque de investi-mento de portfólio estrangeiro.

A redução (e, assim, melhora) dos indicadores de liquidez externa, apartir de maio de 2003 (Gráfico 2), esteve associada a uma conjunção de fatores:do lado do numerador, aos superávits em transações correntes obtidos a partirde julho e à redução conjuntural da dívida de curto prazo e das amortizações demédio e longo prazos nos segundo e terceiro trimestres de 2003; e, do lado dodenominador, ao aumento das reservas internacionais. Essa tendência reverteu--se temporariamente no último trimestre de 2003, devido à concentração dessasamortizações, à redução do superávit em transações correntes e ao aumentodos investimentos de portfólio nesse trimestre, num contexto de estabilizaçãodas reservas internacionais líquidas.

FONTE: Banco Central do Brasil. PRATES, D. A assimetria das contas externas. Política Econômica

em Foco, Campinas, SP, Instituto de Economia, UNICAMP, n. 4, p. 49-72, maio/out. 2004. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br

Indicadores de liquidez externa do Brasil — 2002-04

0,0

0,5

1,0

1,5

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2,5

3,0

Jan.

/02

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Jan.

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Mar

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Jul./

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Set

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Nov

./04

Indicador CECONIndicador Standard & PoorsPassivo externo de curto prazo/reservas líquidas ajustadas

Gráfico 2

Legenda:

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24 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005

Já em 2004, os indicadores de liquidez mantiveram-se praticamente nomesmo patamar até meados do ano e, a partir de então, apresentaram umdesempenho divergente: enquanto o indicador Standard & Poors diminuiuligeiramente — em virtude, principalmente dos superávits em transaçõescorrentes e da redução do estoque da dívida de curto prazo e das amortizaçõesde médio e longo prazos no segundo semestre do ano —, os demais indicadoresaumentaram, também de forma ligeira, em função do crescimento do estoquede investimentos estrangeiros de portfólio, associado tanto à valorização dasações brasileiras quanto ao aumento desses investimentos no final de 2004 —que inclusive se intensificou nos primeiros meses de 2005 —, o qual nãotransparece na série de fluxos acumulados em 12 meses do Gráfico 1.

Contudo os três tipos de indicadores foram influenciados negativamentepelo comportamento do estoque de reservas próprias do País, que se elevouem somente US$ 3,8 bilhões em 2004 (de US$ 21,5 bilhões em janeiro para US$25,3 bilhões em dezembro), devido à predominância, ao longo do ano, de umapolítica de não-intervenção no mercado de câmbio. Após adquirir US$ 2,62 bilhõesem janeiro, a autoridade monetária manteve-se ausente desse mercado atédezembro, quando comprou uma quantia praticamente idêntica — US$ 2,64bilhões —, num contexto de excesso de dólares que levou a cotação do real aopatamar de US$ 2,7 bilhões. Ou seja, ao invés de ter aproveitado o período deexcesso de liquidez internacional vigente em 2004 para incrementar de formasubstancial seu estoque de divisas — e, assim, como a maioria dos paísesemergentes, constituir um “colchão de segurança” contra as recorrentes mudançasna direção dos fluxos de capitais —, essa autoridade optou por aproveitar oexcesso de liquidez no mercado de câmbio para apreciar o real e atenuar pressõesinflacionárias. Todavia vale ressaltar que, no primeiro trimestre de 2005, o BancoCentral decidiu, finalmente, intensificar a política de recomposição das reservas,o que resultou no aumento das reservas líquidas ajustadas (calculadas segundocritérios do FMI) de US$ 27 milhões em janeiro para cerca de US$ 35 milhõesem março (estimativa dos autores). Assim, a tendência de queda dos indicadoresde liquidez certamente se manteve nos primeiros meses de 2005.

Já os indicadores de solvência externa são estimativas da vulnerabilidadeexterna do País no médio e no longo prazo, cuja redução depende da capacidadede geração de divisas da economia via exportações. Nesse caso, foramcalculados dois indicadores — o indicador mais amplo, passivo externo líquido35/

35 O passivo externo bruto (PEB) do País inclui o estoque de dívida externa, de investimentode portfólio e do investimento externo direto. O passivo externo líquido equivale ao PEBmenos os ativos externos (reservas internacionais, haveres dos bancos brasileiros noexterior e créditos brasileiros no exterior).

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005

A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas

/exportações, e o indicador dívida externa líquida total/exportações —, tendoambos apresentado tendência declinante no primeiro ano do Governo Lula —associada, principalmente, ao crescimento expressivo das exportações —, aqual persistiu em 2004, em função desse crescimento e também da queda dadívida externa — de US$ 194 bilhões em dezembro de 2003 para US$ 183bilhões em novembro de 2004 (Gráfico 3).36 A importância do crescimento dasexportações para a melhora da solvência externa fica mais evidente na evoluçãodo indicador serviço do passivo externo/exportação37 — igualmente um indicadorde solvência, mas que, ao contrário dos precedentes, traz no numerador umfluxo —, uma vez que esse serviço se reduziu muito pouco no períodoconsiderado.

A manutenção dessa tendência de melhora progressiva dos indicadoresde solvência depende, por sua vez, da continuidade da queda da dívida externae da manutenção de elevadas taxas de crescimento das exportações por umperíodo suficiente para gerar superávits expressivos nas transações correntes(que permitam a amortização da dívida externa privada e/ou o acúmulo dereservas). Para tanto, a taxa de crescimento das exportações teria de superar adas importações, bem como a taxa de juros que incide sobre essa dívida (emmédia, 10% a.a.). Contudo a manutenção da taxa de crescimento das vendasexternas no patamar vigente em 2003 e em 2004 (superior a 30% a.a.) é poucoprovável. Apesar do bom desempenho do setor comercial externo no começo de2005, não se pode descartar a possibilidade de uma acomodação no ritmo deexpansão das exportações, seja em função de um menor crescimento daeconomia mundial, seja devido à apreciação cambial, seja em decorrência dopróprio crescimento econômico doméstico (o qual, mesmo que se mantenha noritmo modesto de 2004, continuará pressionando as importações).

36 A redução dos indicadores de vulnerabilidade externa no período 1998-02 esteve asso-ciada ao efeito contábil da queda dos estoques de investimento estrangeiro direto e deportfólio no País, medidos em dólares, em decorrência da desvalorização do real noperíodo. No caso dos fluxos de portfólio, a maior instabilidade cambial após a adoção doregime de câmbio e a retração dos fluxos de capitais também contribuíram para essa

redução. Já o terceiro componente do passivo externo, a dívida externa, que não estásujeita a esse efeito contábil, registrou queda no período, em função da escassez definanciamento externo privado.

37 Tal indicador foi de 4,0% em 2001 e 2002, 3,2% em 2003 e 2,6% em 2004.

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26 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005

FONTE: Banco Central do Brasil. PRATES, D. A assimetria das contas externas. Política Econômica em

Foco, Campinas, SP, Instituto de Economia, UNICAMP, n. 4, p. 49-72, maio/out. 2004. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br

Finalmente, é importante salientar que, mesmo com a melhoria dos re-sultados nas contas externas brasileiras e, assim, com o alcance de níveismais adequados em alguns dos indicadores de vulnerabilidade externa, acomparação com a situação de outras economias emergentes segue sendodesfavorável ao País. Tomando-se o indicador tradicional de pagamento de jurossobre exportações, verifica-se uma melhora sensível na solvência brasileira,posto que aquela relação estava em 31% em 1999 e passou a 14% em 2004.Porém tal queda foi generalizada na América Latina, de modo que o indicadorbrasileiro de 2004 é quase o dobro da média regional de 8%. O superávit emconta corrente brasileiro ainda está bem abaixo da média asiática de 3,3% doPIB e em linha com a média regional latina de 1,3%. As reservas internacionaisconjuntas da América Latina, de cerca de US$ 140 bilhões no final de 2004,equivalem às reservas da Coréia do Sul no mesmo período. Somente o incrementode reservas na região asiática, em 2004, foi de US$ 280 bilhões (Institute of

Indicadores de solvência externa do Brasil — 2002-04

0

1

2

3

4

5

6

Dez./02 Mar./03 Jun./03 Set./03 Dez./03 Mar./04 Jun./04 Set./04 Dez./04

Dívida externa líquida/exportaçõesDív.ext.púb líq./export.Dív.ext.priv. liquida/export.Passivo ext. líq/export.

Gráfico 3

Dívida externa líquida/exportaçõesDívida externa pública/exportaçõesDívida externa privada/exportaçõesPassivo externo líquido/exportações

Legenda:

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005

A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas

International Finance, 2005). A projeção do FMI (International Monetary Fund,2004b) era de que a relação dívida externa/exportações do conjunto dos paísesem desenvolvimento fosse de 0,9 no final de 2004, menos da metade do indicadorbrasileiro. No final de 2004, a relação dívida de curto prazo/reservas de Argentina,Brasil e México era de, respectivamente, 0,8, 0,7 e 0,5. Em outros emergentes,tal indicador era muito menor — 0,1 na Índia e na China, 0,3 na Rússia e 0,4 naCoréia —, revelando uma maior capacidade de as reservas internacionais cobriremas dívidas de curto prazo.38

3 - Considerações finais: limites e desafios da estratégia brasileira

Evidências recentes sugerem que, em um contexto de finanças globaliza-das e desregulamentadas, onde os ciclos financeiros externos tendem a capturaros mercados emergentes em ondas de liquidez-crescimento-iliquidez-crisesfinanceiras, as estratégias passivas de busca da credibilidade não têm sidocapazes de, por si só, gerar crescimento no longo prazo.39 Pelo contrário, comoargumentam Dooley, Folkerts-Landau e Garber (2003; 2004), as estratégiasperiféricas mais bem-sucedidas tendem a ser aquelas que reproduzem o modeloasiático de ativismo cambial, controle de capitais, manutenção de elevadasreservas oficiais e drive exportador.

Sem desconhecer a gravidade do problema fiscal e a importância daconstrução de credibilidade na gestão macroeconômica, enfatizou-se aqui umaoutra dimensão do problema de desequilíbrios de estoques no caso brasileiro.Considerou-se que a reversão das expectativas pessimistas dos mercadosfinanceiros na Administração Lula deveu-se muito mais às mudanças no estadode liquidez do mercado financeiro internacional, associadas às políticasmonetárias laxistas nos países centrais40, do que à gestão econômica doméstica

38 Cálculos do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp (s. d.) combase em projeções do JP Morgan.

39 Em Cunha (2004) e Prates (2004), há uma análise detalhada desses pontos, com asreferências bibliográficas originais.

40 Conforme a análise do FMI, as políticas monetárias e fiscais de EUA, Eurolândia e Japãoforam excepcionalmente expansionistas entre 2001 e 2003, o que contribuiu decisivamen-te para o soft landing da economia norte-americana e para a retomada do crescimento darenda e do comércio (International Monetary Fund, 2004b).

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28 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005

conservadora, ancorada no aperto fiscal e monetário. E, apesar dessas mudan-ças, que resultaram num novo ciclo de endividamento externo dos países emer-gentes, a vulnerabilidade externa permanece sendo um entrave central à reto-mada do crescimento doméstico em bases sustentáveis. Isto porque o País éfortemente vulnerável aos ciclos curtos de expansão e retração das finançasinternacionais. Pode-se tomar o ano de 2004 como exemplo, com o primeirosemestre caracterizado por um aumento da aversão ao risco nos mercadosfinanceiros internacionais, penalizando mais fortemente o Brasil, que vinha, desdeo segundo semestre de 2003, recuperando o acesso aos créditos externos(International Monetary Fund, 2004a).41 Já no segundo semestre, as condiçõesde liquidez externa tornaram-se novamente favoráveis. Mostrou-se também, aolongo deste artigo, que o choque externo benigno no comércio foi fundamentalpara o bom desempenho no lado real da economia, especialmente em 2004.

Assim, se os ajustes de fluxo realizados a partir de 1999 contribuírampara reduzir a pressão de curto prazo no BP, a permanência de significativosdesequilíbrios de estoques impõe um desafio crucial para os formuladores depolítica econômica. Se eles não forem enfrentados com políticas ativas na áreacambial e de gestão dos fluxos privados de capitais, poderão acarretar acontinuidade do quadro de instabilidade e baixo crescimento vivido pela economiabrasileira nas últimas duas décadas. Entre meados de 2003 e início de 2005, oenfraquecimento do dólar norte-americano, enquanto reflexo do problema dosdéficits gêmeos nos EUA, gerou uma pressão de apreciação do real, que temsido potencializada pela gestão macroeconômica doméstica. Isto porque aliquidez financeira internacional tende a se direcionar para ativos com maiorremuneração ajustada pelo risco, o que alimenta o circuito de inflação nos preçosdos ativos domésticos, a elevação da cotação do real e o acúmulo de passivosfinanceiros de curto prazo de maturação. Chama atenção o fato de que, no casobrasileiro, a estratégia de busca da construção da credibilidade junto aos mercadosfinanceiros pela via fiscal gerou, no período 1995-04, um quadro de instabilidademacroeconômica, volatilidade no crescimento (com um desempenho médiodesfavorável) e fragilização do tecido social.

41 Os títulos externos brasileiros caracterizam-se por: (a) alta liquidez; (b) concorrerem nossegmentos de alto rendimento (porque são de alto risco); (c) serem muito utilizados paraaumentar a rentabilidade das carteiras em momentos de “euforia” e reduzir riscos nosmomentos de maior aversão. Por isso, a constatação do International Monetary Fund(2004a, p. 10) de que, no primeiro semestre de 2004, “(...) o componente brasileiro doEMBI+ tem tido o maior retorno negativo do ano. Em parte, isso reflete a alta liquidez dostítulos brasileiros, o que os torna um veículo favorável para a desalavancagem”.

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005

A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas

Para aprofundar a capacidade do País de reverter o quadro de vulnerabilidadeexterna, considera-se aqui que a opção mais adequada seria calibrar o grau deabertura financeira em função do ciclo “feast or famine”, que é exogenamentedeterminado. Assim, estar-se-ia alinhando o País à estratégia potencialmente“vencedora” sugerida por Dooley, Folkerts-Landau e Garber (2003). Issoimplicaria,42 além da adoção de mecanismos seletivos de controle sobre a entradade capitais, nos moldes do Chile (requerimentos de reserva não remunerados eperíodo mínimo de permanência no País, ambos variáveis de acordo com aescassez ou abundância de recursos externos), a imposição de restrições àsaída de capitais43 — que se revela fundamental, dado o elevado passivo externodo País — e o retorno dos controles prudenciais sobre o sistema bancário, comoos limites à exposição em moeda estrangeira e a proibição de repasses derecursos externos a setores mais expostos às variações cambiais, os quaisforam adotados no primeiro Governo FHC. Como ressaltam Epstein, Grabel eJomo (2003), em seu minucioso estudo sobre controles de capitais pelos paísesemergentes, as experiências bem-sucedidas — em termos de eficácia doscontroles no sentido de atingir os objetivos propostos, como a ampliação daautonomia de política econômica e a redução da instabilidade macroeconômicae da vulnerabilidade externa —, de forma geral, combinaram controles de capitaisestrito senso com regras prudenciais mais rígidas sobre as operações commoeda estrangeira pelos bancos.

Além disso, haveria de se manter ou mesmo intensificar a política derecomposição de reservas oficiais, reiniciada no final de 200444, e, principalmente,

42 Nossas sugestões não são originais, apenas reforçam o que já vem sendo apontado poroutros analistas. Ver, por exemplo, os trabalhos organizados por Benecke e Nascimento(2003), Sicsú, Oreiro e De Paula (2003) e Albuquerque e Velloso (2003) e as contribuiçõesde Oreiro, Paula e Silva (2004), Belluzzo e Carneiro (2004) e Carvalho e Sicsú (2003).

43 As recentes medidas liberalizantes do Banco Central do Brasil (2005a; 2005b), que unifica-ram o mercado cambial e extinguiram as antigas Contas CC-5, sinalizam no sentidocontrário ao proposto aqui.

44 Na gestão que se iniciou em 2003, o Banco Central optou por uma política de negligênciabenigna na área cambial. No início de 2004, o Banco anunciou que voltaria a realizar leilõesde compra de dólares. Todavia as intervenções foram poucas e limitadas. No final de 2004e início de 2005, o Banco retornou à política de aquisições periódicas, tanto nos mercadosà vista quanto nos futuros. Assim, em janeiro de 2005, as reservas totais eram de US$ 54bilhões, dos quais US$ 24 bilhões correspondiam a recursos do FMI. A política de recom-posição de reservas elevou tais níveis para um pouco mais de US$ 30 bilhões no primeirotrimestre de 2005. Ainda assim, tais níveis são bem menores que os de outras economiasemergentes, notadamente as asiáticas, cujas reservas conjuntas ultrapassam US$ 1,5trilhão.

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30 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005

evitar a excessiva apreciação do real, por meio da redução dos diferenciaisentre as taxas doméstica e internacional de juros. Isto porque o desempenhodas economias periféricas é mais afetado pelo comportamento da taxa de câmbio.Nesse sentido, as autoridades monetárias deveriam preocupar-se com a trajetóriadessa taxa e, assim, intervir no mercado cambial. Essa é a tendência observadaem vários países emergentes que também optaram por adotar o regime de câmbioflexível, como a Tailândia, a República Checa e a Polônia (Corine; McCauley,2003). Ademais, o aumento do estoque de divisas é fundamental para atenuar avulnerabilidade externa dessas economias, que não emitem moeda conversívelinternacionalmente.

Evitando a apreciação do real, potencializar-se-ia o ajuste nos fluxos dascontas externas. Menos dependente da entrada de capitais de curto prazo, oGoverno poderia reduzir de forma mais intensa a taxa básica de juros, o quepermitiria sustentar, por um prazo mais largo, o crescimento da renda empatamares mais elevados. Adicionalmente, seria reduzido o custo decarregamento da dívida pública. Maior crescimento da renda e menor taxa decarregamento implicariam redução da relação dívida/PIB. Reduzida a pressãoexterna, ampliado o ritmo de crescimento do PIB e com um maior grau deflexibilidade no plano fiscal, o Governo poderia atuar de forma mais ativa noenfrentamento das carências sociais e de infra-estrutura que dificultam a retomadade uma trajetória sustentável de desenvolvimento. É importante frisar que talopção não elimina o risco das crises financeiras. Todavia a experiênciainternacional recente sugere que os países que lograram avançar na redução davulnerabilidade externa têm conseguido crescer mais e de forma mais estável.

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 5-40, jun. 2005

A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas

Tabela 1

Indicadores macroeconômicos básicos do Brasil — 1995-2004

DISCRIMINAÇÃO 1995 1996 1997 1998

PIB (!% anual) .................................................... 4,2 2,7 3,3 0,1 PIB per capita (!% anual) ................................... 2,8 1,2 1,9 -1,2 Inflação (IPCA anual em %) ................................ 22,4 9,6 5,2 1,7 Taxa real de juros Selic deflacionada pelo IPCA (% a.a. — média do período) .............................. 25,3 16,4 18,9 26,9 Taxa de câmbio real e efetiva, deflacionada pelo INPC-exportação (%) .......................................... (3)-8,7 (3)-3,7 0,0 1,9 Desemprego aberto na RMSP (média % anual) 9,0 9,9 10,2 11,7 Rendimento médio real na RMSP (!% anual) .... 4,1 1,5 2,2 -1,8 Saldo primário em % do PIB ............................... (4)-0,3 0,1 1,0 0,0 Juros pagos sobre a dívida pública (% do PIB) .. 7,5 5,8 5,2 7,5 Dívida líquida do setor público (% do PIB em fi-nal do período) .................................................... 29,3 32,0 33,2 37,8 Saldo em transações correntes (% do PIB) ........ -2,6 -3,0 -3,8 -4,2

DISCRIMINAÇÃO 1999 2000 2001

PIB (!% anual) .................................................... 0,8 4,4 1,4 PIB per capita (!% anual) ................................... -0,5 3,0 0,1 Inflação (IPCA anual em %) ................................ 8,9 6,0 7,7 Taxa real de juros Selic deflacionada pelo IPCA (% a.a. — média do período) .............................. 15,5 11,0 9,0 Taxa de câmbio real e efetiva, deflacionada pelo INPC-exportação (%) .......................................... 46,8 (3)-5,7 18,6 Desemprego aberto na RMSP (média % anual) 12,1 11,0 11,2 Rendimento médio real na RMSP (!% anual) .... -3,9 -6,8 -7,1 Saldo primário em % do PIB ............................... (4)-3,2 (4)-3,5 (4)-3,6 Juros pagos sobre a dívida pública (% do PIB) .. 9,0 7,1 7,2 Dívida líquida do setor público (% do PIB em fi-nal do período) .................................................... 49,1 49,3 51,6 Saldo em transações correntes (% do PIB) ........ -4,7 -4,0 -4,6

(continua)

Anexo

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32 André Moreira Cunha; Daniela Magalhães Prates

Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1 p. 5-40, jun. 2005

Tabela 1

Indicadores macroeconômicos básicos do Brasil — 1995-2004

DISCRIMINAÇÃO 20032004(1)

ERA FHC(2)

PIB (!% anual) .................................................... 0,5 4,9 2,3 PIB per capita (!% anual) ................................... -0,9 3,4 0,9

Inflação (IPCA anual em %) ................................ 9,3 7,6 9,3

Taxa real de juros Selic deflacionada pelo IPCA (% a.a. — média do período) ............................... 13,2 8,1 16,2 Taxa de câmbio real e efetiva, deflacionada pelo INPC-exportação (%) .......................................... (3)-0,3 -2,5 6,8 Desemprego aberto na RMSP (média % anual) 12,7 11,8 10,9 Rendimento médio real na RMSP (!% anual) .... -5,1 1,7 -2,4 Saldo primário em % do PIB ............................... (4)-4,3 (4)-4,6 (4) -2,2 Juros pagos sobre a dívida pública (% do PIB) .. 9,3 7,3 7,2 Dívida líquida do setor público (% do PIB em fi-nal do período) .................................................... 58,7 51,8 (5)27,6 Saldo em transações correntes (% do PIB) ........ 0,8 1,9 -2,6

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central (www.bcb.gov.br). IPEADATA (www.ipeadata.gov.br).

(1) Estimativas. (2) Período 1995-02. (3) Significa apreciação. (4) Significa superávit. (5) variação de ponta a ponta em pontos percentuais do PIB.

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A política econômica do Governo Lula e o ajuste nas contas externas

Tabela 2

Balanço de pagamentos do Brasil — 1999-04 (US$ milhões)

DISCRIMINAÇÃO 1999 2000 2001 2002 2003 2004

TRANSAÇÕES CORRENTES ..... -25 335 -24 225 -23 215 -7 637 4 177 11 669

Balança comercial (FOB) ........... -1 199 -698 2 650 13 121 24 794 33 693

Exportações .................................. 48 011 55 086 58 223 60 362 73 084 96 475

Importações .................................. -49 210 -55 783 -55 572 -47 240 -48 283 -62 782

Serviços e rendas ....................... -25 825 -25 048 -27 503 -23 148 -23 483 -25 293

Transferências unilaterais cor-

rentes ........................................... 1 689 1 521 1 638 2 390 2 867 3 268

CONTAS CAPITAL E FINANCEI-

RA ................................................ 17 319 19 326 27 052 8 004 5 111 -7 310

Conta capital ............................... 338 273 -36 433 498 703

Conta financeira ......................... 16 981 19 053 27 088 7 571 4 613 -8 013

Capitais voluntários ....................... 27 636 47 579 17 564 -2 847 10 282 7 630

Investimento direto ................... 26 888 30 498 24 715 14 108 9 894 8 695

Investimentos em carteira ....... 3 802 6 955 77 -5 119 5 308 -4 750

Derivativos ............................... -88 -197 -471 -356 -151 -677

Outros investimentos (voluntá-

rios) (1) .................................... -2 966 10 323 -6 757 -11 480 -4 769 4 363

Operações de regularização ........ 2 966 -10 323 6 757 11 480 4 769 -4 363

ERROS E OMISSÕES .................. 194 2 637 -531 -66 -793 -2 115

RESULTADO GLOBAL DO BA-

LANÇO ......................................... -7 822 -2 262 3 307 302 8 496 2 244

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de dados do Banco Central do Brasil (www.bcb.gov.br).

(1) Outros investimentos exclusive operações de regularização com o FMI.

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O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica

O crescimento em 2004 e os limitesda política macroeconômica

Aod Cunha de Moraes Jr.* Economista da FEE e Professor da PUCRS.

ResumoNeste artigo, são avaliados os limites para que a política macroeconômica pos-sa expandir a capacidade de crescimento do produto. Utilizando-se o exemploda "performance" da economia brasileira de 2002 a 2004, argumenta-se que aatual política macroeconômica de curto prazo, baseada num programa de me-tas de inflação, metas de superávit primário e câmbio livre, permite que a econo-mia se aproxime do seu produto potencial sem instabilidade de preços e commenor vulnerabilidade a choques externos. Todavia tal arranjo de políticas nãopode pretender expandir o produto potencial, algo que só pode ser feito com umconjunto de políticas de promoção do crescimento de longo prazo que estãofora da órbita das políticas monetária, fiscal e cambial.

Palavras-chavePolítica macroeconômica; Governo Lula; crescimento econômico.

Abstract

This article discusses the limits of the macroeconomic policies that try to increasethe economic growth. Observing the example of the Brazilian economy from2002 to 2004 is possible to argue that the combination of the inflation targetprogram, fiscal targets and free float of the exchange rate is allowing the economyto come close to his potential production without price instability and with less

* O autor agradece aos colegas Álvaro Garcia e Octávio Augusto Camargo Conceição pelaleitura e pelos comentários sobre o texto, bem como ao estagiário Herédio Macedo Fraga,pela revisão de dados e tabelas contidos no artigo. Os erros que eventualmente tenhampermanecido são de inteira responsabilidade do autor.

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Aod Cunha de Moraes Jr.

vulnerability to external shock. However, those policies can’t intend to increasethe potential production, something that can only be done by a combination ofpolicies that is out of the limits of the monetary, fiscal and exchange policies.

Artigo recebido em 21 mar. 2005.

A relação entre crescimento econômico e política macroeconômica sem-pre foi terreno fértil para o debate teórico na macroeconomia. De forma sintética,talvez seja possível agrupar o debate em dois tipos de divergências: aquelasque dizem respeito às direções de causalidade entre instrumentos e objetivos eaquelas que dizem respeito à duração de efeitos nos preços e no produto realdecorrentes da política macroeconômica. O forte crescimento da economiabrasileira em 2004, ao menos se comparado com o fraco desempenho de 2003,provoca análises que expõem divergências daquele tipo. Todavia é justamente oentendimento sobre as direções de causalidade entre as variáveismacroeconômicas e a duração de seus impactos que ditam os limites que apolítica macroeconômica tem sobre o crescimento econômico.

Inicialmente, é importante definir que a política macroeconômica do Go-verno Lula, a que se referirá este texto, diz respeito ao gerenciamento daspolíticas fiscal, monetária e cambial. É sob esse leque de instrumentos queserão avaliadas as possibilidades e os limites de uma “política de crescimento”.Essa definição é importante, porque se quer excluir propositalmente outraspolíticas, que poderiam ser chamadas de “macro” pela dimensão de seus im-pactos, como os marcos regulatórios e as diretrizes de política industrial, masque não correspondem à visão clássica da gestão de curto prazo damacroeconomia.

O que se pretende argumentar aqui é que o tripé da política macroeconômicaem curso, baseada num programa de metas de inflação, metas de superávitprimário e câmbio livre, permite que a economia se aproxime do seu produtopotencial sem instabilidade de preços e com menor vulnerabilidade a choquesexternos. Porém, tal arranjo de políticas não pode almejar expandir o produtopotencial, algo que só pode ser feito com um conjunto de políticas de promoçãodo crescimento de longo prazo e que estão fora da órbita das políticas monetá-ria, fiscal e cambial. Este é o foco deste artigo: o que a atual políticamacroeconômica pode e aquilo que não pode fazer em relação ao crescimentoeconômico.

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O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica

A próxima seção revê resumidamente o debate teórico em torno da (não)neutralidade dos instrumentos de curto prazo da política macroeconômica, con-frontado com a experiência histórica recente em diversos países. A seção pos-terior procura sintetizar o mecanismo de interdependência entre as políticasmonetária, fiscal e cambial adotadas, hoje, no País e seus impactos sobre asoscilações de curto prazo do produto e dos preços. Por último, procura-seavaliar o crescimento do produto obtido em 2004 e os limites para que a políticamacroeconômica dê sustentação a uma expansão contínua deste.

1 - O produto e os preços na macroeconomia de curto prazo

Desde a Teoria Geral de Keynes e a Síntese Neoclássica promovida porHicks, o debate sobre a política macroeconômica no âmbito do mainstreamdificilmente escapa de controvérsias sobre os efeitos nominais e reais deexpansões e contrações monetárias e fiscais. Mais precisamente, tais contro-vérsias se concentram muito na extensão temporal daqueles efeitos e sobrequando expansões reais do produto acabam por se transformar apenas emelevação de preços e inflação.

De tempos em tempos, a “razão” pareceu predominar em uma ou em outracorrente do mainstream, como no período da “revolução keynesiana” (anos 50 einício dos 60 do século passado), no do monetarismo fridmaniano (final da déca-da de 60 e início da de 70) e no do monetarismo das expectativas racionais(final dos anos 70 e início dos 80). Para keynesianos, nas suas diferentes ver-sões, o sistema de preços não reage de forma suficientemente rápida paraneutralizar expansões reais do produto que decorrem de impulsos fiscais emonetários. Para monetaristas, incluindo entre esses os economistas novo-clás-sicos, a rigidez do sistema de preços não é uma explicação convincente paradesvios do produto real em torno do produto potencial ou do produto natural.Ainda hoje, a aparente predominância da literatura novo-keynesiana namacroeconomia do mainstream não é suficiente para eliminar divergênciassobre a natureza dos desvios da trajetória do produto real corrente em relação àtrajetória do produto potencial. Todavia há muito pouca controvérsia, para nãodizer nenhuma, sobre o fato de que expansões monetárias e fiscais siste-máticas têm efeitos desprezíveis sobre o produto potencial e a trajetóriade crescimento de longo prazo da economia. Esta última é explicada porfatores que deslocam a acumulação de capital físico e humano, o progressotecnológico e a qualidade dos arranjos institucionais que vigoram em cadaeconomia.

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Aod Cunha de Moraes Jr.

A evidência empírica tem mostrado que as expansões monetárias e fis-cais sistemáticas não só são incapazes de expandir consistentemente o produ-to real, como acabam por reduzir a sua expansão, ou mesmo por contraí-lo.O abrangente trabalho de Madison (1995) é um, dentre outros1, que mostra aestreita relação entre inflação alta, elevados déficits fiscais e baixo crescimentopara um conjunto muito amplo de países. Por outro lado, as evidências empíricastambém mostram que inflação baixa e déficits controlados são condiçõesnecessárias, mas não suficientes, para o aumento na taxa de crescimento delongo prazo dos países. Ao sintetizar um conjunto de trabalhos sobre o tema,Agenor (2000) aponta que as correlações mais fortes mostram uma significativadependência do crescimento com variáveis que captam os quatro blocos defatores citados no parágrafo anterior: poupança, capital humano, progressotecnológico e qualidade institucional.

O que grande parte da literatura sobre política macroeconômica vem mos-trando nas últimas duas décadas é que o melhor que as políticas fiscal, mone-tária e cambial podem obter é a estabilização das flutuações do produto emtorno da sua trajetória de longo prazo. O que não se pode esperar é que essaspolíticas tenham o poder de expandir sistematicamente a capacidade de cresci-mento de uma economia, o que é tarefa de um conjunto distinto de políticas.Essa parece ser uma boa moldura para se inserirem a análise sobre os impac-tos da atual política macroeconômica do Governo Lula e a trajetória de cresci-mento da economia brasileira.

2 - A política macroeconômica do Governo Lula

No âmbito das discussões sobre a correção, ou não, do conjunto de instru-mentos que estruturam a política macroeconômica do Governo Lula, não parecehaver divergência quanto a duas constatações: há continuidade em relação aogoverno anterior, pelo menos em termos estruturais, e existe um “tripé” articula-do entre as políticas monetária, cambial e fiscal.

A preservação dos sistemas de metas de inflação, de metas para o supe-rávit primário do setor público consolidado e do regime de câmbio livre sãoevidências inequívocas da opção de manutenção do core da política econômica

1 Agenor (2000) e Barro e Sala-i-Martin (1999) analisam diversos trabalhos que testam asrelações de causalidade entre essas variáveis e o crescimento econômico.

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“herdada” do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.2 A própria esco-lha da equipe econômica que assumiu os principais postos do Ministério daFazenda e do Banco Central reforçou aquela opção. Se houve alguma mudança,esta diz respeito à intensidade no uso dos instrumentos das políticas fiscal emonetária. Ao longo de 2003 e 2004, a meta de superávit primário foi aumentadade 3,75% a.a. para 4,5% a.a., e a insistência do Bacen em atingir o núcleo dameta de inflação levou a sucessivas rodadas de aumento na taxa básica dejuros da economia. Cabe acrescentar que, por trás da maior austeridade fiscalpretendida, há um ambicioso plano do Ministério da Fazenda de redução darelação dívida pública/PIB, expresso no documento Política Econômica eReformas Estruturais (Brasil, 2003)3.

Em Moraes (2003), procurou-se analisar as interdependências entre aspolíticas monetária, fiscal e cambial sobre o atual regime de políticamacroeconômica. A execução do conjunto da política macroeconômica ao lon-go de 2004 parece ter dado razão às relações de prioridade e de causalidadeestabelecidas naquele artigo para os objetivos da política econômica. A partirdessas relações, se o Bacen está realmente comprometido com o regime demetas de inflação, então desvios na trajetória do índice de preços de referência,o índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), devem ser neutralizados atra-vés de controle da demanda agregada, independentemente de se o que causoua expansão de preços foi um fenômeno ligado à demanda ou à oferta — comono caso de uma elevação na taxa de câmbio. Como a principal função do regimede metas de inflação é oferecer uma âncora de estabilização com base naconvergência de expectativas de inflação, é importante não só que o nível depreços corrente convirja para a meta, mas que também a expectativa dos agen-tes quanto à inflação futura o faça. Assim, como vigora um regime de câmbiolivre, alterações bruscas no câmbio tendem a exigir correções na taxa básica dejuros, seja pelo impacto direto nos preços, seja pelo impacto sobre as expecta-tivas de inflação.

2 Quanto a isso, parece não haver divergência mesmo entre os críticos de tal política.Ver Ferrari Filho e Corazza (2003).

3 Nesse documento, o Ministério da Fazenda apresenta simulações, onde, a partir de umameta para o superávit primário de 4,25% a.a., seria possível retornar ao nível de endividamentoanterior ao Plano Real em 2011. Dessa forma, a dívida passaria de 56,53% em 2002 para34,96% do PIB em 2011, retrocedendo, em nove anos, aos níveis anteriores à introdução doPlano Real.

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A dominância da política monetária4 dá-se também sobre a política fis-cal, à medida que o Ministério da Fazenda pretende obter uma trajetória deredução contínua para a relação dívida/PIB. Assim, toda vez que a taxa de jurossobe, a queda daquela relação só pode ocorrer com a redução da taxa de câm-bio — e uma conseqüente redução do valor da parcela da dívida pública atreladaao dólar — e/ou com a elevação do superávit primário, permitindo a realizaçãode maiores resgates, por parte do Tesouro Nacional, da dívida em poder domercado. Como o câmbio é regido por um sistema de livre flutuação, à medidaque o Tesouro Nacional opta por um objetivo de redução da relação dívida/PIB,a meta de superávit primário tem que ser ajustada em função do comportamen-to da taxa de juros fixada pelo Bacen. O que se quer dizer é que a interdependênciadas atuais políticas monetária, cambial e fiscal ocorre sob um regime dedominância da política monetária sobre a política fiscal, uma vez que estaúltima fixa uma meta para a relação dívida/PIB concomitantemente à vigênciade um regime de metas de inflação.

O funcionamento da atual política macroeconômica não deixa dúvidas deque a gestão dos instrumentos das políticas monetária, cambial e fiscal elege aestabilidade de preços como o objetivo a ser perseguido diretamente. No casodo regime de câmbio livre, ainda se poderia argumentar que o objetivo principalé proteger as reservas do Banco Central de choques internacional e de ataquesespeculativos à moeda nacional. Todavia a experiência recente mostrou que apermanência de câmbio fixo associado à diminuição de reservas acaba poratingir fortemente os preços domésticos, através da expectativa de desvalori-zações futuras do câmbio ou de overshooting — quando efetivamente o regimecambial precisa ser mudado. Conforme enfatiza o documento publicado peloMinistério da Fazenda (Brasil, 2003), a política macroeconômica de curto prazopode “mirar” apenas indiretamente no objetivo de expandir o crescimentoeconômico, mesmo que este seja um objetivo maior que mova a busca pelaestabilidade de preços. É através da estabilidade duradoura dos preços e daredução consistente da dívida pública que as políticas monetária e fiscal podemabrir espaço para reduções maiores na taxa de juros real de longo prazo, aquelaque é relevante para a determinação dos investimentos de longo prazo etambém para a dinâmica do produto de longo prazo.5

4 Esse termo, não empregado em Moraes (2003), significa que o Bacen fixa a taxa de juros deforma independente, dado o seu objetivo de atingir a meta de inflação, e o Ministério daFazenda é obrigado a ajustar a sua meta de superávit primário, dado o seu objetivo de atingiruma meta para o endividamento público.

5 Contudo não se deve esquecer que há um limite para que a queda do juro real de longo prazoestimule o investimento agregado, já que, no cálculo das decisões empresariais, a taxa de

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O crescimento em 2004 e os limites da política macroeconômica

3 - Política macroeconômica e crescimento econômico em 2004

Por mais trivial que possa parecer, é sempre bom qualificar a taxa de cres-cimento do produto no Brasil observada em 2004 (5,2%)6 com base na taxaobtida em 2003 (0,54%). Ambas são taxas que se constituem em desvios acen-tuados da média em subperíodos recentes (Tabela 1) e podem ser consideradascomo uma resposta da trajetória de crescimento de curto prazo a alteraçõessignificativas nos instrumentos de política macroeconômica, principalmente noâmbito da política monetária.

Tabela 1

Taxa de crescimento média do PIB no Brasil — 1984-04

PERÍODOS MÉDIAS

1984-04 2,80

1984-93 2,86

1994-04 2,75

1994-98 3,23

1999-04 2,36

FONTE: IBGE.

Para entender a economia em 2004, é preciso retroceder a 2002. Comodecorrência das expectativas associadas ao cenário eleitoral, a forte elevaçãono câmbio a partir do final do primeiro semestre de 2002 começou a afetarsignificativamente os preços no atacado, já no final do segundo semestre da-quele ano. Como conseqüência, o IPCA acumulado em 12 meses, que estavaestabilizado próximo a 7,5% no início de 2002, saltou para mais de 15% navirada de 2002 para 2003. Frente a esse cenário, o Bacen, que havia iniciado

juros deve ser comparada com os retornos futuros dos investimentos realizados (numa linguagem keynesiana, a eficiência marginal do capital).

6 Este é o último número revisto pelo IBGE em março de 2005.

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uma redução da Selic no primeiro semestre de 2002, viu-se obrigado a dar umaforte guinada na política monetária, elevando os juros de 18% a.a. em setembrode 2002 para até 26,5% a.a. em fevereiro de 2003. A taxa só cairia abaixo de20% a.a. em outubro de 2003. O sucesso dessa política ao reverter o surtoinflacionário teve evidentes repercussões sobre o nível de atividade econômica,com o PIB crescendo à modesta taxa de 0,54% a.a. Todavia, já a partir deoutubro, consolidada a reversão das expectativas de alta da inflação, o Bacenretomou uma trajetória de redução da Selic, que chegaria a um piso de 16%entre abril e agosto de 2004. Essa redução dos juros, associada a um cenário deboa performance fiscal do Tesouro e de expressiva elevação dos saldos dabalança comercial, ajudou a configurar um quadro de expectativas favoráveispara o crescimento da atividade econômica. A nova reversão na trajetória daSelic, iniciada em setembro de 2004, não veio a tempo para comprometer aexpansão observada no PIB do ano passado.

O crescimento do PIB de 5,2% em 2004 é, sem dúvida, atestado deeficiência na gestão da política macroeconômica, no sentido de que a reversãodas expectativas de inflação e a boa performance da política fiscal e do setorexterno permitiram a retomada do crescimento. No entanto, a magnitude do cres-cimento deve ser compreendida à luz da base de comparação deprimida do PIBem 2004. A política monetária, que havia levado a atividade econômica parabaixo de sua trajetória de crescimento observado de longo prazo, permitiu queesse gap negativo de 2003 fosse adicionado à taxa de crescimento do PIB em2004. O que se observou em 2003 e 2004 foi um clássico movimento keynesiano7

de fine tune da política monetária, com o objetivo direto de estabilização dospreços. Nesse sentido, a política macroeconômica, em especial a políticamonetária, não reduziu a capacidade de crescimento de longo prazo daeconomia em 2003, nem tampouco a expandiu em 2004.

O argumento de que a política monetária não tem impacto direto sobre atrajetória de longo prazo do produto não desconsidera os ganhos de credibilidadepara a política macroeconômica que uma experiência de reversão de expectati-vas — como a que ocorreu entre 2003 e 2004 — pode gerar. O aumento decredibilidade do Bacen e a construção de uma reputação para a política monetá-ria podem reduzir custos futuros em momentos onde a desaceleração dademanda seja necessária. Como se observa no Gráfico 1, desde que o regimede metas de inflação entrou em vigor, os movimentos de reversão altista da

7 Para que isso não provoque a ira de keynesianos mais heterodoxos, aqui se faz referênciaao keynesianismo neoclássio ou ao novo-keynesianisno das expectativas racionais.

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Selic têm atingido picos menores8, o que pode indicar um relativo sucesso doBacen em convencer os agentes econômicos de que a autoridade monetáriaestá dedicada a atingir a meta de inflação estipulada. Quanto mais rápido osagentes se convencem desse comportamento, menor e mais curta é a altanecessária no juro básico.9

Gráfico 1

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

35,00

40,00

45,00

Jan.

/98

Mai

o/98

Set

./98

Jan.

/99

Mai

o/99

Set

./99

Jan.

/00

Mai

o/00

Set

./00

Jan.

/01

Mai

o/01

Set

./01

Jan.

/02

Mai

o/02

Set

./02

Jan.

/03

Mai

o/03

Set

./03

Jan.

/04

Mai

o/04

Set

./04

Jan.

/05

!121,05 !47,22

!17,19

Taxa Selic no Brasil — jan./98-jan./05

FONTE: Bacen.

As políticas fiscal e cambial também podem ser analisadas sob uma pers-pectiva semelhante à da política monetária. Mesmo que elas não sejam instru-mentos de impulso consistente do produto de longo prazo, podem ajudar a

8 No primeiro movimento de elevação e queda, a amplitude da variação da Selic foi de mais de2,5 vezes o movimento do segundo ciclo de elevação e queda, que, por sua vez, tudo indica,terá sido também mais de 2,5 vezes maior que o ciclo recente — já que há fortes evidênciasde que a Selic não deverá ultrapassar 19% a.a. nas próximas reuniões do Conselho dePolítica Monetária (Copom).

9 O movimento de reversão para uma tendência de alta da Selic no segundo semestre de 2003e início de 2004 já foi de menor intensidade do que aquele verificado em 1999/00 e em 2002//03. Além disso, neste último período de elevação da Selic, após as decisões de alta nosjuros promovidas pelo Copom, o mercado futuro de juros seguidamente ajustava para baixoa curva de juros.

(%)

∆121,05

∆47,22

∆17,19

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reduzir as volatilidades de curto prazo e abrir espaço para a política monetáriareduzir mais acentuadamente os juros de longo prazo, à medida que estimulemtrajetórias declinantes para a razão dívida/PIB e para o Risco-País. No caso dapolítica fiscal em curso, deve-se destacar o excelente resultado primário obtidoem 2003 (4,32%), acima da meta já ajustada (4,25%), mesmo em meio à retraçãoda atividade econômica e aos impactos decorrentes sobre as receitas doGoverno. Quanto à política cambial, após o período pré-eleitoral de 2002, o sis-tema vem apresentando uma redução considerável da volatilidade na taxa decâmbio, quando já descontados os efeitos decorrentes dos movimentos de ex-pansão e redução das taxas de juros reais.10 Além disso, no que diz respeito aossaldos comerciais, vitais para a redução da vulnerabilidade das contas exter-nas, o saldo acumulado em 2004 foi 35,90% superior ao de 2003 e 88,90%superior ao de 2002, embora tenha se verificado, em 2004, um câmbio nominalmédio praticamente igual ao de 2002 ( 2,925 em 2004 e 2,920 em 2002) e umcâmbio real aproximadamente 20% inferior. O desempenho da balança comer-cial já nos primeiros dois meses de 2005 parece confirmar que vem sendo pos-sível administrar a alta recente dos juros no sistema de câmbio flutuante, com arecomposição das reservas e o recuo nos preços no atacado.11

4 - Conclusão: sobre o que a política macroeconômica não poderá fazer

Sobre as variáveis que já foram apontadas como relevantes para a deter-minação da taxa de crescimento potencial de longo prazo de uma economia(a acumulação de capital físico e humano, o progresso tecnológico e a qualida-de dos arranjos institucionais), não há que se esperarem impactos diretos oriun-

10 Há que se considerar também que, após o ingresso num sistema de câmbio livre, comoocorreu a partir de 1999, era normal que se esperasse uma volatilidade inicial maior nataxa de câmbio real. Agenor (2000) comenta esse fenômeno com base nas experiênciasque ocorreram a partir da década de 70, com o abandono do sistema de conversibilidadedólar-ouro.

11 É evidente que uma elevação mais acentuada da taxa de juros num sistema de câmbio elivre entrada de capital tende a acentuar a valorização da moeda local. Por outro lado, essemovimento ajuda a frear a elevação interna dos preços e a antecipar um novo movimentode recuo nas taxas de juros. Até que este último movimento possa acontecer, é possívelque o Bacen mantenha a opção de realizar leilões no mercado de câmbio. Com isso, aomesmo tempo, ameniza a valorização da moeda local e seu impacto sobre o setor expor-tador e recompõe suas reservas. De fato, este já foi o comportamento do Bacen nos doisprimeiros meses de 2005.

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dos da gestão cotidiana das políticas monetária, fiscal e cambial. Como já sedisse, esse conjunto de políticas pode apenas favorecer indiretamente a expan-são do crescimento econômico, à medida que se construa um cenário duradou-ro de estabilidade para as tomadas de decisões dos agentes econômicos. Noentanto, as principais ações indutoras da expansão daqueles fatores de cresci-mento de longo prazo estão fora da órbita da política macroeconômica analisa-da neste texto.

Não parece haver contestação de que o aumento da taxa de poupançadoméstica, a expansão de investimentos em infra-estrutura, a melhora nos indi-cadores de educação do trabalhador, o aumento no investimento em pesquisaaplicada e o aperfeiçoamento de marcos regulatórios, leis e instituições fazemparte da tão sonhada agenda de crescimento e desenvolvimento. A literaturarecente sobre crescimento econômico, revista no item 1 deste artigo, é pródigaem destacar os impactos positivos daquelas ações sobre a capacidade de cres-cimento de longo prazo das economias. Dentre outros exemplos para o casobrasileiro, Menezes Filho (2001) estima que, com um ano a mais de escolarida-de média, seria possível expandir a renda do trabalhador em 12% a.a. e em 8%o produto de longo prazo na economia brasileira. Com base na estimativa doscomponentes de risco de diversos países, o Ministério da Fazenda (Brasil, 2003)estima que a independência do Bacen poderia reduzir em até 200 pontos ospread embutido nas taxas de juros básicas, necessário para equalizar odiferencial de juros com o exterior. Estes são apenas alguns exemplos dosimpactos mencionados anteriormente.

Ao se superestimar o poder de ação das políticas monetária, fiscal e cam-bial na expansão do crescimento econômico, a pior conseqüência é desviar aatenção sobre o que é relevante no espectro de ações possíveis para aspolíticas públicas. O que se faz na infra-estrutura, na educação, na ciência etecnologia e em leis e instituições pode ser muito mais determinante para atrajetória de crescimento de longo prazo de um país do que aquilo que é decidi-do nas reuniões do Copom.12 Todavia isso ainda contraria o senso comum eeconomistas que julgam ser o Banco Central uma fonte permanente deimpulsos ao crescimento econômico.

12 Contrariamente à importância que grande parte da literatura sobre crescimento econômicoatribui a outras variáveis que não a política de juros de curto prazo, é raro ver instituiçõescomo a FIESP reclamarem sobre a baixa qualidade da educação, o baixo nível de inves-timentos em pesquisa aplicada, a falta de adequada regulamentação no setor de infra--estrutura, ou mesmo a inexistência de independência do Bacen, da mesma forma quecriticam acentuadamente as decisões de elevação dos juros promovidas pelo Conselhode Política Monetária.

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O ano de 2004 é um exemplo de como retornar rapidamente à trajetória decrescimento econômico potencial, quando a política macroeconômica obtémsucesso na redução da incerteza e na conseqüente reversão de expectativaspessimistas. Por outro lado, o que se procurou destacar neste texto é que nãose pode esperar que a expansão da taxa de crescimento médio obtida nosúltimos anos ocorra com base apenas na manutenção dos atuais funda-mentos da política macroeconômica. A manutenção desses fundamentos éuma condição necessária, mas não suficiente, para que o País cresça mais nospróximos anos.

Referências

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MADISON, A. Monitoring the world economy, 1820-1992. Paris: OECD, 1995.

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Referências na Internetwww.bcb.gov.br

www.ibge.gov.br

www.ipeadata.gov.br

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Contradições e limites da política industrial do Governo Lula

Contradições e limites da políticaindustrial do Governo Lula

Clarisse Chiappini Castilhos* Economista, Pesquisadora da FEE.

ResumoEste artigo analisa o documento Política Industrial, Tecnológica e de Co-mércio Exterior (PITCE), lançado oficialmente, em fevereiro de 2005, pelo Mi-nistério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Em sua primeiraparte, este texto efetua um breve resumo da PITCE, que está dividida em trêsgrandes planos: linhas de ação horizontal; opções estratégicas e atividadesportadoras de futuro. Na segunda parte, procura examinar mais detalhadamenteos acertos e as contradições internas da política industrial proposta. A terceiraparte contém uma discussão sobre os principais conceitos utilizados, como é ocaso de competitividade, inovação tecnológica, investimentos diretos estran-geiros (IDEs) e desenvolvimento sustentado. O artigo conclui que o documentopossui diversos elementos conflitantes internamente e com a políticamacroeconômica em vigor, baseando-se em alguns conceitos que contêm umaforte carga de ambigüidade.

Palavras-chavePolítica industrial; indústria brasileira; indústria.

AbstractIn February 2005, the Brazilian Ministry of Development, Industry and ForeignCommerce officially launched the document Industrial, Technological Politics

* A autora agradece aos colegas do NEI-FEE, André Scherer, Áurea C. M. Breitbach e MariaLucrécia Calandro, pelos inúmeros comentários e sugestões. Agradece igualmente à colegaSocióloga Maria Isabel Jornada e a Mariana Pessah, foto-jornalista, pelas oportunas evaliosas sugestões de bibliografia, artigos e informações, bem como ao estagiário de Eco-nomia Cristiano Ponzoni Ghinis, pela elaboração da tabela e pelas sugestões quanto àsvariáveis a serem utilizadas.

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56 Clarisse Chiappini Castilhos

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and of Foreign Commerce—PITCE already announced since November of2003. The document is organized in three great levels: Lines of Horizontal Action;Strategical Options; and Activities Carried of Future. In general way, the PITCEintends to promote the “economic growth and the self-sustainable development”as well as extend the “efficiency and competitiveness of the domestic company(...) creating jobs and raising the income”. To reach this purpose, the actionsare oriented to exports promotion and to Direct Foreign Investments attraction.However, the document itself contains conflicting elements, internally and withthe macroeconomic policy, being based on concepts containing a strong burdenof ambiguity such as competitiveness, innovation, Direct Foreign Investmentsand sustainable development.

Artigo recebido em 31 mar. 2005

O documento lançado oficialmente no dia 1º de fevereiro de 2005 peloMinistério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, denominadoPolítica Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) (Brasil,2005b), de uma forma geral, mantém as bases do documento Diretrizes dePolítica Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, anunciado em no-vembro de 2003 (Brasil, 2003), e avança em alguns pontos importantes, comona melhor articulação entre as políticas industrial, tecnológica e exportadora.Porém seu conteúdo reforça uma tendência mais ortodoxa,1 na medida em que

1 A esse respeito, a classificação das políticas públicas exposta por Campanario e Silva(2004) é bastante elucidativa: (a) política industrial ortodoxa, ou neoliberal, definida combase no Consenso de Washington, em que “(...) o livre funcionamento do mercado assegu-raria a mais perfeita alocação dos recursos produtivos escassos, por meio da lei de ofertae procura”; nesse caso, a política industrial “(...) se restringiria a certas ações horizontais(...) tais como articulação de políticas governamentais (comercial e tecnológica), desoneraçãotributária, atração de capital e liberdade ao investimento privado”; (b) argumentação críticade Stiglitz (que formulou importantes críticas ao Consenso de Washington) e Krugman, quesupõe maior presença do Estado, através de instituições públicas, para “(...) corrigir falhasalocativas” decorrentes do livre funcionamento dos mercados — presença de bens públi-cos, existência de externalidades, falhas de concorrência, mercados incompletos,falhasde informação relacionadas com transações, correção dos desequilíbriosmacroeconômicos —; nesse caso, enquadram-se as diversas agências brasileiras criadasapós a privatização (ANAEL, ANATEL, dentre outras) e o CADE; (c) Michael Porter, dentroda mesma perspectiva do grupo anterior, identifica outras ações, como programa de longoprazo, regulamentação eficiente que promova a inovação, garantia da produtividade dos

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imprime maior importância ao mercado sobre as decisões relativas à produçãoe às exportações industriais.

O presente artigo discute a eficácia dessa orientação seja em relação àpromoção do crescimento das exportações e da entrada de investimento diretoestrangeiro (IDE), seja em relação ao objetivo explicitado na apresentação daPITCE de “crescimento econômico e desenvolvimento auto-sustentado” e am-pliação da “(...) eficiência e da competitividade da empresa nacional (...),criando empregos e elevando a renda (grifo nosso)” (Brasil, 2005b, p. 1).

Para desenvolver esses questionamentos e observações, na primeira seçãodeste artigo, efetuar-se-á um breve resumo das propostas de política industrial doGoverno Lula, e, na segunda, serão discutidos alguns pontos dessa política comênfase nas relações existentes entre os diversos planos do documento, nascontradições internas encontradas, bem como nos limites e nas possibilidadesde sua execução. Na última seção, serão discutidos alguns mitos da políticaindustrial, tais como competitividade, inovação, investimentos diretos estrangei-ros e desenvolvimento sustentável, que constituem a base conceitual da PITCE.

A política industrial do Governo Lula

O documento oficial está organizado em três grandes planos:a) linhas de ação horizontal;b) opções estratégicas;c) atividades portadoras de futuro.Sua análise revela claramente que todas as ações propostas se orientam

para a inserção externa da indústria brasileira e que o foco dessas ações estánas empresas multinacionais, nas empresas nacionais internacionalizadas enas poucas estatais que restam, embora se refira à empresa nacional deuma forma genérica. Para melhor fundamentar essa afirmação, é importanteexpor um breve resumo do documento em si. Evidentemente, não há inten-ção de descrever ponto por ponto tal documento,2 mas, sim, captar o sentidogeral dos três planos apontados.

insumos e oferta de infra-estrutura, regras microeconômicas de garantia de direito dosconsumidores, facilitação do desenvolvimento e aprimoramento dos complexos e clustersindustriais e incentivo à ação coletiva pelo setor privado; e (d) consistência das políticasindustriais com políticas mais gerais (macro, regional, tecnológica, etc.), estímulo à introdu-ção de inovação e aprimoramento das capacitações locais.

2 Para maiores esclarecimentos, ver Acompanhamento da Política Industrial, Tecnológicae de Comércio Exterior (Brasil, 2005).

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Plano das linhas de ação horizontal

O plano chamado linhas de ação horizontal está composto de ações orga-nizadas em quatro grandes grupos:

- inovação e desenvolvimento tecnológico;- inserção externa;- modernização industrial;- ambiente institucional e aumento da capacidade produtiva.Antes de descrevê-los, cabe ressaltar que, embora o grupo de ações

dedicadas à inserção externa seja uma ação em si, esse objetivo é o centro dapolítica e perpassa todas as demais, sendo possível identificar a centralidadeque assumem a ampliação das exportações e a atração de investimento diretoestrangeiro em quase todas as outras propostas.

O grupo inovação e desenvolvimento tecnológico tem como objetivoprincipal desenvolver a competitividade das empresas, de forma a melhor inseri--las no mercado internacional, e centra-se sobretudo nas Parcerias Público--Privadas. Segundo a recentemente aprovada Lei da Inovação (Brasil, 2004a),

“Será possível fomentar parcerias entre o meio acadêmico e a iniciativaprivada. (...) as instituições públicas de pesquisa poderão (...) celebrarcontratos de transferência de tecnologia mediante contrato; ospesquisadores são incentivados a constituírem empresas de basetecnológica para a exploração de seus desenvolvimentos(...)”(Brasil, 2004a, p. 3).

Essas ações relacionam-se de forma direta com os planos de opções es-tratégicas e atividades portadoras de futuro, como será discutido posteriormente.

No caso específico da inserção externa, as ações estão voltadas para amelhor inclusão da indústria brasileira nos padrões internacionais de concor-rência. Observe-se que, desde alguns anos, as exportações já vêm sendoapoiadas por diversas medidas fiscais e creditícias, sendo que, de 2003 até ametade de 2004, foram suplementarmente favorecidas pela relação cambial. Amelhoria das exportações pode ser observada na Tabela 1, cujos índices reve-lam que as vendas externas brasileiras cresceram mais de 106% entre 1994 e2004, alcançando seus índices mais elevados a partir do ano 2000. Esse com-portamento repercutiu sobre a produção física em 2004, embora outros fatoresvenham inibindo o crescimento da produção industrial (Castilhos, 2005), confor-me será comentado mais adiante.

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O documento reforça essa orientação, introduzindo outras ações em diver-sas áreas, como promoção, distribuição e inserção dos produtos brasileiros emcadeias internacionais de suprimentos; apoio direto às exportações (financia-mento, simplificação de procedimentos e desoneração tributária); estímulos àcriação de centros de distribuição no exterior e internacionalização destes; apoioà consolidação da imagem, etc. Além disso, propõe-se a apoiar as atividadesdos setores que vêm ganhando espaço, como o de agronegócios.

Cabe citar mais especificamente alguns programas referidos nessa linhade ação, tais como o Programa Brasil Exportador, já existente, dentro do qual jáforam anunciadas duas novas medidas: a modernização do sistema de drawback(suspensão ou isenção do imposto para as matérias-primas importadas, desdeque voltadas diretamente para a produção de bens destinados à exportação) e

Tabela 1

Evolução anual dos índices da produção física e das exportações da indústria de transformação no Brasil — 1995-04

ANOS PRODUÇÃO FÍSICA EXPORTAÇÕES

1995 94,34 109,63 1996 93,79 109,12 1997 96,10 116,86 1998 89,72 116,33 1999 91,24 109,56 2000 98,37 128,46 2001 94,00 129,22 2002 93,23 131,30 2003 92,56 157,06 2004 100,65 206,06

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Produção física industrial: número índice.Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Disponível em:http://www.sidra.ibge.gov.br/ Acesso em: 11mar. 2005. BRASIL: Ministério do Desenvolvimento, Indústria eComércio Exterior. Balança comercial brasileira:exportações 1995/2004. Rio de Janeiro: secex,2005. Disponível em: http://www.desenvolvimento.gov.br/ Acesso em:11 mar. 2005.

NOTA: Os dados têm como base 1994 = 100.

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o estado exportador (visa aumentar as exportações de estados que as tenhamem número inferior a US$ 100 milhões anuais); o Sistema Radar Comercial(prospecção de negócios no exterior); a Nova Cofins (elimina a cumulatividadeda contribuição e estabelece cobrança para os importados, criando isonomiacom as mercadorias nacionais); e os Centros de Distribuição e Logística noExterior.

Na ação denominada modernização industrial, destaca-se a criação doPrograma de Modernização do Parque Industrial Nacional (Modermaq), destina-do a financiar máquinas e equipamentos nacionais novos, com taxas de, nomáximo, 14,95%, especialmente voltado para a micro e a pequena empresa.O Programa de Extensão Industrial Exportadora, única menção aos ArranjosProdutivos Locais (APLs),3 visa fornecer assistência técnico-gerencial às em-presas localizadas em APLs, de forma a ampliar o número de empresas compadrão internacional de competitividade, somando-se, dessa forma, ao objetivode ampliação das exportações. Além desses, podem-se citar ações de aumen-to dos bônus de certificação Inmetro/Sebrae (possibilitando uma redução de até70% dos custos de certificação, particularmente das micro e pequenas empre-sas) e o da Rede Brasil de Tecnologia. Este último, voltado para áreas de petró-leo, gás natural, energia e agronegócio, visando à substituição de importaçõesnesses setores.

Finalmente, o chamado ambiente institucional destina-se à criação decondições infra-estruturais, tributárias e fiscais, dentre outras, adequadas aotipo de crescimento industrial adotado (com base na ampliação das exporta-ções) e à atração de IDE. Destacam-se, desse conjunto, a criação do Conse-lho Nacional de Desenvolvimento Industrial e da Agência Brasileira de De-senvolvimento Industrial (dentro da proposta de implementação e criação depolíticas públicas através de conselhos envolvendo o setor público e o privado).

No grupo de ações voltadas para a redução de “custo e atração denovos investimentos”, podem-se citar aquelas direcionadas à divulgação deoportunidades e de incentivos ao investimento, à desoneração do Impostosobre Produtos Industrializados (IPI) para bens de capital, mediante reduçãodo prazo para o aproveitamento de crédito do Programa de Integração Social(PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), eà redução do Imposto de Importação (II) para máquinas sem produção naci-onal. Na área de infra-estrutura, aparecem a instituição do regime tributário paraincentivo à modernização e à ampliação da estrutura portuária (Reporto); a redução

3 As diretrizes (Brasil, 2003) contêm mais programas voltados aos APLs, ao contrário do que

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de gargalos portuários; o novo regime aduaneiro especial — Regime Aduaneirode Entreposto Industrial sob Controle Informatizado (Recof) —, que permite im-portar ou adquirir no mercado nacional, com suspensão de impostos, mercado-rias que serão utilizadas no processo industrial de produtos para exportação; oregime de despacho aduaneiro (“linha azul”), para reduzir o tempo das liberaçõesde mercadorias que operem no comércio exterior; e o fórum de competitividadede franquias.

Também nesses programas, destacam-se nitidamente a busca deenvolvimento das empresas privadas na formulação e na implementação depolíticas, o apoio ao setor exportador, o incentivo aos investimentos e oestímulo à utilização de novas máquinas e equipamentos (que se complementacom o Modermaq, já citado), voltado para a compra de máquinas no mercadointerno. Além de as novas condições institucionais favorecerem nitidamenteas empresas exportadoras, ou potencialmente exportadoras, é interessanteobservar que as medidas tentam amenizar os efeitos da política de jurosaltos para os segmentos e as empresas a serem incentivados.

Plano das opções estratégicas

O plano denominado opções estratégicas objetiva estimular investimentose desenvolvimento em setores que apresentam, segundo o documento Diretrizesde Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Brasil, 2003),“(...) dinamismo crescente e sustentável (...) responsáveis por parcelas expres-sivas dos investimentos internacionais em P&D (...) que geram novas oportuni-dades de negócios; permitem inovação de processos, produtos e formas deuso; contribuem para o adensamento do tecido produtivo e possuem potencialpara o desenvolvimento de vantagens comparativas dinâmicas”. Nesse grupo,são citados especificamente: semicondutores; softwares; bens de capital;fármacos e medicamentos.

Os semicondutores também são incluídos no Regime Aduaneiro Espe-cial, de forma a permitir às empresas importar, com suspensão do pagamen-to de tributos, produtos destinados à exportação. Além disso, são tambémbeneficiados pela lei da informática (Brasil, 2004b), que inclui o telefone semfio como bem de informática, podendo, portanto, receber os benefícios dosoutros itens, a qual incita ainda a formação de recursos humanos e a atraçãode investimentos nesse setor. No caso dos softwares, estimula-se o aumen-to das exportações através da criação de incentivos fiscais e tributários (jácitados no grupo inserção externa) de investimentos públicos nessa área e pelasua inclusão como área prioritária nos fundos setoriais.

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Confirma-se também, nesse plano, a prioridade dada à inserção externa,na medida em que são propostos principalmente instrumentos voltados paraapoiar a ampliação das exportações e para atrair investimentos externos. Alémdisso, reforçam-se os programas contidos no grupo modernização industrial,voltados para o treinamento de recursos humanos para a utilização das inova-ções importadas ou produzidas no País.

No incentivo à produção e à aquisição de bens de capital, uma ação asso-ciada ao Programa inclui também o programa de financiamento do BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), voltado paracompradores e fabricantes.

Em fármacos e medicamentos, cujas importações vêm aumentando sig-nificativamente, aparece o Profarma, linha especial do BNDES para o fortaleci-mento de empresas nacionais, para a produção nacional e para o desenvolvi-mento de P&D nessa área. A criação da Hemobras, por sua vez, visa à implan-tação de uma fábrica brasileira que permita a redução da importação dehemoderivados.

A escolha dos segmentos considerados como estratégicos parece bastan-te adequada às necessidades de modernização da atividade produtiva noBrasil, sendo estes, ao mesmo tempo, potencialmente capazes de atrairnovos investimentos. Pode-se já observar, através de dados divulgados peloBNDES, a ampliação dos investimentos na indústria de bens de capital(Aumento..., 2005).

Plano das atividades portadoras de futuro

Finalmente, as chamadas atividades portadoras de futuro destinam-se aapoiar novas atividades, através de estímulo à pesquisa e à criação de fundossetoriais, e seu acerto reside na escolha dos segmentos, mesmo que incomple-ta. As atividades sinalizadas são as seguintes: biotecnologia; nanotecnologia ebiomassa/energias renováveis.

Cabe ressaltar, no entanto, que esse grupo ainda apresenta um conjuntode ações muito tímidas, sendo que poucas deverão ser implementadas nocurto prazo.

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Pontos críticos da PITCE

De maneira geral, pode-se analisar o documento a partir de alguns pontoscríticos, ou seja, a partir de sua coerência interna e/ou de sua exeqüibilidade.Nos pontos relativos às linhas de ação horizontal, a questão da inovação estábaseada na formação de Parcerias Público-Privadas. Se é verdade que essasparcerias poderão drenar recursos privados para a pesquisa, também é verdadeque o atrelamento quase total ao financiamento privado, com utilização dainfra-estrutura pública preexistente, limita a difusão da inovação aos parceirosenvolvidos, pois, diferentemente da pesquisa pública, a pesquisa privada impõeo segredo à difusão dos resultados em função, obviamente, das leis da concor-rência. Por outro lado, é mais ou menos evidente que a maior parte das parceri-as está voltada para adaptações locais de tecnologia importada, visto que anova lei de patentes e o elevado custo da inovação colocam as multinacionaisna liderança absoluta da inovação.

De fato, a Lei da Inovação, por exemplo, serve para integrar algumas em-presas nacionais mais performáticas às redes de fornecedores das multinacionais,para apoiar as empresas na introdução e na utilização de inovações lançadaspelas líderes (novos softwares de produção e fabricação, novos insumos, etc).Em outras palavras, a Parceria Público-Privada na área de inovação adapta--se principalmente à difusão de inovações já existentes e à redução dos gastosem P&D pelas empresas privadas. Esse processo, sem dúvida, favorece a ex-portação (melhora a competitividade das empresas) e beneficia a entrada deIDE. Entretanto, no conjunto de medidas voltadas para a inovação tecnológica,não aparecem, em nenhum momento, incentivos ao desenvolvimento detecnologias novas e adaptadas às necessidades da grande maioria das empre-sas brasileiras. Ao contrário, reduz-se a prática da pesquisa à mera criação decondições para que as empresas absorvam novas tecnologias, provocando, nolongo prazo, o abandono da pesquisa fundamental.

No caso da inserção externa, cabe ressaltar que grande parte das expor-tações, ainda que dentro do item manufaturados, é composta por produtos debaixo valor agregado. São esses: commodities (agroindústria, produtos siderúr-gicos e petroquímicos) controladas por capitais internacionais, alguns segmen-tos tradicionais (como calçados) e comércio internacional entre empresas demesmo grupo (automobilística, produtos de eletroeletrônica, dentre outros).Esses produtos, ainda que sirvam à ampliação do saldo comercial e à atraçãode IDE, não provocam os propalados efeitos de disseminação de tecnologia,de geração de emprego e de criação de novas atividades. Em outras pala-

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vras, inserem-se na lógica de favorecimento de alguns capitais, de crescimentoda exportação e da criação de superávit comercial.

No caso da modernização industrial, a linha referida a bens de capital (prin-cipalmente o Programa Modermaq), que também aparece nos setores estratégi-cos, ressente-se de uma orientação claramente direcionada. O documento apre-senta genericamente programas para apoiar a aquisição e a produção de bensde capital, embora muitas questões necessitem ser esclarecidas e definidas.Por exemplo, o apoio ao financiamento e à produção de máquinas está orientadopara os fornecedores de segmentos industriais determinados? Há um tratamen-to diferenciado entre equipamentos nacionais e importados? Qual a eficácia definanciar micro e pequenas empresas não vinculadas a algum aglomerado ouvoltadas para algum projeto de alta intensidade tecnológica?4

Na verdade, o Modermaq e outros programas de estímulo ao setor de bensde capital apresentam, de fato, um potencial transformador sobre o tecidoindustrial brasileiro, uma vez que a produção nacional de equipamentos é umfator central no reforço da dinâmica endógena de um país ou de uma região. Oprincipal fator para o sucesso desses investimentos é sua vinculação comarranjos ou cadeias produtivas existentes, de forma que possa ocorrer umamaior interação entre o produtor de máquinas e o seu usuário (learning byinteracting). É essa proximidade que induz à criação de processos e produtosadequados às necessidades do comprador, que permite uma assistênciatécnica mais constante e, finalmente, que garante uma base de comercializaçãointerna para essas máquinas capaz de apoiar a conquista de maiores fatias domercado externo. Não é à toa que a Itália é o principal exportador de máquinase equipamentos para calçados.

No que se refere aos segmentos estratégicos, surpreende a não-inclusãode medidas específicas para o desenvolvimento do chamado software livre,defendida pelo atual Governo e com muitas possibilidades de redução decustos e de autonomia com relação ao monopólio da Microsoft. Entretanto asmedidas referentes ao software livre não estão à altura da prioridade com queessa atividade vem sendo anunciada publicamente.

4 Quando da conclusão deste artigo, a imprensa já publicava a falta de estratégia do Modermaq,ressaltando que, dos R$ 2,5 bilhões anunciados no início de 2004, só tinham sido aprovadosR$ 328 milhões até fevereiro de 2005. Além disso, da idéia inicial de favorecer alguns tiposde equipamentos, o Governo decidiu optar por uma ampla renovação do parque industrial; ea taxa de juros de 14,9% ao ano é considerada muito elevada, impedindo que as pequenasempresas acessem o crédito — mais da metade dos recursos do Modermaq foi paraempresas de grande porte que já tinham acesso às linhas tradicionais de crédito (Venda...,2005).

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Nesse mesmo contexto dos segmentos estratégicos, caberia também ques-tionar a ausência de discussão sobre a lei de patentes (implantada no primeiroGoverno FHC), a falta de mecanismos de proteção à biodiversidade e, mes-mo, a ausência de políticas de pesquisa de base nessas áreas, que são com-pletamente dominadas pelas empresas multinacionais.5 Particularmente emfármacos e medicamentos, as medidas propostas são praticamente inócuas,referindo-se à produção nacional (e por empresas nacionais) de medicamentosem setor nitidamente internacionalizado. Nesse caso, a rediscussão da citadalegislação de patentes, a criação de medidas de proteção às matérias-primas(que constituem o princípio ativo do medicamento), fartamente encontradas noBrasil, e a inclusão da química fina entre os setores estratégicos são açõesessenciais para o desenvolvimento da indústria nacional e, principalmente, paraa garantia do suprimento, de forma sustentada, de matérias-primas essenciais.Nesse sentido, é interessante citar os questionamentos efetuados pelos própri-os pesquisadores da área farmacêutica, que vêm se movimentando no sentidode pressionar a Secretaria de Ciência e Tecnologia a agilizar a execução demedidas já introduzidas nessa área.

Segundo Coelho (2004), no âmbito da Secretaria de Ciência e Tecnologia jáexistem medidas consistentes dirigidas à produção, à programação e aoplanejamento dos medicamentos e já se discute um novo tratamento à questãodas patentes. No entanto, dificilmente essas iniciativas poderão avançar semcriar incompatibilidades com a área econômica, uma vez que

“(...) as multinacionais dos medicamentos são donas absolutas domercado e as redes de farmácias privadas dominam a dispensação,adquirindo quase 80% do total da produção industrial. Como superara dependência de matéria-prima e implementar projetos de pesquisa,ciência e tecnologia sem revisar/revogar/enfrentar a Lei da PropriedadeIndustrial?“O grande enigma é: quando as iniciativas no campo da assistênciafarmacêutica se chocarem com os privilégios do mercado, como seportarão os Ministérios da Fazenda, Indústria, Comércio, MeioAmbiente (vide questão dos transgênicos)?” (Coelho, 2004, p. 15).

5 Excetuam-se desse conjunto diversos segmentos da indústria de bens de capital e os softwares,segmentos estes em que o Brasil desenvolveu um certo domínio durante o período da leide proteção de mercado da informática.

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Alguns mitos da política industrial adotadospela PICTE

Para melhor se avaliar a eficiência da política industrial proposta, ou seja,a promoção do crescimento do produto através da ampliação das exportações,a modernização industrial através da difusão de inovação e, finalmente, o alcancedo crescimento auto-sustentado, é necessário discutir alguns conceitos-chaveda economia industrial.

O primeiro refere-se à competitividade, que, desde os anos 90, passou aincorporar a idéia de reestruturação da economia mundial, sendo definida emfunção da adequação das estratégias empresariais ao padrão de concorrênciavigente no mercado internacional. O padrão dominante, a partir de então, temcomo principais fatores a utilização de novas tecnologias (informática emicroeletrônica, novos materiais e biotecnologia) e de novas formas de gestão(Kupfer, 2001).

A essa abordagem foi dada a qualificação de competitividade sistêmi-ca (Ferraz; Kupfer; Haguenauer,1996), em que, além das dimensõesmicroeconômica e setorial, se inclui a dimensão sistêmica, que se refere aosfatores que formam o cenário onde as estratégias são pensadas e sobre asquais as empresas (leia-se empresas não ligadas a grandes grupos) não têmpoder de influenciar: variáveis macroeconômicas, contexto internacional, dentreoutros. Mas, mesmo se adotando esse ponto de vista mais abrangente ecompleto, esse conceito esconde o fato de que o conhecimento dos limitessistêmicos da competitividade não garante sua superação, pois não tra-balha em profundidade com as barreiras tecnológicas, financeiras, comer-ciais, dentre outras, controladas pelos oligopólios. Não reconhece, portanto,o “poder de fogo” dos grandes grupos multinacionais, e, muitas vezes, a conclu-são é que a superação desses obstáculos só pode ser conseguida atravésde fusões e associações com grandes empresas e da criação de ca-nais internacionais de comercialização, dentre outros (Castilhos; Scherer, 2004).Essas práticas, bem evidentemente, levam, em casos extremos, àdesnacionalização dos setores mais estratégicos e, como conseqüência direta,à redução do número de empresas no mercado. Entre as empresas quepermanecem no mercado, pode, de fato, ocorrer atualização tecnológica, comoforma de ampliar a produtividade, reduzir custos e permitir a integração pro-dutiva entre as diversas unidades em questão. Na prática, o aumento da pro-dutividade, resulta (e é resultado) da redução do emprego total na indús-

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Contradições e limites da política industrial do Governo Lula

tria.6 “No período entre 1994 e 2000, o emprego direto no setor industrial reduziu--se 29,53%, enquanto a produção física elevou-se. Em decorrência, a produtivi-dade aumentou 57,74%” (Campanário; Silva, 2004, p. 24).

Na realidade, o próprio conceito de competitividade é limitado, pois nãoconsidera como essencial, nas condições internacionais de concorrência,alguns dos principais elementos, quais sejam, a financeirização do capital pro-dutivo e a nova dimensão da lógica financeira na estratégia de empresas quesão referência em nível mundial.

Desde as últimas décadas, a concorrência internacional passa pelo crivodos grandes grupos internacionais, tanto nas commodities como nos setoresmais intensivos em tecnologia; a idéia de nichos de mercado e de “janelas deoportunidade” encontra-se quase inteiramente ultrapassada pelas atuais condi-ções da concorrência e pela estratégia oligopólica dos grandes grupos.7

Naturalmente, o engajamento dos compradores e dos distribuidores inter-nacionais favorece (e favoreceu) algumas empresas de grande porte, em geralcom filiais fora do País e, atualmente, na sua maioria, filiadas a grandes grupos.Como exemplo, o chamado agribusiness significa basicamente a concentraçãoe a internacionalização do capital que articula a agroindústria ao campo.

Em outras palavras, o conceito de competitividade, um dos pilares dapolítica industrial do Governo Lula, esconde contradições básicas da própriadinâmica da concorrência. Se a inovação contribui para a inserção nessadinâmica, a mesma não contribui para o desenvolvimento econômico do Paíse, portanto, não respeita as condições sistêmicas internas de reprodução daprópria competitividade (aumento do poder aquisitivo, crescimento do emprego,melhores salários, possibilidades de inserção de pequenos capitais, etc.).Nesse sentido,

“No contexto do capitalismo neoliberal, onde ao aumento daconcorrência local se contrapõe a sua redução em escala mundial,

6 Teoricamente, como colocam os neo-schumpeterianos, a inovação tecnológica, em alguns se-tores, pode levar à redução do emprego, mas esse emprego poderia ser substituído sejapela criação de novas atividades, seja pelo aumento da renda dos trabalhadores e, assim,pela expansão da demanda, desde que as instituições se reformem o suficiente para absor-ver essas mudanças. Na prática, o aumento da produtividade, mesmo que decorrente dainovação, tem mantido o desemprego em função, por exemplo, do deslocamento verticaldas diferentes etapas da produção (EUA transfere atividades para países de menoressalários, menores custos de insumos e maiores incentivos fiscais). Também a redução docusto de produção, que torna as atividades mais competitivas internacionalmente, pode serconseqüência pura e simplesmente de baixos salários, condições de trabalho não regula-mentadas e mão-de-obra abundante, como é o caso da China, atual fantasma do mercadointernacional.

7 A esse respeito, ver a idéia de oligopólio mundial em Chesnais (1994).

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existem poucas e localizadas correspondências entre a com-petitividade individual e as dimensões da competitividade sistêmicaem nível local e nacional, não no sentido de que não haja uma induçãopositiva de parte daquilo que vai bem, mas, sim, que existem maiscondições para individualmente ir bem em um ambiente onde a maioriaestá mal!” (Castilhos; Scherer, 2004).

Um outro conceito que merece uma reflexão se refere à inovação. De fato,o enfoque neo-schumpeteriano que melhor trata desse tema considera que sóhá inovação quando esta se torna mercadoria, ou seja, quando há comercialização,o que a vincula à atividade empresarial. Os fatores que a entornam, como aP&D, dos quais participa também o setor público, não são condições suficien-tes para que um produto venha a ser lançado no mercado. Além disso, a introdu-ção desse novo processo ou produto vai depender do acúmulo tecnológico decada firma. Porém diversos aspectos precisam ser levados em consideração,principalmente em se tratando de um país de características como o Brasil,onde a introdução da inovação se dá principalmente por empresas de fora, oupela importação de tecnologia, ou pela importação de equipamentos. Nessecaso, a literatura internacional pouco trata de particularidades nacionais. Emprimeiro lugar, a empresa, para introduzir nova tecnologia, deve ter o conheci-mento acumulado, e isto só ocorre no caso de algumas grandes empresasnacionais (já internacionalizadas, ou seja, que têm filiais fora do País e quecontam com a participação de grandes empresas). Do contrário, a inovação sóse dará por intermédio do processo de fusão ou de venda, quando há umatransferência patrimonial. Finalmente, é preciso considerar que a seleção dasinovações que se tornam dominantes no mercado mundial não depende apenasde conhecimento, mas principalmente do controle do mercado e do acordo entreas empresas inovadoras.

Do ponto de vista do estímulo ao investimento, também cabem algunsreparos e diferenciações, em particular no que se refere ao mito de que o IDE éuma das principais fontes de difusão de tecnologia e de geração de emprego(com salários acima da média). Mais do que o volume dos investimentosentrantes, é importante analisar sua orientação e seu conteúdo (Castilhos, 2005).Atualmente, a tendência internacional indica que o IDE direcionado para o Brasilse orienta basicamente para a produção de commodities com baixa intensidadetecnológica e, sobretudo, com poucos efeitos multiplicadores sobre a atividadeeconômica brasileira, isso quando foge à tendência predominante de se alocarno setor serviços. Além disso, na maior parte dos casos, como já foi referido,não são novos investimentos, trata-se de fusões e aquisições de empresas jáexistentes, onde, inclusive, as áreas de P&D foram fechadas (Embratel porexemplo), ou se resumem a atividades de adaptação de processos ou produtos.

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As áreas que mais têm concentrado os novos investimentos diretos es-trangeiros, além do setor serviços, são siderurgia, mineração, petroquímica eagronegócios. A siderurgia atravessa um processo de fusão em escala mundial,que poderá colocar as siderúrgicas brasileiras, especialistas em aços planos,em situação bastante difícil (Ribeiro, 2004). Essa tendência deverá impelir asempresas brasileiras a buscarem novas associações, onde a ampliação de fatiasdo mercado mundial a partir de ganhos de escala certamente se imporá àbusca pelas “melhorias tecnológicas”. No caso do fluxo de investimentos volta-dos para a mineração, trata-se, em geral, de capitais internacionais voltadospara a exploração pura e simples de recursos minerais e que tendem a exercerefeitos predatórios sobre o local dos investimentos. Já a indústria petroquímicaapresenta um leque de investimentos mais diversificados, embora predomine aprodução de commodities de segunda geração. A par disso, a nova onda deinvestimentos nessa área vem sendo alavancada pelos investimentos estataisprevistos para os próximos anos.

Ademais, como já foi comentado em outros artigos (Castilhos, 2005), ainternacionalização de diversos elos das cadeias produtivas, iniciada a partir doGoverno Collor, resulta em que a ampliação da produção de um bem não sereflete diretamente sobre a produção de seus fornecedores locais (ou nacionais)e, portanto, tem menores efeitos sobre o emprego. Pode-se também supor queparte do aquecimento da atividade, verificado a partir da metade de 2003, seutilizou do aumento de horas trabalhadas como forma de não acelerar o númerode novas contratações. Finalmente, é possível que o aumento da produtividadejá permita um aumento da produção sem o respectivo crescimento do emprego.

De fato, uma ampliação generalizada e consistente da produção e do em-prego requer uma outra estrutura de distribuição de renda, capaz de expandirtambém a demanda doméstica. Por essas razões, os fortes limites colocadospela atual política econômica para a expansão do emprego e da renda dos traba-lhadores, que poderiam resultar em ganhos de escala para a indústria brasileirae, com isso, em ampliação de sua competitividade no exterior, podem não seconcretizar, sendo mais um fator a se contrapor à idéia de crescimentosustentado.

A questão possui, portanto, uma relação estreita com outro tipo de contra-dição que aparece na idéia de crescimento sustentado, que se pode conside-rar como crescimento de longo prazo, com elevação do emprego e melhordistribuição da renda. Para tanto, pressupõe-se o reforço de uma dinâmicaendógena, através da ampliação do consumo doméstico e da intensificaçãodas relações interindustriais, o que não se evidencia no documento recente-mente lançado. Além disso, pode-se afirmar que taxas de crescimento elevadas

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não resultam necessariamente em crescimento do emprego. Mais ainda, o con-junto de reformas propostas (algumas já aprovadas) nas áreas da política deemprego e da previdência e a política macroeconômica em vigor são radical-mente conflitantes com crescimento econômico sustentado.

Conclusão

Embora a política industrial proposta seja, aparentemente, heterodoxa, aanálise mais cuidadosa das diversas ações priorizadas leva à conclusão deque, na realidade, é predominantemente ortodoxa. De fato, os programas queformam a PITCE favorecem e reforçam os mecanismos de mercado e, comisso, se orientam para as empresas com maiores chances de alcançar osobjetivos colocados, quais sejam, aumento da participação no mercadoexterno e atração de investimento direto estrangeiro.

Sob o ponto de vista estrito da inserção internacional, a política propostaacerta na inclusão das empresas multinacionais como principais atores, tendoem vista que são essas empresas que detêm tanto a tecnologia quanto oscanais de comercialização. Já quanto à difusão de inovações, mesmo que asmultinacionais dominem as tecnologias de ponta, sua difusão no tecido indus-trial passa por diversos filtros — derivados da dinâmica da concorrência efacilitados pelas novas formas que assumem os investimentos diretos e opróprio processo de organização da produção (disseminada interna-cionalmente) —, que impedem o acesso de outras empresas a essas inova-ções. Além disso, os instrumentos mobilizados não atuam no sentido decondicionar e adequar as estratégias dessas empresas a um projeto nacionalde desenvolvimento, mas, ao contrário, atuam no sentido de adequar aindamais o País ao interesse dessas empresas. Caberia a proposição integradade uma política de atração de IDE que, em conjunto com a estratégia deatração de capitais externos como um todo, permitisse uma escolha estraté-gica do tipo de capital a ser atraído e de sua forma de inserção na economianacional. Para isso, até mesmo a articulação com mecanismos que são, naaparência, exclusivamente financeiros, como os mecanismos de controle daentrada de capitais, é indispensável.

Um outro elemento essencial se refere à necessidade de maior partici-pação do Estado no desenvolvimento da pesquisa e da criação de instrumen-tos voltados para a difusão de tecnologia nos arranjos produtivos locais. Issomostra a timidez e a insuficiência da política proposta, que, se tem algummérito maior, este está apenas na explicitação da preocupação do Governo em

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estabelecer algum tipo de política industrial. Ou seja, o mérito da política pro-posta esgota-se na sua própria existência.

Há que se considerar finalmente que, no atual momento histórico, umapolítica desse tipo contém, pelo menos, três contradições intrínsecas. A primei-ra refere-se à quase-impossibilidade de formulação de uma política de estímuloà expansão industrial em um contexto onde quase todas as decisões (preço dasmercadorias, orientação dos investimentos externos) são tomadas internacio-nalmente, num país onde a política macroeconômica se encontra integralmentesubmissa às estratégias e aos condicionantes que orientam o movimento inter-nacional do capital. A segunda contradição, específica ao documento brasileiro,refere-se ao seu objetivo de “crescimento econômico e desenvolvimentoauto-sustentado”, que se contrapõe à política macroeconômica ortodoxaimplementada não apenas no âmbito do Ministério da Fazenda e do Banco Cen-tral, mas também no da própria política industrial.

Finalmente, considerando-se que esse documento trabalha como dadasas questões da pobreza, do emprego e das condições de vida do(a) trabalhador(a)(salário, previdência, etc.), os chamados “problemas sociais” (vistos quase comouma falha de mercado) são “resolvidos” com políticas mitigatórias, como o Pro-grama Fome Zero, que não estão organicamente integradas à política industrial.A pergunta que fica é: até que ponto os “capitais vencedores” (Campanario;Silva, 2004, p. 29) estão dispostos e aptos a subsidiar políticas desse tipo? Aesse respeito, um dos criadores do Consenso de Washington, o EconomistaJohn Williamson, manifestou-se sobre o Governo Lula de uma forma geral:

“(...) é uma decepção na realização dos projetos da área social. Napolítica econômica, foi mais inteligente, segundo avaliação dosanalistas externos e na minha também. Na política social, vejo que oquadro de ministros segue uma ideologia de um velho socialismo.É tudo ideológico” (As idéias..., 2005, p. 14).

Na verdade, a opinião de Williamson expressa que, mesmo as pequenaspreocupações em perseguir avanços sociais paralelos e completamente semvínculos com outras políticas já são excessivas para o grande capital oriundodos países centrais, “(...) pois revelam vícios do velho socialismo” (As idéias...,2005). De outro lado, as políticas de emprego e previdência, tambémdesvinculadas da política industrial, são totalmente coerentes com a propostado Consenso de Washington, como forma de garantir a competitividade indus-trial e manter a “estabilidade social”.

Em resumo, considera-se, neste artigo, que a política industrial pro-posta não detém o controle dos elementos necessários para manter o cresci-mento industrial, pois esse objetivo se contradiz com a política

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macro-econômica e com a excessiva vulnerabilidade da economia brasileira(amplificada pela própria política industrial) às oscilações e aos humores daeconomia mundial. É ainda mais contraditória com a idéia de crescimentosustentado, porque as reformas relativas ao trabalho (flexibilização do empregoe reforma sindical) e à Previdência Social, bem como as políticas dedesenvolvimento de P&D (cuja responsabilidade recai sobre a formação deParcerias Público-Privadas), favorecem o grande capital e reduzem as oportuni-dades de emprego estável e de qualidade.

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Dezenove milhões, novecentos e noventae oito mil, novecentos e quarenta

e sete empregos e políticas públicas: buscando avançar

além da conjuntura*

Duilio de Avila Bêrni** Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da PUCRS e Doutor em Economia pela Oxford University.

Eduardo Grijó*** Economista da AGERGS e Mestre em Economia pelo PPGE-PUCRS.

ResumoEste artigo discute as conseqüências econômicas de mudanças no padrão dedistribuição da renda, no Brasil, transferindo recursos das classes de rendamais alta a 20 milhões de trabalhadores presentemente desempregados. Argu-menta-se que é excessivo otimismo pensar que, dada a relação capital/trabalhojá alcançada pela economia brasileira, esse montante de excedente de mão-de--obra receba oportunidades de emprego no setor formal da economia. O meca-nismo aqui proposto, destinado a garantir a absorção desse contingentepopulacional, consiste na criação do chamado Serviço Municipal. Este define--se como um conjunto de instituições voltadas à criação de emprego e oferta deserviços de baixo conteúdo de capital, por unidade de produção, principalmenteàs famílias (segurança, saúde, cuidados com crianças e velhos), mas tambéma auxiliar a manter os serviços urbanos organizados.

* Ensaio apresentado à mesa Mundo do Trabalho, do X Encontro Nacional de EconomiaPolítica, realizado na Unicamp, entre 24 e 27 de maio de 2005, pela Sociedade Brasileirade Economia Política. Os autores agradecem aos participantes da mesa pela acolhida eaos Professores Adalmir Marquetti, Adelar Fochezatto e José Antonio Fialho Alonso peloscomentários às idéias que presidiram a redação inicial, isentando-os das imprecisõesque, por desventura, permaneçam. Por fim, agradecem aos pareceristas anônimos darevista Indicadores Econômicos FEE.

** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected]

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Palavras-chaveMercado de trabalho; excedente de mão-de-obra; serviço municipal.

AbstractThe paper discusses the economic consequences of a change in the pattern ofincome distribution in Brazil, shifting resourses from the upper classes to 20million unemployed workers. It is argued that it is exagerated optimism to expectthat, given the capital/labour ratio already achieved by the Brazilian economy,this amount of surplus labour will see employment opportunities in the formalsector of the economy. The mechanism designed to absorb this enormous amountof labour is the formation of the so-called County Service, defined as an ensembleof institutions devoted to create employment and provide low capital contentsservices mainly to households (security, health, care with children and elder) butalso to help to maintain the urban services tidy.

Artigo recebido em 8 mar. 2005.

“ Human development has to occur prior to or simultaneous with improvements in economic growth, if a country is to reach a virtuous cycle.”

(Ramirez; Ranis; Stuart, 1998)

“Um homem se humilha, se castram seus sonhos. Seu sonho é sua vida, e a vida é trabalho. E sem seu trabalho, um homem não tem honra. E sem sua honra, se morre, se mata.”

(Gonzaguinha)

1 - Considerações iniciais

Em 1973, a crise do petróleo encerrou a Era Dourada dos países capitalis-tas avançados, um período de quase 30 anos com crescimento acelerado deseu PIB. Por essa época, o PIB brasileiro experimentava um crescimento vigo-roso, o que oferecia perspectivas otimistas sobre o desenvolvimento

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socioeconômico nacional. Ainda que os 0,55 do Índice de Gini da distribuição darenda calculados com os dados do Censo Demográfico de 1970 postassem oPaís entre os mais desiguais do mundo,1 considerava-se que a industrializaçãopesada que se acelerou a partir dos anos 50 e o creative drive da brasilidadetudo iriam compensar. Seriam geradas rendas per capita próximas às daseconomias centrais, e, no devido tempo, a distribuição tornar-se-ia igualitária,pois os mercados de fatores se encarregariam de sinalizar a precificaçãoadequada. O crescimento “milagroso” do PIB entre 1967 e 1973 estancoualguns anos depois, quando se ampliou a drenagem da poupança nacionalpara os países que contribuíram para o financiamento do crescimento no perío-do assim findante. Todavia pensar que cataclismos dessa natureza obrigatoria-mente deixarão seqüelas eternas é exagerar o sentimento de pleonexia nacio-nal, ou seja, o desejo sentido pelo indivíduo ou grupo de receber mais do que aparte que lhe atribui a sociedade.

Mesmo que uma parcela do tamanho geográfico e econômico do Rio Gran-de do Sul fosse deslocada do território nacional, o “resto do Brasil” perderiacerca de 8% do PIB, mas restariam 92% intocados. Em poucos períodos decrescimento errático ou em dois anos de crescimento de 4,3% a.a., o que é umrequisito inferior à média histórica do crescimento do PIB do Brasil, o índice de100 voltaria a ser alcançado. Por analogia, a remessa de juros e royalties aoexterior pode comprometer o nível do PIB em menos de 8%, em dado período,mas não representa maldição permanente, pois o próprio crescimento econômicopode superá-la. Nesse contexto, não pode passar sem ser dito que o pagamentode frações da dívida externa assumidas em condições de corrupção é umaprova de fraqueza institucional, pois o ponto aqui levantado é diverso da aceita-ção pacífica do atual endividamento. O que se busca enfatizar é que, qualquerque seja a fração do PIB deixada para ser alocada pela sociedade brasileira,haverá opção de aplicação com contornos mais ou menos igualitaristas.

Todavia o traço característico dos últimos 30 anos foi que, mesmo com acrescente concentração da renda e do consumo, o sistema foi incapaz de gerarum estilo de crescimento-distribuição em que taxas de poupança mais robustasse associariam à elevação substantiva da componente local do investimentonos setores produtivos. Ainda que se tenha incorporado à questão do desenvol-vimento socioeconômico a preocupação ambiental, o desempenho produtivo dasociedade brasileira não incorporou o fator humano.

1 Em estudo recente, usando metodologias diversas das adotadas pelo Banco Mundial, Milanovic(2002) referenda os dados já conhecidos, confrontando-os com índices de consumoper capita.

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Nas linhas abaixo, procura-se argumentar que, havendo 20 milhões de de-sempregados no Brasil, o que não há são os recursos para absorvê-los com arelação capital/produto vigente na economia brasileira contemporânea2. Argu-menta-se que uma solução possível para a absorção desse contingente quepotencializa consumo e produção consiste na criação do Serviço Municipal3,custando, ao País, 5% do PIB, financiando-se com o Imposto de Renda. Suge-re-se que o emprego desses 20 milhões de trabalhadores no Serviço Municipalaumenta a produtividade agregada do sistema, sem reduzir a disponibilidadede serviços de baixa qualificação prestados às famílias ou às empresas. Asso-ciando-se aos 5% do excesso de arrecadação pública sobre seus gastos (excetopagamento de juros), a equação pública permanecerá equilibrada, se o Impostode Renda progressivo tiver sua alíquota elevada, abarcando 10% das rendas de10% dos indivíduos mais ricos. Conclui-se argumentando que distribuições derenda de corte igualitário podem reduzir a pleonexia das classes alta e média,servindo mesmo para elevar os incentivos ao trabalho e minimizar as atividadesimprodutivas e de rent-seeking4.

2 - Distribuição

Em qualquer sociedade que não apresentasse a troca como ato voluntário,e particularmente a troca de mercadorias, não haveria divisão do trabalho, espe-cialização, crescimento da produtividade ou maior disponibilidade de bens eserviços por habitante. Havendo troca intermediada pelo dinheiro, dizem os

2 Lidando com o conceito de “trabalho decente”, Pochmann et al. (2005, p. 101) apontam umdéficit de ocupações para 27,8% da População Economicamente Ativa, o que, segundo eles,requer a criação de 22 milhões de empregos. Os 20 milhões de empregos aqui referidosconstituem o dobro daquele acenado ao País no manifesto eleitoral que levou à constituiçãodo Governo Lula. A PNAD de 2003 menciona 8.537.033 desempregados (IBGE, 2004), umpeculiar conceito de desemprego, pois, acrescentando os funcionários públicos aos traba-lhadores portadores de working permit, não se alcançam 33% da População Economica-mente Ativa.

3 Define-se aqui Serviço Municipal como um conjunto de instituições de base regional voltadasa absorver a mão-de-obra excedente, direcionando-a ao atendimento das necessidadessociais, desde a coleta e seleção do lixo urbano, passando pelo cuidado de crianças evelhos e pela zeladoria das florestas e águas internas, até o auxílio à manutenção dasegurança pública. As “frentes de trabalho” periodicamente criadas no Nordeste do Brasil, a“renda mínima” instituída na legislação e os programas Bolsa-Escola, Fome Zero, BolsaAlimentar, Vale-Gás e Cartão Alimentar constituem embriões (ao serem despidos dacurrupção) do Serviço Municipal.

4 Detalhes sobre esse ponto podem ser encontrados em Baumol (1990).

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economistas neoclássicos extremados, no devido tempo e sem a intervençãogovernamental, o melhor dos mundos será alcançado. Antes deles, os econo-mistas clássicos diziam que a troca desencadeia (e responde a) um sistema depreços que também organiza a distribuição dos resultados do esforço produtivohumano voltado à produção de bens e serviços. Um inarredável fato econômicoda atualidade brasileira é que a troca intermediada pelo dinheiro não tem trazidoos melhores resultados para a vida societária. Assaltos, acidentes de trânsito,tráfico de drogas e prostituição infantil são sintomas de ineficiências tanto nosistema produtivo quanto nos arranjos distributivos a ele acoplados, todos en-gendrados pelos tomadores de decisões político-econômicas. Tantas são asvariáveis envolvidas para esbater tais mazelas, que a vitória implicará a promo-ção da elevação do padrão de vida das massas como o traço distintivo entre aeconomia estagnada dos últimos 25 anos para a sociedade dinâmica cumredistribuição. Em particular, dada a incapacidade do livre jogo das forças demercado de encaminhar soluções, muitos apontam a necessidade de criaçãode políticas econômicas destinadas a fortalecer o dinamismo do sistema. Nopresente ensaio, busca-se argumentar que, no Brasil, o crescimento não vaigerar redistribuições substantivas,5 e que estas apenas ocorrerão em respostaa políticas governamentais profundamente direcionadas à redução dadesigualdade.

No Brasil contemporâneo, muitos investigadores associam as mazelassociais à “hegemonia do capital financeiro sobre o capital produtivo”, mas opensamento estruturalista dos anos 70 sempre deu maior destaque à relaçãoentre as diferentes dimensões do sistema econômico. Para ele, a estrutura pro-dutiva determina o perfil de distribuição da renda. Esta, por seu turno, cria pa-drões de consumo específicos, que vão influenciar a produção, num círculointerminável de múltiplas determinações. Mais incomum é incorporar-se a essacadeia de causações o fator demográfico, que deve inserir-se nas três dimen-sões do trabalho social utilizado pelo sistema.6 Trabalhadores e capitalistas exer-cem seu esforço na esfera da produção, transformando insumos em produtos,ao utilizarem terra e bens de capital. Os agentes cujas habilidades forem assim

5 A marca registrada sobre a relação entre crescimento e distribuição da renda encontra-seem Kuznets (1955). Uma visão moderna encontra-se no artigo de Fajnzylber (1988), segui-da de Ramirez, Ranis e Stewart (1998). Este último deu origem à primeira epígrafe dopresente trabalho.

6 Nomeadamente, a produção de valores de uso, seu dual como valores de troca e suasíntese na forma do valor das mercadorias. Mais detalhes sobre esse ponto e seus circuitosde mensuração (respectivamente, quantidades, preços e horas de trabalho) podem serencontrados em Bêrni (2003).

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empregadas participarão do processo distributivo, credenciando-se a exercersuas preferências sobre diferentes cestas de consumo. Os desempregados sãoperemptoriamente excluídos dessa relação de causação, devendo contar commecanismos distributivos familiares ou governamentais, a fim de continuarem abuscar oportunidades de inserção/reinserção na matriz produtiva do sistemaeconômico. Mas os próprios trabalhadores empregados, ao reterem uma fraçãode apenas 40% do PIB, contrastam com os dos países capitalistas avançados.Estes retêm 70% de uma renda per capita superior em entre seis e 10 vezes àdo PIB brasileiro. Na economia com surplus labour (Lewis, 1954; Ramirez; Ranis;Stewart, 1998), é impossível mudar essas relações: tanto elevar os 40%, quan-to catch up com a renda per capita mais elevada.

Hoje, os limites do dinamismo industrial já são claros, mesmo em um paísde renda média como o Brasil, cuja reestruturação nos anos 90 destruiu doismilhões de postos de trabalho, como apontam as novas Contas Nacionais doBrasil (IBGE, 2000; 2001). Mesmo em 2004, com o crescimento de 5,2% doPIB e — que seja — a criação de menos de dois milhões de empregos, oexcedente de mão-de-obra manifestou-se com a indicação de que 10% dospostos de trabalho pagaram taxas de salário iguais ou inferiores à mínima legal.A exemplo da trajetória secular da agricultura, observa-se, nos anos recentes, aperda relativa de importância do PIB industrial, ainda que mantendo a liderançaabsoluta na produção de bens. Pode-se sugerir que a antítese do movimentoindustrial reside precisamente no deslocamento do emprego para os serviços.Suas tradicionais e limitadas perspectivas de aumento da produtividade fizeramBaumol (1967) criar a encantadora imagem do quinteto de cordas. Por mais quese eleve sua produtividade, haverá um limite para os ganhos do numerador, desorte que novas conquistas seriam realizadas apenas com mudanças no deno-minador, o que implicaria transformá-lo num quarteto...

Notoriamente, o Brasil apresenta um sistema produtivo cujo desempenhonos últimos 100 anos deu todas as mostras de vigor, na maior parte do tempo.Mesmo em períodos recentes, com grande instabilidade na geração de renda,as quedas conjunturais nunca excederam 5% do PIB. Todavia esse aparatocomporta uma proverbial incapacidade de absorver integralmente a PopulaçãoEconomicamente Ativa. O divórcio entre a dimensão demográfica do sistemasocioeconômico-ambiental e sua dimensão produtiva não se parece encami-nhar para uma solução criativa, pois os tomadores de decisão dificilmente vãorenunciar à utilização de tecnologias modernas essencialmente poupadoras demão-de-obra. Para um país que vive em luta intestina — essa guerra branca quedevasta seu já deficiente desenvolvimento humano —, surpreende que oeconomicismo assuma a liderança na discussão. Fala-se que as mazelas

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sociais do País seriam pensadas, caso os sucessivos governos centrais des-sem o corte adequado a suas políticas de indução do investimento. Seriam,alega-se, acionadas a taxa de juros e a promoção de exportações, buscando amodernização por meio de uma taxa de câmbio que incentivasse as importa-ções de bens de capital. Tudo é explicado como se o emprego fosse uma variá-vel de resposta dócil às variações nos níveis de produção estimulados por jurose câmbio adequados: investe-se aqui e exporta-se para acolá. Aumenta ademanda agregada, e, ipso facto, aumenta o emprego.

Em 2004, câmbio baixo e juro alto associaram-se ao crescimento de 5,2%no PIB. Paradoxo à vista: o movimento das exportações alcançou récordsextraordinários, mesmo com o câmbio baixo. Mais ainda: a formação da poupan-ça nacional não dá sinal de reagir ao juro alto. De fato, mesmo juros em nível dasmaiores taxas planetárias não oferecem otimismo ao investigador isento, a jul-gar pelos menos de 20% do PIB que representam a atual propensão média apoupar.

Houve absorção de menos de dois milhões de trabalhadores no mercadoformal, o que é uma boa notícia, mas ela não pode ser comemorada sem que selembre que o contingente de desempregados foi abalroado apenas de leve comessas cifras. Estima-se que mais da metade desses empregos já nasceu emcondições insatisfatórias, e sequer se está falando que três milhões de jovensestariam a aportar no mercado de trabalho, em 2004. Obviamente, condiçõesinsatisfatórias de emprego, particularmente o emprego informal, incluem as pro-fissões de sicários, traficantes de drogas e proxenetas.

As ineficiências distributivas do sistema são significativas, mas têm oponto de destaque no setor bancário. Tal é visível quando se observa sualucratividade, comparando-a com os cânones da eficiência alocativa, situaçãoem que o preço é igual ao custo marginal. Se os lucros extraordinários assimcriados são indesejáveis sob o ponto de vista da sociedade, esta devedesincentivar sua apropriação privada por meio de ação institucional, o quedeve ser sinalizado com a cobrança do Imposto de Renda progressivo sobreeste. Por outro lado, quando há prejuízo, obviamente tampouco há eficiênciaalocativa, mas, nesse caso, o mercado encarrega-se de resolver o problema.As firmas que geram prejuízos não acumulam capital: quebram, fundem-se ousão incorporadas por outras mais eficientes. Mesmo nos casos de corrupção,que a sociedade não se dispõe a gastar recursos para coibir, as distorçõespodem ser resolvidas com o Imposto de Transmissão de Bens Inter-Vivose Heranças.

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3 - Emprego

Com ou sem mercado de trabalho, a atividade produtiva sempre tomouuma parte significativa do tempo de vida humana. Tal foi assim mesmo nashordas nômades e em sua transição para a Revolução Agrícola. Menos de 100séculos após sua consolidação, esta deu lugar à Revolução Industrial, em plenovigor do capitalismo comercial, quando o mercado de trabalho passou a assumircrescente importância na distribuição do excedente econômico. Além dessefato, outro aspecto importante do capitalismo industrial foi sua intrínseca ten-dência a aproveitar as vantagens da produção em larga escala e elevar extraor-dinariamente a produtividade do trabalho. Da tecnologia do vapor associada aseu início, o capitalismo industrial ingressou em nova fase, no princípio doséculo XX, hoje chamada de fordismo, que se caracterizou pela crescente subs-tituição do vapor na geração de energia, dividindo o trabalho e oferecendo-lhenovos aumentos na produtividade. A crise do petróleo de 1973 trouxe um abalona forma de utilização da energia proveniente do motor à combustão interna.Poucos anos após, começaram a acelerar-se os desenvolvimentos observa-dos, desde os anos 40, nas tecnologias de processamento de informação. ARevolução Microeletrônica, associando-se ao desenvolvimento do capitalismono Japão, criou o fenômeno da desindustrialização, diagnosticado inicialmentena Inglaterra. Esta consiste tanto no aumento da produção da indústria de trans-formação quanto das exportações de manufaturados e na queda simultânea doemprego industrial.

Mas não é de hoje que essa constatação tomou conta dos países capita-listas avançados. Durante a Era Dourada, pensou-se que a visão de Keynes,expressa ainda antes da Grande Depressão de 1929, teria sido superada. Mes-mo nesse período, a participação do Governo no mercado de trabalho e a redu-ção da jornada foram essenciais para a pacificação da vida civil. Ou seja, pros-segue tendo ampla validade o que disse Keynes (1984, p. 154):

“Estamos sendo atingidos por uma nova doença, a respeito da qualalguns leitores ainda podem não ter ouvido falar, mas sobre a qualouvirão muito nos próximos anos — ou seja, o desempregotecnológico. Isto significa um desemprego causado pela nossadescoberta de meios para economizar o emprego do trabalho a umritmo maior do que aquele pelo qual conseguimos encontrar novasutilizações para a força de trabalho.“Trata-se, porém, de apenas uma fase temporária de desajustamento.Afinal, tudo isto significa que a humanidade está resolvendo seuproblema econômico. Eu prediria que o padrão de vida nos países

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progressistas será, daqui a 100 anos, entre quatro e oito vezes maiordo que o atual. E não seria absurdo considerar a possibilidade de umprogresso ainda maior”.

Entendendo que, nas sociedades capitalistas, a ligação mais estreita en-tre produção de riqueza e sua distribuição emerge do funcionamento do merca-do de fatores de produção, em fascinante e dolorosa frase de efeito, Joan Robinsonteria dito que, nesse contexto, é melhor ser explorado do que não sê-lo. Serexplorado significa, dadas certas premissas, ter emprego, o que converte aocupação da mão-de-obra na variável central do igualitarismo. Com efeito, capi-talismo significa dominância do mercado de trabalho para definir uma das ques-tões fundamentais da economia: para quem produzir (ou como distribuir a produ-ção). Obviamente, nas sociedades organizadas, a distribuição primária da ren-da, engendrada pelo mercado de fatores de produção, não exclui outras formasimportantes para a distribuição secundária. Com efeito, no próprio embate dadistribuição funcional, o governo credencia-se a parte do produto, cobrando impos-tos dos fatores efetivamente alocados e dos consumidores credenciados pelopoder de compra.

Duas definições importantes da vida societária são estabelecidas especi-ficamente no mercado de trabalho. A primeira diz respeito à distribuição funcio-nal da renda. Nesta, os capitalistas brasileiros têm levado a melhor sobre aclasse trabalhadora, comparativamente às shares vigentes nos países capita-listas avançados. Ainda que, como se referiu acima, a distribuição de lucrosseja desigual para as diferentes frações do capital produtivo, há sinalizaçãopara a presença de ineficiências alocativas em vários setores. A segunda defi-nição crescentemente trazida pelo desenvolvimento do capitalismo acompanhaa característica do mercado de trabalho de manifestar sua lei da eqüidade: ossalários tendem a se equalizar, apesar de a produtividade ser diferente entre osdiferentes setores.

Todavia, no Brasil, menos do que essa lei de eqüidade à la Adam Smith, oque se vê nos índices de desigualdade dos salários extremamente elevados é amanifestação da economia com excedente de mão-de-obra de Arthur Lewis.Fatores como a distribuição do excedente entre salários e lucros, a contribuiçãodos mercados de trabalho na agricultura e nos serviços, a crescente participa-ção feminina e a ilusão monetária provocada pela inflação nos dados de perío-dos dilatados apontam correlações negativas entre a produtividade do trabalhoe o salário médio. Esses resultados, em nível do detalhamento setorial, consti-tuem o elogio da eficiência produtiva do sistema econômico brasileiro, cabendoaos setores agrícola e industrial sua desqualificação distributiva.

Claramente, políticas localizadas no mercado de trabalho, como a cria-ção e a manutenção do salário mínimo, podem ser úteis em países com conste-

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lações de fatores produtivos diversas das vigentes na economia brasileira e nasdemais economias portadoras de excedentes populacionais relativamente àcapacidade de absorção pelos setores produtivos. Neste último caso, eleva-ções incrementais e sucessivas no salário mínimo não são eficazes como ele-mentos indutores do aumento da produtividade do sistema. Com efeito, a Figura1 exibe uma alegoria da situação planejada de um mercado de trabalho antes edepois da fixação do salário mínimo.

Figura 1

A quantidade de trabalhadores qe equilibra o mercado de trabalho a uma

taxa de salário determinada. A fixação do salário no nível Smin tem a implicaçãode reduzir a quantidade procurada por trabalho para q

min, o que causará dois

tipos de choques alternativos ao igualitarismo. O primeiro diz respeito ao movi-mento ocorrido na massa de salários da economia, ou seja, da participação dostrabalhadores na renda. Dependendo da elasticidade da curva deprocura por trabalho no momento estudado, tal participação pode crescer,aumentando a desigualdade entre os trabalhadores, mas também pode cair,aumentando a desigualdade entre trabalhadores e capitalistas. O segundo é

Smin

SD’

D

Se

qmin qsmqe

Salário

Emprego

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claramente ilustrado na Figura 1: redução da quantidade qe-q

min no número de

trabalhadores empregados, por si só reduzindo as oportunidades de inserção nomercado de trabalho. Por contraste, caso a curva de demanda por trabalho sejadeslocada de D para D’, a quantidade q

SMé alcançada mesmo ao valor do novo

salário mínimo Smin

, no caso de a curva de procura por trabalho deslocar-se paraa direita.

Ou seja, no Brasil, tentar melhorar as condições de vida da classe traba-lhadora com o instituto do salário mínimo, associado à desesperada busca porparte dos trabalhadores aposentados de manterem seus ganhos reais frente àexplosiva inflação que vigorou durante o quarto de século posterior à crise dopetróleo, apenas serviu para complicar a questão. Pela confusão entre o papeldas transferências governamentais com regulamentação do mercado de traba-lho, houve um preço a ser pago, dado pela desarticulação do binômio saláriomínimo-produtividade. Recapitulando, a quantidade q

SM-q

e tem a propriedade de

elevar o salário de mercado acima do nível anterior, sem o indesejável efeito dereduzir o nível de emprego.

4 - Investimento

Todavia existem dois outros argumentos mais realistas para que se inicie apensar numa transformação radical na forma de enfrentar a desigualdade noBrasil. O primeiro deles fundamenta-se no exame da experiência histórica emtermos de absorção da mão-de-obra, conforme ilustra a Tabela 1.

Ela mostra os coeficientes de elasticidade média no arco da relação em-prego/renda.7 Os 0,49 da agricultura no período 1949-59, por exemplo, informamque, para aumentos de 1% no PIB, o emprego reagiu, elevando-se em menosde meio ponto percentual. Como se vê em continuação, apenas nos anos 60houve resposta vigorosa no próprio emprego agrícola. A partir de então, ocorreuum movimento de retirada do homem do campo, prevendo-se que tal tendênciase mantenha na atual década.

7 A elasticidade média no arco é dada por ([Ef - Ei]/[Ef + Ei])/([Yf - Yi]/[Yf + Yi]), onde E é oemprego, Y é o PIB, e os subíndices i e f apontam os anos inicial e final dos períodosassinalados na Tabela 1.

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Tabela 1

Elasticidade média no arco da relação emprego/renda, no Brasil — 1949-10

IBGE. Matriz de relações intersetoriais: Brasil —1970. Rio de Janeiro: IBGE, 1979.IBGE. Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Ja-neiro: IBGE, 1986.IBGE. Contas nacionais do Brasil: 1947-1970. Riode Janeiro: IBGE, 1987. (Mimeo).IBGE: Brasil. Novo sistema de Contas nacionais:Metodologia e resultados provisórios — ano-base1980. Rio de Janeiro, IBGE, 1988. v. 1, n. 10. (Mimeo).IBGE. Matriz de insumo-produto: Brasil — 1980.Rio de Janeiro: IBGE, 1989.IBGE. Contas nacionais do Brasil. Rio de Janeiro:IBGE, 2000. Disponível em: www.ibge.gov.br Aces-so em: mar. 2001.IBGE. Matrizes de insumo-produto de 1990-98.Rio de Janeiro: IBGE, 2000/2001. Dispinível em:www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2001.IBGE. Matrizes de insumo-produto de 1995-1999.Rio de Janeiro: IBGE, 2001. Disponível em:www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2001.IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicí-lios: síntese de indicadores, 2003. Rio de Janeiro:IBGE, 2004.RIJCKEGHEN, W. van. Relações interindustriaisno Brasil. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1967. Ca-dernos IPEA, 2).

SETORES 1949-59 1959-70 1970-80 1980-90

Agricultura ........................ 0,49 1,76 -0,33 -0,29

Indústria ........................... 0,60 0,54 1,37 1,41

Serviços ........................... 0,68 0,57 1,16 3,91

Total ................................ 0,43 0,35 0,61 2,00

SETORES 1990-00 2000-10 1949-10

Agricultura ........................ -0,14 -1,27 -0,04

Indústria ............................ -0,51 0,90 0,89

Serviços ............................ 0,94 0,36 1,02

Total ................................. 0,33 0,27 0,73

FONTE DOS DADOS BRUTOS:

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Ainda na Tabela 1, vê-se que a dificuldade no equacionamento do problemada eqüidade é ilustrada pela maciça presença de relações inelásticas para amaioria dos períodos dos setores. De fato, do total de 28 coeficientes nela repro-duzidos, apenas oito são maiores do que a unidade. Em outras palavras, oemprego exibe relação elástica no que diz respeito à renda no Brasil apenascomo exceção, em termos tanto de períodos do desenvolvimento econômiconacional quanto de distribuição setorial do trabalho social.

Avançando para o segundo argumento, deve ser registrado que esperarque essas “fatalidades” tecnológicas sejam revertidas em plena era da TerceiraRevolução Industrial é exagerado otimismo, como sugerem outros indicadores.Na Tabela 2, vê-se a essência do segundo argumento. Ele diz respeito ao reco-nhecimento da impossibilidade radical de absorção pelo sistema produtivo devultosos excedentes de mão-de-obra durante todo o período referido, inclusiveas estimativas para 2010. Ou seja, na medida em que a relação capital/produtose eleva, torna-se cada vez mais proibitivo pensar em absorver a mão-de-obraociosa e a ingressante no mercado de trabalho com a produtividade próxima àmédia da economia. Se, em 1949, se fazia necessário investir 0,35% do PIBpara elevar o emprego em 1%, os saltos na acumulação de capital, no Brasil,levaram a que essa cifra duplicasse durante os anos 60 e, durante a “DécadaPerdida”, crescesse mais 40%.

Parece evidente que a preocupação dos atuais defensores donacional-desenvolvimentismo, desejosos do relançamento da atividadeeconômica por meio da fixação, pelo Banco Central, de taxas de juros maisreduzidas, não se pode justificar em termos de retomada do emprego. Paracolocar, por exemplo, 10 milhões de cidadãos em postos de trabalho efetivos,juros baixos deveriam financiar investimentos que teriam abarcado 23,5% doPIB do País no ano 2000. Ou seja, mais de 15% acima da atual taxa de inves-timento nacional. Obviamente, as perspectivas para 2010, ainda que a razãoinvestimento adicional/PIB não seja excessivamente discrepante da dos anos80 e 90, não são mais alentadoras.

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IBGE. Matriz de relações intersetoriais: Brasil —1970. Rio de Janeiro: IBGE, 1979.IBGE. Estatísticas históricas do Brasil. Rio de Ja-neiro: IBGE, 1986.IBGE. Contas nacionais do Brasil: 1947-1970. Riode Janeiro: IBGE, 1987. (Mimeo).IBGE: Brasil. Novo sistema de contas nacionais:Metodologia e resultados provisórios — ano-base1980. Rio de Janeiro, IBGE, 1988. v. 1, n. 10. (Mimeo).IBGE. Matriz de insumo-produto: Brasil — 1980.Rio de Janeiro: IBGE, 1989.IBGE. Contas nacionais do Brasil. Rio de Janeiro:IBGE, 2000. Disponível em: www.ibge.gov.br Aces-so em: mar. 2001.IBGE. Matrizes de insumo-produto de 1990-98.Rio de Janeiro: IBGE, 2000/2001. Dispinível em:www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2001.IBGE. Matrizes de insumo-produto de 1995-1999.Rio de Janeiro: IBGE, 2001. Disponível em:www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2001.IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicí-lios: síntese de indicadores, 2003. Rio de Janeiro:IBGE, 2004.MARQUETTI, Adalmir. Estimativa do estoque deriqueza tangível no Brasil, 1950-1998. Nova Eco-nomia, Belo Horizonte, UFMG, v. 10, n. 2, p. 11-37,dez. 2000.

Tabela 2 Produto Interno Bruto, estoque de capital e emprego e fração do PIB gasta em investimento para elevar o emprego em 1% no Brasil — 1949-2010

ANOS PIB(R$ milhões)

CAPITAL (R$ milhões)

EMPREGO (1 000

trabalhadores)

INVESTIMENTONOVO COMO FRAÇÃO DO

PIB (%) 1949 84 781 29 674 15 846,6 0,35 1959 168 739 104 176 21 059,7 0,62 1970 335 935 242 266 26 640,0 0,72 1980 768 474 816 027 43 378,5 1,06 1990 898 407 1 340 265 59 361,5 1,49 2000 1 167 117 1 769 859 64 617,3 1,52 2010 1 663 988 2 579 181 71 079,0 1,55

FONTE DOS DADOS BRUTOS:

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Ou seja, não se pode pensar que os excedentes populacionais que gravitamem torno do “setor atrasado”, caracterizadores dos mercados de trabalholewisianos8 (Lewis, 1954), serão absorvidos de acordo com o cânone retirado daexperiência desenvolvimentista dos países capitalistas avançados. Parece quea incorporação de tecnologia moderna, a abertura da economia e os limitestermodinâmicos, associados à transformação de insumos em produtos, impe-dem que os excedentes de mão-de-obra venham a ser absorvidos dentro dosatuais contornos da vida societária.9 Como colocar pressão sobre o mercado detrabalho no Brasil, na tentativa de colar os ganhos de produtividade aos aumen-tos salariais e pressionar pela equalização salarial entre os diferentes setoreseconômicos? Primeiramente, reduzindo a jornada de trabalho. Depois, reduzin-do o tempo de contribuição para as aposentadorias, ou seja, permitindo o aces-so à aposentadoria por parte de trabalhadores mais jovens. Terceiro, estabele-cendo um preço sobre o acesso prematuro ao mercado de trabalho e ao segun-do emprego. Quarto, aumentar os períodos de férias anuais. Por fim, comparati-vamente a todas as medidas recém-citadas, a menos paliativa consiste nacriação do Serviço Municipal. Nesse caso, redirecionando 5% do PIB, ou seja,não mais do que os atuais superávits primários governamentais, pode-se enca-minhar mais de 20 milhões de pessoas para as atividades formais, devidamentecomprovadas com contra-cheques emitidos pelo Tesouro Nacional.

Para o problema da destruição do emprego no Primeiro Setor, uma vezque, na sociedade capitalista, falta de emprego significa ausência de renda, asolução quase tautológica consiste na criação de empregos no Segundo e noTerceiro Setores. Com efeito, seus requisitos de capital por unidade de mão-de--obra são menores do que nos setores produtores de bens agrícolas eindustriais.

Todavia o excedente de mão-de-obra lewisiano de 20 milhões de trabalha-dores não será absorvido nas formas tradicionais. Nem o crescimento extraordi-nário da agricultura transgênica, nem novos ímpetos industrializantes resolve-rão o problema da absorção do estoque e sua expansão vegetativa de desem-pregados. Para resolvê-lo, torna-se necessária a criação de novos mecanismosdistributivos, cujos principais defensores devem ser precisamente os trabalha-dores empregados e organizados. Dezenove milhões, novecentos e noventae oito mil, novecentos e quarenta e sete empregos adicionais no Brasil

8 Notadamente, os que caracterizam as economias com excedente de mão-de-obra, cujacurva de oferta de trabalho é horizontal, em contraste às curvas verticais que se podeminferir da visão smithiana.

9 A menor relação de insumo-produto setorial encontra-se na agricultura. Alojando 20 milhõesde trabalhadores adicionais, ela requeria um terço do valor do PIB para gastos com insumos.

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contemporâneo constituem o dobro da meta estabelecida no manifesto eleitoralque levou o Governo Lula ao poder. Também representam 30% do atual contin-gente de trabalhadores empregados no País. Além das vagas já preenchidas nomundo do emprego do setor privado, do Governo e das ONGs, esses 20 milhõesde pessoas iriam alojar-se no, assim inaugurado, Serviço Municipal, tambémassociado a baixo nível de investimento por emprego gerado. Talvez sobrassemvagas, chegando-se a um razoável patamar de paz social com menos de 5% doPIB, mesmo sem realocar diretamente os 5% atualmente gastos com a usura.

5 - Políticas públicas

Nessas circunstâncias, impõe-se a pergunta: o Brasil pode adotar essepacote de medidas em seu próprio benefício? Ou seja, ele poderia conferir àextensão dos mercados de trabalho locais os foros privilegiados na geração deemprego e renda? Os mercados locais, ainda que abrangendo segmentosexportadores de serviços, como o comércio e os transportes, serão o locus doServiço Municipal, atividade elevadora da produtividade agregada do sistema,pois passariam a disciplinar a vida societária com a produção maciça de servi-ços de limpeza urbana, de controle das águas internas (inclusive alagamentosde pistas de rolamento urbano), de controle da fluidez do trânsito nas cidades eestradas, de reflorestamento das margens dos regimes de água, etc. A exitosaexperiência dos atuais agentes comunitários de saúde pode ser multiplicada, afim de atender a todas as demais demandas associadas à desigualdade brasi-leira: da nutrição à educação, da moradia à justiça.

Considerando que o livre jogo das forças de mercado não exibe condiçõesde absorver os excedentes de mão-de-obra, a ação pública, com a utilização deseus instrumentos de condução de política econômica, pode influenciar a distri-buição da renda sob diversas formas. Por exemplo, no mercado de bens, elatradicionalmente atua com tributação ou com o gasto público. Sob o ponto devista macroeconômico, ainda que haja desdobramentos quanto à utilização deinstrumentos, a política do governo ocorre nos mercados de bens, monetário(e de títulos), cambial e no de fatores, particularmente o de trabalho. Todavia adimensão distributiva do sistema, considerados todos os aspectos econômicose políticos envolvidos, não costuma ser realçada mesmo no tradicional fluxocircular da renda. Este exibe tanto as relações de compra e venda de bens eserviços quanto as transações de compra e venda dos serviços dos fatoresprodutivos. Em outras palavras, delineiam-se claramente os fluxos verificados,por um lado, entre produtores e consumidores e, por outro, entre produtores e

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proprietários dos fatores produtivos. A omissão dos fluxos que ocorrem entre osproprietários dos fatores e os consumidores dos bens e serviços de uso finalesconde a ação dos chamados mercados políticos, cujo funcionamento se ex-pressa na definição das estruturas do gasto público e da tributação.10

No mercado de bens, a ação pública, potencializada por meio da políticafiscal (gasto), apresenta algumas peculiaridades na produção de bens públicose semipúblicos, cuja provisão (ainda que não necessariamente a produção) éabsolutamente indelegável (Monteiro, 1982, 2004). Com efeito, o papel do gover-no na sociedade organizada consiste em criar mecanismos para a provisão deinformação para os demais agentes econômicos, bem como fiscalizar sua açãodeletéria aos interesses coletivos. Numa sociedade em que a informaçãocircula livremente, as possibilidades de alocação mais eficiente dos recursosficam expandidas. Mais informação expande as fronteiras comerciais etecnológicas da escolha empresarial, ao mesmo tempo em que oferece maiormobilidade aos fatores de produção e, com isso, expande as possibilidades deconsumo. Ademais, a criação de salvaguardas ao cumprimento dos contratosde garantia dos direitos de propriedade implica custos incididos por parte dosetor público, que, quando não assumidos, levam à ação dos agentes indepen-dentes, constituindo-se em desvio de recursos que poderiam, alternativamente,receber uso produtivo. A criação de departamentos de controle e segurança é omais eloqüente elemento para se avaliar o significado de custos de transação.Numa sociedade desigualitária, com enormes diferenciais de renda entre osindivíduos e uma cultura de incentivo ao consumo suntuário, as reduzidasopções de empregos produtivos, além do mais, dada sua escassez, impelemum número expressivo de indivíduos a desenvolverem atividades econômicasimprodutivas ou destrutivas (Baumol, 1990).

Se há algum lado bom nesse padrão de uso dos recursos destinados acolocar grades nas janelas ou cadeados nos portões e produzir tenazes paraquebrá-los, este reside na forma com que a sociedade se organiza para seprecaver contra invasões de caroneiros (Bêrni, 2004). Nesse sentido, os assal-tantes reais e potenciais desempenham a função social de alertarem a socieda-de para a importância da oferta de mecanismos fiscalizadores dos contratos eda criação de auditorias sociais. Ainda que seja exacerbado otimismo encami-nhar a questão nesses termos, torna-se evidente o dilema de escolha socialaqui envolvido. As grades apenas deixarão de desviar recursos sociais quandoas famílias voltarem a ter assegurado seu direito constitucional à inviolabilidade

10 A modelagem macroeconômica que utiliza a matriz de contabilidade social gera um fluxocircular da renda que destaca essas dimensões.

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do lar. Um número expressivo de indivíduos dispor-se-ia a pagar pequena fraçãode sua renda para livrar-se do assalto e do atropelamento no trânsito.

Hoje, a sociedade brasileira — cujo PIB originário do sistema industrial seencontra entre um dos maiores do mundo — mostra acentuadas assimetrias emoutros sistemas cuja responsabilidade cabe ao setor público. Tal é o caso daprovisão de serviços de Justiça, do policiamento de ruas às oportunidadeseducacionais nos presídios, passando, obviamente, por respostas expeditas noandamento de querelas judiciais. Outro exemplo paradigmático — no caso deum bem semipúblico — é o sistema educacional. Com efeito, a educação ésabidamente um instrumento de redução dos custos de transação em umasociedade, permitindo a proteção aos direitos de propriedade. Hoje, se os atuaisdireitos estão sendo contestados em diversos fronts, é preciso pensar emreformá-los. A educação é o instrumento mais adequado para encaminhar adiscussão dos contornos das reformas propostas. A ação anti-social do indiví-duo desviante será penalizada pelas forças da cidadania, o que é feito pelaconsciência do estar-no-mundo dada pela educação humanizadora. Em resumo,a educação ensina o indivíduo a descobrir seus objetivos na vida e a lutarpor eles.

Claramente, esses encaminhamentos estão sugerindo a expansão vigoro-sa da ação pública no mercado de bens e serviços, com o lado do gasto dapolítica fiscal, ou seja, como a provisão (e eventual produção) de serviços.Outro aspecto importante do desenvolvimento baseado na prestação de servi-ços é que estes se direcionam a mercados locais. Apresentando limites paraserem exportados, por serem consumidos no preciso momento da produção, osserviços oferecem perspectivas alentadoras num país endividado internacional-mente, em que boa parte do discurso das classes dominantes se volta a con-templar a captura de dólares no exterior, com a exportação de tudo o que forpossível.

Tampouco é exercício de futurologia cogitar dos destinos de uma socieda-de em que mesmo a produção de serviços ocorra com baixíssimo grau de inter-venção do trabalho vivo humano, cuja produtividade venha a ser potencializadapela Revolução da Informática. Um exemplo elucidativo dessas possibilidadesreside na existência de programas de inteligência artificial destinados a fazeranálise de crédito bancário. Talvez seja nesse entorno que reside o maior desa-fio a ser equacionado pelas sociedades modernas: sem emprego, de onde virá arenda compatível com ocupação em atividades desenvolvidas em larga escala?Que forças vivas da sociedade estão gerando, no presente, as leis da distribui-ção do produto que deverão vigorar num futuro mediato?

Passando a examinar as possibilidades de criação de política econômicano mercado monetário, cabe sugerir que ações redistributivas poderiam originar-

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-se de determinados perfis de oferta de crédito, para não falar na problemáticaforma de emitir dinheiro novo. O crédito subsidiado pode constituir-se em ele-mento favorável a redistribuições, ainda que sinalizando para a condução deempreendimentos econômicos de pequeno porte. Em boa medida dos casos,isso seria um incentivo à criação de microempresas e, ipso facto, perda devantagens de escala. Emprego e auto-emprego em estabelecimentos de peque-na escala, vale dizer, ineficientes, constituem a visão não virtuosa doigualitarismo. Assim, perdem-se ganhos de produtividade, e criam-se outros pro-blemas ao sistema, como é o caso presente da economia brasileira. Nesta, aprodutividade cresce a taxas muito reduzidas, em virtude do vigoroso cresci-mento tanto do estoque de capital quanto dos bens de consumo intermediário.Todavia associações entre segmentos do Serviço Municipal com a promoçãodo empreendedorismo podem, num processo de transformação da quantidadeem qualidade, trazer resultados importantes. Nesse modelo de crédito subsidia-do, na linha de argumentação de Lewis (1954), a criação de meios de pagamen-to é absorvida pelo sistema em pouco tempo, em virtude do aumento da rendapor ela ocasionado.

Também no mercado de câmbio, o Governo poderia atuar com a intençãode redistribuir a renda. Na verdade, pelo menos três aspectos merecem referên-cia relativamente à ação no front externo, particularmente aceitando-se a pre-missa de que seja mantido o sistema de taxa de câmbio flexível. Dois delesdizem respeito à implementação da política propriamente dita, e o terceiroconcerne às conseqüências previsíveis de mudanças de preços relativos darelação salário/câmbio.

O primeiro resulta da implementação da política de câmbio de caráter emi-nentemente ativo. Trata-se da criação de uma política de favorecimento cambialpara as exportações de empresas que empregam mais do que a média daeconomia e medidas simétricas para as importações que destroem o empregolocal. Além de ser inviável pensar na autarquização do Brasil, dados a herançade dependência ao capital produtivo e às finanças dos países capitalistas avan-çados e o poder de barganha reduzido em virtude da dívida externa e da OMC,há possibilidades, bastante exercitadas no passado econômico do País, decorrupção com a especulação relativa ao câmbio artificialmente criado. Por isso,medidas que permitem a corrupção no Brasil deveriam ser concebidas comfortes componentes de avaliação dos programas precipuamente voltados aimpedi-las. O segundo aspecto, alternativo ao primeiro, dados esses argumen-tos sobre a corrupção, diz respeito à regulamentação do mercado externo pormeio da criação de barreiras não tarifárias a elencos de produtos particularmen-te delicados em matéria de destruição de empregos, como já foi o caso dalavoura e da industrialização do algodão.

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O terceiro aspecto relacionado com o front externo diz respeito à elevaçãoda participação dos trabalhadores na renda nacional, suas conseqüências so-bre os preços relativos domésticos, a inflação daí decorrente e, como tal, osdesdobramentos sobre a taxa de câmbio. Considere-se uma equaçãomacroeconômica de formação do preço por meio de um mark-up destinado agarantir a manutenção da participação dos lucros na renda nacional. Em conse-qüência, a elevação da participação dos trabalhadores leva a uma desvaloriza-ção do câmbio, ergo, a um aumento das importações, com novas desvaloriza-ções. Esse processo deve ocorrer até que o novo mark-up seja absorvido comoo padrão de formação de preços industriais, ou que ganhos de produtividadevenham a recompô-lo, com a manuteção do mesmo nível de salários reais.Ou seja, diluir os custos salariais sobre o nível geral de preços e contaminar ocâmbio significa, num segundo momento, aumentar a absorção doméstica emdetrimento da externa, até que recomposições do mark-up ou ganhos de produ-tividade retidos pelos capitalistas restabeleçam a relação salário/câmbio deequilíbrio do mercado de divisas.

Por fim, pelo lado da oferta, as possibilidades de o Governo agirredistributivamente no mercado de trabalho consistem em regular o saláriomínimo. Para iniciar a discussão, convém deixar claro que aquilo que a legisla-ção batizou de salário mínimo, no Brasil, não condiz com o conceito econômico.Parece que, durante certo tempo, a sociedade pensou em salário mínimo comosendo uma medida invariável de valor, um sinalizador macroeconômico destina-do a vacinar alguns agentes contra a inflação. Tais distorções provocaram nosistema o fato de o salário mínimo não ter sido usado para regular o mercado detrabalho. Com efeito, hoje em dia, parece que ele tem diversas conseqüênciassobre as variáveis relevantes do sistema, exceto a de induzir ao crescimento daprodutividade da empresa individual. Esse quadro pode ser vencido com asimplicações trazidas pelo exame da Figura 1.

6 - Considerações finais

Desde os anos 50, a ciência econômica identificou os contornos da inérciada ação coletiva no trato das invasões de sistemas sociais saudáveis por partede caroneiros. Nesse contexto, ela reconheceu na política a possibilidade deeliminá-los ou transformá-los, usando mais informação no sistema eleitoral, embenefício da sociedade. Obviamente, alcançado o milagre da formação doconsenso político em termos de que o problema existe e tem cura, as açõesnão se constituem em desafios simples a serem vencidos em pouco tempo.Ainda que os trabalhadores detentores de empregos ativos sejam tão interessa-

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dos na questão quanto os desempregados, as mudanças implicadas pelacriação de 20 milhões de empregos são de tal monta que a própria sugestãoaqui feita não poderia ser implementada instantaneamente. Mazelas econômicas,como a inflação e mesmo a corrupção no uso dos recursos alocados para oServiço Municipal, far-se-iam presentes quase simultaneamente à implantaçãodo programa de emprego. Mas o que importa reter é que montantes de grandevulto já foram realocados na distribuição funcional da renda, quando quase 5%do PIB foram retirados de seus usos tradicionais e convertidos em excesso dearrecadação pública sobre o gasto público (exceto o pagamento de juros), econvertidos precisamente no pagamento aos credores da dívida públicanacional. Essa disciplina fiscal do Governo Federal está impressionando o mun-do. Depois de anos de descalabro, o fato de as autoridades monetárias do Paísconseguirem um superávit de quase 5% do PIB com dinheiro público é algodigno de elogios pela comunidade financeira internacional.

Por que a comunidade nacional deve entusiasmar-se com isso? Porquan-to, ao estilo da topologia, o que ficou comprovado foi a possibilidade de realocaçõesde grande magnitude em tempos de paz. Não existe nenhuma razão para sepensar que as realocações ocorrem apenas quando a economia está crescendo.Tempos de guerra, revoluções (Bronfenbrenner, 1964) e tragédias naturais mos-tram que as sociedades aprendem a conviver com menor disponibilidade debens e serviços. Todavia a economia brasileira não pode ser pensada comopresa desse tipo de fenômeno. O PIB do País, ainda que apresentando decrés-cimos em um ou outro dos últimos anos, jamais mergulhou aprofundadamentena depressão. Essa prova de dinamismo e estabilidade do aparato produtivotorna-se mais eloqüente ao se considerar que os vizinhos Argentina e Uruguaiviveram quedas muito expressivas em sua produção anual de bens e serviços.

A criação de um fundo nacional de emprego alcançando 1% do PIB anual-mente, num período de cinco anos, requer mágica talvez mais potente do queas ações que permitiram a criação do invejável (sob o ponto de vista do acertode contas com o FMI) superávit primário. Mas política e projetos nacionaisdevem andar de mãos dadas, a fim de que as atividades produtivas sobrepujemas destrutivas e as de rent seeking. Um dos fatores que impede a ação coorde-nada na busca da criação do projeto nacional igualitarista é a falta de perspecti-va de que o pior possível está longe de ser alcançado. Teria dito Umberto Eco:“Não espereis demasiado do fim do mundo”, o que oferece boa dimensão doprejuízo possível, em caso da omissão da classe política em ver alternativaspara o ambiente de divórcio entre a estagnação e mesmo o progresso econômicoe a solução das mazelas sociais, do desequilíbrio entre as capacidades produ-tivas do sistema em aumentar a produção e suas capacidades distributivas. Taldivórcio apresenta duas dimensões problemáticas.

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A primeira consiste em oferecer emprego que possibilite existência digna amontantes populacionais que — parece — exigiriam recursos produtivos nãodisponíveis no País para serem incorporados ao mercado de trabalho em condi-ções de produtividade igual à média já alcançada pela economia. Nesse contex-to, existe uma pesada incompreensão por parte de diversos agentes sociais noBrasil, que consideram intrinsecamente absurdo o fato estrutural de que a parti-cipação dos impostos no PIB seja de cerca de 35%. Mesmo que essa participa-ção chegasse a 1.000%, isso não significaria o fim do setor privado, pois esteatuaria na produção de bens a serem adquiridos pelo próprio setor público epelas famílias que iriam viver das transferências. Ocorre que, quando se fala emredistribuição de renda, ninguém se apresenta como doador. Ao contrário, sem-pre surgem argumentos contestando a oportunidade da medida. Parece que asredistribuições bem-sucedidas ocorrem, com assustadora freqüência, associa-das a guerras ou a revoluções, particularmente quando a classe política semostra incapaz de articular o diálogo entre os diversos grupos de interesse.

A segunda dimensão do divórcio entre a produção e a distribuição conside-ra o argumento usado com freqüência contra programas distributivos. Este é apossível queda na taxa de poupança da economia, pois, alegadamente, os po-bres gastam mais proporcionalmente à sua renda do que os ricos. A verdade éque, atendendo a preceitos de igualdade, a distribuição de renda pode ser modi-ficada, em prejuízo dos ricos e a favor dos pobres, sem comprometer a taxa depoupança da economia, desde que o Governo faça a intermediação entre apoupança e o investimento por meio dos impostos, particularmente o Impostode Renda. Ademais, pode-se esperar que o crescimento econômico associadoàs virtuosidades distributivas derivadas do aumento da produtividade agregadado sistema tenha precisamente o efeito de, elevando a renda do primeiro quartil,também elevar a taxa de poupança nacional.

Com efeito, a mais simples definição de renda proposta pelos economistascontempla salários, juros, lucros e aluguéis. O Imposto de Renda, que obvia-mente deve incidir sobre essas quatro categorias econômicas, existe com oindisfarçado objetivo de, ao prover recursos destinados ao financiamento dosgastos públicos, retirar renda de quem a tem. Ocorre que, em todas as socieda-des modernas, um dos objetivos sociais, declaradamente, é diminuir a desigual-dade na distribuição da renda entre as pessoas. Nas sociedades capitalistas,nas quais é o mercado que define a distribuição primária, utiliza-se o Imposto deRenda da pessoa física, para tornar mais igualitários os recursos disponíveispelos indivíduos para financiarem seu consumo ou aumentarem seu patrimônio.

Todavia alcançar igualitarismo pró-ativo em termos de desenvolvimentohumano exige deliberação e habilidade. Com efeito, as sociedades muitopobres, como é o caso da Índia contemporânea, são igualitárias, mas o que se

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deseja para o Brasil é igualitarismo que favoreça o desenvolvimento humano e,com ele, o crescimento econômico. Apenas desse modo, o diâmetro do círculovirtuoso que consta na primeira epígrafe deste ensaio poderá ser expandido.

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A política macroeconômica do crescimento insustentável

* E-mail: [email protected]

** E-mail: [email protected] ou [email protected]

A política macroeconômica docrescimento insustentável

Fabrício Augusto de Oliveira* Doutor em Economia, Professor do Curso de Mestrado da Fundação João Pinheiro.

Paulo Nakatani** Doutor em Economia, Professor da Universidade Federal do Espírito Santo.

ResumoO presente texto analisa o desempenho da economia brasileira nos dois pri-meiros anos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele procura identificaros elementos conjunturais que conduziram a um notável crescimento em2004, depois do péssimo resultado observado em 2003. Apesar de ter apre-sentado a maior taxa desde 1994, os dados do último trimestre de 2004mostram uma forte tendência à desaceleração da economia para 2005. Maisainda, o artigo defende o ponto de vista de que a política macroeconômicaconduzida pela equipe econômica, baseada nos princípios neoliberais, temgarantido a continuidade de um modelo cujos fundamentos impedem o cres-cimento sustentável da economia brasileira.

Palavras-chavePolítica macroeconômica; estagnação; crescimento sustentável.

Abstract

This paper reviews the performance of the Brazilian economy in the first twoyears of the administration of Luíz Inácio Lula da Silva. It explains the reasonsfor the achievement of remarkable output growth in 2004. In spite of the highestgrowth rates since 1994, the last quarter of 2004 points to a rapid economic

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1 Essa tendência é discutida teoricamente por Salama (2004) e por Huerta (2004).2 Sobre essa estratégia, ver Carcanholo (2002).3 Ver Saludjian (2004).

slowdown. This article also claims that the neoliberal principles guiding Brazilianmacroeconomic policy prevent the achievement of sustainable economic growthrates.

Artigo recebido em 24 mar. 2005.

1 - Introdução

Navegando em águas e com ventos favoráveis do cenário internacional,a economia brasileira registrou em 2004 o maior crescimento desde 1994,primeiro ano do Plano Real, quando o PIB conheceu uma variação positiva de5,9%. O resultado alcançado de 5,2% é expressivo, considerando-se a es-tagnação1 ocorrida no triênio 2001-03, quando se registrou um crescimentomédio anual de 1,2% e maior do que o obtido em 2000, ano em que ascondições externas também eram bastante favoráveis. A confirmação e adivulgação desses números pelo IBGE serviram para reforçar o otimismoque vinha sendo exibido pelo Governo sobre o ingresso da economia brasilei-ra em uma trajetória de crescimento sustentado, apontado como resultado daconsistência da política macroeconômica adotada, cujos frutos, de acordocom esses argumentos, começam a ser colhidos agora.

Entretanto esse resultado foi obtido sem nenhuma mudança na políticamacroeconômica que vem sendo empregada desde a crise cambial de 1998e na estratégia neoliberal2 utilizada pelos sucessivos governos desde o iníciodos anos 90. Essa estratégia, que consistiu principalmente na abertura co-mercial e financeira e na privatização das empresas estatais, tem apre-sentado como resultado um enorme aumento na volatilidade e na instabilida-de da economia,3 assim como uma tendência à estagnação, principalmentena última década. É nesse quadro que se coloca o expressivo crescimentoobservado no ano de 2004, e é nesse contexto mais amplo da estratégianeoliberal que ele deve ser avaliado.

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Este trabalho analisa as condições de manutenção desse crescimento àluz do modelo econômico vigente no Brasil desde 1999. Para tanto, além destaIntrodução, ele se encontra organizado em mais três seções. Na seção 2, dis-cutem-se a intensidade, a composição e as fontes de dinamismo do crescimen-to ocorrido em 2004, bem como analisam-se as condições macroeconômicasrequeridas para garantir sua sustentabilidade e a situação em que essas seencontram no País. Na seção 3, apresentam-se, criticamente, os argumentosutilizados e as variáveis em que se tem apoiado o Governo para justificar suaconvicção de que uma era de prosperidade se descortina para o País, procuran-do apontar suas limitações e insuficiência para esse objetivo. Na seção 4, pro-cura-se mostrar como o próprio modelo econômico vigente desde 1999 impede,pela sua arquitetura, o crescimento de forma sustentada, o que só poderá seralcançado com mudanças em suas peças.

2 - O crescimento de 2004: início de uma nova era?

O vigor do crescimento de 2004 veio acompanhado da diversificação desuas bases e de suas fontes de dinamismo, indicadores de melhoria na suaqualidade e em sua capacidade de sustentação.

A Tabela 1 mostra que, depois do seu crescimento, registrado no triênio2001-03, ter sido sustentado pelo setor agropecuário, a expansão do PIB em2004 foi liderada pela indústria, que cresceu 6,2% contra apenas 0,1% em2003. Para isso, a indústria de transformação, que permanecera praticamenteestagnada em 2003, com uma taxa de crescimento de 1,1%, conheceu umaexpansão de 7,7%, secundada pela indústria de construção, que reverteuuma retração de 5,2% em 2003 para um crescimento de 5,7% no ano. Aagropecuária, que liderou o crescimento nos últimos anos, teve expansão de5,3%, enquanto os serviços cresceram 3,7%, e o comércio, 7,9%.

Visto pela ótica da demanda, esse crescimento mostrou-se ainda maisespetacular, porque indicou claramente ter ocorrido uma mudança no eixo dodinamismo da economia, com o avanço do mercado interno e com o expres-sivo aumento dos investimentos, sinalizando redução de gargalos estruturaise de pressões inflacionárias, com a expansão da capacidade de oferta dosetor privado. De acordo com os dados contidos na Tabela 2, depois de trêsanos consecutivos de o crescimento do PIB ser liderado pelo setor exporta-dor, beneficiado pela desvalorização do real e pelo desempenho da economia

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mundial em 2003 e 2004, esses efeitos finalmente se derramaram sobre o mer-cado interno, com o consumo das famílias crescendo 4,3% no ano, e os inves-timentos, 10,9%, embora as exportações ainda tenham mantido um elevadoíndice de expansão de 18%. São, de fato, resultados apreciáveis, que parecemdar razão às autoridades governamentais no concernente a que, após longosanos de sacrifícios impostos à economia e à sociedade, se conseguiu, final-mente, a construção dos fundamentos econômicos indispensáveis para o in-gresso do País numa trajetória de crescimento sustentado.

Tabela 2

Variação real do PIB sob a ótica do consumo, por categorias, no Brasil — 2001-04

(%)

CATEGORIAS 2001 2002 2003 2004

Consumo das famílias .... 0,53 -0,37 -1,47 4,33 Consumo do Governo ..... 0,96 1,36 1,31 0,67 Investimentos .................. 1,06 -4,16 -5,13 10,89 Exportação ...................... 11,24 7,90 8,95 17,98 Importação ...................... 1,21 -12,30 -1,68 14,33 PIB .................................. 1,30 1,90 0,50 5,20

FONTE: IBGE. FONTE: Ipeadata.

Tabela 1

Variação real do PIB sob a ótica da produção, por setores econômicos, no Brasil — 2001-04

(%)

SETORES 2001 2002 2003 2004

Agropecuária ........... 5,8 5,5 4,5 5,3 Indústria ................... -0,5 2,6 0,1 6,2 Transformação .......... 0,7 3,6 1,1 7,7 Construção civil ......... -2,7 -1,9 -5,2 5,7 Serviços ................... 1,8 1,6 0,6 3,7 Comércio ................... 0,4 -0,2 -1,9 7,9 PIB ............................ 1,3 1,9 0,5 5,2

FONTE: IBGE. FONTE: Ipeadata.

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Essa mudança na composição do crescimento é importante porque, numcenário em que os sinais do setor externo começam a enfraquecer, com a pos-sibilidade anunciada de desaceleração da economia chinesa e com osdesequilíbrios da economia norte-americana4, a redução do ritmo de cresci-mento do setor exportador pode ser compensada pela ampliação do mercadointerno. Para isso, basta ao Governo implementar políticas pró-ativas em seufavor, como as que dizem respeito, por exemplo: (a) à expansão e ao bara-teamento do crédito, com a redução das taxas de juros reais, o que teriaimpacto positivo sobre os níveis de renda e emprego, estimulando consumoe investimentos; e (b) ao aumento dos investimentos públicos, visando redu-zir gargalos estruturais e os custos da produção nacional. Com fundamentossólidos, o fortalecimento das tendências apresentadas pelo mercado internoaparece, assim, como uma boa oportunidade para reforçar as forças dessecrescimento e para garantir sua trajetória de forma sustentada. Mas serão,de fato, sólidos esses fundamentos?

As condições fundamentais necessárias para a sustentação de umapolítica macroeconômica consistente, capaz de garantir o crescimento auto--sustentado, dependem da combinação de um conjunto de variáveis-chave,as quais, em situação favorável, não provoquem fricções e desvios em seucurso. Uma taxa de inflação reduzida e controlada, combinada com uma polí-tica favorável ao crescimento e com uma política fiscal confiável, sustentadapor um sistema tributário que não prejudique a produção e também por umataxa de câmbio correta, benéfica para a balança comercial e para evitar colo-car em risco o surgimento de fortes desequilíbrios em conta corrente, figuracomo indispensável para que se produza essa situação. Equilíbrio fiscal,sustentabilidade das contas externas e políticas favoráveis ao crescimentocompõem o quadro de exigências macroeconômicas consideradas necessá-rias para garantir uma economia estabilizada, sem percalços no seu curso5.

Mesmo com muita boa vontade, não é possível concordar com o fato deque essas condições estejam dadas para a economia brasileira. A taxa deinflação tem sido mantida em níveis moderados, por força de uma políticamonetária altamente restritiva, para o que tem contribuído também, nos dois

4 A maior preocupação com o desequilíbrio da economia norte-americana aparece principalmentena forma dos fabulosos déficits fiscal e em conta corrente, também conhecido como déficitsgêmeos. Para se ter uma idéia, somente "O déficit em conta corrente dos Estados Unidosaumentou 25% no ano passado, bateu o recorde histórico e chegou a US$ 665,9 bilhões"(Déficit..., 2005).

5 Para uma boa discussão dessas condições, ver o artigo de Delfim Netto (1997).

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últimos anos, a apreciável valorização do câmbio. As altas taxas de juros reais,que atingiram 12,8% ao ano, com o aumento da taxa Selic para 19,25% emmarço de 2005, penalizam os investimentos e o consumo, atuando contra ocrescimento e contra a competitividade do câmbio, ao estimularem o ingressode capitais no País. Embora as exportações continuem apresentando excelentedesempenho, e a geração de superávits em conta corrente, em 2003 e 2004,indique redução da vulnerabilidade externa, a manutenção de um câmbiosobrevalorizado prenuncia problemas à frente, especialmente no caso de eclosãode uma crise externa. Do ponto de vista fiscal, a redução do déficit nominal paramenos de 3% do PIB em 2004 tem como contrapartida a geração de um supe-rávit primário próximo de 5% do PIB, obtido à custa da paralisia dos investimen-tos públicos, da redução de políticas sociais importantes para o desenvolvi-mento sustentável e de um sistema tributário de má qualidade, que ainda atua,não somente pelo tamanho da carga tributária, mas também pela sua composi-ção, como força anticrescimento. Apesar de todo esse esforço realizado pelapolítica econômica, não se têm conseguido reduções significativas na relaçãodívida líquida do setor público (DLSP)/PIB.

Assim, embora tenham se registrado melhorias em algumas dessas variá-veis — situação fiscal e contas externas, por exemplo —, que poderiam abrirperspectivas mais favoráveis para a economia brasileira, o Governo continuarefém de um modelo que, pela sua arquitetura e pela forma de interação entresuas peças, funciona como obstáculo para esse objetivo. Nessa intrincada ar-madilha do modelo, os limites para o crescimento tornam-se evidentes, pelastensões e fricções que este provoca nessas variáveis, tendo de ser abortadosempre que ultrapassa os níveis estabelecidos pelo mito do produto potencial.

Não foi por outra razão que, diante do aquecimento da atividade produtivaem 2004, que se traduziu em pressões sobre o nível interno de preços, o Gover-no recolocou as taxas de juros numa trajetória de elevação, com a taxa Selicaumentando de 16% em setembro para 19,25% em março de 2005, contribuindonão somente para travar o crescimento, mas também para acentuar a valoriza-ção do câmbio e aumentar os custos da dívida pública, iniciativa que revela, aocontrário do discurso oficial, o quão distante se encontra o País da desejadatrajetória de crescimento sustentado.

O comportamento registrado da atividade econômica no último trimes-tre de 2004, em relação ao trimestre anterior, não deixa dúvidas sobre adesaceleração ocorrida como resultado da política adotada pelo Governopara propositadamente refrear seu ímpeto. Como se mostra na Tabela 3,vistos pela ótica da produção, todos os setores perderam fôlego nesse pro-cesso, o mesmo acontecendo com os seus determinantes pela ótica do con-

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sumo, tendo se registrado retração para os investimentos e forte desaceleraçãono consumo das famílias e, inclusive, no setor exportador, uma tendência quecomeça a ser confirmada pelos indicadores econômicos apurados e divulgadosno início de 2005, que já levaram diversas instituições de pesquisa a reduzirempara 3,5% o crescimento esperado e projetado para este ano.6

Tabela 3

Variação real do PIB sob a ótica da produção e do consumo no Brasil — 2004

(%)

4º TRIM ÓTICAS 2004 !"3º TRIM

(1)

Produção Agropecuária ................................. 5,3 0,5 Indústria ........................................ 6,2 2,0 Serviços ........................................ 3,7 0,5 ConsumoConsumo das famílias ................... 4,3 1,3 Consumo do Governo ................... 0,7 0,5 Investimentos ................................ 10,9 -3,9 Exportação .................................... 18,0 3,2 Importação .................................... 14,3 2,7

FONTE: IBGE. (1) Com ajuste sazonal.

6 Ver Boletim de Conjuntura (2005).

Ao que tudo indica, apenas a crença das autoridades governamentais nasteses teológicas defendidas pelo mercado sobre a capacidade desse modelo degerar equilíbrio macroeconômico capaz de abrir os caminhos para a economiacrescer de forma sustentada explica essa insistência em sua manutenção e aresistência em se perceber seu forte viés anticrescimento, conduzindo-as aesses equívocos. Na próxima seção, discutem-se criticamente essa visão domercado e, pela sua influência sobre a condução da política econômica, as

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oportunidades que estão sendo perdidas de correção de alguns problemas gra-ves da economia brasileira.

3 - A visão do mercado e as oportunidades perdidas

O ponto de vista explicitado pelos policymakers do Governo indica umagrande fé no mercado como promotor do crescimento equilibrado e sustentá-vel da economia, que é o mesmo ponto de vista do chamado Consenso deWashington ou do que também ficou conhecido como pensamento único7.Para eles, não há outra alternativa para o desenvolvimento da economia anão ser a de buscar, a ferro e fogo, a estabilidade monetária, através de umapolítica monetarista e da substituição da intervenção estatal pelo livre jogodas forças de mercado. A saída da crise dos anos 80 encaminhou o País paraa adoção gradativa da estratégia neoliberal, com a abertura comercial e fi-nanceira e o avanço no processo de privatização das estatais. Essa estraté-gia teve como diagnóstico da crise brasileira o esgotamento do processo deindustrialização pela substituição de importações e o abandono da possibili-dade de construção de uma economia industrialmente integrada e relativa-mente independente face ao sistema mundial.

Após o início da abertura da economia brasileira, a estratégia de contro-le da inflação, com o Plano Real, fundamentou-se em uma política de câmbiosemifixo e sobrevalorizado, associado a elevadas taxas internas de juroscomo meio de atração de capitais externos. A indiscriminada abertura co-mercial e o câmbio sobrevalorizado inundaram o País com mercadorias im-portadas, como um dos meios de controle da inflação, aceleraram o ingressode capitais especulativos de curto prazo e geraram profundos déficits nabalança comercial e no saldo do balanço de pagamentos em conta corrente.8

Em um primeiro momento, o crescimento do PIB em 1994 e 1995 pare-ceu demonstrar que o caminho seguido estava correto e que o País ingressa-va em nova fase de expansão sustentada, com baixos índices de inflação,redução do índice de Risco-País e reinserção no mercado financeiro interna-cional. O ingresso de investimento direto estrangeiro (IDE) acelerou-se rapi-

7 Uma crítica aguda a essa concepção foi realizada por Paulani (2003; 2004).8 Ver Nakatani (2000).

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damente, passando de US$ 1,3 bilhão em 1993 para US$ 28,7 bilhões em 1998.O volume de negócios (entradas mais saídas) na conta de portfólio chegou aUS$ 50,0 bilhões em 1998, depois do auge de quase US$ 70,0 bilhões em 1997.Mesmo com a crise cambial e com a desvalorização do real, esses fluxos per-maneceram em patamares elevadíssimos9, com o ingresso de IDE de US$ 36,0bilhões em 1999 e de US$ 40,0 bilhões em 2000, além do movimento em portfóliode US$ 74,0 bilhões em 1999 e de US$ 69,0 bilhões em 2000, refletindo oexcesso de liquidez dos mercados financeiros internacionais. A entrada de capi-tais estrangeiros começou a diminuir efetivamente a partir de 2001, quando oingresso a título de IDE registrou US$ 30,0 bilhões, caindo para US$ 26,5 bi-lhões em 2002 e para US$ 19,2 bilhões em 2003, recuperando-se um pouco em2004, quando chegou a US$ 25,8 bilhões. Os negócios registrados na conta deportfólio também diminuíram em 2001 e 2002, assinalando US$ 58,0 bilhões eUS$ 41,0 bilhões respectivamente. Voltaram a crescer, em 2003 e 2004, paraUS$ 49,0 bilhões e US$ 65,2 bilhões respectivamente. Note-se que o movimen-to em portfólio pode crescer com a saída de capitais do mercado financeiro,decorrente de uma fuga de capitais, como ocorreu em 2002.

A crise cambial resultante dos ataques especulativos, em 1998, conduziuo Governo a uma mudança no regime de câmbio (em 1999) e à adoção dapolítica de metas de inflação. Essa política converteu a taxa de juros naprincipal variável de política monetária e sujeitou-se continuamente aos hu-mores e às expectativas subjetivas do mercado financeiro. Assim, o GovernoLula assumiu com a taxa básica (Selic) em elevação, que passou de 18%antes da eleição para 25% ao ano em dezembro de 2002. Seguindo a mesmatrajetória, o novo Comitê de Política Monetária (Copom), nomeado por Lula,elevou essa taxa para 25,5% e 26,5% em janeiro e fevereiro de 2003, man-tendo-a nesse nível até maio e reduzindo-a progressivamente até 16,0% emabril de 2004. Após cinco sessões sem alteração na taxa Selic, o Copomvoltou a aumentar sistematicamente a taxa básica, desde setembro de 2004,até atingir 19,25% ao ano em março de 2005, colocando-a no primeiro postocomo a mais alta taxa real de juros do mundo.

A principal justificativa para essas decisões foi e continua sendo a pres-são inflacionária decorrente do crescimento da demanda frente ao potencialde crescimento do PIB, que, segundo as previsões para 2005, não passaráde 3,5% ao ano. A crítica dos economistas heterodoxos contra a política deaumento da taxa de juros defende a idéia de que o aumento da taxa Selic,

9 Os dados a seguir são do Banco Central do Brasil (Boletim do Banco Central do Brasil, 2005).

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apesar de estimular o ingresso de capitais estrangeiros, produz vários efeitosdeletérios para a economia, como a redução na demanda agregada e na taxa decrescimento econômico e o aumento do desemprego, do endividamento internoe da conta de juros sobre a dívida interna. Viu-se que a demanda agregadadiminuiu seu ritmo de crescimento no último trimestre de 2004, a taxa de de-semprego, que vinha caindo desde abril de 2004, voltou a crescer em fevereirode 2005, e o rendimento dos trabalhadores também voltou a cair, realimentandoa redução na demanda agregada. O endividamento interno continua a crescer,apesar da redução na relação dívida/PIB, e a conta de juros continua a aumen-tar. Nos quatro meses entre outubro de 2004 e janeiro de 2005,10 o total da dívidainterna em títulos, no mercado, cresceu R$ 55,0 bilhões, e a conta de juros foide R$ 45,2 bilhões no mesmo período. Enfim, considerando todo o período de1998 a 2004, a economia brasileira apresentou um desempenho razoável para ocrescimento do PIB somente nos anos 2000 e 2004, com taxas de 4,4% e 5,2%respectivamente. Se não se considerarem esses dois anos, a média das taxasde crescimento foi de apenas 0,92%.

Com a mudança no regime cambial e a desvalorização do real em 1999, abalança comercial iniciou um processo de reversão de seus déficits: de umsaldo negativo de US$ 6,6 bilhões em 1998, caiu para US$ 1,2 bilhão em1999 e para US$ 698,0 milhões em 2000. A partir de 2001, o saldo tornou-sepositivo e cresceu violentamente: de US$ 2,6 bilhões em 2001 para US$ 13,1bilhões em 2002 e de US$ 24,8 bilhões em 2003 para US$ 33,7 bilhões em2004. Essa trajetória da balança comercial afetou positivamente o saldo dobalanço de pagamentos em conta corrente, reduzindo fortemente as necessi-dades de financiamento externo e a vulnerabilidade externa nos dois últimosanos. O saldo em conta corrente, que chegou a US$ 25,3 bilhões negativosem 1999, tornou-se positivo, atingindo US$ 4,2 bilhões em 2003 e US$ 11,7bilhões em 2004. Isso não significou, entretanto, uma redução dos gigantes-cos compromissos da economia brasileira em termos de pagamentos dejuros da dívida externa e de remessa de lucros e dividendos, que chegaram aUS$ 20,5 bilhões em 2004, sem contar os ganhos de capital das aplicaçõesfinanceiras registrados como despesas na conta de investimentos estran-geiros em carteira. Entretanto o Governo não aproveitou esse período favo-rável de ingresso de capitais e de excepcional crescimento no saldo da ba-lança comercial para recompor as reservas internacionais líquidas. Assim,

10 Ver Banco Central do Brasil (2005).

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desconsiderando os empréstimos11 tomados junto ao Fundo Monetário Interna-cional (FMI), as reservas atingiram o montante de US$ 27,5 bilhões em dezem-bro de 2004, pouco mais do que os US$ 23,8 bilhões de dezembro de 1999.Entretanto com uma política mais agressiva de compra de dólares entre o finalde 2004 e o início de 2005, motivada principalmente pela forte valorização damoeda nacional frente ao dólar, o volume de reservas no conceito de liquidezinternacional ultrapassou os US$ 60,0 bilhões no final de março de 2005, e asreservas líquidas atingiram mais de US$ 35,0 bilhões.12

Seguindo o receituário da estratégia neoliberal, o Governo Lula propôsao FMI um aumento do superávit primário de 3,75% para 4,25% do PIB, semque houvesse nenhuma exigência do Fundo, e realizou, em seus dois primei-ros anos, um superávit efetivo superior a essa taxa. Para tanto, cortou siste-maticamente recursos de custeio e investimento, agravando ainda mais asprecárias condições da infra-estrutura do País. O argumento de que essaelevação do superávit conduziria à redução da dívida se mostrou falacioso,como se procura demonstrar em seguida. Mas o aspecto mais grave dessadecisão unilateral do Governo foi uma nova submissão ao Fundo, quando,após aumentar o superávit primário, pediu ao FMI que parte dos gastos emcusteio fosse considerada investimentos e não custeio, em um montantemuito inferior ao corte de gastos que fez unilateralmente e deliberadamentepara atender aos anseios do capital monetário nacional e do internacional.

4 - As algemas do crescimento sustentado

Em sua primeira fase (1994-98), o Plano Real foi vitorioso no combate àinflação, mas um desastre para as contas externas e públicas. Apoiadono tripé câmbio semifixo, elevadas taxas de juros e rápida — e indiscri-minada — abertura comercial, assistiu passivamente à apreciação da moedanacional, ao temerário crescimento do déficit em conta corrente, que atingiucerca de 5% do PIB em 1998, e à aceleração da dívida líquida do setorpúblico, que saltou, também como proporção do PIB, de 29,5% em 1994 para

11 "Entre 1998 e 2004, o FMI emprestou US$ 58 bilhões ao Brasil: US$ 4 bilhões de juros já forampagos pelo Governo — o restante [US$ 2,1 bilhões] deve ser quitado até 2007" (Cruz,2005).

12 O efeito monetário dessa compra de dólares foi uma expansão na base monetária de R$ 23,6bilhões entre dezembro de 2004 e fevereiro de 2005, compensada pela colocação de títulos nomercado e pelo superávit primário do Tesouro Nacional (Banco Central do Brasil, 2005, QuadroIII).

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42,7% em 1998. Num período em que predominavam teses teológicas sobre osbenefícios dos déficits externos e em que a taxa de inflação, reduzida de 40%ao mês para níveis moderados de 7% ao ano, era exibida como conquista eacerto de seus resultados, não faltaram aplausos para sua engenhosidade enem apoio para a aventura em que os policymakers da época haviam lançado aeconomia brasileira, apesar do evidente aumento de sua vulnerabilidade externae da fragilidade fiscal do Estado.

Foi somente com a eclosão de sucessivas crises externas ocorridasnaquela época (México em 1994, Sudeste Asiático em 1997 e Rússia em1998) que se desfez o véu que recobria os “pés de barro” em que se assenta-va o modelo, desmistificadas as teses que o sustentavam e exigidas mudan-ças em sua arquitetura. Mas era tarde. Não somente o País havia literalmen-te quebrado, sem dispor de reservas externas para honrar seus compromis-sos, como se tornara prisioneiro da armadilha do modelo de estabilidademonetária que adotara, obtida à custa de um brutal endividamento,13 o quetornou a economia brasileira altamente sensível ao efeito-contágio das cri-ses externas. Para continuar mantendo a confiança dos credores do Estadona sua capacidade de solvência e sustentar a estabilidade de preços alcan-çada, concordou-se com as exigências feitas pelo FMI — ao qual o País te-ve de recorrer, à época, para a obtenção de um empréstimo de US$ 41,5bilhões —, de combinar, no novo modelo, instrumentos capazes de garantir asustentabilidade da dívida e de reduzir a vulnerabilidade externa da econo-mia. Com a política fiscal ocupando posição central nessa nova arquitetura, apolítica econômica abriu mão de sua autonomia para implementar políticasvoltadas para o desenvolvimento e o crescimento do País como instrumentode correção de seus desequilíbrios. O recurso à dívida, com o qual se garan-tira a estabilidade de preços na primeira fase do Plano, passaria, assim, apartir de 1999, a atuar como trava do crescimento econômico. Explica-sea razão.

Na sua segunda fase, que se iniciou em 1999 e se prolonga até os diasatuais, o Plano Real, após as turbulências que se seguiram à insuficientecorreção da banda cambial no início de janeiro daquele ano, passou a seapoiar nos seguintes pilares: (a) câmbio flutuante, com plena mobilidade decapitais; (b) regime de metas inflacionárias (inflation targeting), com autono-mia operacional do Banco Central para garantir seu resultado; e (c) estabele-cimento de metas para os superávits fiscais primários, com o objetivo deevitar o crescimento da dívida pública.

13 Para uma análise mais detida dessa questão, ver Oliveira e Nakatani (2003).

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Nesse desenho, a taxa de câmbio de equilíbrio seria determinada pelo livremovimento das forças de mercado, sem interferência do Banco Central. A estecaberia o papel de manejar a política monetária, para atingir as metas de infla-ção estabelecidas — a nova âncora do Plano. Os superávits primários teriam aresponsabilidade de impedir o surgimento de desconfiança por parte dos inves-tidores sobre a capacidade do Governo de saldar ou reduzir sua dívida. A subs-tituição de um câmbio semifixo por um câmbio flutuante repontou como medidacapaz, aos olhos dos responsáveis pela política econômica, de remover ascausas anteriores de apreciação da moeda, mas a verdade é que, dada a novaarquitetura do Plano, não somente estas foram mantidas, embora sob novaforma, como outros problemas fizeram sua aparição.

O fato é que, nesse novo modelo, a capacidade do Governo de intervirna economia através dos instrumentos de política econômica se estreitousignificativamente. A paridade cambial passou a ser determinada pelo fluxode divisas que ingressava no País. A política monetária, por sua vez, foiconfinada ao objetivo de garantir níveis reduzidos de inflação. A política fiscalfoi subordinada aos compromissos assumidos com o pagamento dos encar-gos da dívida. Como essas variáveis se encontram fortemente entrelaçadase o Governo não dispõe de controle sobre seus movimentos (oscilações docâmbio por exemplo), mas se compromete com a obtenção de metas rígidas(fiscais, inflacionárias), mudanças desfavoráveis terminam exigindo ajustese correções para atingir as metas estabelecidas, as quais, por sua vez,interagem, afetando as demais e repondo, em cadeia, a necessidade de no-vos ajustes, que alimentam forças anticrescimento. Alguns exemplos ajudama entender melhor essa dinâmica.

Um choque cambial negativo, por exemplo, produz impactos inflacioná-rios pela desvalorização da moeda nacional e eleva o valor da dívida públicacotada em reais. Dados os compromissos assumidos com a meta de inflaçãoe com a contenção do nível de endividamento, isso termina conduzindo asautoridades econômicas a elevarem as taxas de juros e a aumentarem oesforço fiscal (aumento do superávit primário). A primeira pode contribuirpara conter a aceleração de preços e reverter o choque cambial, com o maioringresso de capitais externos, mas produzirá impactos negativos sobre adívida pública. Juntas, essas medidas, elevação dos juros e aumento dosuperávit primário, minam as forças do crescimento econômico, à medidaque são contrárias aos investimentos — públicos e privados — e ao consu-mo, afetando também negativamente a relação dívida/PIB. A apreciação docâmbio, por outro lado, resultante da manutenção de elevadas taxas de juros,garante o ingresso de capitais externos e propicia ganhos para o processoinflacionário, mas, em contrapartida, prejudica a performance da balança co-

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mercial, aumenta a vulnerabilidade externa da economia e, como se nãobastasse, dependendo do montante da dívida que se encontra atrelada àstaxas internas de juros, resulta em maior deterioração das contas públicas.

Isso parece indicar que, apenas em condições de normalidade da eco-nomia internacional e da doméstica — ou seja, na ausência de choques ex-ternos e internos —, a estabilidade monetária pode ser garantida e abrirespaços para o crescimento econômico, como ocorreu no Brasil, nos anos2000 e 2004. Mas, mesmo nessa situação, esse tende a esbarrar em limitesproduzidos pelo arranjo realizado para garantir a geração de elevados e cres-centes superávits primários, tendo, por essa razão, de ser abortado paraassegurar o cumprimento das metas estabelecidas.

4.1 - O arranjo fiscal

Para assegurar a geração dos superávits fiscais primários e, com isso,manter em níveis confiáveis, para os credores do Estado, a relação dívida//PIB, a política econômica tem se apoiado predominantemente em dois ins-trumentos:

a) na elevação da carga tributária — a Tabela 4 mostra que, entre 1998(ano imediatamente anterior ao início da segunda fase do Plano Real)e 2003, a carga tributária conheceu um crescimento de 5,0 pontospercentuais do PIB, saltando de 29,7% naquele ano para 34,9% em2003; um aumento superior ao nível dos superávits gerados, masinsuficiente para garanti-los, porque parte desse aumento foi absor-vido para cobrir a elevação das despesas obrigatórias do Governoocorrida no período (gastos com pessoal, benefícios da previdência,educação, saúde, etc.), exigindo, para sua obtenção, o recurso aosegundo instrumento —;

b) no corte de despesas discricionárias, sobre as quais o Governodispõe de poder de decisão para realizá-las, ou não, em função desua disponibilidade de recursos ou da necessidade de ajustar suascontas para garantir a meta estabelecida para o superávit — aTabela 5 mostra que esses cortes têm atingido predominantementeos investimentos públicos, cujos níveis se apresentam ínfimos emrelação às necessidades do País de assegurar, para o setor produti-vo, a oferta de infra-estrutura e de contribuir para o aumento de suacompetitividade com a redução do “Custo-Brasil”.

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Tabela 4

Carga tributária bruta e superávits fiscais do setor público no Brasil — 1998-03

(% do PIB)

CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA SUPERÁVITS FISCAIS PRIMÁRIOS ANUAIS

ANOS

% do PIB !% em Relação a 1998

Com Empresas Estatais

Sem Empresas Estatais

1998 29,7 - - -

1999 31,7 2,0 -3,2 -2,5

2000 32,5 2,8 -3,3 -2,2

2001 33,9 4,2 -3,5 -2,6

2002 35,5 5,8 -3,9 -3,2

2003 34,9 5,2 -4,4 -3,5

FONTE: Secretaria da Receita Federal-MF. FONTE: Banco Central do Brasil.

Tabela 5

Despesas orçamentárias com investimentos (orçamento fiscal e seguridade social) no Brasil — 1998-03

(R$ bilhões)

ANOSLEI MAIS

CRÉDITOSAUTORIZADO

LIQUIDADO PAGO LIQUIDADO/ /AUTORIZADO

PAGO/ /AUTORIZADO

1998 13,29 8,28 - 62,3 -

1999 9,08 6,96 3,74 76,7 41,2

2000 14,72 10,10 5,20 68,6 35,3

2001 19,50 14,58 5,83 74,8 29,9

2002 18,18 10,13 4,58 55,7 24,7

2003 14,26 0,86 0,77 6,0 5,4

FONTE: STN/Siafi.

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Interagindo com as demais peças do modelo econômico, esse arranjo re-vela-se letal para os objetivos do crescimento sustentado, por algumas razõesque devem ser explicitadas:

a) a elevada carga tributária e a sua composição, onde é significativo opeso dos impostos e das contribuições de incidência cumulativa (emcascata), aumentam o “Custo-Brasil”, reduzem a competitividade daprodução nacional, limitam a expansão do mercado interno e encare-cem o investimento, inibindo a expansão da capacidade produtiva.Como as taxas internas de juros reais têm sido mantidas em níveisextremamente elevados, contribuindo também para penalizar o in-vestimento produtivo, são consideráveis os desincentivos para suarealização, razão por que estes têm sido mantidos em níveis reduzi-dos e limitado a capacidade de oferta do setor privado;

b) a redução dos investimentos públicos em infra-estrutura, devido àesterilização das receitas arrecadadas pelo Governo com o paga-mento de parcela dos juros da dívida, apenas reforça essa situação.Em primeiro lugar, porque mantém precárias as condições dainfra-estrutura e incerta a capacidade de sua oferta para o setor produ-tivo, inibindo, pelos gargalos que representa, os investimentos produti-vos, que correm o risco de se defrontarem com “apagões” em váriossetores — energia, portos, estradas, etc. Em segundo, porque essesgargalos se transformam em elementos que elevam consideravel-mente o “Custo-Brasil”, reduzindo a competitividade da produção na-cional e provocando incertezas sobre o retorno do investimento pri-vado.

Isso explica por que, mesmo contando com um quadro externo favorá-vel, como em 2004, os limites/tetos do crescimento surgem rapidamente,exigindo ações da política econômica para contê-lo e para garantir que asmetas estabelecidas sejam atingidas. A partir do momento em que os efeitosdo crescimento, comandado principalmente pelas exportações nos últimosanos, passaram a ser derramados no mercado interno, estimulando o inves-timento e o consumo, foram inevitáveis as fricções surgidas no sistema pro-dutivo e as pressões de preços em alguns setores, ameaçando a metaestabelecida para a inflação. Em reação, os policymakers rapidamenterecolocaram as taxas de juros numa trajetória de aumento, as quais atingi-ram, em termos reais, níveis absurdamente elevados, visando estancar aforça desse processo refreando investimentos e consumo, para assegurarque a meta de 5,1% (projetada para 2005) seja atingida. Não sem razão,estatísticas divulgadas pelo IBGE sobre o último trimestre do ano passado jáidentificaram desaceleração no ritmo do crescimento, revelando maiores difi-

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culdades de sua continuidade e sustentabilidade no ano de 2005, nos mesmosníveis de 2004. Como se isso não bastasse, a manutenção dos juros nessenível tem afetado as outras peças do modelo, que podem comprometer ganhosimportantes que vêm sendo obtidos em outras frentes, como a que diz respeitoà vulnerabilidade externa da economia brasileira, ao agravamento das condi-ções fiscais e ao reforço das forças anticrescimento.

Além de conter o ímpeto do crescimento, a manutenção das elevadastaxas de juros tem sido responsável pela forte apreciação da moeda nacio-nal, dado o significativo ingresso de capitais externos, que têm acorrido aoPaís em busca da maior rentabilidade oferecida. Embora o País continuecolhendo resultados favoráveis no front externo, até o momento, com o câm-bio apreciado e as perspectivas nada promissoras para a economiamundial — diante da possibilidade de desaceleração da economia chinesa edos desequilíbrios da economia norte-americana —, essa situação pode al-terar-se e comprometer os ganhos que vêm sendo obtidos nessa frente,recolocando a possibilidade de novos choques cambiais. Além disso, mesmosendo favorável para o controle inflacionário e para a contenção da dívidaatrelada ao câmbio, cotada em reais, a apreciação do real, que vem sendoobtida com a manutenção dos juros nos níveis atuais, tem impactado forte-mente sobre o tamanho da própria dívida, com a elevação considerável deseus encargos, exigindo esforços fiscais adicionais, que o padrão atual deajuste já não comporta — pelo menos através de mais aumentos da cargatributária e de redução dos investimentos públicos —, dados os estreitoslimites em que estes já se encontram.

O mais grave nesse modelo é que, além das dificuldades que tem im-posto à economia e à sociedade em termos de limitações ao crescimento ede sacrifício das políticas sociais, diante dos compromissos assumidos paracontrolar a dívida pública, não se vislumbram avanços importantes para asolução dessa questão, tudo indicando que o problema deverá permanecerpor um longo tempo, sem garantia de que se conseguirá remover esse nó queobsta o ingresso do País numa trajetória de crescimento sustentado. Paraentender a razão disso, vale a pena examinar com cuidado os dados contidosna Tabela 6, que mostra a evolução da dívida pública desde 1999, quandopassaram a ser gerados os elevados e crescentes superávits primários paraconter seu tamanho como proporção do PIB.

Os dados contidos na Tabela 6 mostram que, apesar do aumento persis-tente e considerável dos superávits fiscais primários desde 1999, ano emque se tornaram peça central do modelo econômico, a dívida líquida do setorpúblico como proporção do PIB continuou mantendo-se numa trajetória decrescimento, tendo conhecido uma redução apenas em 2004.

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Depois de um expressivo salto entre 1994 e 1998, quando a estabilidadede preços foi garantida, na primeira fase do Plano Real, à custa de um brutalendividamento, registrou-se um novo aumento significativo em 1999, apesarda geração de um superávit primário de 3,23% do PIB, que não foi suficientepara compensar os impactos negativos sobre a dívida, provocados pela des-valorização cambial ocorrida no ano, com a mudança da política cambial ecom o abandono do câmbio semifixo. Em 2000, favorecida pelo crescimentode 4,51% do PIB e pelo comportamento favorável do câmbio e dos juros, numcontexto de tranqüilidade do cenário internacional, a relação dívida/PIB man-teve-se estável na casa de 49,0%.

A partir de 2001, com a economia internacional ingressando em umnovo período de turbulências — à medida que as incertezas se acentuaram,mantendo pressionados os mercados financeiros globais —, os movimentosaltistas ocorridos de forma defensiva no câmbio e nos juros do Brasil, etambém nas demais economias emergentes, contaminaram a dívida pública,o que explica, em boa parte, a elevação de sua relação com o PIB para52,6% em 2001 e 55,5% em 2002. Em 2003, primeiro ano do Governo Lula,apesar da elevação dos superávits fiscais e de ter se contado com um cená-rio internacional mais favorável, com melhorias no câmbio e também nosjuros, a relação dívida/PIB não apresentou uma boa evolução, tendo atingido57,2% do PIB. Apenas em 2004, com o crescimento de 5,2% registrado para

Tabela 6

Necessidades de financiamento e dívida líquida do setor público no Brasil — 1999-04

(% do PIB)

ANOS NECESSIDADES PRIMÁRIAS (1)

DÍVIDA

1999 -3,3 49,1 2000 -3,6 48,8 2001 -3,8 52,6 2002 -3,9 55,5

2003 (2) -4,1 57,2 2004 -4,6 51,8

FONTE: Banco Central do Brasil. (1) O sinal negativo refere-se a superávit. (2) Percentuais revistos em função do novo cálculo do PIB de 2003 efetuado pelo IBGE.

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o PIB, com a omissão do Governo em relação à continuidade do movimentode valorização do real frente ao dólar e à geração de um superávit ainda maiselevado, de 4,62% do PIB, conseguiu-se reduzi-la para 51,8%.

Esse comportamento da relação dívida/PIB revela claramente as princi-pais variáveis que a influenciam e que ajudam a entender por que, apesar detodo o esforço realizado, têm sido medíocres os ganhos obtidos nessa ques-tão: as variações do PIB, do câmbio e dos juros, as quais, quando se apre-sentam adversas, exigem maior esforço fiscal por meio da geração desuperávits primários mais elevados para impedir seu crescimento. Revelatambém o trade off existente entre ajuste externo e equilíbrio fiscal, à medidaque, para garantir o primeiro através da desvalorização do câmbio e/ou deelevação dos juros, aumentam os encargos da dívida, já que boa parcela deseu montante se encontra indexada ao dólar e à taxa de juros interna (Selic),contaminando-a e exigindo maior esforço fiscal para evitar seu aumento des-controlado.

A esse respeito, a Tabela 7 fornece boa visão sobre a influência dessasvariáveis na evolução da relação dívida/PIB do período de 2000 a 2004. Na-quele ano, quando os cenários doméstico e internacional desfrutaram de umarelativa tranqüilidade, propiciando à economia brasileira um crescimento de4,5% do PIB, a relação dívida/PIB manteve-se praticamente estabilizada emrelação a 1999. O câmbio, registrando pequenas oscilações, participou comapenas 1,6 ponto percentual para o seu crescimento, enquanto os juros, man-tidos em níveis mais reduzidos ao longo do ano (abaixo de 20%), com 6,8%,fatores aos quais se somaram 0,8% do PIB referentes ao reconhecimento dedívida (os chamados “esqueletos”). Ganhos com o processo de privatização(1,0 ponto percentual), cujos recursos foram destinados para o seu paga-mento, somados ao superávit primário de 3,3% e ao crescimento do PIB, quecontribuiu para reduzir a expansão da dívida em 3,9 pontos percentuais, per-mitiram que sua variação ficasse contida em apenas 0,10% do PIB no ano.

Em 2001 e 2002, com a piora das condições macroeconômicas na eco-nomia mundial e no Brasil, com impacto negativo sobre as variáveis quemais influenciam seu comportamento, como o PIB, o câmbio e os juros, arelação dívida/PIB voltou a crescer expressivamente, apesar dos maioresesforços fiscais desenvolvidos, como o aumento dos superávits primários.Em 2001, o montante de juros nominais (6,9% do PIB) e o ajuste do câmbio(3% do PIB) responderam, em conjunto, por 87% da variação bruta da dívidade 11,4%. O superávit primário de 3,5% do PIB, juntamente com a contribui-ção de 3,9 pontos percentuais do PIB dada pela variação nominal do produtopara sua redução, permitiu conter seu crescimento em 3,8% do PIB. Em2002, enquanto os juros nominais foram responsáveis pelo aumento bruto da

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dívida de 7,2% do PIB, o ajuste cambial, num ano de eleições presidenciais ede deterioração das expectativas em relação ao comportamento da econo-mia mundial, marcado por acentuada volatilidade dessa variável, respondeupor um aumento de 9,3% do PIB. Ou seja, câmbio e juros, em conjunto, foramresponsáveis por cerca de 95% de seu aumento bruto total de 17,4% do PIB.A geração de um superávit primário de 3,3% do PIB e a contribuição dadapela variação nominal do PIB de 11,0% para a redução dessa relação permi-tiram que sua expansão ficasse contida em 2,9 pontos percentuais do PIB,tendo evoluído para um nível correspondente a 55,5% do PIB.

Tabela 7

Fatores condicionantes da dívida líquida do setor público no Brasil — 2000-04

(% do PIB)

DISCRIMINAÇÃO 2000 2001 2002 2003 (1) 2004

DÍVIDA LÍQUIDA TOTAL ............. 48,8 52,6 55,5 57,2 51,8 DÍVIDA LÍQUIDA (VARIAÇÃO ACUMULADA NO ANO) .............. 0,1 3,9 2,9 1,7 -5,4 FATORES CONDICIONANTES (FLUXOS ACUMULADOS NO ANO) ............................................ 4,0 7,8 13,9 2,0 2,3 Necessidades de financiamento do Setor Público (NFSP) ............ 3,4 3,4 3,9 4,9 2,6 Primário ........................................ -3,3 -3,5 -3,3 -4,1 -4,4 Juros nominais ............................. 6,8 6,9 7,2 9,1 6,9 Ajuste cambial ............................ 1,6 3,0 9,3 -4,0 -0,9 Dívida mobiliária indexada ao câmbio .......................................... 0,8 1,5 4,8 -1,4 -0,2 Dívida externa .............................. 0,8 1,5 4,4 -2,6 -0,7 Reconhecimento de dívidas ...... 0,8 1,5 0,9 0,0 0,4 Privatizações e outros ajustes .. -1,0 -0,1 -0,2 1,0 0,4 EFEITO CRESCIMENTO PIB/ /DÍVIDA ........................................ -3,9 -3,9 -11,0 -0,3 -7,7

FONTE: BOLETIM DO BANCO CENTRAL DO BRASIL: relatório anual 2004. Brasília:BCB, 2005.

(1) Percentuais revistos em função do novo cálculo do PIB feito pelo IBGE para esse ano.

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Em 2003, apesar de a valorização do câmbio ter contribuído para a redu-ção da relação dívida/PIB com -4,0% — como decorrência da recuperação dacredibilidade do Governo Luiz Inácio Lula da Silva junto aos investidores inter-nos e externos e com a redução do Risco-País — e o superávit primário ter sidoelevado para 4,1% do PIB, a dívida como proporção do PIB conheceu umavariação positiva de 1,7 ponto percentual, saltando para 57,2%. O baixo cresci-mento do PIB de 0,5% em termos reais ainda assim conseguiu contribuir parasua redução em 0,3%, mas novamente foram os juros nominais, que alcança-ram 9,1% do PIB, os principais responsáveis pelo crescimento da relação. Issosignifica que, apesar do maior aperto fiscal, além do fato de se ter contado comuma situação externa favorável, a relação dívida/PIB continuou sua trajetória decrescimento alimentada preponderantemente por seus encargos, com ossuperávits primários conseguindo cobrir apenas 46% de seu total.

A redução registrada em 2004 é explicada principalmente pelo crescimen-to de 5,2% do PIB em termos reais, que diminuiu em 5,4 pontos percentuais arelação dívida/PIB, pelo maior superávit primário gerado e pela valorização doreal, enquanto os juros nominais responderam por 7,0 pontos percentuais doPIB para sua expansão. Não há, entretanto, nenhuma garantia de que essesfatores continuarão contribuindo, nessa dimensão, para garantir essa trajetóriade queda da relação dívida/PIB. Valorizado, o câmbio poderá sofrer correção,quando começar a afetar os saldos da balança comercial e de conta corrente, ecolocar dificuldades para as contas externas, mudança que afetará negativa-mente a dívida corrigida pelo dólar. O crescimento econômico dificilmente semanterá, em 2005, nos níveis atingidos em 2004, se perdurar a política monetá-ria de altas taxas de juros para conter as pressões inflacionárias e se não foremretomados os investimentos públicos e privados para remover incertezas sobreos rumos da economia. Os superávits primários dificilmente poderão ser aindamais elevados sem colocar em risco o funcionamento da máquina pública. Es-tabilizadas nos níveis atuais, as taxas de juros deverão continuar mantendoelevados os encargos da dívida e assegurando seu crescimento.

Nessa situação, em que o nó fiscal não foi resolvido e ocupa posiçãocentral no modelo econômico, condicionando e sendo afetado pelas variáveisconcernentes à trajetória da dívida pública, o crescimento sustentado sópode ser visto como “objeto de desejo” das autoridades governamentais. Paracriar as condições necessárias para que ele se torne uma realidade, é indis-pensável desfazer a armadilha do atual modelo que limita a ação do Es-tado e opera com fortes travas contra o crescimento, libertando-o das algemasque aprisionam seus movimentos nessa direção. Sem isso, o crescimento sus-tentado não passará de mera retórica.

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Para desfazer esse nó seriam necessárias mudanças principalmente naspolíticas fiscal e monetária.14 Em termos da política fiscal, os aumentos dacarga tributária deveriam ser direcionados para o financiamento de investimen-tos públicos, imprescindíveis para o crescimento de forma sustentada, e nãoesterilizados com o pagamento dos juros da dívida pública, propiciado pela per-manente elevação do superávit primário. Além disso, uma efetiva reforma tribu-tária, diferentemente da que foi aprovada parcialmente15 em dezembro de 2003,deveria simplificar o sistema e suprimir os impostos e as contribuições inciden-tes em cascata, de forma a possibilitar a melhoria na competitividade internaci-onal e avançar na construção de um sistema tributário menos regressivo, contri-buindo para melhorar a distribuição de renda, ampliar o mercado interno e, comisso, injetar forças no sistema para o crescimento sustentado. Do ponto de vistados gastos, deveria reduzir o superávit primário16, utilizando a diferença princi-palmente nos investimentos públicos em infra-estrutura.

A política monetária deveria ser conduzida de forma a reduzir a taxa bási-ca de juros, o que compensaria, pelo menos em parte, a redução no superávitprimário e amorteceria a pressão da conta de juros e da relação dívida/PIB.Uma medida mais radical seria a supressão da política de metas de inflação e oredirecionamento da política monetária para o crescimento da economia. O ar-gumento da elevação da taxa de juros como meio de controle da inflação écontestável, na medida em que os indicadores mostram, periodicamente, queos principais fatores de pressão inflacionária são decorrentes dos reajustes depreços e tarifas controlados pelo Governo. A redução na taxa de juros apresen-taria como benefício adicional a redução no custo do aumento das reservasinternacionais, financiadas através da colocação de títulos de dívidano mercado.

14 Destacam-se apenas alguns pontos considerados principais; naturalmente, não se pretendeaqui apresentar uma proposta completa de reforma da política macroeconômica.

15 Os dois principais pontos que foram aprovados tratam da continuidade da cobrança da CPMFe da desvinculação dos recursos da União (DRU).

16 O Governo Lula adotou um ponto de vista contrário: ao assumir, elevou unilateralmente ocompromisso com o FMI de produção de superávit primário, realizou superávits acima doprevisto e acabou em uma situação esdrúxula, pedindo ao Fundo que parte dos gastos eminvestimentos não fosse considerada como custeio. Teria sido suficiente não ter proposto aelevação de 3,75% para 4,25% no superávit.

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5 - Considerações finais

Em janeiro de 2003, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência daRepública com o voto de mais de 50 milhões de brasileiros que esperavammudanças na condução da política e da economia brasileira. Eleito sob osigno da mudança, tendo como principal programa o Fome Zero e o lema “(...)se ao final do meu mandato, cada brasileiro puder se alimentar três vezes pordia, terei realizado a missão de minha vida”, Lula e o PT vêm decepcionandouma parcela considerável de seus eleitores e uma parte dos militantes doPartido.

Para conseguir ganhar a eleição para Presidente, Luiz Inácio Lula daSilva mudou parcialmente o discurso, divulgou a Carta ao Povo Brasilei-ro, fez alianças com partidos de centro-direita, buscou o apoio de represen-tantes das elites tradicionais, como Antônio Carlos Magalhães e José Sarney,enquanto alguns dirigentes do PT realizaram contatos com o FMI e com oDepartamento do Tesouro dos Estados Unidos. Com isso, pôde obter“credibilidade” face ao mercado financeiro e conseguir o apoio de fraçõesimportantes das classes dominantes brasileiras.

No momento de sua posse, os mais otimistas acreditaram no seu dis-curso da transição e na modificação posterior da política econômica inicial-mente implementada, segundo os ensinamentos da estratégia neoliberal, cren-ça que permaneceu até o momento em que Lula afirmou categoricamentenão existirem planos A, B ou C. O compromisso assumido com aimplementação da política neoliberal teve continuidade com a realização dasreformas da previdência dos servidores públicos e tributária e também com aaprovação da Lei de Falências. Essa política ampliou-se, mais recentemente,com a unificação e a maior liberalização do mercado de câmbio e com aretomada do processo de privatização. Para completá-la, continuam penden-tes, mas ainda em curso, a aprovação do projeto de independência do BancoCentral, bem como as reformas trabalhista e sindical. Nesse processo, oPrograma Fome Zero desapareceu, tendo sido incorporado e unificado aosprogramas sociais que já existiam17, e a promessa de criação de 10 milhõesde empregos também foi esquecida.

As articulações políticas mais recentes do Governo e do PT, como atentativa de realização de uma reforma ministerial no início de 2005, reafir-

17 "(...) os programas de transferência de renda então em vigor, tal como o Bolsa Escola, BolsaAlimentação, Cartão Alimentação e o Auxílio Gás, foram unificados em um único, o BolsaFamília" (Marques; Mendes, 2004).

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mam a inexistência de um projeto de sociedade e, ao mesmo tempo, a existên-cia de um projeto de manutenção no poder, já que estão voltadas prioritariamentepara garantir a reeleição de Lula em 2006. Tudo isso torna mais difícil mudançasimportantes nas bases do modelo econômico em curso, indicando, ao contrário,ser maior a probabilidade de sua continuidade com a realização das tarefasainda pendentes, de acordo com a estratégia neoliberal e com os interesses dagrande burguesia nacional associada à burguesia internacional dominante, emespecial a fração financeira.

Essa articulação entre os interesses políticos e os econômicos apare-ce, assim, como barreira para a adoção, pelo Governo, sem contrariar a suaatual base de apoio, das medidas indicadas que poderiam permitir-lhe esca-par da armadilha do atual modelo. Isto porque, se a manutenção da estratégianeoliberal não conduz a um crescimento sustentado da economia e é prejudi-cial aos interesses da maioria da população, não restam dúvidas de que elatem se revelado altamente funcional para o sistema na sua fase atual e extre-mamente benéfica para os grandes capitais nacionais e internacionais. As-sim, se o modelo se apresenta desfavorável para os trabalhadores e tambémpara o sistema produtivo, é inegável o seu sucesso principalmente para ocapital financeiro.

Por isso, reconhece-se não serem passíveis de implementação, semdificuldades, essas medidas. Se fossem adotadas no início do Governo, po-deriam ter sofrido menor oposição, em vista de sua enorme popularidadenaquele momento. Como se optou por percorrer outro caminho, visando res-gatar e manter a credibilidade da política econômica junto ao mercado, per-deu-se aquela oportunidade e praticamente se renunciou à possibilidade deconstrução de bases sólidas para o crescimento sustentado, dados os com-promissos assumidos e as dificuldades de libertar-se da aliança selada, prin-cipalmente com o capital financeiro. Para romper com essa situação, serianecessário que o projeto de poder do Partido dos Trabalhadores e do Gover-no Lula fosse substituído por um efetivo projeto de sociedade, objetivo que,apesar de se encontrar em seu discurso, não se encontra ao alcance davista.

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A ortodoxia econômica do Governo Lula da Silva e a busca da esperança perdida...

A ortodoxia econômica do Governo Lula da Silva e a busca da esperança perdida a partir de uma proposiçãode política econômica alternativa

Fernando Ferrari Filho* Professor Titular da UFRGS e Pesquisador do CNPq.

ResumoO artigo, por um lado, mostra que a política econômica do Governo Lula da Silvase tornou muito mais ortodoxa em relação à época do Governo Fernando HenriqueCardoso. Por outro, ele apresenta uma política econômica alternativa, que visaassegurar o crescimento econômico de forma sustentável, sem comprometer,contudo, a estabilização de preços.

Palavras-chavePolítica econômica do Governo Lula da Silva; políticas monetária e fiscalcontracíclicas; administração cambial e controle de capitais.

Abstract

On the one hand, the article shows that the Lula da Silva‘s economic policy hasthe essential characteristics of the Fernando Henrique Cardoso‘s economic policy,as well as it became more orthodox than the previous Government. On the otherhand, it presents an alternative economic policy to aim at keeping inflation undercontrol and assuring long-term economic growth and social development.

Artigo recebido em 15 fev. 2005.

* E-mail: [email protected]

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Nunca é demais relembrar que, em seu discurso de posse, o PresidenteLula da Silva enfatizou que seu governo adotaria políticas que enfrentariam asquestões sociais do País, reimpulsionariam o crescimento sustentado e atacariamos problemas de desemprego e de concentração de renda, que têm sido umaconstante na vida brasileira, há décadas. No entanto, passados os dois primei-ros anos de seu mandato, o crescimento médio da economia é da ordem de2,7%1 — o que faz com que “espetáculo do crescimento” não passe de retó-rica —, a taxa média de desemprego continua elevada — 12,3% em 2003 e11,5% em 2004 —, e os principais programas sociais, tais como Fome Zero ePrimeiro Emprego, não deslancharam.

Este artigo tem dois objetivos: por um lado, mostra que a política econômicado Governo Lula da Silva não somente implementou medidas diferentes esinalizadas na campanha eleitoral de 2002, bem como se tornou muito maisortodoxa em relação à época do Governo Fernando Henrique Cardoso; por outro,apresenta uma política econômica alternativa que visa assegurar o crescimentoeconômico de forma sustentável, sem comprometer, contudo, a estabilizaçãode preços. Para tanto, o artigo está dividido em duas seções, além destaintrodução: a breve seção que segue analisa a lógica e os resultados da políticaeconômica ao longo do biênio 2003-04; na outra, são apresentadas medidasalternativas de política econômica que visam ao crescimento econômico delongo prazo e ao desenvolvimento social.

A política econômica de Lula da Silvae os seus resultados

As políticas econômicas adotadas nos dois primeiros anos da Presidênciade Lula da Silva concentraram-se (a) na delegação ao Banco Central (Bacen) daoperacionalização da política monetária de maneira explicitamente recessiva,conforme sua expectativa de inflação, e (b) no aumento (voluntário) da meta desuperávit primário acordado com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Como é do conhecimento de todos, uma taxa de juros crescente pune asfirmas — que precisam de crédito para operar — e os trabalhadores — queperdem seus empregos quando as firmas passam por dificuldades —, mascompensa generosamente os rentiers. No Brasil de Lula da Silva, não é diferente:

1 Taxa calculada tendo como referência uma estimativa preliminar de crescimento do ProdutoInterno Bruto (PIB) da ordem de 5,0% para o ano de 2004.

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o setor bancário tem auferido lucros apenas marginalmente inferiores àquelesaos quais se acostumava sob o Governo Fernando Henrique Cardoso, aindaassim notáveis para uma economia com um crescimento médio pífio, no biênio2003-04, de 2,7% ao ano. Por outro lado, altas taxas de juros fazem crescer asdespesas governamentais, aprofundando qualquer desequilíbrio fiscal que existade partida.

A política fiscal, porém, é menos obviamente recessiva. Dominada peloobjetivo de alcançar um superávit de 4,25% do PIB brasileiro2, a fim de garantiro serviço da dívida pública em mãos do mercado, a política fiscal de Lula daSilva não persegue, realmente, a austeridade fiscal. De fato, em todos essesanos em que o Governo Federal vem fixando metas para superávits primários,déficits orçamentários têm sido significativos. A expressão “superávits primários”é, na verdade, um truque de retórica que procura ocultar políticas fiscaisregressivamente distributivas sob o manto de uma pretensa austeridade fiscal.Quando a política é definida pela geração desses superávits, os gastos públicosnão são reduzidos para que o Governo Federal poupe; ao contrário, eles sãodistribuídos em favor do pagamento de juros sobre a dívida pública. Em outraspalavras, o Governo Federal não está realmente poupando, mas apenasdesviando recursos de investimentos públicos para o pagamento da conta dejuros. Especificamente no Governo Lula da Silva, em 2003, o custo de rolagemda dívida pública foi da ordem de R$ 148,8 bilhões, ao passo que, em 2004, oreferido valor, acumulado até o mês de novembro, foi da ordem de R$ 132,2bilhões.

As conseqüências dessas políticas fiscais e monetárias ortodoxaspermitiram ao Governo Lula da Silva obter o apoio do FMI e de investidoresfinanceiros domésticos e internacionais. Ao longo dos últimos dois anos, houveuma significativa melhora do prêmio de risco cobrado sobre bônus brasileirosem mercados secundários internacionais — atualmente, ao redor de 410 pontos,quando, no início do Governo Lula da Silva, o referido risco se encontrava próximoa 2.400 pontos — e um aumento no valor de mercado dos C-Bonds brasileiros.A taxa de inflação manteve-se sob controle — 9,3% em 2003 (apesar de ter sido1,3% acima da meta proposta pelo Bacen) e 7,6% em 2004 (0,4% abaixo dolimite superior da meta estabelecida pelo Bacen) —, e o superávit comercialacumulou, nos últimos dois anos, um resultado de US$ 58,5 bilhões, revertendo,pelo menos no curto prazo, os desequilíbrios de transações correntes do País,

2 Na prática, os superávits fiscais, em 2003 e 2004, ficaram acima da meta preestabelecida:em 2003, ele foi da ordem de 4,3% do PIB e, em 2004, atingiu 4,6% do PIB.

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a despeito da política de negligência cambial do Banco Central,3 que alega nãoser o câmbio seu problema, como se não houvesse efeito transmissor da políticamonetária sobre a taxa de câmbio. Por outro lado, as políticas adotadasresultaram, conforme observado na seção introdutória deste artigo, em um pífiocrescimento médio do PIB4 e no aumento da taxa de desemprego, bem como nadeterioração do perfil de distribuição de renda — em 2003, o rendimento médiodos trabalhadores caiu cerca de 15,0%, e, em 2004, a queda foi de 0,75%.

Em suma, a política econômica, nos dois primeiros anos do Governo Lulada Silva, infelizmente parece sinalizar que o “medo venceu a esperança”.

Em busca do crescimento econômico delongo prazo e do desenvolvimento social

Uma vez que o Governo Lula da Silva e seus aliados parecem acreditarque não há realmente nenhuma outra política econômica factível, a não seraquelas que vão ao encontro da ortodoxia econômica5, surge a seguinte pergunta:será que a atual política econômica alicerçada no tripé metas de inflação, superávitfiscal expressivo e flexibilidade cambial resolveu, once and for all, os problemasde vulnerabilidade e fragilidades externa e fiscal, condições imprescindíveispara assegurar um processo de crescimento econômico sustentável com inclusãosocial? Em outras palavras, estará a economia brasileira experimentando, apartir dos resultados macroeconômicos auspiciosos de 2004, um círculo virtuosode crescimento e desenvolvimento econômicos?

3 Entre dezembro de 2002 e dezembro de 2004, a taxa média de câmbio apreciou-se cercade 25,1%.

4 É importante lembrar que o crescimento do PIB no ano passado, próximo a 5,0%, ocorreu àrevelia das “criativas” políticas econômicas do Governo Lula da Silva. De fato, o referidocrescimento pode ser explicado, por um lado, pelo crescimento da economia mundial,impulsionando, assim, o setor externo brasileiro (o volume total das exportações cresceucerca de 56,5% entre os anos de 2002 e 2004), e, essencialmente, pelo longo período decrise da economia brasileira (nos anos de 2001, 2002 e 2003, o PIB cresceu tão-somente1,4%, 1,5% e 0,5% respectivamente).

5 Diga-se de passagem, restrições monetárias e fiscais convergem para os ideais doConsenso de Washington, quais sejam, desregulamentação dos mercados, privatização(ou parcerias público-privada na versão do Governo Lula da Silva), liberalizações comerciale financeira e independência do Bacen (proposição reiteradamente defendida tanto porHenrique Meirelles quanto por Antonio Palocci).

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Em nosso ponto de vista, a despeito da melhora substancial dos indicado-res externos e fiscais em 2003 e, principalmente, em 2004, a economia brasilei-ra está longe de superar seus problemas de vulnerabilidade e fragilidade externae fiscal. Por outro lado, entendemos que é muito pouco provável mudar a realida-de econômico-social do País sem alterar a política econômica. Nesse sentido,se o Governo Lula da Silva quisesse realmente promover o pleno emprego,criando condições adequadas para a retomada de investimentos públicos e pri-vados, e a inclusão social, a política econômica deveria contemplar um sistemade metas de inflação mais flexível e realista, políticas fiscais e monetáriasexpansionistas e controle de capitais com câmbio relativamente administrado, àla crawling peg. Em essência, as condições favoráveis para ambos os objetivossão despertar o animal spirits, como dizia Keynes, dos empresários, sinalizan-do-lhes políticas de suporte de demanda agregada, ao invés de contrário.6 Issosignifica que não apenas políticas monetárias deveriam considerar explicita-mente o objetivo de manutenção da estabilidade do emprego, juntamente com aestabilidade dos preços7, mas também que tanto a política fiscal deveria serreorientada para privilegiar a expansão do investimento público, ao invés doserviço da dívida,8 ou mesmo de despesas correntes, quanto a taxa de câmbiodeveria ser menos volátil, não introduzindo, assim, incertezas e insegurançasna decisão de investimento.

Mais especificamente, a proposição de política econômica visandoconcomitantemente ao crescimento sustentável e à estabilização dos preçoscom inclusão social deveria ser centrada nas seguintes medidas:

6 Nesse particular, existe um consenso entre os economistas, pelo menos os não ufanistas,de que, para que a dinâmica do crescimento da economia brasileira em 2004 seja perene, éimprescindível a ampliação, em bases sólidas, do patamar do investimento dos atuais20,0% do PIB para algo em torno de 25,0%.

7 É importante explicitar que taxas reais de juros elevadas — a Selic, em termos reais, foi daordem de 12,5% em 2003 e de 8,3% em 2004 — são desestimulantes para a ampliação doinvestimento.

8 Em nosso ponto de vista, a política fiscal não deveria sacrificar todos os outros objetivossimplesmente para garantir o serviço da dívida pública. Há outros meios de se reduzir opeso da dívida, variando de instrumentos mais amigáveis ao mercado, como o uso deopções para reduzir taxas correntes de juros, até iniciativas mais agressivas de mudançado perfil da dívida, envolvendo a substituição, ao invés da rolagem, dos atuais títulos poroutros com cláusulas diferentes — por exemplo, notas indexadas à taxa de crescimento doPIB teriam a vantagem de alinhar os interesses de aplicadores financeiros aos interesses dasociedade como um todo; é necessário deixar claro que uma mudança desse tipo nãoimplica violação de contratos, já que ela pode ser feita quando do resgate dos títulos atual-mente em poder do mercado.

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- implementação de políticas tributária e financeira que estimulem as ex-portações — por exemplo, desoneração, via reforma tributária, dasexportações e abertura de linhas de crédito;

- administração da taxa de câmbio, conforme o mecanismo operacional deum sistema crawling peg, de tal forma que não somente as açõesespeculativas possam ser coibidas, mas a taxa real de câmbio man-tenha-se relativamente estável ao longo do tempo. Para tanto, controle decapitais é um importante instrumento para reduzir a instabilidade da taxade câmbio;

- revisão da política comercial, tendo como referência os acordos da Orga-nização Mundial do Comércio, que possibilitam tratamento especial paraos países em desenvolvimento9, no sentido de se adotarem tarifasseletivas que privilegiem as importações de bens de capital e penalizemas importações de bens de consumo;

- articulação, por parte do Governo e do setor privado, de uma política in-dustrial, de maneira que a inserção da economia brasileira no cenáriointernacional ocorra de forma a absorver as revoluções tecnológica eestrutural em curso — imprescindíveis para tornar os produtos brasileirosmais competitivos no mercado mundial — e a atrair a participação decapital externo em investimentos produtivos, gerando, assim, valoragregado que vise à exportação — isto é, tradables;

- operacionalização de políticas específicas para os diferentes grupos deprodutos que fazem parte da pauta das exportações brasileiras, tantotradicionais quanto manufaturados, e exploração de novos mercados;

- priorização do fortalecimento das relações comerciais e financeiras comseus parceiros do Mercosul, visando, assim, aumentar o poder de barganhado Brasil e dos demais países do Mercosul no processo de integração doAcordo de Livre Comércio das Américas (ALCA).

No que diz respeito ao primeiro ponto, uma vez que ocorreu uma modificaçãosubstancial na dinâmica da economia brasileira, nos anos 90, decorrente daabertura comercial da integração regional com o Mercosul e da estabilizaçãoeconômica pós-Plano Real, a reestruturação do sistema tributário torna-senecessária para que o setor produtivo do País possa ser competitivo no mercadoglobal. Em outras palavras, para que as exportações sejam competitivas nomercado internacional, é necessária uma reforma tributária que, ao racionalizara tributação sobre bens e serviços, elimine e desonere os tributos, principalmenteos cumulativos, incidentes sobre os produtos exportados. Por outro lado,

9 Ver, para tanto, World Trade Organization (2003).

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aberturas de linhas de crédito para as exportações são imprescindíveis paradinamizar o setor exportador, uma vez que, em um contexto de escassez deliquidez internacional, é pouco provável que as linhas de crédito internacionalcontinuem abertas para os exportadores brasileiros. Nesse sentido,indubitavelmente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES) tem um papel importante. Paralelamente, a flexibilização da políticamonetária é fundamental para expandir os créditos e reduzir as taxas de juros.

A adoção de uma taxa de câmbio em conformidade com o sistema decrawling peg tem como objetivo fazer com que as incertezas empresariais emrelação à volatilidade dos contratos futuros de câmbio sejam dirimidas e, porconseguinte, a demanda efetiva, tanto interna quanto externa, seja expandida.A idéia consiste em estabelecer uma margem de flutuação ex ante da taxa decâmbio, de maneira que a autoridade monetária possa intervir no mercado sempreque a taxa de câmbio se aproximar dos valores extremos, superior e inferior, damargem de flutuação previamente estabelecida. Em suma, a determinação préviada flutuação da taxa de câmbio tem como finalidade influir nas expectativas dosagentes econômicos. Ademais, é necessário ressaltar que, com o intuito deevitar os erros passados do sistema cambial crawling peg, quando o referidosistema foi introduzido em um contexto de câmbio real sobrevalorizado, a sugestãode se implementar um regime cambial de crawling peg somente faz sentido emum contexto de taxa real de câmbio subvalorizada.

Concomitantemente à operacionalização de um regime cambial de crawlingpeg, é necessário implementar mecanismos de controle de capitais, de maneirapreventiva, da conta capital e financeira, utilizando, para tanto, um sistemamoderno e eficiente de regulação de fluxos de capitais (Paula, 2003; Carvalho;Sicsú, 2004). Via de regra, os controles de capitais podem ocorrer de trêsmaneiras: (a) controles administrativos, ou seja, restrição quantitativa de fluxosde capitais, conforme suas origens, maturidades e destinações; (b) depósitoscompulsórios incidentes sobre os fluxos de capitais ingressantes; e (c) regulaçãofinanceira, isto é, imposição de limites sobre posições cambiais de residentes.A adoção de controles de capitais para economias emergentes tem dois objetivos:por um lado, restringir os fluxos de capitais implica reduzir a demanda por ativosem moeda conversível internacionalmente, e, portanto, o potencial para aespeculação contra a taxa de câmbio é significativamente reduzido; por outro,ao se evitar a excessiva flutuação da taxa de câmbio, obtém-se maior autonomiade política monetária. Em síntese, controles de capitais devem serimplementados para viabilizar políticas econômicas autônomas — fiscal eprincipalmente monetária — e a estabilidade do mercado cambial.

Como é do conhecimento de todos, taxa de câmbio é condição necessária,mas não suficiente, para gerar expressivos superávits comerciais. Nesse sentido,

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é preciso uma política comercial que estimule as exportações e substitua asimportações. Para tanto, são imprescindíveis uma política industrial para dinamizaro volume de comércio exterior, através sobretudo do aumento da competitividadeda estrutura produtiva (Kupfer, 2004), bem como uma política que vise à atraçãode investimento direto estrangeiro, capaz de alterar as elasticidades-renda dasexportações e das importações. Desse modo, política comercial ativa, no sentidode se terem tarifas e instrumentos não tarifários, tais como políticas de créditoe financiamento, é fundamental para que a política industrial reestruture asexportações e substitua as importações. Ademais, políticas comerciaisestratégicas e mecanismos eficientes de regulamentação e de estímulos parasetores industriais dinâmicos que operem à escala internacional, sob condiçõesde retornos crescentes que gerem externalidade tecnológica, são essenciaispara expandir as exportações.

As ações da política comercial, em consonância com a política industrial,devem estar centradas na promoção das exportações e na substituição deimportações como processos concomitantes. A promoção das exportações deveocorrer no caso de produtos com competitividade já revelada, e a substituiçãodas importações, em setores com capacidade produtiva insuficiente. Por outrolado, a identificação de núcleos de grande vigor e dinamismo, voltados para odesenvolvimento de vantagens competitivas diferenciadas, deve ser parte daestratégia da política industrial (Baumann, 2002).

Em resumo, o objetivo das políticas comercial e industrial deve ser aampliação do volume de comércio exterior, e, para tanto, os elementos centraissão: (a) promoção das exportações; (b) esforços para aumentar o número deempresas que exportam (pequenas e médias, além das grandes); (c) redu-ção das restrições tarifárias e não tarifárias existentes aos produtos brasilei-ros; (d) diversificação das exportações e dos mercados de destino destas;(e) investimento em infra-estrutura e aperfeiçoamento do arcabouço institucionale logístico; e (f) pesquisa e tecnologia.

A busca de novos mercados para as exportações brasileiras é defundamental importância para que o País não fique suscetível à assimetria dechoques exógenos. Em outras palavras, uma maior inserção do País no comérciointernacional protege as exportações brasileiras contra as oscilações de conjunturainternacional. Assim sendo, além da opção preferencial pelo Mercosul, a buscade novos mercados da América Latina e a exploração dos mercados da Ásia eda África são condições para que o destino das exportações brasileiras nãocontinue predominantemente concentrado em poucos parceiros comerciais. Nessesentido, visando reverter tal quadro de dependência de mercados externos, devemser desenvolvidas políticas específicas para os diferentes grupos que compõem

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A ortodoxia econômica do Governo Lula da Silva e a busca da esperança perdida...

nossa pauta de exportações, de maneira que os exportadores brasileiros te-nham condições de explorar oportunidades dentro das regras da World TradeOrganization.

Por fim, centrando a atenção na integração com o Mercosul, reativar ereestruturar esse processo de integração regional é fundamental para que aparticipação e a inserção do Mercosul no comércio internacional não somenteaumente, mas se manifeste em condições de soberania. Indo nessa direção,Ferrari Filho (2001-2002) propõe, à luz da teoria pós-keynesiana, a criação deum conselho supra-regional do Mercosul com poderes para (a) regular as reservasinternacionais e criar uma “blindagem financeira”; (b) manter relativamente estávela taxa de câmbio; e (c) dirimir os desequilíbrios fiscais e externos dos paísesintegrantes do Mercosul.

Concluindo, ao contrário do que pensam as autoridades monetárias e oPresidente Lula da Silva, a estabilidade macroeconômica não se restringesomente ao controle inflacionário, mas, sim, à combinação de pleno emprego epreços estáveis. Desse modo, em busca da esperança perdida, entendemosque as proposições acima arrefecem os graus de vulnerabilidade externa efragilidade fiscal e asseguram a estabilidade macroeconômica que nós devemosalmejar, qual seja, crescimento econômico de longo prazo e desenvolvimentosocial.

Referências

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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento

Dois anos de Governo Lula: da criseàs amarras do crescimento

Flávio Benevett Fligenspan Professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFRGS e Doutorando do PPGE-UFRGS

ResumoEste texto aborda as opções políticas e de política econômica do Governo Luladurante seus dois primeiros anos de mandato. O momento inicial foi de fortecrise de confiança, principalmente dos financiadores externos, o que levou oGoverno a adotar políticas de arrocho. A partir de meados de 2003, o ambientecomeçou a melhorar muito, para o que os excelentes resultados da balançacomercial foram fundamentais. Mesmo assim, o Governo optou por manter umapolítica conservadora, que impõe altas taxas de juros, para controlar uma infla-ção ainda parcialmente resultante de indexação, e significativo superávit primá-rio. A conseqüência é uma situação em que o crescimento fica travado, e oPaís, sujeito ao ciclo favorável da economia internacional, sobre o qual não setem controle nem garantia de que vá continuar nos sendo favorável.

Palavras-chaveCrescimento; inflação; indicadores externos.

AbstractThis article discusses the first two years of President Lula’s Government inBrazil. In the beginning the Government faced a credit crisis, mainly fromexternal sources, which led it to adopt a strict economic policy. From thesecond half of 2003 on, the environment became more stable, due in part tothe positive results of the Trade Balance. Yet, the economic policy remainedconservative, imposing high interest rates in order to control inflation. Also,the economic policy maintained a high primary surplus. Consequently,

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economic growth is being restricted and the Brazilian economy continues todepend upon the favorable cycle of international growth and stability.

Artigo recebido em 07 abr. 2005.

1 - O ambiente em 2001-02

O Governo Lula assumiu o País, em janeiro de 2003, em um ambienteeconômico desfavorável tanto externa quanto internamente. Do ponto de vis-ta externo, deve-se lembrar que 2001 foi o ano da quebra do ritmo forte decrescimento vivenciado pela economia norte-americana desde o início dadécada de 90. Essa quebra, que já era esperada por todos os analistas daeconomia internacional, felizmente se materializou sob a forma de soft landing1,mas, mesmo assim, trouxe conseqüências em termos de desaceleração docomércio internacional, repercutindo nas economias emergentes, como a bra-sileira.

Se, desde o primeiro semestre de 2001, já estava em andamento adesaceleração norte-americana, o ambiente piorou definitivamente a partirdo episódio dos ataques terroristas às Torres Gêmeas e ao Pentágono, emsetembro daquele ano. A justa comoção e a conseqüente insegurança gera-das pelos atentados vieram somar-se ao ambiente de desaceleração,potencializando seus efeitos e espalhando-os pelo mundo, que, a partir daí,teve a certeza de estar vivendo uma nova era.

Como se não bastasse, também nos EUA, a virada do ano de 2001 parao de 2002 foi marcada pelos episódios de crise da chamada governançacorporativa, quando ficaram claras as manipulações de balanços e de outrosdocumentos de grandes corporações norte-americanas com o objetivo demajorar o valor de suas ações nas bolsas. O aparecimento dessas fraudesde grandes proporções, efetuadas por executivos de alto escalão com a coni-

1 Pelo menos desde 2000, já se discutia abertamente sobre a inevitável desaceleração da econo-mia norte-americana. A questão era saber quando ela ocorreria e de que forma, se de umamaneira administrada e suave (soft landing) ou com perda de controle (hard landing), geran-do efeitos negativos mais importantes para os EUA e para o comércio internacional.

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vência de empresas consagradas de auditoria, incrementou o clima de descon-fiança que já se vivia. Tanto mais porque isso abalou a rentabilidade de váriasaplicações financeiras, estabelecendo perdas em cadeia.

Se o ambiente internacional estava claramente ruim, o regional tambémnão ajudou, pois um dos parceiros do Mercosul, a Argentina, aprofundou suacrise econômica ao longo de 2001, chegando à ruína do sistema de paridadecambial instituído em 1991. Isso desencadeou uma enorme crise política,com a queda do Presidente da República e a decretação do estado de sítio nofinal do ano. A mudança abrupta da taxa de câmbio gerou uma grande criseno sistema financeiro, com a suspensão das operações e a rediscussão dosseus valores. Seguiu-se a inevitável moratória da dívida externa. Estava des-feito o sonho da paridade com o dólar, desencadeando-se uma crise recessivae uma quebra no comércio internacional argentino com todas suas repercus-sões no Brasil.

É nesse ambiente internacional que a candidatura Lula, na sua quartatentativa de chegar à Presidência, começou a ganhar força em meados de2002.2 À medida que Lula avançava nas pesquisas eleitorais, dessa vez semopositores à altura, ressurgiam os tradicionais temores internos e externossobre a possibilidade de o Brasil ter um governo “considerado” de esquerda.Relembraram-se imediatamente as posturas históricas do Partido dos Traba-lhadores e de Lula em relação à necessidade de auditoria das dívidas internae externa, à ganância do sistema financeiro brasileiro, à revisão dasprivatizações e outras questões que assustavam os agentes financeiros na-cionais e estrangeiros.

Todos os aspectos listados dos planos externo e interno parecem maisdo que suficientes para construir um quadro de desconfiança com o quepoderia ocorrer num eventual e cada vez mais provável Governo Lula. Nãoseria estranho projetar uma situação de fuga cambial, escassez de divisas,dificuldade de fechar as contas externas em 2003, medo de calote na dívidainterna, etc. Enfim, fosse por temor verdadeiro, fosse para alimentar um am-biente de especulação, o clima de desconfiança cresceu rapidamente juntocom o percentual de Lula nas pesquisas eleitorais. Isso se traduziu rapida-mente em ausência de financiamento internacional, elevação da taxa de câmbioe do indicador de Risco-País no sistema financeiro internacional. Apenaspara se ter uma idéia, em setembro de 2002, portanto às vésperas do primei-

2 Lembre-se que, do ponto de vista da atividade econômica, nesse momento, apenas estáva-mos começando a sair da crise energética que havia iniciado em maio de 2001; portanto,operávamos com um nível de atividade baixo.

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ro turno da eleição — havendo a possibilidade de Lula vencer já nessaetapa —, o dólar chegou a valer praticamente R$ 4,00 e o Risco-País chegouaos 2.400 pontos, grandezas que expressam, por si, a crise de desconfiança.Não bastou Lula ter declarado formalmente, através da famosa Carta aoPovo Brasileiro, seus compromissos com a estabilidade econômica, com ocontrole da inflação e com o cumprimento dos contratos, o que incluía os dasprivatizações. O “mercado” preferia enxergar o “velho Lula”. E isso a despeitoda própria composição da chapa, com o empresário-Senador José Alencarocupando a Vice-Presidência e carreando o apoio de uma série de partidos ede políticos claramente identificados como conservadores.

2 - O período pós-eleitoral e a composição da equipe de governo

Passado o episódio eleitoral, com a vitória no segundo turno, Lula e suaequipe trataram de seguir a caminhada da conquista de confiança que haviase iniciado com os discursos e os documentos ainda do período de campa-nha. Um dos primeiros passos foi o da formação da equipe de governo. Jánesse ponto, ficou muito clara a tentativa de mostrar para o sistema financei-ro — nacional e, principalmente, para o internacional — que rosto teria aequipe econômica e, portanto, o que ela certamente não iria fazer.

Foi absolutamente surpreendente a escolha de Henrique Meirelles paraa Presidência do Banco Central, por tudo que ele representava na esferafinanceira. Meirelles fez carreira no sistema financeiro brasileiro e depoischegou a ser presidente mundial do Banco de Boston. Mais que isso, tendoencerrado sua trajetória no sistema financeiro, acabara de começar uma car-reira política, elegendo-se, já numa primeira tentativa, deputado federal peloEstado de Goiás. Ainda mais surpreendente, Meirelles elegeu-se pelo PSDB,partido de FHC e do recém-derrotado José Serra, opositor de Lula no segun-do turno. E como uma demonstração de que a escolha de Meirelles não eraapenas uma mentira montada para acalmar o sistema financeiro e que logo aseguir poderia ser substituído por um petista histórico, ele teve que cumprir alegislação e abrir mão de seu mandato na Câmara Federal para assumir oBanco Central. Tratava-se, portanto, de uma escolha que tinha caráter defini-tivo; um caráter de compromisso. E ainda, para selar a opção, ficou implícitauma promessa de Lula de encaminhar para o Legislativo o regramento sobre

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a autonomia do Banco Central, ainda que, até hoje, não se tenha certeza sobrea amplitude de tal autonomia.3

Outros membros da nova equipe que ocuparam postos-chave tambémpassavam a mesma idéia de Meirelles, ou seja, de técnicos de perfil conser-vador, que nunca tomariam atitudes consideradas agressivas aos interessesdo sistema financeiro. Dois nomes que ilustram essa postura são os de Mar-cos Lisboa, na Secretaria do Ministério da Fazenda, e Joaquim Levy, no Te-souro Nacional. Para completar o quadro, o petista Palocci assumiria o Minis-tério da Fazenda, ele que foi assessor direto de Lula na campanha eleitoral eera considerado publicamente como da ala light do Partido.

Além da composição da equipe econômica, também as alianças políti-co-partidárias para a escolha de ministros e para a obtenção de maioria noCongresso mostravam um governo que se preparava para um mandato nãoidentificado com o discurso e as bandeiras históricas do PT e que se dispu-nha a negociar constantemente com forças de centro-direita, com tudo queisso significa na tradição da política brasileira. Na visão dos principaisformuladores políticos do Governo, a imensa esperança popular no que viriaa ser um governo do PT e a confiança na pessoa do Presidente Lula dariamsustentação para atropelar qualquer desconfiança em relação à equipeeconômica e às alianças. Não foi esse o entendimento de alguns membros doPT e de aliados à esquerda do espectro político, que logo manifestaram seudescontentamento e fizeram suas primeiras manifestações, já identificandoindícios de um sentimento de traição e desencanto. Mas, certamente, naque-le momento, essas eram vozes representativas de uma minoria.

3 - O início do Governo Lula

Cumprindo o que os anúncios do período pós-eleitoral tinham afirmadoem busca da confiança, principalmente do sistema financeiro internacional,as primeiras medidas do Governo, a partir de janeiro de 2003, foram no sen-tido de preservar a política econômica do segundo mandato de FHC na suaessência. Talvez, até mais do que isso. Por suposta necessidade de se mos-

3 O tema, ainda em discussão, continua sendo politicamente muito delicado e tecnicamenteindefinido. O que exatamente significa autonomia? Ainda que seja apenas autonomiaoperacional — portanto, para cumprir metas estabelecidas por outros órgãos e não para defini--las —, quais os graus de liberdade dessa autonomia?

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trar diferente do que alguns esperavam ou por convicção de membros da equi-pe, algumas medidas aprofundaram as de FHC. E isso apareceu até mesmo navoz de alguns membros importantes do Governo.

Assim, por exemplo, a opção pela ampliação do superávit fiscal primáriocomo percentual do PIB foi um sinal eloqüente de o quanto o Governo queriase mostrar confiável e responsável no trato da administração pública emgeral e das contas públicas em particular. O Ministro Palocci anunciou que oBrasil faria o superávit “necessário”. Necessário para quê, caberia a pergun-ta. Sem referir o que ele esperava do superávit primário e a que interessesatendia, a expressão “necessário” é absolutamente vaga, podendo, até mes-mo, significar um superávit baixo. Certamente, não era isso que o Ministroqueria dizer. Qualquer possível dúvida se dissipou, quando se soube que oGoverno prometia chegar a um superávit de 4,25% do PIB, mais do que opróprio FMI exigiu no acordo com FHC, ainda em 2002. Lembre-se que ameta original do acordo com o FMI era de 3,75% para 2002 e que, diante dacrise de confiança do segundo semestre do ano, ela foi revista para 3,88%,como um sinal de seriedade do Governo. A direção do FMI e o sistema finan-ceiro internacional devem ter se surpreendido com o anúncio brasileiro. Afi-nal, estávamos prometendo fazer mais do que o nosso tradicional algoz, emtermos de política econômica, havia exigido.

Outro aspecto da política econômica que merece ser comentado é o dataxa de juros. A elevação da taxa de câmbio no segundo semestre de 2002rapidamente apareceu sob a forma de elevação dos preços domésticos, porinfluência das importações mais caras e das expectativas de inflação cadavez mais elevadas já para 2003. Tendo perdido a eleição presidencial e, por-tanto, não tendo mais o que arriscar do ponto de vista eleitoral, a equipe deFHC preferiu manter a coerência da sua política econômica e elevou os jurosno final de 2002. Mantendo a linha da conquista de confiança, o Governo Lulaseguiu a política e, assumindo o risco da impopularidade, elevou ainda maisa taxa de juros nos primeiros meses de 2003. É claro que, para Lula, erapossível atribuir a FHC a desorganização da economia no seu final de man-dato e dividir a responsabilidade do novo aumento dos juros com o Governoque recém havia terminado. Nesse momento, começou a aparecer no debatepolítico a expressão “herança maldita”, ou seja, os aspectos negativos doGoverno FHC que foram passados a Lula e que exigiam medidas amargas eimpopulares.4

4 Deve-se considerar essa herança como natural em qualquer troca de governo. A questão é saberaté que ponto ela é exagerada nos seus efeitos e quanto tempo ela permanece como justifica-tiva para as ações do novo Governo.

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O item mais importante e que organiza tudo o mais em termos da políticaeconômica é o sistema de metas de inflação. Também — e especial-mente — nesse ponto, o Governo Lula conservou a política de FHC, assu-mindo o sistema e suas características, tal como foram implantadas no Bra-sil, para o bem e para o mal. Assim, por exemplo, continuou-se a usar metascentrais com intervalos ou bandas superiores e inferiores e o IPCA cheio —e não seu núcleo — como índice de referência para as metas. O fato é que,se toma como referência o sistema de metas, a política econômica gira emtorno dele e das oscilações que ele impõe à taxa de juros, passando ela aassumir o papel de variável central e determinante das demais.

O Governo Lula entendeu — corretamente — que, a partir do PlanoReal, a população brasileira absorveu como necessidade básica para a orga-nização do País o controle da inflação. Mais do que isso, compreendeu que asociedade tomou o controle dos preços como uma conquista sua, indepen-dentemente das forças políticas que governavam o País. FHC soube capitali-zar para si as glórias do Real nas suas duas eleições, em 1994 e 1998, masisso apenas não mais bastou, e Serra não se elegeu em 2002. O GovernoLula entendeu, portanto, que não poderia correr o risco de pôr a perder essaconquista. Do contrário, teria o sucesso de seu governo sacrificado logo noprimeiro ano. Por isso, num clima de incerteza internacional e sob a descon-fiança de seus financiadores, não arriscou na condução da política econômica.Priorizou o combate a uma inflação em alta que ameaçava seu projeto políti-co, por mais que isso exigisse medidas impopulares e que poderiam serconsideradas extravagantes para o histórico do PT. Preferiu queimar um pou-co do enorme capital político que havia conquistado ao longo de 20 anos eque se materializara na eleição de 2002.

Penso que, no geral, não havia melhor alternativa para o momento deli-cado do início de 2003. Por outro lado, ficará para sempre uma pergunta semresposta exata: com os compromissos — exagerados — assumidos nessemomento inicial e com os constrangimentos que eles geraram, haveria comoreorientar a política econômica logo à frente, quando já se tivesse cumprido oobjetivo de conquistar a confiança e diminuir a tensão sobre o financiamentodas contas externas, sobre a taxa de câmbio e sobre a inflação? Ou, vistopor outro lado, haveria como reorientar a política econômica em meio aomandato sem alterar radicalmente a equipe? Se a resposta fosse não, umaalteração de equipe e de política preservaria a confiança, partindo-se doprincípio de que os indicadores externos melhoraram muito em dois anos?Ou ainda, será que cabe fazer tais perguntas, uma vez que, na verdade, oGoverno Lula nunca pensou em dirigir a economia diferentemente do que temfeito desde seu início?

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4 - A melhora dos indicadores externos

Ao que tudo indica, a situação difícil da passagem de 2002 para 2003 foificando cada vez mais distante, principalmente quando se examinam os indi-cadores das contas externas brasileiras. É verdade que essa melhora dosindicadores externos já vinha acontecendo durante o segundo mandato deFHC, não por acaso a partir da desvalorização cambial de 1999 e da conse-qüente recuperação da conta comercial. Porém também é verdade que ela seaprofundou nos dois primeiros anos de Lula. É certo que, a partir de 2003, ocenário internacional ajudou muito, com a recuperação do crescimento médiomundial e o conseqüente aumento do comércio. Isso aumentou quantidades eimpulsionou preços, principalmente de commodities agropecuárias e metáli-cas. A continuidade do exuberante crescimento chinês e a recuperação ar-gentina também ajudaram muito o Brasil.

O fato é que as exportações e o saldo comercial do Brasil no biênio2003-04 foram muito além de qualquer projeção, mesmo as mais otimistas. OMinistro Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, no iníciodo governo, portanto, numa situação de entusiasmo e necessitando mostrarotimismo, projetou uma expansão das exportações de 10% para 2003. Na-quele ano, as exportações cresceram 21%, gerando um superávit, anterior-mente impensável, de US$ 24,8 bilhões. Claro que a baixa atividade domésti-ca, com expansão do PIB de apenas 0,5%, influenciou as vendas externas esegurou as importações, que cresceram somente 2%. Feitas as contas aofinal do ano de 2003, chegou-se a um superávit em transações correntes(US$ 4,1 bilhões), o que não ocorria desde 1992. Com essa demonstração deajuste rápido e com essa capacidade de gerar dólares, não havia como sus-tentar o clima de desconfiança em relação ao Governo Lula.

O ano de 2004 reforçou a melhora das contas externas, com novo saltoalém das previsões para as exportações (32%) e novo superávit em transaçõescorrentes, dessa vez de US$ 11,7 bilhões, o que corresponde a 1,9% do PIB.A diferença em relação ao desempenho do ano anterior é que as importaçõescomeçaram a crescer com mais força (30%), como reflexo da expansão de5,2% do PIB.5

5 A questão relevante e que passou a ser insistentemente discutida entre 2003 e 2004 é sobre asustentabilidade dos resultados comerciais diante da expansão do PIB. A esse respeito, verFligenspan (2004). A situação ficaria mais delicada na hipótese de uma desaceleração do co-mércio mundial com queda das exportações brasileiras.

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Balança comercial brasileira — 1999-04

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1999 2000 2001 2002 2003 2004

Balança comercial Exportação Importação

(US$ bilhões)

Gráfico 1

Legenda:

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia e Finanças: indicadores de conjuntura. Brasília. Disponível em: http://www.bcb.gov.br Acesso em: 4 mar. 2005.

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1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

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1

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3

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5

Déficit em transações correntes (US$ bilhões)Déficit em transações correntes/PIB (%)

Legenda:

Gráfico 2

(%)

Déficit em transações correntes brasileiras — 1992-04

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BANCO CENTRA DO BRASIL. Economia e Finanças: indicadores de conjuntura.

Brasília. Disponível em: http://www.bcb.gov.br Acesso em: 4 mar. 2005.

(US$ bilhões)

Esses resultados externos geraram um avanço de indicadores tradicio-nais, vistos com muita apreensão pelo sistema financeiro internacional. Re-lações como serviço da dívida externa sobre exportações de bens e servi-ços e dívida externa líquida sobre exportações de bens e serviços declina-ram rapidamente nesse período de dois anos, mostrando a diminuição davulnerabilidade externa da economia brasileira.6 Também é verdade que, ape-sar do avanço, ainda estamos com indicadores piores que os da média daAmérica Latina e ainda mais distantes da média dos países em desenvolvi-mento. Mas a velocidade do ajuste merece ser destacada. Os Gráficos 3 e 4ilustram melhoras de alguns indicadores selecionados.

6 Sobre a melhora dos indicadores externos, ver a excelente análise de conjuntura de Prates(2004).

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia

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Indicadores das contas externas brasileiras — 1999-04

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1999 2000 2001 2002 2003 2004

Relação dívida externa/PIB Relação juros/exportações

Gráfico 3

(%)

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia e Finanças: indicadores de conjuntura. Brasí- lia. Disponível em: http://www.bcb.gov.br Acesso em: 4 mar. 2005.

Legenda:

0

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Gráfico 4

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lia. Disponível em: http://www.bcb.gov.br Acesso em: 4 mar. 2005.

Legenda:

Razão Indicadores da dívida externa brasileira — 1999-04

0

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4

5

6

7

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1999 2000 2001 2002 2003 2004

Relação dívida externa/exportações

Relação dívida externa/reservas

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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento

5 - A relação dívida líquida do setor público/PIB e a opção pelo superávit primário elevado

Outro indicador acompanhado com muito cuidado pelos financiadorese/ou especuladores internacionais é a relação dívida líquida do setor público//PIB, já que ela demonstra sinteticamente a capacidade do setor público dehonrar a dívida interna. Dado que há muito capital financeiro internacionalque vem ao Brasil aproveitar a remuneração elevada dos títulos públicos, énatural que os titulares desses recursos se preocupem com os indicadoresde solvência do Governo, isto é, com a possibilidade de não receberem seucapital no momento devido.

Por vários motivos, a dívida pública cresceu em 2003, mas a alta taxade juros média do ano foi o principal deles. Por outro lado, o PIB ficou pratica-mente estagnado no ano (0,5%), o que elevou a relação dívida líquida dosetor público/PIB para 57,2%. Deve-se lembrar que essa relação era de 30%em 1994 e que subiu continuamente durante o período do Plano Real porconta dos juros elevados, principalmente, e do baixo crescimento da econo-mia.7 Com a política econômica de arrocho que veio de FHC e que foi seguidae ampliada por Lula, era previsível uma evolução ruim para a relação dívida//PIB, pelo menos num primeiro momento de contenção do PIB. Seguindo oobjetivo de conquistar confiança e demonstrar austeridade, o Governo optou poruma elevação do superávit primário, até porque teria que arregimentar recursospara pagar, pelo menos, parte da conta de juros em alta. A parte da contade juros não coberta pelo superávit primário engordaria o estoque da dívida,colaborando para o incremento da relação dívida/PIB. Os números finaisde 2003 mostram que o superávit primário foi de R$ 66 bilhões e a conta dejuros foi de R$ 145 bilhões. Portanto, apesar de todo o esforço fiscal impostoà sociedade sob a forma de encolhimento dos gastos sociais e cominfra-estrutura, ainda restou um grande incremento no estoque da dívidapública.

Do ponto de vista de quem olha apenas para os indicadores, a situaçãomelhorou em 2004; certamente, não foi isso que ocorreu do ponto de vistasocial. O Governo resolveu impor um superávit primário ainda maior, da or-

7 Outros itens podem ser somados nessa conta, como os chamados "esqueletos", mas certa-mente tiveram um papel secundário na explicação da elevação da relação dívida/PIB.

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dem de 4,5%, novamente por vontade própria e além de qualquer expectativa doFMI.8 Acabou chegando ao final do ano com 4,6% de superávit, o que correspondea R$ 81 bilhões. A taxa de juros média do ano diminuiu, quando comparada coma de 2003, o que gerou uma conta de juros um pouco menor, de R$ 128 bilhões.A diferença entre essas duas variáveis é um déficit nominal de R$ 47 bilhões.Dado que o PIB cresceu 5,2% em 2004, a relação dívida líquida do setor públi-co/PIB diminuiu bastante no ano, chegando a 51,8%. Apesar de ainda muitoalta, é importante destacar que se tratou da primeira redução dessa relaçãodesde o início do Plano Real, além de se constituir numa redução significativa,quando comparada aos 57,2% de 2003.

Mais que isso, o discurso do Governo e a crença do próprio mercadofinanceiro, expressa em pesquisas regulares que projetam o percentual darelação para os próximos anos, são manter o caminho de queda, semprebaseado num superávit primário elevado, na expectativa de redução da taxade juros média e na elevação do PIB. Evidentemente, das três variáveisenvolvidas nessa projeção, a única que o Governo domina é o superávitprimário, pois, no sistema de metas, a taxa de juros está amarrada à taxa deinflação, que depende, dentre outras coisas, de preços internacionais, alémde apresentar ainda um componente de indexação elevado. Por seu lado, ocrescimento do PIB está ligado a muitas variáveis, dentre elas, a própriaexpansão do mercado internacional, que, em 2003 e 2004, foi favorável, masque pode sofrer reversão.

8 No início de outubro de 2004, em um seminário, em Washington, sobre economia brasileira, emque estiveram presentes o Secretário do Tesouro, Joaquim Levy, e o Presidente do BancoCentral, Henrique Meirelles, o Diretor-Adjunto do FMI responsável pelo acompanhamento doacordo com o Brasil, Charles Collyns, perguntado sobre a necessidade e/ou possibilidade demanter-se o superávit primário elevado de 4,5% em 2005, disse que: "Há muitas prioridades emgastos, como os investimentos públicos em infra-estrutura. Eles são necessários para que nãose forme um gargalo nas exportações (...) Existem também outros objetivos sociais do Gover-no" (FMI questiona..., 2004, p. B6). Tratou-se, portanto, de um caso insólito, em que o FMI,fugindo à sua tradição, construiu uma posição entre a cautela e a reprovação sobre uma propos-ta de mais arrocho fiscal. Curiosamente, um mês depois, em visita de rotina ao Brasil, pararevisar os números do acordo com o FMI, o mesmo Diretor Charles Collyns mudou sua posiçãoe declarou que: "O País está indo muito bem no gerenciamento das contas públicas e nosobjetivos fiscais (...) É muito bom que o País esteja conseguindo cumprir seus objetivos fiscaise excedê-los, para reduzir a dívida pública" (FMI elogia..., 2004, p. B1). Tudo indica que asdeclarações de outubro não foram bem recebidas pelos maiores dirigentes do FMI, nem pelosbrasileiros.

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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento

O que o Governo Lula fez em termos de administração das contas públi-cas foi nitidamente uma opção política de sacrificar os gastos sociais e eminfra-estrutura para obter elevados superávits primários e tentar reduzir, ao lon-go do tempo, a relação dívida/PIB. A pergunta que sempre se coloca nessescasos é se haveria alternativa melhor de política econômica, tanto quando vistade forma ampla como em relação ao tema específico da política fiscal? Osdefensores da política atual simplesmente evitam o debate, trabalhando com aidéia de que não só não há alternativa melhor, como sequer há alternativa. As

Dívida pública brasileira — 1994-04

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Dívida líquida consolidada do setor público (R$ bilhões)

Relação dívida pública/PIB (%)

Gráfico 5

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Econo- mia e Finanças: indicadores de conjun-

tura. Brasília. Disponível em: http://www.bcb.gov.br Acesso em: 4 mar. 2005.

Legenda:

(R$ bilhões) (%)

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10 Apenas para se ter uma idéia do impacto positivo de uma medida como essa, em 2004 ototal de investimentos programados no orçamento federal era de R$ 12 bilhões, o quesequer foi executado, por conta do arrocho fiscal.

boas práticas de política econômica aplicadas no mundo seriam as mesmasaplicadas no Brasil ou muito próximas delas, e esse entendimento já estariaconsagrado pelos melhores economistas e institutos de pesquisa. Quem pensadiferente estaria simplesmente defasado em termos técnicos, constituindo opi-niões não respeitáveis. Trata-se, portanto, nessa visão, de uma questão de tem-po e sacrifício para se obterem os bons resultados esperados. É claro queessa forma de ver as coisas sempre reserva duas justificativas para o caso dese obter insucesso. Ou a economia mundial não colaborou — mas também nadafoi feito para se proteger de um possível revés que venha de fora —, e/ou não seaplicou a dose devida do remédio internamente, isto é, faltou austeridade esacrifício da sociedade. Como sempre é possível lançar mão dessesdois argumentos9, os defensores de tal política pensam estar isentos dequalquer responsabilidade pelo eventual insucesso e eximidos de ter queexplicá-lo.

Como já dito anteriormente, penso que, no momento inicial, realmente nãohavia alternativa, dado o ambiente de forte desconfiança e especulação que sematerializara na redução do financiamento externo, na elevação da taxa de câmbioe nas projeções de inflação. Contudo, passado esse momento e tendo sidoreconquistada a confiança dos financiadores internos e externos, seria possívelousar pelo menos um pouco em termos de política econômica, favorecendo osinvestimentos e um crescimento mais sustentado, ao concorrer para evitar gar-galos de infra-estrutura, e atendendo um pouco mais às amplas necessidadesdas camadas sociais mais baixas.

Assim, no que se refere à política fiscal, uma possibilidade seria abrir mãode uma parte do superávit primário — meio ponto percentual porexemplo —, diminuindo o superávit para pouco mais de 4% do PIB. Isso teriagerado, em 2004, cerca de R$ 8 bilhões, que poderiam ser usados para investi-mentos em infra-estrutura e programas sociais.10 Os investimentos em energiae transportes, por exemplo, demonstrariam a firme intenção de crescer comsolidez no tempo. Veja-se que os gargalos nessas áreas já são flagrantes, inclu-

9 Veja-se o caso da Argentina, tão elogiada pelos economistas conservadores e por institui-ções internacionais, como o próprio FMI, durante o período da paridade cambial. Quandosobreveio a crise, qual a explicação? Faltou arrocho interno, e o mundo entrou em criseem 2001, conforme já se examinou no início deste texto.

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sive prejudicando a necessária ampliação das exportações.11 É claro que umaopção dessa ordem implicaria aumentar a relação dívida/PIB por dois (talveztrês) anos. Alguns economistas consideram isso um grave retrocesso, porqueabalaria a confiança do sistema financeiro, aumentaria o Risco-País e, em con-seqüência, a taxa de juros interna. Porém é possível ver de outra forma. É certoque os credores internos e externos teriam que ser convencidos, formal outacitamente, de que se trataria de um recuo temporário para dar fôlego a umcrescimento mais consistente logo a seguir. Se isso é possível, e parece que é,pois o capital estrangeiro continua apostando no País — basta ver a entrada decapital produtivo —, essa medida não causaria abalo de confiança, podendomesmo gerar o movimento contrário. Num segundo momento, a relação dívida//PIB cairia, por conta do crescimento mais acelerado. É claro que uma mudançade política dessa ordem e que mexe com interesses tão fortes poderia geraruma turbulência inicial, exigindo um novo balanceamento do financiamento ex-terno, com mais capital produtivo e menos especulativo. Por isso, ela não pode-ria ser aplicada num momento de instabilidade, como no início do Governo Lula,mas a melhora da confiança externa gerou espaço para uma opção como essa.

No entanto, dada a rigidez da política econômica, propostas desse tipo nãopassam de exercícios. O Governo não quer se afastar minimamente de suaopção e demonstra ter muito medo de crescer, dentre outros motivos, pelo te-mor de retomada da inflação. Toda responsabilidade pela necessária expansãoda infra-estrutura é repassada às Parcerias Público-Privadas (PPP), o que seconstitui como uma aposta no escuro. Os exemplos de outros países mostramque as PPP são, no máximo, complementares aos investimentos estatais, quecontinuam não só necessários como indicadores de caminhos a serem segui-dos pelo setor privado. Por outro lado, os resultados das PPP demoram a apare-cer, seja porque dependem de um regramento bem estabelecido — o que aindanão temos -—, seja porque os projetos são de longa maturação. Em contrapartida,na hipótese de aumentar os investimentos estatais, é possível argumentar queaté mesmo os projetos baseados em PPP poderiam beneficiar-se — seja porsinergias, seja pelo “estado de ânimo” — da atuação mais firme do Estado naárea de infra-estrutura.

11 A área dos transportes oferece exemplos fortes de gargalos tanto nas rodovias como nosportos. As longas filas de caminhões para embarcar soja nos portos, na época da safra,constituem situações vexatórias e de elevação de custos.

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6 - O sistema de metas e suas características no Brasil

O sistema de metas não é bom ou mal em si, constituindo-se como umadas formas possíveis de tentar controlar a inflação. Tem sido usado em vári-os países nos últimos anos, com as devidas variações. No caso brasileiro,sua adoção deu-se em meados de 1999, após a crise da desvalorizaçãocambial, quando definitivamente perdemos o parâmetro do dólar artificial-mente barato, que tantas distorções causou nos quatro anos e meio em quevigorou. A experiência desses já seis anos do sistema de metas no Brasilmostrou que é possível pôr em discussão pelo menos dois itens: a velocida-de da esperada redução da taxa de inflação ao longo dos anos e o índice aser usado como parâmetro, incluindo sua forma de medida.

O objetivo do sistema de metas de inflação é manter o controle sobre ataxa de elevação dos preços, fazendo uso da taxa de juros como reguladordo nível de atividade e, por conseguinte, dos preços. Está implícita a noçãode que a inflação é essencialmente de demanda, pois só assim terá sentidotentar controlá-la via alta de juros e redução do nível de atividade. É claro queuma inflação de custos também acabará respondendo, mais cedo ou maistarde, se for tratada por elevação de juros, mas certamente seus efeitosnegativos terão de ser muito mais fortes do que se o tratamento for outro, istoé, a relação custo/benefício será elevada. O que se esperava do sistema demetas desde sua implantação no Brasil, em 1999? Que substituísse a âncoracambial como referência de controle dos preços, evitasse uma taxa de infla-ção que prometia ser elevada naquele primeiro momento, em função da altada taxa de câmbio, e que reduzisse a inflação ao longo dos anos para níveispróximos aos de economias estáveis.

O índice escolhido como parâmetro foi o IPCA (IBGE) cheio, isto é, nãose adotou uma medida de núcleo do índice. Além do IPCA cheio, admite-seque a inflação pode variar, para mais ou para menos, de acordo com interva-los pré-fixados. A utilização de núcleos seria útil para expurgar itens que têm,por natureza, grandes variações de preços e para retirar variações exagera-das de alguns preços em determinados momentos, para cima ou para baixo.Isso suavizaria o índice adotado como parâmetro, causando menos pressãosobre o sistema. O motivo de não se adotar qualquer filtro (núcleo) e acabarpor se trabalhar com o índice cheio, assumindo sua rigidez, foi o temor deessa medida ser tomada como uma tentativa de manipulação. Dado que a

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tradição brasileira é de pouca seriedade no trato da economia12 e considerandoque o momento da adoção do sistema de metas era muito delicado, a opção foia de trabalhar com o índice cheio. Isso poderia ter sido corrigido com o passardo tempo, se houvesse confiança no sistema e se ele se mostrasse eficaz. Noentanto, nos anos que se seguiram, apenas em 1999 e 2000 as metas foramatingidas, ainda que usando o intervalo superior. Nos dois últimos anos de FHC,isso não ocorreu, o que pôs o sistema sob suspeita. Mexer na sua essência,nessas circunstâncias, tornou-se difícil.

O Governo Lula, ao assumir em 2003 com um clima de desconfiança, nãopoderia fazer alterações de fundo. O resultado de seu primeiro ano de mandatotambém foi ruim, com a inflação ficando acima do teto. Assim, além de nãopoder mexer no sistema, ainda ficou com a obrigação de conter a inflação em2004. Do contrário, o sistema perderia definitivamente a credibilidade. No seuprimeiro ano, ainda foi possível colocar a responsabilidade no Governo anterior,na chamada “herança maldita”, nos efeitos negativos da crise de confiança e naelevação da taxa de câmbio do período eleitoral, que repercutiram nos preços,em 2003. Mas 2004 parecia ser um ano decisivo para a credibilidade do Governoe do sistema. Não foi por outra razão que o Governo jogou todas suas fichas nocontrole da inflação, no segundo semestre do ano, elevando a taxa de juros e,até mesmo, permitindo a valorização do real, o que segurou os preços dosprodutos importados. O resultado foi um IPCA de 7,6%, inferior ao limite de 8%(5,5% era o centro da meta e os intervalos inferior e superior eram de 2,5 pontospercentuais). De qualquer forma, permanece o IPCA cheio como o parâmetro dosistema.

O outro tema relevante para discussão é a velocidade da queda da taxade inflação. O sistema brasileiro prevê que o Conselho Monetário Nacionalfixe as metas de inflação a serem perseguidas pelo Banco Central com doisanos de antecedência. O que se tem discutido é se o Conselho não estariaforçando uma redução muito rápida da taxa, o que impõe um sacrifício àsociedade sob a forma de redução da taxa de crescimento. Partindo-se, porexemplo, de um IPCA alto (12,5%) em 2002 como reflexo da crise do períodoeleitoral, não seria demais exigir 4% em 2003? O Banco Central acabouajustando a meta daquele ano para 8,5%, mas o IPCA chegou a 9,3%. A metapara 2004 era de 5,5%, e, para 2005, de 4,5%.13 Para 2006, o Conselho

12 Lembre-se do episódio de manipulação do índice oficial de preços (IGP) nos anos 70, empleno Governo Militar.

13 Veja-se que a meta original para 2005 era de 4,5%, mas o Banco Central resolveu, por suaconta, acomodar mais 0,6 ponto percentual para o ano, em função da indexação de preços,isto é, aumentos que passaram de 2004 para 2005 por força de contratos e, portanto, não sãopassíveis de controle. A nova meta é, então, de 5,1%.

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manteve os mesmos 4,5% de 2005, mas reduziu os intervalos para 2,0 pontospercentuais. Observe-se que a velocidade da queda da taxa de inflação não épequena.

Uma questão que representa uma especificidade do sistema brasileiro éa dos preços administrados, isto é, preços principalmente de serviços deinfra-estrutura, como eletricidade e comunicações, que são regidos por con-tratos desde a época das privatizações. Esses são serviços que têm pesonão desprezível no IPCA, mas que não respondem diretamente à elevaçãodos juros. Eles representam a parte mais ativa do sobrevivente processo deindexação — agora parcial — da economia brasileira. O fato é que essescontratos, em geral, prevêem reajustes pelo IGP (FGV), carregando a infla-ção do passado recente para o futuro imediato, quase independentemente doque ocorre com o nível de atividade. Assim, por exemplo, se uma desvalori-zação cambial acelerar os preços dos produtos importados e isso aparecerno IGP — via preços por atacado —, certamente os preços dos serviçosprivatizados absorverão esse aumento num período seguinte. Trata-se, por-tanto, de um elemento de inflação de custos não passível de controle pelaalta dos juros. Esse é um defeito importante do sistema brasileiro de metasde inflação e para o qual ainda não se encontrou solução. O máximo de ajusteque já foi feito corresponde à situação anteriormente descrita para 2005,quando o Banco Central admite um componente de indexação e incorporaparte desse movimento no centro da meta do ano seguinte.

O fato é que, tendo o controle dos preços como objetivo central dapolítica econômica e usando a taxa de juros como instrumento básico, osistema de metas brasileiro torna o tema do crescimento excessiva e rigida-mente amarrado ao controle da inflação. Mais que isso, dado o estoque eleva-do da dívida pública, a manipulação da taxa de juros acaba por aumentar ocusto de rolagem da dívida e exigir superávits primários crescentes paracontrabalançar a conta de juros. Assim que, também pelo lado fiscal, sesacrifica o crescimento.

7 - Conclusão

Por tudo que foi dito anteriormente, ficou clara a aposta do Governo nosentido de manter um forte arrocho fiscal e monetário, mesmo que isso signi-fique sacrificar um ritmo mais intenso de crescimento e de geração de em-pregos. As manifestações do Ministro Palocci e de membros da equipeeconômica, incluindo o Presidente e os Diretores do Banco Central, não dei-

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Dois anos de Governo Lula: da crise às amarras do crescimento

xam dúvidas. O objetivo é o de lentamente recuperar o tempo e a credibilidadeperdidos por atitudes irresponsáveis de vários governos passados. O discur-so passa nitidamente a idéia de que devemos pagar pelos pecados cometi-dos para atingir a “salvação”. E mais, devemos fazer isso com muito sofri-mento, para demonstrar claramente o quanto estamos arrependidos e rege-nerados.

Contudo não se deve esquecer que essa opção não prescinde de umadose de sorte, pois, quanto mais tempo ela necessitar para gerar resultados,maior é a chance de o mercado internacional gerar uma nova crise e deixar--nos desamparados. Só recentemente, o Governo começou a construir al-gum tipo de blindagem contra crises externas. No segundo semestre de 2004,iniciou-se um processo de redução significativa da parcela da dívida públicaindexada ao dólar. Mas, por outro lado, nesse mesmo período, nem a taxa decâmbio baixa foi suficiente para o Governo optar por engrossar as reservaslíquidas. Certamente, porque essa opção rebateria na inflação e na área fis-cal, e novamente aí chegamos a um terreno proibido.14

Outro campo em que medidas mais elaboradas e mais difíceis não têmsido encaminhadas é o fiscal. A necessária — e sempre postergada —melhoria da qualidade do gasto continua esperando sua vez. Também pelolado da receita, são ainda tímidas as medidas para diminuir a informalidade.Em substituição, o Governo Lula tem sido tão tradicional quanto o de FHC,simplesmente usando a saída mais fácil, a do aumento da carga tributária.

Nesse ambiente de imposição de amarras ao crescimento, os movi-mentos de alguns setores que dão mostras de começar a lançar apostas nosentido do crescimento chamam atenção. Apenas para ilustrar, um exemplo éo do rearranjo patrimonial na área de financiamento ao consumo e créditopessoal. Os grandes bancos vêm disputando uma corrida nos últimos anos,que se acelerou durante 2004, no sentido de absorver pequenas e médiasempresas do setor de financiamento às famílias em todo País, algumas atémesmo com mercados tipicamente regionais. Certamente, esses bancos es-tão buscando construir posições para melhor disputar uma futura expansãodesses mercados. Estariam corretos com essa expectativa, ou trata-se ape-nas de uma espécie de seguro — barato e muito lucrativo — contra um ciclo(não mais que curto) de crescimento mais acelerado?

14 Nos primeiros três meses de 2005, houve um movimento mais forte do Banco Central nomercado futuro de câmbio, o que aumentou a taxa de câmbio e as reservas. Veja-se que essemovimento só se fez quando os números de 2004 já estavam fechados, logo, a repercussãosobre os preços e sobre o estoque da dívida pública transfere-se para 2005.

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Flávio Benevett Fligenspan

Esse é um sinal importante, que deve ser acompanhado com o devidocuidado, até porque evidencia um movimento do sistema financeiro para fora doambiente de pura especulação. Claro, sempre resta a possibilidade de essemovimento constituir apenas um equívoco, assim como o erro muito mais gravedas grandes empresas da área de duráveis que acreditaram na continuidade daexpansão do mercado vivida nos dois primeiros anos do Plano Real. O aumentode capacidade instalada, que não encontrou demanda nos anos seguintes, ge-rou enormes prejuízos e pelo menos uma resposta positiva: a necessidade —quase desespero — de buscar mercados externos, o que vem ajudando a au-mentar as exportações. O caso da indústria automobilística é o mais flagrante.A partir de 1997, lançou-se em várias operações de ampliação e/ou moderniza-ção e construção de novas unidades. Tendo gerado capacidade para produzir3,2 milhões de unidades/ano, só em 2004 conseguiu bater o recorde de 1997(2,2 milhões de unidades e 2,1 milhões de unidades respectivamente), o queainda representa uma grande ociosidade.

Referências

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FLIGENSPAN, Flávio B. Houve um processo de substituição de importaçõesna indústria brasileira, no período pós-desvalorização cambial? COLÓQUIOLATINO-AMERICANO DE ECONOMISTAS POLÍTICOS, 4, 2004. Anais... SãoPaulo: EESP/FGV; Sociedade Brasileira de Economia Política, 2004.

FMI questiona aumento do superávit fiscal. Folha de São Paulo, p. B6, 5 out.2004.

FMI elogia controle das contas públicas no país. Folha de São Paulo, p. B1, 6nov. 2004.

PRATES, Daniela M. A assimetria das contas externas. Política Econômicaem Foco, Campinas, Instituto de Economia, UNICAMP, n. 4, seção 2,p. 49-72, maio/out. 2004. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br/

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A governança da política monetária brasileira: análise e proposta de mudança

A governança da política monetária brasileira: análise e proposta

de mudança*

José Luís Oreiro** Doutor em Economia pelo IE-UFRJ, Professor Adjunto do Departamento de Economia da UFPR e Pesquisador do CNPq.

Marcelo Passos Aluno do Programa de Doutorado em Desenvolvimento Econômico da UFPR.

ResumoEste artigo faz uma avaliação crítica da estrutura de governança da políticamonetária no Brasil, argumentando que a mesma é inadequada para a operaçãodo regime de metas de inflação. Isto porque, na atual estrutura: (a) não existeuma clara separação entre a instituição responsável pela formulação das metasda política monetária e a instituição responsável pela obtenção das mesmas;(b) existe pouco espaço para a política monetária acomodar choques de oferta;e (c) as expectativas inflacionárias utilizadas no processo de determinação dataxa básica de juros não refletem as expectativas dos agentes que têm poderefetivo de formação de preços na economia. Nesse contexto, são sugeridasalgumas mudanças na estrutura de governança da política monetária, com vis-tas a torná-la mais adequada ao funcionamento do atual regime de metasinflacionárias.

Palavras-chavePolítica monetária; metas de inflação; autonomia do Banco Central.

* Os autores agradecem, pelos comentários, a Luiz Carlos Bresser Pereira (EAESP-FGV- -SP), Luiz Fernando Rodrigues de Paula (FCE-UERJ), Rodrigo Rocha Loures (Presidên- cia da FIEP), Marcelo Curado (UFPR) e Carlos Artur Kruger Passos (SENAI-PR). Even- tuais falhas são, no entanto, de inteira responsabilidade dos autores.

** E-mail: [email protected]

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AbstractThe objective of this article is to do a critical evaluation of the governance ofmonetary policy in Brazil, arguing that the actual governance structure of monetarypolicy is not adequate for the operation of the inflation targeting regime. Thisoccurs because: (a) there is not a clear separation between the institutionresponsible for the definition of the targets of monetary policy and the oneresponsible for the achievement of these targets; (b) there is little, if any, flexibilityof monetary policy to deal with supply shocks and (c) the inflationary expectationsused in the process of interest rate determination do not reflect the expectationsof those agents with real market power. In this setting, we suggest some changesin the governance structure of monetary policy in Brazil in order to make it moreprone for the effective working of the inflation targeting regime.

Artigo recebido em 21 fev. 2005.

1 - Introdução

Neste artigo, discutimos a atual estrutura de governança da políticamonetária brasileira, argumentando que a mesma é inadequada para o funcio-namento do sistema de metas de inflação. Isto porque, na atual estrutura degovernança: (a) não há uma clara separação entre a autoridade responsávelpela fixação das metas da política monetária e a autoridade responsável pelaobtenção das mesmas; (b) as metas de inflação não refletem adequadamenteas “preferências sociais” no que se refere ao “grau de aversão à inflação” e o“grau de aversão social” ao trade-off entre inflação e desemprego; e (c) a fixaçãoda taxa de juros pelo Conselho de Política Monetária (Copom) é feita com baseem expectativas inflacionárias de agentes que não têm poder efetivo defixação de preços. Nesse contexto, apresentamos uma proposta de mudançada estrutura de governança da política monetária brasileira, a qual, sem compro-meter a autonomia operacional do Banco Central, pode contribuir paraeliminar o “problema dos juros” no Brasil.

Dados esses objetivos, o presente artigo está estruturado em quatro seções,incluindo a presente Introdução. Na seção 2, fazemos uma avaliação crítica daatual estrutura de governança da política monetária no Brasil, indicando como

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essa estrutura pode ser responsável pelo “problema dos juros”. Na seção 3,apresentamos uma proposta de mudança na estrutura de governança dapolítica monetária e, na seção 4, as conclusões obtidas ao longo do artigo.

2 - Avaliação crítica da estrutura de governança da política monetária no Brasil

A mudança do regime cambial brasileiro em janeiro de 1999 e a adoção doregime de metas de inflação em meados desse mesmo ano mudaram o modusoperandi da política monetária brasileira. Se, durante o sistema de bandascambiais, o controle da inflação era feito por intermédio da política cambial,cabendo à política monetária a tarefa de manter a taxa de câmbio sob o controledas autoridades monetárias, a adoção do regime de flutuação cambial elimi-nou a possibilidade de se controlar a taxa de inflação por intermédio da adminis-tração da taxa de câmbio. A necessidade de uma âncora nominal para asexpectativas de inflação por parte dos agentes econômicos levou à adoção dosistema de metas de inflação, no qual a principal tarefa da política monetária écontrolar a taxa de inflação.

O controle da inflação nesse novo regime de política monetária dá-se fun-damentalmente por intermédio da fixação do valor da taxa básica de juros — aSelic — num patamar que seja compatível com a meta inflacionária definidapelo Conselho Monetário Nacional. Nesse regime de política monetária, ocrescimento dos agregados monetários — M1, M2 ou M3 — não é uma variávelsobre a qual o Banco Central tente exercer algum tipo de controle. Isto porque aevolução da teoria e da prática da política monetária nos países desenvolvidosmostrou que a instabilidade crescente da velocidade de circulação damoeda, observada nesses países após a década de 70, tornava extremamentefraca a relação entre a taxa de inflação e a taxa de crescimento do agregadomonetário de referência (Blanchard, 2004, p. 536).

Esse fenômeno levou os economistas a desenvolverem uma “nova”concepção sobre a maneira pela qual a inflação pode ser mantida sob controle.Ao invés de controlar o crescimento da quantidade de moeda, o Banco Centraldeve focar sua atenção na relação entre a taxa de juros real efetiva e a taxa dejuros real de equilíbrio1 (Blinder, 1998, p. 29). Se a taxa de juros real efetiva,

1 A taxa de juros real de equilíbrio é definida como o nível da taxa de juros real que, se obtido,faz com que a economia opere com plena utilização dos recursos produtivos disponíveis(Blinder, 1998, p. 32).

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aproximadamente igual à diferença entre a taxa nominal de juros fixada peloBanco Central e a taxa esperada de inflação, for maior do que a taxa de jurosreal de equilíbrio, então o nível de atividade econômica irá reduzir-se, fazendocom que a taxa de inflação também se reduza em função da existência dotrade-off de curto prazo entre inflação e desemprego, expresso pela Curva dePhillips. Por outro lado, se a taxa de juros real efetiva for menor do que a taxade juros de equilíbrio, então o nível de atividade econômica irá aumentar, o queinduzirá um aumento da taxa de inflação.

Nesse contexto, para manter a inflação constante ao longo do tempo, oBanco Central deve manter o nível corrente da taxa de juros real em linha como valor de equilíbrio da referida taxa, e o instrumento usado para esse fim é ocontrole da taxa nominal (básica) de juros. Isso significa que o Banco Centraldeve aumentar a taxa nominal de juros toda vez que houver um aumento dasexpectativas de inflação e deve reduzir a taxa nominal de juros sempre quehouver uma redução da inflação esperada.

O adequado funcionamento do sistema de metas de inflação exige,portanto, que as autoridades monetárias respondam a três questões fundamen-tais, a saber:

a) qual a taxa de inflação que o Banco Central deve perseguir como metada política monetária? Será que o Banco Central deve perseguir umameta de inflação zero no longo prazo? Se não, qual é a taxa ótima deinflação2? A responsabilidade pela fixação da meta de inflação devecaber ao Banco Central ou a alguma outra instituição, como, no casobrasileiro, o Conselho Monetário Nacional?

b) qual o grau de autonomia que o Banco Central deve ter na tarefa defixação da taxa de juros? As decisões tomadas pelo Banco Centralnesse quesito devem ser irreversíveis, ou reversíveis apenas em con-dições excepcionais? Se assim for, como deve ser o arcabouçoinstitucional para que o Banco Central tenha esse nível de autonomia?

c) como as expectativas de inflação são obtidas? Essas expectativasrefletem, de fato, a percepção dos agentes com efetivo poder de for-mação de preços a respeito da evolução futura da taxa de inflação, ou

2 O debate acadêmico sobre a taxa ótima de inflação mostrou que a mesma não é igual a zero,mas, sim, um número positivo, situado no intervalo entre 2% e 4% ao ano para os paísesdesenvolvidos e em um intervalo mais alto — possivelmente entre 6% e 10% ao ano — paraos países em desenvolvimento. A otimalidade de uma taxa de inflação positiva advém do fatode que a mesma, desde que mantida em níveis baixos, gera alguns benefícios para asociedade na forma de receita de senhoriagem e de uma maior capacidade de enfrentamentode choques de demanda, em função da possibilidade de serem geradas taxas reais de jurosnegativas nos momentos de recessão (Blanchard, 2004, p. 533-534).

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elas refletem apenas as opiniões vigentes entre os operadores do mer-cado financeiro?

A resposta a essas questões define a assim chamada estrutura degovernança da política monetária, ou seja, o arcabouço institucional no qual apolítica monetária é realizada. Esse arcabouço engloba não só o conjunto deinstituições subjacente à operação da política monetária, como também ostipos de agentes envolvidos na elaboração e na execução dessa política.3

Isso posto, acreditamos que a atual estrutura de governança da políticamonetária brasileira não é a estrutura mais adequada para o funcionamen-to do sistema de metas de inflação. Isto porque, na atual estrutura:

a) não há uma clara separação entre a instituição responsável pela fixa-ção das metas inflacionárias e a instituição responsável pela suaobtenção. Isso ocorre porque o Presidente do Banco Central do Brasiltem voz e voto no Conselho Monetário Nacional, que é a instituiçãoresponsável pela fixação das metas inflacionárias. Como, nas regrasatuais, o Conselho Monetário Nacional é composto por apenas trêsmembros — sendo os outros dois o Ministro da Fazenda e o Ministro doPlanejamento —, segue-se que a capacidade do Banco Central deinfluenciar a fixação das metas inflacionárias é bastante elevada;

b) o processo de fixação das metas inflacionárias no âmbito do ConselhoMonetário Nacional não obedece ao requisito de representatividadedas preferências sociais por inflação e desemprego que se esperada instituição responsável pela fixação das metas da política monetá-ria. A teoria da política econômica, tal como elaborada pioneiramentepor Tinbergen (1952), prevê que os objetivos da política econômicasejam fixados como resultado de uma ampla discussão entre os seg-mentos representativos da sociedade. No caso específico da políticamonetária, os objetivos desta devem refletir um equilíbrio obtido porconsenso entre o “grau de aversão social” à inflação e o “grau de aver-são social” às perdas de produção e de emprego decorrentes de toda apolítica de desinflação. Contudo, na estrutura atual, as metas inflacio-nárias não refletem um consenso social a respeito da “taxa ótima de

3 Estamos tomando emprestada a definição de governança usada na teoria dos custos de transação, onde se define uma estrutura de governança como sendo “(...) o arcabouço institucional no qual a transação é realizada, isto é, o conjunto de instituições e tipos de agentes diretamente envolvidos na realização da transação e na garantia da sua exe- cução” (Fiani, 2002, p. 277).

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inflação” a ser obtida no longo prazo4 e, muito menos, a respeito davelocidade com a qual essa meta de longo prazo deve ser obtida;5

c) existe pouco espaço para a autoridade monetária acomodar choquesde oferta. Tal como ressaltado por Bernanke et al. (1999, p. 291),a condução da política monetária com base no sistema de metas deinflação não implica que as autoridades monetárias devem ignorar oobjetivo tradicional da estabilização do nível de produção e deemprego. De fato, o regime de metas de inflação proporciona um“estabilizador automático” no caso de choques de demanda. Isto por-que um aumento (redução) não previsto(a) da demanda agregada irátraduzir-se em pressões inflacionárias (deflacionárias) — devido aotrade-off de curto prazo entre inflação e desemprego —, as quais leva-rão o Banco Central a aumentar (reduzir) a taxa básica de juros. Esseestabilizador automático está ausente, contudo, no caso da ocorrênciade choques de oferta (Blanchard, 2004, p. 540-541). Para acomodar aocorrência de choques de oferta, alguns Bancos Centrais de paísesque adotaram o regime de metas de inflação optaram por “expurgar”, docálculo do índice de inflação de referência do sistema, a variação depreços dos bens e serviços mais diretamente afetados por esses cho-ques. Esse é o caso, por exemplo, do Banco Central da Nova Zelândia(Blanchard, 2004, p. 290). No caso brasileiro, o Banco Central utiliza o“índice cheio” do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)como referência para o sistema de metas de inflação. Dessa forma,toda ocorrência de choques de oferta gera uma pressão imediata para aelevação da taxa de juros por parte do Banco Central, quando a políticarecomendada, nesse caso, seria acomodar esses choques por intermé-dio de um aumento temporário da taxa de inflação6; e

4 O Banco Central do Brasil explicitamente persegue uma meta de inflação de longo prazo de4% ao ano. Entretanto a fixação dessa meta de inflação de longo prazo não foi objeto denenhum tipo de discussão fora do restrito âmbito do Copom ou do Conselho MonetárioNacional.

5 A velocidade de convergência à meta de inflação de longo prazo é de fundamental importân-cia para determinar a taxa de sacrifício (ou seja, a razão entre a taxa de inflação e a taxade desemprego) da estratégia de desinflação. Quanto maior for a velocidade de convergên-cia, maior tende a ser o aumento da taxa de desemprego resultante de uma política dedesinflação. Sendo assim, a escolha da velocidade de convergência não pode ser umaquestão a ser resolvida com base em argumentos puramente técnicos; ela envolve conside-rações de natureza política e, como tal, deve ser deliberada em círculos mais representati-vos da sociedade.

6 Deve-se ressaltar que a rationale do intervalo de tolerância de variação da taxa de inflaçãoem torno da meta inflacionária não é a acomodação de choques de oferta, mas, sim, o

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d) a decisão de fixação da taxa de juros é influenciada por expectativas deinflação que não refletem a percepção dos agentes com efetivo poderde formação de preços a respeito da evolução futura da inflação, mas,sim, as opiniões vigentes entre os analistas do mercado financeirosobre esse tema. Com efeito, como se observa no Relatório de Infla-ção (2004), do Banco Central do Brasil, as expectativas de mercadodesempenham um papel importante na decisão do Copom a respeitodo valor da taxa básica de juros. No entanto, essas expectativas demercado nada mais são do que as expectativas dos departamentos deanálise econômica dos bancos e dos agentes do sistema financeiro.Dessa maneira, cria-se um mecanismo perverso, no qual o sistemafinanceiro brasileiro pode influenciar a decisão do Banco Central a res-peito da fixação da taxa de juros, pois, se os bancos entrarem emacordo entre si, eles podem “forçar” um aumento da taxa de juros porintermédio de uma “revisão para cima” de suas expectativas de infla-ção. Em função das fortes evidências de comportamento oligopolistapor parte dos bancos brasileiros (Belaisch, 2003), a ocorrência de um“conluio” para forçar um aumento da taxa de juros não pode ser encara-da como uma simples “curiosidade teórica”.7

Essas características da atual estrutura de governança da política mone-tária no Brasil geram os seguintes problemas:

a) o Banco Central do Brasil tem, na atual estrutura, autonomia para fixaros objetivos da política monetária e não apenas autonomia no usodos instrumentos necessários à operacionalização dessa política.Tal como afirma Blinder (1998, p.54), a decisão a respeito dos objetivosda política monetária deve caber aos representantes democraticamen-te eleitos pelo povo. Se o Banco Central tem poder para determinar ouinfluenciar a determinação da taxa de inflação que ele deve obter porintermédio do uso dos instrumentos da política monetária, então o prin-cípio fundamental da democracia está sendo violado, qual seja: “Todopoder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”;

reconhecimento de que o Banco Central tem um controle indireto e imperfeito sobre a taxade inflação no curto prazo (Blanchard, 2004, p. 540). Nesse contexto, a fixação de uma metapontual para a taxa de inflação — ao invés de um intervalo de variação, como é feito namaioria dos países que adotam o sistema de metas inflacionárias — comprometeria desne-cessariamente a credibilidade do sistema face à inevitável sub ou sobreestimação dosíndices efetivos de inflação.

7 A respeito da influência do sistema financeiro brasileiro nas decisões de política monetária doBanco Central do Brasil, ver Weber e Lírio (2003).

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b) as metas de inflação tendem a ser fixadas em “patamares irrealistas”,ou seja, em níveis que não refletem adequadamente o grau de aversãosocial à inflação e o grau de aversão social ao trade-off de curto prazoentre inflação e desemprego. Esse fenômeno se observa nas freqüentesdeclarações dos representantes da indústria e dos sindicatos em favorde uma “política mais realista de combate à inflação”; e

c) a taxa real de juros efetiva tende a permanecer num patamar “exces-sivamente elevado” não só com respeito ao valor observado em outrospaíses — de fato, o Brasil é o país com a mais alta taxa de juros real domundo —, mas também com respeito a qualquer estimativa minima-mente plausível do valor de equilíbrio da referida taxa. O “problema dosjuros”8 decorre da fixação de metas declinantes de inflação9 — em fun-ção do objetivo de se obter uma taxa de inflação de 4,0% ao ano nolongo prazo — em conjunto com a ausência de qualquer tipo de meca-nismo de “expurgo” dos efeitos sobre a inflação da ocorrência de cho-ques de oferta. Além disso, o setor financeiro brasileiro, por intermédiodo “mecanismo das expectativas inflacionárias”, pode exercer uma for-te pressão no sentido de impedir uma queda da taxa de juros realabaixo de um patamar considerado “razoável” para os integrantes des-se setor. Uma análise mais cuidadosa das declarações públicas dosrepresentantes do sistema financeiro brasileiro indica que o mesmonão está disposto a aceitar uma taxa real de juros abaixo de 9% ao ano.Nesse contexto, o “mecanismo das expectativas inflacionárias” podeser um importante instrumento pelo qual o sistema financeiro brasileirofaz com que a política monetária seja conduzida com base nos seusinteresses específicos.

8 Por “problema dos juros”, estamos nos referindo à manutenção da taxa de juros real no Brasil em patamares elevadíssimos do ponto de vista internacional. Conforme salientado por Bresser e Nakano (2002), a economia brasileira apresenta taxas de juros reais muito mais altas do que a de países que possuem o mesmo rating de risco, tal como elaborado pelas agências internacionais de risco.

9 Esse problema foi identificado por Oreiro (2004). O argumento é que, devido à inércia inflacionária, a obtenção de taxas declinantes de inflação ao longo de uma seqüência de períodos exige que a taxa de juros real seja mantida acima de seu valor de equilíbrio durante todo o intervalo de convergência com respeito à meta de inflação de longo prazo.

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3 - Uma proposta de mudança da estrutura de governança da política monetária no Brasil

Tendo em vista o diagnóstico apresentado na seção anterior a respeito daestrutura de governança da política monetária brasileira, propomos o seguinteconjunto de mudanças nessa estrutura:

a) ampliação do número de membros do Conselho MonetárioNacional, de forma a aumentar a representatividade do mesmo, princi-palmente no que se refere à fixação das metas inflacionárias. Nessecontexto, o setor produtivo indicaria dois representantes da assessoriaeconômica das Federações das Indústrias, os sindicatos indicariamdois representantes também oriundos de suas assessorias econômicas,e o meio acadêmico de economia elegeria outros dois representantes,com titulação mínima de Doutor em Economia em instituição reconhe-cida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de NívelSuperior (Capes). Essa eleição seria realizada no âmbito do ConselhoDeliberativo da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduaçãoem Economia (Anpec), o qual possui membros de quase todos osestados do País. O Presidente do Banco Central do Brasil teria voz,mas não teria direito a voto nas decisões tomadas pelo ConselhoMonetário Nacional;

b) implementação do core inflation, ou seja, a remoção da fórmula decálculo do IPCA dos componentes sujeitos a choques de oferta.O sistema de metas de inflação deve ser orientado para sua funçãooriginal, ou seja, o controle da inflação de demanda10. Atualmente,em função da ausência de qualquer forma de expurgo, aumentos tem-porários de custos causam efeitos diretos na inflação e, por conse-qüência, nas expectativas inflacionárias dos agentes, levando o BancoCentral a elevar a taxa de juros, elevando os custos financeiros dosetor produtivo, bem como o custo de rolagem da dívida mobiliáriafederal;

c) mudança da forma de apuração das expectativas inflacionárias.Essas expectativas devem refletir a percepção dos agentes queefetivamente dispõem de poder de formação de preços a respeito da

10 Para uma crítica ao uso da taxa de juros como instrumento de combate à inflação, ver Sicsue Oliveira (2003).

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evolução futura da taxa de inflação. Dessa forma, o Banco Central develevar em conta as expectativas de inflação de um conjunto mais amplode agentes. Concretamente, deve apurar as expectativas de inflaçãode vários segmentos da indústria e do comércio. Para aumentar aconfiabilidade das expectativas assim apuradas, o Banco Central podeainda consultar os departamentos de pesquisa econômica de renomadasinstituições de ensino superior a respeito de suas previsões sobre ainflação futura. Essas informações serviriam de base para o BancoCentral montar as suas próprias expectativas inflacionárias, as quaissão fundamentais para informar a decisão de fixação da taxa de jurospelos membros do Copom; e

d) concessão de plena autonomia operacional para o Banco Centraldo Brasil. O funcionamento adequado do regime de metas de inflaçãoexige que as autoridades monetárias tenham total controle sobre osinstrumentos de política monetária. Isso ainda não ocorre no Brasil.A autonomia operacional do Banco Central é mais o resultado do com-prometimento pessoal do Presidente da República do que da existênciade um arcabouço institucional que formalize essa autonomia. Entende-mos que a autonomia operacional — que não deve ser jamais con-fundida com autonomia de formulação das metas da política mo-netária — é essencial para a preservação da estabilidade da taxa deinflação no Brasil, na medida em que sinaliza para os agenteseconômicos o compromisso do Governo brasileiro de não interferir nodia-a-dia da condução da política monetária.11 A responsabilidade pelafixação das metas de inflação e da velocidade de convergência comrelação à meta de inflação de longo prazo fica, no entanto, a cargo doConselho Monetário Nacional, ampliado pela participação de represen-tantes do setor produtivo, dos sindicatos e do meio acadêmico deeconomia.

4 - Conclusão

Ao longo do presente artigo, foram enumerados vários problemas da atualestrutura de governança da política monetária no Brasil, os quais estão forte-mente relacionados com o “problema dos juros”, ou seja, com a manutenção da

11 O que elimina o assim chamado “problema da inconsistência dinâmica” da política mone-tária discricionária apontado por Kydland e Prescott (1977).

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A governança da política monetária brasileira: análise e proposta de mudança

taxa de juros real em patamares elevadíssimos. Apresentamos uma propostade mudança na governança da política monetária, cujos elementos principaissão: o fortalecimento e a ampliação do Conselho Monetário Nacional, a adoçãodo core inflation e a mudança na forma de apuração das expectativas inflacioná-rias, as quais passariam a expressar as opiniões dos agentes econômicos comefetivo poder de fixação de preços. Feitas essas mudanças na estrutura degovernança da política monetária, deveria ser concedida a autonomia operacionalao Banco Central, a qual passaria a ser encarada pelos agentes econômicoscomo a garantia institucional da estabilidade da taxa de inflação no Brasil.

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Os lumes da razão e os milagresda Providência: a necessidade

de impor limites aocapital rentista

Luiz Paulo Ferreira Nogueról Professor de História Econômica no Departamento de Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

ResumoEste artigo analisa a atual conjuntura econômica brasileira, inserindo-a noprocesso histórico em que se explicam as reformas propostas e implantadaspelo Governo Lula no âmbito das que, desde 1990, vêm sendo implementadasno País, com vistas a alterar várias das instituições vigentes entre 1930 e oinício do Governo Collor. Argumenta-se também que há uma tensão crescen-te entre as necessidades do capital rentista e a disposição do restante dasociedade em satisfazê-las.

Palavras-chaveReformas econômicas; capital rentista; luta de classes.

AbstractThis article analysis the Brazilian economy nowadays regarding its historicalprocess, which explains the reforms proposed and implemented by thisgovernment in the ones done since 1990 to change the 1930’s Brazilianinstitutions. It arguments, also, that there is a growing conflict between thenecessities of rental capital and the society willing to satisfy them.

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Artigo recebido em 17 mar. 2005.

“Teremos também os nossos eldorados. Os dasminas, certamente, mais ainda o do açúcar, o dotabaco, o de tantos outros gêneros agrícolas, que setiram da terra fértil, enquanto fértil, como o ouro seextrai, até esgotar-se, do cascalho, sem retribuiçãode benefícios. A procissão de milagres há de conti-nuar assim através de todo o período colonial, e nãoa interromperá a Independência, sequer, ou a Repú-blica.” (Holanda, 2000).

1 - Introdução

Neste artigo, procuramos evidenciar que o norte das reformas ora emandamento deveria ser, e em parte é, a limitação dos ganhos do capital rentistae a transferência dos capitais aplicados em títulos públicos para fins maisprodutivos, o que é condição sine qua non para que a estrutura econômicabrasileira possa repetir, no futuro, os resultados de 2004, quando houve ex-pressivo crescimento econômico, redução do desemprego e expansão dasexportações associados com baixa inflação.

Na parte seguinte a esta Introdução e na terceira, procuramos identifi-car o programa econômico do Governo Lula e as raízes do pensamentoeconômico em que se inspirou. Na quarta parte, analisamos criticamente asmotivações das reformas. Na quinta, chamamos a atenção do leitor para umainterpretação distinta daquela normalmente apresentada para a relação entrepoupança e investimento. Na sexta, fazemos prognósticos a partir de doiscenários. E, por fim, concluímos, defendendo o ponto central deste artigo: anecessidade de criar instituições que reduzam os ganhos do capital rentistano Brasil.

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2 - Política econômica e reformas estruturais

Em abril de 2003, o Ministério da Fazenda lançou um documento cha-mado Política Econômica e Reformas Estruturais (Brasil, 2003). Podemostomá-lo como o programa do Governo na área econômica não apenas porapresentar diagnósticos dos problemas a enfrentar naquele momento, mastambém porque as políticas adotadas ao longo do tempo foram condizentescom o que estava previsto. De certa maneira, ele se propõe a implementaralgumas das idéias contidas em um outro documento, elaborado por econo-mistas reunidos no Rio de Janeiro, em setembro de 2002, intitulado A Agen-da Perdida (Lisboa, 2002). Analisá-lo, portanto, é um bom caminho para com-preender o que pretende o Governo Lula e qual a qualidade do crescimentoeconômico que se quer.

O documento de autoria do Ministério da Fazenda é iniciado lembrandoos compromissos assumidos pelo Presidente Lula ainda em campanha elei-toral, os quais teriam por objetivo a promoção do desenvolvimento econômicocom inclusão social. Para chegar a tanto, seria necessária uma fase de tran-sição, que consistiria na estruturação das instituições que garantiriam umprocesso de crescimento econômico de longo prazo.

Para a estruturação de tais instituições, seria necessário realizar refor-mas e adotar uma política econômica de transição que garantissem o paga-mento dos serviços das dívidas interna e externa, ao mesmo tempo em queos gastos sociais seriam redirecionados para o atendimento das necessida-des dos mais pobres, e a carga tributária seria redistribuída de maneira a setornar mais progressiva, já que tal progressividade se dá do primeiro aosexto decil de renda, tornando-se regressiva do sétimo ao décimo.

Para manter os serviços das dívidas em dia, o Governo propunha-se aobter um superávit primário de 4,25% ao ano entre 2003 e 2006 e, se possí-vel, ser reeleito para produzir igual cifra até 2011, quando a relação dívidapública/PIB cairia para um nível próximo ao de 1994 (30%). No campo exter-no, a intenção era manter e ampliar o grau de abertura da economia brasilei-ra, considerado excessivamente baixo para os padrões internacionais, o quea faria menos vulnerável a choques externos. Promover-se-iam as exporta-ções sem inibir importações, de forma a gerar superávits comerciais sufi-cientes para compensar os déficits na balança de serviços.

Ainda no que tange ao crescimento econômico, seriam adotadas refor-mas voltadas para o adequado funcionamento dos mercados, reduzindo-se

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custos de transação e promovendo-se uma maior capacitação da mão-de--obra nos campos da educação, da saúde e da habitação.

Descendo aos detalhes, o documento do Ministério da Fazenda consi-derava inadequado, por exemplo, que a maior parte dos gastos previdenciáriosse fizessem em benefício dos mais ricos e em favor de faixas etárias inter-mediárias, como a dos 45 aos 60 anos de idade, e que não se aproveitassemmais os retornos econômicos que se poderiam obter por meio de um maiorinvestimentos na educação básica.

3 - Aspectos metodológicos — custos de transação, o adequado funcionamento dos mercados e ganhos de produtividade

Podemos dizer que muito do programa econômico do Governo Lula, talcomo expresso no documento do Ministério da Fazenda, é devido às contri-buições teóricas de Douglass North, eminente economista norte-americano,que produziu renomados trabalhos na área de história econômica. Tais traba-lhos foram inovadores, por considerarem que, a depender dos arranjosinstitucionais construídos pelas sociedades, elas seriam mais ou menos ri-cas, teriam esta ou aquela distribuição de renda, cresceriam mais ou menos,etc. De igual maneira, tal autor tratou dos elementos que impulsionariam amudança institucional, considerando como fontes possíveis, combinadas ounão, dentre outras, mudanças ideológicas, mudanças nas correlações deforça entre as classes sociais, mudanças em preços relativos, alteraçõesdemográficas, etc.

Um outro autor que pode ser lembrado a partir da leitura do documentoproduzido pelo Ministério da Fazenda é Schumpeter (1975). Por meio de suaTeoria do Desenvolvimento Econômico, o economista austríaco descreveu oprocesso pelo qual ocorria o desenvolvimento econômico, isto é, por meio daintrodução de inovações que resultavam em uma maior produtividade dosfatores de produção, as quais seriam viabilizadas pela obtenção, pelo introdutorda inovação, de crédito que o capacitaria a contratar capital e trabalho.

Ambos os autores são lembrados porque, por um lado, as propostas doMinistério da Fazenda procuram dotar a sociedade brasileira de instituiçõesfuncionalmente melhores do que as existentes, privilegiando as soluções de

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mercado, e, por outro, porque decompõem o crescimento econômico segun-do as contribuições das inovações tecnológicas, da força de trabalho e docapital.

4 - Análise das propostas

Se, nas partes anteriores, procuramos evidenciar os objetivos do Go-verno com relação à economia e os diagnósticos apresentados para os pro-blemas existentes, nesta parte, dedicar-nos-emos a analisar o que efetivamentevem sendo feito, assim como a levar em consideração os aspectos ideológi-cos e de classe que impulsionam as reformas.1

A economia brasileira, desde 1979, deixou de apresentar a funcionalida-de de outrora, quando obtinha taxas de crescimento tão elevadas que asatuais seriam consideradas médias ou baixas. Embora os problemas exis-tentes fossem objeto de diferentes diagnósticos, apenas a partir de 1990passou-se, efetivamente, a reformas que negaram o modelo de desenvolvi-mento vigente desde a Revolução de 1930. Tais reformas seguiram uma certatendência mundial, que privilegiava as soluções de mercado, e foram deno-minadas, desde o primeiro momento, neoliberais.

As atuais reformas apenas dão continuidade às reformas anteriores: apretensão de reformar o sistema financeiro de maneira a oferecer maioresgarantias aos credores, a flexibilização das leis protetoras do trabalhador, areforma previdenciária que opta pelas contribuições individuais para contasde investimentos, que formam uma poupança para uso futuro de seu proprie-tário, por exemplo, são coerentes com aquelas que levaram à redução dapresença do Estado no setor produtivo da economia, que garantiram umaparcela do orçamento para o pagamento dos encargos da dívida pública, etc.

Evidentemente, as reformas, até 2002, não produziram o caos socialque a oposição, hoje no Governo, afirmava que aconteceria, mas tambémnão produziram, até o momento, o bem-estar social que seus defensorespreviam. Os efeitos, apesar dos bons resultados de 2004, foram tímidos:

1 "A estrutura marxista é a mais poderosa dentre as demonstrações de mudança secular precisa-mente porque inclui todos os elementos deixados de lado da estrutura neoclássica: instituições,direitos de propriedade, Estado e ideologia (...)" (North, 1981, p. 61). ["The Marxian frameworkis the most powerful of the existing statements of secular change precisely because itincludes all of the elements left out of the neoclassical framework: institutions, property rights,the state, and ideology (...)"].

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houve, entre 1990 e 2004, a continuidade da melhoria de indicadores sociaisde educação e saúde; apesar do desemprego crescente, a concentração derenda tendeu a cair no período inicial do Plano Real e estabilizou-se emníveis ainda inaceitáveis; e, por fim, como revelou a última pesquisa de orça-mento familiar do IBGE, o problema da fome não era tão grave e extensoquanto imaginou o atual Governo em seus primeiros meses de mandato.

O neoliberalismo, no Brasil, não gerou os mesmos efeitos sociais quepoderia ter gerado em países com mais ampla proteção social. É que, entrenós, mesmo as propostas neoliberais representam avanço diante do frágilEstado de Bem-Estar Social de que dispomos.

A mudança de posição do Partido dos Trabalhadores, no que respeita aoneoliberalismo, foi surpreendente, e não cabe aqui analisar os porquês. Ape-nas ressaltemos que a crise vivida no final das eleições de 2002 pode serexplicada pela ótica dos mercados: afinal, por que acreditar nos discursos docandidato que liderava as pesquisas em favor da manutenção das regras dojogo, quando, por mais de 20 anos, ele falou que as mudaria radicalmente?Em outros termos, estamos dizendo que a desvalorização cambial e a eleva-ção das taxas de juros para contê-la, ao mesmo tempo em que serviam aocombate à inflação, foram decorrência das desconfianças dos credores arespeito dos compromissos do futuro governante para com o cumprimentodos contratos.2

O conteúdo de classe das reformas ora em discussão, assim como aspassadas, é algo a ser ressaltado: oferecer maiores garantias aos credoresdas dívidas em geral e do Estado em particular, por meio da Lei de Respon-sabilidade Fiscal e da nova Lei de Falências, beneficia os detentores do capi-tal usurário; modificar as regras da aposentadoria, tornando-a mais difícil deser atingida e, ao mesmo tempo, eliminando a aposentadoria integral do fun-cionalismo público, à exceção dos altos dirigentes, como juízes e parlamen-tares, amplia a oferta de força de trabalho e cria condições para que ossalários futuros sejam menores do que poderiam ser se fossem mantidas asregras anteriores; alterar a estrutura tributária de maneira a torná-la maisprogressiva favorece aqueles que, até o momento, suportam a carga fiscaldo Estado, os mais pobres, assim como os empresários em geral, na medidaem que a tributação indireta distorce o consumo e, tal como estabelecida,prejudica as cadeias produtivas mais longas pela existência de tributos emcascata.

2 Obviamente, nos termos da mídia, o cumprimento dos contratos diz respeito aos contratosfinanceiros e não, por exemplo, à previdência e a outros dispositivos constitucionais garantido-res de bem-estar social que não são menos legais do que os da dívida pública.

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O fato de que as reformas têm conteúdo de classe não significa, necessa-riamente, que elas serão prejudiciais aos que por elas não forem diretamentebeneficiados. O crescimento econômico viabiliza um jogo de soma diferentede zero, e, portanto, favorecer diretamente determinadas classes pode levarao benefício do conjunto da sociedade.3

De certa forma, a crença de que todos, e os pobres em particular, pos-sam vir a ser beneficiados pelas reformas é o melhor que se pode pensar arespeito da repentina mudança de posição do Partido dos Trabalhadores nojulgamento que ele fazia das reformas que chamava de neoliberais.

5 - O problema do financiamento

Ainda que seja objeto das reformas em andamento a criação de meca-nismos mais rápidos e eficientes de execução de dívidas, cremos que há umproblema fundamental, de cuja resolução dependerá o esperado crescimentoeconômico dos próximos anos. Referimo-nos à questão do financiamentodos investimentos privados na economia brasileira.

Pensando em termos funcionais, podemos dizer que os bancos priva-dos, no Brasil, pouco servem para a execução das tarefas que o capitalismo,em outros lugares, lhes reserva: o financiamento dos investimentos priva-dos. Isso se justifica, em parte, pelas possibilidades de avultados ganhos ede reduzidos riscos, apesar das aflições periódicas, derivados dos emprésti-mos ao Estado.

Tal situação é característica brasileira de longo prazo, isto é, há maisde 30 anos, quando se vivia o “milagre”, queria-se que os bancos brasileirosse comportassem como os japoneses e os coreanos, servindo de cabeçasde conglomerado. Essa situação favoreceria os investimentos privados poruma via distinta daquela praticada nas economias inglesa e norte-americana,onde o setor produtivo e o financeiro não estão casados. A vantagem emrelação a ela é que, seguindo os moldes dessas economias orientais, o riscodos bancos seria consideravelmente reduzido, assim como as taxas de juroscobradas das empresas, uma vez que problemas do tipo agente principal

3 "A procura daqueles que vivem de salários aumenta, pois, necessariamente com o aumento dasreceitas e do capital de cada país, e não pode, de maneira alguma, aumentar sem eles. Oaumento das receitas e do capital corresponde ao aumento da riqueza nacional. A procuradaqueles que vivem de salários aumenta, pois, naturalmente com o aumento da riqueza nacio-nal e não pode, de maneira alguma, aumentar sem ela." (Smith, 1988, p. 181).

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seriam praticamente eliminados pelo livre acesso do credor aos livros contábeisdos devedores.

Já no II PND, tal pretensão foi descartada, respeitando-se o que CarlosLessa (1988) chamou de “vocação cartorária dos bancos brasileiros”, osquais, naquele momento, podiam contar com um investimento seguro e derentabilidade necessariamente superior à inflação, em virtude da indexaçãodos títulos públicos. Como forma de compensar tal característica, optou-sepelo financiamento público dos grandes investimentos previstos, assim como,para os menores investimentos, foram criados mecanismos também esta-tais, por meio dos bancos oficiais. Uma outra fonte de recurso foi a captaçãono exterior, estimulada por taxas de juros baixas e por uma certa estabilidadecambial.

O resultado da ausência de um sistema financeiro privado e internovoltado para o financiamento dos investimentos da década de 70 foi o cresci-mento da dívida pública interna e da dívida externa, posteriormente estatiza-da quando a inflação nos EUA levou o Federal Reserve a elevar, gradualmen-te, em um primeiro momento, e abruptamente com Reagan, a taxa de juros.Parte considerável dos países devedores entrou em moratória, passou porfortes instabilidades cambiais, com efeitos desastrosos para a estabilidadede preços e para o crescimento econômico.

No caso brasileiro, pode-se dizer que a ausência de mecanismos ade-quados de financiamento dos investimentos, em um quadro de forte cresci-mento econômico, como o da década de 70, levou o Estado à insolvência e amais endividamento na década seguinte, quando crescimento econômico nãohouve. É que, aos poucos, o componente financeiro do déficit público passoua contribuir, significativamente, para o aumento da própria dívida. Já na dé-cada de 90, quando se imaginou que as privatizações e a maior abertura dosistema financeiro aos bancos estrangeiros conduziriam a mecanismos definanciamento mais saudáveis, a armadilha da sobrevalorização do real for-çou a economia a praticar taxas de juros que, embora reconhecidamenteinsustentáveis no longo prazo, nos acompanham por mais de 10 anos.

Pode-se dizer, portanto, que, nos últimos 40 anos, apesar de tantasmudanças pelas quais passou a economia brasileira, um elemento permane-ceu constante em termos funcionais: o financiamento das empresas faz-seou por meio do Estado, enquanto este teve solvência, ou por meio doendividamento externo, nas fases de maior liquidez internacional, ou por meioda retenção de lucros das próprias empresas. O resultado de tal arranjo nosúltimos 25 anos está longe do razoável: a renda per capita dos brasileiros cres-ceu menos de 0,5% ao ano.

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,

Um argumento normalmente empregado para explicar tal situação refere--se à baixa poupança nacional. Por trás dessa explicação, encontra-se a inter-pretação de que os investimentos dependem estritamente da poupança, o quepode ser derivado das primeiras lições dos manuais de macroeconomia4:

(1) , a velha igualdade entre a oferta de bens e o consumo das famílias, os gastos do Governo, os investimentos e o resultado da balança comercial;

(2) ou seja, o consumo é dado por uma constante so-

mada à renda disponível;

(3) , a renda disponível, por seu turno, é dada pela subtra-

ção da tributação líquida de subsídios.

Substituindo (2) e (3) em (1), teremos:

(4)

Rearranjando (4) convenientemente, teremos:

(4')

Considerando que o primeiro colchete representa a poupança das famí-lias, o segundo a poupança do Estado e o terceiro a poupança externa, tere-mos, pois, três fontes de poupança distintas para financiar os investimentos,chegando à quinta equação:

(5)

Ocorre que as equações acima se referem ao mercado de bens e sãomelhor compreendidas se as chamarmos de identidades, o que elimina osentido da causação, sendo possível dizer que tanto a poupança determinaos investimentos quanto seu contrário, isto é, que os investimentos determi-nam a poupança.

Para melhor compreender o que foi dito, devemos passar ao mercadofinanceiro e pensar nos seguintes termos: os agentes financeiros, aqui en-tendidos na mais ampla acepção possível, não são apenas intermediadoresentre quem poupa e quem investe. Considerá-los nestes termos retira-lhes oque é fundamental: a capacidade de multiplicar poupanças, criando poder decompra por meio do crédito. Por esse motivo, em termos financeiros, podeser dito que, ex ante, I > S.

Ycc DC

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4 Por exemplo, Blanchard (1997, p. 246).

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Para S = I, é necessário que os tomadores, supondo-se que façam investi-mentos economicamente viáveis, não gastem parte das receitas dos investi-mentos realizados, poupando-as para satisfazer os compromissos financeirosassumidos anteriormente. Ex post, portanto, S = I.

No caso brasileiro, dada a manutenção da taxa de juros em níveis tãoelevados, o multiplicador da poupança é necessariamente baixo, situa-ção que sugere a seguinte compreensão a respeito dos juros: é umaquase-renda, isto é, a exemplo do trabalho e do capital produtivo, o capitalfinanceiro pode ser reproduzido indefinidamente, sujeito a determinadas con-dições. Com uma oferta crescente, o capital financeiro comportar-se-ia comoo capital em geral e o trabalho, que têm suas remunerações dadas por meca-nismos distintos daqueles que remuneram a terra, cuja oferta, sendo fixa,aufere renda. Em outras palavras, se as condições de expansão do créditoforem desfavoráveis, teremos a formação de uma certa escassez, que levaráao aumento da taxa de juros, que, então, se comportará como a renda daterra.

Ora, a renda da terra em uma sociedade burguesa é algo normalmentecombatido por meio de punições atribuídas à propriedade improdutiva. Comisso, quer-se forçar o aumento da oferta de alimentos e a redução dos custosde reprodução da força de trabalho. No século XIX e no início do século XX,além das punições legalmente previstas, foram abertos os mercados de ali-mentos e de matérias-primas para as importações, medida a que se opu-nham os rentistas nos países centrais. Traçando-se um paralelo com os qua-se-rentistas brasileiros, isto é, com aqueles que obtêm quase-renda em vir-tude da difícil situação orçamentária do Estado brasileiro, é evidente que,ante a queda da taxas de juros, terão que encontrar outras finalidades para ocapital aplicado em títulos públicos.

É necessário usar mecanismos que forcem a utilização produtiva doscapitais artificialmente tornados escassos por nossas instituições. A via pelaqual o Governo pretende seguir é a da resolução gradual dos problemasfinanceiros do Estado, para, com isso, lograr reduzir a taxa de juros básica e,dessa forma, tornar menos atrativo o investimento em papéis da dívida públi-ca. Uma opção gradualista e de efeitos em prazos incertos pode vir a serinviabilizada pelas pressões sociais por mais igualdade e por melhores ser-viços públicos de bem-estar social, assim como por parte da burguesia in-dustrial inconformada com a incapacidade de investir.

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6 - Prognósticos para os anos vindouros

É possível, a partir do raciocínio exposto nas partes anteriores desteartigo, analisarmos o atual momento e prognosticarmos possíveis desdobra-mentos da situação que vivemos, a qual é, talvez, a melhor que conhecemoshá muito tempo.

De fato, a manutenção da taxa de juros em níveis tão elevados a partirde 1994 serviu ao propósito inicial de atrair capitais para sustentar uma taxade câmbio que, supostamente, era eficiente no combate à inflação. O resulta-do foi, simultaneamente, a acumulação de uma dívida externa, que passoudos US$ 120 bilhões em 1994 para algo próximo dos US$ 220 bilhões em1998, e a inversão do sinal da balança comercial, que, de superavitária entre1981 e 1994, passou a deficitária até o ano 2000.

A partir de um dado momento, além da necessidade de combater ainflação por meio do câmbio sobrevalorizado, agregou-se a necessidade deatrair capitais para satisfazer os serviços da dívida externa, quebrando ailusão de que a entrada de capitais estrangeiros resolveria o problema definanciamento da economia brasileira. É que tal entrada de capitais foi impro-dutiva, pois serviu predominantemente para a transferência de propriedadede residentes para não-residentes, assim como para o financiamento da dívi-da pública, em vez de servir ao propósito de aumentar a capacidade produti-va da economia do País.

Desse modo, podem-se distinguir dois momentos específicos para aevolução recente (de 1994 a 2002) da taxa de juros, para além das situaçõesde instabilidade internacional, como as crises do México, dos Tigres Asiáti-cos, da Rússia e da Argentina, assim como as nossas eleições de 1998 e2002. Primeiramente, predominou o objetivo de atrair capitais para sustentaro câmbio e, depois, para satisfazer às necessidades de financiamento exter-no.

Pode-se dizer que a situação externa comprometia todo o resto. Umavez que os juros são uma dedução dos lucros, quando aqueles se tornammuito elevados, poucos são os investimentos realizados a partir de emprés-timos, já que os contratos financeiros não poderiam ser honrados pelas ta-xas de lucros, a menos que estas subissem em proporção semelhante às dejuros. Disso decorriam o baixo crescimento econômico e a formação de ta-xas de desemprego recordes na economia brasileira.

Em 2001, ainda que timidamente, inverteu-se o sinal da balança comer-cial novamente, e, a partir de 2003, passaram a ser gerados superávits sufi-

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cientes para pagar os compromissos financeiros externos, o que abriu espaçopara a queda da taxa de juros.

Além de obter um forte crescimento em suas exportações, o País pas-sou a contar com níveis crescentes de confiança dos investidores interna-cionais. A percepção de risco, medido pela média do Risco-Brasil nos últi-mos meses, é das mais baixas, pelo menos desde 2001, o que pode serexplicado tanto por se ter alcançado uma capacidade de pagamentos exter-nos que não se via desde o início do Plano Real, quanto por não existir maisa possibilidade de que o candidato da oposição à Presidência venha a romperos contratos financeiros.

Atualmente, o que preocupa é a possibilidade de que, tal como no iníciodos anos 80, o Governo norte-americano opte pela elevação dos juros pararecuperar o poder de compra do dólar, vindo a tornar inadimplentes paísescom elevada dívida externa, como o Brasil. No entanto, dados o baixo cresci-mento da economia dos EUA e as baixas taxas de inflação, pode-se suporque tal fenômeno não ocorrerá no curto prazo. Ainda assim, uma certa desor-dem internacional pode vir a ocorrer, motivada por uma fuga do dólar.

O que interessa ressaltar, de toda maneira, é que o estrangulamentoexterno está, pelo menos momentaneamente, suspenso, cabendo à políticaeconômica aproveitar o momento para lograr reduzir as taxas de juros,viabilizando o crescimento econômico almejado pelo Ministério da Fazenda.

Um empecilho para que isso ocorra é derivado das metas de inflaçãoestabelecidas em níveis muito baixos. Considerando as características daeconomia brasileira, onde as privatizações estabeleceram regras de reajus-tes das tarifas das concessionárias de serviços públicos que trazem a infla-ção passada para o presente por meio da indexação, o uso da taxa de jurospara inibir a demanda agregada e controlar os preços requer doses maiselevadas do que as que seriam necessárias se os contratos tivessem sidoestabelecidos em outros termos, com mecanismos mais próximos das leisde mercado. Dessa maneira, os instrumentos de política econômica disponí-veis às autoridades ainda não funcionam com a eficiência que o próprioMinistério da Fazenda considera adequada.

A boa notícia, apesar dos efeitos sobre as atividades econômicas, é queo crescimento econômico do último ano combinado com o aumento da cargatributária logrou atingir, em 2004, níveis ainda maiores do que os obtidos em2003 para o superávit primário, o que não impediu que a dívida pública conti-nuasse a crescer, dado o componente financeiro resultante das elevadastaxas de juros que mantemos.

A partir do exposto, podemos pensar 2005 e 2006 a partir de dois cená-rios que tenham a continuidade das reformas, a obtenção de superávits glo-

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bais por parte do Estado e a manutenção dos resultados comerciais comoparâmetros fundamentais. O primeiro cenário seria aquele em que a taxa dejuros básica sofreria reduções seguidas, assim como os spreads bancários,resultando em queda significativa dos ganhos do capital rentista, farta expan-são do crédito com controle da inflação e, assim, manutenção do crescimen-to econômico. Nesse cenário, poder-se-ia dizer que as reformas valeram apena e que o recuo dos trabalhadores em determinados direitos e garantiasfoi compensado por maiores níveis de emprego e por salários e serviçospúblicos mais eficientes e socialmente mais justos. Um outro cenário, diver-so deste, pode ser traçado a partir do comportamento do Copom em suasúltimas reuniões. Apesar de tecnicamente se justificar pelo combate à infla-ção, a manutenção de taxas de juros tão elevadas como as atuais aprofundao componente financeiro do déficit e inviabiliza o crédito, reduzindo a capaci-dade de geração de emprego e renda. Essa situação é amplamente favorávelao capital rentista, que, dessa maneira, se beneficia de uma situação cujajustificativa se torna cada dia mais frágil, posto que já não é necessário atraircapitais especulativos para satisfazer o pagamento da dívida externa, e orisco de inadimplência do Estado, reconhecidamente baixo para os padrõesvigentes nos últimos 10 anos, não explica o comportamento da taxa Selic.

A predominar o segundo cenário, terão razão os que afirmam que ostrabalhadores, abrindo mão de determinados direitos, estão sendo en-ganados por quem dizia representá-los, o que será ainda agravado pelanão-implementação de reformas, como a tributária na versão apresentadapelo Ministério da Fazenda, que contribuiria para tornar justa a arrecadação,jogando o peso da máquina burocrática do Estado sobre os mais ricos. Porfim, a necessidade de superávits primários crescentes para a redução dadívida aos níveis de 1994, em razão da manutenção de seu crescimentopelas elevadas taxas de juros, poderá vir a comprometer, como já compro-mete, a prestação de serviços públicos universais e mesmo aqueles focadosnos pobres pela simples impossibilidade de contratar pessoal, em que peseaos ganhos de eficiência e produtividade que a máquina pública podevir a ter.5

5 O que também pode ser comprometido pelas práticas fisiológicas e nepotistas ainda hoje vigen-tes, que, como tantas outras características desta sociedade meio moderna, meio arcaica,insistem em acompanhar um governo que outrora dizia que mudaria tantas coisas.

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7 - Conclusões

Por mais que o discurso econômico tenha incorporado contribuiçõescomo a de North, ainda permanece refratário a falar do que esse autor tratouem alguns de seus livros: a questão de classe. O Estado é sempre objeto dedisputa entre as classes sociais que compõem a sociedade. Em temposmais remotos, esse caráter era evidente e admitido sem meias palavras.Hoje, quando vivemos em parte a realidade, em parte o mito da democracia,não é tão simples admitir que determinadas instituições favorecerão este ouaquele tipo de proprietário e, portanto, esta ou aquela classe social.

No entanto, podemos traçar, tal como North, os limites gerais dessefavorecimento, não esquecendo, todavia, que, se os incentivos corretos fo-rem estabelecidos, será possível que a taxa de retorno privada se aproximeda taxa de retorno social dos empreendimentos, favorecendo a maioria dapopulação.

O capital é valor que se valoriza e assumiu diferentes formas ao longode nossa história para realizar essa sentença, moldando nossa sociedade epor ela sendo moldadas. No caso brasileiro, houve quem imaginasse que,com o Plano de Metas, tivéssemos atingido a maturidade do capital indus-trial, não havendo mais restrições ao desenvolvimento econômico (Mello,1998). Como se percebeu posteriormente, a montagem e o funcionamento deparques industriais complexos dependem de mecanismos de financiamentoadequados (Mello; Novais, 2000), sendo o Brasil caracterizado pela anomaliade ter montado tal parque sem modernizar o setor financeiro.

Dessa anomalia vieram outras, como a tentativa de contornar o proble-ma por meio do financiamento público dos investimentos, seja por empresasestatais, seja por bancos oficiais, seja por meio do endividamento externo, doque resultaram a hipertrofia da dívida pública e a captura do Estado pelocapital rentista.

Tal captura, no longo prazo, é instável, uma vez que a manutenção davalorização do capital por meio da dívida pública é limitada pelo orçamentodo Estado, que ainda prevê outros gastos que não apenas os direcionadospara o serviço da dívida, pela capacidade de arrecadação, que tem se supe-rado continuamente, ao longo dos últimos anos, e, por fim, pelas pressõessociais que requerem a prestação de determinados serviços públicos.

Este governo, ou o próximo, terá que encontrar mecanismos que tratemda insustentabilidade da situação acima. A obtenção de superávits comerci-ais de vulto representou um grande passo para a resolução do problema,uma vez que eliminou uma das justificativas da manutenção das elevadas

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taxas de juros que praticamos há tanto tempo: a necessidade de atrair capi-tais estrangeiros para equilibrar o balanço de pagamentos. O próximo passo,e mais difícil, é lograr fazer coincidir a taxa de retorno privada do capital coma taxa de retorno social, o que pressuporá cortes sucessivos no spreadbancário e na taxa básica de juros, reduzindo o capital rentista a dimensõesmais modestas e adequadas ao funcionamento socialmente justificável docapitalismo no Brasil.

Por quanto tempo a hipertrofia do capital rentista se sustentará é umaincógnita, e surpreende que, ainda hoje, seja possível à economia brasileiracoexistir com ela, mas o Brasil é um país de milagres há muito: em uma dasbatalhas contra os holandeses no século XVII, diz-se que a Virgem, SenhoraNossa, não deixava que a munição dos combatentes católicos acabasse,apesar de constar apenas de um prato de balas de chumbo (Mello, 2001);uma vez derrotados os holandeses, o Padre Antônio Vieira foi questionadopelos vencedores a respeito das negociações que conduzira junto à Holandapara entregar definitivamente o Nordeste holandês em troca da manutençãodo resto da colônia e da integridade do pequeno reino português. Ele teriarespondido, considerando a desesperadora situação do Império português,que “(...) se guiara pelos lumes falíveis da razão, em vez de confiar nosmilagres da Providência” (Vieira, 1959, p. XLII). É o que procuramos fazerneste artigo.

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Política econômica e crescimento sustentado:..

Política econômica e crescimento sustentado: os resultados da primeira

metade do Governo Lula

Marcelo S. Portugal* Professor Titular da UFRGS e Pesquisador do CNPq.

Paulo Chananeco F. de Barcellos Neto* Mestre e Doutorando em Economia (PPGE-UFRGS).

ResumoEste artigo apresenta uma avaliação crítica da política econômica implementadaao longo dos dois primeiros anos do Governo Lula. É feita a distinção entre asmedidas de política econômica de curto prazo, que objetivam suavizar o cicloeconômico e combater a inflação, e as questões referentes à determinação dataxa de crescimento de longo prazo da economia. A melhoria sensível dasvariáveis macroeconômicas internas e externas em 2004 resulta não apenas deum contexto internacional favorável, mas também dos acertos nas opções depolítica econômica realizadas em 2003. O ganho institucional de uma transiçãode governo sem ruptura econômica deverá ter um impacto positivo de longoprazo sobre a econômica brasileira.

Palavras-chaveInflação; crescimento econômico; conjuntura econômica.

* Os autores agradecem a colaboração dos bolsistas de iniciação científica Frederico H.Souza (CNPq), Philipe E. S. Berman (FAPERGS), Felipe G. Ribeiro (CNPq) e Marcelo C.Griebeler (CNPq).

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AbstractThis paper presents a critical assessment of the economic policy implementedin the first half of Lula’s administration. A distinction is made between short-termeconomic policy measures, which aims at smoothing the economic cycle andreducing the inflation rate, and the questions of determining the economy’s longrun growth rate. The noticeable improvement in the domestic and foreignmacroeconomic variables, in 2004, results not only from a favorable internationalcontext, but also from the right economic policy decisions taken in 2003. Theinstitutional gain of an administration transition without economic disruption mighthave a positive long run impact on the Brazilian economy.

Artigo recebido em 29 mar. 2005.

1 - Introdução

A política macroeconômica do Governo Lula seguiu, nos seus dois primeirosanos, a mesma orientação que norteou o segundo mandato do ex-PresidenteFernando Henrique Cardoso (FHC). Manteve-se o tripé de sustentação da políticaeconômica baseado no sistema de metas de inflação1, como uma forma de“despolitizar” a política monetária, em metas rígidas para o superávit primário,com o intuito de garantir a solvência do setor público, e no regime de câmbioflutuante, em que não há um compromisso explícito de manter a taxa de câmbiopróxima de determinado patamar. O eixo central da política econômica foi, portanto,a continuidade. Essa estratégia teve como foco reconquistar a credibilidade da

1 Cabe destacar, contudo, que, ao tomar uma certa meta inflacionária como parâmetro centralpara a condução da política monetária, o Banco Central está também levando em conside-ração, de forma indireta, uma certa “meta implícita” para o desempenho do PIB. A função deperda do Banco Central decresce quando são reduzidos tanto o desvio entre o PIB real e oPIB potencial quanto os desvios entre a inflação e a sua meta. Para uma apresentaçãodesses tipos de modelos de metas de inflação, ver Portugal, Madalozzo e Hillbrecht (1999).Na Carta Aberta do Presidente do Banco Central do Brasil ao Ministro da Fazenda, de21.01.2003, foi apresentada uma simulação dos custos para a atividade econômica, caso oBanco Central não adotasse as “metas ajustadas” naquele ano, deixando claro que há, noregime brasileiro, uma preocupação com os efeitos da política monetária na trajetória decrescimento da atividade.

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política econômica do País, de forma a garantir a manutenção da estabilidademacroeconômica, premissa básica para que uma nação possa crescer de formasustentável.

Para usufruir os benefícios dessa escolha, o Presidente Lula tomou decisõesimportantes, como a despolitização na condução da política econômica. Assim,todas as secretarias importantes do Ministério da Fazenda foram entregues aquadros técnicos, muitos dos quais haviam trabalhado no governo anterior. Nadireção do Banco Central, ocorreu o mesmo fenômeno, com a manutenção dadiretoria anterior, em um primeiro momento, e com a escolha de HenriqueMeirelles, um banqueiro internacional que era deputado eleito pelo PSDB, paraPresidente da instituição. O único petista com enorme influência na políticaeconômica é o Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, que vem servindo comointerlocutor entre as questões técnicas e as decisões políticas, viabilizando,dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), a política econômica atual.

Essa opção inicial, que parece agora estar consolidada, não foi isenta decríticas por parte de entidades civis organizadas, “movimentos sociais”,economistas e políticos, muitos dos quais antigos aliados do PT na defesa deidéias heterodoxas de política econômica. As propostas oferecidas por algunseconomistas ligados ao próprio Partido dos Trabalhadores, contidas no documentoA Agenda Interditada: Uma Alternativa de Prosperidade para o Brasil(Sampaio Júnior et al., 2003), são um bom exemplo da insatisfação gerada emalguns setores da sociedade pelas escolhas realizadas na esfera econômica.Segundo a tese defendida nesse documento, o Governo deveria mudar o eixocentral da política econômica ou, em outras palavras, alterar o “modelo econômico”.Essa estratégia propunha: (a) o fim do sistema de câmbio flutuante e o controlede capitais externos através de algum tipo de centralização cambial que dariaao Banco Central o poder de determinar a taxa de câmbio2; (b) a redução“significativa” (e, supõe-se, rápida) das taxas de juros para “(...) favorecer aprodução em detrimento da especulação”; (c) a redução do superávit primário, afim de ampliar a demanda agregada através dos gastos públicos; e (d) a montagemde “políticas de renda pactuadas para o controle da inflação” e medidasadministrativas e/ou tarifárias de fechamento da economia.

A despeito dessas pressões, o Governo manteve-se fiel às políticasdefendidas pela equipe econômica formada no início do mandato, chegando,inclusive, a manifestar que não haveria mais espaço para o País realizar

2 A centralização/administração cambial exige um grau de conhecimento, por parte do Gover-no, sobre a taxa de câmbio real de equilíbrio que dificilmente existe. Para uma discussão eestimação da taxa de câmbio real de equilíbrio para a economia brasileira, ver Merlin ePortugal (2002).

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experimentos na área econômica, tal como os “planos milagrosos” da década de80. Na verdade, a utilização das chamadas políticas de renda acabava sempresendo um eufemismo para a implementação de mecanismos administrativos decontrole de preços como forma de combate à inflação, tais como câmaras ouacordos setoriais.

Torna-se relevante destacar que as semelhanças com o governo anteriornão ficaram restritas à política econômica. Na esfera política, o Governo abraçouuma agenda de reformas defendida pelo Governo FHC, da qual, muitas vezes, opróprio PT era o principal adversário ideológico. Dentre as reformas que jáapresentaram avanços em termos de aprovação no Congresso Nacional,destacam-se: a Reforma da Previdência, a Reforma Tributária, a Reforma doJudiciário, a Lei de Falências, a Lei da Biossegurança e as Parcerias Público--Privadas (PPP).

Até mesmo no campo das privatizações, houve manutenção da agenda dogoverno anterior, tendo sido realizada, em 2004, a privatização do Banco doEstado do Maranhão (BEM). O processo de privatização dos bancos estaduaisfederalizados deverá continuar em 2005, já tendo sido divulgado, em março, oedital de pré-qualificação para a privatização do Banco do Estado do Ceará(BEC). Na verdade, a venda dos bancos estaduais foi um dos elementos maisimportantes na estratégia de eliminação da hiperinflação no Brasil. Ao longo dosanos 80, os bancos estaduais foram um dos principais pilares do descontrolemonetário no País. Eles eram utilizados como canais de emissão de moeda porparte dos governadores3. O jogo seqüencial entre os governos estaduais e oGoverno Federal implicava a necessidade de levar os bancos estaduais à falênciapara conseguir acesso a recursos monetários do Banco Central.4

Dessa forma, passados um pouco mais de dois anos da chegada doPresidente Lula ao poder, está cada vez mais claro que a opção foi pela realizaçãode um governo social-democrata, com um discurso voltado para o social, mascom ações práticas pró-mercado e reformas, muitas vezes, ligadas a tesesliberais. Os resultados obtidos nesses dois anos, em termos econômicos, indicamque a opção foi correta e necessária, o que não deve ser entendido comosuficiente para garantir que o País possa crescer de maneira sustentável nospróximos anos. A política monetária tem efeitos sobre a inflação e sobre aflutuação do produto no curto prazo, mas, infelizmente, é incapaz de elevar a

3 Hillbrecht (1999) e Hilebrecht e Rocha (1997).4 É interessante notar que o mesmo fenômeno ocorreu também na Argentina. Nesse país,

contudo, as províncias eram responsáveis diretamente pela emissão de “títulos de dívida”,que circulavam livremente como moeda.

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taxa de crescimento de longo prazo da economia. Para garantir tal elevação, épreciso atuar sobre a acumulação de fatores de produção (capital físico e humano)e sobre sua produtividade.

Este artigo apresenta uma avaliação da política econômica nos doisprimeiros anos do Governo Lula5. Para tanto, apresenta-se, na seção 2, umaavaliação crítica das opções e dos resultados obtidos em 2003 e 2004. Naseção 3, há uma mudança do foco de análise do curto para o longo prazo, comuma discussão centrada na questão do crescimento econômico sustentado. Porfim, são apresentadas, na última seção, as conclusões do artigo.

2 - Retomada cíclica do crescimento econômico: fatores internos e externos

Nesses dois anos de governo, a equipe econômica vivenciou momentosdistintos. No primeiro ano, sobraram especulações sobre a não-continuidade dapolítica herdada do governo anterior, pois os custos, em termos de atividadeeconômica, foram muito elevados para (re)conquistar a credibilidade junto aosagentes econômicos. Em 2004, por outro lado, a equipe comandada pelo MinistroAntônio Palocci ganhou respeitabilidade junto ao Presidente e aos membros dopartido governista, na medida exata em que os números da economia semostravam surpreendentemente positivos. Entretanto, conforme será discutidonas seções a seguir, o grande desafio que se impõe é que o País não fiquerestrito a um crescimento cíclico, mas que se engaje numa verdadeira dinâmicade crescimento sustentável.

2.1 - O quadro econômico internacional

Se, por um lado, a manutenção dos pilares da política econômica foi decisivapara a recuperação da atividade em curso, por outro, o cenário internacional em2003 e 2004, em que não houve nenhuma crise de liquidez e o crescimentomundial foi alto, serviu como “pano de fundo” para o bom desempenho daeconomia brasileira. Segundo informações do Fundo Monetário Internacional(FMI), a atividade mundial cresceu 3,9% em 2003 e 4,3% em 20046.

5 O presente artigo atualiza e expande dois trabalhos anteriores de Portugal (2003) e dePortugal e Barcellos (2003), escritos no início do Governo Lula.

6 Dados preliminares divulgados pelo FMI em janeiro de 2005.

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O quadro econômico externo, nesse período, pode ser sintetizado comoum movimento disseminado de crescimento entre os países em desenvolvimentoe de crescimento relativamente concentrado entre os países desenvolvidos.Em relação ao primeiro grupo, países como a Índia, a Rússia e o Chile seaproveitaram de uma demanda internacional crescente (principalmente decommodities) e auferiram elevadas taxas de crescimento do PIB. Além desses,a China manteve sua crescente inserção no contexto internacional, pois, aosustentar o ritmo impressionante de crescimento dos últimos 25 anos (taxas de9,1% e 9,5% em 2003 e 2004, respectivamente), contribuiu para o aumento depreços de várias commodities exportadas por países emergentes, como o Brasil.

Em relação aos países desenvolvidos, a grande locomotiva ficou por contada política expansionista norte-americana, que manteve o País crescendo nessesdois anos. Em 2003, outras nações importantes apresentaram desempenhoeconômico positivo, como o Japão e a Espanha, que cresceram 2,5%, e oReino Unido, que expandiu sua atividade em 2,2% no mesmo ano. Ao contráriodo caso norte-americano, essas taxas não apresentaram sustentabilidade em2004, por uma fusão de fatores negativos que atingiram as bases dessesdesempenhos, como a elevação dos preços nominais do barril do petróleo paraos mais altos níveis da história e a desvalorização do dólar frente às moedas aoredor do mundo.

O movimento no mercado de moedas, em que o dólar perdeu espaço frenteao euro e ao iene japonês, por exemplo, esteve relacionado com os desequilíbriosque foram gerados pela política econômica dos Estados Unidos no Governo G.W. Bush, que resultou em elevados déficits nas contas públicas e nas contasexternas, apesar de o País ter voltado a crescer com taxas próximas de 4% a.a.Ao longo dos oito anos da Administração B. Clinton, foi realizado um forte ajustenas contas públicas, com o déficit sendo reduzido de forma contínua desde1993 até a obtenção de um superávit de US$ 236,4 bilhões em 2000. NaAdministração G. W. Bush, esse superávit foi sendo reduzido em função daperda de arrecadação (devido ao menor ritmo de crescimento e à política decortes agressivos de impostos) e da elevação dos gastos públicos (de origememinentemente militar), associados às Guerras do Afeganistão e, principalmente,do Iraque.

Para financiar essa crescente deterioração das contas públicas, foinecessário elevar a dívida pública norte-americana, conforme apresentado noGráfico 1. Uma parte considerável desse endividamento foi financiada porinvestidores asiáticos privados e governamentais (bancos centrais). A dívidapública, que vinha sendo vagarosamente reduzida ao longo da AdministraçãoClinton, voltou a crescer nos quatro primeiros anos da Administração W. Bush,aumentando 26% entre os anos de 2001 e 2004. Como mostra o Gráfico 2, a

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administração atual inverteu o superávit fiscal de US$ 236,4 bilhões, obtido em2000, para um déficit de US$ 412,6 bilhões em 2004. De certa forma, os déficitspúblico e externo estiveram ligados. Parte significativa do déficit externo dosEstados Unidos ocorreu (e ainda ocorre) com países da Ásia, principalmentecom a China. No período de janeiro a setembro de 2004, o déficit no comérciointernacional de bens norte-americano atingiu US$ 481,7 bilhões, sendo os déficitsbilaterais com a China (US$ 114,3 bilhões) e com o Japão (US$ 55,2 bilhões)muito significativos. Ou seja, o desequilíbrio nas contas externas funcionoucomo uma fonte de financiamento do desequilíbrio das contas públicas. Aparticipação dos investidores externos como detentores de títulos públicos norte--americanos cresceu de 30% em 2001 para 42% em 2004.

Dívida pública mobiliária dos Estados Unidos — 2000-04

3 439 3 3393 553

3 9244 219

1 759

1 0061 058 1 2011 463

0

500

1 000

1 500

2 000

2 500

3 000

3 500

4 000

4 500

2000 2001 2002 2003 2004

(US$ bilhões)

0,00

0,05

0,10

0,15

0,20

0,25

0,30

0,35

0,40

0,45

Dívida em poder do público

Dívida em poder de estrangeiros

Relação entre as dívidas

Gráfico 1

FONTE: Federal Reserve Bank of St. Louis.FONTE: U.S. Department of the Treasury, Financial Management Service.NOTA: 1. Valores de setembro de cada ano (referentes ao ano fiscal). 2. Para 2004, os dados são preliminares.

Legenda:

(%)

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Déficit fiscal nos Estados Unidos — 1990-04

-22,0

69,2125,6

236,4

127,3

-157,8

-412,6

-107,5-164,0

-203,3-255,1-269,3

-221,2

-290,4

-374,8

-500,0

-400,0

-300,0

-200,0

-100,0

0,0

100,0

200,0

300,0

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

(US$ bilhões)

Gráfico 2

FONTE: Federal Reserve Bank of St. Louis.NOTA: 1. Dados referentes ao ano fiscal. 2. Para 2004, o dado ainda é preliminar.

A expansão dos gastos amplificou a demanda, o que, somado à políticamonetária — que levou as taxas reais de juros a operarem negativamente —,fez com que o déficit externo também crescesse e se apresentasse como umproblema estrutural. É importante destacar que parte significativa do resultadoexterno negativo ocorreu com países da Ásia, principalmente com a China. Atítulo de ilustração, no período de janeiro a setembro de 2004, o déficit comercialfoi de US$ 481,7 bilhões, sendo que os déficits bilaterais com a China (US$114,3 bilhões) e com o Japão (US$ 55,2 bilhões) estiveram entre os maissignificativos.

A estratégia do Governo norte-americano para corrigir essas gravesdistorções vem sendo a de reduzir o déficit externo por meio da desvalorizaçãodo dólar frente às demais moedas, com destaques para o euro e o iene, reduzindoa competitividade dos produtos cotados nessas moedas, causando queda de

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exportações e redução do ritmo de crescimento econômico na zona do euro eno Japão. A continuidade e/ou a exacerbação desse processo poderá terconseqüências graves para o crescimento dos demais países industrializadosnos quais as exportações são uma importante fonte de crescimento econômico.Ademais, poderá haver conseqüências simultâneas para a economia dos EstadosUnidos, caso a desvalorização seja muito significativa. Nesse cenário, arentabilidade das aplicações em dólar (em comparação às outras moedas) estariadecrescendo, sendo possível que, em algum momento, os investidores externoscomecem a cobrar um prêmio maior para aplicações denominadas na moedanorte-americana.

Um outro aspecto de grande influência no contexto internacional esteverelacionado às cotações do petróleo, que atingiram os maiores níveis nominaisda história. Impulsionados pelo crescimento expressivo da demanda externa,em um ambiente de carência de grandes investimentos na capacidade deextração nas principais regiões produtoras, os preços do barril do petróleosuperaram a marca dos US$ 50/barril no quarto trimestre de 2004. Essa mudançarepentina de patamar, que, durante a década de 70, levou muitas economias aenfrentarem séries dificuldades em termos inflacionários e de crescimento daatividade, acabou tendo um impacto relativamente baixo na economia mundial ena economia brasileira em particular. Em parte, a explicação para esse impactode menor proporção deveu-se a uma redução da dependência mundial de petróleoem relação ao passado recente. No caso brasileiro, a Agência Nacional de Petróleo(ANP) informou que a taxa de dependência7, em 2003, foi de 7%, muito inferioraos 47% verificados em 1992, um ano após a I Guerra do Iraque.

Dessa forma, apesar de existirem aspectos negativos no cenário externo,bem como sinais de fragilidade da sustentabilidade na dinâmica atual para ospróximos anos, o fato é que o Governo Lula não enfrentou, até o momento,nenhuma grande crise econômica. Na verdade, a forte demanda internacional eo fluxo favorável de capitais acabaram sendo um elemento-chave para o iníciodo processo de recuperação da economia brasileira no final de 2003 e em 2004.

2.2 - O quadro econômico doméstico

Os primeiros meses do novo governo foram marcados pelo ceticismo e porvárias críticas em relação à condução da política econômica. Muitos economistas

7 A taxa de dependência mede a relação entre as importações líquidas e o total de consumode petróleo do país.

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ligados a ideais heterodoxos viam na chegada do PT ao poder uma janela deoportunidade para a concretização de mudanças representativas na políticaeconômica. Ao mesmo tempo, o mercado financeiro percebia, em cada declaraçãode membros do Governo de que não existia espaço para experimento na gestãoeconômica, uma sinalização de que a Carta ao Povo Brasileiro não era apenasuma retórica eleitoral. Existia, ainda, um grupo de profissionais que acreditavaque as escolhas feitas no início do mandato eram temporárias e, assim que oGoverno ganhasse credibilidade, as mudanças viriam. Tal fato acabou nãoacontecendo.

Esse sentimento de insatisfação era mais forte, na medida em que osresultados em termos de atividade econômica, que eram divulgados nos primeirosmeses de 2003, traçavam um cenário recessivo. A taxa básica de juros Selic foielevada nas duas primeiras reuniões do Comitê de Política Monetária sobre ocomando de Henrique Meirelles, atingindo o teto de 26,50% a.a., com o propósitode combater a inércia inflacionária derivada da forte desvalorização da taxa decâmbio de 2002.8 O aperto na política monetária continha a inflação, mas, aomesmo tempo, impunha à atividade um ritmo lento, com diversos setoresapresentando desempenhos ruins, principalmente aqueles mais dependentesdo mercado interno. Na verdade, 2003 foi um ano marcado pela queda nossegmentos relacionados com o salário e o emprego, como o comércio varejista.Por outro lado, diversos ramos da atividade industrial encontraram nas vendasexternas uma saída para a carência de consumo interno, o que, somado à safrarecorde de grãos do Setor Primário, possibilitou que o País obtivesse o maiorsaldo da balança comercial até então.9

Na medida em que ficava cada vez mais claro que o País não teria comocrescer em 2003, frustrando a declaração do Presidente de que ainda naquele

8 No curto prazo, um dos elementos mais importantes para a política monetária é o controledas expectativas de inflação dos agentes econômicos. Como salienta Woodford (2003,p. 15): “O sucesso da política monetária não depende tanto da questão do controle efetivodas taxas de juros overnight como depende da formação das expectativas de mercadosobre a forma com que a taxa de juros, a inflação e a renda evoluirão nos próximos anos. (...)Com isso, enquanto o Banco Central tiver a capacidade de afetar as expectativas, estadeveria ser uma importante ferramenta da política de estabilização. (...) As expectativassobre a política são tão importantes que, pelo menos sob certas condições, pouco maisimporta”. No original: “For successful monetary policy is not so much a matter of effectivecontrol of overnight interest rates as it is of shaping market expectations of the way in whichinterest rates, inflation, and income are likely to evolve over the coming year and later.(...) It follows that, insofar as it possible for the central bank to affect the expectations, thisshould be an important tool of stabilization policy. (...) Not only do expectations about policymatter, but, at least under current conditions, very little else matters”.

9 O saldo da balança comercial brasileira foi de US$ 24,8 bilhões em 2003.

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Política econômica e crescimento sustentado:..

ano a sociedade assistiria ao “espetáculo do crescimento”, pressões paramudanças na política econômica ganhavam espaço. Os membros da equipeeconômica, pressionados, tinham como armas de defesa a volta da credibilidadeinternacional — refletida nas classificações de risco de agências internacionaise no aumento da demanda por papéis brasileiros no exterior —, a queda dainflação, os resultados fiscais e os superávits externos, que serviriam de basepara uma futura recuperação da atividade. O fato, todavia, é que a economiacresceu apenas 0,5% em 2003, com a inflação acima da meta “ajustada”10.

Em 2004, a economia brasileira auferiu resultados macroeconômicos muitopositivos, relacionados à flexibilização da política monetária iniciada em 2003,em um contexto de liquidez elevada no mercado financeiro internacional. A partirda conjugação de uma demanda mundial aquecida, impulsionada pelosdesempenhos da China e dos EUA, com a manutenção da política econômicatambém nas áreas cambial e fiscal, os bons resultados foram registrados tantonas atividades mais voltadas ao mercado externo quanto nos setores maisdependentes da dinâmica interna do consumo.

Embora a demanda externa tenha exercido o papel importante de reativara economia no final de 2003 e no início de 2004, foi o mercado interno —alicerçado na expansão da massa de salários e no crescimento do crédito — oresponsável pela maior parte do desempenho econômico daquele ano. A massade salários teve um desempenho positivo, como resultado de um fortecrescimento do emprego e de uma pequena elevação do salário real médio. Poroutro lado, as mudanças estruturais que foram sendo implementadas no mercadode crédito, principalmente no que diz respeito aos empréstimos com descontodiretos na folha de pagamento das empresas e do INSS, geraram uma forteexpansão do crédito para pessoas físicas11.

Nesse contexto, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu 5,2%, oque corresponde ao melhor desempenho nos últimos 10 anos, cujo destaqueficou por conta do aumento da participação da demanda interna, responsávelpor, aproximadamente, 80% do resultado. Em relação à política monetária, ataxa básica de juros Selic foi reduzida em duas oportunidades no primeiro

10 Essa meta foi estabelecida levando-se em consideração três fatores: (a) a meta estabelecidapelo Conselho Monetário Nacional (4,0 pontos percentuais); (b) os impactos inerciais dainflação do ano anterior que seriam combatidos (2,8 pontos percentuais); e (c) o efeitoprimário dos choques de preços administrados por contrato e monitorados (1,7 pontopercentual). Dessa forma, a meta ajustada para a inflação passou a ser de 8,5%. Maioresdetalhes dessa metodologia podem ser obtidos em Banco Central do Brasil (2003).

11 Nos últimos 12 meses até fevereiro de 2005, o volume de crédito livre cresceu 24,3% emtermos nominais, sendo que o crédito para pessoas físicas cresceu 31,8%.

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trimestre, mantendo-se em 16% a.a. até setembro, quando, a partir de então, seiniciou um processo de ajustes graduais com o intuito de evitar o não-cumprimentodas metas inflacionárias nos anos subseqüentes, finalizando 2004 com a taxareferencial em 17,75% a.a.

No lado externo, a economia brasileira vivenciou uma das maisimpressionantes inversões positivas nos indicadores, nos anos recentes. Arelação estoque da dívida externa sobre exportações, utilizada por muitasagências de classificação de risco como parâmetro de solvência de uma nação,foi reduzida de um patamar de 5,0 em 1999 para apenas 2,2 no final de 2004(Gráfico 3). Ou seja, enquanto, em 1999, eram necessários cinco anos deexportações brasileiras para pagar o estoque da dívida externa, ao final de 2004esse número caiu mais de 50%. Conforme apresentado no Gráfico 4, o resultadoexterno também foi verificado no saldo acumulado em 12 meses das transaçõescorrentes, que saíram de um déficit de US$ 33,4 bilhões para um superávit deUS$ 11,6 bilhões no mesmo período.

Relação dívida externa/exportações do Brasil — 1971-04

2,2

5,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

4,0

4,5

5,0

5,5

1971

1973

1975

1977

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

FONTE: Banco Central do Brasil.

Gráfico 3

Resultado da razão

0

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Política econômica e crescimento sustentado:..

Saldo em transações correntes do Brasil — 1971-03

-33 416

11 669

-35 000

-27 500

-20 000

-12 500

-5 000

2 500

10 000

1971

1973

1975

1977

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

FONTE: Banco Central do Brasil.NOTA: Saldo acumulado em 12 meses.

(US$ milhões)

Gráfico 4

A melhoria das condições de risco da economia permitiria que, em 2004,fosse contornado o problema do “pecado original” da economia brasileira.12

Alguns bancos privados que operam no País conseguiram captar recursos dedívida externa com o lançamento de títulos em reais no mercado internacional.Esses lançamentos, ainda em volume muito reduzido, foram feitos com jurospré-fixados e pós-fixados (com correção pelo IGP-DI). O “batismo” da economiabrasileira foi realizado por uma perspectiva de que as regras de condução dapolítica econômica não são mais tão voláteis como no passado.

Embora o saldo da política econômica nos dois primeiros anos do GovernoLula tenha sido positivo, cumpre analisar, com mais cuidado, a política fiscal,visto que os resultados foram muito bons, mas a sustentabilidade deles estácondicionada a aperfeiçoamentos na gestão dos recursos públicos. A relação

12 Para mais detalhes sobre essa incapacidade de endividamento externo em moeda domés-tica, ver Eichengreen, Hausmann e Panizza (2002).

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dívida/PIB caiu de forma consistente ao longo de 2004, atingindo 51,3% emfevereiro de 2005. Além dessa redução, a composição da dívida pública tambémsofreu alteração com a queda na participação da dívida indexada ao câmbio ecom a elevação, embora discreta, da participação dos títulos pré-fixados. Odéficit público nominal (Gráfico 5) também caiu em 2004, sendo que, emnovembro daquele ano, o déficit acumulado em 12 meses como proporção doPIB atingiu o valor de 2,58% (Gráfico 6). Esse é um valor muito baixo, quandoconsideramos o passado de irresponsabilidade fiscal do Estado brasileiro.

Esses dois indicadores fiscais, em um momento de perspectiva decrescimento econômico sem choques cambiais, poderiam permitir que o Paísdesse um grande salto qualitativo nas contas públicas. Ao contrário da experiênciahistórica brasileira, de somente fazer contenção fiscal em momentos de criseeconômica, quando esses ajustes são mais custosos em termos sociais, há aoportunidade de aprofundar esse mecanismo em um quadro de estabilidadeeconômica. Mas essa chance, porém, vem sendo desperdiçada.

Relação dívida líquida do setor público consolidado/PIB do Brasil — jan./00-nov./04

41

45

49

53

57

61

65

Jan.

/00

Abr

./00

Jul./

00

Out

./00

Jan.

/01

Abr

./01

Jul./

01

Out

./01

Jan.

/02

Abr

./02

Jul./

02

Out

./02

Jan.

/03

Abr

./03

Jul./

03

Out

./03

Jan.

/04

Abr

./04

jul./

04

Out

./04

FONTE: Banco Central do Brasil.

Gráfico 5

(%)

0

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Política econômica e crescimento sustentado:..

O Gráfico 7 é um retrato da incapacidade crônica de realizar o ajuste fiscalpor parte dos governantes brasileiros. Nele, são traçadas as trajetórias do gastopúblico não financeiro como percentual do PIB. Entre 1995 e 1998, a diferençaentre as receitas e despesas não financeiras era muito pequena, não gerandoum superávit primário suficiente para arcar com o serviço da dívida pública. Oresultado foi um endividamento crescente. A partir de então, tanto a receitaquanto a despesa não financeira foram crescentes ao longo do tempo. Em apenasdois anos, houve uma redução da despesa não financeira como proporção doPIB (1999 e 2003), ambos caracterizados por fortes crises econômicas. Dessaforma, o Governo Federal parece não ser partidário do ditado popular querecomenda “consertar o telhado em dia de sol”. Ao contrário, os ajustes fiscaissó vêm sendo realizados com ímpeto em períodos cuja conjuntura econômica étão ruim que não há outra solução possível. O Gráfico 7 mostra, ainda, que,como não ocorreu redução de despesas, a elevação da receita teve de ser

Necessidade de financiamento do setor público consolidado nominal do Brasil — jan./00-nov./04

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

Jan.

/00

Abr

./00

Jul./

00

Out

./00

Jan.

/01

Abr

./01

Jul./

01

Out

./01

Jan.

/02

Abr

./02

Jul./

02

Out

./02

Jan.

/03

Abr

./03

Jul./

03

Out

./03

Jan.

/04

Abr

./04

Jul./

04

Out

./04

FONTE: Banco Central do Brasil.NOTA: Acumulado de 12 meses.

Gráfico 6

(% do PIB)

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significativa, para impedir a insolvência do setor público. Em outras palavras, foia elevação da carga tributária que garantiu a solvência do setor público.

Receitas e despesas não financeiras da União — 1995-04

13

14

15

16

17

18

19

20

21

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

FONTE: Banco Central do Brasil. Secretaria do Tesouro Nacional.

(% do PIB)

Receitas Despesas

Gráfico 7

Legenda:

0

13 Ver Sargent e Wallace (1981).

O problema que se impõe é que não há sustentabilidade de longo prazo emuma política de combate à inflação que combine política monetária restritivacom política fiscal expansionista. A “desagradável aritmética monetarista”13 indicaque é necessário mostrar que existe um compromisso de longo prazo desolvência fiscal.

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Política econômica e crescimento sustentado:..

3 - Crescimento sustentado e reformas microeconômicas

Tem sido crescente, no Brasil, o debate sobre os limites do crescimentoeconômico. É importante distinguir, nesse ambiente, dois tipos de questõesque, muitas vezes, aparecem “misturadas” no debate público. De um lado, existemquestões ligadas ao desempenho do PIB no curto prazo. Tais questões dizemrespeito ao gerenciamento da política macroeconômica (juros e tamanho dodéficit fiscal) e constituem escolhas sobre as trajetórias da atividade e da inflaçãono curto prazo. Por outro lado, existem questões associadas ao desempenho doPIB no longo prazo. Uma forma de entender esses dois tipos de questões éilustrada nos Gráficos 8 e 9, em que são apresentadas trajetórias hipotéticas deevolução do PIB que incorporam comportamentos distintos. No Gráfico 8, tem--se um padrão cíclico que se desenvolve em torno de uma tendência estacionária.Vale dizer, existem fases de crescimento e de recessão no curto prazo, mas atendência de longo prazo do produto é constante. Por outro lado, é apresentada,no Gráfico 9, a trajetória do produto em uma economia que tem fases decrescimento e de recessão no curto prazo, mas essas oscilações ocorrem emtorno de uma tendência crescente da atividade ao longo do tempo.

Desempenho cíclico sem crescimento de longo prazo no Brasil — 1900-2020

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Índice do PIB

Gráfico 8

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No curto prazo, a política macroeconômica, principalmente a política mo-netária, é utilizada para suavizar os ciclos econômicos. Quando a economiacomeça a crescer a uma taxa que é incompatível com alguma medida de esta-bilidade de preços (uma certa meta inflacionária), o Banco Central eleva osjuros para impedir que surjam pressões indesejáveis nos preços. Por outro lado,quando a economia cresce a taxas relativamente baixas, ocorre uma inversãode política, com a redução das taxas de juros. Essa é a prática usual na maiorparte das economias desenvolvidas do mundo pós-Bretton Woods. Os dadosdos últimos 30 anos mostram que tem havido um grande sucesso em termos desuavização do ciclo econômico nas economias desenvolvidas. Depois daeliminação da hiperinflação, a política econômica, na maioria dos paísesemergentes, passou a ser conduzida de forma semelhante. Na prática, o BancoCentral acaba atuando como um motorista que controla um carro, tentando evitarum “acidente inflacionário”: ele pisa no freio (elevando juros), quando o carroestá correndo a uma velocidade acima do que é considerado desejável, e acelera(reduzindo os juros), quando a velocidade do carro não gera riscos de um “acidente”ocorrer.

Quando se trata de crescimento econômico de longo prazo, a questãoprincipal não é mais a de suavização do ciclo econômico, mas, sim, a de elevar(ou manter elevada) a inclinação da tendência histórica de crescimento. No Gráfico

Desempenho cíclico com crescimento de longo prazo no Brasil — 1990-2019

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Índice do PIB

Gráfico 9

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Política econômica e crescimento sustentado:..

9, procura-se fazer com que o ciclo econômico de curto prazo seja suavizadoao redor de uma tendência de crescimento de longo prazo elevada, tambémchamada de “produto potencial”. Logo, um objetivo importante da políticaeconômica de qualquer governo é a elevação desse produto potencial daeconomia, que está ligado à acumulação de fatores de produção (principalmentecapital e trabalho) e à produtividade dos mesmos. Vale dizer que, para crescerno longo prazo, é necessário elevar a acumulação de capital e de trabalho eaumentar a qualidade (produtividade) dos mesmos. No caso do Brasil, o maisimportante é elevar a quantidade e a qualidade da acumulação de capital e aqualidade da força de trabalho.

O Gráfico 10 apresenta a evolução observada do PIB trimestral brasileiro(em índice) e uma linha de tendência linear, medindo o PIB potencial, enquantoo Gráfico 11 ilustra o comportamento cíclico da taxa de crescimento acumuladaem quatro trimestres e a média desse crescimento (que foi de 2,6% no período)desde o primeiro trimestre de 1993. Os Gráficos 10 e 11 servem para ilustrar oponto de que políticas que visem aumentar o crescimento econômico no longoprazo devem ser centradas na elevação da inclinação das “retas” que representamo produto potencial (Gráfico 10) e a média do crescimento anual brasileiro nosúltimos anos (Gráfico 11).

No que diz respeito à força de trabalho, é necessário aumentar o nível deescolaridade. Em média, um trabalhador brasileiro tem cerca de 6,4 anos deestudo, e, aproximadamente, 30% da população sofre de analfabetismofuncional.14 Além disso, a qualidade do ensino na escola brasileira deixa a desejar.Note-se que políticas de investimento em educação básica (mantendo as criançasna escola por mais tempo e melhorando a qualidade do ensino), em educaçãoprofissionalizante e em inclusão digital são fundamentais para elevar a taxa decrescimento do produto potencial, mas não têm qualquer efeito no curto prazo,em termos da trajetória do ciclo econômico.

Por outro lado, para elevar a acumulação de capital e aumentar aprodutividade, é importante que sejam implementadas políticas de aberturacomercial, de mudança no marco institucional (também chamadas de reformasmicroeconômicas), de tal forma que permitam uma maior segurança com respeitoaos direitos de propriedade, de incentivo à pesquisa para o desenvolvimentocientífico e tecnológico nas universidades e nas empresas brasileiras. Os projetosdiscutidos recentemente no Congresso Nacional, como as ParceriasPúblico-Privadas, a nova Lei de Falências, a Reforma do Judiciário e a Reforma

14 Uma proporção ainda maior sofre de analfabetismo digital.

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Tributária, são exemplos de reformas de caráter microeconômico que visam àexpansão da taxa de crescimento de longo prazo da economia.

Essa distinção entre suavização do ciclo econômico e aumento da taxa decrescimento do produto potencial da economia é importante, pois os instrumentosutilizados em cada caso e o timming dos resultados são distintos. No curtoprazo, a política monetária é fundamental. No longo prazo, são necessáriaspolíticas de caráter microeconômico que têm um prazo de maturação mais longo.Quando se monta um cenário para o ano seguinte, o mais relevante são oscondicionantes de curto prazo da trajetória do ciclo econômico, embora essasquestões de longo prazo tenham de ser consideradas, pois os agenteseconômicos antecipam os possíveis resultados futuros da política econômicado presente, influenciando o momento atual.

Média móvel semestral do índice do PIB real brasileiro e sua tendência — abr.-jun./91-abr.-jun./04

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4

FONTE: IBGE.

Gráfico 10

Índice do PIB

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Política econômica e crescimento sustentado:..

Nesse contexto, é possível caracterizar o rápido crescimento do PIBobservado em 2004 como uma fase de recuperação cíclica da economia. Essecrescimento acelerado, por sua vez, começou a ameaçar a estabilidade de pre-ços e obrigou o Banco Central a elevar a taxa de juros em setembro daqueleano, afetando o ritmo cíclico da atividade no curto prazo. Na verdade, doisfatores que estão intimamente interligados determinam os limites do cres-cimento no curto prazo: o comportamento da inflação e os limites de capaci-dade produtiva física da indústria e da infra-estrutura15.

15 Durante o segundo semestre de 2004, o Banco Central do Brasil manifestou, em suasdiversas publicações, a preocupação com o nível recorde de utilização média da capaci-dade da indústria, o que afetou as medidas de hiato do produto, e foi identificado comoriscos potenciais de pressões inflacionárias no futuro.

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4FONTE: IBGE.

(%)

Gráfico 11

Taxa média de crescimento do

PIB para o período como um todo

Taxa de crescimento do PIB acumulado no Brasil — 1º trim./93-4º trim./04

(%)

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No que diz respeito aos três setores de infra-estrutura mais importantespara viabilizar o crescimento econômico do País (energia, telecomunicações etransportes), o problema da falta de capacidade também não parece ser forte osuficiente para impedir o crescimento do PIB no curto prazo. No caso dastelecomunicações, a privatização propiciou um grande investimento produtivo,que se traduz em excelentes condições de oferta no setor. No caso do setor deenergia, embora ainda não seja possível avaliar o impacto das modificaçõesinstitucionais feitas pelo Governo Lula, não devem ser observados problemasde falta de oferta em 2005. No caso do setor de energia elétrica, a decisão deconcentrar poderes no Ministério das Minas e Energia (MME) em detrimento daAgência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pode prejudicar a atração deinvestimentos no setor. A falta de definição quanto aos preços da chamada“energia nova” fez com que os investimentos em geração de energia fossemmuito reduzidos em 2003 e 2004, mas não devem prejudicar o ritmo da atividadeno curto prazo. Por fim, o único setor de infra-estrutura com maior chance decomprometer a expansão da produção é o de transportes. As condições deestradas e portos não são as melhores para uma rápida expansão da produçãodoméstica. No entanto, mesmo nesse setor, as deficiências existentes nãodeverão ser suficientes para paralisar o crescimento econômico do País em2005.

É importante notar que alguns passos importantes estão sendo dados nosentido de favorecer a manutenção do crescimento econômico. A Lei de Falênciase a Reforma do Judiciário são bons exemplos de reformas de carátermicroeconômico importantes. A Lei de Falências avança no sentido de eliminaçãoda presença do “carona” (free-rider), que, muitas vezes, impede que umarenegociação entre credores e devedores viabilize a reestruturação das empresas.Melhora, ainda, a situação dos credores que têm garantias reais, dando maiorsegurança aos contratos e possibilitando uma redução do risco e,conseqüentemente, dos juros.16

Por outro lado, a Reforma do Judiciário, ao criar a “súmula vinculante” elimitar as possibilidades de recurso, contribui para reduzir a incerteza jurídicaem relação ao futuro. É preciso que se compreenda que certas ações do PoderJudiciário podem ser muito danosas ao crescimento econômico, na medida emque reduzem os direitos de propriedade. É significativo que alguns membrosinfluentes do próprio Poder Judiciário já comecem a atentar para tal fato. Odiscurso de posse do Ministro Nelson Jobim no cargo de Presidente do Supremo

16 Mais detalhes podem ser obtidos em Araújo e Paiva (2004).

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Tribunal Federal (STF) ilustrou bem essa tendência de reconhecer que o papeldo Judiciário é o de garantir os direitos dos indivíduos. No discurso, Jobim (2004)afirmou que:

“Lembro que, nos anos 70, a nossa geração procurou atribuir ao PoderJudiciário uma função de oposição ao regime político de então. Nãotínhamos espaço para influir nas políticas públicas. Por isso,tentávamos subverter o regime pela sentença. Bracejávamos adistinção entre o legal e o justo. Queríamos, na sentença, o segundo,em lugar do primeiro. Pregávamos a rebeldia jurisdicional. Tudo porqueo legal era produto de um regime autoritário. O Poder Judiciário apareciacomo um local em que poderíamos produzir — na sentença — umaoposição ao regime. As circunstâncias políticas mudaram. O País éoutro. O regime autoritário ficou no registro da história. Na plenitudedemocrática só o voto legitima as políticas públicas. O discurso e aprática de ontem são imprestáveis hoje. A decisão judiciária não podese produzir fora dos conteúdos da lei — lei essa democraticamenteassentada em processo político, constitucionalmente válido”.

A formulação e a execução de políticas públicas que visem redistribuirrenda e reduzir pobreza são atividades fundamentais em qualquer regimedemocrático, mas não são atribuições do Poder Judiciário. Nos paísesdemocráticos, elas ficam a cargo de um dos poderes eleitos diretamente pelovoto: o Poder Executivo.

No caso específico da aplicação dos direitos de propriedade nas disputasentre credores e devedores, no qual a Justiça brasileira tende a beneficiar odevedor independentemente das leis e dos contratos firmados, o Ministro Jobimconsegue entender claramente que existe um problema de “perigo moral” (moralhazard) envolvido. Em muitos casos, o devedor prefere deixar de pagar e recor-rer à Justiça por um incentivo econômico racional de reduzir os pagamentos.Diz o Ministro em seu discurso:

“Devemos dimensionar e identificar a demanda de decisões. Toda adelonga no cumprimento da obrigação acaba fazendo com que odevedor seja financiado pelo orçamento do Judiciário, considerada ataxa de juros: (a) deixo de cumprir, hoje, minha obrigação, para cumpri--la anos após; (b) o valor não desembolsado, capitalizado ao logo dosanos, à taxa de juros do mercado, acaba sendo superior ao valorfinal da obrigação decorrente da decisão do processo; (c) aproprio-medo excedente. (...) poderemos, assim, ter uma idéia dos subsídiosocultos aos inadimplentes, travestidos em custos da máquina judiciária”(Jobim, 2004).

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O que o Ministro não diz, mas é igualmente verdade, é que a falta derespeito aos direitos de propriedade eleva a taxa de juros no País. Uma dasrazões que faz do Brasil um país com carência de poupança é o desprezo comque se tratam os poupadores.17

4 - Conclusões

O governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o primeiro, desde aredemocratização do Brasil, em 1985, a iniciar sem um “Plano Econômico”.Houve tantos no passado recente: Cruzado, Bresser, Verão, Collor I, Collor II e,finalmente, o Real.

À exceção do Plano Real, esses planos tinham em comum uma propostaheterodoxa de fazer política econômica, abandonando as práticas chamadas deortodoxas, ou usuais, que são aplicadas rotineiramente na maior parte dos paísesbem-sucedidos do mundo. Os planos econômicos no Brasil, fora o Plano Real,nada mais eram do que um conjunto de medidas de caráter exótico com umacaracterística comum, ruptura generalizada de contratos e de regras econômicasbásicas (congelamento geral de preços e salários), que eram digeridas pelapopulação durante o final de semana e/ou feriado bancário. Os chamados planoseconômicos heterodoxos sempre foram, na verdade, um eufemismo de ruptura.O Plano Real terminou com esse ciclo de heterodoxia econômica e ruptura noBrasil. O Real parece ter fechado um ciclo de políticas experimentalistas que seiniciou em 1986, quando o então Presidente José Sarney optou pelo chamadochoque heterodoxo, descartando a Proposta Larida, que seria a base deelaboração do Plano Real.18

Ao reverter as expectativas de ruptura que existiam no início de seu governo,o Presidente Lula poderá estar iniciando uma nova era, de mais maturidade eestabilidade na economia brasileira. Caso essa estratégia seja mantida até ofinal de seu mandato, o atual Governo tem a chance de passar para a históriacomo o exorcista da ruptura e da pirotecnia econômica no Brasil.

Os eventos dos últimos dois anos têm mostrado que o País está atingindotambém um certo grau de maturidade política. Essa maturidade é gerada pelaconvergência dos partidos políticos para o centro. O grau de divergência política

17 Uma boa análise sobre a relação entre a incerteza jurisdicional e a taxa de juros pode serencontrada em Arida, Bacha e Resende (2004).

18 A esse respeito, ver Portugal (1996).

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no Brasil reduziu-se significativamente. Nas duas eleições presidenciais anteri-ores, mas principalmente na de 1994, existiam dois projetos políticos completa-mente opostos. De um lado, propunha-se a abertura econômica, a privatizaçãoe outras reformas liberalizantes e, de outro, a manutenção do modelo antigo deeconomia fechada, com forte intervenção e regulamentação estatal. Durante aAdministração FHC, a agenda de reformas parece ter se imposto como agendahegemônica, adotada agora com alterações menores pela oposição de outrora.

Essa maior maturidade política, que descarta a adoção de soluções exóti-cas de política econômica, pode gerar benefícios muito elevados para o País nolongo prazo. A experiência de um governo de esquerda que respeita regras econtratos estabelecidos e que não tenta impor uma agenda de ruptura à sociedadeleva a um ganho de credibilidade para o País como um todo e não apenas parao governo que está em exercício. É importante, nesse sentido, distinguircredibilidade de um governo e credibilidade de um país. A credibilidade do paísenvolve a existência de um certo grau de consenso entre governo e oposiçãosobre as regras mínimas de funcionamento da sociedade.

A experiência política brasileira na última década reproduz, em certa medida,os fatos ocorridos no Reino Unido, entre o final dos anos 70 e os anos 90. Apósa eleição do governo conservador liderado por Margaret Thatcher, a opção feitapelo Partido Trabalhista foi a de assumir uma posição política diametralmenteoposta à agenda de reformas proposta pelo novo governo. A eleição de MichelFoot como líder do Partido Trabalhista consagrou a opção pelo confronto diretocom as reformas liberalizantes implementadas no Reino Unido, nos anos 80. Asignificativa derrota desse projeto na eleição geral subseqüente criou anecessidade de um processo lento de mudança de posição do Partido Trabalhistainglês, que durou mais de uma década, liderado por Neil Kinock, John Smith e,finalmente, Tony Blair.19 Quando os trabalhistas se tornaram outra vezeleitoralmente viáveis, seu projeto de governo estava bastante próximo da agendade reformas liberalizantes. A esse respeito, basta lembrar que foi no primeiromês de governo trabalhista de Tony Blair que foi instituída a independênciaoperacional do Banco da Inglaterra em matéria de política monetária. Em termoseconômicos, o governo trabalhista colheu grandes frutos dessa opção, levandoa economia do Reino Unido a crescer sistematicamente acima da economia daUnião Européia.

19 Nesse processo de mudança, acabaram sendo expulsos do Partido Trabalhista aquelesmembros do Parlamento associados às suas correntes mais radicais, principalmente oschamados militants.

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No caso brasileiro, ocorreu também essa conversão da oposição ao pro-grama de reformas do governo anterior. As principais diferenças em relação àexperiência inglesa dizem respeito à velocidade da mudança e aos persona-gens envolvidos na transição. No caso brasileiro, a conversão foi bem maisacelerada, tendo, na melhor das hipóteses, como ponto inicial a chamada Cartaao Povo Brasileiro em meados de 2002.20 Por outro lado, também diferente-mente do caso inglês, a mudança de postura política foi feita, no caso do Parti-do dos Trabalhadores, sem que houvesse uma mudança das principais lideran-ças do Partido.21 Essa rapidez de conversão à política econômica tradicional e àagenda de reformas, combinada com a falta de novas lideranças associadas aessas novas teses, continua a levantar dúvidas quanto à solidez e àsustentabilidade desse processo de conversão. Nesse caso, o tempo e as açõesconcretas do Governo vão contribuir para a consolidação, ou não, da percepçãode mudança de projeto econômico.

Um argumento a favor da tese da conversão permanente do PT a essanova agenda de política econômica e de reformas liberalizantes, iniciada noGoverno FHC, pode ser oferecido pelo Teorema do Eleitor Mediano22. Partidosde esquerda e de direita tendem a aprender que, para serem eleitoralmenteviáveis em um sistema eleitoral de dois turnos, têm de cativar o eleitor mediano.Após perder três eleições presidenciais seguidas, a lição da importância derepresentar o eleitor mediano parece ter sido finalmente adotada pela liderançado atual partido governista.

Infelizmente, a atual gestão representa uma continuidade não apenas nosacertos, mas também nas deficiências do governo anterior. As deficiênciasherdadas são particularmente claras na área fiscal. Assim como o GovernoFHC, a Administração Lula não consegue implementar um programa de melhoriade eficiência e de redução do gasto público. Isso ficou claro ao longo de 2004,quando as condições mais favoráveis de crescimento econômico incentivarama retomada vigorosa do gasto público. Levando-se em consideração os gastos

20 Uma análise detalhada das propostas originais do Partido dos Trabalhadores e de suasalterações pode ser encontrada em Maldonado Filho (2003).

21 Um dos slogans da primeira campanha política de Tony Blair era “Mesma política comnovas pessoas” (no original, “Same policies with new faces”). No caso da eleição doPresidente Lula, talvez fosse mais apropriado “Novas políticas com as pessoas antigas”(em inglês, “New policies with old faces”). No caso do PT, talvez a única liderança degrande expressão que poderia ser considerada como forjada, dentro de um novo paradigmamenos radical, é o Ministro Palocci.

22 Maiores detalhes sobre o Teorema do Eleitor Mediano e sobre a aplicação da Teoriados Jogos em Ciência Política podem ser encontrados em Ordeshook (1992, p. 104-105;140-144).

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não financeiros da União como proporção do PIB, é possível constatar queapenas em anos de extrema crise (como em 1999 e em 2003) ocorre uma redu-ção nessa razão. O sistema político brasileiro ainda parece ser incapaz de pro-mover um ajuste permanente nas contas públicas. Esse é um problema sério,pois a falta de ajuste dos gastos públicos tem sido sustentada pela expansãoda carga tributária, que subiu de 25,72% em 1993 para 34,88% em 2003. Aexperiência histórica mostra que países que conseguiram apresentar taxas decrescimento econômico acelerado apresentam, em média, cargas tributáriasmenos elevadas.

Dessa forma, o desafio da manutenção do crescimento econômico nospróximos anos está ligado à continuação e ao aprofundamento da estratégiaatual, combinando uma política econômica tradicional (sem rupturas) com aaceleração do processo de reformas microeconômicas. Dentre essas reformas,destacam-se a independência operacional do Banco Central, a mudança da le-gislação trabalhista, com o objetivo de reduzir a informalidade no mercado detrabalho, a redução lenta da carga tributária e dos gastos públicos, de formacompatível com a manutenção da solvência fiscal do Governo, e uma reformaadministrativa do Estado, com vistas a elevar o nível de eficiência do serviçopúblico.

Referências

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Política monetária e relação entre PIB real e mercado de ações na economia brasileira

Política monetária e relação entre PIB real e mercado de ações

na economia brasileira

Maurício Nunes* Doutorando em Economia da UFRGS.

Sergio da Silva** PhD Economics from the University of Birmingham.

ResumoEste trabalho apresenta evidência empírica para a relação entre o nível deatividade econômica da economia brasileira (medido pelo PIB real) e o mercadode ações, representado pelo Índice Bovespa. Analisa que esse fato precisa serlevado em conta pelas autoridades de política monetária, pois, caso contrário, ocrescimento econômico real e a estabilidade dos preços podem estar ameaçados.

Palavras-chaveEconomia brasileira; PIB real; Bovespa.

AbstractThis paper presents favorable piece of evidence of the relationship between theBrazilian real output and its stockmarket. Neglecting this fact may jeopardizecurrent price stability and economic growth.

Artigo recebido em 28 fev. 2005.

* E-mail: [email protected]

** E-mail: [email protected]

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Maurício Nunes; Sergio da Silva

1 - Introdução

Bancos centrais não costumam se orientar, em suas políticas, pelosacontecimentos dos mercados financeiros. Alan Greenspan sempre negou queo Federal Reserve estivesse conduzindo a política monetária de olho na recente“bolha” da internet. Isso até ele se referir à “exuberância irracional” da bolsa devalores, contribuindo (ou não) para o estouro da “bolha”. Agora, ele nega que oBanco Central norte-americano tenha como preocupação principal a atual quedano valor internacional do dólar. Na política monetária recente do Banco Centralbrasileiro, também parece estar implícito que os acontecimentos do mercadofinanceiro não devem orientar a política monetária; e isso está explícito na políticade metas de inflação.

Esse ponto de vista baseia-se na pressuposição de que a atividadeeconômica real e o crescimento econômico não parecem ser influenciados pelosacontecimentos do mercado financeiro. Isso configuraria uma espécie de“neutralidade financeira”. Embora o ponto de vista seja extremo e autoridadesmonetárias pragmáticas dificilmente o aceitem, pelo menos publicamente, ofato é que a política monetária não parece se preocupar muito com a possibilidadede acontecimentos da bolsa de valores afetarem, por exemplo, o crescimentoeconômico.

Portanto, cabe investigar se essas orientações são bem fundamentadas.Neste trabalho, procuramos verificar se há relação entre o nível de atividadeeconômica da economia brasileira — medido pelo PIB real (PIBR) — e o mercadode ações, representado pelo Índice Bovespa (IBOVR). Procuramos tambéminvestigar a relação causal entre essas variáveis, o poder de previsão sobre avariável dependente e saber se esta última se ajusta a impactos transitórios.

Nossos resultados mostram que o PIB real e o Índice Bovespa serelacionam, o que sugere que o Banco Central deve, prudentemente, levar emconta o mercado de ações quando da condução da política monetária. Não levarem conta esse fato pode ameaçar a corrente estabilidade de preços e asperspectivas de crescimento econômico.

Na seção 2 deste trabalho, faremos uma breve revisão da literatura sobre arelação entre as variáveis reais e as financeiras. Na seção 3, apresentare-mos as hipóteses, os dados e a metodologia do trabalho. Na seção 4, mostrare-mos nossos resultados empíricos. E, na seção 5, faremos comentáriosconclusivos.

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Política monetária e relação entre PIB real e mercado de ações na economia brasileira

2 - Revisão da literatura

Diversos trabalhos empíricos têm estudado a relação entre atividadeeconômica real e mercado de ações. Os trabalhos pioneiros, que incluem, porexemplo, Fama (1981), Geske e Roll (1983), Kaul (1987) e Barro (1990), mostramque mais de 50% das variações de retornos anuais podem ser utilizadas paraprever variáveis econômicas reais, como o PIB real, a produção industrial e osinvestimentos das firmas.

Lucas (1978), Brock (1982), Cox, Ingersoll e Ross (1985), Abel (1988) eChen (1991) utilizam modelos que consideram o consumo igualmente distribuídoao longo do tempo e mostram que retornos esperados são altos, quando ocrescimento do produto e da riqueza é baixo. Isso poderia explicar a variaçãonos retornos esperados do dividend yield, ou seja, os dividendos por ação, etambém do default spread, que é a diferença entre os rendimentos do portfóliode uma amostra de 100 ações e aquele das ações classificadas como Aaa pelaMoody’s. Breeden (1979) mostra, em uma variante dos modelos acima, que osretornos esperados são, ao contrário, positivamente relacionados ao crescimentoesperado do produto.

Mais recentemente, há os trabalhos de Marathe e Shawky (1994), Choi,Hauser e Kopecky (1999), Kwon e Shin (1999) e Stock e Watson (2001). Marathee Shawky (1994) avaliam a previsibilidade de retornos das ações, dividindo aprodução agregada da economia norte-americana (entre 1947 e 1990) em umcomponente transitório e outro permanente. O componente permanente, que éuma tendência estocástica, explica substancialmente as variações de longoprazo da produção. Choques no componente permanente associam-se a variáveisreais, como acumulação de capital, crescimento da população e mudançatecnológica. O componente transitório, que é a parte estacionária da série, éinfluenciado por fatores monetários. Eles observam que o componentepermanente da produção é responsável simplesmente por toda a previsibilidadeatribuída à produção agregada. Os autores concluem que flutuações de curtoprazo não apresentam qualquer efeito permanente sobre o produto agregado.

O estudo de Choi, Hauser e Kopecky (1999) é uma extensão dos de Fama(1990) e de Schwert (1989) e examina a relação entre taxas de crescimentoindustrial e retornos reais defasados para os países do G-7 entre 1957 e 1996.Eles recorrem às técnicas de co-integração e correção de erros, bem como àprevisão fora da amostra de Ashley, Granger e Schmalensee (1980). Os resultadosindicam que níveis de produção industrial são co-integrados com os preços dasações em termos reais e que a taxa de crescimento da produção é correlacionada,no curto prazo, com os retornos reais defasados (isso para determinadas

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freqüências de dados, sendo os referentes à Itália uma exceção). Eles tambémencontram que, apenas para a Inglaterra e o Japão, o mercado de ações podeser utilizado para prever o crescimento da produção.

Kwon e Shin (1999) investigam se um conjunto de variáveis macroeco-nômicas (índice de produção, taxa de câmbio, balança comercial e oferta demoeda) explica os preços dos ativos da economia sul-coreana. Eles constatamque essas variáveis são co-integradas. Entretanto, apesar de as variáveisapresentarem causalidade bidirecional (no sentido de Granger), os preços dosativos não são o principal indicador das variáveis macroeconômicas. Issocontrasta com os resultados anteriores de Fama (1990), em que o mercado deações sinaliza a mudança de direção do nível de atividade.

Stock e Watson (2001) examinam a capacidade de predição dos preçosdos ativos em relação ao crescimento do produto real para o G-7, entre 1959 e1999, utilizando dados mensais e trimestrais. Eles concluem que os preços dosativos, apenas marginalmente, são capazes de prever a produção futura dedois, quatro e oito trimestres e que nenhum ativo isoladamente é capaz deprever depois de certo tempo; argumentam que isso ocorre porque os preçosdos ativos dependem de choques, de mercados financeiros com grau dedesenvolvimento diferente e de outros detalhes institucionais.

Quanto à relação entre política monetária e preços de ativos, Cecchetti,Genberg e Wadhawani (2002), por exemplo, argumentam que os desalinhamentosdos preços dos ativos podem ser utilizados como guia nas decisões do bancocentral. Em particular, o banco central pode melhorar suas previsões de inflaçãoe de hiato do produto, levando em conta os desalinhamentos dos preços dosativos. Afinal, uma “bolha” nesses preços distorce investimento, consumo e,portanto, demanda e oferta agregadas.

Em contraste, Bernanke e Gertler (1999; 2001) argumentam que não énecessário, nem desejável, que a política monetária reaja aos movimentos dospreços dos ativos, exceto quando estes atingirem uma magnitude capaz deafetar a inflação esperada e, por essa via, levar a pressões inflacionárias oudeflacionárias. Para eles, movimentos dos preços dos ativos simplesmenterefletem variações dos fundamentos econômicos. O Banco Central deveriapreocupar-se com os desalinhamentos nos preços dos ativos somente quandoestes fossem oriundos de fatores não fundamentais, como política regulatóriafraca e racionalidade imperfeita por parte dos agentes.

Para a economia brasileira, o potencial impacto do mercado financeiro sobreo lado real tem sido estudado em alguns poucos trabalhos, como os de Bekaert,Garcia e Harvey (1995), Tourinho (1996), Moreira, Fiorêncio e Lopes (1996) eNunes, Da Costa Jr. e Seabra (2003).

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Política monetária e relação entre PIB real e mercado de ações na economia brasileira

Bekaert, Garcia e Harvey (1995) argumentam que o desenvolvimentofinanceiro reduz custos de capital e facilita a captação de recursos externos, oque é positivo para o crescimento econômico. Isso não é confirmado inicialmentepor Tourinho (1996) e Moreira, Fiorêncio e Lopes (1996), que utilizaram modelosde co-integração, correção de erros e vetores auto-regressivos. Tourinho consideraapenas que aumentos da taxa de inflação esperada reduzem o capital e a riqueza.

Moreira, Fiorêncio e Lopes (1996) apresentam um modelo de previsão doPIB, da inflação e dos meios de pagamentos com choques de oferta e neutrosem relação à inflação. Com choque de oferta, o PIB e as demais variáveisconvergem para seus valores de longo prazo, e a dívida privada cresceproporcionalmente com o PIB, indicando crescimento equilibrado. Com choqueneutro em relação à inflação, os juros reais caem acentuadamente de início,voltando à sua tendência rapidamente. E isso impacta o PIB apenas no curtoprazo.

Nunes, Da Costa Jr. e Seabra (2003) constatam co-integração entre o PIB(e a taxa de câmbio) e os retornos do Índice Bovespa. Isso sugere uma relaçãoestável de longo prazo entre essas variáveis. E também é consistente com ahipótese de que modificações no nível de atividade se relacionam positivamentecom os retornos das ações (Fama; French, 1988). Eles ainda observamcausalidade unidirecional do Índice Bovespa em direção ao PIB real, o que estáde acordo com a hipótese de que o mercado de ações sinaliza as variações donível de atividade (Fama, 1990). Com um modelo de correção de erros, elesdescobrem que, no curto prazo, variações passadas do Índice Bovespaconseguem explicar variações atuais do PIB (e da taxa de câmbio real). Issotambém está em conformidade com a hipótese de que os preços dos ativosrefletem as expectativas dos investidores sobre o futuro das variáveis econômicasreais.

Portanto, há literatura sugerindo ausência de neutralidade financeira. O quefaremos a seguir é reforçar esse ponto de vista para a economia brasileira.

3 - Problema, dados e metodologia

Investigaremos, neste trabalho, a existência de relação entre o PIB real daeconomia brasileira e o Índice Bovespa. Isso significa procurar saber se essasvariáveis são co-integradas.

Também procuraremos descobrir a relação causal entre essas variáveis,ou seja, saber se o sistema bivariado co-integrado possui relação causal empelo menos uma direção. Se, por exemplo, o mercado de ações causar (no

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sentido de Granger) o PIB real, isso significa que alterações do Índice Bovespano período anterior levam a alterações das variáveis reais no atual período.

Se o coeficiente da variável independente defasada for significativo, issoquer dizer que esta tem capacidade de prever os movimentos da variáveldependente. Assim, também verificaremos se a variável dependente se ajustaaos impactos transitórios em seu caminho em direção ao equilíbrio de longoprazo.

Utilizamos séries dos bancos de dados do Banco Central do Brasil e doIPEADATA. Elas se referem a dados mensais para o período de janeiro de 1990a dezembro de 2004. Tomamos os logaritmos das variáveis para obterelasticidades e variações percentuais.

Para a variável PIB real, tomamos a sua média móvel de 12 meses paralevar em conta o fator estacional de janeiro e fevereiro de cada ano, quando háredução do nível de atividade.

Utilizamos variáveis dummy para levar em conta o lançamento do PlanoReal em julho de 1994 e também para o período seguinte à desvalorização dejaneiro de 1999; afinal, as variações nos preços dos ativos, no regime anterior,não eram captadas pela taxa de câmbio, que variava dentro de bandaspredeterminadas.

O tratamento dos dados foi feito recorrendo-se aos testes de co-integraçãode Johansen, de causalidade de Granger e ao modelo de correção de erros(Engle; Granger, 1987).

A análise de co-integração é o equivalente estatístico do equilíbrio de longoprazo. O teste de co-integração procura identificar a relação de longo prazo entreas variáveis econômicas, excluindo as tendências comuns que levam a umarelação espúria entre elas. Conclui-se pela existência de relação de longo prazo,se as variáveis forem co-integradas. Duas variáveis são co-integradas de ordem(d, d), se a série correspondente a cada variável for estacionária após serdiferenciada t vezes. Quando a combinação linear entre as variáveis forestacionária, isto é, I(0), os resíduos da equação de co-integração também serãoestacionários em nível.

A análise de co-integração é feita em três etapas: (a) teste de raiz unitária,para verificar a ordem de estacionariedade das séries; (b) teste para verificar seas variáveis são co-integradas; e (c) análise do mecanismo de correção deerros, para verificar os desvios do caminho de equilíbrio. Detalhes dessas etapaspodem ser encontrados em Enders (1994) e Mills (1993).

O teste de raiz unitária aumentado ou teste ADF, é dado por

(1)t1t

m

1t t1tt !X"#X$T%X ++++= −=− # !!

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Política monetária e relação entre PIB real e mercado de ações na economia brasileira

onde Xt é o logaritmo da variável, T é a tendência, ∆ é a variação de um períodoa outro e εt é o termo representando o erro, por hipótese de média zero evariância σ 2.

A hipótese nula do teste de raiz unitária (H0: ρ = 0) é Xt seguir um passeioaleatório, quando o valor defasado do coeficiente calculado ficar abaixo do valorcrítico ττ determinado por Fuller (1976). Esse teste é sensível aos coeficientesα e T.

Aqui verificaremos se as séries do PIB real e do Índice Bovespa sãoestacionárias em nível ou se possuem pelo menos uma raiz unitária. Uma vezconstatada a estacionariedade, investigaremos a ordem de integração entre elas.Esta é descrita pelo método de Johansen, isto é,

(2)

onde Z é o vetor das variáveis, µ´ é o vetor das constantes, Γi é a matriz doscoeficientes e υt são os resíduos (de média zero e variância σ2).

As séries são co-integradas, se o posto de Π for menor do que n. Nestecaso, Π pode ser decomposto em αβ, onde β representa os vetores de co--integração, e β´Zt, os desvios estacionários da relação de co-integração. É assimque a presença de co-integração entre variáveis fornece evidência de relaçãoentre elas.

Os desvios podem ser determinados através do modelo de correção deerros dado por

(3)

onde µt é um ruído branco. Em cada período, as variações em Y dependem doimpacto α das variações dos valores fundamentais X. Dependem ainda dacorreção β do desvio do período anterior Yt-1 - AX t-1 e também da variação defatores transitórios Z.

O teste de hipótese conjunta H0: B(Yt-1 - AX t-1) = 0 e γ = 0 procura verificarse as variáveis defasadas são capazes de prever os movimentos da variáveldependente e também se a variável dependente se ajusta aos impactos dosfatores transitórios.

Se o termo de correção de erros for significativo na regressão entre o PIBreal e o Índice Bovespa, podemos afirmar que estes se ajustam aos desviosprévios do equilíbrio. E, se o coeficiente da variável independente no períodopassado for significativo, podemos concluir que essa variável é capaz de prevera variável dependente no período corrente.

t1t

1k

1ii1t

't &Z'Z(Z ++∏+= −

=− # !!

( ) tttttt ZAXYXY µγβα +∆+∆=∆ −− 11 --

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Um sistema co-integrado bivariado deve ter uma relação causal em, pelomenos, uma direção. Isso pode ser verificado no teste de causalidade de Granger.Este supõe que as informações relevantes para a previsão de duas variáveis, Xe Y, estão contidas, exclusivamente, nas séries temporais dessas variáveis. Ouseja,

(4)

(5)

Nessas equações, uma variável relaciona-se com seus valores passadose os valores passados da outra variável. Por hipótese, os erros µ1t e µ2t nãoapresentam correlação. A detecção de causalidade é feita através dos coeficientesestimados. Se os coeficientes estimados em grupo do X defasado em (4) foremestatisticamente diferentes de zero (Σαi 0) e os coeficientes em conjunto doX defasado em (5) forem estatisticamente iguais a zero (Σλi = 0), constata-seuma relação causal de X para Y. Se Σαi = 0 e Σλi 0, a causalidade é inversa. Seambos forem diferentes de zero, há causalidade bidirecional.

Se há uma relação de causalidade de X para Y, então a presença de X noconjunto de variáveis que explicam Y permite uma previsão de Y melhor do quese X não fizesse parte do modelo. Isso é capturado pelo teste F. Mais detalhessobre causalidade de Granger podem ser encontrados em Gujarati (2003).

4 - Resultados empíricos

No Quadro 1, mostramos os resultados do teste de estacionariedade e aordem de integração das variáveis.

Os resultados mostram que as variáveis não são estacionárias em nível,mas são estacionárias em primeiras diferenças. Portanto, as séries do ÍndiceBovespa e do PIB real são I(1).

t

n

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m

1t (Y$X%Y 11

1 ++= ##=

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¸

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Política monetária e relação entre PIB real e mercado de ações na economia brasileira

No Quadro 2, verificamos a existência de relação de longo prazo entre asvariáveis.

O autovalor máximo e o traço sugerem que as séries do PIB realdesestacionalizado (PIBRD) e o Índice Bovespa co-integram com apenas umvetor de co-integração. De fato, a hipótese nula de que as séries não co-integramo nível de significância de 5% é rejeitada nas duas estatísticas, e o vetor de co--integração sugerido é (1; -0,1029).

Quadro 1Teste de raiz unitária

NÍVEISPRIMEIRA

DIFERENÇAVARIÁVEISADF(1)

(p)(2)

PP(3)

τcrit

(4)ADF (1) (p)

(2)PP(3)

τcrit

(4)Índice Bovespa (5)-2,38 (3) (5)-1,27 -2,88 (5)-7,52 (3) (5)-16,46 -2,88

PIB real (6)-2,49 (10) (6)-3,31 -3,44 -7,85 (4) -1 151 -1,94

(1) ADF é o teste Dickey-Fuller aumentado. (2) p é o número ótimo de defasagensselecionadas de acordo com o critério de informação de Schwarz. (3) PP é o teste de Phillips--Perron. (4) τcrit: valores críticos com 5% de significância. (5) Com constante. (6) Comconstante e tendência.

Quadro 2

Teste de co-integração de Johansen

H0 : posto - p λmax (1) 95% 99% Traço 95% 99%

p = 0 (2) 33,88 15,67 20,20 41,22 19,96 24,60

p = 1 7,34 9,24 12,97 7,34 9,26 12,97

Coeficientes de co-integração normalizados: uma equação de co-integração

PIBRD (3)C IBOVR

1 -6,404 -0,1029

(4)(0,0435) (4)(0,115) (4)(0,004)

NOTA: Os testes de diagnóstico rejeitam as hipóteses nulas de autocorrelaçãoserial, heteroscedasticidade e não-normalidade dos resíduos.(1) λmax: máximo autovalor. (2) Denota rejeição da hipótese nula no nível designificância de 5% (1%). (3) C é uma constante. (4) Desvio padrão.

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Maurício Nunes; Sergio da Silva

Embora, individualmente, as variáveis estimadas sejam integradas de or-dem 1, a combinação linear das variáveis é co-integrada de ordem zero, o queindica uma relação de equilíbrio de longo prazo. As elasticidades de longo prazoentre as variáveis são positivas: alterações no PIB real estão relacionadaspositivamente com alterações no Índice Bovespa. Esse resultado confirma ahipótese de Fama e French (1988).

No Quadro 3, mostramos o resultado do teste de causalidade de Granger.Os resultados constantes no Quadro 3 mostram que há causalidade

unidirecional do Índice Bovespa em relação ao PIB real desestacionalizado emtrês níveis de defasagens, indicando que os retornos no mercado de açõesbrasileiro antecipam as variações no nível de atividade. A congruência dosresultados nos três níveis de defasagem mostra pouca sensibilidade do testeem relação à extensão das defasagens, o que dá maior confiabilidade aosresultados.

Quadro 3Teste de causalidade de Granger bivariado

DEFASAGENS 1 6 12

Hipótese nula Teste F Teste F Teste F

PIBRD não causa IBOVR 0,003 0,242 1.253

IBOVR não causa PIBRD (1)20,98 (1)3,971 (1)2,73

(1) Significância a 5%.

Esses resultados reafirmam a hipótese de Fama (1990) e Schwert (1989)de que o mercado de ações sinaliza as variações no nível de atividade, mascontrariam aqueles de Najand e Noronha (1998) e Marathe e Shawky (1994), emque o nível de atividade (mais precisamente, a inflação, que é utilizada comoproxy) e seu componente transitório causam os retornos das ações.

A existência de co-integração (Quadro 2) valida a relação de longo prazoentre as variáveis. Na presença de uma relação entre curto e longo prazos, osdesequilíbrios de curto prazo devem retornar ao equilíbrio de longo prazo. Osresultados do teste de causalidade justificam, então, a estimação de um modelode correção de erros que verifique as relações de curto prazo entre as variáveis.Isso é feito e descrito no Quadro 4.

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Política monetária e relação entre PIB real e mercado de ações na economia brasileira

O parâmetro de ajustamento do mecanismo de correção de erros na equa-ção do PIBR estimada apresenta o sinal negativo esperado. E seu coeficienteindica que, a cada período, há uma compensação dos desvios em relação aoequilíbrio de longo prazo em, aproximadamente, 36%.

As variações no nível de atividade estão sendo influenciadas pelasvariações dos retornos no mercado de ações com dois períodos de defasagem.Além disso, as variações do PIB real corrente são influenciadas pelas variaçõesdo período anterior e pela dummy representando o lançamento do Plano Real.Esses resultados estão de acordo com os encontrados por Choi, Hauser eKopecky (1999), em que as variações dos retornos dos ativos defasados estãocorrelacionadas com a taxa de crescimento contemporânea da produçãoindustrial.

A equação do Índice Bovespa está em consonância com o previsto, tantoem termos teóricos quanto pela análise de co-integração. De fato, os resultadosdo teste de co-integração indicam relação de co-integração apenas na equaçãodo PIB real. Todos os coeficientes da equação do Índice Bovespa não foramsignificativos. Isso quer dizer que as variações do Índice Bovespa não sãodeterminadas nem pelas suas variações passadas nem pelas variações do nívelde atividade; também não há convergência dos desvios no longo prazo.

Quadro 4Mecanismo de correção de erros

PIBRD = 0,384 PIBRD(-1) (1) + 0,0208 PIBRD(-2) - 0,036 PIBRD(-3) - 0,105 PIBRD(-4)(5,33) (0,29) (-0,56) (-1,654)

- 0,031 IBOVR(-1) + 0,056 IBOVR(-2)(1) - 0,021 IBOVR(-3) - 0,003 IBOVR(-4)(-0,68) (1,98) (-0,54) (0,82)

+ 0,124 D94 (1) - 0,362 R (1)(5,76) (-5,86)

R2 Ajustado = 0,36 Teste F = 10,43

IBOVR = -0,007 PIBRD(-1) (1) + 0,138 PIBRD(-2) + 0,043 PIBRD(-3) - 0,039 PIBRD(-4)(-0,60) (1,12) (0,38) (-0,35)

-0,031 IBOVR(-1) + 0,009 IBOVR(-2) - 0,0013 IBOVR(-3) - 0,068 IBOVR(-4)(-0,39) (0,12) (-0,20) (-1,05)

+ 0,019 D94 (1) - 0,025 R(1)(0,50) (-0,23)

R2 Ajustado = 0,01 Teste F = 0,19

NOTA: 1. R(1) é o coeficiente de correção de erros.NOTA: 2. Os valores entre parênteses representam a estatística t.(1) Significância a 5%.

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Assim, podemos dizer que há uma relação de longo prazo entre os retor-nos do mercado de ações brasileiro e o nível de atividade durante o períodoestudado. Podemos também dizer que o nível de atividade corrente pode serantecipado pelos movimentos nos preços das ações. Os resultados da relaçãode curto prazo entre as variáveis indicam que aproximadamente 36% dos des-vios do longo prazo na equação do PIB real são corrigidos no período seguintee que as variações passadas do Índice Bovespa em dois períodos influenciamas variações do PIB real.

5 - Conclusão

Bancos centrais geralmente não permitem que acontecimentos do mercadofinanceiro interfiram na agenda da política monetária. Esse tem sido o caso doFederal Reserve, tanto em relação ao mercado de ações quanto ao valor externoda moeda norte-americana. O Banco Central brasileiro também, implicitamente,parece não deixar que o Índice Bovespa seja um fator a ser considerado quandoda definição da política monetária. Mais recentemente, isso se torna explícitocom a política de metas de inflação.

Porém há bons fundamentos teóricos e empíricos para o ponto de vista deque a atividade econômica real e o crescimento econômico são influenciadospelos acontecimentos do mercado financeiro. Não há neutralidade financeira.Este trabalho contribui para mostrar que esse ponto de vista se mantém para aeconomia brasileira. Em particular, mostramos que o Índice Bovespa estárelacionado ao PIB real.

Empregando métodos econométricos convencionais, mostramos quealterações do PIB real estão relacionadas positivamente com alterações doÍndice Bovespa. Há causalidade unidirecional do Índice Bovespa em relação aoPIB real desestacionalizado em três níveis de defasagens, indicando que oÍndice da Bolsa antecipa as variações do nível de atividade. Além disso, asvariações do PIB real são determinadas por suas variações passadas e pelasvariações passadas do Índice Bovespa.

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A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade...

A indústria brasileira em 2004 e as teses

sobre a sustentabilidade da retomada

do crescimento

Paulo Gonzaga M. de Carvalho* Doutor pelo IE-UFRJ e Professor da Unesa e da Pós-Graduação da ENCE-IBGE.

Carmem Aparecida Feijó** PhD pelo Universtiy College London e Professora da UFF.

Resumo

O objetivo deste trabalho é avaliar o desempenho da indústria em 2004, discu-tindo interpretações sobre a sustentabilidade do crescimento. Destaque é dadoa argumentos que apontam o fraco dinamismo do mercado interno como evidên-cia da não-sustentabilidade do crescimento e a argumentos que identificam oacelerado crescimento como uma ameaça à estabilidade de preços. Os desem-penhos da produção industrial e da produtividade em 2004 são debatidos naparte final do texto.

Palavras-chaveConjuntura industrial; produtividade industrial; crescimento industrial.

AbstractThe aim of this paper is to evaluate the performance of Brazilian industry in2004, discussing different views about the sustentability of growth. Specialattention is given to arguments that point out the weak performance of internalmarket as a threat to sustaining growth and arguments that identify the accelerated

*E-mail: [email protected]

**E-mail: [email protected]

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growth as a threat to price stability. The performance of the industrial productionand productivity in 2004 are presented in the final part of the text.

Artigo recebido em 14 mar. 2005.

1 - Introdução

O crescimento da produção industrial de 8,3% em 2004, conjugado comuma inflação que se situou dentro da meta estabelecida, pode marcar o início daretomada de um novo ciclo de crescimento econômico. A combinação dessesdois indicadores surpreendeu a grande maioria dos analistas econômicos, umavez que, em 2004, se registrou fato pouco comum na economia brasileira —crescer sem acelerar a elevação de preços. Até que ponto esse resultado marcao início de uma retomada sustentada do crescimento foi e ainda é o tema dedebate no momento.

Ao longo de 2004, podemos identificar pelo menos duas linhas de argu-mentação em relação ao potencial de crescimento da indústria brasileira. De umlado, posiciona-se um grupo que entende a evolução da indústria e do PIB em2004 como sendo um “vôo da galinha”, ou seja, um mero surto de crescimentosem nenhuma sustentação. Seu principal argumento é a não-recuperação dademanda interna via massa salarial.1 A diretoria do Banco Central, por outrolado, também viu com preocupação o incremento do lado real da economia aolongo de 2004, mas por motivos diferentes. O problema estava na oferta interna,pois os níveis de utilização da capacidade instalada eram muito elevados, apro-ximando-se o momento em que um gargalo na produção (fechamento do hiatodo produto) geraria pressão sobre os preços.

Uma variável-chave a explicar o resultado de 8,3% de crescimento do PIBindustrial foi o crescimento da produtividade, que, desde fins dos anos 90, seencontrava estagnada. O crescimento da produtividade foi acompanhado darecuperação nas horas pagas e no emprego, sinalizando que a indústria, maisdo que ocupar capacidade ociosa, apresentou ganhos de eficiência e amplioucapacidade ao longo do ano passado. Nesse sentido, a discussão sobre asustentabilidade do crescimento econômico deve levar em consideração o com-portamento da produtividade, cabendo à política macroeconômica criar condi-

1 Ver o Manifesto dos Economistas intitulado E nada mudou (Conselho Regional de Econo-mia, 2004).

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A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade...

ções para que os componentes da demanda agregada possam evoluir de formafavorável e, assim, consolidar esse impulso inicial de crescimento.

Iniciaremos este texto discutindo argumentos sobre o desempenho daindústria em 2004 e, a seguir, apresentaremos a evolução da produtividadeindustrial em 2004, contrapondo padrões de comportamento nos últimos anos.Uma última seção resume nossos comentários.

2 - As teses sobre o crescimento da indústria e do PIB em 2004

Algumas das principais interpretações sobre as evoluções da indústria eda economia em 2004 serão discutidas a seguir.

Primeiro, o crescimento em 2004 deveu-se, em boa medida, à base decomparação deprimida.

A base de comparação deprimida (carry over), sem dúvida, ajudou, masnão foi determinante. Se a indústria permanecesse, durante todo o ano de 2004,com o mesmo nível de produção de dezembro de 2003, ela teria crescido ape-nas pelo efeito da base de comparação, e o incremento teria sido de apenas3,7%.2 Como a indústria teve um acréscimo de produção de 8,3%, mais dametade desse aumento deveu-se não à base de comparação, mas ao cresci-mento efetivo ao longo de 2004 (Gráfico1).

Segundo, o crescimento concentrou-se nas áreas de exportação debens de consumo duráveis, enquanto o setor de bens de consumosemiduráveis e não duráveis, que depende da massa de salários, permane-ceu estagnado ou em queda, dependendo do segmento industrial.

O crescimento, em 2004, foi liderado pelo setor de bens de consumo durá-veis, que teve um incremento de 21,8%, seguido por bens de capital e por bensintermediários, com 19,7% e 7,4% respectivamente, ficando bens de consumosemiduráveis e não duráveis, como era esperado, com a menor taxa dentre ascategorias de uso (4,0%). Em momentos de retomada, o processo é sempreliderado por duráveis e por bens de capital, que são setores de bens finaismenores em tamanho e, por isso, mais “ágeis” frente às mudanças do cicloeconômico e também muito sensíveis à diminuição da taxa de juros (que, em2004, foi, em média, menor do que a vigente em 2003). O emprego e, em espe-

2 Segundo a série do produto industrial do IBGE com ajuste sazonal (base 2002 = 100), era100 o nível médio de produção em 2004, e 103,7, o nível de dezembro de 2004.

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3 O saldo de operações de crédito do sistema financeiro com recursos livres para pessoasfísicas teve um crescimento nominal de 22,2% em 2004, segundo fonte do Banco Central,citado em Contas Nacionais Trimestrais (2005).

Índice de produção física da indústria no Brasil — 2004

100

102

104

106

108

110

112

114

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Gráfico 1

FONTE: IBGE. Banco de Dados SIDRA: séries históricas da PIM-DG, PIMES, PIM-PF e PME. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2005.NOTA: Índice de base fixa com ajuste sazonal 2002 = 100.

0

Índice

Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.

cial, o salário e, conseqüentemente, o segmento de semiduráveis e não durá-veis só se recuperam mais adiante. Essa lógica se manteve em todos os mo-mentos de retomada do crescimento desde, pelo menos, os anos 80, e, em2004, não foi diferente. Note-se que, no segundo semestre, os setoresde semiduráveis e não duráveis, de forma nítida, retomaram o crescimento(Gráfico 2). Isso se deveu menos à elevação da massa salarial do que aoaumento da oferta de crédito3, em especial o crédito consignado (com descontoem folha).

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A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade...

Cabe ressaltar ainda que a contribuição do mercado interno foi muito maiorque a do mercado externo no crescimento do PIB da economia. Segundo oBoletim de Conjuntura, do IPEA, de março de 2005, decompondo-se a taxa decrescimento do PIB de 5,2%, a contribuição da demanda doméstica foi de 4,1pontos percentuais, e a da demanda externa, 1,1 ponto percentual. As exporta-ções, isoladamente, contribuíram com 2,9 pontos percentuais (e as importa-ções, com -1,8 ponto percentual), que foi menos que a soma do consumo priva-do (2,4 pontos percentuais), do consumo do Governo (0,1 ponto percentual) e daformação bruta de capital fixo (1,9 ponto percentual) — a variação dos estoquesimpactou em -0,5 ponto percentual. Ademais, segundo as Contas Nacionais,as exportações de bens e serviços representavam, em 2004, 18,0% do PIBpela ótica da demanda final, contra 55,3% do consumo das famílias, 21,3% daformação bruta de capital fixo e 18,8% do Governo. Portanto, as exportações,embora tenham ganho importância, ainda são de menor peso na demanda final(excluindo as importações, que representam -13,3%).

Índice de produção física da indústria de bens de consumo duráveis, semiduráveis e não duráveis no Brasil — 2004

90

95

100

105

110

115

120

125

130

135

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Semiduráveis e não duráveisBens de consumo duráveis

Gráfico 2

Legenda:

FONTE: IBGE. Banco de Dados SIDRA: séries históricas da PIM-DG, PIMES, PIM-PF e PME. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2005.NOTA: Índice de base fixa com ajuste sazonal 2002 = 100.

Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.

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Terceiro, o crescimento foi muito baixo para ter impacto relevante so-bre o nível de emprego.

No ano passado, o PIB aumentou 5,2%, sendo essa a maior taxa anualdesde 1994 (5,9%), portanto, o crescimento esteve muito longe de ser baixo. Onível de emprego, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE,aumentou 3,2%, e a taxa de desemprego caiu de 12,3% em 2003 para 11,5%em 2004. Logo, houve impactos relevantes sobre o emprego.

Uma variante dessa tese aceita que o emprego cresceu, mas desqualificaesse crescimento, pois seria basicamente no mercado informal (empregadossem carteira assinada e conta-própria). É verdade que, em 2004, segundo aPME, o emprego dos sem-carteira do setor privado cresceu 5,2%, e o dosconta-própria, 4,7%, bem acima dos 3,0% do total dos ocupados.4 Mas esse éo comportamento esperado em momentos de retomada. Primeiro, cresce a ocu-pação de menor nível salarial e também menos qualificada. O motivo é queessa mão-de-obra pode, com facilidade, ser dispensada, se a recuperação nãose sustentar, sem grande custo para a empresa. No segundo momento, quandoo horizonte de crescimento está mais sólido, aumenta o emprego com carteiraassinada, que é mais caro e qualificado. Ademais, o Setor Terciário, onde predo-minam os ocupados sem carteira e os conta-própria, por ser intensivo em em-prego, tende a responder rapidamente à reversão do ciclo no que tange à gera-ção de postos de trabalho.

O emprego na indústria, que é principalmente com carteira, move-se deforma mais defasada e lentamente. O assalariamento com carteira assinada,por sinal, aumentou 1,8% no ano passado, o que não é um resultado ruim, muitopelo contrário, pois, como sua base de comparação é mais elevada (em 2003,os assalariados do setor privado com carteira representavam 39,7% do pessoalocupado total), essa variação representa, em números absolutos, uma geraçãode empregos pouco menor que a dos assalariados do setor privado sem cartei-ra. Das três posições na ocupação aqui mencionadas, apenas os com-carteiratêm acelerado, de forma mais nítida, seu ritmo de crescimento mensal, na com-paração com igual mês do ano anterior, no segundo semestre, o que abre boasperspectivas para o emprego em 2005.

Note-se ainda que o aumento do emprego teve um efeito indireto importan-te para a sustentação do crescimento, que foi aumentar o nível de confiança doconsumidor sobre os rumos da economia. Essa maior confiança foi fundamental

4 Ver PME, evolução dos principais indicadores na planilha disponível em www.ibge.gov.br(IBGE, 2004).

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A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade...

para a elevação do seu nível de endividamento, o que impulsionou o setor debens duráveis.

Quarto, a renda do trabalho caiu novamente.O rendimento médio real habitualmente recebido, medido pela PME do

IBGE, em relação ao mês imediatamente anterior, grosso modo, cresceu aolongo do primeiro semestre, mas caiu no segundo semestre. No confronto como ano anterior, tal rendimento registrou queda, mas muito pequena (-0,8%), e,desde setembro, essa variável apontou crescimento frente a igual mês do anoanterior (Gráfico 3). Como o emprego cresceu, a massa salarial elevou-se em1,5%. Portanto, essa é a única das teses aqui analisadas que é verdadeira, masdeve ser relativizada, dada a evolução da massa salarial, das taxas anualizadasno segundo semestre, do rendimento das categorias mais organizadas, dainadimplência, da confiança do consumidor e das vendas do comércio.

Várias são as indicações de aumento de demanda. Segundo pesquisa doDepartamento Intersindical de Estudos Estatísticos Sócio-Econômicos(DIEESE), as negociações salariais de 2004 foram as melhores para os traba-lhadores desde 1996.5 Os dados da Associação Comercial de São Paulo mos-tram que, pela primeira vez em 37 anos, os registros cancelados no SistemaCentral de Proteção ao Crédito (SCPC) foram superiores aos registros recebi-dos, em dezembro de 2004.6 O índice de confiança do consumidor (ICC) calcu-lado pela FGV-RJ7 mostrou forte tendência de crescimento ao longo de 2004.Ademais, como já mencionado, as recuperações do emprego e, em especial, dorendimento são tradicionalmente defasadas em relação ao aumento daprodução.

Mas deve-se levar em conta também que o baixo crescimento da renda,hoje, tem menos importância para a sustentabilidade do crescimento, pois, em2004, ocorreram o que alguns analistas (Barros; Baer, 2004) julgam ter sidomudanças estruturais no comércio: expansão do crédito consignado (com des-conto em folha) e crescente associação entre o varejo e o sistema financeiro.Essas mudanças, por diminuírem o risco de inadimplência, acarretam menorestaxas de juros para um conjunto maior de consumidores (por exemplo, aposen-tados). Esse movimento, aliado à maior confiança do consumidor quanto àexpansão da economia, contribuiu decisivamente para a expansão do crédito,

5 Ver REAJUSTES... (2004).6 Ver MAIS pessoas... (2005).7 O índice de confiança do consumidor objetiva medir o sentimento dos consumidores em

relação às condições econômicas atuais e suas expectativas em relação à situação econô-mica futura do País (FGV, 2005).

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Em suma, analisar apenas a evolução do total de rendimentos é olharsomente para um dos determinantes da demanda de consumo das famílias.

Quinto, o crescimento não reduziu a vulnerabilidade externa, que ten-de a se elevar com o aumento da dívida externa e da desnacionalização,com a queda das reservas e com a regressão do sistema nacional deinovações.

Existem vários indicadores de vulnerabilidade externa, e os mais impor-tantes apresentaram melhoras significativas em 2004. A dívida líquida do setorpúblico consolidado em relação ao PIB caiu de 57,2% em dezembro de 2003

Rendimento médio real habitualmente recebido no Brasil — 2004

-8

-6

-4

-2

0

2

4

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

(%)

FONTE: IBGE. Banco de Dados SIDRA: séries históricas da PIM-DG, PIMES, PIM-PF e PME. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2005.NOTA: Base: mesmo mês do ano anterior = 100.

Gráfico 3

Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.

apesar do aumento da taxa Selic no segundo semestre de 2004. Note-se que,em 2004, segundo a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) do IBGE, pelaprimeira vez em quatro anos, houve crescimento do volume das vendas docomércio (9,3%), e esse incremento atingiu todos os segmentos, inclusivesupermercados, embora o destaque tenha ficado com o setor de bens de consu-mo duráveis.

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A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade...

para 51,8% em dezembro de 2004.8 Houve também melhora no perfil da dívidamobiliária, com queda de participação de títulos cambiais e aumento da presen-ça de títulos pré-fixados. Os saldos da balança comercial e em transaçõescorrentes, por exemplo, foram recorde; por conta disso, a relação dívida externalíquida/exportações reduziu-se continuamente durante o ano, passando de cer-ca de 2,5% em janeiro para algo próximo a 1,8% em novembro. O avanço dasexportações brasileiras foi importante em termos tanto quantitativos (32,0%frente a 2003) quanto qualitativos. O aumento foi principalmente da quantidadeexportada (19% contra 11% da elevação de preços) e deu-se com maior diver-sificação de mercados compradores e apesar da apreciação cambial. Algunsanalistas inclusive especulam se já não estaria em curso uma mudança estrutu-ral nas exportações brasileiras, que estariam se tornando menos dependentesde estímulos do câmbio (Hoff; Vianna, 2005).

O Risco-Brasil também caiu a partir de maio, passando de 800 pontos paracerca de 390 pontos no final do ano (EMBI+ do PJ Morgan)9, em parte, porqueesse foi um movimento geral para quase todos os países e, em parte, devidoaos bons resultados de nossa economia, em especial do setor externo.

Sexto, o PIB aumentou em 2004, mas esse crescimento é declinante enão sustentável, e o resultado do último trimestre do ano já mostrou umareversão da trajetória ascendente.

É verdade que o PIB trimestral desacelerou seu ritmo de crescimento aolongo de 2004 — (confronto com o trimestre imediatamente anterior (série comajuste sazonal) —, passando de 1,8% em jan.-mar. para 0,4% em out.-dez.O último trimestre assinalou ainda uma queda na formação bruta de capital fixode 3,9%.

Essa desaceleração do crescimento ao longo do ano, no entanto, não severificou em nenhum dos componentes do PIB, seja pela ótica da oferta, sejapela ótica da demanda. Assim, o resultado global é uma média de situaçõesmuito variadas. Por exemplo, a categoria de demanda exportação e o setor deatividade agropecuária aceleraram seu crescimento no último trimestre, frenteao anterior. O consumo das famílias registrou taxas crescentes até o terceirotrimestre, só desacelerando no final do ano. A desaceleração, portanto, não éum movimento generalizado, e nada indica que esse ritmo de evolução vá se

8 Ver Boletim de Conjuntura (2005), dados do Banco Central (Bacen). Segundo o Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (IPEA), vários fatores contribuíram para a queda da relaçãodívida pública/PIB: superavit primário, crescimento da economia, apreciação do câmbio,redução da taxa de juros real e distanciamento entre a evolução do Índice Nacional dePreços ao Consumidor Amplo (IPCA) e do Índice Geral de Preços (IGP).

9 Ver Boletim de Conjuntura (2005) do IPEA.

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sustentar em 2005. Mesmo porque a economia não cresce em “linha reta” ouseguindo fielmente uma curva exponencial. É natural que ocorram momentos demenor (ou nenhum) crescimento. Até uma queda não necessariamente repre-senta uma mudança de tendência. No caso do consumo das famílias, pode serque o crescente endividamento tenha ocasionado momentaneamente umadesaceleração no ritmo de compras. A formação bruta de capital fixo cresceumuito nos três primeiros trimestres do ano, em especial no terceiro trimestre(6,8%). Esse ritmo de crescimento intenso só é sustentável com “paradas pararespirar”, como ocorreu no final do ano, para o que pode ter contribuído tambémo aumento da taxa de juros básica da economia. Em 2004, o aumento das taxasde juros não impediu nem o acréscimo do consumo das famílias, nem o doinvestimento — ambos influenciados, dentre outros fatores, pelas boasperspectivas de crescimento da economia. Em 2005, salvo algum grave aciden-te de percurso (como, por exemplo, uma grande elevação das taxas de juros),nada indica que esse quadro vá se alterar. Note-se ainda que o elevado nível deutilização da capacidade produtiva é um forte estímulo para o aumento doinvestimento, quando o grau de confiança é elevado. Ademais, apesar do tãofalado menor dinamismo da economia internacional em 2005, neste início deano as exportações brasileiras continuaram em níveis recordes.

Sétimo, o crescimento da indústria foi intenso, e, por isso, váriossetores estão no limite de sua capacidade; portanto, a trajetória atual não ésustentável, devido aos gargalos da produção.

Em janeiro de 2005, era elevado o nível de utilização de capacidade insta-lada da indústria, segundo a Sondagem Conjuntural da FGV, mas apenas doissetores da indústria estavam no seu patamar máximo: mecânica e metalúrgica(Tabela 1). Portanto, o problema não é generalizado, mas, sim, localizado. Essesdois segmentos correspondem, na nova classificação do IBGE, de forma apro-ximada, aos setores de máquinas e equipamentos e metalúrgica básica.10 Ne-nhuma das duas indústrias estava, em janeiro de 2005, no seu nível máximo deprodução. Máquinas e equipamentos apresentava o índice de 120,9 (índice debase fixa com ajuste sazonal, com série encadeada iniciada em 1991), enquan-to seu patamar mais elevado foi 128,7 em agosto de 2004. Para a metalúrgicabásica, o índice de janeiro de 2005 foi 108,64, e o máximo foi 111,68 em outubrode 2004. Portanto, há espaço para ambos crescerem, embora seja nítido queesses setores perderam dinamismo nos últimos meses, em especial ametalúrgica básica (Gráfico 4).

10 A FGV ainda utiliza a classificação de atividades antiga do IBGE, que não tem uma corres-pondência perfeita com os índices de produção física industrial divulgados pelo mesmoinstituto, que se baseiam em nova classificação (CNAE).

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A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade...

Tabela 1

Série dessazonalizada do nível de utilização da capacidade instalada (NUCI) da indústria de transformação no Brasil — 1980/2005

(%)

DISCRIMINAÇÃO NUCI JAN//2005

MAIOR NUCI EM

1980-04 (1)

MÊS E ANO DO

NUCI MAIS ELEVADO 1980-04

DIFERENÇA DO NUCI

MÁXIMO DE 1980-04 E DE

JAN/05

Indústria de transformação ..... 84,6 85,3 Abr./95 0,7 Bens de consumo .................... 77,1 87,6 Jan./95 10,5 Bens de capital ......................... 83,8 84,9 Jan./01 1,1 Material de construção ............ 84,8 88,3 Abr./80 3,5 Bens intermediários ................ 88,3 90,5 Jan./87 2,2 Mecânica ………………………… 89,5 88,7 Out./04 -0,8 Metalúrgica ................................ 92,7 92,7 Out./96 0,0 Borracha .................................... 96,5 97,1 Out./04 0,6 Matérias plásticas ...................... 87,4 88,6 Out./86 1,2 Perfumaria ………………………. 94,0 95,2 Out./04 1,3 Produtos alimentares ................. 82,7 85,5 Out./03 2,7 Têxtil .......................................... 88,4 91,9 Jan./86 3,4 Celulose, papel e papelão ......... 91,1 95,6 Jan./95 4,5 Vestuário e calçados ................. 84,3 89,9 Jan./87 5,6 Química ..................................... 85,3 91,1 Abr./80 5,8 Madeira ..................................... 87,2 94,8 Jan./01 7,6 Diversas .................................... 86,6 94,3 Jan./87 7,7 Minerais não-metálicos ............. 82,4 90,9 Jan./81 8,5 Material elétrico e de comunica- ções ........................................... 79,2 87,8 Jan./87 8,6Mobiliário ................................... 79,3 88,1 Jul./86 8,9 Couros e peles .......................... 77,2 86,9 Abr./00 9,8 Bebidas ..................................... 76,6 89,7 Jul./91 13,1 Material de transporte ............... 74,0 91,7 Abr./95 17,7 Editorial e gráfica ...................... 71,9 90,0 Jul./95 18,1 Farmacêutica …………………… 61,3 88,9 Jan./98 27,6 Fumo …………………………….. 54,0 96,2 Out./88 42,2

FONTE DOS DADOS BRUTOS: BOLETIM DE CONJUNTURA. Rio de Janeiro, IPEA, n. 68, p. 10, mar. 2005. SONDAGEM CONJUNTURAL DA INDÚSTRIA DE TRANS- FORMAÇÃO. Rio de Janeiro: FGV, v. 37, n. 154, 25 jan. 2005. (1) A partir de 1980, exceto o dado mais recente.

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Desse modo, o gargalo produtivo como limitador do crescimento é um pro-blema em “potencial” mais do que um problema efetivo e perde importância àmedida que avançam os investimentos. Por exemplo, segundo a SondagemConjuntural da FGV, é no setor de bens de capital, onde se situa o segmentode máquinas e equipamentos, que a previsão de expansão da capacidade em2005 é maior, em média 9,0%11. O gargalo como problema, de qualquer forma,tem que ser muito relativizado (daí o porquê das aspas na palavra potencial),pois, numa economia aberta, o que não se produz internamente pode ser impor-tado. Divisas, pelo menos no momento, não são problema, dado o superávit em

Índice da produção física da metalúrgica básica e de máquinas e equipamentos no Brasil — 2004

100

105

110

115

120

125

130

135

Jan

2004

Mar

Mai Ju

l

Set

Nov

Jan

2005

Metalurgia básicaMáquinas e equipamentos

Índice

Gráfico 4

FONTE: IBGE. Banco de Dados SIDRA: séries históricas da PIM-DG, PIMES, PIM-PF e PME. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2005.NOTA: Índice de base fixa com ajuste sazonal 2002 = 100.

Jan.

/04

Fev

./04

Mar

./04

Abr

./04

Mai

o/04

Jun.

/04

Jul./

04

Ago

./04

Set

./04

Out

./04

Nov

./04

Dez

./04

Jan.

/05

11 Ver Boletim de Conjuntura (2005) do IPEA.

Legenda:

e equipamentos no Brasil — jan./04-jan./05

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A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade...

transações correntes. No caso do aço e das commodities em geral, o preço doproduto importado seria o mesmo (excluindo o frete), pois este é fixado pelomercado internacional.

Em suma, os argumentos apresentados nos itens anteriores sinalizam umainterpretação mais otimista quanto à evolução do PIB e da produção industrialem 2004. Na seção a seguir, vamos discutir o desempenho da indústria à luz docomportamento da produtividade, variável importante para qualificarmos o com-portamento da produção industrial no ano passado.

3 - Produtividade, emprego e jornada média, o que a atual década e o ano de 2004 trazem de novidade?

Conforme apontamos na Introdução, a produtividade industrial esteveestagnada desde fins dos anos 90. No Gráfico 5, registramos as taxas de cres-cimento do emprego, da produção física (PF) e da produtividade — produçãofísica/pessoal ocupado (POP) —, utilizando as informações das pesquisas men-sais do IBGE desde 1971.12 Nosso objetivo é assinalar como o comportamentoda evolução da produtividade nos anos 90 e na atual década diferem daqueledas décadas anteriores. Na época do “milagre” econômico, o crescimento daprodução ocorreu com expansão do emprego e da produtividade. A década de80 foi caracterizada pela estagnação do crescimento da produção e da produti-vidade. Nos anos 90, a retomada do crescimento da produtividade claramenteocorreu através do ajuste do processo de produção, que provocou acentuadaqueda no emprego.

Considerando a década passada, o movimento da produtividade, grossomodo, pode ser dividido em duas fases: aceleração do crescimento de 1991 a1996 e desaceleração de 1997 a 2000 (Gráfico 6) .

Esse movimento é explicado principalmente pelo menor crescimento daprodução física na segunda metade da década (Gráfico 7), quando terminou afase de auge do Plano Real.

12 Vale observar que, ao longo da série de indicadores, ocorreram várias revisõesmetodológicas. No entanto, esse é o registro mais longo que se tem para o acompanha-mento da produção e do emprego industrial utilizando dados oficiais. A interrupção da sérieem 2001 ocorreu porque a antiga Pesquisa Mensal de Emprego — dados gerais(PIM-DG) foi interrompida e substituída pela nova Pesquisa Industrial Mensal deEmprego e Salário (PIMES).

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1,3

4,2

9,5 10,1

3,8

14,5

10,2

7,8 7,26,0

3,8

0,7

6,3

-3,7-5

0

5

10

15

20

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Variação percentual anual da produtividade industrial no Brasil — 1990-04

FONTE: IBGE. Banco de Dados SIDRA: séries históricas da PIM-DG, PIMES, PIM-PF e PME. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2005.

Gráfico 6

Gráfico 5

0

50

100

150

200

250

1971

1973

1975

1977

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

PF POP PF/POP

FONTE: IBGE. Banco de Dados SIDRA: séries históricas da PIM-DG, PIMES, PIM-PF e PME. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2005.NOTA: Base 1989 = 100.

Legenda:

Índice da produção, do emprego e da produtividadeindustrial no Brasil — 1971-04

Índice

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A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade...

A atual década trouxe uma grande novidade: a pequena variação, negativaou positiva, do emprego industrial (Tabela 2). Aparentemente, as empresas jáajustaram seus níveis de emprego, e, portanto, as oscilações dessa variáveldeverão ser menores a partir de agora. O ano de 2004 destacou-se por apresen-tar o maior crescimento do emprego (1,9%), da jornada média (0,3%) e da pro-dução (8,3%) dos últimos 15 anos e também por registrar uma das poucastaxas positivas de emprego e jornada média nesse período (Gráfico 8).13

Em termos setoriais,14 os desempenhos da produção e da produtividadeem 2004 apresentaram um comportamento distinto do observado nos últimos

Variação percentual anual da produção física (PF) e do pessoal ocupado (POP) no Brasil — 1990-04

-15

-10

-5

0

5

10

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

PF POPLegenda:

FONTE: IBGE. Banco de Dados SIDRA: séries históricas da PIM-DG, PIMES, PIM-PF e PME. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2005.

Gráfico 7

13 Destacamos, na Tabela 2, apenas os dados comparáveis da PIM-PF e da PIMES, cujasérie de indicadores se inicia em 2001.

14 Para a obtenção de índices setoriais de produtividade, foi feita uma compatibilização entreos setores presentes na PIM-PF e na PIMES do IBGE. Ver trabalho dos autores para oInstituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), Feijó e Carvalho (2004).

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anos. Na Tabela 3, apresentamos a evolução setorial da produtividade industrial,comparando as taxas de crescimento acumuladas da pesquisa mensal de pro-dução física do IBGE (PIM-PF) com as de horas pagas (HP) (PIMES) em 2003e 2004. Os setores foram ordenados conforme o crescimento da produtividadeem 2004. Em todos eles, observou-se aumento na produção. O setor de maiorcrescimento da produtividade foi o de fabricação de meios de transporte, quetambém foi o de maior expansão da produção. De todos aqueles com taxa decrescimento acima da média da indústria de transformação, este foi o único aexpandir também as horas pagas, comportamento inclusive observado em 2003.Os demais setores com expansão da produtividade acima da média da indústriade transformação decresceram o número de horas pagas (produtos de metal,têxtil, vestuário, fabricação de outros produtos e minerais não-metálicos). Em2003, esse conjunto de setores apresentou taxa negativa de expansão da pro-dução, sugerindo que a retomada do crescimento em 2004 ainda não significouaumento no emprego e nas horas pagas.

Os demais setores com crescimento positivo da produtividade (em núme-ro de oito) apresentaram crescimento das horas pagas, com exceção de papel egráfica. Em quatro atividades, a produtividade foi negativa, porém tanto a produ-ção como as horas pagas foram positivas.

Tabela 2 Variação percentual das taxas acumuladas na indústria geral,

no Brasil — 2002-04

DISCRIMINAÇÃO 2002 2003 2004

Produção física ................................ 2,7 0 8,3

Pessoal ocupado ............................. -1,0 -0,6 1,9

Horas pagas .................................... -1,3 -0,9 2,2

Horas pagas/pessoal ocupado ........ -0,3 -0,3 0,3

Produtividade .................................. 4,1 1,0 6,0

FONTE: IBGE. Banco de Dados SIDRA: séries históricas da PIM-DG, PIMES, PIM- -PF e PME. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2005.

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A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade...

O setor de máquinas e equipamentos merece menção especial, pois vemapresentando taxas positivas de crescimento da produção e das horas pagasdesde 2003, sendo expressivo o aumento dessas variáveis em 2004, resultan-do em crescimento positivo da produtividade. Comparando os resultados dessesetor com os de fabricação de meios de transporte e com os de máquinas eaparelhos elétricos e eletrônicos — cuja produção, em grande parte, é destinadaà formação de capital pelas empresas —, constatamos que a demanda de bensde capital tem apresentado comportamento bastante aquecido nos últimos me-ses. Esse é um indicador importante, que mostra que as empresas, diante deexpectativas positivas quanto ao comportamente da demanda, têm ampliadosua capacidade de oferta, aumentando o nível de investimento, a despeito dasaltas taxas de juros praticadas no mercado financeiro.

O setor de metalurgia básica foi o que apresentou a maior queda na produ-tividade em 2004, resultado de um crescimento das horas pagas acima do daprodução. Esse setor operou a taxas elevadas de ocupação de capacidade,conforme já observado na Tabela 1, e, portanto, de forma menos eficiente em2004. Esse é o setor onde mais claramente se percebeu pressão de demandasobre a capacidade de oferta.

Variação percentual anual da jornada média da indústria no Brasil —1990-04

-1,8-1,6-1,4-1,2

-1-0,8-0,6-0,4-0,2

00,20,4

1990

1991

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2000

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Gráfico 8

FONTE: IBGE. Banco de Dados SIDRA: séries históricas da PIM-DG, PIMES, PIM-PF e PME. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2005.

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Paulo Gonzaga M. de Carvalho; Carmem Aparecida Feijó

Tabela 3

Variação percentual das taxas acumuladas da produção física (PF), das horas pagas (HP) e da produtividade (PF/HP), por setores

de atividade, no Brasil — 2003 e 2004

2003 2004

SETORES E ATIVIDADES PF HP PF/HP PF HP PF/HP

Indústria de transformação ........ -0,2 -1,1 0,9 8,5 2,1 6,3 Fabricação de meios de transporte 5,1 1,6 3,5 26,6 9,6 15,5 Produtos de metal, exclusive má-quinas e equipamentos .................. -5,5 1,9 -7,2 10,0 -3,8 14,3 Têxtil ............................................... -4,5 -5,5 1,0 10,1 -0,7 10,9 Vestuário ........................................ -12,2 -5,4 -7,3 1,6 -8,0 10,4 Fabricação de outros produtos da indústria de transformação ............. -6,1 -9,5 3,8 8,4 -1,8 10,4 Minerais não-metálicos .................. -3,6 -4,5 0,9 4,8 -1,8 6,7 Madeira .......................................... 5,3 -1,8 7,2 7,7 1,3 6,2 Papel e gráfica ............................... 3,3 -0,1 3,5 2,4 -3,6 6,2 Máquinas e aparelhos elétricos, eletrônicos, de precisão e de co-municações .................................... 0,5 -4,8 5,7 12,1 6,7 5,0 Produtos químicos .......................... -0,2 -3,5 3,5 6,0 1,7 4,2 Borracha e plástico ......................... -3,5 0,1 -3,5 7,8 4,6 3,0 Máquinas e equipamentos, exclusi-ve elétricos, eletrônicos, de preci-são e de comunicações .................. 5,6 5,2 0,5 18,2 15,0 2,8 Alimentos e bebidas ....................... -2,0 2,6 -4,5 4,5 2,7 1,7 Calçados e couro ........................... -9,7 -2,0 -7,8 2,3 1,4 0,9 Fumo .............................................. -6,4 2,9 -9,0 18,9 23,1 -3,4 Coque, refino de petróleo, combus-tíveis nucleares e álcool ................. -2,2 11,7 -12,4 2,3 7,6 -4,9 Metalurgia básica ........................... 6,0 0,5 5,4 3,3 10,1 -6,2 Indústrias extrativas .................... 4,7 3,5 1,2 4,3 4,5 -0,2 INDÚSTRIA GERAL ...................... 0,0 -1,0 1,0 8,3 2,2 6,0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IEDI. FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Banco de Dados SIDRA: séries históricas FONTE DOS DADOS BRUTOS: da PIM-DG, PIMES, PIM-PF e PME. Rio de Janeiro: FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE, 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br Aces- FONTE DOS DADOS BRUTOS: so em: mar. 2005.

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A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade...

Em suma, a recuperação da produtividade e do emprego observada para ototal da indústria em 2004 demonstrou que a mesma respondeu positivamenteaos estímulos da demanda agregada. O acréscimo da produtividade era espera-do, dada a característica pró-cíclica dessa variável, mas a magnitude desseincremento não. Esse comportamento foi observado na maioria dos setoresindustriais. Contudo a recuperação das horas pagas ainda não se refletiu natotalidade dos setores, mostrando que ainda resta espaço para ocupação decapacidade em alguns casos.

Do ponto de vista regional (Tabela 4), todos os locais registraram aumen-to de produtividade em 2004. Esse movimento generalizado foi sustentado pelaindústria paulista (9,8%), devido ao seu peso na indústria nacional e tambémpela sua expressiva taxa de incremento. Analisando o desempenho dos prin-cipais estados industrializados, verificamos que Rio de Janeiro (6,2%) e RioGrande do Sul (6,1%) ficaram com marcas próximas à média nacional (6,0%),enquanto Minas Gerais (0,6%) apresentou um desempenho decepcionante,registrando o pior resultado dentre todos os locais pesquisados. No caso desteúltimo estado, sua performance é explicada principalmente pelo incremento doemprego (4,4%) e das horas pagas (5,3%), que ficaram próximos ao acréscimode produção (6,0%). Vale registrar ainda que apenas a indústria fluminense apontouqueda do emprego (-2,4%) e das horas pagas (-3,5%).

Tabela 4

Variação percentual do acumulado de produtividade no Brasil e em unidades da Federação — 2002-04

BRASIL E ESTADOS 2002 2003 2004

Brasil ............................ 4,1 1,0 6,0 Ceará ........................... -0,9 -2,2 8,8 Pernambuco ................ -7,9 0,0 3,3 Bahia ........................... 1,8 0,3 6,9 Minas Gerais ................ 1,1 2,8 0,6 Espírito Santo .............. 10,8 11,8 4,9 Rio de Janeiro .............. 18,6 3,9 6,2 São Paulo .................... 3,1 0,9 9,8 Paraná ......................... -3,2 2,2 6,9 Santa Catarina ............. -10,9 -5,8 8,2 Rio Grande do Sul ....... 1,3 1,1 6,1

FONTE: IBGE. Banco de Dados SIDRA: séries históricas da PIM-DG, PIMES, PIM- -PF e PME. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: mar. 2005.

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Paulo Gonzaga M. de Carvalho; Carmem Aparecida Feijó

Em relação aos demais estados, Ceará (8,8%), Santa Catarina (8,2%),Paraná (6,9%) e Bahia (6,9%) destacaram-se, por apresentarem marcas acimada média nacional. As piores marcas ficaram com Espírito Santo (4,9%)e Pernambuco (3,3%).

Em resumo, o ano de 2004 marcou a retomada da produtividade da indús-tria como um todo com crescimento do emprego, fato que não se verificavadesde fins dos anos 90. Esse resultado ocorreu na maioria dos setoresindustriais, confirmando que o crescimento da produção em 2004 foi além daocupação de capacidade e implicou alguma expansão de capacidade produtiva.Esse é um fato novo, pois mostrou um padrão distinto de crescimento da produ-tividade daquele observado em anos recentes, que implicava corte de mão-de--obra. Os setores que apresentaram maiores taxas de crescimento da produtivi-dade ainda registraram queda nas horas pagas (a exceção foi fabricação demeios de transporte), porém foi expressivo o número de setores com cresci-mento positivo de produção e horas pagas. Em nível regional, a retomada docrescimento da produtividade em São Paulo foi o destaque em 2004.

4 - Conclusões

A despeito das altas taxas de juros e da valorização cambial, a produçãoindustrial, em 2004, apresentou taxa de expansão acima das previsões da mai-oria dos analistas econômicos. Além de inesperado, o resultado alcançado tam-bém deu margem a interpretações bastante divergentes. Enquanto algunsanalistas assinalavam que o crescimento não representava uma retomada decrescimento, pois não se registrou recuperação do mercado interno, outros con-sideravam o crescimento uma ameaça à estabilidade de preços.

Destacamos, total ou parcialmente, na parte inicial deste texto, sete argu-mentos apresentados em diversas ocasiões sobre o potencial de sustentaçãodo crescimento industrial. Em geral, a fraca recuperação da massa salarial e oelevado nível de utilização de capacidade seriam as principais ameaças à sus-tentação do crescimento. Discutimos essas interpretações com evidênciasestatísticas sobre o desempenho de variáveis relevantes.

Demos destaque especial à evolução da produtividade industrial. Pela lei-tura dos dados das pesquisas conjunturais da indústria, observamos que, em2004, o acréscimo na produtividade foi o maior dos últimos três anos. Em ter-mos setoriais, 14 segmentos (de um total de 18) registraram crescimento posi-tivo da produtividade. Em relação aos estados cobertos pelas pesquisasconjunturais do IBGE, todos apresentaram elevação da produtividade. Além dis-

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A indústria brasileira em 2004 e as teses sobre a sustentabilidade...

so, a recuperação da produtividade industrial foi acompanhada também darecuperação do emprego e das horas pagas, no geral.

O crescimento da produtividade com crescimento da produção industrialsuperior ao das horas pagas indicou que o setor industrial se tornou maiseficiente, e foi esse resultado que permitiu que a economia crescesse semameaçar a estabilidade de preços. Podemos dizer que os empresários, frente auma perspectiva de aumento da demanda, tanto interna quanto externa,ampliaram seu potencial de produção, realizando alguns investimentos, além deaumentarem a utilização dos recursos disponíveis, a despeito das elevadastaxas de juros e da valorização cambial.

Esse raciocínio merece uma qualificação importante do ponto de vista dasustentabilidade do crescimento da produção industrial e da produtividade.O que irá garantir essa sustentabilidade é a contínua introdução de inovações eo progresso técnico, processos que implicam compromentimento de recursosfinanceiros por longos períodos de tempo. Nesse sentido, elevadas taxas dejuros atuam como um elemento a inibir tais iniciativas, comprometendo, assim,o crescimento da produtividade e a competitividade a longo prazo. A retomadado crescimento da produção e da produtividade em 2004 devem ser considera-dos como uma primeira reação da estrutura produtiva a um fortalecimento dademanda agregada, mas que, para se consolidar em um novo ciclo de cresci-mento, precisa direcionar-se mais claramente para o crescimento do investi-mento em projetos de longa duração.

Através da análise setorial, não observamos que as indústrias estejam, nogeral, operando no limite de sua capacidade (exceção para o setor de metalurgiabásica), pois parte do aumento da produtividade ainda se deu com retração nashoras pagas. Esse fato é um sinal de que a expansão da produtividade comcrescimento da produção ocorreu com algum ajuste no processo de produção enão somente pelo uso exaustivo dos recursos produtivos. Ou seja, o que desta-camos ao longo deste texto é que a indústria respondeu a uma demanda cres-cente com capacidade de oferta, de forma generalizada, sem pressão sobre ouso dos recursos produtivos.

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Dois anos de Governo Lula: resultados e alternativas...

Dois anos de Governo Lula: resultados

e alternativas às políticas

econômicas adotadas

Ricardo Dathein* Professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da UFRGS.

ResumoNeste artigo, avaliam-se o desempenho e a política econômica dos primeirosdois anos do Governo Lula. Parte-se da análise de resultados econômicos e da“performance” fiscal do setor público. Discute-se, de outra parte, a participaçãodo Estado, enquanto investidor e planejador, na definição dos rumos econômicosdo País. Examinam-se também alternativas de políticas econômicas,contrapostas à estratégia liberal adotada pelo Governo. Defende-se a idéia deque o Estado deverá recuperar um papel fundamental para a geração de umdesenvolvimento sustentável com inclusão social. Por fim, contesta-se odogmatismo liberal radical da equipe econômica, segundo a qual amacroeconomia é uma questão a ser resolvida tecnocraticamente, enquanto ocrescimento econômico será alcançado via mercado.

Palavras-chavePolíticas econômicas; desenvolvimento e Estado; Governo Lula.

AbstractThe article evaluates the performance and the economic policy of the first twoyears of the Lula Government. The paper breaks of an analysis of the economicresults and the fiscal performance of the public sector. The text also argued theparticipation of the State, while investing and planning, in the definition of the

* E-mail: [email protected]

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Ricardo Dathein

economic courses of the country. It is also examined alternatives of economicpolicies, opposed to the liberal strategy adopted by the Government. It is defendedthe idea that the State will have to recover a basic paper for the generation of asustainable development with social inclusion. Finally, the article contest theradical liberal dogmatism of the economic team, which says that macroeconomicsis a question to be solved by technocratic means, while the economic growth willbe reached through market.

Artigo recebido em 21 mar. 2005.

1 - Introdução

O mercado funciona! Todos concordam com isso. Para a esquerda, porvezes, ele funciona bem, por vezes, mal, normalmente concentrando renda, e,em países com as características estruturais do Brasil, não gerandodesenvolvimento. Depois de três anos de fraco desempenho e de um primeiroano de recessão no Governo Lula, finalmente, em 2004, a economia brasileiravoltou a apresentar crescimento substancial, e isso foi alcançadoconcomitantemente à adoção de políticas econômicas liberais, aprofundadaspor Lula a partir da gestão anterior. Desse modo, parece estranha a confusão departe da esquerda na interpretação desse crescimento. No Governo FernandoHenrique Cardoso, também ocorreram anos de performance relativamenteelevada, como em 1995 e 2000, e esses resultados, da mesma forma, sempreforam explicados como conseqüência das políticas econômicas tomadas e comoo início de novas eras de desenvolvimento sustentável.

Tendo essa polêmica em vista e partindo da análise sobre o desempenhoda economia em 2003 e 2004, o objetivo deste artigo é caracterizar e criticar apolítica econômica do Governo Lula, discutindo-se também problemas estruturaisrelacionados à participação do Estado na economia enquanto investidor eplanejador. Além disso, analisam-se alternativas de políticas econômicas e, nasconclusões, busca-se entender os motivos que levaram o Governo Lula àsopções adotadas.

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Dois anos de Governo Lula: resultados e alternativas...

2 - A economia em 2003 e 2004

Depois de vários anos de dificuldades econômicas e sociais e de umagrande expectativa de melhorias gerada pela eleição do novo governo, a recessãode 2003, provocada por uma política econômica ortodoxa, gerou uma grandedecepção. Em 2004, entretanto, ocorreu uma forte recuperação, tendo o PIB seelevado 5,2%, com alto crescimento da indústria de transformação (7,7%), docomércio (7,9%), da construção civil (5,7%) e com a continuidade do bomdesempenho da agropecuária (5,3%). Os investimentos cresceram 10,9%, e oconsumo das famílias, 4,3%. O setor externo teve um excepcional resultado,com as exportações e as importações de bens e serviços aumentando 17,9% e14,3% respectivamente.

O PIB tem apresentado, nos últimos anos, comportamento em forma de“vôo de galinha” (Gráfico 1). Choques exógenos têm sido apresentados comocausadores desse desempenho. Os governos dos últimos 10 anos não têmadmitido a possibilidade de que as políticas econômicas internas possam tersido a causa desse processo, inclusive por terem aumentado a vulnerabilidadeexterna. A recuperação econômica de 2004 está sendo interpretada pelo GovernoLula como conseqüência de suas políticas de ajuste e como crescimentosustentável e de longo prazo. No entanto, anos de recessão e um ótimo ambienteexterno permitiram a retomada. A vulnerabilidade externa e a falta de controlesobre capitais especulativos, as políticas monetária e fiscal ortodoxas, o baixopatamar da taxa de investimentos, problemas de infra-estrutura e a inexistênciade uma ação planejadora do Estado sobre o longo prazo, porém, colocam dúvidassobre a possibilidade de manutenção do alto crescimento.

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Indic. Econ. FE

E, P

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Ricardo D

athein

Taxa de variação do PIB trimestral no Brasil — 4º trim./92-4º trim./04

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4

(%)

Gráfico 1

FONTE: IBGE. Contas nacionais trimestrais: 1992/2004. Rio de Janeiro:IBGE, 2005. Disponível em: http://www.ibge.gov.br Acesso em: fev. 2005.NOTA: 1. Os dados têm como base os últimos quatro trimestres em relação aos quatro trimestres anteriores.NOTA: 2. Volume com ajuste sazonal.

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Dois anos de Governo Lula: resultados e alternativas...

O desemprego, depois de uma elevação em 2003, reduziu-sesubstancialmente em 2004, fruto da recuperação econômica, apesar de aindaestar em patamares elevados, próximos de 10,0% (Gráfico 2). A trajetória dosrendimentos médios reais recebidos foi substancialmente pior em 2003 e 2004,comparativamente a 2002, conforme o Gráfico 3. Chama atenção o fato de que,mesmo com a retomada econômica, os rendimentos não tenham se elevado em2004. Com isso, a massa salarial cresceu apenas 1,5% nesse ano (IBGE, 2005a).Esse processo é resultado de uma taxa de desemprego que continua alta,de um grande excedente de mão-de-obra e de uma fraca elevação daprodutividade.

Taxa de desocupação no Brasil — 2002-04

8,0

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Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.

FONTE: IBGE. Pesquisa mensal de emprego: 2002/2004. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Disponível em: http://www.ibge.gov.br

(%)

Gráfico 2

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Ricardo Dathein

O Gráfico 4 ilustra o aumento do patamar inflacionário, fortementeespeculativo, depois de setembro de 2002, e o sucesso do Governo em suacontenção, recolocando a variação de preços em baixos níveis, a partir de maiode 2003. Com uma política monetária contracionista, a cotação do dólar foireduzida, diminuindo pressões de custos (por preços de bens importados e pelaindexação de preços de bens e serviços). A inflação tem se mantido entre 0,5 e1,0% ao mês, alcançando 9,3% em 2003 e 7,6% em 2004. No entanto, o Governopossui uma meta inflacionária de 4,5% para 2005 e 2006, o que corresponde a0,37% ao mês. Essa meta, muito rígida, justifica a manutenção de uma políticamonetária altamente restritiva, o que dificulta a recuperação econômica. Oproblema é que o patamar de inflação não consegue baixar substancialmente,devido a um importante conjunto de preços indexados, fruto de contratos malelaborados no processo de privatizações. Desse modo, o setor produtivo carregaos custos da política monetária restritiva, enquanto a principal causa da inflaçãonão é atingida. Essa política aparece como essencial para o Governo, porqueele parte de uma visão de que baixas taxas de inflação são determinantes parao crescimento econômico (nessa ordem causal), tendo em vista as experiências

800,00

850,00

900,00

950,00

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(R$)

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2003

FONTE: IBGE. Pesquisa mensal de emprego: 2002/2004. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Disponível em: http://www.ibge.gov.brNOTA: Em R$ de jan./05.

Rendimento médio real habitualmente recebido porpessoas ocupadas no Brasil — 2002-04

0,00

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de países com baixa inflação e alto crescimento. Essa concepção teóricadetermina as opções de política monetária. Tal interpretação, no entanto, éaltamente questionável, podendo-se argumentar que a ordem causal oposta éque é a correta.

Com o objetivo de alcançar credibilidade, a atual versão da teoria neoclássicaapresenta como fundamento econômico-chave a relação entre a dívida públicae o PIB. Dessa forma, a política econômica de Lula foi direcionada a alcançar oobjetivo de redução desse indicador. Isso seria obtido com uma política fiscalfortemente contracionista. A Tabela 1 mostra como o superávit primário foiaumentado, em 2003, para 4,25% e, em 2004, para 4,61% do PIB, superior àmeta de 4,5%. Fruto dessa política e do aumento do PIB, diminuíram,proporcionalmente ao PIB, o pagamento de juros e o déficit nominal, e a dívidapública teve uma forte redução no último ano. No entanto, a taxa de juros básicamantida em patamares de 10% reais ou mais, substancialmente acima da taxa

Taxa de inflação (IPCA) no Brasil — 2002-04

-0,5

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.

(%)

Gráfico 4

FONTE: IBGE. Índice de preços ao consumidor amplo: 2002/2004. Rio de Janei- ro: IBGE, 2005.

2002

2004

2003

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de variação do PIB, pressiona forte e continuamente as finanças públicas. Aequipe econômica do Governo Lula afirma que enfrentará o déficit não comaumentos de dívida e de carga tributária, como teria ocorrido na gestão anterior,de forma irresponsável, mas com maiores cortes de gastos. Responsabilidadefiscal tem sido uma característica dos governos do Partido dos Trabalhadores,tanto estaduais quanto municipais, tanto mais à esquerda quanto mais à direita,e não apenas do Governo Lula. A diferença está entre se esse ajustemacroeconômico é um meio para possibilitar a adoção de políticas econômicasde longo prazo ou se é um fim em si mesmo, deixando as definições sobre olongo prazo ao mercado.

Tabela 1

Desempenho das finanças públicas, em percentual do PIB, no Brasil — 2000-04

ANOSJUROS

NOMINAIS SUPERÁVIT PRIMÁRIO

DÉFICIT NOMINAL

DÍVIDA LÍQUIDA (final de períodos)

2000 7,08 3,46 3,61 48,78 2001 7,21 3,64 3,57 52,63 2002 8,47 3,89 4,58 55,50 2003 9,33 4,25 5,08 57,18 2004 7,29 4,61 2,68 51,81

FONTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Informações econômico financeiras: sé- ries temporais. Brasília: BCB, 2005. Disponível em: http://www.bcb.gov.br Acesso em: fev. 2005.

Para a equipe econômica de Lula, os resultados negativos de 2003 foramtransitórios e superados, como conseqüência da gestão macroeconômicaresponsável e da credibilidade derivada, condição para a retomada do crescimentosustentável, em sua visão. Além disso, seriam necessárias reformasmicroeconômicas liberalizantes. Nesse modelo, a estabilização macroeconômicaseria alcançada e, após, por conseqüência, juntamente com a credibilidade geradapelas reformas estruturais, o desenvolvimento seria retomado. A estabilização eas reformas estariam a cargo do Governo, enquanto o desenvolvimento ocorreriapor obra do mercado, derivado de fatores microeconômicos de longo prazo. Essaidéia, completamente estranha à esquerda, tanto marxista quantosocialdemocrata, parece predominar na equipe econômica e no núcleo dirigentedo Governo.

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O Governo Lula assimilou o conceito liberal de reformas e tratou de pô-loem prática como uma agenda de longo prazo, essencial, segundo ele, para quea estabilização macroeconômica e os ganhos de credibilidade sejamconsolidados. Quase todas as propostas parecem ter um cunho liberalizante,visando à redução de custos e à criação de mais flexibilidade para o mercado.Além disso, as políticas sociais também têm padrão liberal, por suascaracterísticas compensatórias e focalizadas.

A combinação de políticas macroeconômicas herdadas do GovernoFernando Henrique Cardoso (metas de inflação, metas de superávit primário ecâmbio flutuante) foi aprofundada por Lula. Essa política pode, em certascircunstâncias, apresentar resultados positivos. No entanto, a plena liberalizaçãodo movimento de capitais, ao invés de gerar mais estabilidade, mais confiançae mais crescimento, tolhe a capacidade de decisão do Governo sobre a políticamonetária. A resultante alta taxa de juros, entre as maiores do mundo, retrata aineficiência de tal política econômica. A política fiscal também não possuiautonomia, pois está condicionada ao alcance das metas de superávit primário.A política cambial, por outro lado, não existe, pois o câmbio e o fluxo de capitaissão livres. Essas políticas tendem a gerar movimentos de stop and go, inibindoo crescimento sustentável, ao desestimularem investimentos produtivos.

As políticas de desenvolvimento, por outro lado, aparecem como promessasem documentos (Brasil, 2003), ou em ações específicas, mas em contradiçãocom as políticas macroeconômicas. As idéias predominantes apontam para oconsenso liberal de que o desenvolvimento é determinado pelo mercado, deacordo com condições microeconômicas, mas somente após a consecução doequilíbrio macroeconômico.

Tendo em vista que o crescimento de 2004 foi alcançado a partir de umbaixo patamar econômico e no contexto de uma conjuntura internacional altamentefavorável, sua sustentabilidade torna-se muito dependente do desempenho daeconomia internacional, a não ser que a dinâmica interna dessa evoluçãoadquirisse autonomia. Para isso, a trajetória da taxa de investimentos é crucial.Depois de 25 anos de um Estado em crise e de 15 anos de políticas liberais, oEstado desenvolvimentista foi destruído em sua capacidade de investimento eplanejamento. O Gráfico 5 ilustra a involução das taxas de investimentos totaise públicos desde a segunda metade dos anos 70. Nesse período, os investimentosprivados não conseguiram compensar a queda dos investimentos públicos, quevoltaram aos patamares dos anos 50. Para que o crescimento voltesustentavelmente a patamares necessários para a superação do subde-senvolvimento, da pobreza, do desemprego e do subemprego, a taxa deinvestimentos terá que crescer a patamares muito superiores aos atuais. Arecuperação ocorrida em 2004 (Gráfico 5) está longe de dar garantias de

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sustentabilidade ao crescimento. Tendo em vista o efeito crowding in dosinvestimentos estatais e a evolução do último quarto de século, seria necessáriorecuperar a capacidade de investimento estatal para que a taxa de investimentosprivada e total ascendesse a maiores patamares. No Gráfico 5, o último dadopara os investimentos públicos é do ano 2000, mas estes devem ter diminuídoainda mais posteriormente, pois os investimentos executados pelo GovernoFederal se reduziram nada menos que 51,9% em 2003, em termos reais,comparativamente ao ano 2000, segundo dados brutos do Ministério doPlanejamento, Orçamento e Gestão (Brasil, 2005).

Taxas de investimentos totais e públicos no Brasil — 1947-04

0

5

10

15

20

25

30

1947

1950

1953

1956

1959

1962

1965

1968

1971

1974

1977

1980

1983

1986

1989

1992

1995

1998

2001

2004

I Totais (preços correntes) / PIBI Totais (preços de 1980; endadeado) / PIBI Públicos (preços correntes) / PIB

Gráfico 5

FONTE: IBGE. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. FONTE: IPEA. Ipeadata. Rio de Janeiro: IPEA, 2005. Disponível em:FONTE: http://www.ipeadata.gov.br Acesso em: mar. 2005.NOTA: Os dados de 2004 são estimativas.

Legenda: Totais (preços correntes)/PIBTotais (preços de 1980; endadeado)/PIBPúblicos (preços correntes)/PIB

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3 - Alternativas de políticas

Existem, fundamentalmente, três alternativas de políticas econômicas. Aprimeira, predominante no Governo Lula, é o aprofundamento ou o aperfeiçoamentodo modelo liberal já existente. As políticas macroeconômicas ortodoxas e asreformas estruturais visam alcançar credibilidade junto aos mercadosinternacionais, produzindo estabilidade como condição para o desenvolvimento.Essa estabilidade seria medida pela baixa inflação e pela redução do déficitpúblico e da relação dívida/PIB. O desenvolvimento seria, basicamente, umareação do mercado a essas condições, impulsionado por reformasmicroeconômicas. Não está claro como, com essa política, para o GovernoLula, ocorreria distribuição de renda.

A segunda alternativa é a keynesiana, com a recuperação da capacidadedo Estado de gerenciar políticas de demanda expansionistas. Para isso serpossível, devem ser adotados controles sobre os fluxos internacionais de capitaisvoláteis. O objetivo é restringir a liberdade que os detentores de riqueza líquidapossuem para vetar políticas que não os beneficiem sempre e imediatamente,com a simples ameaça de fuga de capitais (Carvalho, 2003b). A crítica que seapresenta aqui é a de que, apesar de essa ser uma condição necessária, não ésuficiente para promover o desenvolvimento sustentável e com distribuição derenda. A redução das taxas de juros e do superávit fiscal primário aumentaria ademanda agregada, e a experiência brasileira mostra que, felizmente, ela tendea ser rápida e forte. O problema é que, assim como a oferta não geraautomaticamente sua demanda, um aumento de demanda não produznecessariamente uma oferta compatível, principalmente depois de uma primeirafase de recuperação cíclica. Portanto, a alternativa keynesiana estrita, elaboradapara problemas de curto prazo em realidades de países desenvolvidos, não ésolução isoladamente, devendo ser acompanhada de uma política de ofertaagregada.

Existem duas visões básicas sobre como alcançar maior dinamismo naoferta agregada. A liberal entende que devem ser executadas reformas estruturaispara liberalizar o mercado e estimular a iniciativa empresarial. A outra visãoparte da idéia de que países não desenvolvidos necessitam não apenas depolíticas de demanda efetiva, mas também de políticas de desenvolvimento. Ouseja, para garantir um desenvolvimento sustentável, permitindo políticas deinclusão social e de desconcentração de renda, com o aumento da taxa deinvestimento, parte-se da constatação empírica e histórica de que o mercado,isoladamente, não gera essa condição. As principais medidas deveriam ser,concomitantemente, a retomada do planejamento econômico, a recuperação

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dos investimentos estatais, a diminuição da vulnerabilidade externa, com políticascomerciais e de fluxos de capitais, e a mudança da política macroeconômica decurto prazo.

A estabilização e o crescimento, portanto, deveriam ser construídosparalelamente. Promover um plano de desenvolvimento de forma negociada nãoé apenas uma opção dos governos, devendo ser entendido como parte dassuas funções prioritárias. Um acordo nesse sentido permitiria uma transição dosmodelos de (não) desenvolvimento e de atuação estatal atuais, superando-os.Nessa transição, as políticas de curto prazo deveriam ser postas a serviço daspolíticas de desenvolvimento, compatibilizando-as, começando pela imposiçãode restrições ao livre fluxo de capitais especulativos. A definição de outra agendaeconômica também mudaria a pauta de discussão pública, passando-se a debatermetas para o desenvolvimento, o emprego, a produção de energia, etc. Ao mesmotempo, o Ministério da Fazenda e o Banco Central deveriam ser postos em seudevido lugar, ou seja, na retaguarda, criando condições para o desenvolvimento.Com isso, o Governo ganharia credibilidade (não no conceito neoclássicoobviamente), com a percepção de que existem objetivos coerentes de curto elongo prazos, de que o Governo tem projeto e é capaz de decidir — não sendosimplesmente um refém do mercado —, ao mesmo tempo em que aprofunda ademocracia, incorporando a sociedade — incluindo os empresários — a umprojeto hegemônico. Essas políticas permitiriam uma efetiva estabilidade depreços, facilitando uma solução para os constrangimentos externos e o déficitpúblico ao longo do tempo.

O Estado, no caso brasileiro atual, com suas dificuldades econômicas esuas políticas restritivas derivadas dessa situação, impõe grandes limites aodesenvolvimento. No entanto, essa constatação não leva a uma conclusão liberalde necessidade de redução do papel do Estado. A relativamente alta cargatributária tende a levar também a essa conclusão. Porém o que se tem hoje noBrasil é um Estado mínimo em termos de capacidade e iniciativa de gerardesenvolvimento. O que é necessário é um Estado adequado nesse sentido,com mais investimentos, mais eficiência, mais planejamento e, fundamentalmente,mais democracia.

Ao contrário do que se esperava do Governo Lula, a recuperação doinstrumento de planejamento econômico não ocorreu, e o que se tem é opredomínio quase absoluto da visão liberal do Ministério da Fazenda e do BancoCentral. O Ministério do Planejamento, nesse governo, é um órgão fraco, quenão determina políticas econômicas. O Ministério da Fazenda trata inclusivedas questões de longo prazo, com metas para vários anos, e das estratégias depolítica social, como ilustram seus documentos. O fato de o Ministério doPlanejamento ser comandado por um ministro interino por muitos meses, desde

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novembro de 2004, é revelador do grau de desimportância desse órgão para oatual governo.

4 - Conclusões

Uma economia eficiente é aquela na qual o trade-off entre estabilidade ecrescimento é superado, na qual os dois são alcançados e ocorremconcomitantemente. A política econômica dos últimos 10 anos foi ineficaz nessesentido. A idéia de alcançar, em primeiro lugar, a estabilidade, com uma políticaque busca inicialmente credibilidade, para, somente após, ser alcançado ocrescimento via mercado, além de ser uma interpretação liberal (e, portanto,contraditória com o que se esperava do Governo Lula), é ilusória, tendo em vistaa realidade de uma economia capitalista intrinsecamente instável. Portanto, essabusca de estabilidade pode ser entendida como um “Pesadelo de Sísifo” ou,como já afirmou Fernando Henrique Cardoso (2004), após sair da Presidência,como uma forma de ficar “Esperando Godot”.

Depois de já haver passado mais da metade do mandato de Lula, não podehaver dúvidas sobre quem decide a política econômica e sobre qual é,definitivamente, essa política. As oportunidades iniciais foram perdidas, e aconvicção é absoluta. Dessa forma, as políticas de desenvolvimento são poucomais que marketing, assim como as posições políticas de esquerda. Opragmatismo tomou o lugar do marxismo ou de outras convicções abandonadas.Ao contrário do que muitos pensavam, a direita do PT, os chamados “moderados”,não são socialdemocratas, mas, sim, liberais. Além disso, a idéia de que amplosacordos políticos são necessários para garantir governabilidade, promovendoalianças com o centro e até com a direita, produzindo o inusitado resultado deum governo “de esquerda” quase sem oposição ideológica, tem um custoaltíssimo, ou seja, abrir mão de um programa de mudanças. A direta petista, quedomina com mão-de-ferro o Governo e o Partido, não sente esse resultado comoalgo negativo, porque não faz isso para garantir governabilidade efetivamente,mas por convicção ideológica. Em termos de política econômica, o que seapresenta como cautela tática é, enfim, escolha estratégica.

Uma alternativa à política econômica liberal de Lula não geraria o “caos”, etambém não são necessárias medidas como rompimentos unilaterais radicais.No entanto, são necessárias ousadia e criatividade. A idéia de que não existealternativa (o pensamento único, contraditoriamente expresso por pessoas de“esquerda”) e a identificação entre administração responsável e políticaseconômicas liberais (ditas racionais, versus, portanto, as propostas de

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economistas irracionais e irresponsáveis, que propõem políticas que produziriamo caos, indistintamente!) revelam o autoritarismo do núcleo dirigente do Governo.Aparentemente, como não havia clareza sobre o que fazer exatamente, o medode errar provocou insegurança e inércia. As novas convicções ideológicas, porém,talvez expliquem melhor as opções econômicas. A proposta do Ministro daFazenda, Antônio Palocci, no sentido de que os agentes econômicos esqueçamo tema macroeconômico — que deveria ser resolvido por técnicos — e seconcentrem na microeconomia, é um dos exemplos mais claros do radicalismoliberal na gestão econômica. A relativa facilidade com que o núcleo dirigente doGoverno tem controlado o PT, mesmo executando políticas contrárias àspropostas em 25 anos, revela também que talvez esse partido não tenha muitaclareza sobre o que recomendar alternativamente, além de senso burocrático desobrevivência e degeneração intelectual.

Ao contrário de a macroeconomia ser deixada para tecnocratas liberais ede o desenvolvimento ser confiado ao mercado, os dois devem ser geridos peloEstado, de acordo com uma visão estratégica que os unifique. A políticamacroeconômica deve ter como principal objetivo viabilizar e compatibilizar aimplementação de um plano de desenvolvimento, definido democraticamente, apartir da iniciativa do Estado. O maior problema da política econômica do GovernoLula é justamente a ausência de uma estratégia de longo prazo que lhe desserumo e que permitisse a adoção de políticas de curto prazo compatíveis. É claroque isso não é fácil de ser construído e executado. Uma melhor compreensãosobre a história econômica brasileira e sobre as atuais experiências bem--sucedidas de países em desenvolvimento, juntamente com posições teóricasantiliberais, além de postura de estadista criativo e sem medo de ousar ajudariammuito. Não é isso o que existe no atual governo, infelizmente.

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Por que o Brasil não volta a crescer como antes?...

Por que o Brasil não volta a crescercomo antes? Uma questão de

política econômica?

Roberto Camps Moraes Professor Titular do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS.

ResumoPara responder às questões propostas no título deste artigo, apresenta-se,em forma diagramática comentada, a estrutura de modelos representativospara o curto e o longo prazo, classificando três tipos de crescimento. Quandoo Brasil cresceu a altas taxas, entre a Segunda Guerra e 1980, ele atraíacapital e tecnologia em uma trajetória consistente com um tipo de crescimen-to, no qual ele acumulava capital por trabalhador, convergindo para um equi-líbrio. Depois de 14 anos de alta inflação e políticas de estabilização fracas-sadas, o País voltou a um mundo bem diferente, no qual o seu antigo papel seachava inteiramente preenchido por outros países, como a Índia e a China. E,ao mesmo tempo, o País não criou ainda um setor doméstico de P&D, apesarde seu potencial em algumas áreas de conhecimento. As políticas econômicasque são necessárias para construir um setor de P&D são de longo prazo, dolado da oferta.

Palavras-chaveCrescimento econômico; economia brasileira; política econômica.

Abstract

In order to answer the question proposed by its title — Why Brazil does not growas it did before? An economic policy question? — this paper describes in adiagrammatic form the structure of representative models for both the short runand the long run, classifying three types of growth. It is argued that when Brazil

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Roberto Camps Moraes

grew at high rates, after WW 2 up to 1980, it attracted capital and technologyon a path consistent with one type growth, in which it deepened capital perworker converging to some steady state. After 14 years of high inflation andfailed stabilization policies, the country comes back to a very different world,in which its former role is entirely fullfilled by countries such as India andChina. And, at the same time, the country does not have yet built an R&Dsector within its economy, in spite of its potential in some areas of knowledge.The policies that are needed for that end are supply-side policies.

Artigo recebido em 12 abr. 2005.

1 - Introdução

Para responder às questões do título deste trabalho, que é o objetivo domesmo, divido-o em partes que considero necessárias para uma compreen-são global do problema. Começo por uma caracterização baseada em dadosque resumem o desempenho macroeconômico do País no longo prazo. Aseguir, apresento, em forma diagramática comentada, um modelomacroeconômico de curto prazo que julgo relevante para entender a lógicadas políticas monetária e fiscal vigentes. Passo, então, a discutir, usandouma técnica expositiva semelhante, questões relativas ao crescimento nolongo prazo. Em quarto lugar, apresento um pouco de história narrativa doseventos relevantes que, a meu ver, explicam como as respostas substanti-vas às questões propostas se conformam.

2 - O desempenho macroeconômico do Brasil no longo prazo

O debate atual sobre a taxa de juros no Brasil e o seu papel na retomadade uma trajetória de crescimento auto-sustentado é perfeitamente com-preensível, dado que a taxa básica de juros do País — hoje em 19,75%a.a. — é a mais alta do mundo. Os críticos da atual política monetária advogam

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que uma redução substancial da taxa permitiria uma velocidade maior do cres-cimento econômico, sem uma aceleração inflacionária que pusesse a inflaçãofora de controle. Os críticos também alegam que as taxas de crescimentoverificadas recentemente no País são muito baixas, quando comparadas comas do passado da economia brasileira e com o presente de outras economias,como a China.

Não há como negar os fatos expressos na última sentença. Quanto aisso, não pode haver discussão. O problema é entender o porquê de o Brasilcrescer tanto no passado e não ter podido repetir aquela performance pré 1981nos últimos 25 anos. A Tabela 1 mostra a performance da economia brasileiraem períodos selecionados. Antes de 1981, a renda per capita (RPC) brasileiracresceu a uma média anual de 3,18 a.a., e, desde então, ela passou para umamédia de 0,38% a.a., tendo as médias para a inflação sido, respectivamente,18,17% a.a. e 498,93% a.a. Tivesse a taxa de 3,18 % persistido até 2004, arenda per capita brasileira estaria hoje em torno de US$ 6.578,00 e não ao redorde US$ 3.356,00 (ambos a preços de 2004). É óbvio que aconteceu uma quebraestrutural no início da década de 80. Também se pode perceber, pelos dados daTabela 1 e por uma inspeção visual do Gráfico 1, que houve duas fases distintasnos últimos 25 anos: (a) o período indicado como da Grande Inflação, quando ataxa média de crescimento da renda per capita foi negativa — em que o Brasilexperimentou 14 anos sucessivos com inflação anual de três dígitos —; e (b) aEra Real, quando a taxa voltou a ser positiva — embora bem menor do que a doperíodo pré 1981 — e a inflação foi reduzida para abaixo dos 20% a.a. A EraReal, por sua vez, pode ser subdividida conforme o regime cambial vigente, em:(a) o Real Bandas, quando a âncora cambial foi usada como instrumento deestabilização, e (b) o Real Flutuante, desde quando o regime de metas de infla-ção foi introduzido, após a desvalorização de janeiro de 1999.1 Do ponto de vistada inflação, este último é o único período, a partir do segundo Pós-Guerra, emque a sua média fica abaixo dos dois dígitos. Para se encontrar um período deseis anos com uma média de inflação inferior a dois dígitos, ter-se-ia que recuarao período 1938-43 (não mostrado na Tabela 1), quando ela foi de 9,15% a.a.,com uma taxa média de crescimento da renda per capita de 0,58% a.a.,Trata-se de um período marcado por duas peculiaridades: economia de guer-ra e regime político totalitário.

1 Note-se que, se se retirar o ano de 1994, cujo crescimento foi excepcionalmente alto (4,33 %),devido à queda da taxa inercial de inflação, que gerou um boom temporário de consumo nosegundo semestre do ano, a média do período passa para 1,16% a.a., ainda um pouco superiorà do regime de câmbio flutuante (0,98%).

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Tabela 1

Médias anuais de crescimento da renda per capita (RPC) e taxa de inflação no Brasil, em períodos selecionados

(%)

PERÍODOS ANOS CRESCIMENTO DA RPC

TAXA DE INFLAÇÃO

Séculos XX-XXI ........... 1901-04 2,54 127,74

Até 1980 ...................... 1901-80 3,18 18,17

Desde 1981 ................. 1980-04 0,38 498,93

Milagre econômico ...... 1968-80 6,16 36,24

Década de 80 .............. 1981-90 -0,64 591,78

Desde 1990 ................. 1990-04 0,57 586,45

Era Real ....................... 1994-04 1,35 (1)14,01

Real Bandas ................ 1994-98 1,80 22,03

Real Flutuante ............. 1999-04 0,98 8,66

Grande Inflação ........... 1981-94 -0,09 845,30

Padrão-Ouro ................ 1901-14 2,26 -0,35

Primeira Guerra ........... 1914-18 0,26 10,86

Primeiro Pós-Guerra .... 1919-29 3,70 6,25

Depressão ................... 1930-38 2,76 0,18

Segunda Guerra .......... 1938-45 1,16 11,30

Segundo Pós-Guerra ... 1946-80 4,33 31,62

FONTE: IPEA.

(1) No período 1995-04.

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Média de 10 anos para o logaritmo da inflação e da taxa de crescimento da RPC e média acumulada total da taxa de crescimento da RPC no Brasil — 1901-2004

Gráfico 1

-2

-1

0

1

2

3

4

5

6

7

1901

1905

1909

1913

1917

1921

1925

1929

1933

1937

1941

1945

1949

1953

1957

1961

1965

1969

1973

1977

1981

1985

1989

1993

1997

2001

Inflação média decimal Taxa de crescimento da RPC média decimal Taxa de crescimento da RPC média acumulada total

(% a.a.)

Legenda:

FONTE: IPEA.

Inflação média decimalTaxa de crescimento da RPC média decimal

Taxa de crescimento da RPC média acumulada total

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Uma comparação entre o período da Grande Inflação e o do Padrão--Ouro mostra claramente as virtudes antiinflacionárias deste último e os custosda inflação alta. Também se pode observar, pelos dados da Tabela 1, que,durante as duas guerras, as taxas de inflação foram mais altas e as taxas decrescimento mais baixas, ao passo que, nos períodos subseqüentes, o in-verso ocorre, exceto no caso da inflação do Segundo Pós-Guerra. A performanceda economia brasileira durante a década de 30 — Depressão, na Tabela 1 — foirelativamente boa — uma taxa de crescimento superior à média histórica e umataxa de inflação baixíssima. Para uma comparação, no mesmo período, essastaxas foram de -0,95% (crescimento) e -1,36% (inflação) nos EUA.

3 - A lógica atual das políticas monetária e fiscal

A economia brasileira, apesar de sua relativa grandiosidade, enqua-dra-se na categoria “economias pequenas e dependentes” — pequenasporque os eventos domésticos não afetam os preços internacionais, e depen-dentes porque, com a integração do mercado financeiro internacional, assuas políticas internas são quase totalmente determinadas pelo ambienteglobal. A Tabela 2 mostra a posição relativa dos 20 maiores países do mundo,de acordo com o seguinte índice de “grandeza” econômica:

I G = ($ PI ) / 3; I = A, P, Y

onde pi é participação relativa do país no mundo em termos de área (a), po-pulação (p) e PIB (y). O Brasil ocupa a sexta posição, quando se considera oPIB avaliado pelas taxas de câmbio de mercado no índice de grandeza (emtermos de tamanho do PIB, o Brasil é o 12º), e a quinta, quando se considerao PIB em termos de paridade do poder aquisitivo.2

Certamente, para alguns produtos, como laranja, soja, carne bovina, miné-rio de ferro e café, o Brasil é um país grande. Mas, do ponto de vista dos

2 Note-se que a China ocupa a primeira posição com o PIB avaliado pela Paridade do PoderAquisitivo. Os 15 países da União Européia (UE), quando somados, chegam a 12%. O acrésci-mo dos 10 países que nela ingressaram em 2004 significa mais um ponto percentual.

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3 Potencialmente, em certas circunstâncias, o Brasil, como grande devedor, adquiriu um statusde país grande, como nos anos 1983-85 e 1998.

mercados financeiros, o Brasil não afeta a taxa de juros internacional e as taxasde câmbio principais: euro-dólar, iene-dólar, libra-dólar, etc.3

Tabela 2

Índice de grandeza (IG) econômica dos 20 maiores países do mundo — 2002

PAÍSES IG COM PIB DE

MERCADO(%)

IG COM PIB SEGUNDO A PARIDADE DO PODER AQUISITIVO

(%)

RANKING DO MERCADO

EUA ............................. 14,94 11,27 1º China ........................... 10,67 13,41 2º Índia ............................. 7,04 8,46 3º Japão ........................... 5,43 3,23 4º Rússia .......................... 5,39 5,88 5º Brasil ............................ 3,62 4,00 6º Canadá ........................ 3,43 3,31 7º Alemanha .................... 2,55 2,09 8º Austrália ....................... 2,47 2,43 9º Reino Unido ................. 2,00 1,49 10º França ......................... 1,92 1,59 11º Indonésia ..................... 1,79 1,59 12º México ......................... 1,68 1,66 13º Itália ............................. 1,57 1,45 14º Argentina ..................... 1,06 1,16 15º Paquistão ..................... 1,05 1,19 16º Nigéria ......................... 0,99 1,03 17º Espanha ...................... 0,99 0,96 18º Irã ................................ 0,89 1,08 19º República Democrática do Congo ..................... 0,88 0,89 20º

FONTE DOS DADOS BRUTOS: WORLD DEVELOPMENT REPORT 2004. Washington, DC: World Bank, 2005.

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O modelo macroeconômico de curto prazo relevante para explicar o com-portamento de uma economia pequena e aberta segue as linhas sugeridas porSvensson (1997) e Ball (1997). O modelo usado pelo Banco Central do Brasiltambém segue essas linhas, conforme Bogdanski, Tombini e Werlang (2000).Um diagrama apresentado neste último trabalho é bastante útil para entender alógica do regime monetário e cambial adotado desde 1999 pelo Brasil. Por essarazão, reproduzo-o na Figura 1.

O prêmio de risco está associado (a) ao spread entre os rendimentosdos títulos do Tesouro norte-americano e os rendimentos dos C-Bonds dadívida soberana brasileira de maturidade equivalente, que integram o EmergingMarkets Index (Índice EMI) do Banco JP Morgan (o chamado Risco-Brasil);(b) à classificação de crédito do Brasil pelos inúmeros agentes que avaliamrisco de crédito dos países (raters); e (c) às expectativas em relação aofuturo da economia brasileira e às preferências quanto ao risco dos agentesque atuam no mercado financeiro internacional. Um choque externo nega-tivo — como a insolvência da Rússia em 1998 por exemplo — pode elevaresse spread pelos três canais diretos referidos, ao reduzir a demanda pelostítulos brasileiros e, conseqüentemente, elevar os rendimentos dos mesmosvis-à-vis aos títulos do Tesouro norte-americano, afetando simultaneamentea classificação do Risco-País e as expectativas do mercado. Esse é umexemplo de contágio, no qual, independentemente das ações do país, háuma retração no crédito e nos fluxos de capital. Por outro lado, o comporta-mento do déficit primário como proporção do PIB e outros indicadores salien-tes que são monitorados sistematicamente pelos agentes do mercado finan-ceiro, como a proporção do déficit em conta corrente do balanço de paga-mentos em relação ao PIB, a taxa de crescimento real do PIB, as relaçõesdívida externa/PIB e dívida interna/PIB, são passíveis de serem controladospelas políticas monetária e fiscal do país. Esses indicadores são apelidadosde fundamentos da economia e também influenciam poderosamente o prê-mio de risco, alterando, pelos três canais referidos, o piso da taxa de jurosbásica que o Banco Central pode praticar, o qual é dado se somando a taxainternacional de curto prazo (cujas referências maiores são as taxas dosFederal Funds norte-americanos, a taxa praticada pelo Banco Central euro-peu e a taxa Libor de Londres) à expectativa de desvalorização da moedabrasileira no período (uma apreciação esperada da nossa moeda reduz o jurodoméstico), ao diferencial de alíquotas de impostos sobre transações e aoprêmio de risco. Essa equação, que forma o piso da taxa básica de juros, éconhecida como condição de paridade internacional não coberta (unconveredinternational parity), ou condição de arbitragem do juro. Ela é conseqüência daquase perfeita mobilidade internacional de capitais que existe hoje.

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Figura 1

Modelo de curto prazo

%%

& &&&&&&

Arbitragem de juros % %IS

% IS

'( ((((( & )'*

* * ** %))()())( &)&)&%

* Curva de Phillips

* %*

*

*

*

* % Regra de Política

*

*

'&))))))))))))))))))))))))('

Variáveis que influenciam o Risco-País

Prêmio de risco Déficit

primário total

Taxa de câmbio

Demanda agregada

Inflação

Taxa de juros

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A política fiscal, que produz o superávit/déficit primário total, causa umimpacto sobre a demanda agregada, o qual é capturado pela equação da CurvaIS no modelo macroeconômico de curto prazo que se está descrevendo. Umaelevação do déficit fiscal interno, que pode, no plano externo, elevar o prêmio derisco e, em conseqüência, o piso da taxa interna de juros praticável pelo BancoCentral, pode, simultaneamente, elevar a demanda agregada interna, aquecen-do a economia no curto prazo e vice-versa. Enquanto a economia brasileiraesteve dentro do acordo do FMI (desde 1998 até março de 2005), os superávitsfiscais eram negociados e seguidos dentro de uma perspectiva de responsabili-dade fiscal sancionada por aquela instituição e, portanto, legitimados perante acomunidade financeira internacional. De agora em diante, com a não-renovaçãodo acordo, haverá um período de transição, no qual será essencial a continuida-de da responsabilidade fiscal. Qualquer sinal de desvio de rumo resultará numaelevação do prêmio de risco.

O equilíbrio monetário e cambial é formado pela condição de arbitragemacima descrita. Uma dada taxa de juros interna associa-se a uma dada taxade câmbio à vista e a uma expectativa de desvalorização conectada com ataxa esperada de câmbio para o período futuro. No regime de câmbio admi-nistrado sob a forma de bandas em que se vivia até 1998, os choques exter-nos negativos — e que aconteceram com uma abundância inesperada —eram absorvidos por variações na taxa de juros doméstica, pois o BancoCentral era obrigado a intervir no mercado cambial para manter a taxa dentrodas bandas anunciadas. Para não exaurir as reservas cambiais, as taxasinternas de juros eram elevadas para manter os capitais aplicados no País.Com isso, a demanda agregada ficava contida e contraída a cada choque,gerando uma alta volatilidade e um nível elevado do juro doméstico, o qualveio a redundar em taxas de crescimento baixas. Com o realinhamento cam-bial de 1999 e a passagem para um regime de câmbio flutuante e de metasinflacionárias, a adaptação aos choques negativos externos e internos pas-sou a ser menos recessiva, pois a maior parte do ajustamento foi transferidapara a taxa de câmbio, fenômeno que pode ser visualizado no Gráfico 2. Umadesvalorização da moeda produz, além de pressões inflacionárias e reduçãodo salário real, um aumento na demanda agregada, devido ao deslocamentode gasto dos consumidores internos e externos em direção ao produto do-méstico. Sendo assim, as desvalorizações de 1999, 2001 e 2002, decorren-tes, respectivamente, da mudança de regime cambial no Brasil que se seguiuà crise russa de 1998, dos eventos externos de 2001 (recessão norte-ameri-cana, torres gêmeas e Enron) e da incerteza sobre o futuro da políticaeconômica, geraram impulsos de crescimento das exportações e substitui-ção das importações, que culminaram com os saldos comerciais extraordi-nários e crescentes em 2002, 2003 e 2004 e um crescimento de 5,2% do PIBem 2004.

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Taxa Selic, variação cambial e Risco-Brasil — jan./96-fev./05

-40

-20

0

20

40

60

80

100Ja

n.

Mai

o

Set

.

Jan.

Mai

o

Set

.

Jan.

Mai

o

Set

.

Jan.

Mai

o

Set

.

Jan.

Mai

o

Set

.

Jan.

Mai

o

Set

.

Jan.

Mai

o

Set

.

Jan.

Mai

o

Set

.

Jan.

Mai

o

Set

.

Jan.

Selic em 12 meses Variação cambial em 12 meses Risco-Brasil

Gráfico 2

Legenda:

(%)

1996 1997 19991998 2000 20042001 2003 20052002

FONTE: Bacen.

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O Brasil atingiu saldos positivos em conta corrente em 2002 — os únicosanos em que isso aconteceu, desde 1955, foram 1964, 1965, 1984, 1988, 1989e 1992, em contextos de baixos níveis de atividade —, o que resultou em umavalorização cambial pronunciada em 2004. Essa valorização terá conseqüên-cias desaceleradoras nos anos de 2005 e 2006.

A conjunção da demanda agregada (Curva IS) com a oferta agregada(Curva de Phillips) forma a taxa de inflação interna e o nível de atividade. Aregra de política monetária — metas de inflação — ajusta a taxa domésticade juros, que, por sua vez, afeta a demanda agregada, via canais de crédito ede expectativas, e a taxa de câmbio, via arbitragem dos juros.

O modelo básico recém-descrito contém, portanto, uma Curva IS, umaCurva de Phillips e uma regra de política monetária, além da condição implí-cita de arbitragem. Ele foi desenhado para descrever fenômenos de curtoprazo, como os efeitos das políticas monetária e fiscal sob regimes cambiaisalternativos. O curto prazo pode ser trimestres, semestres e anos. O essen-cial do termo “curto prazo” é que há ajustamentos que não foram completa-dos. Um ajustamento especial é o do mercado de trabalho. Seja por rigideznominal ou real de preços, o mercado de trabalho não se encontra em equilí-brio, e a hipótese implícita no “curto prazo” é a de que a economia se encon-tra flutuando em torno de um produto potencial fixo, definido pelo nível deatividade que gera o equilíbrio no mercado de trabalho. O produto efetivo (Y)pode estar abaixo do produto potencial (Yp) — sendo o hiato de produto[h = 1 - (Y/Yp)] positivo e, conseqüentemente, ocorrendo desemprego e folgade capacidade —, ou acima do produto potencial (h < 0 ), caracterizando umasituação de superemprego. Um aumento no nível de atividade — uma redu-ção no hiato de produto — será sustentável se, e somente se, a economiaestiver abaixo do pleno emprego, onde Y = Yp. Tal aumento pode ser chamadode “crescimento de tipo 0”, o que pode ser comparado com as definições detipo 1 e 2 a serem feitas adiante. Nessa perspectiva de curto prazo, o esto-que de capital fixo é dado e está associado a uma capacidade produtiva daeconomia (Yp).

4 - A lógica do crescimento no longo prazo

O crescimento do produto potencial no longo prazo é comandado, se-gundo a nova teoria do crescimento, por forças bem diferentes daquelas queexplicam as flutuações de curto prazo de uma economia aberta pequena edependente. Um modelo representativo das idéias de progresso técnico endógeno,

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que teve origem com Romer (1990) e que é referido como o modelo de Romer noCapítulo 5 de Jones (1998), pode ser apresentado em forma gráfica, naFigura 2.

Figura 2

Modelo de longo prazo

(((((((((((((% %% % %% % %

% % % %% % % %% % % %((((((( &&&&&&&& Função de produção

de bens finais

Função de Produção do Setor de P&D %

% %

Taxa de crescimento da população

Produtivida-de do traba-lho no setor de P&D

Externalida-de do co-nhecimento

Taxa de crescimento da renda per capita no steady state

Taxa de acumulação de capital físico

Velocidade de conver-gência para o steady state

Variáveis que afetam a dinâmica do setor deP&D

Variáveis que afetam a taxa de acumulação

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As variáveis que afetam a taxa de acumulação de capital físico são astaxas de poupança, de depreciação do capital e de crescimento demográfico.Dados uma tecnologia — descrita por uma função de produção — e o estoqueinicial de capital físico, a velocidade de convergência ao steady state dependedessas três variáveis, e a duração da convergência também, além da distânciaem relação ao mesmo. Esse é o chamado crescimento baseado em capitaldeepening dentro de um patamar tecnológico e dados certos parâmetros paraas variáveis acima. Vai-se chamá-lo de crescimento de tipo 1, sem progressotécnico.

A introdução do progresso técnico gera deslocamentos contínuos dopatamar tecnológico, o que explica o crescimento da renda per capita no steadystate. A grande inovação da chamada nova teoria do crescimento foi endogeneizaresse deslocamento, procurando explicar as forças que o determinam. Ao fazerisso, o modelo que estou descrevendo representa um setor de Pesquisa e De-senvolvimento (P&D) na economia, onde novas técnicas de produção ou produ-tos são gerados, podendo haver retornos crescentes devidos às externalidadesdo conhecimento e, portanto, concorrência imperfeita. A determinação do preçodesses produtos não se dá pelos custos marginais, pois os custos incorridosem P&D devem ser repostos via rendas de monopólio garantidas pelas paten-tes. A preservação desses direitos de propriedade intelectual via patentes pas-sa a ser crucial para a manutenção de um fluxo contínuo de inovações queviabilize o crescimento da renda per capita em steady state. Esse crescimentoprocessa-se a uma taxa que é explicada pelos parâmetros da função de produ-ção de conhecimento. Entre esses parâmetros, encontra-se a taxa de cresci-mento demográfico como estando positivamente associada à taxa de inova-ções: quanto mais gente é empregada no setor de P&D, maior é essa taxa. Aexternalidade positiva do conhecimento é refletida na função de produção dosetor pela dependência da taxa em nível do estoque acumulado. O outro ele-mento que entra nessa função de produção é o coeficiente de produtividade dospesquisadores. A taxa de crescimento da renda per capita no steady state resul-tante desse processo caracteriza o que se chamará de crescimento de tipo 2.

Entre as variáveis que afetam a dinâmica do setor de P&D, encontram--se inúmeros fatores listados na literatura. Institucionalmente, podem-se citar:(a) o grau em que os direitos de propriedade privada em geral são definidos erespeitados; (b) a existência de um mercado de crédito forte e barato; (c) aexistência de uma cultura de empreendedorismo, inovação e baixa aversão aorisco, o que pode ser resumido pelo termo capacidade empresarial, enfati-zado por Schumpeter (1934); (d) um alto nível de acumulação de capital huma-no, uma variável que é usualmente medida pela escolaridade e que foi

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TFP = (GY - GN) - +(GK - GN),

4 Para uma listagem ampla destas variáveis, consultar Barro (1998).5 O Resíduo de Solow, computado originalmente por Solow (1957), define a parcela do cresci-

mento da renda per capita que é devida ao fator de produtividade fatorial total (Total FactorProductivity, ou TFP), como TFP = (Gy - Gn) - ((Gk - Gn) onde Gy é a taxa de crescimento doPIB real, Gn é a taxa de crescimento da população, Gk é a taxa de acumulação de capital físicono mesmo período, e ( é a parcela do capital no PIB.

enfatizada por Becker (1964) e Lucas Junior (1988); e (e) estabilidade política,além de muitas outras.4

Internacionalmente, pode-se classificar os países e as regiões do mundoentre aqueles cujo crescimento é mais explicado pelo tipo 1 ou pelo tipo 2. Issopode ser aproximado pelo chamado Resíduo de Solow5: quanto maior for a pro-porção do Resíduo de Solow em relação à taxa de crescimento, mais próximodo tipo 2 estará o crescimento estudado. Em geral, o tipo 2 predomina nospaíses mais desenvolvidos, onde há uma maior produção interna de inovações,enquanto o tipo 1 predomina nos países em desenvolvimento. Nestes últimos, aacumulação física de capital dentro de um patamar tecnológico dado explica amaior parte do crescimento da renda per capita. A transferência de tecnologiados países que têm vantagens comparativas na produção de inovações — pa-íses de fronteira técnica — para os países que importam tecnologia já consoli-dada se dá pela acumulação de capital físico com progresso técnico incorpora-do nas “máquinas” importadas, ou pela própria exportação de capitais oriundosdos países de fronteira técnica.

Esse processo de difusão tecnológica internacional é acompanhado pelamigração de setores industriais inteiros dos países de fronteira técnica paraos países importadores de capital, naquilo que usualmente é referido comoprocesso de substituição de importações. Assim aconteceu nos países daAmérica Latina durante o pós-guerra até os anos 80, quando o Brasil foi umdos grandes beneficiados, especialmente durante o “milagre econômico”(1968-1980). Mais recentemente, os países que mais passaram a atrair capi-tais externos oriundos dos países de fronteira técnica foram os asiáticos,uma vez que, durante o extraordinário desempenho dos Tigres (Hong Kong,Coréia do Sul, Taiwan, Singapura e Malásia), no período 1980-97, dois gigan-tes passaram a atrair capitais externos também: a Índia e a China.

Com isso, os países de renda intermediária — como os da AméricaLatina — perderam uma grande fonte de crescimento, pois as suas econo-mias não possuem mais a atratividade anterior, quando os dois gigantes asiáti-cos estavam fechados ao capital externo. Usando o costume chinês de

+

TFP = (GY - GN) - α(GK - GN),

α

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usar números para ilustrar idéias, há três tipos de países e dois tipos de cresci-mento. O terceiro tipo de país é formado pelos de renda baixa com grandepotencial de crescimento, como Índia e China.

As vantagens comparativas da Índia e da China na atração de capitais etecnologias externas provêm do tamanho de seus mercados, uma velha idéiaenfatizada por Adam Smith (1978), que foi potencializada pela idéia de apren-dizado — learning by doing — modernamente desenvolvida por Arrow (1962)e Sheshinski (1967). Um grande mercado viabiliza a obtenção de economiasinternas e externas de escala, tornando-o rapidamente competitivo. Soman-do-se a isso o baixo custo da mão-de-obra, ter-se-á uma combinação imbatí-vel para a atração de capital.

5 - Um pouco de história

Antes de 1980, o Brasil, com a sua grandiosidade — mostrada naTabela 2 — potencializada pela alta concentração de renda, tinha um merca-do de consumo, em escala e nível de renda6, incomparável ao sul do Equa-dor. Ao mesmo tempo, a sua mão-de-obra não qualificada era barata. Durantea década de 70 — em que dois choques do petróleo provocaram umaestagflação mundial —, o Brasil era, para a economia mundial, o que a Chinaé hoje do ponto de vista da atração de capital. Naquela década, tal como hoje,as taxas reais internacionais de juros encontravam-se baixíssimas, forne-cendo uma liquidez internacional favorável.

A partir de 1980, com a política monetária de Paul Volcker — o “grandeexperimento monetarista” do período 1978-82 — e a expansão fiscal deReagan, as taxas reais de juros elevaram-se a níveis altíssimos e permane-ceram altas durante a década. Isso gerou uma desinflação geral no Hemisfé-rio Norte e uma valorização aguda do dólar, o que impulsionou as exporta-ções dos Tigres Asiáticos e dos países europeus para o mercadonorte-americano. Enquanto isso, a moratória mexicana de agosto de 1982paralisou todo o fluxo de capitais externos para a América Latina, que, nocaso brasileiro, se prolongou até 1992. Os “déficits gêmeos” brasileiros, an-tes cobertos não inflacionariamente pela entrada de capitais externos, pas-saram, subitamente, a ser financiados pelo imposto inflacionário. Durante

6 Em 1978, quando o Brasil era o oitavo PIB do mundo (hoje é o 12º), com US$ 178 bilhões,população de 113 milhões, e os 10% mais ricos apropriando-se de 51,6% da renda, estesúltimos eram 11,3 milhões de habitantes, com uma renda per capita de US$ 8.128,00.

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esse período, enquanto a América Latina experimentava a “década perdida” comhiperinflações e processos de alta inflação crônica, o continente asiático acele-rava o seu crescimento e passava a atrair capitais externos, os EUA efetuavamuma reengenharia drástica de sua indústria, importando os métodos administra-tivos japoneses e fazendo o downsizing de setores industriais inteiros, ajudadospela maciça entrada de capitais externos. Na Europa, a formação do SistemaMonetário Europeu (1979) e o ingresso de novos países na Comunidade Euro-péia — Grécia em 1981 e Espanha e Portugal em 1986 — deram novo impulsoao processo de integração, consolidando a idéia de um mercado único a partirde 1992. Foi nesse período — em que a Itália, ao ingressar no sistema monetá-rio europeu (SME), teve a sua inflação de dois dígitos ao ano reduzida para umpatamar germânico — que a idéia da âncora cambial como política de estabili-zação ganhou popularidade. Quando finalmente o dólar passou a se desvalori-zar de forma coordenada pelos bancos centrais, seguindo o acordo do Plaza(setembro de 1985), os EUA tinham se tornado um país devedor líquido na suaposição internacional de investimento. Mas, ao mesmo tempo, iniciava-se umperíodo de revolução tecnológica — inicialmente, com o PC e, posteriormente,com a internet —, que aprofundou o processo já existente de integração interna-cional dos mercados financeiros.

A idéia de integração econômica européia, fortemente apoiada pelos EUAno pós-guerra, começou a perder o seu prestígio aos olhos norte-americanos apartir da rodada Uruguai do antigo GATT (1986-93), quando a rivalidade comerci-al entre ambos se definiu como algo que iria crescer no longo prazo. Com o fimda Guerra Fria, uma das razões estratégicas que fundamentavam a antiga posi-ção norte-americana deixou de existir, ao mesmo tempo em que a reunificaçãoalemã conduziu a uma aproximação maior no centro do núcleo duro europeu. OTratado de Maastrich (1992), estabelecendo o calendário e as condições para aUnificação Monetária Européia, e a ratificação do NAFTA (1994) que se segui-ram ao Tratado de Asunción (1991), estabelecendo o Mercosul, são emblemáticosda verdadeira corrida pela formação de blocos durante a década de 90. A funda-ção oficial da OMC (1995), substituindo o GATT, estabeleceu uma moldura glo-bal para o avanço das negociações multilaterais de comércio, cada vez maisdificultadas pelas rivalidades comerciais entre blocos.

Dois fatos fundamentais da década de 90, e que estão necessariamenteinter-relacionados, são o crescente protecionismo nos países avançados, quedificultou o acesso aos mercados dos países desenvolvidos, e a multiplicidadede crises cambiais e monetárias que assolou os países emergentes.O fracasso da Rodada Uruguai quanto ao objetivo de eliminar os subsídios agrí-colas em 2000, objetivo este que havia sido fixado pelos EUA e que foi forte-

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mente combatido pelos países europeus, levou à reconstituição daqueles sub-sídios nos EUA7 e à permanência da política agrícola comum na Europa e dossubsídios japoneses. A atual Rodada de Doha, de negociações multilaterais,ainda se defronta com essa questão central para o desenvolvimento dos paísesmais pobres.

Durante os anos difíceis da década de 90, o tripé que formava os núcle-os dinâmicos da economia mundial antes de 1990 — o crescimento dosmercados na América do Norte, no Japão e na Europa Ocidental — foi subs-tituído por uma conformação mais complexa, comandada por América doNorte e Ásia.

Os EUA beneficiaram-se dos choques tecnológicos positivos já mencio-nados e do final da Guerra Fria, o que, juntamente com uma política monetá-ria estável e firme, levou a um período de prosperidade prolongada, interrom-pido apenas por uma recessão muito rasa em 2001. Durante o Governo Clinton,a redução dos gastos do governo em geral produziu superávits fiscais consi-deráveis e taxas de juros sustentavelmente baixas. Simultaneamente, a Eu-ropa cresceu menos do que a economia norte-americana, apesar dos casosbem-sucedidos do Reino Unido, da Irlanda, de Portugal, da Espanha e daNoruega. O núcleo duro da União Européia — França, Alemanha e Itália eBenelux — experimentou uma desaceleração econômica, devido a uma sériede problemas estruturais e também a uma overdose de austeridade fiscalimposta pelas condições do Tratado de Maastrich. A economia japonesa en-trou em uma situação de marcha lenta, que contrasta fortemente com a suaperformance anterior. Os países africanos subsaharianos, em sua maioria,sofreram grandes desastres e fracassos econômicos devido à persistênciados conflitos, os quais destruíram qualquer tipo de crescimento econômico.Grande parte das suas populações são objeto, hoje, da assistência humani-tária internacional.

Enquanto o Japão parava de crescer, a China e, em menor escala, aÍndia entraram em uma trajetória de crescimento acelerado, absorvendo grandeparte dos fluxos de capitais externos. O que aconteceu com a América Lati-na? O México, com o NAFTA, e com o apoio crucial norte-americano na crisede 1994, voltou a crescer através das exportações para o mercado norte--americano, tornando-se um dos maiores exportadores mundiais per capita, ten-do o seu PIB ultrapassado o do Brasil.

7 O sistema de subsídios agrícolas, nos EUA, havia sido bastante reduzido na década de 80.

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Quanto ao Brasil, a situação na década de 90 está relatada na seção 3.Vale acrescentar que, antes do Plano Real (1994), o País experimentou umavariedade de remédios heterodoxos que destruíram o pouco de credibilidadeque restava ao Governo. O Plano Collor (1990) bloqueou quatro quintos da liquidezreal do País, extinguindo todos os incentivos remanescentes à poupança. Mas,ao mesmo tempo, o País entrou em um processo de abertura comercial unilate-ral, adotando um programa de redução gradual de tarifas de importação e elimi-nação de barreiras à importação. Com a valorização do real, esse processo deaumento das importações foi potencializado, o que serviu para manter a infla-ção baixa, impor uma reestruturação da indústria brasileira e destruir o equilíbrioexterno, tornando o Brasil totalmente dependente da entrada de capitais exter-nos para fechar o seu déficit em conta corrente superior a 4% do PIB.

O ajuste fiscal brasileiro foi acelerado a partir da queda da inflação. Juntocom as privatizações, que atraíram recursos externos e eliminaram os déficitsdas estatais, o Governo mudou as regras internas de financiamento dos déficitsestaduais, tornando mais rígida a restrição orçamentária desses governos. Acarga tributária aumentou da vizinhança de 22% para 37% (em 2004) do PIB,sem que o gasto público tenha diminuído. Um ajuste totalmente desequilibrado,que significou a substituição do imposto inflacionário — que destruiu a moedadoméstica — por novos impostos altamente distorcivos e que podem destruir ocrescimento de tipo 1.

A solução argentina para a hiperinflação foi muito mais drástica que abrasileira e jogou o País em uma situação que se tornou sustentável apenasenquanto durou a sobrevalorização do real. O processo de privatização ar-gentino foi mal feito, e os avanços fiscais que ocorreram no Brasil não ocor-reram lá. Por um período mágico e breve, a Argentina e o Uruguai, iludidospela retórica autocongratulatória do Mercosul, cresceram às taxas mais al-tas do século XX, até 1998. Quando a verdade cambial chegou, os dois paí-ses pararam de crescer e sofreram profundas recessões. Para recuperar onível do PIB real de 1998, a Argentina precisa crescer, em 2005, a uma taxade 7,8%, depois de ter crescido 9% em 2004. Comparativamente, o Brasil,crescendo a 3% em 2005, estará com um PIB real superior ao de 1998 em18,0%. Essa recuperação argentina não se constitui em crescimento de tipo1 ou 2, trata-se apenas de uma redução do hiato de produto, ou crescimentode tipo 0.

A introdução do euro em 1999, contrariamente às previsões iniciais, foiseguida de uma valorização do dólar norte-americano. Somente depois daintrodução das cédulas novas do euro, ocorrida em 2002, e da recessãonorte-americana de 2001, a nova moeda européia passou a valorizar-se.

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A volta dos déficits fiscais e o aprofundamento do déficit em conta corrente nosEUA, sob esse novo cenário, introduzem uma grande incerteza sobre o futuroda relação dólar-euro, que passou a ser o preço mais importante do mundo. Umafuga do dólar pode levar a um aumento exagerado na taxa de juros norte-ameri-cana, jogando a economia mundial em uma recessão global. Enquanto isso, adesvalorização já ocorrida do dólar produz uma tendência recessiva na Europa.

6 - Considerações finais

Pelo que foi escrito acima, o Brasil passou de uma posição de grandeatrativo de capitais externos com alto crescimento de tipo 1 e 2 — época do“milagre econômico” —, em cuja trajetória a taxa de investimento era alta,para uma situação de transição com estagnação prolongada — época dainflação —, em cuja trajetória a taxa de investimento foi reduzida. O equilíbrioexterno na fase do “milagre” era caracterizado por uma conta corrente negati-va do balanço de pagamentos, enquanto, na fase de transição, o equilíbrioexterno passou a ser obtido mediante um saldo nulo na conta corrente, pois oPaís saiu do mercado financeiro internacional, tendo que fechar o seu balan-ço de pagamentos mediante megassuperávits comerciais. Essa transferên-cia de recursos para o exterior onerou a capacidade de investir da economiano período. Na reinserção internacional do Brasil no início da década de 90, oPaís ensaiou uma volta ao padrão importador de capital, mas a multiplicidadede choques externos e as dificuldades de acesso aos mercados externoslevaram à reversão do padrão de equilíbrio externo nos anos recentes, comos superávits de conta corrente.

O Brasil enquadra-se entre os países de renda intermediária que perde-ram as vantagens comparativas na atração dos capitais externos e que, aomesmo tempo, não atingiram um patamar institucional capaz de gerar umprocesso endógeno de inovações técnicas. Ainda assim, ele é um dos pou-cos desses países de renda baixa e intermediária, por sua grandezaeconômica, localização e investimento anterior no setor, capazes de aspirara construir um departamento interno de pesquisa e desenvolvimento. Masisso só pode ser feito mediante uma integração no circuito global de P&D eexplorando as tecnologias em que o Brasil tem vantagens comparativas, comoa biotecnologia. Tentativas de reinventar a roda — como a antiga lei deinformática — só geram desperdícios de recursos, enriquecimento de alguns eatraso tecnológico.

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Além disso, o Brasil tem uma enorme janela de inserção competitiva nomercado internacional, na produção agropecuária. A demanda mundial por es-ses produtos vai crescer com o crescimento chinês e indiano. E, se os subsídi-os agrícolas forem efetivamente descontinuados no Hemisfério Norte, o Brasilestará posicionado para obter ganhos significativos como exportadoragrícola.

O que podem as políticas monetária e fiscal fazer para investir nos setoresde maior potencial de crescimento? Manter a inflação sob controle e a taxa dejuros no nível mais baixo possível. Essa é uma condição necessária, mas nãosuficiente8. No modelo descrito na seção 3, a taxa de juros é uma variável usadapara trazer a taxa de inflação ao nível da meta fixada para esta última.As suas variações em termos reais, mais do que o seu nível nominal ou mesmoreal, é que produzem efeitos na Curva IS. Como a introdução do regime demetas ocorreu em um período de alta taxa de juros, a trajetória de queda subse-quente não foi suficiente para jogá-la em um patamar que permitisse o seu retorno a um nível baixo após os aumentos na taxa decorrentes dosimpulsos inflacionários provocados pelas desvalorizações de 2001 e 2002. Ogradualismo nas alterações da taxa faz parte da tecnologia das metas inflacio-nárias, assim como das políticas monetárias em geral, desde que Brainard (1967)demonstrou que a prudência, no contexto de incerteza multiplicativa,deve ser adotada.

Uma outra explicação para a persistência das taxas de juros altas noBrasil — que pode ser alternativa ou complementar à exposta no parágrafoanterior — é que as metas fixadas para a inflação tenham sido exageradamentebaixas, forçando elevações desnecessárias do juro. Se se observaremos limites superiores da banda de inflação desde 1999, que variaram entre 11%,e 5,5%, talvez haja um elemento de verdade para este último ano; embora ataxa de inflação de 12 meses, quando a meta para 2002 foi fixada, estivesse emtorno 7%, esta última o foi em 3,5%. Esse foi um ano em que a inflaçãofechou em 12,5%, o que levou o Banco Central a reajustar para cima a meta em2003. Em todo o caso, se esse erro ocorreu, o Banco Central corrigiu-o,acomodando o aumento. Mas o que é certo é que a meta não pode estarem dois dígitos ao ano, pois, nesse caso, a autoridade monetária estariaincentivando a inercialização da taxa em um patamar que facilmente foge aocontrole e que, por todos os estudos empíricos, é prejudicial ao crescimentoeconômico.

8 "Você pode levar o cavalo até a água, mas não pode forçá-lo a bebê-la."

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Existem outras questões técnicas referentes à política monetária que po-deriam ser discutidas, mas que são secundárias para o objetivo de responder àsquestões propostas neste trabalho. As políticas públicas que ajudariam a cons-truir a possibilidade de o País melhorar o seu desempenho macroeconômico,em termos de velocidade do crescimento, são outras. O máximo que as políti-cas monetária e fiscal podem fazer é melhorar a qualidade do ajuste fiscal emanter a inflação sob controle. As políticas necessárias estão do lado da oferta,como as reformas regulatórias e institucionais nos mercados de trabalho e decapitais, no sistema tributário e educacional, que deveriam estar focalizadas nacriação de condições para que o País gere inovações e mantenha um fluxopermanente das mesmas, pelo menos em certas áreas em que há vantagemcomparativa.

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Crescimento, desenvolvimento e cidadania

Crescimento, desenvolvimentoe cidadania

Rosa Maria Marques Professora Titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da PUC-SP.

Áquilas Mendes Professor de Economia da FAAP, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde e Coordenador do

CEPAM-SP.

ResumoNeste texto, discute-se como os programas e/ou as políticas que integram aproteção social brasileira têm contribuído para o combate ou para aminimização da pobreza no País. Na primeira parte, descrevem-se as princi-pais características da proteção social introduzidas na Constituição de 1988,com ênfase na ampliação da cobertura para segmentos até entãodesprotegidos, de forma a eliminar as diferenças de acesso e de benefíciosentre os trabalhadores rurais e os trabalhadores urbanos, bem como explici-ta-se como foi pensado o seu financiamento. Na segunda, trata-se dos limitesdessa proteção social, destacando o vasto segmento excluído de proteção(com exceção da assistência aos cuidados com a saúde, que é universal pordefinição) e as idéias básicas que ancoraram as definições dos constituintes.Na terceira, examinam-se o impacto dos benefícios previdenciários na redu-ção da pobreza no País e a importância relativa do Programa Bolsa-Famílianos municípios brasileiros.

Palavras-chaveDesenvolvimento; proteção social; Programa Bolsa-Família.

AbstractIt discusses how programs and policies which belong to brazilian social welfarehave contributed to dealing or minimizing poverty in the country. The first part

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Rosa Maria Marques; Áquilas Mendes

describes the main characteristics of social welfare introduced in 1988Constitution, with emphasis to growing coverage of the population, in order toeliminate the differences in terms of access and benefits between rural andurban people, and its financing system. The second part deals with the limitsof this social welfare, giving emphasis to the huge amount of poor people outof social welfare (with the exception of health which is unniversal by definition)ant the basic ideas which inspired the constituents deputies definitions. Thethird part exams the impact of security benefits in diminushing poverty in thecountry and the relative importance of Family Package Program in brazilianmunicipalities.

Artigo recebido em 24 mar. 2005.

Depois de amargar um desempenho do PIB de 0,5% em 2002, o segun-do ano do Governo Lula registrou um crescimento da economia brasileira de5,2%, o maior desde 1994. Contudo, passado o Carnaval, em março de 2005,o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) reduziu a previsão para oano de 3,8% para 3,5%. Ao mesmo tempo, a trajetória de elevação da taxa dejuros, começada já no terceiro trimestre de 2004, teve continuidade, reafir-mando a prioridade do Governo no combate à inflação e sua escolha por umcrescimento econômico muito aquém do desejável.

No segundo semestre de 2004, quando era evidente que, apesar dosjuros, a economia brasileira crescia acima da meta esperada pelo Governo,os economistas, de todos os matizes teóricos, centraram sua discussão nacapacidade, ou não, de o País continuar a crescer. As posições extremasdesse debate tinham (e têm) representação no uso das expressões “cresci-mento sustentado” ou “vôo da galinha”. Esta última, na sua versão mais so-fisticada, aparecia como stop and go.

A discussão em torno dessa questão tinha, na maioria das vezes, oGoverno Lula como horizonte, isto é, a polêmica era se a política econômicadesenvolvida por sua equipe garantiria, ou não, a continuidade do crescimen-to no Brasil. Mas, ao dirigir-se o olhar para um período mais longo da econo-mia brasileira, constata-se que o PIB manteve taxas crescentes de expansão(e por quatro anos) apenas uma vez, entre 1970 e 1973 (Gráfico 1). Alémdisso, nessa oportunidade, as taxas apresentadas foram bem acima da mé-dia nacional de até então.

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Crescimento, desenvolvimento e cidadania

O comportamento da economia brasileira mostra, então, que a discussãosobre a manutenção do crescimento seria melhor situada se não se restringisseà análise da política econômica de um ou de outro governo, mas, sim, se bus-casse compreender a importância de seus aspectos estruturais, que estãosubjacentes a todos os governos.

Dentre os vários aspectos estruturais presentes na economia brasilei-ra, que explicam, em parte, porque ela é extremamente dependente dos paí-ses chamados de desenvolvidos e vulnerável ao movimento da acumulaçãodo capital internacional,1 destacam-se o nível de pobreza de sua população ea extrema desigualdade de renda e de patrimônio entre seus diferentes seg-mentos.

Como é sabido, o Brasil tem uma das piores concentrações de renda domundo, só sendo superado por Serra Leoa, República Centro-Africana eSuazilândia. A renda das famílias mais ricas (renda familiar mensal, em 2000,acima de R$ 10.982,00, em valores de setembro de 2003), que totaliza R$1,162 milhão, corresponde a 75% do total da renda nacional. Dentre essas,

1 Apenas a título de exemplicação, destacam-se a não-realização de uma reforma agrária, umaburguesia nacional fraca, a ausência de projeto nacional por parte das classes dominantes e umbaixo nível de poupança (mesmo das classes mais ricas), dentre outros.

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Gráfico 1

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Variação anual do PIB no Brasil — 1948-04

FONTE: IPEADATA.

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as 5.000 famílias mais ricas absorvem 45% da renda nacional (Pochmann, 2004).Essa situação, estrutural na sociedade brasileira, por diversos motivos agravou--se nas últimas décadas. Em 1980, a renda média da população mais ricaera 10 vezes maior do que a renda média da população brasileira.Atualmente, essa relação é de 14 vezes e de 80 vezes, se comparada aos20% mais pobres.

Não bastasse esse quadro de extrema desigualdade, soma-se a ele a exis-tência de um enorme contingente da população brasileira situado abaixo dalinha de pobreza. A definição de linha de pobreza é extremamente polêmica,gerando estimativas bastante diferenciadas. Segundo o Instituto Brasileiro deEconomia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, ao analisar os dados do Cen-so Demográfico de 2000 e ao adotar o critério de R$ 60,00 per capita mensalcomo definidor da linha de pobreza, 35% da população brasileira (o que equi-vale a 57,7 milhões de pessoas) estaria vivendo abaixo dessa linha. Essaanálise identificou que as regiões mais pobres do País seriam a Norte e aNordeste, onde 13,8 milhões de pessoas viveriam em situação de pobrezaextrema, e que 26% dos brasileiros nessa situação habitariam nas zonasrurais. Na zona rural da Região Norte, por exemplo, a renda média seria deR$ 19,67, a mais baixa do País. Nesse mesmo estudo, é considerado que onúmero de pobres poderia ser reduzido em um terço, se os mesmos rece-bessem uma renda mensal adicional de R$ 50,00.

Já o Projeto Fome Zero — uma Proposta de Segurança Alimentar para oBrasil, programa anunciado como o carro-chefe do Governo Lula mesmoantes de sua posse, ao utilizar o critério de linha de pobreza do Banco Mun-dial (US$ 1,08 por dia), ajustado para os vários níveis regionais de custo devida e pela existência, ou não, de autoconsumo, define que a população abai-xo da linha de pobreza, no Brasil, é composta por 44,043 milhões de pesso-as, envolvendo 9,32 milhões de famílias. Isso corresponde a 21,9% das famí-lias, a 27,8% da população total, a 19,1% da população das regiões metropo-litanas, a 25,5% das áreas urbanas não metropolitanas e a 46,1% da popula-ção rural.

Apesar da pobreza e da extrema desigualdade existentes no País, apopulação brasileira conta com uma série de políticas e de programas,de responsabilidade de e/ou desenvolvidos principalmente pelo Governo Fe-deral, os quais garantem a sustentação de um certo nível de renda emdeterminadas situações de risco e aos segmentos mais pobres. Embora osistema de proteção social brasileiro esteja longe de se assemelhar aosexistentes nos países europeus — onde o termo Welfare State em partedesignava a proteção garantida, de cobertura universal —, não é pouco im-portante o papel exercido pelos programas e pelas políticas existentes no

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Crescimento, desenvolvimento e cidadania

País na sustentação da renda e mesmo enquanto políticas de redistribuição derenda. Caso o País visse tais programas serem abolidos, certamente a situaçãode pobreza absoluta e relativa seria ainda maior do que aquela quese vivencia.

Este artigo tem como objetivo descrever como os programas e/ou aspolíticas que compõem a proteção social brasileira têm auxiliado no combate ouna minimização da pobreza no País. Inicialmente, já que o conhecimento damatéria fica praticamente restrito aos especialistas que acompanham sua evo-lução, ficando para o grande público, muitas vezes, idéias equivocadas sobreseus conceitos e as implicações decorrentes, descrevem-se os principais tra-ços da proteção social introduzida na Constituição de 1988, destacando-se suapreocupação em ampliar a cobertura para segmentos até então desprotegidos eem eliminar as diferenças de acesso e de benefícios entre os trabalhadoresrurais e os urbanos, bem como explicitando como foi pensado o seu financia-mento. No segundo item do artigo, são tratados os limites dessa proteçãosocial, sublinhando o imenso segmento excluído de proteção (com exceção daassistência aos cuidados com a saúde, que é universal por definição) e o pres-suposto básico que animou os constituintes. No terceiro item, ressaltam-se oimpacto dos benefícios previdenciários na redução da pobreza no País e a im-portância relativa do Programa Bolsa-Família nos municípios brasileiros.Finalmente, no item 4, são apresentadas as considerações finais.

1 - Da democratização do País e dos avanços da proteção social ao início do desmonte do conceito de seguridade social — 1985-05

O movimento político e social contra a ditadura militar — que culminouna democratização do País e na ascensão à Presidência da República deJosé Sarney, em 1985 — teve na discussão e na elaboração de uma novaConstituição importante momento, mobilizando as atenções do conjunto daNação. Estava em jogo a definição das bases do novo regime, agora demo-crático. Dentre essas bases, a questão social assumiu importância ímpar,pois se fazia necessário dar passos concretos para resgatar a enorme dívidasocial herdada do regime anterior. Tendo presente esse objetivo, os constitu-intes escreveram, na Constituição de 1988, a garantia de direitos básicos e

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universais de cidadania, estabelecendo o livre-acesso à saúde pública, definin-do o campo da assistência social, regulamentando o Seguro-Desemprego eavançando na cobertura da previdência social. Essa garantia foi objeto de capí-tulo específico — o da seguridade social, simbolizando o rompimento como passado.

Os princípios que animaram os setores progressistas da Constituinte fo-ram: ampliação da cobertura para segmentos até então desprotegidos, elimina-ção das diferenças de tratamento entre trabalhadores rurais e urbanos,implementação da gestão descentralizada nas políticas de saúde e assistência,participação dos setores interessados no processo decisório e no controle daexecução das políticas, definição de mecanismos de finan-ciamento mais seguros e estáveis e garantia de um volume suficiente derecursos para a implementação das políticas contempladas pela proteçãosocial, dentre outros objetivos.2 No campo da previdência social, esses prin-cípios resultaram, dentre outros, na criação de um piso de valor correspon-dente ao do salário mínimo e na eliminação das diferenças entre trabalhado-res rurais e urbanos referentes aos tipos e aos valores de benefícios conce-didos. A Constituição de 1988 manteve, tal como antes, separadas a previ-dência dirigida aos trabalhadores do mercado formal do setor privado daeconomia e aquela dos servidores federais, estaduais e municipais.

É verdade que alguns avanços no sentido da universalização, da am-pliação da cobertura e da diminuição das desigualdades antecederam a Cons-tituição de 1988. No que diz respeito à previdência, especificamente entre1985 e 1987, portanto, durante o Governo José Sarney, o valor dos pisos dosbenefícios urbanos foi aumentado;3 o prazo de carência, diminuído; e algunstipos de benefícios foram estendidos para a clientela rural. No campo dasaúde, ensaiava-se a universalização mediante o desenvolvimento de pro-gramas, tais como as Ações Integradas de Saúde. Dessa forma, a proteçãosocial definida na Constituição de 1988 pode ser caracterizada como o ápicede um processo de ampliação de cobertura e de direitos que havia começado

2 Vale lembrar que, anteriormente, os recursos de contribuições de empregados e emprega-dores — calculados sobre os salários e dirigidos à aposentadoria dos trabalhadores do setorformal do setor privado da economia — haviam sido utilizados na construção de Itaipu, da ponteRio—Niterói, na implantação de usinas nucleares em Angra dos Reis, dentre outros projetosda ditadura militar. Esses recursos nunca foram devolvidos ao então Fundo de Previdênciae Assistência Social.

3 A legislação anterior definia pisos diferentes, dependendo do tipo de risco coberto.

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4 No Brasil, foram os militares que instituíram a previdência social para os trabalhadores domercado formal do setor privado da economia, unificando os antigos institutos corporativosurbanos e, assim, garantindo direitos iguais a todos os segurados, independentemente do setorde atividade e da região onde trabalhassem. Também foram eles que estenderam a coberturapara os trabalhadores rurais. Essas medidas, ambicionadas por governos anteriores, somentepuderam ser praticadas devido ao regime de exceção. Na formação da unidade nacional, não foidesprezível o papel jogado pela criação da previdência social pública do setor privado da econo-mia, constituindo importante instrumento de redistribuição de renda. Curiosamente, essa unifi-cação, ímpar em toda a América Latina, constituiu o principal entrave para sua privatização(Marques, 2000).

5 Mesmo com os problemas enfrentados em suas economias durante essas décadas, os siste-mas de proteção social incorporaram novos segmentos em sua cobertura. Dois exemplos sãoemblemáticos: a ampliação do conceito de desempregado, reconhecendo como tal o trabalha-dor sem emprego que nunca trabalhou, e a concessão de renda mínima com base no princípioda cidadania e não no assistencialismo.

antes, principalmente ao final dos anos 70, no bojo da luta democrática e dasgreves operárias do ABC.4

A universalização de direitos e a participação da comunidade na definiçãodas políticas sociais tinham como princípio fundador a superação do carátermeritocrático e a adoção da cidadania como critério de acesso. Esse foi o mes-mo princípio que orientou a universalização da proteção social dos países capi-talistas desenvolvidos após a Segunda Guerra Mundial e mesmo durante asdécadas de 70 e 80.5

A cidadania é facilmente reconhecível na área da saúde. De uma situa-ção onde o serviço público era voltado apenas aos trabalhadores contribuin-tes do mercado formal, passou-se à garantia do direito para todos. Já naprevidência social, tal critério ficou imbricado ao anterior: paralelamente aostrabalhadores contribuintes com aposentadoria calculada basicamente a par-tir de suas contribuições, existem os trabalhadores rurais e aqueles comsalários muito baixos, que recebem o piso de um salário mínimo, valor pagoindependentemente da ausência de contribuições ou do fraco esforçocontributivo anterior. É importante lembrar que quem contribui sobre um salá-rio mínimo não teria, a partir do cálculo atuarial, realizado provisão suficientepara garantir o piso no momento da aposentadoria. Esse componente cida-dão no interior da previdência social deveria ser financiado, por sua natureza,por recursos de impostos. Essa prática, contudo, nunca foi implementada,pois o piso de um salário mínimo é financiado largamente pelas contribuiçõesdos trabalhadores, constituindo-se em uma redistribuição de renda entre osmesmos, o que é um contra-senso, tendo em vista a média dos salários dosempregados do mercado formal no Brasil.

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Já em relação ao Seguro-Desemprego, sobre o qual a Constituição de 1988regulamenta e define a fonte de financiamento, ele fica restrito a quem antestrabalhava e perdeu o emprego no mercado formal. Sendo assim, embora tenhaconstituído um avanço significativo (até 1986, a legislação brasileira não previaa cobertura do risco-desemprego; quando introduzida no bojo do Plano Cruzado,era de valor baixo e sem fonte de financiamento garantida), não seguiu a ten-dência dos sistemas de proteção social europeus, que já tinham estendido obenefício aos trabalhadores que nunca exerceram nenhuma atividade e que, porconta da retração do emprego, não conseguiam ingressar no mercado de traba-lho (UNICAMP, 1985; 1986).

Mas a previdência social brasileira saída da Constituição de 1988 cons-tituiu-se, apesar de suas limitações, as quais serão abordadas mais adiante,na mais organizada da América Latina. Somente o Brasil, dentre todos ospaíses latino-americanos, conseguiu criar um sistema único para todos ostrabalhadores do setor formal da economia, unificando os vários institutosanteriormente existentes e, assim, garantindo níveis de cobertura iguais paratodos, independentemente do ramo onde a atividade fosse exercida. Ao con-ceder um mesmo estatuto para esses trabalhadores, o Estado brasileiro deuum importante passo para a construção da idéia de nação, integrando, em ummesmo todo, o trabalhador do norte e do sul do País. Esse processo, aindaincompleto, avançou significativamente com a Constituição de 1988, quando,dentre outros dispositivos, os benefícios foram estendidos aos trabalhadoresrurais e o piso correspondente a um salário mínimo foi introduzido, o qual, nadoutrina previdenciária, corresponde à renda de base, aquela que a socieda-de considera ser o valor mínimo que um trabalhador na inatividade devereceber.

Para dar conta das despesas de proteção social, agora ampliadas noconceito de seguridade social, e também para tornar o financiamento menosdependente das variações cíclicas da economia (principalmente do empregojunto ao mercado formal de trabalho), os constituintes definiram que seusrecursos teriam como base o salário — contribuições de empregados e em-pregadores —, o faturamento — trazendo para seu interior o Fundo de Inves-timento Social (Finsocial)6 e o Programa de Integração Social e de Formaçãodo Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) —, o lucro líquido das empre-sas — contribuição nova introduzida na Constituição, denominada Contribui-ção sobre o Lucro Líquido (CLL) — e a receita de concursos e prognósticos.

6 O Finsocial deu lugar, em 1991, à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social(Cofins).

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Além dessas fontes, a seguridade contaria com recursos de impostos da União,dos estados e dos municípios.7

Ainda para garantir o financiamento da seguridade social, os constituintestiveram o cuidado de definir que esses recursos seriam de uso exclusivo daproteção social, o que, após sua promulgação, nenhum governo cumpriu. Tam-bém inscreveram que o tratamento dos recursos da seguridade social não pode-ria ser distinto de seu conceito de proteção holística, significando que, no inte-rior da mesma, não caberia vinculação de recursos: a cada ano, quando dadiscussão do orçamento, seria definida a partilha do conjunto de receitas previs-tas para seus diferentes ramos. A única vinculação por eles prevista foi a dosrecursos do PIS/Pasep, dirigida apenas para o Programa Seguro-Desemprego epara o pagamento do abono PIS/Pasep, sendo que 40% de sua arrecadaçãosão destinados a empréstimos realizados pelo Banco Nacional de Desenvolvi-mento Econômico e Social (BNDES) às empresas.

Mas, apesar dos cuidados dos constituintes, nos anos que se seguiram àpromulgação da Constituição de 1988, nenhum governo respeitou a determina-ção do uso exclusivo dos recursos da seguridade social apenas nas ações enos serviços dos diferentes ramos da proteção social. Da mesma forma, poucoa pouco foi introduzida a vinculação no interior da seguridade social, priorizandoa política previdenciária e, ao mesmo tempo, abandonando a concepção holísticade proteção. Dentre as várias investidas contra o inscrito na Constituição, desta-cam-se: em 1989, portanto, no ano que se seguiu à sua promulgação, o entãoFinsocial foi utilizado para financiar os previdenciários da União, despesa quenão integra a seguridade; em 1993, o Executivo descumpriu a Lei de DiretrizesOrçamentárias (LDO), que alocava 15,5% da arrecadação de empregados eempregadores na área de saúde, obrigando o Ministério da Saúde a solicitarempréstimo ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)8 e introduzindo, na práti-ca, o exclusivo uso das contribuições pela previdência, o que foi “legalizado” nareforma previdenciária do Governo Fernando Henrique Cardoso; um terceiromomento, talvez o mais importante, ocorreu em 1994, com a criação do Fundo

7 A Constituição de 1988 não definia, entretanto, como seria a participação dos entes federadosno financiamento da seguridade social. Em 1997, foi criada a Contribuição Provisória Sobre aMovimentação Financeira (CPMF), cujos recursos vieram se somar àqueles definidos na Cons-tituição. Somente em 13 de setembro de 2000, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 29,estipulando a forma da inserção da União, dos estados e dos municípios no financiamento doSistema Único de Saúde. Em fevereiro de 2005, essa emenda não havia ainda sido regulamen-tada.

8 O setor de saúde realizou três empréstimos junto ao FAT.

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Social de Emergência — hoje, Desvinculação das Receitas da União (DRU) —,quando foi definido, dentre outros aspectos, que 20% da arrecadação das contri-buições estariam disponíveis para uso do Governo Federal.

É importante destacar que, considerando as receitas próprias e as despe-sas pertinentes, tal como estabelecido no artigo 195 da Constituição de 1988, edesconsiderado o confisco dos 20%, a seguridade social apresentou superávit:de R$ 26,64 bilhões em 2000, de R$ 31,46 bilhões em 2001 e de R$ 32,96bilhões em 2002, em valores correntes. Apesar disso, o Governo, durante todosesses anos, insistiu em propagar a existência de déficit na Previdência,desconsiderando o conceito de seguridade. Essa atitude acabou por facilitar aaprovação de reformas tanto no Governo FHC quanto no período inicial doGoverno Lula.9

2 - Os excluídos da Constituição de 1988: seu pressuposto de fundo e sua limitação

Ao se reconhecerem, no interior da seguridade social, direitos decor-rentes da cidadania, muito se avançou em termos de proteção social. Contu-do a Constituição de 1988 apresenta duas grandes lacunas. A primeira delasse deve ao fato de a aposentadoria ou de o risco-velhice ser garantido a umaminoria da população ocupada brasileira, deixando desprotegidos milhões detrabalhadores e suas famílias. Isto porque o benefício de prestação continua-da (BPC) — de caráter assistencial —, que concede um salário mínimo àspessoas com 65 anos ou mais,10 exige teste de meios, isto é, somente épago a quem apresentar renda média mensal familiar inferior a 25% do salá-rio mínimo vigente, o que é considerado baixo entre os especialistas da área.As condições de acesso a esse benefício são, portanto, mais rígidas do queas exigidas para a concessão de um salário mínimo aos trabalhadores rurais.Dessa forma, embora importante (em 2003, o benefício foi concedido a1.701.240 pessoas, absorvendo R$ 4,533 bilhões ao longo do ano), o BPC não

9 Para compreender o sentido da reforma do Governo Lula, ver O Governo Lula e a Contra--Reforma Previdenciária (Marques; Mendes, 2004).

10 O BPC também é concedido à pessoa portadora de deficiência, quando esta lhe impede de ter vida independente e de trabalhar.

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dá conta do segmento excluído da cobertura previdenciária, que tem como pres-suposto a inserção no mercado formal de trabalho.

Isso significa que, apesar dos avanços consolidados na Constituição de1988, a previdência social brasileira não conseguiu, ao longo de sua constru-ção, atingir o conjunto dos ocupados. Mas isso não se deve a alguma “defi-ciência” do desenho da cobertura, mas, sim, ao processo econômicovivenciado pelo País nas últimas décadas, com seus inevitáveis reflexossobre o mercado de trabalho. Em outras palavras, a cobertura somente esta-ria garantida caso a economia brasileira tivesse retomado suas taxas históri-cas de crescimento, incorporando cada vez mais trabalhadores ao mercadoformal. Isso resultaria no papel crescentemente marginal da cobertura doBPC aos idosos.

De fato, nos anos do “milagre brasileiro”, o crescimento do empregoformal foi de tal ordem que parecia que o País havia superado sua condiçãode integrante da América Latina, onde a larga maioria dos países apresenta ainformalidade como a principal característica de seu mercado de trabalho.Mas a idéia de que o Brasil retomaria sua trajetória de crescimento, reprodu-zindo as condições dos anos 70 em matéria de mercado de trabalho, foirapidamente confrontada com a realidade. Isto porque, após a promulgaçãoda Constituição de 1988, o crescimento da economia brasileira foi extrema-mente fraco, ficando longe das taxas apresentadas no período do chamado“milagre”. Além disso, vivenciou-se um período de grande instabilidade, ondesignificativos decréscimos e ampliações do PIB se sucederam, com desta-que para a queda de 4,35% em 1990 e para as expansões de 5,85% em 1994e de 5,20% em 2004 (dado ainda preliminar).

Esse desempenho da economia brasileira refletiu-se diretamente nomercado de trabalho, no Brasil, principalmente mediante a persistência deelevadas taxas de desemprego desde o início da década de 90. Segundo aPesquisa Mensal de Emprego (PME), realizada pela Fundação Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego aberto (tendo comoreferência a semana) para as Regiões Metropolitanas de Recife, Salvador,Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre passou de 3,35%em 1989 para 10,90% em 2003, baixando para 9,60% em dezembro de 2004.O impacto dessa elevação brutal do nível de desemprego não se fez tardarsobre a estrutura do mercado de trabalho, aumentando sensivelmente aprecarização da ocupação. Ainda de acordo com a PME, a participação dostrabalhadores assalariados sem carteira assinada no total dos ocupados au-mentou mais de seis pontos percentuais entre janeiro de 1991 e dezembro de2001. No mesmo período, os denominados “conta-própria” ampliaram suaimportância relativa em três pontos percentuais, e a categoria empregador

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diminuiu meio ponto percentual. Essa realidade somente tem uma leitura, a deque o tamanho relativo do mercado formal de trabalho, isto é, daquele regula-mentado pelas leis trabalhistas e integrado à previdência social, diminuiu signi-ficativamente entre 1991 e 2001. Em 2002, o IBGE adotou nova metodologiapara a PME.11 Segundo essa metodologia, em dezembro de 2002, para as cincoregiões metropolitanas pesquisadas, os empregados com carteira assinada re-presentavam 46,2% da população ocupada. Em dezembro de 2004, essa parti-cipação havia caído para 43,8% (Tabela 1).

11 Para maiores detalhes, ver IBGE (2003).

Tabela 1 Famílias, segundo a condição de pobreza, por tipo, no Brasil rural — 1982, 1992 e 2002

(%)

1982 1992 TIPOS DE FAMÍLIA Indigente Pobre (1) Não pobre Indigente Pobre (1) Não pobre

Sem idosos 35,8 31,1 34,1 43,7 27,1 29,2 De idosos ... 18,7 33,5 47,8 17,2 28,2 54,5 Com idosos 23,0 37,5 39,5 22,0 33,5 44,5 Total .......... 31,9 31,1 37,1 36,5 27,6 35,9

2002 TIPOS DE FAMÍLIA Indigente Pobre (1) Não pobre

Sem idosos 33,6 28,7 37,7 De idosos ... 6,9 20,9 72,2 Com idosos 12,4 33,0 54,6 Total .......... 26,1 26,8 47,0

FONTE: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: 1982; 1992; 2002. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. BELTRÃO, Kaizô Iwakami; CAMARANO, Ana Amélia; MELLO, Juliana Leitão e. Mudanças nas condições de vida dos idosos rurais brasileiros: re- sultados não esperados dos avanços da seguridade rural. Rio de Janeiro: IPEA, 2005. (Textos para Discussão, 1066).

(1) Pobre, mas não indigente.

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Crescimento, desenvolvimento e cidadania

A segunda grande lacuna ou imprecisão da Constituição de 1988 está rela-cionada à aplicação do conceito de cidadania. Como mencionado anteriormente,a universalidade da saúde e o piso do benefício previdenciário rompem o critériomeritocrático, isto é, a inserção no mercado de trabalho formal e o aporte decontribuição de valor adequado. No caso da previdência, mesmo queatuarialmente a contribuição mínima não garanta um benefício igual ao piso deum salário mínimo, este lhe é garantido, o que significa avanço importante emtermos de proteção social. Contudo a cidadania está relacionada ou manifesta-da no valor garantido (não menos que um salário mínimo) e não no critério deacesso ao benefício. Dizendo de outra maneira, só tem direito ao benefício aqueleque trabalhou e contribuiu (benefício previdenciário) ou aquele que não tem maisforça para trabalhar e apresenta renda familiar precária (benefício de prestaçãocontinuada concedido ao idoso de baixa renda). Ficam aqui evidentes dois as-pectos. Em primeiro lugar, o de que, em matéria de garantia de renda, o critériobásico é o do trabalho (ter trabalhado e/ou não poder trabalhar). Não por acaso,a aposentadoria e o BPC concedidos ao idoso são considerados, no jargão daspolíticas públicas, “renda de substituição”, isto é, renda que vem substituir, notodo ou em parte, aquela de quando o indivíduo trabalhava. Em segundo lugar,imprecisão quanto ao uso do conceito de cidadania, o que denota o limite daproteção social brasileira atual.

3 - A importância das aposentadorias e de programas compensatórios na sustentação da renda das famílias

Os programas e/ou as políticas sociais que resultam em transferênciade renda ou em mecanismos de sustentação da mesma não se restringem àaposentadoria e ao Bolsa-Família. Contudo, sem sombra de dúvida, são osmais importantes atualmente, tanto em valores como por suaepresentatividade, sendo a aposentadoria a expressão mais acabada do di-reito à renda garantido pela seguridade social, e o Bolsa-Família, seu equiva-lente no campo assistencial.

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3.1 - As aposentadorias

Apesar dessas limitações, é certo que os benefícios previdenciários cons-tituem importante instrumento na redução da pobreza no Brasil. Segundo simu-lação realizada pelos técnicos do Ministério da Previdência e Assistência Soci-al (MPAS), o número de pobres12 existentes em 1999 passaria de 34% para45%13. Isso é indicador de como o sistema previdenciário brasileiro, tal como emoutros países, constitui um poderoso instrumento redistribuidor de renda, atuandode forma anticíclica nos períodos de crise econômica. O Gráfico 2 apresenta aevolução da pobreza no Brasil, no período 1988-99, considerada, ou não, a pre-sença dos benefícios previdenciários. Nele, fica evidente que, em 1988, antes,portanto, da vigência dos novos direitos introduzidos pela Constituição do mes-mo ano, a previdência social era responsável por manter 5,6% da populaçãoacima da linha de pobreza. Em 1999, esse percentual já era de 11%.

Ainda de acordo com esse estudo, somente o aumento dos gastosprevidenciários foi responsável por 67% da redução da população situadaabaixo da linha de pobreza entre 1988 e 199914. O Gráfico 3 mostra o impactodo aumento do gasto previdenciário sobre a linha de pobreza para essesanos.

Beltrão, Camarano e Mello (2005) estudaram os efeitos das mudançasda legislação brasileira em relação aos benefícios rurais, nas condições devida dos beneficiários e de suas famílias. Um dos destaques revelados poressa pesquisa é que, no período de 1992 a 2002, as famílias de três gera-ções ou mais inverteram a tendência de queda observada nos 10 anos ante-riores (de 17,5% passaram a representar 19,3% das famílias rurais). Essasfamílias são compostas, principalmente, por chefe idoso, filhos e netos, sen-do que 57,7% desses filhos são homens. Segundo esses pesquisadores,“(...) esse padrão de co-residência e suporte intergeracional está associado,dentre outras razões, à redução de oportunidades econômicas para a popu-lação jovem (...)” (Beltrão; Camarano; Mello, 2005, p. 18).

12 Na época em que o estudo foi feito, em junho de 2001, a linha de pobreza foi definida em R$98,00 mensais, conforme metodologia utilizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Apli-cadas.

13 Ver Brant (2001).14 No estudo, também é isolado o impacto da estabilidade dos preços.

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Crescimento, desenvolvimento e cidadania

42,340,0 40,7 40,8 41,7

33,9 33,5 33,9 32,7 34,0

47,9 46,1 46,450,1 51,2

43,7 43,2 43,8 43,5 45,3

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

1988 1989 1990 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999

Linha de pobreza observada

Linha de pobreza excluindo a Previdência

Gráfico 2

Previdência e pobreza no Brasil — 1988-1999

Linha de pobreza excluindo a previdência

Legenda: Linha de pobreza observada

FONTE: IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: 1991/ /1999. Rio de Janeiro: IBGE, 1992/1993. BRANT, Roberto. Desenvolvimento social, previdência e po- breza no Brasil. Conjuntura Social: a previdência social reava- liada, v. 12, n. 2, pt. 1, p. 7-64, abr./jun., 2001. Brasília, MPAS, 2001. NOTA: 1. A PNAD não foi a campo nos anos de 1991 a 1994. 2. Linha de pobreza = R$ 98,00.

(%)

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Outro aspecto destacado por essa pesquisa é o fato de a ampliação dacobertura junto aos trabalhadores rurais, promovida pela Constituição de 1988,ter contribuído significativamente para a redução da pobreza nessa área.

“Desde 1982, a maior proporção de famílias pobres e indigentes eraencontrada entre as famílias sem idosos e a menor nas de idosos.Entre 1982 e 1992, essas proporções declinaram nos dois tipos defamílias que continham idosos e aumentaram naquelas sem idosos.Dessa forma, as famílias de idosos continuaram a ser as menospobres, aumentando o hiato com a situação de pobreza das famíliassem idosos. Nos anos 1990, a pobreza e a indigência declinaram emtodos os tipos de famílias, com uma redução mais intensa nas famíliasde idosos, ampliando ainda mais o hiato existente desde 1982” (Beltrão;Camarano; Mello, 2005, p. 18) — Tabela 1.

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

50,0

1988 1989 1990 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999

Linha de pobreza observada

Linha de pobreza caso não houvesse aumentodos gastos da Previdência em relação a 1988

Gráfico 3

Impacto do aumento dos gastos da Previdência sobreo nível de pobreza no Brasil — 1988-1999

(%)

FONTE: BRANT, Roberto. Desenvolvimento social, previdência e pobeza no Brasil. Conjuntura Social: a previdência social reavaliada, v. 12, n. 2, pt. 1, p. 7-64, abr./jun., 2001. Brasília, MPAS, 2001. Disponível em http://www.mpas.gov.br

Legenda:

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Crescimento, desenvolvimento e cidadania

Quadro 1

Público-alvo do Programa Bolsa-Família e seu benefício no Brasil — 2005

RENDA FAMILIAR (PER CAPITA) BENEFÍCIO

VALORES MÁXIMO E MÍNIMO

Até R$ 50,00 Básico: R$ 50,00 R$ 95,00 Variável: R$ 15,00 por R$ 50,00 filho — até o terceiro, na faixa de 0 a 15 anos

Mais que R$ 50,00 e Variável: R$ 15,00 por R$ 45,00 menos que R$ 100,00 filho — até o terceiro, na R$ 15,00 faixa de 0 a 15 anos

FONTE: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

3.2 - O impacto do Programa Bolsa-Família nos municípios brasileiros

Ainda durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, iniciou-se um con-junto de programas visando atingir o segmento não coberto pela proteção soci-al. Dentre eles, destacou-se o Bolsa-Escola, programa que concediacomplementação de renda para crianças e adolescentes de família de baixarenda mediante comprovação de presença na escola.

No Governo Lula, esse e outros programas foram unificados sob o títulode Bolsa-Família, e este foi largamente ampliado no território brasileiro. Emdezembro de 2004, tal programa estava implementado em 5.533 municípios,atingindo, portanto, 99,50% do total existente no País. Foram 6.571.842 famí-lias beneficiadas, o que compreendeu uma despesa de R$ 439,9 milhões. Ascondições de acesso ao Bolsa-Família e o nível do benefício concedido po-dem ser apreciados no Quadro 1. Além de todos os membros das famíliasbeneficiárias terem sua saúde e seu estado nutricional acompanhado, ascrianças em idade escolar devem estar matriculadas e freqüentando o ensinofundamental, e as famílias têm por obrigação participar das ações de educa-ção alimentar desenvolvidas pelos diferentes níveis de governo.

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A teoria econômica de inspiração keynesiana advoga que o gasto governa-mental, assim como o privado, gera, no conjunto da economia, por seu efeitomultiplicador, renda de valor maior do que o do gasto realizado. Isso aconteceporque as compras que o Governo efetua resultam em novas demandas para asempresas, que, ao aumentarem sua produção, elevam os pedidos juntos a seusfornecedores, uns e outros aumentando o nível de contratação de trabalhado-res. Esse processo tem continuidade na cadeia produtiva, tanto das empresasinicialmente beneficiárias da maior demanda estatal, como daquelas vinculadasao consumo dos trabalhadores e dos demais segmentos da população que au-mentaram sua renda.

No caso de transferência de renda às famílias, o impacto será tantomaior quanto também maior for a propensão marginal a consumir, isto é,quanto maior for a parcela destinada ao consumo quando a renda é aumenta-da em uma unidade. No caso da população-alvo do Bolsa-Família, principal-mente junto às famílias definidas como extremamente pobres, a propensãomarginal a consumir é das mais elevadas, quando não “igual” a 1. Assim, oaumento da renda da população mais pobre, resultante da política pública,em parte retorna aos seus cofres, sob a forma de incremento na arrecadaçãode tributos.

Estudo realizado para o Ministério do Desenvolvimento Social e Com-bate à Fome em 200415 concluiu que o Programa Bolsa-Família constitui omais importante programa de transferência de renda hoje existente no País.16

A pesquisa estimou que, em dezembro de 2003, 16 milhões e 512 mil brasi-leiros era o número de beneficiários do Programa, com forte concentração naRegião Nordeste (69,1%), seguida da Sudeste (19,1%), da Norte (8,0%), daCentro-Oeste (2,4%) e da Sul (1,4%). No Nordeste, o percentual da popula-ção total beneficiária do Bolsa-Família é bastante elevado, variando de 13% a45%. Este último percentual é atingido em municípios com população de até20 mil e urbana, com índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M)abaixo da média nacional e com atividade econômica predominantemente no

15 Ver Marques (2004).16 Do ponto de vista da literatura, não cabe a comparação com outros programas, tais como o

benefício de um salário mínimo concedido aos rurais, dentre outros. O benefício pago aosrurais é um direito garantido pela Constituição no campo previdenciário, constituindo-se numarenda de substituição. O Bolsa-Família é um programa de transferência de renda que visacomplementar a renda familiar e estimular a manutenção da criança e do adolescente naescola. Trata-se, portanto, de programas que integram ramos diferentes da proteção social, daprevidência e da assistência.

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Crescimento, desenvolvimento e cidadania

Setor Terciário, o mesmo acontecendo em municípios com população de 20 a100 mil, localizada mais na zona rural.

É claro que o resultado observado na Região Nordeste é, antes de tudo,reflexo da situação de pobreza em que vivem os habitantes de seus municípios,mas também do fato de o Bolsa-Família nela ter se iniciado e, por isso, nelaestar mais largamente implantado. Mas a importância assumida pelo Bolsa--Família nessa região não significa que, nas demais, não se encontrem gruposde municípios nos quais parcela significativa da população seja beneficiária doPrograma. Exemplo disso ocorre em Itaguatins (município de até 20 mil habitan-tes, com IDH-M abaixo da média, predominantemente urbano e que desenvolveatividade econômica terciária), no Tocantins, onde 38% de sua população ébeneficiária do Bolsa-Família.

Já na Região Sul, com raras exceções, o percentual da populaçãobeneficiária do Programa Bolsa-Família é relativamente baixo, refletindo asituação socioeconômica de sua população. Mesmo assim, cumpre o papelde sustentador de um determinado nível de renda. Em Porto Alegre, por exem-plo, município de IDH-M acima da média nacional, 5% de sua população ébeneficiária, o que não é desprezível.

Do ponto de vista da importância dos recursos transferidos, quanto me-nor for a receita disponível do município (compreendida pelas receitas pró-prias e pelas transferências constitucionais), maior será a importância relati-va do Programa Bolsa-Família. Há casos, como em Pedra Branca (no Ceará,representando, na pesquisa, 57 municípios), por exemplo, onde os recursosdo Bolsa-Família correspondem a 43% da receita disponível. Em relação aosrecursos federais transferidos ao Sistema Único de Saúde, os do Bolsa-Fa-mília chegam a ser 283% maiores, como acontece no Município de Vitória deSanto Antão. Mesmo em Porto Alegre, os recursos recebidos pelos 5% dapopulação equivalem a 2% da receita disponível, a 6% das transferênciasfederais para o SUS, a 6% da arrecadação do ICMS e a 31% dos recursos doFundo de Participação dos Municípios.

Esses indicadores do Bolsa-Família — em relação ao total da popula-ção e da renda disponível dos municípios brasileiros — mostram quão impor-tantes são os programas compensatórios na promoção da distribuição darenda e da atividade econômica nos recantos mais pobres do País. Persiste,no entanto, o fato de seus benefícios não derivarem de um direito, de formaque podem ser extintos pelo simples ato de vontade do governo de plantão.

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4 - Considerações finais: os desafios a serem enfrentados

Apesar dos avanços introduzidos pela Constituição de 1988, pode-sedizer que, no campo dos benefícios, ainda o trabalho constitui a principalreferência para a sua concessão. A manutenção desse referencial torna-se,portanto, um problema. E isso não só porque o Brasil não apresenta histori-camente um crescimento sustentado — como visto anteriormente —, nãopermitindo que o trabalho promova a inclusão, mas também porque a lógicaperversa da acumulação brasileira resulta, mesmo nos anos de crescimento,em aprofundamento das desigualdades e, somado a isso, no crescimento dapobreza absoluta.

Dessa forma, qualquer projeto de crescimento com desenvolvimento,isto é, que promova a inclusão social e diminua o nível de desigualdade, nãopode se restringir a políticas de geração de emprego e renda — emboraestas sejam essenciais. É necessário que sejam implementadas políticasque, de um lado, comecem a alterar o nível de concentração da renda e dopatrimônio no País e, de outro, garantam um determinado nível de renda paratodos. Já chamava atenção o mestre Furtado (2002, p. 16) que, “(...) paraparticipar da distribuição de renda, a população necessita estar habilitadapor um título de propriedade ou pela inserção qualificada no sistema produti-vo”. De forma contundente, para esse autor, isso seria possível por meio deuma reforma patrimonial.

No que se refere à renda, ela precisa ser entendida como um direitoderivado do conceito de cidadania, portanto, garantida pela Constituição bra-sileira. Dessa forma, essa renda mínima, no espírito original do projeto doSenador Eduardo Suplicy,17 não comporia uma política assistencial, mas,sim, faria parte dos direitos “básicos” de qualquer cidadão brasileiro, tal comosão compreendidos o acesso aos cuidados com a saúde e o ensino funda-mental.

A garantia dessa renda não teria como propósito substituir o sistema deproteção social atualmente existente, mas, ao reconhecer a complexidade darealidade brasileira, o de complementar o sistema atual. Como visto, não sãonecessários muitos recursos para diminuir o número de famílias situadasabaixo da linha de pobreza. Entretanto, mesmo que um programa mais ambi-

17 Para maiores detalhes, ver Ramos (1994).

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cioso (que se preocupe em garantir uma qualidade de vida mais elevada, e nãosomente em levar as famílias pobres a ultrapassarem essa linha) envolvesseuma quantidade de recursos mais significativa, essa deveria ser a prioridade emtermos de política social, pois somente dessa maneira pode-se dizer que asociedade brasileira estaria verdadeiramente comprometida com o desenvolvi-mento do País. Crescer sem distribuir a renda é não só reproduzir o passado dedesigualdades, como aprofundá-lo. Essas foram sempre as palavras do mestreFurtado, deixando entre nós a idéia-síntese: “(...) o desenvolvimento verdadeirosó existe quando a população em seu conjunto é beneficiada” (Furtado, 2002, p.21).

Para a sustentação dessa política, no entanto, seria necessário que oEstado brasileiro recuperasse sua capacidade de intervenção, o que exigiriarediscutir as conseqüências do enorme esforço que tem sido feito nos últi-mos anos para promover o superávit primário. Seria necessário, ainda, que osistema tributário fosse bastante alterado, de maneira a promover as basespara uma redistribuição de renda, angariando recursos para a promoção des-sa e de outras políticas consideradas essenciais pela sociedade brasileira.

Veja-se o que diz Pochmann (2004):“No Brasil persiste a regressividade na estrutura tributária, quetermina onerando muito mais os pobres do que os ricos. Assim,não somente o gasto social, mas sobretudo a arrecadação tributáriaconstituem fundamentos potencializadores da desigualdade que jávem originária da distribuição primária da renda.“Por fim, cabe chamar atenção para o desafio da maior importânciada política social no Brasil, que é o de realmente democratizar ademocracia representativa. Sem experiência democráticaconsolidada ao longo do tempo, o país tem concentrado não somentea renda, mas fundamentalmente o poder. É difícil negar que oprocesso de exclusão social no Brasil não esteja ligadoumbilicalmente com a concentração de poder. Nesses termos, apobreza no país é de natureza política, que faz do pobre alvo demera assistência, quando muito”.

Dentre os aspectos salientados por esse pesquisador, um dos maisimportantes, com o qual se concorda inteiramente, é a relação que se esta-belece entre pobreza e concentração de poder. É dessa compreensão quedecorre o entendimento de que, no caso do Brasil, onde milhões de pessoasvivem abaixo da linha da pobreza, os benefícios atualmente assistenciaisque promovem redistribuição de renda devem superar o assistencialismo econstituir parte dos direitos básicos ou fundamentais de qualquer brasileiro.Essa mudança de status, além de garantir a continuidade dos programas,

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retiraria do assistencialismo seu caráter de moeda política, o que atualmenterecrudesce a força dos poderosos entre os segmentos mais carentes dapopulação.

Tal proposição, no entanto, como já mencionado acima, implica mudan-ças que se relacionam à ordem econômica e política do País. Alterar o qua-dro estrutural brasileiro, que reproduz sem parar os determinantes da pobre-za, significa enfrentar os interesses dos beneficiários do processo que histo-ricamente cria e recria a pobreza e a desigualdade. O Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento (PNUD), na apresentação do Relatório Parao Desenvolvimento Humano 2004, está correto ao dizer que:

“A menos que as pessoas pobres e marginalizadas — que na maioriadas vezes são membros de minorias religiosas, étnicas, oumigrantes — possam influenciar ações políticas, em nível local enacional, não é provável que obtenham acesso eqüitativo aemprego, escolas, hospitais, justiça, segurança e a outros serviçosbásicos” (PNUD, 2004, p. V).

Mas dificilmente pode-se dizer que a democracia formal é suficientepara garantir o acesso aos benefícios, às ações, aos serviços que compõema proteção social e à educação, dentre outros aspectos a que deveriam terdireito qualquer pessoa. Isto porque, para a população mais pobre, não faltasomente a base material para levar uma vida digna, mas a consciência ativa,portanto, a capacidade de fazer valer os direitos que uma democracia formalgarante em suas leis. No Brasil, há inúmeros exemplos dessa realidade: des-de o salário mínimo não cumprido em grotões do País até a dificuldade deacesso a informações que expliquem o caminho burocrático a ser percorridopara, ao final, garantir um benefício.

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A atual condução das negociações internacionais brasileiras

A atual condução das negociaçõesinternacionais brasileiras

Teresinha da Silva Bello* Economista da FEE.

ResumoNeste artigo, são analisados brevemente as principais tentativas de integraçãonas quais o Brasil está envolvido e o modo como o atual governo tem enfrenta-do as dificuldades surgidas ao longo das discussões. São feitas algumas consi-derações sobre a crise que tem abalado o Mercosul nos últimos anos; algumasdas causas da quase-falência da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA);as desavenças entre a União Européia e o Mercosul; a lentidão na rodada denegociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio; e o lançamentoda Comunidade Sul-Americana de Nações.

Palavras-chaveRegionalismo; multilateralismo; integração econômica.

Abstract

This paper analyzes the main integration attempts in which Brazil is involvedand the way the current government is facing the difficulties that arise during thediscussions. Some considerations are made about the crisis in Mercosur in thelast few years, some causes of the near failure of FTAA, the disagreementsbetween Mercosur and the European Union, slowness of the negotiations withinthe WTO and the creation of the South American Community of Nations.

Artigo recebido em 10 mar. 2005.

* A autora agradece às colegas Sônia Teruchkin e Beky Macadar pelas observações feitas àversão preliminar deste artigo.

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Introdução

Grande parte das teorias sobre comércio internacional preconiza a supre-macia do livre-comércio, destacando suas implicações sobre o bem-estar dosconsumidores e sobre o crescimento econômico dos países. Mas, na prática,os argumentos teóricos são abandonados, dando lugar a guerras diplomáticas,nas quais cada país (ou região) busca seus próprios interesses, às vezes, deforma mais elegante, outras, mais agressivamente; alguns, de modo mais débil;outros, adotando posturas mais impositivas; tudo dependendo das relações deforça entre os parceiros.

No caso brasileiro, importantes negociações relacionadas à abertura docomércio e intimamente ligadas entre si estão em curso e poderão redefinir ainserção internacional do País, ao promoverem mudanças no seu comércioexterior. Além do Mercosul, destacam-se o acordo na Organização Mundial doComércio (OMC), a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) ea criação do Acordo União Européia-Mercosul. Estas três últimas têm dois pon-tos em comum: (a) todas deveriam estar concluídas ao final de 2004 ou início de2005; (b) nenhuma delas terminou no prazo. Parte desse insucesso na ALCA ena União Européia (UE) deveu-se a divergências dentro do próprio Mercosul,mas fundamentalmente pode ser atribuído às dificuldades específicas encon-tradas nas negociações com os demais blocos, visto que o Brasil se tornoumais eficiente em produtos altamente protegidos, como são os casos doagronegócio e da siderurgia, que hoje são reféns de negociações. E a excelenteperformance exportadora do Brasil em 2004 não pode ser atribuída às tentativasde melhorar o acesso a mercados via acordos de comércio.

Embora o fim dos subsídios às exportações agrícolas tenha sido acordadojunto à OMC, o acesso a mercados agrícolas, de interesse direto para o Brasil,também é um tema que ainda permanece vago e deverá exigir grandes esforçosem sua negociação.1 De modo geral, subsídios e regras têm sido tratados noâmbito multilateral (OMC), enquanto o acesso a mercados tem sido focado nosacordos regionais (ALCA e UE-Mercosul), os quais estão atrasados, devido aos

1 Em linhas gerais, os principais pontos do acordo da OMC, acertado em 31 de julho de 2004pelos 148 países-membros, foram os seguintes: “Agricultura - Subsídios à exportação,vistos como fator que distorce o comércio mundial, deverão ser eliminados. Programas decrédito à exportação e participações estatais também serão sujeitos a normas para erradicartraços de subsídios. O texto pede o corte substancial de subsídios de produção, usadosprincipalmente pelos países mais ricos. Na questão de acesso a mercados, especialmentesobre barreiras de importação, o texto não propõe uma fórmula para a redução, mas

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impasses criados nas negociações. E, até hoje, o Brasil nunca conseguiu qual-quer concessão relevante de outros países no que se refere ao acesso a merca-dos — especialmente para produtos agrícolas —, no âmbito multilateral, regio-nal ou bilateral.

O próprio Mercosul tem enfrentado crescentes dificuldades para se firmarcomo uma união aduaneira, em grande parte por causa das divergênciascomerciais entre a Argentina e o Brasil. Passado o período inicial — quando aexpectativa era de que o Mercosul algum dia se transformaria em um mercadocomum —, as mudanças econômicas ocorridas no Brasil (a partir de 1999, coma desvalorização do real) e na Argentina (crise de 2001-02) têm levado a umagravamento no processo de integração. Sem um órgão supranacional capaz dedirimir as contendas e com grandes assimetrias entre os países-membros, osdesacertos entre os parceiros têm sido crescentes, o que enfraquece o bloconas negociações com terceiros, como é o caso da ALCA e do acordoUE-Mercosul.

O projeto da ALCA tem andado de marcha a ré desde 2001, tendo recuadoainda mais desde novembro de 2003, quando seus 34 países-membros optarampor uma ALCA “(...) à la carte, que permite dois níveis de compromisso — umbásico e aplicável a todos e outro formado por entendimentos adicionais, maisprofundos, bilaterais ou plurilaterais” (Tachinardi, 2004a, p. 13). Temas comoproteção a investimentos ou defesa da propriedade intelectual em marcas epatentes têm sido prioridade para os Estados Unidos, enquanto para o Brasil oacesso a mercados tem sido o tema prioritário nas negociações da ALCA.

Com a ALCA posta de lado, pelo menos temporariamente, o Mercosul vol-tou-se mais para o acordo com a UE, na tentativa de melhorar sua inserçãoexterna, mas as últimas negociações entre esses dois blocos também foramdesapontadoras. Enquanto as negociações para a formação da ALCA faziamcrer que um acordo poderia ser feito em breve, a UE mostrava-se mais interes-sada em negociar com o Mercosul. Porém, com o retrocesso das tratativas

defende um ‘escalonamento’ com cortes maiores para tarifas mais altas. Bens industriais -Para reduzir barreiras tarifárias para bens como cimento, sapatos, químicos e calculadoras,será adotada uma fórmula que estabelecerá que as tarifas mais altas terão os maiorescortes. O texto inclui um parágrafo para acalmar as preocupações dos países mais pobresde que teriam que cortar tarifas rapidamente. Serviços - O texto pede que cada país faça asofertas para produtos que está preparado para liberalizar. O documento diz que as ofertasrevisadas devem ser apresentadas, no mais tardar até maio de 2005. Investimentos - Ospaíses ricos, que querem regras mais livres de investimento em países em desenvolvimen-to (como competição e transparência em compras do governo), aceitaram discutir apenasa facilitação do comércio” (Cardoso, 2004, p. A-10).

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rumo à concretização de um bloco para as Américas, os europeus têm se mos-trado mais inflexíveis nas mesas de negociação com o Mercosul.

Paralelamente às frustradas negociações com os países mais ricos, oatual Governo brasileiro tem se voltado para novas linhas de ação, direcionadasaos países em desenvolvimento. Dentro dessa estratégia, o Brasil tem dadoimpulso a projetos de associação com outros países sul-americanos e comgrandes países emergentes. Como exemplo, pode ser citada a criação do G-20,grupo formado por países em desenvolvimento, descontentes com os rumosque estavam tomando as negociações da Rodada de Doha, na OMC, em rela-ção à liberalização do comércio agrícola e em oposição a um acordo informalque se gestava entre os EUA e a Europa, considerado prejudicial aos países emdesenvolvimento.2 Paralelamente, tem sido observado um esforço para recupe-rar espaços perdidos na África e no mundo árabe, além de uma busca por alian-ças com países emergentes, como a Índia, a China e a África do Sul. Assim, omultilateralismo, que nunca foi deixado de lado, tanto no Governo Cardoso quan-to no Governo Lula, vem se equilibrando com bilateralismo e regionalismo(Cervo, 2004).

Avançar na integração sul-americana tem sido um dos objetivos estratégi-cos do Governo Lula, sob a alegação não apenas de incremento do comércio,mas como fator de atração adicional para investimentos diretos estrangeiros(IDE) no País, além de estimular a integração física do continente. Desde o finalda década de 90, o discurso brasileiro, em relação à sua agenda de comércio,tem sido valorizar mais o mercado sul-americano. Após a formação do Mercosulno início dos anos 90, a idéia que se passava era a formação de uma área delivre comércio na América do Sul, e, só depois de consolidada a integraçãocomercial da região, desenvolver-se-iam acordos tipo ALCA ou UE-Mercosul.Entretanto, na prática, a ação do Governo anterior concentrou-se mais no Pri-meiro Mundo, embora enfatizando o multilateralismo. Porém, diante dounilateralismo norte-americano, as relações externas do Brasil voltaram-se maispara a UE. E, ao mesmo tempo em que se negociava a ALCA, o Mercosultentava um acordo de livre-comércio com a Europa, na expectativa de equilibrarmais as relações com os EUA. Já no Governo Lula, além de o interesse pelomultilateralismo também se manter aceso, observa-se uma volta para o Mercosul,com uma maior insistência nos esforços para a manutenção do bloco, vendo-senele um ponto de partida para a conformação de um bloco sul-americano.

2 Fazem parte do G-20 os seguintes países: África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,China, Cuba, Egito, Filipinas, Guatemala, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão,Paraguai, Tailândia, Tanzânia, Venezuela e Zimbábue.

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A América do Sul está, atualmente, sendo concebida como um espaço deafirmação dos interesses brasileiros — a esse espaço, embora em nível maismodesto, o País também tem procurado agregar à sua área de influênciapaíses-chave do Atlântico africano —, compondo uma plataforma econômica epolítica, cujo carro chefe seria o Mercosul (Cervo, 2004). No entanto, essa éuma escolha em que as dificuldades para a sua concretização não podemser menosprezadas. Isto porque os demais países sul-americanos têm suaspróprias estratégias, que, na maioria das vezes, não seguem na mesma direçãodaquelas estabelecidas pelo Brasil. Assim, para avançar nessa direção e aomesmo tempo consolidar seu papel de líder na região, o País deverá estardisposto — e até agora tudo indica que está — a arcar com os ônus inerentes àliderança, como já vem fazendo em relação ao Mercosul.

A crise no Mercosul

Dez anos depois da assinatura do Tratado de Ouro Preto, as expectativassobre a integração entre os seus países-membros ainda diferem bastante. Parao Brasil, o Mercosul é visto como prioritário no projeto de política externa eliderança regional do País. Já a Argentina, o Paraguai e o Uruguai estão maispreocupados com os benefícios e os malefícios do bloco para suas economiase cobram do Brasil um preço por sua liderança.

Sem condições de promover eficazmente arbitramentos, visto não ter umórgão supranacional capaz de resolver as contendas, e frente às assimetriasestruturais e conjunturais, o resultado é uma ampliação dos contenciosos. Dian-te disso, alguns setores da sociedade brasileira — e mesmo dentro do próprioGoverno — têm defendido um recuo no processo de integração, partindo dapercepção de que os compromissos assumidos com o bloco têm imposto maiscustos que benefícios, ao mesmo tempo em que preconizam uma postura maisagressiva em relação às medidas protecionistas da Argentina. Dentre os cus-tos, podem ser citadas as dificuldades para avançar nas negociaçõescomerciais bilaterais decorrentes da União Aduaneira, visto que esta tem duascaracterísticas principais: possui uma Tarifa Externa Comum (TEC) e negociaacordos com terceiros países em conjunto. Assim, alguns segmentos têm de-fendido um retrocesso de União Aduaneira para Área de Livre Comércio, já que,nesta última, não existe a obrigatoriedade dos seus países-membros nem auma TEC nem a negociações em conjunto, podendo os mesmos negociaremlivremente (Landim, 2004).

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Entretanto, além de a TEC ser um elemento favorável à atração de IDE, jáque o grau de proteção se uniformiza na região, a volta a uma zona delivre-comércio, ao mesmo tempo em que poderia liberar os países para fazertratados bilaterais, aumentaria o risco de que os demais países do bloco fizes-sem qualquer tipo de acordo, ao contrário do que ocorre atualmente, com oMercosul negociando em bloco, conforme pode ser constatado nas palavras doMinistro das Relações Exteriores do Brasil:

“Nos últimos anos, a União Aduaneira tem participado em bloco denegociações importantes, como as da ALCA e as com a UniãoEuropéia. Estão sendo finalizados os acordos com a Índia e a UniãoAduaneira da África Austral (Sacu), que inclui a República da Áfricado Sul. Estão em curso negociações com parceiros tão diversosquanto o México, o Sistema de Integração Centro-Americano (SICA),o Egito e a Comunidade Caribenha (Caricom), passando por Marrocose por membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa(CPLP). A unidade de nossos países potencializa nosso poder debarganha e maximiza as possibilidades de ganho” (Amorim, 2004b,p. A-3).

Dentre os vários argumentos apresentados pelos críticos do Mercosul, umdos que mais têm sido invocados é o de que a Argentina tem imposto uma sériede restrições à entrada de produtos brasileiros, como foi o caso mais recente defogões, geladeiras, máquinas de lavar, televisores. Antes, açúcar e calçadosforam o foco da discórdia. Com um saldo comercial a favor do Brasil em 2004, opaís vizinho tem pedido o retorno às salvaguardas, gerando protestos do ladobrasileiro, onde se alega que as regras do Mercosul não podem e nem devemser mudadas por fatores circunstanciais e que a união aduaneira deve, pois,ser mantida.

Sem tirar a razão daqueles que defendem a manutenção da união aduanei-ra — até porque ela é vital para ajudar o Brasil a firmar-se como potência emer-gente —, também é preciso que se veja o impasse pela ótica dos argentinos:sendo o Mercosul, basicamente, uma relação bilateral Brasil-Argentina, vistoque Paraguai e Uruguai, juntos, representam apenas 10% do comércio do bloco,não há como a Argentina compensar seu déficit dentro do Mercosul, tendo debuscar alternativas extrabloco. Tal fato pode tornar o acordo desinteressantepara o país deficitário, caso o Brasil não tente contornar a situação de algumamaneira. Além disso, voltar ao estágio de zona de livre-comércio e abandonar aTEC pouco ou nada mudará as relações com a Argentina, pois a imposição debarreiras também é pouco aceitável nessa modalidade de integração.

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Vale destacar que, se o Brasil quiser exercer a liderança no bloco, ele vaiter de provar sua capacidade para tanto, arcando com determinados custos,como, por exemplo, o de suportar certas acusações sem revidar na mesmamoeda, respondendo com serenidade e sem patriotadas, deixando de lado oimediatismo e o aspecto meramente comercial do confronto e focando seusobjetivos em alvos não só mais distantes no tempo, como mais amplos, qualseja, o aspecto geopolítico do Mercosul. Qualquer processo de integração develevar em conta as assimetrias e as desigualdades entre seus países-membros,o que, aliás, é exatamente o argumento usado pelo Brasil nas negociaçõescomerciais com os países desenvolvidos.

Depois de terem quadruplicado entre 1991 e 1998, as trocas comerciaisentre os países do Mercosul murcharam, e as disputas multiplicaram-se.O Mercosul é um grande mercado de exportações das indústrias brasileiras dequímica, máquinas e equipamentos, automóveis, autopeças, veículos de cargae celulares. Ressalte-se, porém, que, embora o comércio regional tenha cresci-do de maneira expressiva dentro do bloco, especialmente nos primeiros anos desua implantação, é um equívoco avaliar o papel do bloco apenas pelo volume decomércio interno. O Brasil não pode — e nem deve — buscar saldos comerciaisexpressivos junto aos outros três países do bloco. A importância maior doMercosul deve ser o seu papel geopolítico e a possibilidade de permitir aumentode escala na produção, buscando ganhos de competitividade e melhores possi-bilidades de negociação com os grandes mercados extrabloco. Dentro dessaidéia, muitas empresas multinacionais foram atraídas para a região, visandoatender a seu mercado no bloco. Assim, é preciso avançar nos mecanismos deintegração — e não afrouxar seus laços —, dando ênfase na integração física,nos aspectos estruturais, culturais, etc., além de tentar intensificar a coordena-ção entre as economias. E é isso o que tem feito a diplomacia brasileira, emboramuitos imediatistas ainda não tenham entendido o real alcance dessa postura.

Outra linha de crítica aponta a Argentina e/ou os demais países-membrosdo Mercosul como os responsáveis pelo não-fechamento de acordos com a UEe com a ALCA (leia-se Estados Unidos) e propõe um afrouxamento nos compro-missos do Mercosul, de modo a permitir que o Brasil negocie isoladamente(Jank, 2004, p. A-2) No caso da UE, é preciso esclarecer que o bloco europeu sótem mandato para negociar com o Mercosul, não com cada país isoladamente,o que elimina a hipótese de uma negociação Brasil-UE. No que se refere àALCA, o grande impasse tem sido entre o Brasil e os Estados Unidos, ou seja,mesmo que o Mercosul se dissolvesse, a ALCA continuaria no pântanoem que está.

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A frustração com a ALCA

Desde fevereiro de 2004, o processo negociador da ALCA encontra-seinterrompido, já que não foi possível se definirem as modalidades de negocia-ção que orientem a troca de ofertas nos grupos de trabalho da ALCA (Bastos,2004, p. 47). O seu prazo original de implementação era janeiro de 2005, mas asnegociações foram suspensas no início de 2004, uma vez que as diferençasentre os EUA e o Mercosul não foram transpostas: o Mercosul quer maior aces-so aos mercados, mas os EUA só o aceitam em troca de concessões em áreascomo serviços, propriedade intelectual e compras governamentais.

Entre 1994 e 2002, as negociações pouco avançaram, limitando-se a ques-tões de procedimentos, já que as ofertas de acesso a mercado só foram apre-sentadas pelos EUA em fevereiro de 2003. Surpreendentemente, a propostadiscriminava abertamente o Mercosul, visto que dividia a ALCA em quatroregiões (Caribe, América Central, Comunidade Andina (Can) e Mercosul), comconcessões diferenciadas: para bens agrícolas, na oferta de liberalização feitapelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos (USTR, em inglês), asconcessões abrangeriam 85% de redução tarifária para o Caribe, 68% para aComunidade Andina, 64% para a América Central e 50% para o Mercosul; parabens industriais, a redução seria de 91% para o Caribe, 66% para a AméricaCentral, 61% para a Can e 58% para o Mercosul. Para todos os bens, entretanto,as concessões estariam

“(...) limitadas aos setores em que cada região tem poucacompetitividade para entrar em seu mercado ou entra sem afetarprodutores locais (...) Nestas circunstâncias, as perspectivas de ganhoseriam limitadas também em setores que não fossem considerados‘sensíveis’ nos EUA, pois os produtores do Mercosul teriam acesso amercados relativamente limitados mesmo onde não concorressemcom produtores estadunidenses. Onde concorressem, por sua vez,experimentariam cronogramas de desgravação longínquos, semcompromissos de redução de barreiras não-tarifárias e disciplinamentodas políticas de defesa comercial” (Bastos, 2004, p. 48).

O Mercosul, ao contrário, havia feito uma oferta universal, que, mais tarde,foi retirada e substituída por uma de acordo 4 + 1 (Mercosul + EUA) com osEstados Unidos, prontamente rejeitada por este último.

Além de “fatiar” sua oferta de redução tarifária nas quatro regiões da ALCA,os EUA também se recusaram a discutir regras de defesa comercial e subsídiosna ALCA, levando-as para a Rodada de Doha, sob o argumento de que osbenefícios concedidos teriam necessidade de reciprocidade de concessões por

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parte da União Européia e do Japão, ou seja, concederiam alguma coisa aoMercosul se, e somente se, os europeus e os japoneses também o fizessem.

Mesmo com o Mercosul recebendo tratamento menos favorável, com pra-zos de abertura mais longos do que os oferecidos aos demais países do conti-nente, o Governo brasileiro continuou apostando na ALCA e, na Reunião Minis-terial de Miami, em novembro de 2003, propôs uma negociação “três trilhos”,assim descritos pelo Ministro das Relações Exteriores;

“De forma sucinta, essa posição — obviamente sempre sujeita a algunsajustes no processo de negociação — pode ser descrita da seguinteforma: 1) a substância dos temas de acesso a mercados em bens e,de forma limitada, em serviços e investimentos seria tratada em umanegociação 4 + 1 entre o Mercosul e os EUA; 2) o processo ALCApropriamente dito se focalizaria em alguns elementos básicos, taiscomo solução de controvérsias, tratamento especial e diferenciadopara países em desenvolvimento, fundos de compensação, regrasfitossanitárias e facilitação de comércio; 3) os temas mais sensíveise que representariam obrigações novas para o Brasil, como partenormativa de propriedade intelectual, serviços, investimentos ecompras governamentais, seriam transferidos para a OMC, a exemplodo que advogam os EUA em relação aos temas que lhes são maissensíveis, como subsídios agrícolas e regras antidumping” (Amorim,2003, p. A-4).

A partir de um primeiro piso de concordância mútua, ou seja, de consenso,seriam estabelecidos patamares mínimos de direitos e obrigações para os novegrupos de negociação já existentes: (a) acesso a mercados; (b) agricultura;(c) política de concorrência; (d) subsídios; (e) solução de controvérsias; (f) servi-ços; (g) investimentos; (h) compras governamentais; (i) propriedade intelectual.

Em Puebla, no México, em fevereiro de 2004, o Mercosul defendeu a inde-pendência entre as nove áreas, com as negociações ocorrendo paralelas esem que eventuais perdas em uma área pudessem ser compensadas em outra.Exemplificando essa situação, Bastos (2004, p. 52) assim se manifestou: “Nes-ta modalidade de negociação, um país não pode receber menores direitos emacesso a mercado caso aceite menores obrigações em proteção a investidores,mas apenas se conceder menor acesso a mercado”.

Em contraposição, os EUA defenderam o relacionamento de direitos e obri-gações entre as diferentes áreas, as chamadas “retaliações cruzadas”. Por exem-plo: um país poderia receber menores direitos em acesso a mercados, caso nãoassumisse maiores obrigações em proteção a investidores para além do pisomínimo consensual nessa área (Bastos, 2004).

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Com isso, a reunião de Puebla encerrou-se sem alcançar uma conclusão.Nos meses seguintes, os EUA recuaram ainda mais na tentativa de se

chegar a um acordo, já que endureceram as negociações, ao criarem maisexigências: uma categoria de produtos excluídos da liberalização tarifária; umapossibilidade de retaliação comercial em casos de fraqueza dos países no com-bate à pirataria (enforcement de direitos de propriedade); e maiores exigênciasem regras para serviços e compras governamentais. Os norte-americanosinsistem em adotar, na ALCA, regras de propriedade intelectual mais limitantesque as da OMC. Desse modo, a posição dos EUA, além de não dar acessoreal ao mercado norte-americano de produtos agrícolas, ainda propõe umaampliação de regras difíceis de serem aceitas por países como o Brasil.

Além disso, a posição norte-americana é francamente favorável a acordosbilaterais (e, conseqüentemente, assimétricos, dado o poder de barganha damaior economia do mundo), enquanto a posição defendida pela diplomacia bra-sileira é a de que países médios e pequenos, se unidos, poderiam gerarnegociações mais equilibradas. Os EUA vêm costurando acordos bilaterais compaíses do continente americano, o que poderia vir a deixar o Brasil isolado naregião, ao mesmo tempo em que têm se negado a negociar com o Mercosul,num acordo 4 + 1.

“Foi tentada a negociação para um acordo paralelo entre os EUA eMercosul enquanto as tratativas para a ALCA não avançaram, masnão houve sucesso. O mesmo molde de acordo 4 + 1 foi tentado como Canadá, mas novamente o Mercosul não obteve resposta positiva,pois o Canadá alega estar com o foco de suas atenções voltado paraa ALCA.” (Rossi, 2005, p. B-3).

Outro aspecto de discordância entre Brasil e EUA se relaciona com aschamadas “lista negativa” e “lista positiva” em relação aos serviços. Aos EUAinteressa impor uma lista negativa, à semelhança do que já é adotado no NAFTA.Na “lista negativa”, todos os produtos não especificados na negociaçãoestariam automaticamente liberalizados, tanto os existentes quanto aqueles aserem inventados.3 O Brasil, ao contrário, pretende a adoção de uma “lista posi-tiva”, segundo a qual a abolição de restrições atingiria apenas os produtos cons-tantes no acordo.

Além disso, o Brasil rejeita o arcabouço de regras propostas para a regula-mentação de investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual(Acordos..., 2005). Em relação aos investimentos, os EUA pretendem a proibi-

3 Entre as restrições à liberalização apresentadas pelos EUA está a movimentação demão-de-obra, abrangendo a imigração e o mercado de trabalho.

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ção de favorecimentos à empresa nacional em detrimento das estrangeiras e deos países receptores dos IDEs estabelecerem metas de desempenho a serematingidas pelos investidores, tais como transferência de tecnologia, compromis-sos de exportação, geração de empregos, níveis de conteúdo local, etc. No quese refere às compras governamentais, os EUA querem a proibição de priorida-des concedidas a fornecedores nacionais de bens e serviços, até mesmo impe-dindo o estabelecimento de exigências quanto ao nível de conteúdo doméstico.Assim, retiram dos governos sua capacidade de atuarem na economia comogeradores de emprego e como incentivadores da produção e do avançotecnológico dentro de seu território. Já em relação à propriedade intelectual, soba alegação de combater a pirataria, os EUA pretendem reforçar a proteção paraatividades em que têm liderança mundial — por exemplos, patentes, segredos emarcas comerciais, copyright —, defendendo-as fortemente e impondo severaspunições aos infratores.

Se a negociação da ALCA está emperrada e avançou muito menos do queas tratativas de integração com a UE, o motivo do atraso, pelo lado brasileiro,parece ser muito menos ideológico — alguns segmentos do empresariadoalegam que não houve esforço nem interesse da diplomacia do País — e maiseconômico.

“A marca que ganha expressão no processo negociador e na futuraoperação da ALCA é a desigualdade. Ela se expressa de todas asformas: nos diferentes estágios de desenvolvimento econômico,social, cultural e político dos países. Não se trata de uma integraçãocomercial de países homogêneos (...) excluindo-se os EUA e oCanadá, os outros países do hemisfério são uma imensa colcha deretalhos, muitos vivendo crises sociais profundas e outros apresentameconomias vulneráveis principalmente na sua dimensão externa, comosão os casos do Brasil e Argentina, parceiros fundamentais na possívelcriação e consolidação da ALCA.” (Prado, 2001, p. 1).

A ALCA começou em 1994 como negociação de acesso a mercado, mas,ao longo desses 10 anos, a agenda cresceu — passou a incluir serviços, inves-timentos, compras governamentais, propriedade intelectual, políticas de con-corrência —, e seu objetivo desviou-se muito mais para criar marcos normativoshemisféricos nesses novos temas do que para liberalizar o comércio. E, se háalguma questão ideológica, ela parece estar presente muito mais no ladonorte-americano. Ao Brasil interessa uma discussão com foco em acesso amercados e sem tentativas de se adotarem algumas normas diferentes daque-las da OMC e que a negociação, ao invés de bilateral (Brasil-EUA), seja uma4 + 1, como a que vem tentando desenvolver — e também está encontrandodificuldades — com a UE.

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O (des)acordo UE-Mercosul

Desde que as negociações da ALCA entraram em compasso de espera eque os avanços da liberalização multilateral na OMC têm sido retardados, tantoa UE quanto o Mercosul parecem não ter mais motivos para se apressarem nastratativas de integração entre os dois blocos. Ante a precariedade das ofertaspostas na mesa, tornou-se mais conveniente, para ambos os lados, retomá-lasmais adiante, embora alguns segmentos do agronegócio defendessem acelebração imediata do acordo, mesmo em termos não plenamente satisfatórios.

Em dezembro de 1995, Mercosul e UE assinaram o Acordo-Quadro Inter--Regional de Cooperação, um primeiro passo rumo à integração entre os doisblocos. Mas foi somente em junho de 1999 que o processo de negociação rumoa uma zona de livre-comércio entre o Mercosul e a UE foi lançado formalmente.Desde então, as tratativas têm se concentrado principalmente nos temas agrí-colas, nas compras governamentais e nos serviços, visto serem esses ostemas mais difíceis do acordo. Enquanto a UE — à semelhança dos EUA naALCA — vem insistindo em uma abertura maior para os setores de serviços ede compras governamentais, o Mercosul tem tido como foco principal dosdebates o acesso ao mercado europeu para os bens agrícolas do blocosul-americano. A agricultura tem sido um dos grandes entraves nas duasnegociações, e as áreas sensíveis para o Brasil são praticamente as mesmas,tanto no acordo UE-Mercosul quanto na ALCA. E, com a entrada de mais 10países na UE, todos do Leste Europeu e grandes produtores agrícolas,o protecionismo europeu poderá acirrar-se ainda mais.

Embora reconhecendo, desde o começo, o valor político e não exclusiva-mente comercial dessa integração, as negociações não chegaram a um bomtermo no prazo estabelecido (outubro de 2004). Afinal, seria um acordo queenvolveria dois blocos econômicos formalmente constituídos e que poderia darmais força ao Mercosul nas negociações da ALCA, o que seria conveniente nãoapenas ao Mercosul, mas também à própria UE, interessada em equilibrar ospoderes político e comercial de Washington. Um acordo com a UE mostraria queo Brasil e o Mercosul são capazes de negociar e de fechar acordos comerciaise não somente de dizer não às propostas dos parceiros.

No caso do Mercosul, o acordo também poderia até servir de válvula deescape para as disputas comerciais intrabloco, já que Brasil e Argentina sairiamunidos na conquista de um terceiro mercado, com possibilidade de aumentaremas exportações da região e com a obrigação de abrirem seus mercados paraprodutos europeus; seria também bastante conveniente para alimentar o pro-cesso de integração do Mercosul, que hoje atravessa um dos seus momentos

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mais difíceis. Mas, assim como a ALCA, o acordo UE-Mercosul foi postergado,embora em um estágio mais avançado das tratativas, visto que, neste caso, jáhaviam sido trocadas ofertas entre os participantes. Já na ALCA, quando asnegociações foram interrompidas, ainda estavam sendo definidas as modalida-des de negociação que, posteriormente, deveriam orientar a troca de ofertas.

Na visão de Félix Peña, além das divergências com relação ao comércioagrícola — que, na sua opinião, deveriam, em boa parte, ser resolvidas noâmbito da OMC —, três causas substantivas e três metodológicas explicariamo fracasso da negociação UE-Mercosul. As causas substantivas seriam, emprimeiro lugar, a baixa importância relativa do Mercosul para a União Européia,sendo que a paralisação das negociações da ALCA poderia ter diminuído aindamais os incentivos para a UE negociar; em segundo lugar, estariam as assimetriasde ordem econômica e de grau de desenvolvimento entre os blocos; e, emterceiro lugar, a pouca credibilidade do Mercosul, já que, muitas vezes, o bloconão conseguia se articular internamente para negociar. Já as causasmetodológicas seriam, em primeiro lugar, os assincronismos nos avanços deduas importantes frentes de negociação do Mercosul para a UE, quais sejam, aALCA e a OMC, pois, para ambas, os prazos expiravam em 2004 e não foramcumpridos; em segundo lugar, estariam as interrupções e as fragmentações nacondução das negociações, em conseqüência do perfil institucional do Mercosul;e, em terceiro lugar, a desconexão operacional entre a visão política e estratégi-ca de alto nível e o que efetivamente ocorria nas negociações (Peña, 2004).

A ameaça de uma enorme área de livre-comércio com a derrubada debarreiras do Mercosul a produtos norte-americanos sempre serviu de incentivoà generosidade dos europeus nas suas próprias negociações com o blocosul-americano. A UE deu mais importância ao acordo com o Mercosul quandoainda avançavam as negociações da ALCA, hoje paralisadas. Agora, não existepressão externa para a UE fechar o acordo com o Mercosul.

Diferentemente do caso da ALCA, onde uma parcela da sociedade brasilei-ra atribui o fracasso das negociações a questões ideológicas por parte doGoverno brasileiro, no caso da UE, a responsabilidade tem sido atribuída, emespecial, à falta de prioridade política tanto por parte da UE quanto do Mercosul.Ou seja, ambos são considerados “culpados” pelo fracasso. Mesmo assim,os avanços na proposta do Mercosul foram significativos, já que o bloco concor-dou com aberturas inéditas em compras governamentais e serviços financei-ros, apesar de estes serem pontos-chave para os seus membros, especialmen-te o Brasil.

De um modo geral, o que o Mercosul tinha como prioridade no acordo coma UE era, em primeiro lugar, maior acesso ao mercado europeu, principalmente

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para os produtos agrícolas, e, em segundo lugar, a não-aceitação de imposi-ções que pudessem limitar as compras governamentais como instrumento depolítica industrial. Já para a UE, os temas prioritários do acordo seriam umaoferta de liberalização mais ampla e precisa sobre o comércio entre os doisblocos; maior garantia de participação no processo de compras governamen-tais; e acesso ao mercado de serviços, como os de marinha mercante ebancários (O que..., 2004).

Embora o Mercosul tivesse feito uma oferta de liberalização que cobriaquase 90% dos produtos e das concessões sem comparação com outras feitasem negociações externas ao bloco, a proposta da UE, ao contrário, ao invés deabrir mercado, representava uma limitação ao comércio agrícola do Mercosulcom a Europa:

“Destaca-se, da parte da UE, que na principal área de interesse dospaíses do Mercosul — o acesso ao mercado agrícola — a propostachegava a retroceder em relação ao nível atual de exportações paraaquele mercado, enquanto em outras áreas, nas quais é competitiva,como serviços, investimentos e compras governamentais, a UE abririaseu mercado somente para áreas de menor interesse por partedo Mercosul” (O Mercosul..., 2004 p. A-3).

As incertezas sobre ganhos, o fosso existente entre as propostas de cadaum dos blocos e a incapacidade de chegarem a um consenso levaram à sus-pensão das negociações em outubro de 2004, ficando estabelecido que as mes-mas seriam retomadas em 2005, agora sem prazo para conclusão, diferente-mente da OMC, onde a finalização da Rodada de Doha está prevista para 2006,com uma reunião intermediária em dezembro de 2005, em Hong Kong.

A lenta negociação na OMC

O ano de 2004 foi, inicialmente, previsto para a conclusão da chamadaRodada Doha de Desenvolvimento — ou simplesmente Rodada de Doha —,lançada em novembro de 2001, na capital do Qatar, e considerada o maisabrangente e ambicioso acordo de liberalização levado a termo na OMC. Entre-tanto, assim como a ALCA e o acordo UE-Mercosul, também previstos paraentrarem em funcionamento a partir de 2005, a Rodada de Doha ainda não foiconcluída. Considerada a base para acordos sobre temas polêmicos (comérciode bens agrícolas por exemplo), tem condicionado muitas das negociações noacordo da ALCA e no da União Européia com o Mercosul. E as concessõesdiscutidas nos dois acordos regionais, em muitos casos, remetem o debate

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para a Rodada de Doha. Especialmente nas discussões com a UE, tem havidogrande concentração dos negociadores nas questões da Rodada de Doha, vistoque o protecionismo agrícola da Europa é tema-chave no acordo UE-Mercosul,e a OMC é foro privilegiado para a negociação de regras e disciplinas do comér-cio internacional. Em todas as esferas de negociação — multilateral, regional,bilateral —, a agricultura sempre se destacou como um dos temas mais com-plexos e controversos, contribuindo, sobremaneira, para o entrave das negocia-ções. Assim, as tratativas na OMC têm avançado lentamente, dada a enormecomplexidade de negociar dezenas de temas entre os 148 países-membroscom interesses fortemente distintos e, muitas vezes, antagônicos.

Para o Brasil, o ponto mais sensível — sem tirar a importância de outrostambém relevantes — é conseguir inscrever o comércio de produtos agrícolasnas regras internacionais de liberalização, eliminando as barreiras tarifárias e asnão tarifárias até aqui impostas pelas economias mais avançadas. A partir dacriação do G-20, o grupo de nações em desenvolvimento tem levantado obstá-culos na OMC às pretensões dos países mais ricos de ampliar a liberalizaçãode manufaturados, investimentos e serviços, temas de maior interesse paraestes últimos. Os principais temas que vêm sendo debatidos na Rodada deDoha têm sido a questão dos subsídios agrícolas e a da abertura dos serviçose do comércio de bens. Com o G-20, o foco de discussões na OMC tem sido aagricultura, embora as outras áreas, por interessarem mais aos países ricos,possam voltar a receber tratamento privilegiado.4 A exigência de que paísescomo o Brasil abram mais seus mercados industrial e de serviços tem sidorejeitada pelo País, já que, nesses 10 anos de sua existência, a OMC, de modogeral — assim como o GATT, em toda a sua existência pré OMC —, pôs de ladoa questão agrícola, e só agora esse tema vem merecendo maior atenção. E umdos responsáveis por esse enfoque na agricultura foi o Brasil, que atraiu o focodas atenções ao organizar o G-20 em 2003. Paralelamente, o Governo brasileiro

4 “Os EUA tentam dar um novo ritmo às negociações na Organização Mundial do Comércio(OMC) para reduzir tarifas de importação de produtos industriais e de consumo, temaespecialmente sensível para o Brasil. Além de uma fórmula ambiciosa de cortes tarifários,Washington quer dar um passo além, insistindo numa conversa para eliminar mais rapida-mente as alíquotas em determinados setores industriais. Para driblar a oposição de paísescomo o Brasil, que recusam que essa negociação setorial seja ‘obrigatória’, os EUA acenamagora com o conceito de ‘massa crítica’. Os países que representam um determinadopercentual do comércio mundial — ainda não definido — de um produto, como exportador ouimportador, aceitariam negociar a eliminação da tarifa para esse setor. A idéia americana, naprática, incentiva o setor privado a dar o impulso sobre quais áreas poderiam ter suas tarifasabolidas mais rapidamente. Como o Brasil só tem 1% do comércio mundial, a rigor não seriaafetado pelo critério de ‘massa crítica’ na área industrial, segundo avaliações preliminares.”(EUA..., 2004, p. A-3).

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pretende associar a maior abertura para produtos industriais a outros temas naOMC, como as medidas “antidumping”, até agora frouxamente disciplinadasna OMC (Leo, 2005a).

Após os resultados frustrantes das negociações da ALCA e com a UE,o Brasil vem depositando suas esperanças em um melhor resultado na Rodadade Doha, no que se refere ao seu acesso a mercados. Para o País, já está claroque algum resultado positivo sobre subsídios agrícolas só poderá ser alcançadonas negociações da OMC. Mas, até agora, o que foi assinado não passa de umcompromisso genérico de redução de subsídios agrícolas e de extinção desubsídios à exportação, sem determinação de percentuais e datas.5 Comodecorrência, um dos maiores riscos à eficácia da Rodada é o uso abusivo, pelospaíses desenvolvidos, de cláusulas de salvaguardas para produtos considera-dos sensíveis, o que resultaria numa redução modesta do protecionismo ou,quem sabe, até na eliminação de ganhos da negociação para determinadosprodutos. Para que tal não ocorra, é importante que o G-20 continue articulado einfluente, já que, para o Brasil, as negociações multilaterais são as maisadequadas, e o Governo brasileiro — assim como vários experts na área —está convicto de que a OMC é o caminho mais adequado para melhorar a inser-ção internacional do País.

“O Brasil, com indústria e serviços diversificados (e vulneráveis àcompetição externa), compradores importantes em todos oscontinentes e uma pauta de exportações equilibrada de produtosbásicos, como soja, semimanufaturados, como celulose, emanufaturados, como aviões, tem interesses que só podemser defendidos adequadamente em um foro amplo como aOMC, concordam especialistas como Rios, Jank e Lampreia.”(Leo, 2005b, p. 14).

Entretanto a proliferação de acordos preferenciais de comércio — regio-nais e bilaterais — pode vir a deturpar e até mesmo esvaziar as negociações na

5 Um estudo do Banco Mundial (BIRD), publicado em janeiro de 2005, mostra que caiu aparticipação dos países emergentes no comércio agrícola, nos últimos 20 anos . E, ainda deacordo com o estudo, aqueles que conseguiram elevar expressivamente suas exportaçõesagrícolas o fizeram para outros mercados emergentes e não para os países ricos.O trabalho desenvolvido pelo BIRD também revela que o protecionismo aumenta nos produ-tos mais elaborados — o que desestimula o desenvolvimento de produtos com maior valoragregado nos países exportadores — e que as tarifas que incidem sobre produtos agrícolasnos países industrializados, quando medidas, são cerca de duas a quatro vezes mais altasdo que as tarifas dos produtos manufaturados nos países desenvolvidos(Aksoy;Beghin, 2005).

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OMC, caso a negociação demore a ser concluída.6 Esse emaranhado de acor-dos comerciais bilaterais e regionais está enfraquecendo a organização quedeveria — pelo menos em tese — assegurar um tratamento equânime a todosos parceiros de comércio. Isto porque, ao promoverem acordos regionais oubilaterais, os países desenvolvidos têm mantido os fundamentos do seuprotecionismo — principalmente no que se refere à produção agrícola —, ao mesmotempo em que vêm exigindo de seus parceiros (especialmente dos países emdesenvolvimento) cada vez mais concessões em direitos de propriedade intelectuale na abertura de serviços. Muitas vezes, até demandam concessões maisabrangentes do que as já estabelecidas na OMC, conforme exposto abaixo:

“Com base em todos os acordos já feitos, o Banco Mundial estimouseus efeitos em vários cenários e apontou que os países emdesenvolvimento tendem a perder, caso todos assinem acordosisolada ou regionalmente com Japão, UE, Canadá, Austrália e NovaZelândia — em relação ao que poderiam obter se uma rodada naOMC reduzisse substancialmente o pesado esquema de subsídios eproteção dos países ricos” (Brasil..., 2004, p. A-10).

Mesmo assim, os países em desenvolvimento vêm ampliando o númerode acordos feitos não só para obterem maior acesso aos mercados mais ricos,mas também para se resguardarem de medidas protecionistas no futuro e paraobterem vantagens adicionais sobre países concorrentes que ainda não tenhamobtido tratamento preferencial.

Para o Brasil, essa realidade tem criado um dilema: pode perder mercadosse não buscar esses acordos enquanto seus concorrentes o fazem, emboraconsciente de que batalhar por uma solução multilateral, via OMC, parece ser omais conveniente para seus interesses, especialmente em relação aos merca-dos mais ricos.

“Se o empenho para o fortalecimento da OMC como foro denegociações é benéfico para o Brasil, dados os nossos evidentesinteresses multilaterais, as novas prioridades em termos de políticacomercial norte-americana nos prejudicam. Na medida que mais paísesem desenvolvimento ganham acesso preferencial ao mercadonorte-americano, torna-se mais difícil para os produtores brasileiros acompetição naquele mercado.” (Rios, 2001, p. 10).

6 “Um dos principais fenômenos em matéria de comércio internacional na atualidade é aproliferação de acordos preferenciais de comércio, que, segundo levantamento feito peloICONE, já somam cerca de 300, dos quais 214 intra-regionais (82 na Europa, 59 nasAméricas, 51 na região Ásia-Pacífico e 22 na África), 61 recíprocos inter-regionais e 23 nãorecíprocos.” (Tachinardi, 2004b).

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Estrategicamente, o País tem se voltado para a América do Sul, não sótendo em vista acordos comerciais, mas, principalmente, para consolidar suaposição de liderança na geopolítica da América Latina, visando, inclusive,ganhar poder de barganha nas negociações internacionais futuras, via atuaçãoem bloco.

O lançamento da ComunidadeSul-Americana de Nações (CSN)

A criação de uma zona de livre-comércio na América do Sul já vinha sendodiscutida há mais de 10 anos, e agora, praticamente impulsionada pelo Brasil,foi oficializada, em dezembro de 2004, a CSN, composta por todos os paísessul-americanos, exceto a Guiana Francesa, que é território francês, tendo emvista não apenas os aspectos comerciais, conforme exposto pelo ChancelerAmorim:

“O aprofundamento dos laços entre nossas economias, a convergênciapolítica e o aumento do contato entre as sociedades e os cidadãosda América do Sul passam por acordos comerciais como os quefirmamos entre o Mercosul e os países da Comunidade Andina. Exigematenção especial para questões de infra-estrutura, como transportes,comunicações, energia. Mas requerem, também, uma aproximaçãoentre os povos e sociedade por meio da arte, da cultura, damultiplicação de oportunidades de contato. Aspiramos a conformaruma Comunidade Sul-Americana de Nações. Esse projeto deintegração deve ser visto, também, como uma mobilização capaz depotencializar nossas relações com outras nações e grupos de nações”(Amorim, 2004a, p. 42).

O lançamento da CSN teve como base o acordo de associação entre oMercosul e a Can, assinado no âmbito da Associação Latino-Americana deIntegração (Aladi), em outubro de 2004. Os países andinos que ainda nãohaviam se associado ao bloco do Mercosul eram Venezuela, Colômbia e Equa-dor. Já eram membros associados ao Mercosul há mais tempo a Bolívia e oChile e, mais recentemente, o Peru. Na criação da CSN, apenas foram incluídosa Guiana e o Suriname, os quais ainda não são associados ao Mercosul, comoo são os demais países da América do Sul.

Para o Brasil, os interesses no acordo com a Comunidade Andina forammais geopolíticos do que mercantis, já que os resultados comerciais, para o

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País, deverão ser modestos. O Brasil, inclusive, aceitou termos que vem repudi-ando em suas negociações com a UE e com os EUA, como é o caso dosprazos para os desgravamentos tarifários.

“A abertura do mercado brasileiro para a Comunidade Andina se dará,na maioria dos produtos, de 2 a 5 anos após o início do acordo. Parao Brasil, o rebaixamento tarifário será feito em sua maior parte entreo sexto e o décimo quinto ano, e uma parcela relevante que chega a42% no caso do Equador e 35,3% no caso da Venezuela, após 15anos. Na soma final, o acordo de livre-comércio não passaria no testeda Organização Mundial do Comércio, em que a abrangência informalalcança cerca de 80% das mercadorias e bens transacionados entreos países envolvidos.

“Os produtos que mais interessam ao Brasil, como soja, só começarãoa ser desgravados após uma década, no melhor dos casos. No casoda carne de frango e do açúcar, as tarifas só serão eliminadas após15 anos.” (Política..., 2004, p. A-10).

O anúncio da CSN aconteceu num momento em que as negociações daALCA e UE-Mercosul chegaram a impasses difíceis de serem superados nocurto prazo. Para o Brasil, o objetivo maior do projeto é ganhar força política nocenário internacional a partir de uma coesão dos países da região. Ou seja, oprojeto da CSN deve ser visto, primordialmente, como uma mobilização capazde potencializar as relações do Brasil com outras nações e grupos de nações.

Mais do que o comércio, no curto prazo, a CSN tem por objetivo a integraçãofísica da região. Dentro dessa idéia, está prevista a construção de uma estradaligando o Acre a dois portos peruanos no Pacífico. Orçada em US$ 700 milhões,apesar das restrições orçamentárias, a idéia é que a estrada deverá estarconcluída em dois anos. Para o atual Governo brasileiro, a integração geográficado continente é fundamental para que a região ganhe competitividade tanto nocomércio externo quanto na atração de IDE, pela ampliação de mercado quepode representar. Como alguns países da Comunidade têm saída para o Pacífi-co, o acordo também pode facilitar o acesso do Brasil àquele oceano e aospaíses asiáticos à sua borda.

Em maio de 2005, deverá ser realizada nova reunião de cúpula, quando aintegração regional será analisada com maior profundidade. Mas nem todos osinteresses estratégicos do Brasil e dos países sul-americanos convergem. Mui-tos deles, inclusive, andam em direções opostas. O Chile, por exemplo, já assi-nou um acordo de livre-comércio com os EUA, em paralelo à ALCA. E Equador,Colômbia e Peru estão tentando a mesma coisa. Com uma pauta de exportação

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pouco diversificada e concentrada nos EUA7, um grau de industrializaçãopequeno, quando comparado com o do Brasil, e, dependentes das verbas deWashington, esses países vêem nos EUA um parceiro mais conveniente do queo Brasil. Assim, a importância geopolítica, para este último, de uma América doSul mais integrada não é compartilhada pelos demais da região. Desse modo,se quiser consolidar sua liderança no espaço sul-americano, o Brasil terá de,concretamente, mostrar-se capaz de atrair seus parceiros para que estesfortaleçam os laços comerciais e políticos regionais.

Considerações finais

Atualmente, o Brasil desempenha um papel mundial mais significativo doque há 10 anos atrás, com o País envolvendo-se mais e participando ativamentedas questões internacionais, buscando ocupar um espaço compatível com seuimenso território, seu grande mercado e com o tamanho de sua economia. Talafirmação no cenário mundial perpassa as questões ligadas à economia, com oBrasil aspirando participar de decisões relativas à cooperação e à segurançainternacionais. Não só tem participado ativamente na Missão da ONU no Haiti,atuando no comando da operação, como atuou na ajuda na área de energia emCuba e no auxílio a países de Língua Portuguesa na África, como Moçambique,Angola e Guiné Bissau. Na América do Sul, não só se envolveu mediando acrise política na Venezuela, no início do Governo Chavez, como tem se ofereci-do na mediação de outros conflitos, como o recente desacordo entre Venezuelae Colômbia; sem falar no apoio dado aos argentinos na tentativa de superaremsua crise econômica. É o que vem sendo chamado pelo chanceler brasileiro de“solidariedade ativa”. Também vem buscando aliados que possam lhe garantirum assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, jáque tal posição, se alcançada, certamente lhe dará mais peso no cenáriointernacional.

O País vive um bom momento nas relações internacionais, especialmenteno aspecto político, o que pode ser avaliado pelos resultados dos contatos comos governos de países emergentes. Alianças com parceiros parecidos na Amé-rica do Sul, na África e no Oriente Médio talvez possam até não resultar emgrandes aumentos nas correntes de comércio, mas podem contribuir para ofortalecimento das relações Sul-Sul, colaborando para reduzir a supremacia de

7 “Os países andinos só exportam 2,5% para o mercado brasileiro, enquanto enviam algo emtorno de 40% para os Estados Unidos.” (Política..., 2004, p. A-10).

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alguns pólos do Hemisfério Norte, especialmente nas negociações multilateraisrelativas à abertura comercial e ao acesso a mercados. A longo prazo, essaestratégia talvez seja mais efetiva do que buscar acordos comerciais apressa-dos, já que pode propiciar resultados mais favoráveis e menos subordinados.

As três grandes negociações de comércio nas quais o Brasil está envolvi-do (OMC, ALCA e UE-Mercosul) se interligam, e os avanços nas negociaçõesmultilaterais abrem caminho para as negociações hemisférica e bi-regional. Istoporque tem sido difícil, nas tratativas de integração, convencer os EUA e a UEa concederem maior acesso a seus mercados sem que outros países concor-dem em avançar na redução de subsídios domésticos e na eliminação desubsídios à exportação no âmbito da OMC.

Assim, o cerne da agenda internacional do Brasil está centrado nas nego-ciações multilaterais de comércio e na consolidação de um espaço econômicoe político de liderança na América do Sul, aí incluída a consolidação do Mercosul.E, tanto em relação à ALCA quanto à UE, os atrasos não podem ser vistoscomo uma perda de oportunidade, já que um fechamento apressado dessesacordos poderia comprometer o desenvolvimento em bases autônomas, espe-cialmente nas questões de serviços e investimentos, dadas as restrições paraesses itens propostas pelos países desenvolvidos nas tratativas de integraçãoda ALCA e com a UE. Além das eventuais restrições à capacidade do País dedefinir políticas próprias para serviços e investimentos, aceitação tácita decompromissos paralelos, em termos de disciplina macroeconômica edesregulamentação interna, levaria a um enfraquecimento do papel do Governocomo gestor da política econômica e da sua capacidade de intervirna economia, impedindo-o de aplicar, quando necessárias, medidasdesenvolvimentistas em seu território. Daí o risco de se colocar a políticacomercial no centro das conquistas, olhando apenas pelo ângulo do ganhoimediato, sem maiores reflexões sobre o que está sendo negociado.

Para o Brasil, tradicional global trader no comércio internacional, os acor-dos da ALCA e UE-Mercosul não seriam prioridades de integração regional an-tes do término das negociações na OMC, da consolidação do Mercosul e daconformação de uma área de livre-comércio na América do Sul. Mas as motiva-ções dos demais países sul-americanos — incluindo-se os principais parceirosdo Mercosul — não são convergentes com esse esquema, o que tem levado asnegociações a prosseguirem simultaneamente. Mas os acordos da ALCA e coma UE dificilmente serão fechados com a anuência brasileira sem umaprévia eliminação de barreiras tarifárias e não tarifárias e dos subsídios queimpedem o acesso de produtos do Brasil aos EUA e à Europa.

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O fracasso dos entendimentos da ALCA e com a Europa pode ofere-cer uma trégua para que o Brasil apare arestas — principalmente com a Argen-tina — e busque maior coordenação dentro do Mercosul, conciliando as propos-tas com os interesses dos outros três parceiros para a retomada das negocia-ções comerciais do País. Como as negociações são um jogo que depende dashabilidades dos participantes, as chances maiores de ganho estarão com aque-les melhor preparados, não apenas quanto à sua qualificação, senão tambémcom clareza de objetivos, da estratégia a ser seguida e da capacidade de searticular com seus pares.

Referências

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Teresinha da Silva Bello

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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser

CONSELHO DE PLANEJAMENTO: Aod Cunha de Moraes Junior (Presidente),

André Meyer da Silva, Ernesto Dornelles Saraiva, Ery Bernardes, Eudes Antidis

Missio, Nelson Machado Fagundes e Ricardo Dathein.

CONSELHO CURADOR: Fernando Luiz M. dos Santos, Maria Lúcia Leitão de

Carvalho e Suzana de Medeiros Albano.

DIRETORIA

PRESIDENTE: AOD CUNHA DE MORAES JUNIOR

DIRETOR TÉCNICO: ÁLVARO ANTÔNIO LOUZADA GARCIA

DIRETOR ADMINISTRATIVO: ANTONIO CESAR GARGIONI NERY

CENTROS

ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS: Marinês Zandavali Grando

PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: Roberto da Silva Wiltgen

INFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS: Adalberto Alves Maia Neto

INFORMÁTICA: Antônio Ricardo Belo

EDITORAÇÃO: Valesca Casa Nova Nonnig

RECURSOS: Alfredo Crestani

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ORIENTAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS

1 - A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Funda-ção de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser e tem por objetivo adivulgação de artigos de caráter conjuntural no âmbito das economias gaúcha,nacional e internacional.

2 - Os artigos remetidos à revista Indicadores Econômicos FEE para publicaçãodevem ser inéditos, em língua portuguesa (Brasil), apresentados na sua versãodefinitiva e acompanhados de um abstract em inglês e de um resumo emportuguês, com 10 linhas no máximo.

3 - Devem ser apresentadas as palavras-chave do texto, no número máximo de três.

4 - Os artigos devem vir acompanhados do nome completo do autor, de sua titulaçãoacadêmica e do nome das instituições a que está vinculado, além do endereçopara contato, e-mail, telefone ou fax.

5 - Devem ser encaminhadas três cópias impressas dos artigos, com as páginasnumeradas na margem superior direita e não excedendo 25 laudas de 24 linhas,em espaço duplo, fonte Times New Roman, tamanho 12, incluindo notas,bibliografia e outras referências. As cópias impressas devem vir acompanhadasdo arquivo correspondente em MS-Word.

6 - As notas de rodapé devem conter apenas informações explicativas ou complementares e apresentadas em ordem seqüencial.

7 - As citações devem ser feitas no próprio texto, com a respectiva fonte: sobrenomedo autor, ano da publicação e número da página entre parênteses (Vanin, 1980,p. 8). As citações em língua estrangeira devem vir traduzidas, ficando a critério doautor a publicação do original em nota de rodapé.

8 - As referências bibliográficas devem conter o nome completo do autor, o título daobra, o local e a data de publicação, o nome do editor e o número de páginas,enquadrando-se em uma das situações a seguir referidas:

a) livros - POCHMANN, Márcio (2001). O emprego na globalização. A nova in-ternacionalização do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu.São Paulo: Boitempo Editorial, 151p.CASTRO, Antônio B. de, SOUZA, Francisco E. P. de (1985). A econo-mia brasileira em marcha forçada, 2. ed. São Paulo: Paz e Terra,217p.

b) capítulo ou artigo de livro - MIRANDA, José Carlos da Rocha (1997). Dinâ- ca financeira e política macroeconômica. In: TA-VARES, M. C.; FIORI, J. L., orgs. Poder e dinhei-ro: uma economia política da globalização. Pe-trópolis: Vozes, p. 243-275.

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 32, n. 4, p. 297-304, mar. 2005

d) artigos de periódicos - BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello (1997). O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados "glo-

balizados”. Economia e Sociedade, Campinas: UNI-CAMP/IE, n. 4, p. 11-20.PARTICIPAÇÃO do Brasil nos investimentos diretosmundiais (1997). Carta da SOBEET. São Paulo, v. 1,

n. 4, set./out.

http://bndes.gov.br/sinopse/poleco.htm ponível em:

Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel HeuserRevista Indicadores Econômicos FEERua Duque de Caxias, 1691CEP 90010-283 — Porto Alegre — RSE-mail: [email protected]: (0XX51) 3216-9050Fax: (0XX51) 3225-0006

c) periódicos - CONJUNTURA ECONÔMICA (2000). Rio de Janeiro: FGV, n. 12, dez.

e) artigos de jornais - SALGUEIRO, Sônia (2000). Autopeças brasileiras con- quistam mercado externo. Gazeta Mercantil, São Paulo, p. A-4, 6-8 mar.

PARTICIPAÇÃO de salários no PIB cai para 38% (1997). Folha de São Paulo, São Paulo, 12 dez., p. 2-5.

f) informação ou texto obtidos pela internet - BNDES (2000). O IED no Brasil e no mundo: principais tendên- cias. Sinopse Econômica. Dis-

Acesso em 21 mar.

9 - As tabelas e os gráficos apresentados no artigo devem ser numerados e apresentartítulo e fonte completos. Os gráficos devem ser gerados no MS-Excel, comformatação em preto e branco. O arquivo do MS-Excel deve ser encaminhado àrevista Indicadores Econômicos FEE contendo as tabelas dos dados vinculadasaos gráficos gerados.

10 - Os artigos encaminhados à revista Indicadores Econômicos FEE serão subme- tidos à apreciação do Conselho de Redação, sendo os autores informados da aceitação ou da recusa de seus trabalhos.

11- Em se tratando de artigos aprovados, o Conselho de Redação reserva-se o direito de introduzir as modificações editoriais que julgar convenientes.

12 - O envio espontâneo de qualquer colaboração implica, automaticamente, a ces- são integral dos direitos autorais à FEE.

13 - Toda correspondência deverá ser enviada à:

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Supervisão: Valesca Casa Nova Nonnig.RevisãoCoordenação: Roselane Vial.Revisores: Breno Camargo Serafini, Rosa Maria Gomes da Fonseca, Sidonia Therezinha HahnCalvete e Susana Kerschner.EditoriaCoordenação: Ezequiel Dias de Oliveira.Composição, diagramação e arte final: Cirei Pereira da Silveira, Denize Maria Maciel, Ieda KochLeal e Rejane Maria Lopes dos Santos.Conferência: Elisabeth Alende Lopes e Rejane Schimitt Hübner.Impressão: Cassiano Osvaldo Machado Vargas e Luiz Carlos da Silva.

EDITORAÇÃO

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