FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE … · RODRIGO GARCIA BARRETO MARÇO DE 2011....
Transcript of FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE … · RODRIGO GARCIA BARRETO MARÇO DE 2011....
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMP RESAS
“OPERAÇÕES DE HEDGE CAMBIAL EM EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS: UM ESTUDO DE CASO
DAS EMPRESAS ARACRUZ CELULOSE E SADIA”
RODRIGO GARCIA BARRETO
MARÇO DE 2011.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMP RESAS
Operações de Hedge Cambial em Empresas Não Financei ras: Um Estudo de Caso das Empresas Aracruz Celulose e Sadia
Dissertação apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre
ALUNO: RODRIGO GARCIA BARRETO
ORIENTADOR: ROGÉRIO SOBREIRA BEZERRA
Rio de Janeiro, 2011.
FOLHA DE APROVAÇÃO
RODRIGO GARCIA BARRETO
“OPERAÇÕES DE HEDGE CAMBIAL EM EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS: UM ESTUDO DE CASO
DAS EMPRESAS ARACRUZ CELULOSE E SADIA”
Dissertação apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre
Avaliação: BANCA EXAMINADORA: _________________________________________________ Professor Orientador Rogério Sobreira Bezerra _________________________________________________ Professora Deborah Moraes Zouain _________________________________________________ Professor Luiz Fernando Rodrigues de Paula Rio de Janeiro, Março de 2011.
Resumo Com o aprofundamento da crise financeira internacional e a conseqüente valorização do dólar no segundo semestre de 2008, diversas empresas não financeiras registraram enormes perdas financeiras com operações de derivativos cambiais. Este fato aponta para uma dinâmica de financeirização de empresas produtivas, que tentam aumentar seus ganhos especulando no mercado futuro. Serão analisados os problemas relacionados a derivativos cambiais enfrentados pelas empresas Aracruz Celulose e Sadia no segundo semestre de 2008, e apresentar um histórico das operações de hedge realizadas por essas empresas entre os anos de 1999 e 2008, a fim de esclarecer se houve uma mudança na política de gerenciamento de risco cambial dessas empresas. Identificamos que houve uma drástica ruptura na política histórica de hedge dessas empresas no ano de 2008 e o uso do derivativo Target Forward foi o principal agente causador desta ruptura. Palavras-chave : Exposição cambial, operações de hedge cambial, derivativos e target forward.
Abstract
With the deepening international financial crisis and the consequent appreciation of the dollar in the second half of 2008, several non-financial companies reported huge financial losses from hedging exchange rate. This fact points to a dynamic financialization productive enterprises, which try to increase your earnings speculating in the futures market. We will analyze the problems faced by the foreign exchange derivatives business Sadia and Aracruz Celulose in the second half of 2008, and have a history of hedging activities undertaken by these companies between the years 1999 and 2008 in order to clarify if there was a change in policy of foreign exchange risk management of these companies. We found that there was a drastic break in the historical policy of hedging these companies in 2008 and the use of derivative Target Forward was the main causative agent of this disruption. Keywords : currency exposure, hedging foreign exchange, derivatives and target forward
Sumário
1. Introdução ..........................................................................................................5
2. Hedge .................................................................................................................8
2.1. Fatores determinantes de uma estratégia de hedge................................10
2.1.1. Motivos baseados nos parâmetros de avaliação.............................11
2.1.2. Motivos baseados em conflitos de interesse....................................13
2.2. Hedge: Proteção ou especulação............................................................13
3. A Crise ..............................................................................................................17
3.1. O caso Sadia............................................................................................17
3.2. O caso Aracruz Celulose..........................................................................19
4. A exposição cambial e os contratos de derivativo s....................................22
4.1. Posição de hedge real.............................................................................22
4.1.1. Dívida em dólar...............................................................................23
4.1.2. Ativo em dólar..................................................................................24
4.1.3. Derivativos.......................................................................................26
5. Target Forward ...............................................................................................29
6. Resultados ......................................................................................................31
7. Considerações Finais .....................................................................................35
8. Referências ......................................................................................................37
5
1. Introdução
A crise financeira internacional se iniciou em meados de 2007 em decorrência da
excessiva assunção de riscos no mercado americano de hipotecas, mas agravou-se
no segundo semestre de 2008 com a quebra do Banco Lehman Brothers. A partir
disso, várias instituições financeiras internacionais ficaram à beira da falência e a
crise financeira tornou-se global, produzindo um violento aperto de crédito no
mercado interbancário de todos os países economicamente importantes.
Um reflexo visível e imediato da crise foi a forte queda observada no mercado
acionário. Em função da perspectiva de piora da crise, os investidores resgataram
suas posições na bolsa de valores, consideradas naquele momento investimento de
risco, ao mesmo tempo, os recursos tornaram-se escassos, o que fez os
investidores intensificarem os resgates na bolsa. No pior momento da crise o índice
Ibovespa chegou a cair de 73.000 pontos para 29.000.
Segundo Ricupero et al (2008), os investidores estrangeiros que aplicam em
mercados como o Brasil, tendem a repatriar o seu capital a fim de cobrir perdas nos
países de origem. Essa fuga de capitais do mercado acionário e a falta de liquidez
no mercado financeiro causaram uma súbita e expressiva alta do dólar, levando sua
cotação de 1,56 US$/R$ em 01 de agosto de 2008 para 2,34 US$/R$ em 30 de
dezembro de 2008. Até meados do ano o dólar vinha mantendo uma desvalorização
diante do real. Com isso, algumas empresas exportadoras, apostando na
manutenção desse cenário, buscaram obter lucros com operações de derivativos
com vistas a compensar perdas financeiras com a valorização do real. A partir de
agosto, com o agravamento da crise financeira internacional, o cenário se modificou
completamente e o dólar tomou um caminho de forte valorização frente ao real,
levando, em outubro de 2008, as empresas brasileiras Aracruz e Sadia a divulgarem
perdas bilionárias após suas tesourarias terem especulado com a taxa de câmbio,
utilizando, principalmente, um derivativo chamado Target Forward.
Essa notícia levantou a discussão sobre o caráter “financeirizado” das operações
realizadas por empresas marcadamente produtivas, que se valem de instrumentos
6
extremamente complexos na busca de ganhos suplementares advindos da
alavancagem financeira.
Notadamente, empresas exportadoras e importadoras utilizam derivativos para
reduzir suas exposições à variação cambial, e a utilização do hedge como um
instrumento financeiro capaz de conseguir essa proteção é um prática corriqueira
por parte dessas companhias expostas a variações do câmbio. Assumir posições em
derivativos é uma forma eficiente da empresa de se defender, no futuro, quando do
pagamento de contratos indexados em dólar, de oscilações cambiais bruscas que
podem vir a comprometer a sua liquidez e fluxo de caixa. O fato é que, via de regra,
a assunção dessas posições deve estar em consonância com a real necessidade de
proteção e limitação de risco da companhia. Ou seja, resultados positivos ou
negativos oriundos dessas operações devem ser compensados por variações de
receita, investimentos, custo ou de dívidas em dólares, assumidos pela empresa em
posições financeiras na direção oposta.
No caso dessas empresas brasileiras, ao invés de tentarem proteger seus fluxos de
caixa de possíveis oscilações do câmbio, elas adotaram uma posição financeira
especuladora, e extremamente alavancada em derivativos, ignorando o risco a que
estavam expostas ao realizarem, principalmente, operações de contratos do tipo
Target Forward, contratos que limitavam os ganhos das empresas em caso de
valorização do real, mas praticamente não limitavam as perdas em caso de
valorização do dólar, ou seja, essas empresas apostaram alto na valorização do real
e se deram muito mal.
Os prejuízos financeiros causados por operações com derivativos cambiais podem
ter afetado até 200 empresas brasileiras conforme estimativas do BNDES, mas
optamos por estudar somente essas duas empresas em virtude da maior
repercussão que seus casos tiveram na mídia, da posição de destaque que essas
empresas tinham no mercado produtivo brasileiro e, principalmente, pelo fato de
serem empresas de capital aberto, uma garantia de acesso irrestrito aos dados
financeiros das empresas estudadas.
7
Os dados secundários aqui utilizados foram extraídos das demonstrações
financeiras publicadas nos endereços eletrônicos das empresas envolvidas
conforme determinação legal. Serão analisadas todas as informações publicadas
pelas empresas, desde as demonstrações financeiras padronizadas, as informações
trimestrais, os demonstrativos de resultados, os balanços patrimoniais, as notas
explicativas e os relatórios 20F, relatórios anuais publicados em conformidade com a
legislação americana.
Este artigo está organizado como segue. Na seção 2 é feita uma breve discussão
sobre o conceito de hedge e os motivos para sua utilização. Na seção 3 é
apresentado um resumo sobre a situação das empresas Sadia e Aracruz Celulose
antes, durante e depois da crise. Na seção 4 são apresentados os dados
secundários coletados, discutindo os motivos que levaram essas empresas a
utilizarem derivativos, inicialmente como hedge e, posteriormente, como
mecanismos de especulação. Na seção 5 é apresentada uma análise sobre o modus
operandi do derivativo que levou essas empresas à bancarrota, o Target Forward.
Nas seções 6 e 7 são apresentados os resultados e as considerações finais,
respectivamente.
8
2. Hedge
Denomina-se por hedge a operação pela qual se busca a proteção contra o risco da
oscilação dos preços de um ou mais ativos. Dessa forma, a operação de hedge
promove uma espécie de seguro contra oscilações de preços que possam prejudicar
o desempenho da empresa observado em seu lucro líquido e fluxo de caixa. A
utilização do hedge como proteção cambial é prática corriqueira por parte de
companhias expostas a variações do câmbio, que em geral são importadoras ou
exportadoras.
Em um mercado perfeito, o hedge como instrumento financeiro não deveria
possibilitar ganhos às organizações e, portanto, as empresas não deveriam fazê-lo,
pois não agregariam valor por meio dessa prática. Isto se fundamenta no fato de que
em um mercado perfeito não existem desequilíbrios na formação dos preços dos
ativos ao longo do tempo, pois os agentes são eficientes e não permitiriam o
aparecimento de oportunidades de arbitragem, além do fato de que todas as
informações futuras a respeito dos ativos já estariam ajustadas aos seus valores
presentes, e, dessa forma, não se conseguiria promover ganhos de valor em se
fazer hedge.
No entanto, essa não é a realidade vivenciada nos mercados financeiros, o aumento
da interligação dos mercados em função do processo de globalização implica em
maiores probabilidades de flutuações acentuadas de variáveis de mercado,
causando desequilíbrios na formação dos preços dos ativos, como foi o exemplo da
taxa de câmbio no segundo semestre de 2008.
De acordo com Smith e Stulz (1985), uma empresa pode realizar hedge ao operar
no mercado de contratos futuros, de forwards ou de opções, e ao tomar decisões de
natureza operacional. Nesse caso, elas não realizam operações no mercado futuro,
mas sim alterações na estrutura de sua operação. Por exemplo, uma empresa
exportadora, com grande parte de sua receita vinda do exterior, pode instalar uma
fábrica no exterior, tendo assim, seus custos denominados na moeda estrangeira.
9
Com isso, se ocorrer uma variação na taxa de câmbio, tanto os custos como as
receitas irão variar na mesma direção.
Em outras palavras, podemos definir hedge como sendo um conjunto de estratégias
que visam à redução dos riscos dos agentes econômicos, e assume inúmeras
formas, podendo ser elaborado ou por meio de instrumentos financeiros, ou através
de mecanismos relacionados ao caráter operacional das firmas.
Sobre a utilização do hedge, o fato é que, via de regra, a assunção dessa posição
deve estar em consonância com a real necessidade de proteção e limitação de risco
da companhia. Ou seja, resultados positivos ou negativos oriundos dessas
operações devem ser compensados por variações de receita, investimentos, custo
ou de dívidas em dólares, assumidos pela empresa em posições financeiras na
direção oposta. No caso das empresas exportadoras brasileiras que tiveram grandes
prejuízos com operações de derivativos, o que pode ser complicado para a
administração é justificar uma posição financeira especuladora, e extremamente
alavancada em derivativos.
Hull (1996) menciona o fato de empresas do ramo de manufatura, atacado, varejo,
não terem como prever os preços das taxas de juros, taxas de câmbio e preços de
commodities, ou seja, não são especializadas no exercício desta função, fazendo-se
necessário que elaborem estratégias de hedge associadas a estas variáveis, de
modo a concentrar seus esforços na condução do próprio negócio. Por isso, os
mecanismos de redução de perdas ou de prejuízos devem ser realizados, a priori,
nas atividades que não fazem parte do core business das empresas, para que sejam
auferidos retornos acima da taxa livre de risco.
Foi exatamente o contrário disso que as empresas objeto de estudo deste trabalho
fizeram, elas extrapolaram os limites da simples prática de defesa às oscilações
cambiais, gerando críticas de analistas, com destaque para as palavras de um
analista do Citigroup sobre o caso da Sadia: “Eles são operadores de frigorífico ou
de tesouraria?”.
10
2.1. Fatores determinantes de uma estratégia de hedge
De acordo com o modelo clássico de Modigliani e Miller (1958), na ausência de
imperfeições de mercado a gestão de risco deve ser incapaz de gerar valor para as
empresas, dado que os acionistas poderiam fazê-la ao mesmo custo por si só. Mas
o que observamos na realidade é a presença de fricções e uma grande demanda
por operações destinadas a hedge das posições. Estudos realizados nesse contexto
sugerem indiretamente que o hedge possa ser uma estratégia não apenas protetora
como potencializadora do valor da firma.
Com isso, muitas teorias foram sugeridas para justificar o emprego de políticas de
hedge e de modo geral podemos agrupá-las em duas grandes correntes: uma
corrente fundamentada na maximização do valor da firma para os acionistas e uma
baseada na maximização da utilidade pessoal dos gestores.
O primeiro grupo compreende argumentos para o aumento do valor de uma
empresa a partir dos parâmetros de avaliação. O segundo grupo compreende os
motivos que indiretamente podem aumentar a utilidade de determinados
personagens da empresa, em função das potenciais relações de agência.
Assim, se o valor da empresa for representado pelo valor presente dos fluxos de
caixa projetados, atividades de gestão de riscos que afetem diretamente os fluxos de
caixa projetados ou a taxa de desconto dos fluxos de caixa podem ser classificadas
como pertencentes a este primeiro grupo de motivos para a relevância da gestão de
riscos. Por outro lado, motivos que levem a administração de exposições a
influenciar as atitudes de administradores, credores ou acionistas e,
conseqüentemente, a aumentar a utilidade de alguns indivíduos, serão classificados
no segundo grupo de argumentos a favor da relevância da gestão de riscos.
11
2.1.1. Motivos baseados nos parâmetros de avaliação
O argumento baseado na maximização do valor da firma, por sua vez, sugere que
as empresas têm incentivo em fazer uso do hedge para reduzir os diversos custos
associados à alta volatilidade dos fluxos de caixa. Conforme propõem Smith e Stulz
(1985), o hedge ao diminuir a volatilidade do fluxo de caixa da empresa, pode
diminuir a probabilidade de resultados que levariam a mesma a situações de
falência, reduzindo assim, o custo esperado de “financial distress” da firma.
Com isso, a empresa poderia se beneficiar de um custo de captação menor além de
uma maior capacidade de endividamento, conforme sugerem Stulz (1996), Ross
(1997) e Leland (1998). Sendo que o aumento da capacidade de endividamento
poderia ainda ser convertido pela empresa no aumento dos benefícios tributários,
uma vez que na maior parte dos países as despesas de juros podem ser deduzidas
da base de tributação.
Mayers e Smith (1982) e Smith e Stulz (1985) também mostram que, se a empresa
está sujeita a uma carga tributária representada por uma função convexa de seus
lucros, o gerenciamento de riscos pode diminuir o valor esperado dos impostos
pagos através da redução da volatilidade do resultado tributável. A progressividade
das alíquotas de imposto de renda corporativo é um exemplo clássico dessa
situação. Além disso, o carregamento de prejuízos tributários de um período a outro
também aumenta a convexidade da função de tributos. A teoria conduz, inclusive, a
um determinado perfil de empresas que estarão mais propensas a fazer hedge com
esses objetivos, que serão companhias que apresentem alta alavancagem, dívidas
de curto prazo, baixos índices de cobertura para pagamento de dívidas e baixa
liquidez.
Ainda segundo Mayers e Smith (1987) as empresas muito endividadas também
podem ter incentivos distorcidos no que se refere a suas políticas de investimento,
dada a prioridade dos credores para recebimento dos recursos. Os acionistas, ao
vislumbrarem que uma fração significativa da renda dos projetos de baixo risco é
destinada aos detentores de capital de terceiros podem decidir não aceitar os
12
projetos em questão, mesmo que estes apresentem VPL positivo e superior a
projetos mais arriscados.
A política de hedge, nesse caso, ao reduzir a volatilidade dos resultados da
companhia pode reduzir a probabilidade de a empresa deixar de honrar seus
compromissos, minimizando o problema de sub-investimento. Isso acontece quando,
segundo formulou Bessembinder (1991), o valor da dívida torna-se menos sensível
aos investimentos incrementais da empresa.
Froot, Schafstein e Stein (1993) mostram também que o hedge pode resultar em
ganhos na medida em que a empresa passa a poder utilizar recursos gerados
internamente para financiar os projetos sem ter de recorrer ao mercado externo, que
pode exigir um prêmio.
Certamente este tipo de estímulo é tanto maior quanto maior for a progressividade
dos impostos. No Brasil, a empresa que consegue minimizar a volatilidade de seus
lucros tributáveis pode ser beneficiada com a redução do seu nível de impostos a
pagar, pois a legislação brasileira incide imposto de renda adicional para lucros que
ultrapassem determinado valor definido. Dessa forma, as empresas podem buscar
uma alternativa para a situação de terem prejuízos acumulados e no ano em que
alcançam lucros muito altos terem que pagar alto imposto de renda. Caso tivessem
tido um lucro médio pequeno nos anos considerados poderiam ter diminuído o valor
do imposto de renda que pagariam no ano em que tiveram um lucro muito alto.
Assim, Froot et al (1993) concluíram que, assegurando fluxos de caixa em estados
da natureza ruins, a gestão de riscos pode também ajudar as empresas a evitarem
dificuldades financeiras.
Segundo De Marzo e Duffie (1995), os gestores têm uma larga vantagem
informacional sobre os investidores externos, e dessa forma, a política de hedge
pode agregar valor para a firma ao diminuir os custos de assimetria de informação.
O hedge além de gerar recursos internos para a companhia (potencialmente a
custos menores que os recursos externos) também contribui para melhoria da
qualidade das contas corporativas divulgadas, beneficiando as opções de
investimentos dos acionistas que passam a ser realizadas de forma mais eficiente.
13
2.1.2. Motivos baseados em conflitos de interesse
Uma das motivações para a gestão de riscos nas empresas envolve a existência de
relações de agência nas corporações. Para Jensen e Meckling (1976) como as
empresas são formadas por um conjunto complexo de contratos entre diferentes
tipos de participantes, conflitos de interesse podem implicar que as diversas
decisões financeiras, não somente as decisões de investimento, tenham influência
no valor da empresa.
Historicamente os primeiros trabalhos a tratar das razões para se fazer hedge nas
firmas destacavam agentes avessos ao risco que gostariam de diminuir a
variabilidade de sua renda. Nessa linha Stulz (1984), Smith e Stulz (1985) e Tufano
(1996) sugerem que os próprios gestores, e não as empresas, podem ter incentivo
em fazer hedge para maximizar seus ganhos pessoais. Isso aconteceria quando tais
gestores tivessem uma parcela significativa de suas rendas atreladas ao
desempenho da empresa (e, em função disso, ficassem expostos a um risco
idiossincrático que preferiam não ficar), e quando não fosse possível obter uma
plena diversificação através do mercado ou fosse menos custoso fazê-la através da
firma.
Adicionalmente, De Marzo e Duffie (1995) também apontam como motivação dos
gestores o efeito que uma política de hedge poderia ter ao eliminar ruídos externos
dos resultados. A diminuição da instabilidade destes poderia resultar numa
sinalização de maior habilidade da gestão, e, em função disso, promover maior
estabilidade nas suas carreiras.
2.2. Hedge : proteção ou especulação?
Com a explosão da crise financeira internacional e a consequente valorização do
dólar, algumas empresas exportadoras viram os instrumentos de derivativos que em
princípio deveriam ser utilizados para proteger seus fluxos de caixa se tornarem os
14
principais responsáveis por prejuízos financeiros irreversíveis, levando-as a uma
grande insegurança e incerteza sobre seus destinos. Como isso foi possível?
Num primeiro momento poderíamos imaginar que o hedge foi feito de maneira
equivocada não conseguindo eliminar o risco cambial ao qual as empresas estavam
expostas, mas, no caso das empresas brasileiras, essa hipótese foi prontamente
desconsiderada pelas próprias empresas que reconheceram ter utilizado derivativos
cambiais para especular e não para se proteger.
Segundo Guttman (2008), os instrumentos de derivativos “ajudam a reduzir os
diferentes tipos de risco associados às finanças, e ainda servem como excelentes
ferramentas de especulação”. Os derivativos são mecanismos de alta alavancagem
que permitem multiplicar o tamanho tanto das perdas como dos ganhos. Nos
mercados de derivativos, quantias virtuais ou pequenas margens iniciais possibilitam
operar imensas quantias. Os resultados percentuais podem ser espetaculares,
funcionando como um atrativo para os especuladores que podem ver seu
investimento inicial multiplicar-se várias vezes, o que seria praticamente impossível
se operassem nos mercados à vista ou se limitassem seus ganhos somente com o
resultado de sua atividade operacional. O reverso da medalha é que os prejuízos
potenciais podem ser teoricamente ilimitados em algumas dessas operações.
Após o anúncio dos prejuízos por parte das empresas envolvidas, o diretor
financeiro da Sadia, Adriano Ferreira, foi demitido e assumiu toda a
responsabilidade, permitindo ao mercado, em princípio, atribuir o prejuízo á uma
“incompetência administrativa”. Ao contrário do que fez o diretor financeiro da Sadia,
o diretor financeiro da Aracruz, Isac Zagury, dividiu a culpa com o conselho
administrativo e disse: “Tudo o que se passava na área financeira era informado
mensalmente ao comitê financeiro, que tinha a incumbência de manter o conselho
de administração a par”.
A resposta do mercado foi imediata e ascendeu um sinal amarelo na cabeça dos
investidores que passaram a questionar o que estava acontecendo com as
corporações brasileiras, levando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) a realizar um estudo que estimou em 200, as empresas de médio
15
e grande porte que estariam enfrentando problemas com derivativos cambiais e
especulou um prejuízo financeiro entre 30 e 50 bilhões de reais. Desse modo, ficou
claro que essas operações com derivativos faziam parte da estratégia financeira
dessas empresas e não erros de avaliação por parte de diretores financeiros.
Géczy, Minton e Schrand (1997) tentaram explicar quais os incentivos que as
empresas podem ter ao realizar operações com derivativos. De acordo com eles,
empresas muito endividadas têm maiores incentivos para especular. Nesse trabalho,
os autores observaram que, para uma amostra de 372 firmas não financeiras da
Fortune 500 de 1990, aquelas com maiores oportunidades de crescimento e maiores
restrições financeiras estavam mais propensas a usar derivativos. Destas, 41%
usaram derivativos de câmbio, o que nos leva a acreditar que possivelmente essas
empresas estariam utilizando derivativos como forma de possibilitar ganhos
financeiros que permitissem a essas empresas aproveitarem alguma oportunidade
de crescimento.
Géczy et al (1997) também mostraram que custos de agência com credores podem
induzir as empresas a especular. Isto pode acontecer se os acionistas virem suas
ações como opções sobre o valor de uma empresa alavancada, especulando para
aumentar a volatilidade do fluxo de caixa da firma quando perto da falência.
Seguindo essa linha, Jensen e Meckling (1976) argumentam que empresas muito
endividadas e com alto custo de estresse financeiro, podem escolher investimentos
excessivamente arriscados.
O gráfico 1 mostra claramente que o volume de operações de contratos a termo de
dólar sem entrega física realizados no mercado de balcão teve uma forte alta a partir
de agosto de 2008. Essa informação é um forte indicativo de que empresas estariam
realizando operações de derivativos com fins especulativos, isso porque os
contratos de balcão permitem uma maior elevação da posição de hedge pelas
empresas, como no caso dos contratos de Target Forward.
16
Gráfico 1: Operações com derivativos cambiais no me rcado de balcão
Contratos a Termo de Dólar
-
20.000.000.000
40.000.000.000
60.000.000.000
80.000.000.000
100.000.000.000
jun/05
set/0
5
dez/0
5
mar/06
jun/06
set/0
6
dez/0
6
mar/07
jun/07
set/0
7
dez/0
7
mar/08
jun/08
set/0
8
Mercado de Balcão
Fonte: Cetip
17
3. A Crise
Em regra geral, as empresas que possuem alguma exposição cambial utilizam
derivativos para reduzir suas exposições à variação cambial afim de reduzir a
volatilidade de seus fluxos de caixa. No caso das empresas exportadoras brasileiras
Sadia e Aracruz , os derivativos foram utilizados para especulação, com o propósito
de compensar as perdas financeiras que essas empresas teriam com a valorização
do real. Além de uma posição especuladora, a utilização do derivativo Target
Forward, permitiu que essas empresas alavancassem muito suas posições,
produzindo potenciais perdas.
3.1. O Caso Sadia
A Sadia S.A. é uma das maiores empresas produtoras de alimentos da América
Latina e encerrou o ano de 2008 com uma receita operacional bruta de R$ 12,2
bilhões dos quais R$ 5,6 bilhões foram com exportações, garantindo a empresa uma
posição de destaque no ranking das maiores empresas exportadoras do Brasil.
Com um aumento de 18% na receita operacional bruta em comparação ao ano de
2007 a Sadia teve um excelente desempenho operacional em 2008. Além disso, a
empresa manteve a trajetória de aceleração de seu crescimento e cumpriu um
ousado programa de investimentos no qual foram investidos R$ 1,8 bilhões com o
intuito de aproveitar as oportunidades de expansão dos seus negócios.
As boas notícias com relação ao ano de 2008 ficaram por aqui, pois na área
financeira a empresa cometeu um grande erro, que a levou a divulgar um prejuízo
de R$ 2,5 bilhões, o primeiro nos seus 64 anos de história.
O prejuízo foi causado por operações de hedge que apostavam na valorização do
real em comparação ao dólar. No dia 25 de setembro de 2008, após uma forte
18
desvalorização do real em frente ao dólar, a Sadia lançou por meio de seu RI uma
nota que dava conta da liquidação de diversos derivativos cambiais que a empresa
possuía e que, devido à grande valorização da moeda norte-americana, haviam
gerado à empresa um enorme prejuízo de R$ 760 milhões.
A tabela 1 mostra como a empresa estava muito exposta à variação cambial em 30
de setembro de 2008, com destaque para o derivativo Target Forward que
concentrava 70% de toda sua posição vendida.
Tabela 1: Exposição cambial em 30 de setembro de 20 08 - Sadia
Consolidado
30/09/08
Notional Taxa Valor
Original (1) Exposto (2) Média Justo
US$ mil US$ mil R$/US$ R$ mil
Contratos futuros de dólar
Non Deliverable Forward 317.500 317.500 1,96 (6.549)
Target Forward 2.286.666 4.518.333 1,77 (755.478)
Venda de opções de compra US$ 1.531.667 1.531.667 1,84 (144.002)
Posição vendida de US$ 4.135.833 6.367.500 1,81 (906.029)
Non Deliverable Forward 2.508.333 2.508.333 1,88 111.764
Target Forward 473.333 473.333 1,78 82.300
Compra de opções de compra US$ 1.021.667 1.021.667 1,81 74.770
Posição comprada de US$ 4.003.333 4.003.333 1,85 268.834
Posição líquida de US$ 132.500 2.364.167 (637.195)
(1) Quantidades originais contratadas
(2) Considera a probabilidade de exercício do notional contratado, com base na curva futura do dólar.
Fonte: Notas explicativas das Informações Trimestr ais do terceiro trimestre de 2008.
Essa notícia pegou grande parte do mercado de surpresa, fato que refletiu no
mercado acionário e levou o valor de mercado da empresa a cair quase 50% após o
anúncio. Não se esperava que uma empresa exportadora do ramo de alimentos
19
estivesse tão exposta a esse tipo de variação cambial. Antes do encerramento do
ano a Sadia conseguiu reduzir com sucesso sua exposição cambial, como informado
em nota divulgada em 01 de dezembro de 2008.
Os danos à instituição, porém, foram muito além de perdas puramente financeiras.
Em termos de governança a Sadia S.A. tornou-se referência negativa. Apesar de
possuir em seu estatuto políticas de controle de risco, o caso em questão
demonstrou que na prática essas não eram aplicadas, fato que levou o preço das
ações da empresa a cair substantivamente após o anúncio das perdas. Processos
contra a empresa, até mesmo na arena internacional, por parte dos acionistas
começaram a aparecer tão logo a situação se tornou pública. A responsabilidade
sobre o acontecido recaiu sobre o diretor financeiro da empresa, Adriano Ferreira,
que foi destituído de seu cargo e assumiu seus erros.
A fragilidade financeira gerada pelas perdas com os derivativos cambiais foi
fundamental para que, em 19 de maio de 2009, fosse anunciada a fusão entre a
Perdigão e a Sadia. A união entre essas empresas gerou a Brasil Foods, que ficou
com 68% do seu capital controlado pela Perdigão e 32% com a Sadia.
Sempre tida como maior, mais eficiente e rentável que a Perdigão, faria pouco
sentido para a Sadia aceitar uma fusão nesses moldes caso estivesse
financeiramente saudável. Grandes rivais, a história da Sadia e Perdigão foi
marcada por constantes boatos relacionados à vontade que a primeira demonstrava
em adquirir a segunda. Em 2006 a Sadia chegou a fazer uma oferta hostil para
adquirir o controle da Perdigão em um negócio que chegava a R$ 3,7 bilhões, mas a
tentativa não foi adiante.
3.2. O Caso Aracruz Celulose
A Aracruz Celulose também é uma grande empresa exportadora brasileira e a maior
produtora mundial de celulose de eucalipto, vende mundialmente para fabricantes de
20
papéis sanitários, de imprimir, escrever e papéis especiais. Em 2008 as exportações
representavam 92% de toda a receita operacional bruta da Aracruz.
A crise financeira internacional afetou fortemente a indústria de papel e celulose,
com a redução da demanda e a queda nos preços. Diante disso, a Aracruz
apresentou em 2008 uma receita líquida de R$ 3,7 bilhões, inferior em 3,9% na
comparação com 2007.
Apesar dos resultados não terem sido positivos no ano de 2008, operacionalmente a
empresa não teve um resultado ruim, se considerarmos a forte retração da
demanda, a queda nos preços do eucalipto e se compararmos com outras empresas
do mesmo setor no Brasil e no mundo. Infelizmente, esse discurso não pode ser
estendido ao resultado financeiro da empresa, que apresentou uma queda
acentuada em 2008, devido, principalmente, as perdas relacionadas às operações
com derivativos cambiais, que assim como a Sadia, apostavam na valorização do
real. A Aracruz divulgou um prejuízo em 2008 de R$ 4,2 bilhões contra um lucro de
R$ 1 bilhão em 2007.
No mesmo dia em que a Sadia divulgou uma nota sobre seu prejuízo com
operações de hedge cambial, a Aracruz divulgou um comunicado informando que a
exposição da companhia a instrumentos de derivativos tinha sido "fortemente"
afetada pelo dólar e que contratou uma empresa especializada para verificar o
tamanho do estrago. Alguns dias depois, em 2 de outubro de 2008, a companhia
informou que o valor justo de seus contratos com derivativos em 30 de setembro
estava negativo em cerca de R$ 1,95 bilhão, mas que esse prejuízo não seria
imediatamente realizado e seria suavizado ao longo do tempo. Esse cenário levou a
empresa a divulgar no dia 17 de outubro um prejuízo de R$ 1,5 bihão no terceiro
semestre de 2008, contra um lucro de R$ 260 milhões no mesmo período de 2007.
Após ter divulgado diversas notícias que assustaram o mercado, em 04 de
novembro, a Aracruz anunciou ter eliminado boa parte de sua exposição a
instrumentos derivativos, sofrendo uma perda total de 2,13 bilhões de dólares. A
companhia anunciou ainda que chegou a um acordo com os bancos contrapartes da
empresa em várias operações com derivativos no qual iriam negociar "de boa-fé",
21
até 30 de novembro, os termos da reestruturação dos valores devidos nessas
operações. Após esse comunicado, as ações da companhia chegaram a disparar
mais de dez por cento, no início dos negócios da Bovespa. Por fim, a empresa
divulgou em 19 de janeiro de 2009 ter concluído a renegociação com dez bancos,
todos estrangeiros, alongando por nove anos a sua dívida.
A tabela 2 mostra como a Aracruz estava exposta à variação cambial no terceiro
trimestre de 2008 comparado com o segundo trimestre do mesmo ano. A tabela
também detalha os tipos de operações utilizadas pela Aracruz com destaque para os
contratos Target Forward, mesmo tipo de contrato utilizado pela Sadia.
Tabela 2: Exposição cambial em 30 de setembro de 20 08 – Aracruz Celulose
Controladora Consolidado
30/09/2008 30/06/2008 30/09/2008 30/06/2008
Contratos de dólar futuro:
Sell Target Forward (172.287) (127.352) (689.148) (350.218)
Operação Casada Pré-
Pagamento de exportação
(382.860)
(79.595)
(382.860)
(79.595)
Non Deliverable Forward -
posição vendida
(268.002)
(222.866)
(268.002)
(222.866)
Non Deliverable Forward - posição
comprada
(114.858)
114.858
Compra Dólar Futuro – BM&F 1.029.893 1.029.893
Contratos de SWAP de juros
TJLP X US$ (331.594) (568.534) (331.594) (568.534)
CDI X US$ (99.237) (99.237)
Fonte: Notas explicativas das Informações Trimestra is referente ao terceiro trimestre de 2008 .
O prejuízo da Aracruz com derivativos causou um enfraquecimento financeiro na
empresa de tal magnitude que a solução encontrada pelos acionistas majoritários
para evitar um fim ainda mais trágico foi vender suas participações para a empresa
Votorantim Celulose e Papel.
Essa operação caracterizou-se pela incorporação das ações da Aracruz pela
Votorantim e criou uma nova empresa chamada Fibria. A fusão entre essas duas
empresas criou a maior empresa mundial de celulose de fibra curta e a quarta em
celulose total com um valor de mercado de R$ 14 bilhões. O negócio, na prática,
destravou a Aracruz, viabilizando economicamente a empresa.
22
4. A Exposição Cambial e os Contratos de derivativo s
Nesta seção serão apresentados os dados secundários coletados das publicações
financeiras das empresas Aracruz e Sadia entre os anos de 1999 a 2008 e a
evolução trimestral destes dados durante o ano de 2008. Para facilitar o
entendimento por parte do leitor antes da apresentação dos dados serão explicados
os critérios utilizados, as definições, as fórmulas adotadas para se chegar aos dados
não divulgados pelas empresas e de onde foram coletados os dados.
A partir dessa seção conseguiremos responder as questões levantadas inicialmente
por esse trabalho de forma analítica, possibilitando entender como as operações
com derivativos cambiais levaram essas empresas brasileiras a divulgarem enormes
prejuízos financeiros.
4.1. Posição de Hedge Real
A posição de hedge real informa o valor na qual uma empresa está exposta a
variação cambial. Ela é composta por três componentes: dívida em dólar, ativo em
dólar e derivativos. Como as empresas exportadoras devem assumir uma posição
vendida em dólar, a posição de hedge dessas empresas será o resultado da soma
do valor da dívida em dólar com a posição líquida de derivativos subtraídos do ativo
em dólar. A posição líquida de derivativos será sempre a diferença entre a posição
vendida e a posição comprada. Empresas predominantemente exportadoras, que
possuem receitas em dólar, assumem, normalmente, uma posição vendida.
Empresas predominantemente importadoras, que possuem dívidas em dólar,
assumem uma posição comprada. Costumeiramente adotasse o sinal negativo para
as posições compradas e o sinal positivo para as posições vendidas.
Hedge Real = Dívida em dólar + Derivativos – Ativo em dó lar
23
Foram coletados todos os dados necessários para calcular a posição de hedge real
das empresas Aracruz e Sadia do ano de 1999 até 2008 e em destaque a evolução
dos dados trimestrais do ano de 2008. Para que seja possível analisar e
compreender como essas empresas adotaram uma política de hedge especuladora,
que as levou a divulgarem perdas bilionárias, assumiremos que a empresa
exportadora deve realizar o hedge, com propósito de proteção, somente sobre o
resultado operacional com exportação.
4.1.1. Dívida em dólar
As duas empresas divulgam suas dívidas em dólares, seja nas notas explicativas
das DFPs (Demonstrações Financeiras Padronizadas) e ITRs (Informações
Trimestrais), no caso da Aracruz ou nos relatórios 20-F, no caso da Sadia. A tabela
4 apresenta a dívida em dólar da Sadia nos anos de 1999 a 2008.
Tabela 4: Dívida da Sadia em US$
Período Dívida em dólar
1999 1.585.967
2000 1.520.133
2001 1.013.900
2002 1.576.637
2003 2.104.900
2004 1.865.500
2005 2.236.600
2006 2.815.900
2007 2.386.300
2008/1 2.452.838
2008/2 2.376.593
2008/3 4.334.035
2008 5.114.800
Fonte: Relatórios 20-F.
24
No caso da Aracruz, a dívida em dólares é dada em reais. De modo a encontrarmos
o valor da dívida em dólares precisamos converter os valores dados em reais para
dólares utilizando a cotação do dólar PTAX do último dia útil de cada ano. Para os
trimestres de 2008 foram utilizadas as cotações da PTAX do último dia útil de cada
um dos trimestres (tabela 5).
Tabela 5: Dívida da Aracruz em US$
Período
Dívida em moeda
estrangeira
( em reais )
Dólar
Ptax
Dívida em
dólar
1999 1.238.654 1,79 692.372
2000 862.139 1,96 440.992
2001 1.480.833 2,32 638.290
2002 1.961.797 3,53 555.278
2003 3.274.528 2,89 1.133.447
2004 3.257.329 2,65 1.227.328
2005 2.637.117 2,34 1.126.973
2006 2.081.895 2,14 973.758
2007 1.645.491 1,77 929.131
2008/1 1.625.173 1,75 929.201
2008/2 1.765.684 1,59 1.109.795
2008/3 3.020.656 1,91 1.578.190
2008 6.750.345 2,34 2.888.466
Fonte: Dados retirados das DFPs e ITRs de 1999 a 2008.
4.1.2. Ativo em dólar
No caso da Aracruz o ativo em dólar só começou a ser publicado anualmente a
partir das DFPs de 2004 e não existiam nas ITRs do ano de 2008. Sendo assim, foi
necessário realizar uma estimativa de quanto seria o ativo em dólar dessa empresa
nos períodos que não foram publicadas essas informações. Dessa forma, decidimos
calcular a média do percentual dos ativos em dólar sobre os ativos totais dos
períodos que tiveram a divulgação dessas informações. A variação encontrada
desse percentual nesse período foi pequena, o que nos leva a acreditar que a média
25
é uma boa estimativa. A tabela 6 mostra como foi calculado o Ativo em dólar da
Aracruz Celulose.
Tabela 6: Ativo da Aracruz em US$.
Período
Ativo total
(milhares de
R$)
Percentual do
ativo em
moeda
estrangeira
Ativo em moeda
estrangeira
(milhares de R$)
Ativo em dólar Dólar Ptax
1999 3.933.568 7,09% 278.890 1,79 155.804
2000 3.939.077 7,09% 279.281 1,96 142.490
2001 5.139.688 7,09% 364.404 2,32 157.071
2002 5.932.899 7,09% 420.643 3,53 119.162
2003 8.002.334 7,09% 567.365 2,89 196.320
2004 8.874.237 7,04% 624.746 2,65 235.753
2005 9.349.353 6,92% 646.975 2,34 276.485
2006 9.577.120 7,51% 719.242 2,14 336.094
2007 9.930.739 6,60% 655.429 1,77 370.299
2008/1 9.930.991 7,09% 704.107 1,75 402.347
2008/2 10.137.433 7,09% 718.744 1,59 452.040
2008/3 11.285.572 7,09% 800.147 1,91 418.925
2008 11.867.860 7,38% 875.848 2,34 374.294
Fonte: Elaboração própria a partir de dados levanta dos das DFPs e ITRs.
No caso da Sadia, a informação sobre o ativo em dólar foi facilmente encontrada nos
relatórios 20-F no item “Risco de mercado”, sub-item “Risco cambial”, conforme
indicado na tabela 7.
Tabela 7: Ativo da Sadia em US$
Período Ativo em dólar
1999 816.529
2000 775.418
2001 727.100
2002 1.190.192
2003 1.946.300
2004 1.257.300
2005 1.745.604
2006 1.967.386
26
2007 1.692.267
2008/1 1.642.572
2008/2 1.327.264
2008/3 1.684.489
2008 2.507.236
Fonte: Relatórios 20-F.
4.1.3. Derivativos
Analisando a posição de derivativos das empresas Aracruz e Sadia de 1999 a 2008
percebemos algumas semelhanças: (a) uma evolução na complexidade de seus
contratos de hedge, que evoluíram de contratos de dólar futuro negociados em bolsa
a contratos mais complexos como o Target Forward negociados no mercado de
balcão; (b) o grande aumento de suas posições em contratos de hedge cambial
principalmente a partir do segundo semestre de 2008, tal como indicado pelo gráfico
2, que apresenta a evolução no volume de operações com derivativos cambiais no
mercado de balcão no mesmo período, o que sugere um movimento mercadológico;
(c) grande variedade de produtos financeiros utilizados nas suas operações de
hedge.
Os dados de derivativos das duas empresas foram coletados das notas explicativas
das DFPs e das ITRs. As tabelas 8 e 9 apresentam a posição histórica anual de
derivativos em milhares de dólares de 1999 a 2008, e a evolução trimestral no ano
de 2008, sendo que os números positivos significam uma posição vendida enquanto
que os números negativos uma posição comprada.
Tabela 8: Contratos de derivativos - Aracruz
Non
Deliverate
Forward
Target
Forward
Cupom
Cambial
Swap com
Verificação
Contratos
Futuros
Swap Dólar
x CDI
Posição
Líquida
1999 24.148 - - - - 41.439 85.587
2000 2.864 - - - - - 2.864
2001 13.058 - - - - - 13.058
27
2002 30.000 - 15.849 - 128.500 - 174.349
2003 - - 67.666 - - - 67.666
2004 - - - - 3.000 - 3.000
2005 - - - - 500.000 - 500.000
2006 - - - - 289.000 - 289.000
2007 - - - - 150.000 334.115 484.115
2008/1 - - - - 270.000 345.837 615.837
2008/2 140.000 5.280.000 - 600.000 - 419.480 6.439.480
2008/3 80.000 8.640.000 - 2.400.000 (538.000) 225.059 10.807.059
2008 - - - 3.600.000 - 215.000 3.815.000
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados coleta dos das notas explicativas das DFPs e ITRs
Gráfico 2: Posição de derivativos - Aracruz
Contratos de Derivativos - Aracruz
(2.000.000)
-
2.000.000
4.000.000
6.000.000
8.000.000
10.000.000
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
/1
2008
/2
2008
/320
08
Non Deliverate Forward
Target Forward
Cupom Cambial
Swap com Verificação
Contratos Futuros
Swap Dólar x CDI
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados coleta dos das notas explicativas das DFPs e ITRs
Tabela 9: Contratos de derivativos - Sadia
Período
Non
Deliverate
Forward
Target
Forward
Opção de
Compra
Contratos
Futuros
Swap Dólar
x Juros
Posição
Líquida
1999 - - - - - -
2000 - - - - 164.423 164.423
2001 - - - - 65.947 65.947
2002 - - - - 229.892 229.892
2003 - - - 135.000 329.953 464.953
2004 - - - 353.000 207.586 560.586
2005 - - - 563.500 64.171 627.671
28
2006 - - - 156.000 7.504 163.504
2007 - - - 332.000 3.157 335.157
2008/1 - - - 655.500 2.168 657.668
2008/2 - - - 287.850 1.215 289.065
2008/3 (2.190.833) 4.045.000 510.000 - - 2.364.167
2008 (2.672.667) 2.900.000 260.000 - - 487.333
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados coleta dos das notas explicativas das DFPs e ITRs
Gráfico 3: Posição de derivativos – Sadia
Contratos de Derivativos - Sadia
-4.000.000
-3.000.000
-2.000.000
-1.000.000
0
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.000.000
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
/1
2008
/2
2008
/320
08
Non Deliverate Forward
Target Forward
Opção de Compra
Contratos Futuros
Swap Dólar x CDI
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados coleta dos das notas explicativas das DFPs e ITRs
Podemos, assim, perceber claramente através dos gráficos 2 e 3 que o contrato de
Target Forward foi o principal responsável pelo brusco aumento na posição líquida
da Aracruz e da Sadia em contratos de derivativos. De modo a melhor entender o
impacto potencial deste derivativo no resultado financeiro de uma empresa diante de
uma forte desvalorização do dólar, é necessário analisar suas características e seu
funcionamento, o que é feito a seguir.
29
5. Target Forward
O produto que tantos prejuízos causou às empresas brasileiras exportadoras é
conhecido como Target Forward. O produto funciona, basicamente, da seguinte
forma: As partes envolvidas acordam uma taxa de câmbio pela qual as empresas
venderão seus dólares a cada mês (Strike), normalmente os contratos duram 12
meses. Caso o câmbio se apreciasse de forma a ficar abaixo do Strike combinado, a
empresa poderia vender uma quantidade x de dólares para a instituição financeira
por esse valor. Caso o câmbio se depreciasse, indo parar acima do Strike, a
empresa teria que vender uma quantidade 2x de dólares à instituição financeira, à
taxa de câmbio combinada (Strike). Ou seja, em um cenário desfavorável (real
depreciado) a empresa se veria obrigada a vender, a baixo preço, uma quantidade
de dólares duas vezes maior do que compraria no cenário favorável, produzindo
potenciais grandes perdas.
Adicionalmente, esses produtos costumam ter um limite máximo de lucro acumulado
via vendas de dólar para as empresas, enquanto que a recíproca não é válida para a
instituição financeira. Ou seja, em um estado favorável (real apreciado), a empresa
teria o direito de vender os dólares ao preço estabelecido até que atingisse o valor
de lucro limite estipulado nos contratos. Ao atingir esse valor, o produto estaria
finalizado. Ou seja, o ganho máximo é limitado. Já no ambiente desfavorável (real
depreciado), a empresa se veria obrigada a vender os dólares para a instituição
financeira durante os 12 meses de vigência do produto, sem limite de perda para a
empresa.
Para ilustrar o que foi exposto anteriormente, consideremos uma operação de US$
50 milhões com duração de um ano. Qual seria o prejuízo para a empresa
exportadora que procurava um hegde para proteger-se se a taxa de câmbio ficasse
constante em R$ 2,10/dólar. Ao se realizar a avaliação mensal, comparando com um
dólar de referência (Strike) de R$ 1,65/dólar (quando a maioria desses contratos
foram realizados o dólar estava ao redor de R$ 1,60), o prejuízo acumulado no ano
seria da ordem de R$ 540 milhões (US$ 50 milhões x (R$ 2,10 – R$ 1,65) x 2 x 12).
O fato do mesmo ser conhecido como “hedge exótico” está na impossibilidade de
30
ser desfeito antes do encerramento do prazo do contrato e, mesmo que o seja, a
perda futura deve ser paga à vista. O hedge neste exemplo expõe a empresa
exportadora ao astronômico valor de US$ 1,2 bilhão ao multiplicar o valor do
contrato de US$ 50 milhões por 12 e depois por 2. Dessa forma, poderá ocorrer uma
perda de até R$ 12 milhões para cada centavo de desvalorização do real, numa
suposta operação de US$ 50 milhões de hedge!
31
6. Resultados
As tabelas 10 e 11 apresentam os resultados das posições de hedge real das
empresas Aracruz e Sadia a partir dos dados mostrados anteriormente.
Tabela 10: Posição de Hedge Real - Aracruz
Período Dívida em Dólar Derivativos Ativo em Dólar Posição Real de Hedge
1999 692.372 65.587 165.804 592.155
2000 440.992 2.864 142.490 301.366
2001 638.290 13.058 157.071 494.277
2002 555.278 174.349 119.062 610.565
2003 1.133.447 67.666 196.320 1.004.793
2004 1.227.328 3.000 235.753 994.575
2005 1.126.973 500.000 276.485 1.350.488
2006 973.758 289.000 336.094 926.664
2007 929.131 484.115 370.299 1.042.947
2008/1 929.201 615.837 402.347 1.142.691
2008/2 1.109.795 6.439.480 452.040 7.097.235
2008/3 1.578.190 10.807.059 418.925 11.966.324
2008 2.888.466 3.815.000 374.294 6.329.172
Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletad os das DFPs e ITRs
Tabela 11: Posição de Hedge Real - Sadia
Período Dívida em Dólar Derivativos Ativo em Dólar Posição Real de Hedge
1999 1.585.967 0 816.529 769.438
2000 1.520.133 164.423 775.418 909.138
2001 1.013.900 65.947 727.100 352.747
2002 1.576.637 229.892 1.190.192 616.337
2003 2.104.900 464.953 1.946.300 623.553
2004 1.865.500 560.586 1.257.300 1.168.786
2005 2.236.600 627.671 1.745.604 1.118.667
2006 2.815.900 163.504 1.967.386 1.012.018
2007 2.386.300 335.157 1.692.267 1.029.190
2008/1 2.452.838 657.668 1.642.572 1.467.934
2008/2 2.376.593 2.879.715 1.327.264 3.929.044
2008/3 4.334.035 2.364.167 1.684.489 5.013.713
2008 5.114.800 487.333 2.507.236 3.094.897
Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletad os das DFPs, ITRs e relatórios 20F
32
Através do gráfico 4 podemos perceber claramente que algo diferente ocorreu em
2008 com a política de hedge das duas empresas. Dessa forma, se analisarmos
separadamente os componentes envolvidos no cálculo da posição de real de hedge,
poderemos identificar a principal causa desse aumento injustificado.
Gráfico 4: Posição Real de Hedge da Sadia x Posição Real de Hedge da Aracruz
Posição de Hedge Real - Sadia x Aracruz
-
2.000.000
4.000.000
6.000.000
8.000.000
10.000.000
12.000.000
14.000.000
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
/1
2008
/2
2008
/320
08
Aracruz
Sadia
Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletad os das tabelas 6 e 7.
No caso da Sadia (Gráfico 5), podemos concluir que o ativo em dólar se manteve
praticamente constante durante o período estudado. No entanto, os derivativos
tiveram uma forte alta a partir do segundo trimestre de 2008 e a dívida em dólar
sofreu uma forte valorização a partir do terceiro trimestre de 2008.
Gráfico 5: Comparação entre a evolução da Divida em US$ x Ativo em US$ x Derivativos -
Sadia
0
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.000.000
6.000.000
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
/1
2008
/2
2008
/320
08
Dívida em U$ x Derivativos x Ativo em U$ - Sadia
Dívida em dólar
Derivativos
Ativo em dólar
Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletad os das DFPs, ITRs e dos relatórios 20F
33
No caso da Aracruz (Gráfico 6), percebemos uma movimentação semelhante ao da
Sadia. O ativo em dólar se manteve constante, os derivativos tiveram uma forte alta
a partir do segundo semestre de 2008 e a dívida em dólar apresentou uma alta, um
pouco tímida, no terceiro trimestre de 2008 e uma alta mais forte no final de 2008.
Gráfico 6: Comparação entre a evolução da Dívida e m US$ x Ativo em US$ x Derivativos -
Aracruz
-
2.000.000
4.000.000
6.000.000
8.000.000
10.000.000
12.000.000
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
/1
2008
/2
2008
/320
08
Dívida em U$ x Derivativos x Ativo em U$ - Aracruz
Dívida em dólar
Derivativos
Ativo em dólar
Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletad os das DFPs, ITRs e dos relatórios 20F
retirados do site da Aracruz
Podemos perceber claramente através dos gráficos que, nos dois casos, o aumento
da dívida em dólar ocorreu sempre após o aumento da exposição aos derivativos.
As empresas justificam o aumento da dívida em dólar como uma alternativa
encontrada por elas para liquidar uma parte de suas posições em derivativos, após
reconhecerem perdas e identificarem o grande risco a que estavam expostas caso
não diminuíssem suas exposições cambiais.
Comparando os gráficos, percebemos que a Sadia foi rápida e eficiente, diante da
forte valorização do dólar, ao se desfazer da sua posição de derivativos. No final do
ano de 2008, vemos que a posição de derivativos da Sadia já havia voltado ao
mesmo nível de antes da forte alta, mas nada disso foi suficiente para evitar o
prejuízo. No caso da Aracruz, além da empresa ter adotado uma posição muito mais
especulativa do que a Sadia, a mesma foi mais lenta na hora de tomar a decisão de
34
se desfazer de sua posição e não foi eficiente, mantendo uma posição real de hedge
ainda alta no final do ano de 2008.
Diante do exposto, podemos concluir que, salvo algumas peculiaridades, os dois
casos se assemelham sobremaneira. Nos dois casos, a grande causa das enormes
perdas financeiras foi o aumento proposital na posição real de hedge, e o principal
meio utilizado por essas empresas, com vistas a compensar especulativamente
eventuais perdas com a valorização do real, foram os contratos do tipo Target
Forward, que sozinhos geraram uma exposição de US$ 8,6 bilhões no terceiro
trimestre na Aracruz e de US$ 4 bilhões no mesmo período na Sadia.
35
7. Considerações finais
O artigo mostrou que empresas brasileiras caracteristicamente produtivas
vislumbraram uma possibilidade de ganho não operacional, especulando com
instrumentos derivativos, para além do que representaria uma garantia contra a
volatilidade de preços. Esse processo de “financeirização” levou essas empresas a
perdas financeiras bilionárias expondo o importante papel adquirido pela
especulação nas decisões estratégicas das empresas. Esse movimento vincula-se à
dominação da lógica de maximização do valor ao acionista. Nesse contexto, as
prioridades da empresa concentram-se nos resultados de curto prazo, enquanto que
os investimentos produtivos, de longo prazo, parecem perder importância no
resultado contábil das companhias. Com isso, o papel dos derivativos enquanto
hedge têm sua participação cada vez mais reduzida diante da expansão de seu
papel para fins especulativos.
A crise financeira e a conseqüente valorização do dólar evidenciaram a equivocada
aposta dessas empresas na valorização do real frente ao dólar. Caso essas
empresas tivessem acertado nos seus prognósticos, seus lucros, ainda assim, não
seriam equivalentes às perdas que sofreram em face às características do contrato
de derivativo Target Forward, que limitavam o ganho em caso de valorização do real
por parte da empresa e praticamente não limitava o ganho da contraparte em caso
de valorização do dólar. Essa assimetria, que segundo Farhi e Borghi (2009)
poderia ser inclusive suscetível a indagações na justiça por parte das empresas, não
foi suficiente para inibir as mesmas de realizarem essas operações.
Nos casos da Aracruz e da Sadia, esse tipo de contrato foi o responsável pela maior
parte das perdas, evidenciando a necessidade de uma rígida política de controle de
riscos, principalmente pelas companhias que se dispõem a fazer hedge contra
determinados ativos. Com isso, podemos afirmar que a crise financeira mundial
expôs um sério problema de gestão empresarial. Vimos que nem todas as empresas
estão fazendo seu dever de casa no que se refere à governança corporativa.
36
Tal “equívoco” cometido pelas empresas não esconde a responsabilidade de outros
agentes financeiros, como, por exemplo, as agências de classificação de risco, que
tinham por obrigação avaliar corretamente o risco cambial a que estavam expostas
algumas empresas exportadoras. A adequação às normas de governança deveria
deixar o campo da teoria, dos relatórios e dos sites de RI para chegar ao campo da
prática, sendo não apenas planejado e executado pela diretoria executiva como
fiscalizado por órgãos internos e órgãos independentes
Os casos aqui analisados também permitem levantar um questionamento quanto ao
papel do governo neste processo enquanto agente fiscalizador e regulador, onde
uma de suas principais atividades é manter a liquidez do sistema financeiro. Os
casos mostram ser indispensável discutir os atuais mecanismos de regulação e
fiscalização do sistema financeiro nacional, que se mostraram ineficazes diante da
avalanche de inovações financeiras criadas pelos agentes do mercado de capitais.
Nesse sentido, desde 2009, o Banco Central do Brasil vem tomando medidas para
mapear as operações de hedge no país e no exterior, fato que culminou com a
aprovação da resolução 3.833, em 28 de janeiro de 2010, pelo Conselho Monetário
Nacional (CMN), que exige dos bancos os registros das operações de hedge
realizadas com instituições financeiras do exterior ou em bolsas estrangeiras.
37
8. Referências Bessembinder, H., Forward contracts and firm value: incentives and co ntracting effects . Journal of Financial and Quantitative Analysis, 26, pp. 491-532, 1991. De Marzo P.; Duffie D., Corporate incentives for hedging and hedge account ing . Review of Financial Studies, Vol 8, pp. 743-772, 1995. Farhi, M.; Borghi, R., Operações com derivativos financeiros das corporaçõ es de economias emergentes . Estudos Avançados, vol. 23, n.66, pp. 148-169, 2009. Froot, K. A.; Scharfstein D. S., Stein J. C., Risk Management: Coordinating corporate investment and financing policies . The Journal of Finance, vol. L, pp. 1629-1658, 1993. Géczy, C.; Minton, B.; Schrand, C., Why Firms Use Currency Derivatives . The Journal of Finance, v. LII, n. 4, pp. 1323 – 1354, 1997. Guttmann, R., Uma introdução ao capitalismo dirigido pelas finanç as. Revista Novos Estudos Cebrap, n. 82, pp. 11-33, 2008. Hull, J. C., Introdução aos mercados futuros e de opções . 2. ed. São Paulo: Cultura, 1996. Jensen M. C.; Meckling W. H., Theory of the firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure . Journal of Financial Economics, Vol 3, no 4, pp. 305-360, 1976. Leland, H. E., Agency costs, risk management and capital structure . Journal of Finance, 53, pp. 1213-1243, 1998. Mayers, D.; Smith, C. W., Corporate Insurance and the Underinvestment problem . Journal of Risk and Insurance, 54, pp. 45-54, 1987. Mayers, D.; Smith, C. W., On the corporate demand for insurance . Journal of Business, 55, pp. 281-296, 1982.
38
Miller, M.; Modigliani, F., The cost of capital, corporation finance and the th eory of investment . American Economic Review, 53, pp. 261-267, 1958. Ricupero, R. et al., A crise internacional e seu impacto no Brasil . Estudos Avançados, vol. 22, n.64, pp. 185-214, 2008. Ross, M. P., Corporate Hedging: What, why and how, disponível em <www.haas.berkeley.edu/finance/wp/rpf280.pdf>, acesso em 14 de maio de 2010. Smith, C. W.; Stulz R. M., The determinants of firm’s hedging policies . Journal of Financial an Quantitative Analysis, Vol 20, pp. 391-495, 1985. Smith Jr, C.W.;Smithson, C.W. e Wilford, D.S., Managing Financial Risk . in Chew, D. (ed.). The New Corporate Finance. Where Theory Meets Practice. Mc Graw-Hill, 1993. Stulz, R. M, Rethinking Risk Manegement . Journal of Applied Corporate Finance 9, pp. 8-24, 1996. Stulz, R. M., Optimal hedging policies . Journal of Financial and Quantitative Analysis, 19, pp. 127-140, 1984. Tufano, P., Who Manages Risks? An empirical examination of risk management practices in the gold mining industry . The Journal of Finance, 51, 1097-1137, 1996. Yin, R. K., Case Study Research. Design and Methods . Sage Publications, 1989.