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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. GALLO, Carlos Roberto. Carlos Roberto Gallo (depoimento, 2012). São Paulo - SP, 2012. p. Carlos Roberto Gallo (depoimento, 2012) Rio de Janeiro 2014

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

GALLO, Carlos Roberto. Carlos Roberto Gallo (depoimento, 2012). São Paulo - SP, 2012. p.

Carlos Roberto Gallo (depoimento, 2012)

Rio de Janeiro 2014

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Nome do Entrevistado: Carlos Roberto Gallo

Local da entrevista: São Paulo - SP

Data da entrevista: 10 de Julho 2012

Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um

acervo de entrevistas em História Oral.

Entrevistadores: Thiago William Monteiro e Felipe dos Santos Souza

Câmera: Maíra Nielli

Transcrição: Juliana Paula Lima de Mattos

Data da transcrição: 12 de agosto de 2012

Conferência de Fidelidade: Ana Luísa Mhereb

** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Carlos Roberto Gallo em 31/09/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC. Entrevista: 10.07.2012

C.G – Fique à vontade. T.M – Obrigado. Bom, Cotia, interior de São Paulo. 10 de julho de 2012. Depoimento de Carlos Roberto Gallo para o projeto Memória, Futebol e Patrimônio, que é uma parceria da Fundação Getulio Vargas e do Museu do Futebol. Hoje, participam deste depoimento os pesquisadores Thiago Monteiro e Felipe Santos, pelo Museu. Bem, bom dia, quer dizer, boa tarde. Em primeiro lugar, nós gostaríamos de agradecer principalmente à você, Carlos, por ter nos recebido aqui hoje, por ter aceitado o nosso convite. Muito obrigado. E, em segundo lugar, eu gostaria que você se apresentasse. Falasse o seu nome, a sua data de nascimento e um pouco sobra a sua infância, a sua vida para a gente começar um pouco. C.G. – Eu que agradeço pela lembrança. O meu nome é Carlos Roberto Gallo. Nasci no dia 4 de março de 1956, na cidade de Vinhedo, próximo a Campinas. Uma cidadezinha muito acolhedora. Estive toda a minha infância vivida lá e foi ali que nasceu o desejo, um sonho de um dia me tornar um jogador de futebol. Aliás, não é nem um desejo de me tornar um jogador de futebol, mas uma infância onde eu adorava assistir jogos, tanto ouvindo pelo rádio, não é? Porque no final da década de 1960 e início de 1970, as informações eram mais por jornais e por rádio. As transmissões por televisão eram poucas, os noticiários eram poucos, não é? Então, a gente ouvia muito pela rádio e isso mexeu muito com a imaginação. Então, era mais um sonho de ser um jogador, de sonhar de estar sendo um jogador. Acho que essa

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seria a expressão melhor: é um sonho de estar sendo um jogador de futebol. Mas não aquela ambição. Eu nunca tive, na minha infância, ambição de ir para o clube fazer avaliação, passar por todos os testes para falar: “Não, eu vou ser um jogador de futebol”, “eu vou ser goleiro da seleção”. Isso eu nunca tive, nunca me passou pela cabeça. Mas eu sonhava e vivia aqueles momentos meus, sozinho, no quintal de casa, chutando bola na parede, me imaginando como jogador. E ouvindo o jogo pela rádio, o que mais me despertava, o interessante é isso, o que mais me despertava a curiosidade, que me deixava empolgado, eram os lances de - é óbvio, não é? - situação de gol. Mas, assim, era a defesa do goleiro. Pela forma como o narrador, ele se expressava. Ele expressava aquele momento ali. Então, eu achava muito mais significativo até do que o próprio gol. Porque, não sei, a minha tendência era estar do lado do mais fraco, não é? E o goleiro é sempre o que está sendo executado, ali, com a finalização do atacante. Então, quando ele defendia a bola, eu vibrava com aquilo. O mais fraco está superando aquele outro que está com o poder, que está com a arma na mão. O atacante está chutando a bola, a bola é a arma do atacante para ele executar o goleiro. O goleiro defende, ele consegue evitar aquela fatalidade de sofrer o gol. Então, eu vibrava muito com aquilo. Então, eu vivia esses sonhos aí, me imaginava defendendo bola, era muito legal, eu gostava muito disso. E quando eu podia, eu tinha oportunidade, perto de casa tinha um campinho lá e, sempre que possível, eu ia e ficava brincando no gol, de chutar gol a gol e ficava saltando e tentando reproduzir ali, fisicamente, aquilo que eu imaginava o goleiro fazendo. Então, a infância foi vivida muito assim. Quando eu podia, eu assistia aos jogos, na época, tinha o - Vinhedo antes de ser Vinhedo era tida como Rocinha. Esse era o nome antes de ser a cidade de Vinhedo, era Rocinha, não é? Depois foi emancipada e passou a se chamar Vinhedo. E tinha o clube de futebol próximo a minha casa chamado Rociense. A procedência era da Rocinha aí, não é? Do município de Rocinha, então, tinha o clube lá, o Rociense. E o clube, na época, disputava a quarta divisão do campeonato paulista. E, sempre que possível, eu ia assistir aos jogos. Eu gostava muito de ficar atrás do gol, vendo o goleiro saltar, defender. Quando tinha treinamento, eu ficava olhando e eu achava aquilo fantástico, sabe? Às vezes, vamos dizer, atualmente, quando cortam a grama, tem aquele cheiro da grama cortada, aquilo vem na memória, sabe? Aquele tempo antigo. É uma coisa que marca. É interessante isso. Mas eu me reporto muito a esse período aí, às vezes. É muito legal. Aquela idade de criança, você tão jovem, vê algo inatingível lá na frente e fica vivendo esses sonhos. Eu acho que é a melhor coisa que a gente tem na vida. Inclusive, eu me lembro agora, nesse Rociense, na época, final dos anos 1960, começou a ter o campeonato dente de leite na cidade de São Paulo, não me recordo por qual emissora e era muito divulgado. Então, lá na cidade tinha um senhor que já é falecido e se chamava Lourival Siene, era mais conhecido por Seu Chene, e ele era um amante do esporte, e ele adorava trabalhar com criança. Então ele trabalhava no Rociense nos finais de semana, ele ia para o clube e nos proporcionava a oportunidade de nós jogarmos. Então, nós íamos todos os sábados para passar o dia todo treinando entre aspas, não é? No caso, era mais brincadeira e a gente ficava com ele. Eu me recordo de uma frase que ele disse em um dos encontros que nós tivemos depois de eu ter parado de jogar futebol. Eu me encontrei com ele, e ele disse: “o maior pecado que pode acontecer é você tolher uma criança, tirar um sonho dela”. Então, ele foi essa pessoa que proporcionou a oportunidade de eu poder sonhar de verdade, jogando ali como criança, dentro de um campo de futebol. Eu jogava na linha, tentei ser atacante, fazer gol, depois passei para

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a defesa, então a gente ia brincando em todas as posições e via que tudo era difícil, não é? Agora, como eu ficava, todo dia, lá no campinho, quando era possível, saltando, pulando, defendendo, até que eu fui parar no gol e isso aconteceu... A gente treinava de sábado, brincava. E um dia, ele resolveu marcar um jogo com a equipe do amigo dele, da cidade de Itatiba. Aí eles vieram jogar no nosso campo. Aí tudo arrumadinho, bonitinho para jogar, mas não tinha goleiro para jogar, porque ninguém gostava de jogar no gol. Principalmente naquela época, não é? O goleiro era tido sempre como o jogador mais fraco ou o pior da equipe, que não tinha condições, o que não deixava de ser verdade. Mas só que eu gostava de jogar no gol. Eu gostava, brincava muito, saltava e como não tinha goleiro, eu falei: “Não, pode deixar que eu jogo no gol.” “Pode deixar que eu jogo porque eu gosto de fazer isso, eu sei fazer isso.”. Aí nós fomos fazer esse primeiro jogo, eu joguei no gol e nós perdemos de 2 a 1. E foi uma experiência, assim, não foi muito legal não, foi até um pouco desagradável. A gente perde, fica chateado, aborrecido. E causa aquela decepção. Só que nós fizemos outro jogo, no outro final de semana, lá no campo do adversário, em Itatiba. Retribuir a visita. E nesse jogo, em Itatiba, nós vencemos de 2 a 0 e eu defendi dois pênaltis nesse jogo. Aí, quer dizer, muda totalmente a condição de pensamento, aquilo que tinha sido de aborrecer, uma semana antes, depois, se tornou tudo alegria e a gente começa a gostar dessas sensações. Que você vai jogar, você consegue fazer coisas boas e te dá vontade de continuar fazendo. Então minha infância foi marcada, assim, nesse sentido. Muito sonho, nenhum objetivo de vida a ser, de me tornar a ser um goleiro lá na frente. Mas vivendo esse sonho que esse senhor, o seu Chene, proporcionou. Então, eu sou muito grato a ele por essa possibilidade, mas nunca pensando em me tornar um jogador lá na frente. F.S – E você pode falar... você falou que a sua infância foi motivada por essa questão do sonho, que era uma coisa que... nem passava, era só sonho mesmo de estar sendo um goleiro? C.G – Só. F.S – Como era a convivência com o teu pai, com a tua mãe. Se você chegava a comentar disso com eles? Se o teu pai, sei lá, ouviu os jogos com você na rádio? Se ele acompanhava também com você? C.G – Está. Não, isso era uma coisa muito íntima, pessoal, minha. O meu pai era um torcedor, torcedor assim... Eu tenho fotografias de quando meu pai ainda era vivo. Quando eu era criancinha,ele sempre me levando com ele para assistir os jogos. Meu pai não jogou futebol, mas ele gostava de estar participando de jogos. Então, na Várzea, lá em Vinhedo, sempre... as fotografias que eu tenho com ele de quando eu era criança, sempre eu estou do lado dele em um campo de futebol, na Várzea, assistindo, não é? Sempre, sempre assistindo. Meu pai era torcedor do São Paulo, então, era muito assim, ele não era de ficar me influenciando e querendo alguma coisa, nada não. Eu tinha a minha vida, eu estudava pela manhã, eles cobravam uma boa participação minha nos estudos e depois, eu ia brincar e o lazer é sempre esse... Lazer de criança, você ia empinar papagaio, você ia caçar passarinho, ia pescar, ia jogar futebol, essas

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coisas. E... vamos dizer assim, ele não tinha nada de querer forçar: “eu gostaria que um dia meu filho fosse jogador de futebol”. Mesmo porque naquela época o jogador de futebol não era visto como hoje, não é? Uma profissão que dá todas as possibilidades que é proporcionada. Era muito diferente antigamente. Então, nunca me imaginava naquilo. Meu pai, nem minha mãe pensavam nesse sentido. Mas essas experiências minhas de ficar brincando, me divertindo, eu comecei a me destacar e nos jogos da Várzea, o pessoal um pouco mais de idade – 19, 20 anos ou mais – tem um campeonato varzeano na cidade. Toda cidade tem esses campeonatos, principalmente jogos amistosos, eles me convidavam para jogar. Eu tinha o quê? 13, 14 anos de idade. Eles me convidavam para jogar, eu ia, não era capaz de falar não. Então, eu ia. Eles insistiam, eu ia jogar. Mas não era, assim, tão prazeroso, porque eu com 14 anos de idade, 13, 14 anos jogando com pessoas mais velhas, eram bem diferentes, não é? Quer dizer, ninguém gostava de jogar no gol, eu gostava. Então eles me convidavam para jogar com eles, só que jogar com eles não era gostoso porque eu não me divertia. Eles queriam que eu defendesse tudo e como a trave é muito grande... Aquela diferença de idade, fisicamente, é tudo desproporcional, não é? Eles eram maiores, tudo isso causava certo desconforto. Então, vou ser jogador de futebol? Não. Eu me divertia era com os meus amigos mais jovens. Mas, no entanto, vamos dizer, por esses convites, é que acabou acontecendo de eu ter uma oportunidade de ir para um clube. A Ponte Preta, de Campinas, ela fez um jogo amistoso contra uma equipe rival do Rociense, lá em Vinhedo, a equipe de Santana, era outro bairro, vizinho. Eles eram bem rivais, era como Ponte Preta e Guarani. Era Rociense e Santana. E a Ponte Preta foi jogar contra o Santana, a Ponte foi com uma equipe mista e houve uma preliminar e nessa preliminar, uma equipe me convidou para participar. Eu fui. Eu estava lá jogando e quando a delegação da Ponte Preta chegou, eles assistiram, viram o nosso segundo tempo do jogo e o treinador da Ponte Preta, na época, o Mário Juliatto, ele... alguma coisa chamou a atenção dele de minha parte lá. Ele me viu jogando, foi lá, procurou conversar comigo, perguntou se eu tinha interesse em treinar na Ponte Preta. Eu achei aquilo muito legal, não é? Eu tinha feito umas defesas bacanas. A gente acha na época. Pula, defendeu e tal. E ele me falou isso para mim: “Você não quer ir treinar lá no Ponte Preta?” Eu achei legal, sabe? Uma coisa gratificante. “Poxa, eu estou aqui sofrendo, jogando com esses adultos aí”. E de repente vem uma pessoa de um clube aí importante, e me convida para ir. Eu falei: “não, eu quero ir, sim.”. Foi legal porque nunca tinha passado na minha cabeça ir a um clube de futebol fazer avaliação. Muitos amigos meus de escola, de colégio, eles iam na Ponte Preta e no Guarani fazer avaliação e dificilmente ficavam. Não é fácil. E eu falei: “Não, eu não vou fazer isso nunca, não é?” Mesmo porque você tem que ter um objetivo forte de querer ser jogador, você vai se expor a muitas coisas difíceis e o que eu menos quero na vida é ir para um lugar desses, fazer uma avaliação e de repente você ouvir um não: “Você não serve”; “Você não tem qualificação para isso”. Eu não queria ouvir aquilo nunca. Então, não passava em minha cabeça ir a um clube fazer uma avaliação. E aconteceu do treinador do clube indagar se eu queria ir treinar, não é? Não foi “você quer ir fazer avaliação?”. Foi “você quer ir treinar?”. Eu falei: “quero”. E, de repente, fui treinar na Ponte Preta. Isso já estava próximo do final do ano de 1971. Eu ia para Campinas, estudava de manhã. Terminava a aula, eu ia para casa, almoçava, pegava o ônibus, ia para Campinas – tinha 1h30min de trajeto naquela época –, treinava à tarde e voltava à noite para casa. Fiquei fazendo isso daí durante uns três meses. Aí terminou o ano de 1971. No final do ano, quer dizer, eu ia

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todos os dias e treinava. E quem nos treinava era o próprio Mário Juliatto, que era o treinador da equipe, não é? Não existia treinador de goleiro específico. Ele dava treino para os goleiros, e fazia muitos saltos, sabe? Eu gostava de saltar, era gostoso aquele gramadão bonito que tem lá no estádio. Muito diferente do campinho de futebol que a gente brincava na cidade. Aí eu ficava lá saltando bastante e eu achava aquilo legal. Aí no final do ano, nós fizemos um jogo treino, assim como encerramento do ano e eu acabei tomando um gol que eu não gostei, eu achei que eu poderia ter defendido. Eu fiquei chateado e aborrecido com aquilo lá e fui embora para casa, não é? Aí teve um período de férias. Eu falei: “ah, não vou voltar mais não. Não é isso que eu quero da minha vida. Eu acho que é muito complicado, eu tenho que ir todo dia para Campinas, é desgastante, estudar... Eu não sei o que eu vou estudar, estou preocupado, daqui a pouco eu vou entrar para o colegial. Que profissão eu vou seguir? Vestibular para quê que eu vou fazer?” Tinham muitas indagações na minha cabeça, mas nada me passava assim: “não, a minha profissão vai ser de goleiro de futebol, vai ser de jogador de futebol”. Pelas experiências que eu estive, eu falei: “não, não é isso. Não vou ganhar dinheiro jogando futebol, não é?” Nem passava pela minha cabeça. Eu falei: “Ah, não quero. Vou me preocupar só com os estudos para nada me atrapalhar. Não quero mais saber de trabalhar na Ponte Preta”. Mas o Mário Juliatto, ele deve ter visto alguma coisa de diferente em mim e ele tinha amizade com seu Chene. Uma coisa até interessante essas coincidências, não é? Ele tinha amizade. O Mário Juliatto ele era da cidade de Valinhos, eu e seu Chene, nós éramos da cidade de Vinhedo e a Ponte Preta em Campinas, não é? E ele começou a insistir muito com o seu Chene para eu continuar treinando, ir para Campinas treinar. Acho que ele viu um perfil legal em mim para ser goleiro. Até que de tanto o seu Chene, entre aspas, me aborrecer, ele ia na casa dos meus pais toda semana, “Ah, o seu Mário quer que você vai, ele quer que você vai, ele acha que você tem condições”, até que chegou um dia e eu falei: “Tudo bem, eu vou. Desde que eles me arrumem escola, eu fique morando lá no estádio, não é? E vá estudar”. Quer dizer, aí não custa nada conciliar o treinamento do dia com estudo e aí eu acho que vai facilitar alguma coisa. E acabou acontecendo assim, não é? Eles me arrumaram uma escola, eu passei a residir lá no estádio do Ponte Preta, treinava diariamente como se eu já fosse um dos elementos, um dos jogadores pertencentes ao clube e comecei a treinar. Então, esses foram os primeiros passos que eu dei. T.M - E você tinha comentado, voltando um pouco, da experiência que era para você ouvir jogos no rádio, falando que você já tinha essa postura, meio contra a maioria, de torcedor. Nessa época, tinha algum goleiro ... Como você é de 1956, já ouvia se falar muito ainda no nome do Barbosa, aí depois do Manga e talvez, na sua época, o Felix, não sei. Quem eram, não sei, se tinha essa coisa de rua de quando você jogava bola. Você defende e grita o nome do seu goleiro. Não sei, você tinha isso? C.G - Está. Eu tinha, na época, quer dizer, eu nasci em 1956, não é? Mas quando eu comecei a entender um pouco de futebol, eu lembro que eu fiz uma viagem. Meu pai e os irmãos dele tinham uma pequena indústria, a fábrica de carrocerias. Lá em Vinhedo. E eles tinham um caminhão que fazia fretes, em uma espécie de transportadora e, às vezes, eu ia viajar com o chofer. Com o motorista do caminhão para passear nas férias. E eu lembro em uma dessas viagens, em 1966, que foi até quando o Brasil estava disputando a Copa do Mundo na Inglaterra, o goleiro era o

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Gilmar1, depois entrou o Manga2, a gente ouvia nas viagens pelo rádio. Depois começou a aparecer o Leão3, do Palmeiras. Aí veio o Ado4, do Corinthians, que foi, assim, uma aparição repentina, ele já foi convocado para a Copa do Mundo junto com o Leão e tinha o Felix5. Então, ele começou a... Despertava atenção. Então, esses eram os goleiros mais... Que a gente tinha certa referência. Mas eu não tinha, assim, um ídolo que eu seguia, que eu achava que era esse que eu quero ser igual a ele. F.S – E seu pai, como você falou, era dono dessa empresa, uma pequena transportadora. Sua mãe era? C.G – Minha mãe era dona de casa. Família tradicional: o pai trabalha e a mãe cuida do lar. Era assim. Então, eu gostava daquela emoção do goleiro defender a bola, mas não tinha assim “esse goleiro é o que eu me inspiro”. Não é assim, eu gostava de ouvir as defesas que o Ado fazia; que o Leão fazia; Depois, na Copa do Mundo, o Felix fez algumas defesas fantásticas. Aquilo tudo despertava atenção. A gente torce para aquele que está sempre inferiorizado, não é? Parece... Antigamente era assim, parecia que o goleiro sempre estava em uma situação menos favorável, não é? Ele está sempre prestes a ser executado pelo atacante. Então: “O cara defendeu, o cara foi melhor que o atacante”. É muito diferente de atualmente. Atualmente, o goleiro tem uma condição muito mais consistente do que era. F.S – E você fala dessa sua chegada a Ponte, dessa tua volta para a Ponte em que você estava um pouco reticente até o seu Chene lhe incentivar a voltar e você volta. Como é a tua chegada no time principal da Ponte junto com essa geração, chegou você, Oscar6, Polozzi7, esse pessoal aí? C.G – Não foi nem um incentivo do seu Chene com o seu Mario Juliatto. Foi uma persistência dele. E a minha trajetória dentro da Ponte também, quer dizer, eu pensava o que eu vou estudar? Que faculdade eu vou seguir? E que profissão eu vou ter? Essa coisa interessante. E de repente eu estou na Ponte Preta treinando. E treinando bastante, muito, já que eu aceitei, eles deram a condição de eu estudar, de ir morar no estádio, estou treinando todos os dias, quer dizer, eu não posso passar vergonha de ser dispensado porque eu não tive qualidade para isso. Então, eu treinava bastante, me dedicava, todos os dias eu me esforçava o máximo que eu podia. E isso daí eu acho que foi determinante para que eu fosse tendo uma ascensão gradativa dentro do clube. E isso... Eu comecei a residir no clube em 1972 e já no ano de 1973 eu estava treinando com os atletas da equipe profissional. E de repente, quando em 1973 eu estava treinando, 1974 eu fui convocado pela primeira vez para a seleção brasileira sub-18, eu estava com 17 anos, 17 para... Não, estava com...foi em 1974. Eu estava com 17 anos indo para 18 porque eu faço aniversário em março, foi antes disso. E ia disputar um torneio de Cannes. Era um torneio muito comentado na época. O Moacir 1 Gilmar dos Santos Neves. 2 Haílton Corrêia de Arruda. 3 Emerson Leão. 4 Eduardo Roberto Stinghen. 5 Félix Miéli Venerando. 6 José Oscar Bernardi, ex-zagueiro que disputou a copa de 1978 como titular pela Seleção Brasileira.

7 José Fernando Polozzi, ex-zagueiro, foi reserva da seleção Brasileira na copa de 1978.

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que era o goleiro que estava na Ponte Preta já anterior. Antes de eu ir para lá, ele era o goleiro das equipes de base, era o mais falado, com mais condições. Ele tinha ido no ano de 1973, tinha sido tri campeão. O Brasil, no ano de 1973, foi tri campeão. Aí em 1974 eu fui como goleiro. Aí de repente, vamos dizer assim, eu paro para pensar, eu já estou ganhando certo dinheiro, uma ajuda de custo no clube. Porque não era profissionalizado ainda. Naquela época tinha a questão do contrato de gaveta. O atleta amador, você só poderia ser profissionalizado após as olimpíadas. E a olimpíada era em 1976, quando eu completaria 20 anos de idade. Então eu tinha uma ajuda de custo, aí eu estava ganhando um dinheiro razoável, eu comprei um terreno em Vinhedo. Aí eu parei para pensar “Puxa vida! Eu estou preocupado com o que eu vou estudar, está difícil para estudar, não é?” Porque eu tinha entrado no colegial, feito o primeiro ano, o segundo ano de colegial, estava indo para o terceiro, se eu não me engano. E começou a ficar difícil para concluir o colegial com essa minha ida para seleção de Cannes. A gente viaja, fica dois, três meses ou mais fora. Ausente da cidade e começa a dificultar. Você não consegue terminar o ano, aí vai para o outro ano. Então, de repente, eu paro, penso: “Puxa vida, eu estou aqui labutando, tentando entender e eu comprei um terreno, estou pagando. Essa é a minha profissão!”. Aí eu acordei, acordei, né? “Puxa, a minha profissão é essa.” Eu estou já em um caminho que eu nunca pensei e de repente, e eu falei “o meu caminho é esse.” Se eu estou me dedicando e acho que eu tenho que me dedicar e voltar o meu pensamento totalmente para isso aqui e agora. É o que se apresentou, que abriu para mim. E foi aí que eu comecei a, vamos dizer assim, a encarar diferente. Vou me tornar um jogador de futebol profissional. Então, a minha vida começou a andar como goleiro de futebol. Mas eu fui para Cannes em 1974, aí nós fomos campeões, tetra campeões, eu voltei, tive a minha primeira oportunidade como titular da equipe da Ponte Preta profissional, com 18 anos de idade. Aí durante dez meses, eu permaneci como titular. De 1974 até o começo de1975. Então, o Moacir voltou a jogar. Eu fui convocado para a seleção sul americana sub-18 também. Disputou sul americano e já, em seguida, eu fui para a disputa do pan-americano no México, em 1975. Ganhamos a medalha de ouro. Aí eu voltei em 1975. E final de 1975, início de 1976, nós disputamos o pré-olímpico lá em Recife. Nós fomos campeões do pré-olímpico e ficou toda aquela preparação, excursão para Europa, toda essa preparação para olimpíada. Que culminou com a olimpíada em Montreal. Eu fui titular. Desde a minha primeira convocação para Cannes em 1974, na sub-18, até o final das olimpíadas eu fui titular sempre. Então eu disputei as olimpíadas, em Montreal, em 1976 como titular. Nós terminamos em quarto lugar em uma situação adversa para nós porque nós éramos uma seleção sub-20 enfrentando seleções que tinham disputado no mundial de 1974 na Alemanha, em seleções principais em seus países. Na época, eram os países socialistas, do leste europeu, no caso tinha Alemanha oriental, que foi campeã, medalha de ouro. A Polônia foi vice-campeã, tinha sido terceiro lugar no mundial de 1974. A Rússia foi terceiro lugar, medalha de bronze, na olimpíada e era uma das boas seleções da Europa. E nós fomos quarto lugar. Eu acho que foi uma conquista importante para nós, pela nossa idade e aí na minha volta da olimpíada foi quando eu me profissionalizei, em 1976, com 20 anos de idade, eu me tornei profissional do futebol como goleiro. Então vamos parar um pouco porque agora o sol já veio brabo aqui. T.M. – Muito forte.

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C.G. – Você está insistindo para eu beber água.

[Interrupção da gravação] T.M– Só antes de a gente passar um pouco pela sua trajetória na Ponte. Você comentou exatamente desse momento em que você teve esse baque: “Nossa, eu estou enfim me tornando um jogador de futebol”. E você já comentou um pouco, mas só para a gente fechar um pouco. Como é que foi essa experiência de, com 16 anos, estar morando sozinho? Com 18, indo para a França, 19... Não sei.. F.S. – 20, indo para o Canadá nas olimpíadas. T.M – Isso. C.G – É, as coisas vão acontecendo e eu não planejei nada na minha vida. Como eu disse no início, eu não tinha objetivo de ser um goleiro de futebol profissional. Eu tinha um sonho, vamos dizer, eu sonhava, eu sonhava em ser ali um goleiro, um jogador, às vezes nem goleiro. Um jogador jogando em outra posição. Por isso que eu achava muito legal o futebol. Então... Mas de repente tudo foi acontecendo ao acaso. O caminho foi...vamos dizer, a vida foi me conduzindo para isso. Eu gosto de brincar, de repente ninguém gosta de jogar no gol, mas eu gosto. Os mais velhos me convidam para ir e em um desses convites a Ponte Preta foi jogar e me viu jogar, me convidou para ir, uma coisa que eu nunca tinha pensado em ir a um clube fazer avaliação. Fui convidado para treinar. Fui. E de repente o treinador achou que eu tinha potencial para continuar, eu não queria e a persistência dele porque achava que poderia ser e eu acabei indo e as coisas foram acontecendo. Aí eu acordo, esperto para aquilo e pensei “puxa vida, estou preocupado, não sei o que vou estudar”. Que profissão eu vou seguir, mas eu estou aqui com uma profissão já grudada em mim, já em mim como um goleiro de futebol profissional. Então, eu despertei para isso e tudo se tornou real. Como uma coisa concreta, não é? Palpável. Então, eu vou me dedicar totalmente a isso. Qual que era...? T.M – É. Era bem isso mesmo. E isso no meio... C.G – Está [bem]. E aí, vamos dizer assim, o desprendimento da família, não é? É uma coisa interessante isso. Quando eu fui... eu falei: “bom, eu vou para Campinhas desde que seja para estudar e ficar morando”. Aí meu pai... Eles concordaram, meu pai foi me levar. Eu estava arrumando as minhas coisas, aí eu falei assim para minha mãe: “E aí, tudo bem?” Ela falou assim: “Tudo bem. Não era bem isso que eu queria que acontecesse, não é?” Toda mãe é assim, quer ter o filho próximo. “Não era isso. Eu não gostaria que você fosse não, mas se esse é o seu caminho... Vá, fica tranquilo, é perto, não é longe. Todo final de semana você vai estar aqui em casa.” Então, vou bem assim, sem trauma nenhum. Foi uma coisa fácil de acontecer. Eu fiquei... Eu sempre fui uma pessoa tímida, reservada. De repente eu estou junto com pessoas estranhas, fico lá no meu canto, eu acho que tudo isso foi muito importante para mim, no meu desenvolvimento pessoal. Eu fui tendo outras experiências de vida,

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aprendendo a viver sozinho, na sociedade, embora no sistema fechado também é muito diferente, não é? Mas foi uma coisa importante para mim. E nisso tudo, no último ano do meu colégio, eu terminei em Vinhedo. Foi depois das olimpíadas que eu terminei o terceiro ano do colegial. Foi no ano de 1977, eu até fiquei morando na casa dos meus pais, voltei para a casa deles. Aí eu treinava durante o dia, à tarde eu voltava, a tardezinha eu ia lá para o colégio, terminava a aula, dormia em casa e no outro dia eu ia para Campinas. São 15 quilômetros de Vinhedo ao estádio lá da Ponte Preta. É uma vida gostosa. Até 1977, o meu primeiro ano, o meu segundo ano. Eu me profissionalizei acho que foi em agosto de 1976. Em 1977 foi o primeiro campeonato paulista que eu disputei como titular todinho. Eu já iniciei o ano como titular da equipe da Ponte Preta e disputamos o campeonato paulista. Foi um campeonato excelente que eu realizei, eu tinha, em 1977, 21 anos de idade. A Ponte Preta fez uma campanha magnífica, nós fomos para a final com o Corinthians, aquela final histórica. E eu fui convocado também. Esse ano foi fantástico para mim. Porque eu tive uma projeção nacional pela Ponte Preta através do campeonato paulista, das finais frente ao Corinthians, pela situação toda. O clima todo do jogo. Eu fui convocado para a seleção principal brasileira. Então foi assim: de 1974, 1975, 1976 eu estive nas seleções de base, todas elas. E em 1977, já como profissional, eu fui convocado pela primeira vez para a seleção principal como terceiro goleiro na fase final das eliminatórias, que foi em Calle, na Colômbia. O Leão era o goleiro titular, Wendell8 era o suplente do Leão e eu fui como terceiro. Então, foi muito significativo para mim o ano de 1977 na minha carreira. T.M – Sobre essa final, inclusive, que você citou tão importante, a gente entrevistou o Oscar também. Ele também comenta tudo o que envolveu aquela decisão. Como você citou, em regime fechado, exatamente, e ao mesmo tempo uma decisão. O Corinthians há muitos anos na fila.. Então uma pressão um pouco estadual, talvez à nível estadual mesmo para que o Corinthians fosse campeão e o Ponte Preta fazer um pouco aquele papel do goleiro de ir contra todo mundo um pouco e no meio desse jogo, três jogos em São Paulo, a expulsão do Rui Rei, não sei como você vê, como você viu naquela época e como você vê hoje e também essa decisão. Não sei. C.G – É, a final de 1977 contra o Corinthians, uma final todo um clima especial, pela longa data o Corinthians está sem títulos. Há 22, 23 anos. Toda aquela expectativa, todo o clima criado, tudo foi criado e conduzido para favorecer o Corinthians. Corinthians era... É aquela paixão, aquela comoção toda, aquela vontade, aquele desespero para ser campeão. Por isso que até hoje foi uma conquista diferente do Corinthians. E para Ponte Preta também. E apesar de não ter sido campeão, foi uma conquista. Ela chegou a uma disputa que ela poderia ter sido campeã, ela fez jus à condição de finalista, ela tinha condições iguais ou até superiores a equipe do Corinthians, a equipe da Ponte Preta, não é? Ela possuía um... A Ponte Preta sempre teve um charme especial como um clube porte médio. Um clube pequeno, um clube de porte médio do interior tem assim uma condição diferente e aquilo foi, vamos dizer 8 Wendell Lucena Ramalho.

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assim, foi marcante. Aquela sensação de a gente poder ser e de repente não acontecer. O Rui Rei no momento decisivo, ele, vamos dizer assim, teve um deslize no seu comportamento e perdeu a cabeça, ele entrou em uma... Não sei se foi um jogo ou uma indução que fizeram com ele, sei que ele não teve o controle suficiente e acabou sendo expulso. Existe muita conversa paralela de se achar o que aconteceu, o que deixou de acontecer. Tudo é especulação. A verdade quem é que vai saber, não é mesmo? Mas, enfim, eu acho que o importante foi o que se conseguiu conquistar com aquela final. Para mim, ela foi muito significativa, pela minha idade, pela projeção que eu consegui e, vamos dizer, dentro das minhas possibilidades, eu fiz sempre o máximo para tentar, se não for campeão, paciência. O Corinthians ele fez por onde, ele lutou, eram duas forças que se equilibravam e ela pendeu para o lado que, no caso, conseguiu, naquele momento, força maior. Porque o peso de se jogar três jogos em uma final dentro do Morumbi só de Corinthians é diferente. Embora, eu acredite até que se houvesse jogo em Campinas, não vale dizer que a Ponte Preta teria sido campeã. Tudo são suposições. Mas o Corinthians foi campeão porque ele mereceu ser, lutou para aquilo lá assim como a Ponte Preta mereceu estar ali e ela teve o seu reconhecimento por aquele lugar que ela conquistou. F.S – E aí em 1977, você joga a fase final das eliminatórias, isso como você falou, como terceiro goleiro. E em 1978, você já vai para Copa já s sob o comando do Cláudio Coutinho, como reserva do Leão, convocado como Oscar e Polozzi, seus colegas de Ponte Preta. Você lembra um pouco do ambiente da Copa? Das dificuldades que aquele time tinha para ir avançando na competição? Aquela ansiedade da convocação: “Será que eu vou?”. “Será que eu não vou?” Tem outros colegas de posição que também têm chance de serem chamados? C.G - Terminou o ano de 1977, aí vinha aquela expectativa no ano de 1978, que era a convocação para Copa do Mundo na Argentina. Brasil classificado para Copa, não é? E tinha aquela expectativa de ir. E como eu vinha subindo degraus dentro da seleção brasileira, em uma trajetória sempre crescente. Desde a primeira convocação, todos os anos eu estive presente na base até me profissionalizar, eu sempre fui titular e depois tive a primeira experiência na seleção principal. Tudo na vida é gradativo. Você vai experimentando, você vai se submetendo e você vai dizendo se tem condições ou não. Então, entra o ano de 1978, eu tinha muita confiança que eu seria convocado, sim, por tudo que antecedeu. Tudo o que antecedeu, eu trabalhava, me esforçava muito dentro de campo e naturalmente eu fui convocado para a Copa de 1978. Tanto é que no início da preparação, já na primeira convocação, na primeira etapa da preparação, fomos eu e o Leão. O Leão como titular, eu como reserva. Nós dois, nós começamos a preparação. E depois, na sequência, o Valdir juntou-se a nós. O Valdir Peres. Ele juntou-se a nós. No caso, acabou acontecendo dele ser o terceiro goleiro. E durante a Copa do Mundo, eu fiquei... somente em um jogo que eu não fiquei no banco como suplente. Acho que foi contra a Polônia. Foi contra a Polônia ou contra o Peru, eu não me recordo. Eu sei que teve um jogo em que eu não fiquei na suplência. Mas todos os jogos, eu fiquei como segundo goleiro. Então, era uma sensação, posso dizer até que estranha, é diferente. Aquela preocupação. Como é que vai ser se eu tiver que jogar? Como é que não vai ser? Porque, na preparação, todos os jogos amistosos, eu participei de dois jogos. Um jogo na Arábia, em que eu iniciei o jogo, aí no segundo tempo, o Leão entrou. E, depois, em um último jogo da excursão que nós fizemos, foi

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contra o Atlético de Madri. Eu entrei já no início do segundo tempo, no intervalo eu entrei. E são poucos os jogos na equipe principal do selecionado brasileiro. Eu tive uma grande experiência na base, mas base, é base, equipe principal, profissional são diferentes, não é? É, quer dizer, é uma realidade e uma afirmação profissional. Enquanto que a base é uma... Você está almejando chegar. E lá já uma... Não é que seja uma chegada, lá é um ponto aonde você chega e você se mantém e cresce ali. Então, não sei com seria ou como não seria. Mas a minha vida, ela foi sempre acontecendo... [silêncio] favorável a mim, vamos dizer. Eu fiquei no banco de reserva, não houve necessidade nenhuma. Foi uma sensação diferente, uma experiência diferente de estar disputando uma Copa do Mundo, próximo, sentado no banco. E eu tive muitos aprendizados com o professor Carlesso9. Ele foi um dos primeiros a trabalhar com treinamento de goleiro. Assim, com um trabalho planejado, com pesquisa, ele estudava, não é? Nós tivemos o Valdir de Moraes, ele e o Carlesso eles foram diferentes. O Valdir, uma pessoa prática, que viveu dentro do campo, jogando, foi um excelente, excepcional goleiro. Ele tinha essa experiência favorável. O Carlesso foi o outro lado. O complemento disso. Porque ele pesquisava, estudava, ele introduziu esse trabalho na seleção brasileira. E eu fui muito favorecido com isso. Eu tinha um treinador de goleiro, na época da Ponte Preta na mesma situação que o Valdir de Moraes, que era o Dimas. O Dimas, ele começou a ajudar na minha preparação foi nesse período de 1977. Ele assistia a muitos jogos, ele foi um ex-goleiro do Guarani. Ele assistia a muitos jogos de Campinas. Tanto Guarani quanto Ponte Preta. Ele acompanhava o Zé Duarte10 era o nosso treinador e o seu Zé tinha muita amizade com o Dimas. E o Dimas e ele conversavam muito e o Dimas sempre falava para ele: “Puxa, seu Zé, se o Carlos fizesse isso, poderia melhorar”, essas coisas. E seu Zé falava: “Dimas, por que você não vai conversar com ele?” “Ah, Carlos, o goleiro joga na seleção, eu não sei como ele vai receber isso. Se ele vai gostar, se ele não vai.” “Não, Dimas, vai lá, conversa com ele, uma pessoa tranquila.” E nessas conversas, troca de ideias, o Dimas começou a ajudar em treinamento e daqui a pouco o Dimas acertou com a Ponte Preta para ficar trabalhando como treinador do goleiro sendo um dos primeiros a exercer essa função no futebol brasileiro, não é? Era o Valdir, no Palmeiras, o Dimas na Ponte Preta, o Carlesso na Seleção. Então, eu tive essa felicidade, não é? Eu não tinha trabalhado, no início, com o Valdir, mas eu trabalhei com o Dimas, que foi um grande goleiro e ele foi muito importante na minha vida porque nós discutimos muito, eu discutia muito com ele o porquê ele tinha os pontos de vista dele. Por que um goleiro tem que agir dessa forma? Eu ficava discutindo muito isso com ele. “Não, Dimas, eu acho que tem que ser assim.” “Não, Carlos, eu penso assim. Por quê? Quando eu jogava, eu fazia isso por causa disso, disso, disso”. “Está [bem]. Mas e se eu fizer assim? Eu acho que para mim vai ser melhor assim”. Então a gente discutia muito esses pontos e isso ajudou muito, colaborou muito com a minha formação. Então, eu sempre fui uma pessoa que questiona isso, que questionava muito isso. E o Dimas foi muito importante para mim, E o Carlesso, ele se preocupava muito com outros detalhes, não é? Quando eu tive a minha primeira experiência na seleção em 1977, a preocupação dele era com que eu treinasse separado do grupo para treinar com ele, para aperfeiçoar o movimento, não é? Os gestos técnicos específicos do goleiro, ele falava para mim: “Oh, vamos melhorar isso, automatizar esses movimentos, quando você estiver bem, aí você vai 9 Raul Alberto Carlesso 10 José Duarte.

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trabalhar junto com o restante do grupo, como está trabalhando Wendell e o Leão.” Ele falou: “Mas primeiro vamos melhorar isso”. Então tudo isso foi importante, não é? Você aperfeiçoar o movimento para ter esses movimentos ótimos em todos os sentidos, que é a ferramenta de trabalho do goleiro para usar para resolver os problemas do jogo, não é? Então eu tive esse lado, de pessoas que viveram a situação dentro do campo e de outras que estudaram e pesquisaram. Tudo isso foi fundamental para eu continuar avançando. Então, em 1978, o Carlesso também, a gente treinava muito lá na Argentina. Eu treinava muito separado com ele. Então foi muito importante para mim esse período. Embora eu não tenha jogado, foram poucos os jogos em que eu estive na equipe titular, mas de aprendizado para ter, assim, estrutura de jogo, base de jogo, para poder jogar bem, foi determinante para a minha carreira em seguida. Seguir adiante. [Técnico de gravação] – Vamos fazer uma pausa para trocar a fita. T.M/F.S – Só sobre a Copa de 78 para a gente entrar nos jogos, eu queria comentar

com você um pouco do clima, para falar do ambiente da seleção, você estava citando

justamente essa relação horizontal que você tinha no Guarani, de poder conversar com

o preparador, o Carlesso da seleção. Como é que era em meio a esse clima, esse

ambiente bom? Ao mesmo tempo uma Argentina marcada por um ambiente um

pouco fechado e a própria delegação do Brasil também com alguns militares, como é

que era? Não sei se isso chegava a interferir? Ou não, não sei como isso se dava.

C.G – É. Vamos em partes, aqui. Continuando dos treinadores e goleiros, para depois

entrar nessa outra.

T.M/F.S – Está [bem].

C.G – O Carlesso, ele fez... ele teve um procedimento importante comigo. Todas as

vezes que o Brasil jogava amistosos aqui no Brasil, ele me levava para ficar atrás do

gol do goleiro adversário. Nós assistimos Brasil e Alemanha no Maracanã, Sepp

Maier11, primeiro da Alemanha e assim foi com outros goleiros grandes e famosos na

época. Para ver e observar de perto ali atrás do gol, pertinho, para ver como eles

jogavam. Foi um procedimento muito bom. Foi importantíssimo também. Na Copa de

1978, ele trocava muita ideia comigo, conversava a respeito do Leão. O Leão foi uma

referência mundial como goleiro. Ele até cita algumas coisas interessantes nesse

sentido, que o brasileiro sempre se preocupou em saber do europeu. O que o europeu

fazia de bom para trazer para cá, aí em uma das passagens da seleção brasileira na

11 Josef Dieter Maier, goleiro alemão

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Europa, dessas excursões, eles foram procurar o material para saber - o material a

respeito de treinamento de goleiro – eles conseguiram, para a surpresa de todo mundo,

tinha o Leão lá como referência em bola, saída do gol e outros gestos técnicos aí e ele

como referência. Puxa vida, nós estamos preocupados com os outros e eles pegam as

coisas nossas, não é? É uma coisa interessante isso. Só uma questão de nós não nos

valorizarmos. Ao contrário, nós também temos um valor muito grande no cenário

mundial, tanto é que o Brasil é o país que mais conquistou Copas do Mundo, não é?

Em relação ao ambiente que nós vivíamos na Copa de 1978, tudo o que está em torno

e externo, dificilmente chega, sabe? Porque geralmente se vive em certo isolamento,

não total porque isso é impossível, mas a própria estrutura que é criada, ela te isola

um pouco, não é? Porque toda seleção vai para uma concentração, um lugar mais

tranquilo para poder treinar, pensar, refletir sobre o que está fazendo, sobre o que vai

fazer ou a importância da competição, tudo isso é muito importante, não é? É um

evento de maior importância no futebol mundial – a Copa do Mundo. Então, existe

um zelo, uma preocupação em relação a isso. O que acontece no governo brasileiro, o

que acontece no governo argentino, isso não é um problema nosso. Nós não vamos

resolver esse problema. Então, nós não vivemos essa situação. A Argentina, sim, vivia

um problema muito grande e era uma necessidade para camuflar muita coisa interna.

A Argentina foi campeã, como se isso fosse resolver o problema do país, não é? O

povo tem aquela alegria, mas, no fundo, a vida do país não é nada lá o que se espera.

o que se deseja. Mas, enfim, não se sabia tanta coisa, principalmente, eu, no meu

caso, a minha tensão, a minha preocupação era com o que eu estava vivendo ali, no

futebol, na seleção brasileira. Eu não tinha conhecimento disso, a gente ouvia notícias

ao presidente, acho que Videla12, não é? General Videla, depois da Copa do Mundo,

comentários. Um dia eu estava sentado com o Mozer13 e ele falou, o Fillol14 foi

goleiro do Flamengo, alguns anos depois. E o Fillol comentando com eles a respeito

dos jogos da Argentina na Copa de 1978, então ele dizia que os jogadores jogavam

uma situação anormal. Mas ele até como goleiro ele não poderia submeter às mesmas

condições que os outros jogadores porque ele perderia a sua condição natural de jogo

e não renderia a mesma coisa. Mas tudo foi feito, assim, de condições normais como

12 Jorge Rafael Videla exerceu a função de presidente da Argentina entre os anos de 1977 e 1981. 13 José Carlos Nepomuceno Mozer. 14 Ubaldo Matildo Fillol.

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anormais ou até ilícitas, sei lá, não é? Que a gente ouve falar, mas provar, como você

vai provar? Para se poder chegar a uma conquista. Então o que é um desejo, uma

finalidade e fizeram de tudo, e tanto é que conquistaram o título de 1978.

Conquistaram também porque tinham uma grande seleção, tinham jogadores

competentes, capazes, não é? para se chegar a isso, porque tudo tem um limite. Além

de ter a condição, existiu todo um clima favorável e conduzido para isso.

T.M/F.S – Você falou dessa questão da condição da Argentina, desses climas que

propiciavam este ambiente favorável para Argentina. Quando houve aquela derrota

polêmica do Peru para Argentina por 6 a 0, isso já era uma coisa que influía a

campanha brasileira naquela Copa. Disso vocês ficaram sabendo e a tristeza foi

grande, daquela coisa: “fizemos o que a gente podia fazer, mas não deu. Vamos para a

decisão do terceiro lugar. Fazer o quê?”.

C.G – É. O Brasil fez uma campanha boa na Copa do Mundo. O sistema de disputa de

fase para fase era diferente do sistema atual, tanto é que na última fase, que seria a

fase semifinal, que, atualmente, a semifinal é uma equipe contra outra, eliminou, vai

para a final e na Copa da Argentina não foi assim. Eram quatro equipes disputando a

vaga para a final e outras quatro equipes disputando- outras quatro seleções-

disputando outra vaga para final. No grupo do Brasil, era Brasil, Argentina, Peru e

Polônia. Quatro seleções, uma delas vai para final. E o segundo colocado ia disputar

terceiro e quarto lugar, não é? Então era um sistema diferente e tudo isso ajudava,

favorecia a equipe, no caso a Argentina, que mais necessitava. Qual era o elo fraco

ali? O elo fraco eram as outras duas seleções: a Polônia e o Peru. O Brasil venceu a

Polônia por três aum. A Argentina venceu a Polônia por três aum. O Brasil venceu o

Peru por três aum. E a Argentina foi jogar contra o Peru, só que... em horários

diferentes. A Argentina sabendo da necessidade do resultado de gols, de diferença de

gols. Então tudo isso já é, de uma certa forma, tendenciosa para se beneficiar. A

seleção do Peru cedeu? Ou não cedeu? É muito difícil dizer. Se você ver os gols, o

Peru deixou a Argentina fazer? Não, a Argentina atropelou o Peru. Foi infinitamente

superior ao Peru, ao goleiro do Peru, ele era um argentino naturalizado peruano, ele

facilitou? Eu não acredito que ele tenha facilitado, ele jogou, mas ele não conseguiu

defender todas as bolas. Existem gols defensáveis, outros indefensáveis, mas, enfim, a

Argentina conseguiu o queria fazer. O Peru teve chance de complicar a Argentina,

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dificultou, mas não tinha força suficiente. Se tivesse, teria feito um campanha melhor,

não é? Essa é que é a realidade. Enfim, a Argentina passou por cima, literalmente, do

Peru e houve uma frustração muito grande da seleção brasileira- da nossa parte-

porque nós fizemos uma campanha irrepreensível, nós chegamos até o último

momento, que foi contra... Foi um jogo que nós tivemos com a Polônia. Nós

vencemos. Nós tínhamos vencido o Peru e a Argentina que ganhou de um resultado

maior de três gols a mais do que o Brasil. Esse foi o detalhe que determinou a

conquista da Copa do Mundo. O Brasil disputou o terceiro e quarto lugar contra a

Itália, venceu por dois a um. Foi terceiro lugar invicto, poderia ter sido campeão como

foi a Argentina. A Argentina disputou a final contra a Holanda que foi se decidir

somente na prorrogação. Então, vamos dizer, o Brasil fez uma campanha fantástica

também, mas o regulamento, a forma de disputa foi favorável à Argentina e não ao

Brasil, eu vejo por esse lado, sabe? Se eu olhar para o outro lado, eu acho que é

muito, vamos dizer assim, você se apegar a fatores baixos, sabe? Então, o Brasil, ele

não teve uma força de...a condição de ter feito mais gols no Peru, eu acho isso. Porque

quando o Brasil jogou contra o Peru, foi no primeiro jogo. E a Argentina no primeiro

jogo ganhou da Polônia por três a um e o Brasil no primeiro jogo ganhou do Peru de

três aum. Aí no último jogo, o Brasil pegou uma Polônia que queria também

classificar para um terceiro e quarto lugar e venceu por 3 a 1, mas o Peru que já estava

totalmente desmotivado. Sabia que não ia chegar mais em lugar nenhum porque o

resultado do Brasil já tinha acontecido e foi cumprir tabela. E esse cumprir tabela

favoreceu totalmente a Argentina. Então, a condição da disputa levou a que tudo

favorecesse a Argentina.

T.M/F.S – E inclusive o Coutinho15 criou a impressão de que o Brasil foi o campeão

moral da Copa.

C.G – Isso.

T.M/F.S – Não sei se você concorda, você já deixou claro o seu posicionamento aqui,

mas você concorda com ela? E como era a sua relação com o Coutinho? Por que, por

exemplo, ele é bem elogiado por alguns jogadores, criticado por outros. Você era

ainda muito jovem, não sei.

15 Cláudio Pêcego de Moraes Coutinho.

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C.G – O Coutinho, ele era... ele seria um treinador para os tempos atuais, em que nós

estamos hoje. Ele já era avançado para a época, era um estudioso, assim como era o

Carlesso no treinamento de goleiros, o Coutinho era no trabalho geral com equipe. O

Claudio Coutinho foi treinador das Olimpíadas – ele foi o nosso treinador nas

Olimpíadas- ele esteve conosco no Pan-americano. Então ele foi uma pessoa que

chegou à condição de treinador da equipe principal brasileira por mérito, por

competência, ele sempre foi uma pessoa esclarecida, de convivência fácil. Eu digo

isso pela experiência que eu tive com ele desde a época das seleções sub-20 brasileira,

de Pan-americano, de Olimpíada. A forma de como ele se relacionava conosco era

uma forma direta, fácil, tranquila. Era uma pessoa extremamente inteligente,

comunicativo, de fácil entendimento do que ele queria do jogo no campo. Então é

uma pessoa que hoje, atualmente, se estivesse viva, seria de muita importância como

foi, na época, para o futebol brasileiro, hoje ele estaria sendo muito mais pela

competência, pelo estágio que nós estamos vivendo hoje, pelas exigências modernas,

atuais do futebol, ele estaria no top, não é? Eu vejo assim o Claudio Coutinho, eu só

tenho coisas boas a falar dele, de tudo o que nós convivemos juntos na seleção.

T.M/F.S – Aí você volta para Ponte, em 1978, depois da Copa e continua em uma boa

sequência. Em 1979, a Ponte volta a ser vice-campeã paulista, perdendo para o

Corinthians... e você continua sendo lembrado para a seleção tanto em 1979, ainda no

fim do trabalho do Claudio Coutinho com o Leão como titular ainda, depois em 1980

quando o Telê16 começa o trabalho, você primeiro alterna posições com o Raul

Plassmann17 e depois ali pelo meio de 1980, começo de 1980, é titular e começa o

mundialito como titular, só que aí você sofre uma contusão no cotovelo. Você se

lembra desse momento da carreira?

C.G – Bom, vindo o ano de 1978, o ano de 1979 eu continuei a ser [inaudível] da

seleção brasileira, juntamente com o Leão. Nós disputamos a Copa América em1979 ,

o Leão como titular, eu na reserva e assim foi todo o ano de1979 . Em 1980 o Telê

assumiu a seleção e eu continuei juntamente com o Raul Plassmann, no início das

convocações do trabalho do Telê, já visando eliminatórias de 1981 e para o mundial

de1982 . Foi um ano... Seria um ano... muito... vamos dizer, um ano muito

importante para mim, esse período seria muito importante de1980, 1981, 1982porque 16 Telê Santana da Silva. 17 Raul Guilherme Palssmann.

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eu sendo convocado com o Raul, o Raul jogando como titular e eu na reserva dele,

um jogando um e outro jogo, depois veio o João Leite18 aí em dezembro, janeiro de

80, 81, não é? Houve um mundialito no Uruguai com as seleções campeãs dos

mundiais. No primeiro jogo - eu acho que foi no dia dois de janeiro- nós jogamos

Brasil e Argentina e no início do segundo tempo eu tive uma luxação no cotovelo em

um lance e eu fiquei... Eu saí da seleção por esse motivo, o Waldir19 foi convocado no

meu lugar, lá no Uruguai, e eu fiquei ausente, assim parado, [em] recuperação dois a

três meses. E o Waldir, nesse tempo, ele... [inaudível] [assumiu como titular] e o

Waldir na reserva, depois veio a preparação para a eliminatória, eu estava voltandoa

jogar, me recuperando, o Waldir conquistou a condição de titular, disputou as

eliminatórias como titular de seleção brasileira e houve uma excursão àEuropa, onde

foram o Waldir e o Paulo Sergio20, na época no Botafogo. O Waldir fez ótimos jogos,

teve jogo contra Alemanha, ele defendeu dois pênaltis, do [inaudível] e o Waldir

conseguiu se afirmar como titular da seleção brasileira e eu que estava tendo uma

oportunidade de poder eu me afirmar como titular para disputar eliminatória e se tudo

transcorresse bem eu poderia ter jogado como titular em 82, mas essa contusão, ela...

vamos dizer assim... ela fez um corte nesse sentido. Ela foi uma pedra no meu

caminho, porque o Waldir se afirmou nessacondição, ele teve uma oportunidade e

mereceu essa condição, eu fui para Copa do Mundo em 1982 como um terceiro

goleiro. Então, eu fiquei todos os jogos como terceiro goleiro. Foi uma experiência

diferente, já em uma situação eu mais maduro dentro do futebol, e aí começaram a

acontecer coisas importantes na minha vida profissional. Quando terminou a Copa

de1982.

T.M/F.S – Você sofre uma contusão também na Copa de1982?

C.G – Não, não. Não tive problema nenhum.

T.M/F.S – Está [bem].

C.G - Eu simplesmente fui como terceiro goleiro. Aí veio o final da Copa, eu voltei

para o clube, continuei o meu trabalho normal dentro do clube, não é? Da Ponte Preta

e em 1983 eu não me recordo se houve... Eu acho que houve uma excursão àEuropa e

eu não fui convocado. Então eu comecei a perceber o rumo que a minha carreira

18João Leite da Silva Neto. 19 Waldir Peres de Arruda. 20 Paulo Sérgio de Oliveira Lima.

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estava tomando. Eu estive em uma progressão, dentro da seleção brasileira, até1981,

eu vim em uma ascensão, em um crescimento. Aí, apartir do momento que eu tive a

contusão, essa ascensão ela já começou a ficar... Ela já se tornou mais difícil, vamos

dizer, eu estava partindo para uma condição de ser titular e de repente isso começou a

não ser mais. Tanto é que eu fui para a Copa do Mundo em 1982 como terceiro

goleiro e aí quando teve a próxima convocação de 1983 eu não fui. Aí ascendeu

aquela luzinha amarela, não é? Eu jogando na Ponte Preta, eu comecei a pensar: “E

agora? Eu tenho como objetivo, eu quero estar na seleção brasileira, eu quero disputar

a Copa do Mundo, eu quero ser titular de seleção”. Desde que eu fui convocado à

primeira vez na seleção de base para Cannes em 1974, eu estive presente em todas as

convocações até1981. E tive depois uma sequência em 1982 como terceiro goleiro.

Em 1983 eu não fui. “Bom, e agora? Como vai ser meu futuro à nível de seleção?”

Aí já começa a vir aquelas dúvidas na cabeça, você começa a refletir sobre a vida

profissional e você começa a procurar respostas. Por que eu não fui em 1983 na

excursão? Se eu continuo jogando bem. Porque eu tive uma... Durante a minha

carreira, eu tive uma carreira sempre regular, sempre jogando bem, de uma maneira

regular, não é? Linear, vamos dizer assim, jogando sempre em um nível bom. Não

com muitos altos e baixos, mas sempre bom para alto, bom para alto, sempre

mantendoem um nível bom. A minha carreira sempre foi dessa forma e de repente eu

não fui convocado em 1983 e aí começar a ter umas coisas interessantes. O

Corinthians em1983, ele manifestou interesse em me contratar, eu achei aquilo muito

legal. Eu acho que para qualquer jogador de futebol, você jogando em uma equipe do

interior, de repente você ser pretendido por uma equipe grande, da capital, isso te traz

uma satisfação muito grande, uma valorização muito grande, sinal de que você tem

uma condição ótima para jogar futebol, embora estivesse sempre na seleção brasileira

– tinha participado de duas Copas do Mundo- mas atuando pela Ponte Preta. Era uma

situação diferente. A Ponte Preta eu me sentia em uma zona confortável. Estava em

uma situação confortável: Residência fixa em Campinas. Iniciei a minha carreira em

1972 na Ponte Preta, até1982, dez anos. Você já está habituado ao lugar, como se

tivesse dentro da sua casa, do seu lar, você conhece tudo e todos. As pessoas gostam e

se identificam, não é? A gente se identifica e tudo aquilo torna difícil você tomar uma

decisão. O Corinthians quer me contratar. “Puxa vida, que legal”. Mas será que eu

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quero ir para o Corinthians? Se eu tenho tudo aqui, se tudo aqui para mim é fácil,

estou tranquilo. Como é o Corinthians? O que me espera lá? Será que vai ser a mesma

coisa? Então tudo isso começa a passar na cabeça. Então, o Corinthians quis me

contratar, o presidente da Ponte Preta não se manifestou contrário, ele deixou até eu

negociar com o Corinthians, mas na hora h ele não deixou eu ir. Ele falou assim:

“Quanto o Corinthians vai te pagar? Vai pagar isso? Então, está bom, pode bater o

contrato lá com esses valores aí que eu te pago aqui.” E eu: “Tudo bem, vou continuar

na Ponte Preta”. Naquela época a lei do passe era diferente. Então, vamos continuar

em casa, na zona de conforto, onde você tem tudo fácil. Eu continuei na Ponte

em1983. Só que aquela preocupação, não é? Aquela luzinha amarela piscando. Mas

eu quero ir para a seleção e eu não fui para Seleção. Aí quando termina o ano de

1983, eu comecei a perceber que a minha trajetória dentro da seleção brasileira estava

prejudicada e que seria difícil o meu retorno. Como eu faço para voltar para seleção

brasileira? Se eu continuar jogando na Ponte Preta eu dificilmente conseguirei isso,

mesmo porque tendo participado de duas Copas do Mundo jogando por uma Ponte

Preta, é algo muito difícil. Hoje praticamente impossível. Então naquela época já era

difícil. Mas eu tinha as minhas dúvidas, os meus receios de ir para o Corinthians. Aí

um dia eu estava conversando com o preparador físico da Ponte Preta, na época era o

Bebeto de Oliveira21, e ele foi muito importante nesse momento para mim. Uma

pessoa com muita sabedoria, sensata e eu até assim, como um desabafo, eu estava

conversando com ele, eu falei assim: “Puxa, professor, o Corinthians quisme contratar

no início do ano, eu achei legal, queria ir, mas no fundo torcia para não ir porque aqui

na Ponte é tudo mais fácil, eu ganho a mesma coisa aqui do que eu ganharia lá. “Só

que eu tenho que o objetivo de estar na seleção e jogando pela Ponte Preta, eu acho

que é difícil”. E o Corinthians, ele voltou a me consultar se eu tinha interesse em ir

novamente para lá. Eu tive essa conversa com ele até por causa disso, o Corinthians

quis me contatar novamente e eu conversei com ele e falei: “Puxa, professor, eu tenho

preocupação e eu tenho certo medo, receio de ir para lá”. O Corinthians é um clube

que você ouve você lê, pela imprensa, que é difícil de jogar, de trabalhar. Aqui tudo é

tranquilo, calmo. Já estou todo acostumado e lá é aquela coisa monstruosa, muito

21 Carlos Roberto Valente de Oliveira

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maior. Aí ele falou para mim uma coisa muito importante. Ele falou: “Carlos, eu

sempre trabalhei, fiz o meu melhor e se uma porta se abre, uma porta maior se abre,

eu não tenho medo de ir, eu vou”, ele falou assim: “eu vou”. “Se der certo, ótimo”, ele

falou “Se não der certo, eu volto para trás, de cabeça erguida e satisfeito.” Lá não era

para mim, mas eu fui. Mas eu nunca vou carregar na minha consciência de falar: “a

porta se abriu e eu não fui. Se eu tivesse ido...”. Eu vou ficar pensando nisso para o

resto da minha vida. “Se eu tivesse ido, poderia ter sido assim, melhor”. Ele falou:

“Não, eu vou. Se não for, eu volto, mas com a consciência tranquila, não era para

mim. Mas eu nunca vou ficar com isso dentro de mim: Mas eu devia ter ido, porque

eu não fui? Eu iria”. Eu falei para ele: “Você tem razão”. A gente só vai saber, indo,

não é? E como o Corinthians pretendia me contratar, aí eu tive um procedimento

diferente. Houve a mudança da presidência da Ponte Preta, essa pessoa de Vinhedo,

seu Chene, ele era muito amigo do presidente que entrou, que assumiu e eu pedi para

ele, eu falei: “Seu Chene, o senhor foi muito legal, o senhor me ajudou em tudo, eu

gostaria que o senhor me ajudasse agora.” “A Ponte Preta, ela não tem interesse que

eu saia, mas eu preciso sair, eu tenho os meus objetivos em termos de seleção e eu

gostaria que o senhor me ajudasse.” Aí ele conversou com o presidente da Ponte, o

presidente veio conversar comigo, eu expliquei para ele os motivos, o porque eu

queria sair da Ponte Preta. Eu gosto muito daqui, mas eu tinha meus objetivos

maiores. Se eu continuar na Ponte Preta, daqui a pouco vou estar disputando para ser

titular da Ponte Preta, vai ser difícil até eu permanecer como titular aqui. Eu preciso

de novos desafios, eu preciso continuar crescendo. E a Ponte Preta já me

proporcionou tudo o que podia, o que mais eu posso ter daqui para frente? Eu acredito

que nada, uma conquista de título? Do jeito que as coisas andam, vai ser cada vez

mais difícil, não é? Então eu falei: “O caminho que eu tenho que seguir, que eu vejo é

esse”. Ele falou: “Pode deixar que eu vou te ajudar.” Aí ele foi muito legal comigo,

ele conversou com o conselho do Clube Ponte Preta e eles me negociaram, me

venderam para o Corinthians. Foi onde eu comecei uma nova etapa da minha vida,

não é? Eu cheguei no Corinthians e “o que me espera aqui?”. Depois eu vi que era o

caminho melhor para ter seguido, era o Corinthians, porque no Corinthians a única

coisa que eu precisava fazer era jogar futebol, era treinar e jogar futebol, que eu sabia

fazer, era jogar. O que eu preciso fazer para voltar para seleção? Jogar bem, então

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treinar e jogar bem. O Corinthians vai me expor, vai ser a minha vitrine para mostrar

o meu valor e que eu tenho que retornar a seleção brasileira. Então por isso foi muito

importante na minha carreira nesse sentido, porque é um clube onde tudo é de

curiosidade de todos, você é totalmente exposto à mídia, ao público, a tudo. Então eu

joguei, o meu retorno a seleção foi uma consequência. Já no ano de1984, eu acho que

teve a seleção mas eu não voltei para seleção ainda. Mas em 1985 quando houve a

convocação para a preparação das eliminatórias e eu fui convocado. Eu, Paulo Vitor22

e o Gilmar23. Gilmar estava no Internacional de Porto Alegre e o Paulo Vitor no

Fluminense. Então, vamos dizer, o que eu pensava aconteceu. O Corinthians foi

importante para mim nesse retorno a seleção. Meu futebol dentro do campo fez eu ser

convocado, me proporcionou o retorno a seleção brasileira. Embora como segundo

goleiro, eu fui convocado.

T.M/F.S – Uma pergunta antes de a gente entrar um pouco nesse retorno á seleção e

tudo o que te proporcionou, eu queria te pedir só para – principalmente em1980,

1982– você receber a Bola de Prata24, você estava em um momento – por mais que

você não estivesse na realidade – mas você estava em um momento muito bom da sua

carreira. [inaudível] para a seleção. E você vivenciou tudo aquilo que foi a Copa de

1982 também, agora a comemoração entre aspas dos trinta anos. Então antes de a

gente voltar para o retorno, posso pedir uns dois minutos para comentar um pouco o

que foi aquela experiência. Você comentou muito do seu lado enquanto profissional e

já pensando... Mas e aquela experiência de estar ali com aquela seleção de 82 com o

Telê e... “voa canarinho voa”, e...

C.G – É, voa. [risos]. É, eu...1980,1982. Foi muito importante 1980, não é, eu ganhei

a Bola de Prata... Eu sempre tive... Foram campeonatos ótimos brasileiros, tudo isso

estava sendo importante na minha vida, não é? Atéo problema da contusão, quando se

tem o Waldir conquistando a posição e de repente em 1982 eu também fui para a

Copa do Mundo como terceiro, e eu ganhei a Bola de Prata como melhor goleiro do

campeonato brasileiro. Mas eu não joguei. Ecomo a minha trajetória dentro da

seleção, como se fosse uma preparação para eu assumir o titular e de repente eu não

22 Paulo Vítor Barbosa de Carvalho. 23 Gilmar Luís Rinaldi. 24 Premiação anual do futebol brasileiro

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sou titular. A sensação que eu acredito que tenha gerado dentro da confederação é que

eu estava acomodado, que para mim estava bom daquele jeito, que de repente eu não

ia chegar onde se esperava que eu poderiachegar, não porque eu não saia da Ponte

Preta. Quer dizer, tudo estava cômodo, estava fácil, eu estava na zona de conforto, a

sensação de comodismo talvez tenha passado na cabeça das pessoas responsáveis pelo

processo de convocação. Eu acho que é isso daí foi... Eu acho que deve ter acontecido

nesse período, o que eu acho que foi também o fato de eu não ter sido convocado

depois foi importante na minha vida profissional porque fez eu tomar uma decisão, eu

buscar novos horizontes, não é? Como eu citei, eu poderia ter... Ser continuação da

Ponte Preta, logo, logo, alguns anos depois eu poderia estar disputando para querer

ser titular, perdendoa posição para outro que estava chegando motivado, com

entusiasmo, porque o que faz a vida da gente é o entusiasmo, a motivação. Se você

tem um objetivo para conquistar, você tem aquela chama acesa para buscar, se você

não tem então... O que eu quero conquistar na Ponte Preta? Eu seu campeão não

depende de mim. Depende do contexto todo, do grupo todo. O Clube depende disso.

Quer dizer, para eu jogar bem eu dependo de mim só. Agora, para não tomar gol, eu

dependo da colaboração da equipe toda. Para ser campeão eu dependo da ajuda de

todo mundo, eu sou um dos elementos que tem que fazer o máximo, contribuir com o

que eu posso para ajudar. Posso até não ser o elemento decisivo, assim como pode ser

outro jogador. Mas sozinho você não conquista, precisa de um desejo todo. O

Corinthians é uma equipe que necessita ser campeão, São Paulo necessita ser

campeão, o Palmeiras necessita, o Santos... As grandes equipes de futebol brasileiro e

mundial, elas necessitam ser campeãs. As equipes de porte médio ou as menores, elas

lutam para terem o seu espaço e serem reconhecidas, mas elas não tem essa

necessidade e essa cobrança. Seria um prêmio a equipe ser campeã, mas ela não tem

necessidade, ela necessita estar bem para se manter enquanto que uma equipe grande

ela precisa porque se ela não for alguma coisa vai acontecer para ser. Então, funciona

assim.

T.M/F.S – E você chega em1985, você retorna a seleção já sob o comando do Telê de

novo.

C.G – Não. Do Evaristo.

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T.M/F.S – Você retorna sob o comando do Evaristo e continua sob o comando do

Telê Santana e tem uma entrevista que você concede na Toca da Raposa25 nos

períodos de treinamento na qual você fala sobre essa fama que você carregou durante

muito tempo de ser considerada uma pessoa fria. E você fala: “Não, eu não sou uma

pessoa fria, sou uma pessoa que tem emoções como qualquer pessoa”. Fala um pouco

mais sobre isso também.

C.G – Está [bem]. Foi uma imagem importante que eu consegui passar como goleiro,

de ser uma pessoa controlada, fria e isso implica em segurança. Domínio do que estou

fazendo. Então essa mensagem, essa transpiração é importante para o goleiro,

demonstrar isso. Embora a realidade ela não seja essa. Eu sou uma pessoa normal,

como qualquer outra. Eu tenho medo, eu tenho dúvida, eu tenho receio, antes do jogo

eu fico ansioso, eu fico preocupado, eu tenho medo de tomar gol, de ser mal sucedido.

Então eu tenho todas aquelas dúvidas que qualquer pessoa tem e isso daí era

importante porque fazia com que eu entrasse em campo muito mais concentrado,

preocupado e cuidadoso talvez do que em qualquer outro goleiro. Eu não quero tomar

um frango, eu não quero errar, eu não quero que o cara vá lá falar: “Puta frango que

você tomou, que coisa feia! Horrível!”. Isso é o insucesso do goleiro. São coisas

graves que nenhum quer que aconteça. Então eu tinha essa preocupação até em

excesso. Então essa preocupação quando o juiz começava o jogo, aí eu ficava atento,

sabe? Olhando tudo, percebendo tudo para não dar oportunidade para o inesperado

acontecer. Então, passava-se essa imagem, mas não era exatamente isso. É uma coisa

interessante, não é? Isso daí foi marcante para mim, mas a realidade que é que sou

uma pessoa normal como qualquer outra, mas que me preocupava com isso daí e me

esforçava muito para não deixar e tinha coragem suficiente para enfrentar, entendeu?

“Eu estou com medo de jogar esse jogo, mas eu vou jogar, eu vou enfrentar”. Então,

isso sempre aconteceu comigo. Eu vou disputar uma Copa do Mundo, se eu não tiver

coragem, eu não disputo. Então isso daí fez com que marcasse, não é? Para dizer: “O

Carlos foium cara frio”. Não, não era frio, eu acho que ninguém é frio, só se tivesse

algum um desvio, um distúrbio mental, para que isso acontecesse. Uma pessoa

saudável, ela sente medo, sente receio e não tem essa frieza toda não. Foi uma

condição que eu consegui transmitir só. Como eu falei, eu acho que é importante e 25 Centro de treinamento, localizado em Belo Horizonte e pertencente ao Cruzeiro Esporte Clube.

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fundamental para o goleiro, as pessoas sentirem que ele é seguro, que ele é frio, que

ele sabe conviver com as situações.

T.M/F.S – Antes de a gente entrar um pouco nessa sua volta, quando você chega ao

Corinthians, justamente você vem com a venda do Sócrates. Eu acho que vocês

chegam a se cruzar.

C.G – Não, não. Nós jogamos. Seis meses.

T.M/F.S - Como é que foi esse período então dessa transição da chamada democracia

corintiana, você entra justamente no lugar de alguém que não concordava muito com

ela, que era o Leão. Você tem alguma consideração, alguma opinião?

C.G – Em relação à democracia?

T.M/F.S – É, e a sua participação nela.

C.G- Eu fui contratado em1984, em janeiro foi quando eu fui contratado pelo

Corinthians. Eu fui contratado no dia seis de janeiro, no dia nove nós viajamos em

excursão à Ásia. Japão. Hong Kong, Tailândia, Indonésia. Nós fizemos uma série de

jogos com o Corinthians. O Corinthians tinha sido campeão em1983, aí voltei de

férias, já voltou para viagem, sem treinar, sem fazer nada. E foi a minha primeira

experiência dentro do clube e, na época, com a dita... Democracia corintiana. Então

foi uma experiência valorosa principalmente anível de responsabilidade. Quando se

fala, as pessoas pensam, “ah a democracia as pessoas pensam em liberdade, coisas

que... Sem responsabilidade” e por aí vai. E, ao contrário, o que se vivia ali era um

ambiente de muita responsabilidade, mas onde você vivia, dentro do possível, como

um ser humano normal. Então o atleta ele tem os seus cuidados, os seus resguardos

porque você depende do seu físico para rendimento, embora ele faça parte, é um dos

elementos para a sua performance mas ele é importante para você poder jogar bem.

Então... No início foi até interessante, porque na volta da excursão nós já chegamos

com o campeonato brasileiro m andamento e eu conheci o Corinthians equipe

viajando. Aqui no Brasil era totalmente diferente, então quando eu cheguei e que eu

comecei a viver a realidade do clube Corinthians. E os treinamentos eram marcados

para as nove horas e o treinamento do goleiro começava às oito. Era assim, então,

vamos dizer, eu morava em Campinas, eu viajava, chegava cedo ao clube, começava a

treinar às oito, e a partir de nove horas os jogadores começavam a chegar. Então o

treino começava àsnove, nove e meia. Aí um dia, eu tinha terminado a minha parte do

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treinamento, eu estava aguardando todos os jogadores se reunirem e o treinador

começar a parte principal lá. E o preparador físico era o Maffia,26 na época. O

Jorginhho27 era o treinador e o Maffia, o preparador físico. O Hélio Maffia ficou me

observando, ele viu que eu estava ali olhando tudo aquilo ali que estava acontecendo e

ele se aproximou e ele falou para mim: “E aí Carlão, tudo bem?” “Tudo bom,

professor.” Ele falou assim: “Você só está observando aí, não é?” Eu falei: “é”. Ele

falou assim: “É, isso daí é a democracia corintiana.” Ele falou assim: “Veja bem, nós

estamos aqui para servi-los, para vocês, atletas”. Ele falou “para servi-los e orienta-los

no que vocês necessitam”. “Se você...” Ele usou até essa expressão “Se você achar

que não necessita treinar, não precisa treinar”. Ele falou: “Se você quiser treinar, nós

vamos orientá-lo, só queno jogo você vai ter que ter rendimento. Se você não render

você vai ter que justificar porque você não rendeu. Você não rendeu por quê? Por que

não treinou? Então você precisa treinar. Se você não precisar treinar, você não precisa

treinar, mas você precisa render no jogo. Ah, você gosta de na sua hora de folga,

beber cerveja, beber vinho, beber ser uísque, não sei, você pode beber, só que você

precisa render no jogo.” Então essa responsabilidade de jogar bem era muito maior do

que qualquer outra coisa. Às vezes você vive em um lugar fechado, enclausurado,

você não pode fazer isso, não pode fazer aquilo e de repente você está... Tem jogador

fugindo para fazer coisa que não deve, fazendo tudo escondido e tendo a sua

performance prejudicada, não está jogando bem e ninguém sabe o porquê. Não, lá era

feito tudo às claras. Terminava o treinamento, o jogador estava com vontade de ir lá

no bar, que tinha lá dentro do clube, queria beber uma cerveja, bebia na frente de todo

mundo. Só que ele chegava nojogo, ele ia e desempenhava, vencia o jogo, foi duas

vezes campeão dessa forma, chegou à vice no outro ano. Quer dizer, foi um

comportamento e uma forma de ser que teve um retorno de sucesso. Venceu. Embora

fosse algo que se pensasse que era tão fácil, simples. Não era. Ao contrário, te dava

muito mais responsabilidade pelo compromisso social que você tinha. Foi uma

expressão, uma nomenclatura de democracia, mas a responsabilidade social perante a

torcida foi enorme, grande. Tanto é que trouxe retorno isso daí. Então eu achei muito

importante. Você não é obrigado a fazer, você faz porque você gosta, porque você

tem responsabilidade profissional. Então essa responsabilidade profissional é 26 Hélio José Maffia. 27 Jorge Vieira.

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importante em qualquer atleta. Porque tem atletas maravilhosos, com potencial

incrível para poder jogar bem, mas não consegue desempenhar bem porque ele não

tem essa responsabilidade, essa consciência e esse tipo de comportamento, em um

clube naquela época, ele demonstrava isso, essa responsabilidade. Como se tratava de

Corinthians houve uma exploração para a nomenclatura “democracia”, mas muitos

clubes vivem isso, de jogadores conscientes e responsáveis. Era isso que o

Corinthians queria.

T.M/F.S – E na preparação já para a Copa de1986, há todos os problemas, aquela

angústia dos cortes, há o problema do Leandro28 e do Renato Gaúcho,29 porque o

Renato primeiramente é cortado e depois o Leandro acaba se recusando a viajar na

hora do embarque ao México e já no México há dias da estreia, você tem um

problema da lesão na sua mão. Como é que foi? Foi em um amistoso?

C.G – Está [bem]. Deixa eu falar para você. Então vamos voltar em 1985 ainda.

Então, vamos lá. Tem uma parte interessante aí. Em 1985 eu fui convocado como

segundo goleiro. Paulo Victor30 era o titular, Evaristo31 o treinador. E houve uma

preparação: jogos amistosos, treinamento, todo o procedimento normal, natural de

qualquer seleção para disputar eliminatória, essas coisas aí. E nós

estávamosrealizando amistosos dentro do Brasil, O Paulo Victor estava jogando, eu e

o Gilmar ficávamos no banco. E começou a haver uma pressão por parte da imprensa

de São Paulo cobrando o Evaristo, e dava oportunidade para a maioria dos jogadores-

jogadores de campo jogarem e no gol ele não estava dando oportunidade, nem para

mim, nem para o Gilmar. E uma parte da imprensa achava que ele tinha que dar uma

oportunidade para mim, pela campanha, pelo ano, pelos jogos que eu vinha realizando

pelo Corinthians. E o Evaristo foi uma pessoa honesta e direta comigo, assim como

ele foi para o pessoal da imprensa. Ele me chamou um dia em um jantar e falou assim

para mim: “Carlos, tem um pessoal da imprensa que me cobra para te dar

oportunidade e uma série de coisas... só que é o seguinte, vou dizer para você qual é a

minha postura aqui na seleção brasileira” Ele falou assim, ele até citou uma mudança.

[Entrevista interrompida: Voz feminina interrompe a entrevista.]

28 José Leandro de Souza Ferreira 29 Renato Portaluppi. 30 Paulo Victor Barbosa de Carvalho

31 Evaristo de Macedo.

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T.M/F.S – Você falava que o Evaristo lhe chamou...

C.G – É. O Evaristo, ele me chamou após o jantar, e... Nós sentamos em uma mesa e

ele foi bem direto e claro comigo, eu acho que isso que é muito legal em um líder -

ocupar a função como treinador da seleção, de uma equipe-. Ele falou assim para

mim: “Carlos, o pessoal está me cobrando, eles querem que eu dê uma oportunidade

para você, eu acho que é justo, não é?” Tudo isso. Ele falou: “Só que é o seguinte,

vamos fazer uma comparação aqui, como é a sua vida no clube em que você joga?”.

Ele falou: “Você é titular lá, não é?” “É”. Ele falou: “Quando o goleiro que está na

sua reserva joga? Quando você se contunde? Quando você é suspenso por cartão,

expulsão... não é?” “Aí ele entrou no seu lugar. Aí quando você recupera, você

cumpre suspensão, você retorna e ele volta para o banco, não é assim? É este é o

procedimento, não é?” Eu falei: “É, mais ou menos isso, é assim.” Ele falou: “Aqui,

eu ajo da mesma forma. Esse é o meu critério: se o meu goleiro titular é o Paulo

Vitor, você é o goleiro reserva”. Ele falou assim: “Você vai jogar se for necessário

você jogar”, ele falou “o Paulo Vitor está muito bem, mereceu essa condição, eu estou

montando, preparando equipe, estruturando e eu vou ter esse comportamento”, ele

falou para mim. E eu achei muito legal da parte dele ser dessa forma. Nada mais do

que... Você ter um critério e seguir esse critério. Só que... Nós saímos, nós jogamos-

eu acho que foi até contra a Argentina- em Salvador, depois dessa conversa aí. Aí nós

saímos alguns dias de folga, aí nós retornamos e viajamos para dois jogos no exterior:

contra a Colômbia e contra o Chile... Que seriam os jogos finais, nós fizemos mais um

jogo contra o Chile no Brasil, que seriam os três jogos para, possivelmente, jogarmos

a eliminatória. E, nesse jogo da Colômbia, nós chegamos a Colômbia e na véspera do

jogo, nós fomos treinar no estádio do local do jogo e já no final do treinamento eu

estava em um gol com os atletas chutando bola... E o Paulo Vitor e o Gilmar estavam

do outro lado, no outro gol, trabalhando cruzamento com o preparador de goleiros –

eu acho que era o Luiz Alberto32 na época- e de repente o Evaristo sai lá do outro lado

que ele estava junto e veio ao gol que eu estava e pediu para eu parar com o

treinamento, que o Paulo tinha torcido o tornozelo e antes que acontecesse outra coisa

e de repente ficaria só com mais um goleiro para o outro jogo, ele falou: “Para de

32 Luiz Alberto Pirola

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treinar, o Paulo Vitor já se machucou lá, vamos descansar, o jogo é amanhã e tudo

bem”. Aí o Paulo Vitor, ele não participou do jogo e eu joguei e nós perdemos para a

Colômbia de um azero. Eu fiz uma boa partida e no outro dia nós viajamos para o

Chile e ficamos uns dois, três dias em treinamento e começou a...nós estávamos

vivendo um clima pesado, ruim, os jogadores fazendo movimento para não dar

entrevistas, estava havendo muitos conflitos, muitos problemas na seleção nesse

período aí. E aí nós fomos fazer o jogo contra o Chile e eu joguei novamente, o Paulo

Vitor ainda não tinha se recuperado, ele estava de resguardo, se recuperando porque

mais duas semanas ia iniciar as eliminatórias. Então não havia necessidade de jogar,

nada disso e eu fui para o segundo jogo. Nós perdemos esse segundo jogo para o

Chile de dois a um e eu joguei bem novamente. Embora nós tenhamos perdido os

jogos, eu estive bem nos dois jogos. E no retorno ao Brasil, o Evaristo foi demitido e

o Telê reassumiu o comando da seleção brasileira. Ele reassumiu e já fez uma

reconvocação de sexta para sábado – eu acho que foi nesse período aí- porque nós nos

apresentaríamos na segunda-feira para iniciar o trabalho dele já voltadopara

eliminatória e quando ele reassumiu, reconvocou, ele me anunciou como titular da

equipe. Então se inverteram os papéis: O Paulo Vitor que era o titular, ele, vamos

dizer, passou à reserva e eu passei a titular para a equipe do Telê. Aí nós nos

reapresentamos na segunda-feira, treinamos e no final de semana, no sábado, nós

jogamos amistoso contra o Chile, em Porto Alegre, eu acho que nós vencemos de um

a zero o jogo- eu acho que foi esse o resultado – e aí nós tivemos a outra semana de

preparação para o primeiro jogo, que foi na Bolívia, contra a Bolívia o primeiro jogo

da eliminatória. E aí eu acho que foi o meu principal momento ali, foi determinante.

O Telê reassumiu a seleção, ele me colocou como titular, pelo meu desempenho, eu

ter jogado bem nos dois jogos no exterior. E aí veio o primeiro jogo com a nova

seleção que ele montou. Ele montou um grupo parecido com o que tinha ido a Copa

de 1982, com pequenas modificações e nós fomos para o primeiro jogo contra a

Bolívia, foi em Santa Cruz de La Sierra. Foi um jogo muito difícil, nós fizemos dois a

zero só no segundo tempo, foram dois gols do Casa Grande,33 me parece, e eu fui um

dos principais jogadores da equipe. Fiz boas defesas. Aí veio o segundo jogo lá no

Paraguai, nós ganhamos de dois a zero novamente, eu fiz boas defesas, fui um dos

33 Walter Casagrande Júnior.

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principais jogadores da equipe e aí nos dois jogos que nós fizemos no Brasil, no

retorno, nós empatamos os dois em um aum,com a Bolívia, no Morumbi. E no

Maracanã com o Paraguai também um a um. E isso aí me deu a condição de

prosseguir como titular na equipe, esses foram jogos marcantes na minha carreira que

foram adiados de1981, foram acontecer em1985. Então foram fundamentais para que

eu consolidasse como titular e começasse a me destacar e depois seguisse rumo a

1986 para ser o titular da equipe.

T.M/F.S – Falando no clima que estava em 1985,com os jogadores se recusando a dar

entrevistas, ainda que por motivos um pouco diferentes, em1986, esse clima acabou

se repetindo um pouco, ele continuou um pouco. A gente tem até algumas

informações de que a chegada... E a gente já comentou sobre o Renato Gaúcho, o

Leandro34, criam um ambiente complicado que se mistura um pouco também a uma

desorganização da Copa aonde vocês chegam e ainda tem gramados para terminar,

alguns campos e naquela época até era um momento parecido até com o que você já

conhecia no Corinthians, a questão da democracia corintiana [inaudível] [alguns

jogadores]tinham feito parte que se confrontam com políticos que pertenciam a outro

grupo e que estavam chefiando aquela delegação, no caso o próprio [inaudível]. Eu

não sei como estava aquele clima, você já comentou que não interfere tanto, mas

dessa vez interferiu um pouco também na questão da organização. Não sei como é a

sua avaliação.

C.G – Bom, há uma... Veja bem, vamos lá. A preparação da seleção em1986, ela se

transcorreu normalmente. No Brasil foi feito tudo o que foi planificado e o

acontecimento desagradável ocorreu no dia da viagem para o México. Quando no

momento do embarque, o Leandro não compareceu e comunicou que não iria, ele era

solidário ao Renato Gaúcho que tinha sido cortado por um... Ele achou que, por um

acontecimento anterior que tinha ocorrido e ele se encontrava junto com o Renato,

então ele não achava justo. Um comportamento de dignidade deum homem que tem

valores diferentes e ele achou que não era correto. Foi um julgamento que ele fez, não

se sabe o porquê o Renato foi cortado, isso está emuma decisão do treinador e da

comissão técnica. Para falar disso, eu estaria entrando em uma área que não é do meu

conhecimento, fazendo suposições, assim como outras divergências em relação à

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parte política que se cita de um formato de democracia do Corinthians e de políticos

de outro comportamento nadireção da seleção. Como isso influenciou ou não no

ambiente, amim é muito difícil de falar porque eu sempre fui uma pessoa que eu

procurei me concentrar nas minhas atividades, nas minhas obrigações. A partir do

momento – eu sempre pensei assim- que eu começar a pensar pelos outros, eu acabo

deixando de fazer a minha parte. Eu só fui convocado para uma função, eu fui

determinado àquilo, eu tenho que fazer o melhor para aquilo e não posso dispersar

energia, pensamento para coisas que não vão me trazer benefício algum, mesmo

porque, eu volto a repetir, jogar bem depende de mim, da minha concentração, da

minha disposição para jogar. Não tomar gol e vencer eu já dependo da ajuda de

outros. Então se eu faço muito bem feita a minha parte, eu procuro ajudar a todos, eu

vou estar contribuindo da maneira que eu posso contribuir e que eu devo contribuir.

Eu não posso por birra, por desprazer, porque se estão agindo de uma forma que não é

legal e entrar em um clima desses, porque eu não voucolaborar em nada. E desse

outro lado, eu não entendo, quer dizer, eu fui como atleta, eu me comportei como um

atleta que eu penso que deva ser assim. Os problemas internos de comando é

problema de comando. Não é problema de quem joga. E se ali não foi resolvido e se

influenciou, eu também não sei. A mim, particularmente, não influenciou em nada. Eu

fiz o que eu podia fazer de melhor e confesso, sinceramente, que essascoisas passaram

despercebidas, eu não fui atento, eu nunca fiquei atento a isso, não é? Então esse

sempre foi o meu comportamento na vida. Às vezes, a gente fica sabendo e se ficar

sabendo, muitas vezes, é fofoca. Não são fatos, não é? E os fatos concretos, eles não

apareceram na minha frente para eu poder dizer alguma outra coisa e se eu disser,

vaiser por falar ou para querer agradar e eu acho que, enquanto a isso, eu não sei. O

que eu sei, o que eu vi é o seguinte: uma equipe que foi formada, que tinha muita

qualidade, que, de repente, foi perdendo valores importantes, experientes, um corte do

Renato Gaúcho- que foi importante na eliminatória- mas que acabou não sendo,

vamos dizer assim, importante para ir a Copa do Mundo para o técnico, para o

treinador. A perda de um Leandro que era um jogador consolidado como titular, de

muita competência e de repente não vai. Daí você fala: “Puxa, mas o que está

acontecendo?” Não foi, vamos respeitá-lo, mas eu não posso... A vida não para, ela

continua, então eu não posso afrouxar ou me perturbar com um acontecimento desse,

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é desagradável, mas aconteceu. Tudo bem. Foi um grande valor que não foi. Aí

durante a preparação, aclimatação, essas coisas todas, no México... Nós perdemos o

Mozer35, Carlinhos Cerezo36, Dirceu37, não me recordo quem mais. Mas foram perdas

grandes de jogadores importantes. Acho que Paulo Isidoro38 também e aí uma semana

antes de se iniciar a Copa do Mundo, nós fizemos um jogo treino. Quando eu tive o

problema da contusão, mas esse jogo treino foi marcado pela mudança da equipe. Era

uma equipe que vinha trabalhando e de repente para esse jogo treino vários jogadores

foram mudados, foram substituídos. Eles saíram da equipe titular, que foi o caso do

Oscar39, cedendo a vez para o Julio40, o Falcão41 saiu da equipe, quem mais? O Falcão

saiu, acho que o Casa Grande saiu da equipe que vinha jogando. Então houveram

mudanças e foi uma equipe nova. Ela teve uma forma diferente. Ela tinha muito a cara

de 1982 e de repente ela ficou com uma cara nova uma semana antes de começar a

Copa do Mundo. Então foi assim muito próxima da Copa do Mundo essa mudança.

Não que o Brasil tenha perdido muito com isso, mas ela poderia estar melhor se isso

tivesse ocorrido antes, mas, enfim, ocorreu naquele momento. Foi uma equipe que foi

se afirmando durante a competição. Todos os jogadores que entraram demonstraram a

sua competência posteriormente para grandes clubes e fazendo grandes jogos, isso

não resta a menor dúvida, porque novos valores aparecem com a oportunidade.

Ninguém é insubstituível e eterno, sempre vão aparecer excelentes e melhores. A vida

é assim.

T.M/F.S – Então você... Há essas alterações, mas você permanece como titular, mas

pouco antes da Copa, há o amistoso e no qual havia troca do elenco de jogadores e

você acaba sofrendo uma lesão. Como é que foi?

C.G – É. Esse foi um momento de decisão da minha parte. De uma tomada de

decisão, porque eu conquistei uma condição de titular, um objetivo que eu tive tolhido

em 1982 – em1981, 1982- por uma contusão e de repente a véspera do início da Copa

de 1986 eu novamente em uma condição de titular, nós já tínhamos realizado o jogo

35 José Carlos Nepomuceno Mozer. 36 Antônio Carlos Cerezo. 37 Dirceu José Guimarães. [Solicito a confirmação deste personagem.] 38 Paulo Isidoro de Jesus. [Solicito a confirmação deste personagem.] 39[ Personagem não identificado] 40 [Personagem não identificado] 41 Paulo Roberto Falcão.

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treino e no final do jogo treino já, quase nos quarenta minutos do jogo treino, eu fiz

um enfrentamento com o atacante da outra equipe na entrada da área e nós nos

chocamos e ele, na queda, o corpo dele ficou todo apoiado na minha mão e eu tive o

rompimento de alguma coisa na mão e isso foi muito dolorido, tanto é que parou um

pouco, o médico entrou para me atender e ele, o Dr. Neylor Lasmar42, ele olhou e

falou assim: “Carlos, olha, faltam uns três, quatro minutos para acabar o jogo.” Ele

falou assim: “Fica tranquilo, tenta suportar isso até o final do jogo treino, acabando o

jogo treino, a gente te leva ao hospital, nós iremos te examinar melhor, sem alarde,

sem confusão nenhuma, está bom?”, “Está bom”. Aí eu suportei até o final, não veio

mais bola alguma e acabou o treinamento e ninguém percebeu nada do que tinha

acontecido. Aí nós fomos para o vestiário, a delegação voltou para a concentração e

ele com uma carro particular, com segurança, ele me levou ao hospital, radiografou a

minha mão. Foi um momento em que eu tive muita preocupação. Eu pensei: “Se eu

tiver uma fratura agora, como eu vou fazer para disputar?”. Aí ele veio e falou assim:

“Carlos, felizmente não teve fratura nenhuma, só teve uma luxaçãozinha” -sei lá qual

seria o termo médico que ele usou aí- e falou que “nós vamos colocar uma tala de

gesso uns três a quatrodias, aí você vai ficar com a mão imobilizada e lá para quinta-

feira a gente tira isso daí e a gente vê como está para o jogo do final de semana: Se dá,

se não dá”. E tudo bem, [aí ele engessou] minha mão, aí todo mundo ficou sabendo

que eu tive esse problema. E aí tiveram pessoas que foram importantes também,

como o professor [Vebeto], ele foi importante na minha mudança de clube, de eu

tomar essa decisão, eu comecei a ter... Tiveram outraspessoas importantes nesse

momento em que eu estava com esse problema na mão. Porque começa a passar muita

bobagem, muita besteira na cabeça: “Puxa vida! Será que é para eu não disputar a

Copa do Mundo? A coisa que eu tanto quis e estou próximo a isso, está tão próximo,

tão real isso daí e, de repente, acontece isso? Será que é algum sinal para não

disputar?” Aí o Silas43 foi muito bacana comigo. Ele falou: “Não, Carlos, eu tive

um...” Contou uma situação dele em que ele viveu no São Paulo. Ele falou: “Carlos,

eu cheguei a uma final, eu torci o tornozelo na véspera do jogo, estava com uma dor

insuportável e eu falei: Não, eu tenho que jogar, tenho que provar que eu tenho

42 Ex-médico da Seleção Brasileira de Futebol 43 Paulo Silas do Prado Pereira. thomas.fernandes� 22/11/12 16:11

Deleted: [Personagem não identificado.]

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condições”, ele falou “Aí eu fiz o tratamento, imobilizei, joguei e fui campeão.” Tudo

bem, foram palavras gostosas de se ouvir, sabe? De incentivo, não é? O Leão foi

muito, assim, muito bacana comigo nesse momento, ele falou: “Oh, você treinou até

agora, tudo o que você tinha que fazer de treinamento, você fez. Você está muito

bem”, então você não tem que se preocupar mais com o treinamento, você tem que se

preocupar em resolver o problema da sua mão só para jogar.” “Então fica tranquilo

com isso e procura fazer o que tem que ser feito às recomendações médicas, faz tudo

aí que vai dar tudo certo”. Então foi... Aí eu comecei a pensar muito nisso: “Eu vou

jogar, eu vou jogar, eu tenho que jogar.” Aí chegou à quinta-feira, tirei a tala de gesso,

aí eu fui para o campo para ver como é que estava. O Valdir começou a chutar umas

bolas em mim, estava tranquilo, tudo bem. Aí o seu Telê, ele perguntou: “E aí, como

está?” Eu falei: “Não, está tudo bem, vou jogar sim.” Ele falou: “Não.” “Nós vamos

ver bem isso daí primeiro, não é “você vai jogar”. “Existe uma responsabilidade

muito grande se você tem realmente condições e se a sua mão não vai ter problema

nenhum e permitir com que você faça bons jogos e não vá te atrapalhar em nada”. Aí

ele ia, chutava forte a bola, até mordia a língua, às vezes. [risos] Tudo bem, sem

problema nenhum. E aconteceu um fato interessante. Isso foi na quinta-feira. Está

legal. Aí chegou na sexta-feira, nós fomos fazer um reconhecimento do gramado no

estádio. Que nós íamos fazer o jogo, ele fez uma brincadeira lá, dois toques, rachão e

eu fui para o gol, aí quando eu ia pegar a bola, a mão doía demais. Uma coisa até

interessante e aí eu pulava na bola para pegar, a bola parava sempre na outra mão e

ninguém percebia isso. Aí eu fiquei preocupado, coversei com o Valdir Moraes, falei:

“Seu Valdir, a mão está doendo demais”. E ele falou: “Meu deus do céu, e agora? O

que vamos fazer?”Aí nós fomos conversar com o Dr. Neylor. O Dr. Neylorfalou para

mim: “Carlos, fica tranquilo.” “Na véspera do jogo, eu te dou um anti-inflamatório, eu

tenho um antiinflamatório muito bom, não tem problema de doping, não tem

problema de nada e no jogo, você estará tranquilo”. E foi exatamente o que aconteceu.

Eu tomava um antiinflamatório à noite, injetável, e chegavano dia do jogo, nós fomos

para o jogo contra a Espanha sem sentir dor alguma e foi tudo tranquilo para eu jogar.

Mas foi um momento muito difícil, de decisão novamente “E agora, o que eu faço?”

É, então, eu tenho que enfrentar essa barra porque se não enfrentar não tem jeito e foi

interessante isso, sabe? Isso me deu uma força maior para poder fazer um bom jogo.

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Tanto é que foi bom que eu praticamente não rebati a bola, chutava, eu segurava com

firmeza. Então foi legal, o médico cuidou bem, fez tudo o que tinha que ser feito.

Tudo o que dependeu da parte dele foi da melhor forma possível.

T.M/F.S - O time vai avançando... O Time ganha da Espanha, o time ganha da

Argélia, o time ganha da Irlanda do Norte, vai chegando à final... O time ganha da

Polônia e chega o jogo contra a França. Fala um pouco mais sobre esse jogo.

C.G – O jogo da França?

T.M/F.S – Isso.

C.G – O Brasil realizou bons jogos, foi crescendo durante a competição fazendo jogos

consistentes. E tendo vitórias por merecimento. E a equipe mesmo nos momentos

difíceis, ela tinha boa postura e foi crescendo até chegar o jogo contra a França. A

França, uma seleção que... também de excelentes jogadores, uma geração que era a

última Copa do Mundo, a última oportunidade deles de terem uma conquista.

Platini44, Tigana45 e outros grandes jogadores. Então era uma seleção muito boa. E foi

um jogo, em grande parte, de muito equilíbrio. Às vezes o Brasil com um pouco mais

de domínio, outras vezes, a frança. Nós tivemos oportunidade de fazer gols, vamos

dizer assim, durante o jogo, para definir. Nós não conseguimos. Depois na

prorrogação tanto de um lado comooutro poderia ter definido. Nós, principalmente,

perdemos gols que normalmente não se perde. Mas eu até faço uma colocação, eu

acho que a disputa de uma Copa do Mundo é a disputa em si, quando ela é

eliminatória, se joga normal, nenhuma das duas equipes vence, vai para prorrogação,

a prorrogação já entraem um aspecto de resistência física, não é? De preparação e

também da parte mental, aí quando termina e nenhuma das duas vence, vai para o

pênalti, aí vem uma resistência extrema. Que é a mental. Vai vencer quem tiver um

controle mental, uma força mental muito maior, eu vejo assim. E essa disputa, ela

prova o atleta ao seu extremo na sua competência, tudo. E foi o que aconteceu nesse

jogo. Se sgotaram todas as possibilidades durante o jogo normal, durante a

prorrogação e foi para os pênaltis. Vamos dizer, nós não tivemos uma competência

para vencermos o jogo normal nem na prorrogação. Então você vai para o pênalti

onde as duas equipes possuem grandes jogadores para definir e, vamos dizer assim, a

condição, as circunstâncias favoreceram a França porque nós... Vamos dizer assim, o 44 Michel François Platini. 45Refere-se a Jean Amadou Tigana ex-jogador da Seleção francesa.

thomas.fernandes� 27/11/12 10:50Deleted: [ Personagem não identificado. Registrei o som da palavra falada. Checar a grafia correta]

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goleiro defendeu. Nós chutamos bola na trave e a França conseguiu converter mais do

que nós. Foi isso o que aconteceu. Inclusive tendo um lance... não vou dizer assim até

curioso, mas um lance diferente que eu não sei se já tinha acontecido ou não, mas

aconteceu e essa vez eu fui protagonista da cobrança de pênalti: a bola ter chocado

contra a trave, bater em minhas costas e ter entrado no gol. Um lance que foi

discutido: se valia, se não valia e uma série de coisas, mas que enfim o Brasil foi

eliminado em uma cobrança de pênalti, em um jogo extremamente emocionante,

desgastante, tudo o que você pode imaginar, mesmo porque nós jogávamos ao meio

dia e o jogo terminava lá pelas suas duas horas da tarde no verão do extremo norte, do

hemisfério norte. Então, era uma partida onde se testava todas as forças de todos os

atletas em todos os sentidos.

T.M/F.S – Você estava... Foi uma partida que concentrou muitas... Bem, [inaudível]

porque você estava à mais de quatrocentos minutos sem tomar gol, [inaudível] estava

invicta, não sei se a imprensa noticiava isso um pouco, na época, de curiosidade.

[inaudível] no vestiário faziam dezesseis anos do tri campeonato, então era a

esperança também desetenta. Era aniversário do Platini e o Platini erra o pênalti e ao

mesmo tempo Sócrates também [que era uma esperança] [inaudível], Zico

[inaudível] em que, não sei se pode dizer isso, mas que nada deu certo. Eu não sei

como foi essa expectativa para você de justamente não só ter realizado o seu sonho,

mas de realmente estar na seleção, mas ao mesmo tempo eu não sei se com um gosto

que essas, até mais, talvez, do que em1982, já que eram jogadores mais experientes,

se poderia [inaudível].

C.G - 1986 era um grupo... Ele pode parecer que era mais experiente que1982. Alguns

jogadores que jogaram em 1982 estavam mais experientes em 1986 e outros

jogadores novos que estavam debutando. Isso que aconteceu. Então não era uma

equipe mais experiente, era uma equipe com um novo formato de jogo, uma nova

mentalidade que estava disputando uma Copa, estava impondo uma nova forma de

jogar. E que de repente vinha crescendo, a cada jogo que passava, vai te despertando

maior ânimo, maior alento, aquela expectativa, não é? Mas de pé no chão, sabendo

que cada jogo que passa, o outro vai ser muito mais difícil porque quando mais

próximo se torna da final, a final é um jogo mais difícil, o da semifinal é o segundo

mais difícil e assim vai sendo. E o que ocorreu na realidade é quando você quer e o

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outro também quer. Então é uma disputa de vontades ali. E será que o outro tinha

mais vontade que nós? Não. O outro não tinha mais vontade, nem nós tínhamos mais

vontade que o outro. É que o jogo de futebol, ele é totalmente imprevisível, situações

acontecem ao acaso, é um ambiente, vamos dizer assim, totalmente instável, caótico

sei lá o quê, onde você não dá para prevero que vai acontecer, é muito difícil. Então o

jogo... Às vezes as coisas boas, favoráveis, coincidem mais para um lado do que para

outro e essas coisas favoráveis aconteceram para França na disputa de pênalti. Nesse

sentido, a França perdeu dois pênaltis, dois não. Ela perdeu do Platini.

T.M/F.S – Só do Platini.

C.G - E o Brasil perdeu três durante o jogo. Perdeu do Zico, perdeu do Sócrates e do

Julio Cesar46. Então, vamos dizer, esse fator foi muito mais favorável à França. O que

acontece quando você perde, você tem desejo à importância do evento por você estar

participando, existe uma frustração muito grande, mas, ao mesmo tempo, nós temos

que ter a consciência daquilo que nós fizemos dentro do campo. Você jogar bem

depende de você, da sua aplicação, da sua entrega. A vitória, no meu caso como

goleiro, as minhas defesas é eu não tomar gol e vencer já não depende somente de

mim. Não depende somente do atacante de fazer, depende do contexto todo, depende

do conjunto, de como estáfuncionando, da harmonia dessas peças, da interação delas,

como é que elas estão funcionando. Como se trata de um ambiente ao acaso, aberto,

instável, imprevisível, às vezes é desfavorável a você. E foi o que aconteceu. A gente

fica frustrado, mas quando você analisa conscientemente: “fiz o máximo que eu podia

fazer, colaborei, me entreguei, estou com a consciência tranquila. O que eu poderia ter

feito mais?”. Aí você fala: “Poxa, mas poderia ter empurrado para o outro lado”. E a

bola não teria se chocado contra as minhas costas e entrado no gol. Mas eu fui para

defender a bola, com vontade, com gana. Como o jogador chutou com violência, com

gana para fazer, eu também fui com gana para defender. Paciência, agora...

Coincidentemente, bateu na trave, bateu nas costas e valeu o gol. Então, a frustração é

essa. De você saber que poderia ter ido à frente. Se nósseríamos campeões ou não,

isso já é outra história, está em outro contexto. Poderíamos ter perdido na semifinal,

mas nós perdemos e nós não queríamos perder, nós queríamos vencer. Então, é essa a

frustração. Mas ao mesmo tempo consciente de que eu fiz o máximo que eu podia, 46 Julio César da Silva.

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que a minha capacidade permitiu e de tudo daquele momento que aconteceu e não

permitiu com que eu fizesse mais. Então, isso é o que ficou na minha mente, na

minha cabeça em relação a esse passado e eu também sou uma pessoa que... Eu sou

desprendido de certas coisas, mas eu não posso resolver mais esse problema. O que

aconteceu faz parte do Carlos, o personagem goleiro que atuou, disputou a Copa do

Mundo em1986, tomou um gol daquele jeito, um gol esquisito ali, que hoje, vamos

dizer assim, não é raro, acontece... Muitas vezes tanto em pênalti como em falta,

como um lance normal do jogo, isso acontece. Qualquer um está sujeito a esses

acontecimentos, mas é algo que marcou em certo sentido, mas que eu não convivo

com isso porque eu não posso resolver, eu não tenho o que fazer para resolver, mas,

enfim, faz parte daquele personagem que eu vivi naquela época. Personagem real.

T.M/F.S – E aí você volta para o Corinthians e você tem contato com um cidadão que

perpassou por toda a sua carreira, que é o Valdir Peres. Vocês chegaram a conviver

juntos na Ponte? Porque na Ponte vocês convivem juntos, convivem juntos na seleção

e naquele momento do Corinthians disputando posição. Criava-se um clima de

rivalidade, mas não tinha. O clima entre vocês era de respeito mútuo, de confi... Fala

mais um pouco sobre isso?

C.G – A minha convivência e relacionamento com o Valdir Peres anível de clube, de

seleção tem fases distintas, não é? Épocas diferentes. Quando eu cheguei à Ponte

Preta para treinar a primeira vez em 1971 e depois permanecendo em1972, o Valdir já

era o goleiro da equipe profissional, ele e Wilson Quiqueto, eles disputavam posição,

o Valdir ganhou a posição do Wilson e jogava muito bem, era um jogador pretendido

por grandes clubes, foi contratado pelo São Paulo e eu era um jovem recém-chegado

ao clube e jogador da equipe juvenil. Então existe uma diferença de idade, naquele

momento, significativa. Eu, com total inexperiência, iniciando e Valdir já um jogador

caminhando profissionalmente. Então era um relacionamento muito diferente, não é?

Onde eu via ele como atleta já afirmado dentro do futebol, caminhando, buscando os

objetivos elevados e eu... Não sei nem dizer se era “achando que eu iria ser também

um goleiro... um grande goleiro”. Mas começando a treinar com muita dedicação,

com muito afinco para poder permanecer dentro do clube e ter sucesso. Então esse foi

um primeiro relacionamento com o Valdir. Uma segunda forma de relacionamento foi

dentro da seleção brasileira. Outro fato curioso... No início de 1977, a Ponte Preta...

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Estávamos eu, o Moacir e o Rafael47, nós éramos os três goleiros da equipe

profissional da Ponte Preta e o Moacir era o titular, eu tinha me profissionalizado no

final das Olimpíadas, de1976, então no início, em janeiro de1977, o São Paulo

manifestou interesse em me contratar. O Valdir era o goleiro titular do São Paulo,

goleiro consagrado do São Paulo, já tinha participado da Copa do Mundo de 1974

como jogador do São Paulo e o São Paulo, um clube muito organizado, um clube que

pensa à frente. E eu era um jogador que estava surgindo, jovem, promissor. O São

Paulo manteve um contato comigo, que tinha interesse em me levar porque o Valdir

com toda a certeza iria ser convocado para a Copa do Mundo de1978, ficaria um

longo período ausente e eu estaria junto com ele, jovem, promissor, eu ocuparia esse

espaço do Valdir, nesse período em que ele estaria na seleção, até como uma

preparação futura para eu poder assumir uma condição de titular. Foi, mais ou menos,

esse tipo de conversa que foi mantida comigo. E a diretoria da Ponte Preta, na época,

ela resolveu negociar o Moacir com a Portuguesa, a Portuguesa de Esportes

tinhainteresse em contratar o Moacir, então ela optou pela negociação do Moacir, ele

tem dois anos a mais do que eu e a Ponte Preta resolveu apostar em mim, na minha

permanência, nas possibilidades que eu teria de futuro. Então foi até interessante isso,

porque eu não fui para o São Paulo. Permaneci na Ponte e aí em 1977 eu fiz um ótimo

campeonato paulista, eu fui convocado para a seleção principal, como eu citei no

início. Eu fui como terceiro, até com uma preparação para eu ir crescendo dentro da

seleção e acabei indo em 1978 como goleiro reserva suplente e o Valdir indo como

terceiro. Uma coisa até interessante, o São Paulo sabia que isso ia acontecer só que

queria me levar. Para você vê como é que são as coisas. E acabou indo nós dois. Se

eu tivesse ido para o São Paulo naquela época, na equipe do São Paulo, eu não teria

sido convocado. Então esses acontecimentos... A vida reservou coisas boas para mim.

Às vezes, os caminhos são tortos, mas vão te levando. Essa foi a segunda convivência

com o Valdir. O Valdir sempre foi um goleiro extremamente competente,

naturalmente ele era bom, ele não sentia necessidade de ficar treinando demais para

poder render. Ele rendia porque ele goleiro por natureza, espontaneamente, ele era

bom, muito bom, por sinal. Por isso que ele foi para todas as Copas do Mundo que ele

foi, disputou a Copa do Mundo. Infelizmente com o gol que ele tomou que acaba

47Rafael Cammarota.

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marcando, mas no geral a participação dele foi excelente, ele ajudou muito o Brasil

com muito boas defesas, mas goleiro tem aquelas coisas, aquele estigma. Se você

toma um gol, aquilo é que marca mais do que as coisas boas que você fez e depois o

que aconteceu... Vamos dizer, nós tivemos um novo encontro, juntos, no Corinthians.

Foi mais ou menos a mesma situação que o São Paulo fez comigo em 1977 para1978.

O Rubens Minelli48 era o treinador do Corinthians na época, em1986, no início do ano

e como eu era o goleiro que já tinha a minha condição que eu tirei como titular na

Copa do Mundo, eu era um dos goleiros certos da Copa do Mundo em1986, o Minelli,

ele quis a contratação de um goleiro experiente para estar junto com o grupo do

Corinthians. Um goleiro experiente, vamos dizer... Com a minha ida para a seleção,

para ele ter mais um goleiro experiente para estar compondo o grupo de jogadores e

ele optou pela contratação do Valdir e o Valdir foi para o Corinthians. Aí quando eu

voltei da Copa do Mundo em1986, O Valdir estava juntos, nós ficamos juntos no

Corinthians e eu acho que nós ficamos dois anos, mais ou menos, no Corinthians. Eu

tive um momento... O Corinthians passou por um momento muito difícil em1987, eu

era titular, o Corinthians... Estava difícil de vencer algum jogo, não é? Até empatar no

campeonato paulista, a gente estava tendo muita dificuldade, o grupo não conseguia

se encontrar. Não se acertava dentro do campo e nós só estávamos acumulando

derrotas. Aí nós empatamos dois jogos: um contra o América, [inaudível] e depois

contra o Santos, no Pacaembu. Empatamos esses dois jogos. E eu fui convocado para

a seleção, em1987, que foi para a Europa, disputou a Copa Stanley Rous, fez mais

alguns amistosos e voltou para disputar a Copa América na Argentina. Isso em1987.

E eu fiquei um bom período ausente. E nesse período em que eu fiquei ausente, o

Corinthians... Vamos dizer, aqueles dois empates, ele continuou... Foi revertendo a

situação. O Valdir jogando, aí o Corinthians ficou mais de vinte jogos invicto, não é?

E quando eu voltei da seleção, em1987, o Valdir estava como titular, o Corinthians

estava à mais de vinte jogos invicto e tinha um novo treinador e esse treinador quando

eu cheguei no clube, ele me chamou para uma conversa reservada e ele falou para

mim assim: “Carlos, você é o titular da seleção brasileira e você não pode ficar no

banco de reserva”. Ele falou: “O Valdir está jogando tem mais de vinte jogos, ele é

um dos responsáveis pelo sucesso da equipe até agora e ele não merece sair da equipe 48 Rubens Francisco Minelli.

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e ficar no banco”. Ele falou: “Eu estou com problema aqui, agora. Como eu vou

resolver isso? Uma situação meio complicada para qualquer treinador”. Aí eu falei

para ele: “Olha, o senhor tem toda a responsabilidade doque acontece aqui dentro, da

organização de tudo. Pode ficar tranquilo comigo, o meu procedimento sempre foi

dessa forma, se eu tiver que jogar é por merecimento meu e não por imposição. O

senhor fique à vontade, se o senhor acha que deve mantê-lo, não se preocupe

comigo.” Ele falou: “Olha, Carlos, eu sou sincero de falar, é uma situação muito

difícil.” Ele falou assim: “Vamos fazer o seguinte? Fica mais uns quinze dias

descansando na sua casa, aí você volta, vamos deixar a água correr aqui e depois tudo

vai se normalizar”. Eu falei: “Sem problema algum”. Eu voltei, passei mais quinze

dias na minha casa, aí retornei para treinar e fiquei somente treinando. O Valdir

jogando, o Ronaldo ficava no banco e foi essa a situação que ficou instalada dentro do

clube. E a mim o que competia? Era simplesmente treinar. Aí eu treinava, treinava,

treinava. Eu falei assim: “Não, eu vou voltar por merecimento.” E o que eu tenho que

fazer? Treinando. Por que eu fui convocado em1985? Porque eu vim, joguei e mostrei

a minha competência para estar dentro da seleção brasileira. Como é que eu tenho que

voltar a jogar no Corinthians agora? Eu sou o titular, eu estava como titular da seleção

brasileira em 1987, não é? E falei: “Bom, eu tenho que ser digno sempre no meu

comportamento para essas conquistas. Eu sempre fui dessa forma, eu nunca impus

nada com palavras e sim com atitude de trabalho” e foi dessa forma que eu procedi.

Eu treinava muito e me empenhava muito no treinamento para poder provar que eu

tinha condições para ser o titular da equipe. E foi isso o que aconteceu. O tempo foi

passando. Aí o treinador pediu se tinha algum problema de eu voltar para ficar até no

banco de reservas porque o Valdir estava com cartões amarelos e se ele tomasse mais

um ele seria suspenso, o Ronaldo ainda era muito inexperiente, não tinha jogado

nenhuma partida da equipe profissional. A equipe estava na semifinal no campeonato

paulista contra o Santos. Então, eu falei: “Puxa, com o maior prazer, eu volto a fazer

isso. Eu estou até com vontade, eu quero.” Aí eu voltei, comecei a ficar no banco do

Valdir nesse período... Aí acabou o campeonato, o Corinthians foi vice-campeão

paulista, o Valdir jogando e eu na reserva. Aí veio o campeonato brasileiro. Eu

continuei trabalhando, treinando. Aí terminou o ano. Quando terminou o ano, o Valdir

se transferiu para aPortuguesa e eu reassumi a minha condição de titular do

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Corinthians, isso em1988. Aí eu disputei o campeonato paulista, disputei até na fase

semifinal, quando eu tive um problema de contusão no tornozelo – precisei até ficar

com o pé engessado- quase tive uma fratura no jogo contra o Palmeiras, o Ronaldo já

tinha tido algumas oportunidades anteriores ao campeonato de jogar e jogou muito

bem, demonstrou que tinha condição de assumir a titularidade. E ao final do

campeonato, a final quem disputou foi ele, porque eu fui vetado pelo departamento

médico, por causa do problema do tornozelo, e o Ronaldo jogou os últimos jogos no

campeonato. Então aí terminou o campeonato e foi quando me transferiram para o

futebol turco. As minhas convivências com o Valdir foram assim. Sempre foram boas

convivências, esse negócio de rivalidade, quer queira ou não, ela sempre existe

quando se trata de dois goleiros que querem jogar e tem competência para jogar. No

início não... Na primeira passagem na Ponte Preta, até pelas diferenças. Eu iniciando

no juvenil, ele no profissional- mas depois sim, ele buscando o espaço dele, eu

buscando o meu. Ele conquistou aquele momento de titular dentro do Corinthians por

mérito assim como eu reconquistei por mérito novamente e foi dessa forma sempre

como eu procedi e ele também.

T.M/F.S – E você vai para Turquia, você vai para um clube que, a gente nas

pesquisas, encontrou... Fontes diferentes dizem que você foi para [o Belatazara]49.

Fontes diferentes dizem que foi para o Yeni Malatyaspor50, que era um clube

pequeno, não é?

C.G – Isso. Eu fui para Malatyaspor, na Turquia. Eu tinha combinado com presidente

do Corinthians, o Vicente Matheus, que quando terminasse o campeonato eu estaria

indo para um clube do exterior, que eu já estava certo de ir. Esse clube que eu iria era

o Nacional da Ilha da Madeira, o Paulo Autuori,51era o treinador na época, eles

estavam na segunda divisão e já praticamente classificado para ir a primeira divisão.

E ele estava preparando a montagem da equipe para a temporada seguinte, nós

tínhamos acertado financeiramente tudo o que ia acontecer. Só que eu não tinha

assinado o contrato. E nesse tempinho curto, apareceu esse clube da Turquia querendo

me contratar,Schumacher52 tinha ido para o Fenerbahçe53, o [inaudível] tinha um

49 [Clube não identificado. Registrei o som da pronúncia da palavra. Grafia incorreta.] 50 Yeni Malatyaspor, clube de futebol turco 51 Paulo Autuori de Mello. 52 Nota do transcritor:[Registrei o som da palavra falada. Checar a grafia correta.]

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goleiro Iugoslavo,Simovich54, da seleção Iugoslávia e esse clube – o Malatyaspor –

ele tinha subido da segunda divisão para a primeira, um clube do interior, porte médio

e eles queriam a contratação de um goleiro e como estavam sabendo que eu queria

trabalhar no exterior, que eu estava indo para o exterior, eles vieram até o Brasil me

consultar se eu tinha interesse. E a diferença de proposta era astronômica e eu acabei

indo para a Turquia. Eu acho que foi uma decisão pessoal, como experiência de vida e

profissional foram fantásticas, era um tipo de jogo totalmente diferente em um clube

de porta médio. Eu saí de um clube grande onde eu era... O jogo que o goleiro realiza

em um clube grande, o tipo de jogo que eu realizava no Corinthians era um jogo onde

eu tinha menos empenho, muita mais atenção, um jogo de muito mais concentração...

Não vou dizer que seja mais difícil, mas uma responsabilidade maior. Eu vou jogar

em um clube do interior onde é totalmente o oposto, onde eu sou empenhado a cada

minuto. Vamos lá, vamos simular, eu jogando no Corinthians, vinhatrês, quatrobolas

no gol para eu defender. No Malatyaspor vinha de quinze a vinte bolas em um jogo

para eu defender. Era totalmente diferente, não é? Então, eu era de extrema

importância na equipe para o resultado. Então à nível de experiência profissional, foi

enriquecedora, eu tive um primeiro ano lá difícil por não dominar a língua, tinha um

intérprete. Era um sistema de jogo diferente do que se jogava no Brasil. No Brasil era

4-4-2, 4-3-3... Lá era 3-5-2, que eu nunca tinha jogado e visto aqui no Brasil. O tipo

do trabalho diferente... Que mais que tinha mais assim...? Longe da família, sozinho,

dificuldades de relacionamento com a presidência do Clube, o presidente depois de

dois meses que eu tinha ido pro clube da Turquia, ele sumiu do país, teve problemas

com polícia federal e um monte de situações totalmente, assim, adversas. Então, a

nível pessoal, eu tive dificuldades que no Brasil eu nunca tive e eu tive que superar

tudo isso. Então foi um primeiro ano muito difícil, extremamente difícil, mas que eu

suportei muito bem. Eu tive problemas com jogadores da equipe, jogando, discussão,

aquelas coisas de ciúme, de você ocupar o lugar de um nativo e uma série de

dificuldades. Que na segunda temporada se transformou totalmente. Eu tive uma

segunda temporada muito boa, eu ganhei prêmios por períodos de jogos excelentes.

Então eu tive um crescimento muito grande e eu retornei da Turquia para o Brasil por

53 Clube de futebol turco 54 Nota do transcritor: Registrei o som da palavra falada. Checar a grafia correta.]

thomas.fernandes� 22/11/12 17:09Deleted: [Registrei o som da palavra falada. Checar a grafia correta.]

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uma questão familiar, eu tinha dificuldades lá de recebimento, parte financeira do

clube, promete depois demora -arapagar, atrasa, você joga [sob] constante pressão,

dificuldade. Você, para cobrar, você precisa jogar bem, porque se você não jogar

bem, como você vai revindicar? Aí você se mata no treinamento, no jogo você faz

tudo o que você pode. Você defendetudo. Aí você fala: “Você me paga, se você me

paga eu não jogo”. E assim vai. Então foi muito desgastante, mas, ao mesmo tempo,

foi muito enriquecedora porque eu evoluí muito, eu melhorei no jogo muito. Quando

terminou o meu contrato- eu fiz contrato de dois anos- aí eu tive uma pressão muito

grande da minha família em voltar para cá e eu optei em voltar para o Brasil. Mesmo

porque o Atlético Mineiro deu uma entrevista quandoeu estava de férias, eu

manifestei o interesse em retornar ao Brasil, o meu contrato tinha vencido, mas eu

tinha vínculo com o clube, o Presidente não queria que eu voltasse, ele queria renovar

o contrato comigo, ele tinha planos comigo lá no país... de eu trabalhar e montar uma

espécie de centro de treinamento e continuar trabalhando ali, eu participarde clínicas

pela federação Turca. Então existia uma série de planos de eu continuar ali no futebol

Turco junto com o Presidente eu assumiu posteriormente. Só que, vamos dizer, eu

tinha uma pressão muito grande de família para voltar para cá e como eu manifestei

esse interesse que eu acho que seria melhor, o Atlético Mineiro estava procurando um

goleiro na época e ficou sabendo disso, eles me contactaram e eles pagaram

praticamente o mesmo que eu ganhava lá na Turquia. Aí eu optei por voltar ao Brasil.

Foi uma transferência... Para ir a Turquia foi fácil, mas para voltar ao Brasil foi muito

difícil. Eu tinha acertado com o Atlético, já estava recebendo dinheiro, trabalhando,

fiquei mais de um mês só treinando e não podia jogar porque o clube não mandava a

transferência, a liberação para FIFA. E depois de muito desgaste, até com

interferência do consulado lá, o presidente deu a liberação e eu voltei a jogar no

Brasil. E voltei a jogar com uma alegria tão grande, com uma intensidade tão grande,

que tudo aqui parecia mais fácil para jogar, tanto parecia mais fácil que eu fiz um

anobrilhante no Atlético Mineiro, duas temporadas todas –1990e 1991- e depois eu

fui para o Guarani e retornei para seleção brasileira em1992, não é? De tudo o que me

foi proporcionado nessa minha passagem no futebol Turco, foi muito interessante em

nível de crescimento profissional, pessoal. Foi muito importante.

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T.M/F.S – Para retomar, então, Carlos, você comentou da sua experiência na Turquia

e essa volta para o Atlético Mineiro, você disse que realmente estava com muita

vontade e foi em um ano pós Copa do Mundo, você tinha esperança de ser lembrado?

Como é que foi esse momento de transição?

C.G – Quando eu fui para o futebol turco, eu sabia que uma permanência na seleção

brasileira ia ser difícil por causa da distância, como era, como se vivia, como

funcionava o futebol e o meio jornalístico da época, não existia muito contato, do

futebol turco não tinha notícia nenhuma, não tinha divulgação, então, não existia

contato. Era muito complicado, muito difícil. Tanto é que quando eu retornei para

seleção em1992, o [Nielson] Nielsen55 era treinador de goleiro, ele falou assim: “Ué

Carlos, a gente tentou saber de você, mas não tinha notícia nenhuma, a gente não

sabia, não tinha como...”. Mais ou menos assim, não é? Então é difícil. Aí surgiu o

Taffarel56 na olimpíada. Que teve antes da Copa, ele já tinha surgido muito bem na

base brasileira, ele teve um caminho, nesse ponto, parecido em algumas coisas, não é?

Só que ele teve, vamos dizer assim, a condição de titular já no início dele, não é? Já

novinho. Então era uma situação em que eu não pensava, não tinha como pensar em

nível de seleção brasileira. O meu retorno à seleção brasileira, ele ocorreu pelo fato de

eu estar jogando bem e quando o Parreira57 assumiu depois do Falcão, Parreira

assumiu em 1992 e ele... Uma pessoa perguntou amim o que eu pensava anível

deseleção brasileira ainda, porque eu estava com trinta e quatro anos, trinta e cinco,

não me recordo. Com trinta e quatro anos em1992.

T.M/F.S – Não, trinta e cinco para trinta e seis, em1992.

C.G – É. Aí ele procurou saber o eu pensava em termos de seleção, eu falei: “Ah, para

ser sincero, se me colocarem no mesmo nível de disputa que os outros goleiros do

futebol brasileiro para almejar um lugar na seleção, eu gostaria de ir sim”, eu falei

para essa pessoa. Falei “porque eu já estou com certa idade, existem preconceitos, as

pessoas acham que você já é veterano, eu não me sinto assim. Eu me sinto muito bem,

estou me sentindo feliz jogando, eu jogo com prazer, estou me sentindo render muito

melhor” E falei “desde que me enxerguem dessa forma, como mais um goleiro

disputando, não é? Em nível de igualdade, eu gostaria de ir sim, por que não?”. Aí

55 Nielsen Elias 56 Cláudio André Mergen Taffarel. 57 Carlos Alberto Parreira.

thomas.fernandes� 23/11/12 10:48Deleted: [Personagem não identificado. Registrei o som da palavra falada. Checar a grafia correta]

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aconteceu isso, sabe? Eu acho que, para mim, foi muito importante porque eu não fui

diminuindo, eu joguei fazendo sempre o máximo que eu pude. Isso foi enriquecedor

para a minha carreira Embora a minha carreira não... Quer dizer, eu não tive muita

exploração midiática, não é? E nesse aspecto eu sempre me mantive uma pessoa

reservada, discreta, nunca gostei de aparecer, coisas desse tipo, então uma grande

discrição, muito discreta a minha maneira de ser. Mas foi uma carreira em que eu me

senti plenamente satisfeito, de ter sempre lutado, jogado em alto nível, almejado

sempre grandes objetivos, não é? Sempre buscando grandes objetivos, tanto é que a

partir do momento que eu senti que eu não vou tercondições de ir a Copa de Mundo

em 1994 então eu vou parar de jogar futebol. Foi dessa forma que eu me procedi. Que

eu quero grandes conquistas sem ficar alardeando, gritando para o mundo aí, mas eu

sempre tive esse comportamento. Se eu não vou conseguir, então não há mais razão

de ser de eu continuar jogando, então eu vou partir para fazer outra coisa da minha

vida. Foi assim, foi sempre desse jeito.

T.M/F.S – Antes só de a gente entrar nesse novo momento da sua vida, assim, nessa

transição, teve uma passagem... - Duas, na verdade- curiosas, entre [o seu fim da]

carreira quando você jogou em dois grandes rivais, dois [times em que você jogou]

[inaudível] foi o Guarani e o Palmeiras.

C.G – É. Quando eu jogava no Atlético Mineiro, eu estava muito feliz jogando lá no

Atlético, encontrei um ambiente fantástico naquela época, não é? Foi em1990,1991.

Mas eu já estava muito tempo longe dos meus familiares em Campinas. Eu tinha

passado dois anos da Turquia, já estava um ano no Atlético Mineiro e sozinho. Aí o

Leão tinha assumido o Guarani e eles me ligaram, o Leão contatou o presidente do

Guarani, se eu tinha interesse, que eles queriam me contratar, eu falei: “Eu quero sim.

Eu gostaria, eu vou voltar para Campinas, vou jogar em um ótimo clube”. E foi assim

que eu voltei. Fui jogar no Guarani. Fui jogar no Guarani e na época a Ponte Preta

estava na segunda divisão, não estava nem na primeira divisão. Aí nós fizemos um

ótimo campeonato paulista, um dos treinadores que nós tivemos nesse período -foram

seis meses que eu estive no Guarani- foi o Luxemburgo58. O Vanderleiestava fazendo

um grande trabalho, depois já quando nós entramos na fase semifinal [inaudível] do

campeonato paulista, ele teve umas divergências com o presidente e saiu. E isso 58 Vanderlei Luxemburgo da Silva.

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enfraqueceu um pouco o grupo e nós acabamos não classificando para ir para final.

Nós tínhamos uma grande equipe, fizemos um grande campeonato, foi ótimo. Aí no

final do ano, eu tinha contrato por mais seis meses ainda, o Palmeiras manifestou

interesse em me contratar, aí eles quiseram me contratar, conversaram com a diretoria

do Guarani e o Guarani estava em uma situação financeira, eles achavam que

precisavam me negociar, era o único jogador que estava sendo procurado para isso,

para eles cumprirem os compromissos lá, não é? E eu acabei indo para o Palmeiras,

fui jogar no Palmeiras, foi uma experiência diferente que eu tive, um clube que já

estava um bom tempo sem conquistas, muita cobrança, um grupo de jogadores que

estavam se acertando, foi a Parmalat o período – foi a Parmalat, edepois de alguns

meses, ela se instalou no Palmeiras - , e o Palmeiras foi criando uma forma, foi

melhorando, se estruturando do jeito que se propôs para ter as grandes conquistas que

teve. Então, eu joguei mais um ano no Palmeiras, só que esse período meu no

Palmeiras, ele foi bom no início e depois deixou de ser. Eu tive uma contusão e eu

joguei alguns meses com problema no joelho, eu não conseguia treinar, o joelho doía

muito, inchava e eu tomava muito antiinflamatório, infiltração no joelho para poder

jogar, eu não conseguia treinar e tudo isso atrapalhava e tinha jogos que eu fazia, por

exemplo, eu ia sair do gol, eu começava a sair, meu joelho doía, parava. Aí criava

aqueles lances duvidosos, o que está acontecendo? Não está? Até que chegou um

momento, eu falei ao médico: “Olha, eu não estou aguentando mais”, conversei com

ele, conversei com o treinador – treinador de goleiro -, com o médico eu falei: “Olha,

não é possível, eu não tenho mais condições”. E ao mesmo tempo eu estava

frequentando a seleção brasileira, frequentando... Eu estava sendo convocado,

jogando pela seleção também. Só que já estava ficando em um momento difícil por

causa desse problema no joelho, aí conversando com o médico, tudo, ele decidiu fazer

uma cirurgia – fez a retroscopia – eu tinha uma pequena lesão no menisco. Foi

resolvido esse problema e aí eu já fiquei um bom tempo sem jogar... Vamos dizer, eu

não retornei mais a jogar, não é? Eu fiquei até o fim do ano cumprindo o contrato e

depois fiquei alguns meses parado. Além desse problema no joelho, eu tive problema

no ombro e estava tudo sendo difícil, começou a ficar complicado também. Eu

lutando para jogar, tinha o objetivo de ir a Copa do Mundo, tudo isso me dava energia

para ir. Mas esses problemas de contusão começaram a acontecer, começou a ficar

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difícil. Aí terminou o ano, estava pensando em parar até que eu encontrei, por acaso,

uma pessoa em Vinhedo, um massagista, um senhor de idade, ele já é falecido e ele

tinha um dom de sensibilidade nas mãos e ele conseguiu me ajudar com esse

problema do ombro e foi no ano em que a Portuguesa manifestou o interesse em me

contratar, eu fui para a Portuguesa e joguei mais um ano. Joguei um ano. Eu joguei

mais uns seis meses na Portuguesa e depois, vamos dizer, eu perdi essa condição de

titular, mesmo porque eu comecei a perder motivação porque eu percebi que à nível

de seleção brasileira, depois de participar da eliminatória de Copa do Mundo, já não

iria acontecer, não é? Isso foi após a Copa América de 1993. Então eu comecei já a

formatar na minha mente que eu iria parar no final do contrato e foi o que acabou

acontecendo. Eu parei assim de uma forma consciente porque o que eu queria, eu não

iria mais conseguir, não é? Para continuar a minha caminhada profissional como

goleiro, então eu resolvi parar de jogar futebol. Por um fim.

T.M/F.S – Você chega a ser convocado para a seleção para a Copa América de 1993,

não é?

C.G – É. Quando o Parreira fez a sua primeira convocação em 1992. Dessa primeira

convocação em 1992, 1993, eu estive presente em todas elas, até o final da Copa

América. Todas as convocações eu estive presente. Eu estive presente com o Zetti59,

com o Sérgio Guedes60, com o Gilmar, com o Taffarel... e assim foi até a Copa

América de 1993, onde o Zetti fez o jogo, até que culminou com a eliminação do

Brasil com a Argentina, não é? Foi a minha participação. Estava eu, o Taffarel e o

Zetti. Então a partir dali, vieram as eliminatórias e outros acontecimentos que tiveram,

eu não fui mais convocado, então até por um bom senso, não é? Eu percebi que a

minha vez já tinha se encerrado ali na seleção. Lá atrás, eu sabia que se eu voltasse

um, dois passos, eu teria impulsão para subir novamente, mas, naquele momento, na

Portuguesa, eu com trinta e sete anos de idade, eu já não teria mais forças para

conseguir atingir o objetivo que eu queria. Então, eu falei: “Então agora já é outro

comportamento, é outro caminho a ser tomado.” Foi onde eu resolvi parar, sem

constrangimento, sem peso na consciência, sem traumas, sem estar hoje pensando

como um ex-jogador que ainda pensa como jogador. Não. Eu encerrei a carreira,

59 Armelino Donizetti Quagliato. 60 Ivanilton Sérgio Guedes.

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definitivamente, tanto física quanto mentalmente, para começar uma nova etapa da

minha vida.

T.M/F.S – Essa transição de que não é mais jogador como você desde cedo, acho

que... dezsseisanos você estava morando sozinho, com vinte e um viajando para a

França e de repente agora com trinta e sete, trinta e oito anos decidiu justamente

colocar um fim em uma etapa que tinha te garantido tudo daquela vida. Como é que

foi essa transição? Você já explicou por que você decidiu, mas e aí? Você pensou, não

sei... Você tinha ainda seus pais...

C.G – Não, isso foi um pensamento meu, pessoal, sabe? Um pensamento consciente

tanto é que eu coloquei assim, o meu contrato acabou, se eu tivesse oportunidade de

retornar a um grande clube, eu poderia até pensar em voltar a jogar. Se não, eu não

jogaria. Agora, nesse período em que eu, vamos dizer, estou de férias, o meu contrato

não tinha terminado ainda na Portuguesa – terminava no final de janeiro – então, eu

estou de férias em janeiro, eu encontrei uma pessoa do Guarani passeando no

shopping, “Oh, Carlos, o que você está fazendo? O que você está pensando da vida?”

Aí ele falou para mim assim: “Você não quer ir trabalhar conosco lá no Guarani?” “O

Seu Pupo Gimenez61 é o nosso treinador do juniores, ele está com uma proposta para

sair e trabalhar em outro lugar e você não quer ir lá trabalhar junto conosco? Você

fica com ele...” Eu falei para ele assim: “Olha, se vocês me convidarem para trabalhar

nessa situação, com esse treinador, com o SeuPupo, eu falei para ele assim: “Eu já

paro agora de jogar futebol, que é o que já está na minha cabeça mesmo”. E foi o que

acabou acontecendo. Uma semana depois, eles me contactaram, ligaram para mim,

para conversar e eu comecei a trabalhar como uma espécie de assistente do seu Pupo

Gimenez, lá no Guarani. Aí eu comecei uma outra etapa na minha vida. E quando eu

comecei a fazer isso, parece que eu tirei um peso das minhas costas, me senti mais

leve, um dever cumprido, vamos dizer, essa missão que eu tinha na vida se encerrou,

estou aliviado, tranquilo, feliz e agora com entusiasmo para começar outra coisa.

T.M/F.S – Essa outra coisa, no caso, aqui, a gente vê logo que você encerra, ao

mesmo tempo em que você está trabalhando na base, você se dedica também e volta

para os estudos, se forma em educação física...

61 Antônio Maria Pupo Gimenez.

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C.G – Aí é o seguinte: eu comecei a trabalhar no Guarani como assistente, nunca

tive... Era uma primeira experiência, como eu posso dizer? Eu comecei a viver aquilo

e de repente as coisas foram acontecendo. Seu Pupo um mês depois, acabou a taça

São Paulo, ele foi campeão da taça São Paulo pelo Guarani e um mês depois ele saiu e

falou assim, comunicou para o diretor: “Oh, vou deixar o Carlos no meu lugar”. Efoi

assim que eu assumi a equipe do juniores do Guarani. Eu não tinha preparação

alguma, não tinha noção do que eu estava fazendo, essa que é a verdade. Mas foi,

assim, uma experiência boa, importante, eu fui me dedicando, fazendo tudo quanto

era curso que... Que eu tinha condições de fazer e fui abrindo a cabeça, começando a

perceber como é que funcionava aquilo. E eu sempre tive muita consciência em

relação a isso. Você tem que se preparar, você não pode começar do final, você tem

que iniciar e nada melhor do queiniciar de baixo para ir se estruturando e ter

consistência na sua subida. Eu tive experiências no Guarani, foram boas, nós fomos

vice-campeões estaduais de juniores. Depois eu saí, eu fui para... Para o XV de

Piracicaba], quando a TAM62 incorporou o XV, eu fui como treinador da equipe de

aspirantes juniores e assim eu fui trabalhando como treinador. Sempre em equipes de

base, até que eu trabalhei um período com a equipe da comunidade judaica, uma

seleção brasileira da comunidade judaica, não é? Com a federação brasileira da

comunidade63, que disputa a [Cabeda]64, que é uma competição deles e nós fomos...

A única vez que o Brasil foi campeão na história até hoje e eu era o treinador da

equipe. Aí depois no meu retorno, eu trabalhei no Campo Grande, do Rio, da equipe

profissional, nós subimos para a primeira divisão do campeonato carioca. Eu trabalhei

no Juventude de Primavera do Leste no Mato Grosso, primeira divisão do

campeonato, foi o ano em que... Em 2000 que o Juventude foi a primeira vez campeão

estadual e foram clubes, assim, nesse porte, União Barbarense no Paraná, que eu

comecei as primeiras experiências, as vivências mesmo como treinador. Só que

chegou um momento nisso tudo, no jogo, eu parti dessa opção de ser treinador de

futebol, muito pelo preconceito que se existia - hoje menos, não é? -, treinador de

goleiro já tem um conceito bom, muito bom, mas, antigamente, era um mero chutador

62 Companhia aérea e patrocinadora

63 [Instituição não encontrada] 64 [Instituição não encontrada.]

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de bola, com uma posição insignificante dentro de uma comissão técnica. Eu falei:

“Eu não quero isso para mim. Não quero ser uma pessoa que irrelevante aqui, que vai

chutar a bola para goleiro. Eu tenho competência para muito mais.” E assim acontece

com muitos, não é? Então, eu era, assim, um pouco reticente em ser treinador de

goleiro. Então eu trabalhei esse período como treinador de campo. Mas foi... Essa

experiência como treinador de campo, ela me trouxe muito conhecimento, de como

funciona todo o contexto do jogo, sabe? Isso foi muito importante porque eu exerço,

hoje, como treinador do goleiro. Chegou a um momento como treinador que eu

percebi que eu tinha que estudar muito. Fazer apenas cursos que nem eu já estava

fazendo, já não iria me ajudar, mesmo porque eu não poderia ter acesso a certas áreas

acadêmicas. Para continuar o estudo, você tem que ter graduação. Aí chegou o

momento em que eu tinha que decidir. Eu tinha que fazer o curso de educação física

para poder avançar nos estudos, nas pesquisas que eu quero. Aí eu parei de ser

treinador, eu falei assim: “Agora eu vou me dedicar aos estudos e depois eu penso a

minha retomada.” Só que, quando eu comecei a faculdade, coincidentemente, eu fui

convidado para trabalhar com o Juninho65 no Noroeste Bauru, ele falou: “Carlos, o

que você está fazendo?” Eu falei: “Eu vou começar a fazer faculdade”. Ele falou:

“Você não quer vir me ajudar aqui no Noroeste? Eu assumi o Noroeste e nós temos

um projeto muito bom aqui e o treinador de goleiro foi para outro clube, você não

quer vir me ajudar como assistente meu e você ajuda com o treinamento de goleiro?”

Eu falei: “Eu quero”. Aí eu fiz a transferência da faculdade para Bauru e comecei a

trabalhar como treinador de goleiro e assistente dele. E eu fui permanecendo no

Noroeste, nós subimos para a primeira divisão, O Noroeste estava na série A2, subiu

para a série A1. E eu fui cada vez mais me empolgando, me entusiasmando,

crescendo e, vamos dizer, se tornando consistente dentro de mim de que eu poderia

fazer algo importante dentro do futebol como treinador de goleiro e não como

treinador de futebol. Eu falei: “Eu vou deixar de lado esse preconceito. Eu vou ser

treinador de goleiro, sim!” Foi pela riqueza de vivência que eu tive como goleiro, a

vivência de alto nível, não é? A convivência com grandes jogadores, enfrentando

grandes jogadores, convivendo com grandes jogadores, tudo do mais alto nível, com

excelentes treinadores, tanto de campo como de goleiro. Eu falei: “É onde eu posso 65 [Personagem não identificado.]

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ter a melhor participação minha dentro de esporte”. Tudo isso que eu tive

anteriormente e essa etapa que eu tive como treinador de campo, associado a uma

parte, agora, teórica, a parte acadêmica, eu acho que vai me ajudar muito. E foi o que

eu comecei a fazer. Então eu já faço isso há alguns anos. eu comecei a conviver,

primeiro com equipes profissionais, que foi uma boa etapa porque eu entendi todo o

processo de e treinamento de goleiro profissionalmente. O meu trabalho de conclusão

de curso foi em cima de uma caracterização da atividade de goleiro, do sistema

metabólico, de como funciona o jogo do goleiro. Então eu prossegui meus estudos em

cima disso, aí de tanto conviver com goleiros profissionais e observar certas

deficiências de ações técnicas, de movimentos, de gestos, sabe? E de coisas que já

estão consolidadas, que você quer mudar e não consegue mudar e você fala: “Bom,

mas isso tem que ser trabalhado aqui no início.” Então eu comecei a elaborar toda

uma ideia para trabalhar desde a formação do goleiro de futebol: Da iniciação ao alto

rendimento. Então, desenvolver um projeto nesse aspecto. Foi quando eu fui para

Ponte Preta, a Ponte Preta me contratou, ela me convidou, me contratou do Noroeste

Bauru para trabalhar. Essa era a minha intenção, objetivo principal dentro do clube,

para trabalhar desde a formação a desenvolver esse projeto que, infelizmente, eu não

consegui realizar por divergências de pensamento, de ideias diferentes. Interesses

diferentes, mas que o São Paulo... Vamos dizer, coincidiu com que o São Paulo

queria. Se propõe a fazer como funciona o centro de treinamento do São Paulo, sabe?

Então, essas ideias casaram. Esses objetivos casaram. Então, hoje, eu cheguei a um

ponto onde eu queria fazer e estou fazendo, é um processo enriquecedor. É

trabalhoso, difícil, mas é enriquecedor, onde a gente se dedica, pesquisa e cresce dia-

a-dia, porque é um ambiente exigente sem comodismo e não para... E um

desenvolvimento contínuo. Então tudo isso daí casou com o meu pensamento e a

minha maneira de ser também.

T.M/F.S – Para a gente encaminhar aí um pouco para o final da entrevista, 2014

agora, ano de Copa do Mundo, você que teve a oportunidade de participar de três

delas, não sei, eu queria que você falasse um pouco do lado mais técnico, que envolve

a escalação ou não e outras coisas, como outras coisas também das especificidades da

Copa dessa vez ser no Brasil novamente e tudo o que isso vem gerando em torno

disso.

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C.G – Está [bem]. Nós estamos próximos à realização de uma nova Copa do Mundo

no Brasil, está tudo em um processo de preparação em todos os sentidos. O país todo

se mobilizando para organizar, estádios, todos os meios que são necessários para este

maior evento esportivo que existe no mundo que é a Copa do Mundo. O Brasil tinha

esse desejo e tem essa responsabilidade de fazer bem feito. O Brasil, para este evento,

para esta Copa do Mundo, ele não participa de eliminatória. Eu não sei até que ponto

isso pode ser benéfico ou maléfico para o Brasil. O resultado final é que vai dizer.

Como vai ser a caminhada para se ter uma equipe com estrutura preparada, não é? Às

vezes, a gente fala assim: “Bom, preparado, a gente nunca sabe se está.” Eu tive a

experiência da Copa de 1986, em que uma semana antes mudou uma escalação, uma

equipe. O Brasil... Eu acho que o treinador, ele tem a ideia na cabeça, ele tem a ideia

do que ele pretende, mas são é um ano e meio pela frente. E esse um ano e meio, tem

uma olimpíada, tem muita mudança, tem muitos jogadores que aparecem e muitos

jogadores que se consolidam como titulares. Muitos que hoje pleiteiam uma condição

de titular ou estão como titular, não estarão em 2014. E mesmo durante a competição,

muda. O que se espera é que consiga se encontrar uma base sólida, que harmonize e

que tenha uma excelente interação para se conseguir bons resultados. Porque, volto a

falar, futebol é um esporte é um esporte totalmente imprevisível e o que se espera é

que tudo coincida a favor, não é? Todo universo conspire a favor do Brasil para que

ele conseguir isso daí. Vai ser uma caminhada árdua e difícil. É isso que eu vejo

porque ninguém conquista nada fácil não.

T.M/F.S – Bom, então, em nome do CPDOC da FGV e do Museu do Futebol, a gente

agradece mais uma vez, dessa vez não só por ter se disposto, mas pela entrevista em

si, eu acho que foi muito bacana a sua participação.

C.G – Eu é que agradeço a oportunidade de eu poder me expressar, muitas coisas que

eu vivi... situações que, muitas vezes, não são expostas, não são colocadas e muita

coisa que não foi dita porque são anos e anos e anos que, às vezes, a memória foge e

tem muitas coisas importantes que não foram faladas, não foram lembradas e que é de

interesse de muita gente, não é? Mas eu fico feliz de poder expressar alguma coisa e

espero, acima de tudo, poder contribuir. Eu acho que essa etapa que eu vivo na minha

vida, ela é muito mais importante no esporte do que o que eu vivi como jogador.

Como jogador, eu pratiquei e eu espero fazer bom uso de tudo aquilo que eu aprendi,

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que eu estou assimilando hoje e entendendo cada vez mais para ser produtivo, para

melhorar mais ainda. Agradeço. Obrigado.

T.M/F.S – Que isso. Muito obrigado.