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Disciplina FUNDAMENTOS DE NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO COGNITIVA DA APRENDIZAGEM E DO COMPORTAMENTO EMOCIONAL HUMANO

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Disciplina FUNDAMENTOS DE

NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO COGNITIVA DA APRENDIZAGEM

E DO COMPORTAMENTO EMOCIONAL HUMANO

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Disciplina

FUNDAMENTOS DE NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO

COGNITIVA DA APRENDIZAGEM E DO

COMPORTAMENTO EMOCIONAL HUMANO

André Codea

www.avm.edu.br

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Su

mári

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05

Apresentação

07 Aula 1

Fundamentos Neurocientíficos

24 Aula 2

Neuroplasticidade e Aprendizagem

39 Aula 3

Processos Mentais I: a Atenção

54 Aula 4

Processos Mentais II: A Emoção e a Motivação

70 Aula 5

Processos Mentais III: a Memória

85 Aula 6

Processos Mentais IV: a Consciência

101 Aula 7

Processos Mentais IV: a Linguagem

117 Aula 8

Processos Mentais IV: a Cognição

132 Referências bibliográficas

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Disciplina Fundamentos de Neurociência e Educação Cognitiva da Aprendizagem e do Comportamento Emocional Humano

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Esta disciplina trata dos fundamentos neurocientíficos e princípios que norteiam a aprendizagem e o comportamento emocional humano. Neste sentido, aborda o fenômeno da aprendizagem interrelacionado com os mecanismos do sistema emocional humano e com diversos mecanismos cognitivos, como a atenção, a sensação e a percepção, e como esses mecanismos influenciam no comportamento humano.

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s

Este caderno de estudos tem como objetivos:

Apresentar os fundamentos neurocientíficos e os princípios da educação cognitiva da aprendizagem.

Apresentar as bases neurocientíficas do comportamento emocional humano.

Abordar o comportamento como um resultado das interações cerebrais entre os sistemas emocional e cognitivo.

Ressaltar a importância do sistema emocional no fenômeno da aprendizagem.

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Fundamentos Neurocientíficos André Codea

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Neste tópico, apresentaremos os fundamentos neurocientíficos do Sistema Nervoso Humano, que é responsável pela existência do Ser Humano e por sua interação com o meio ambiente.

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os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Reconhecer a existência de um Sistema Nervoso no organismo

humano; Identificar os órgãos que o compõem, de forma a poder

entender as funções gerais de cada um;

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1.1. Como funcionamos?

Você está andando pela rua. Ao olhar para a

calçada do lado oposto, você vê uma senhora que

caminha, de forma um pouco encurvada, que lembra

sua avó. Instantaneamente, você lembra com carinho

de sua avó, lembra de um fato engraçado que

aconteceu entre vocês, e começa a rir sozinho.

Após chegar à esquina de sua calçada, ainda

pensando no fato engraçado com sua avó, você começa

a atravessar a rua, e um carro subitamente buzina e

freia próximo a você. Você fica extremamente

assustado, com o coração palpitante e a respiração

ofegante, e se desculpa com o motorista do carro pelo

descuido.

Com mais cuidado, você atravessa a rua e os

pensamentos do que poderia ter acontecido toma sua

mente, de forma repetitiva e constante. Suas pernas

tremem. Você vai se refazendo aos poucos, e então

chega ao seu destino: uma sorveteria, em que espera

saborear um delicioso sorvete de creme.

Este pequeno exemplo de uma situação

corriqueira permite que abordemos de forma rápida

várias questões que surgem baseadas na forma como

nosso sistema nervoso interage e reage com o

ambiente.

Você está andando pela rua, o que demonstra a

existência e o funcionamento de um sistema motor.

Com seu sistema visual, e baseado em seus

mecanismos de atenção, você vê a senhora do outro

lado da rua, que pela forma de caminhar elicia suas

memórias sobre sua avó. Instantaneamente, sua

memória traz à tona um fato engraçado, marcante, que

é influenciado e influencia o seu sistema emocional.

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No incidente com o carro, que aconteceu por

você estar distraído (que faz parte do sistema de

atenção), ou seja, resultado da ação dos pensamentos

introspectivos com o fato engraçado vivido com sua

avó, e pelo fato de seu sistema motor, em linhas

gerais, não depender diretamente de sua cognição para

continuar funcionando, o que permite que você

continue andando, sua amígdala é intensamente

ativada pelo ambiente a partir de um sinal de perigo,

representado pela buzina e freada do carro próximo a

você. Então, subitamente, seu sistema de luta ou fuga,

um subsistema do Sistema Nervoso Autônomo

Simpático, é acionado, e você instantaneamente tem

uma infusão de adrenalina na corrente sanguínea, o

que faz com que seu coração entre em taquicardia, e

seus pulmões em taquipneia. Por meio dos seus

mecanismos de linguagem, você pede desculpas ao

motorista por seu descuido, e seu sistema motor é

novamente acionado para você atravessar a rua e

chegar ao seu destino. Enquanto isso, você volta à

calma, por meio de seu Sistema Nervoso Autônomo

Parassimpático, e as sensações do sorvete começam a

tomar conta de você, o que faz com que você comece a

ter percepções do sorvete (mesmo sem o ainda estar

tomando!), como o gosto, e começa a salivar, o que

indica que seu Sistema Digestório entrou em

funcionamento para se preparar para o ato de ingerir o

sorvete. Você ainda não sabe, mas seu estômago já

está secretando ácido hidroclorídrico (mais conhecido

como ácido gástrico), preparando o estômago para

digerir os componentes do sorvete. E do susto do quase

atropelamento, você começa a ser dominado pelo

prazer de tomar o sorvete, outro estado emocional.

Este exemplo simples ilustra, de forma também

simples, algumas interações entre os vários

subsistemas que compõem o nosso Sistema Nervoso e

como eles interagem entre si. A partir de agora, iremos

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desvencilhar os caminhos e os locais em que ocorrem

as ações e interações cerebrais que influenciam e

determinam o nosso comportamento.

1.2 Nosso Sistema Nervoso

Toda a interação de um ser vivente com o

ambiente ocorre porque este ser tem um Sistema

Nervoso, mais ou menos rudimentar. Indo além,

podemos dizer que todo ser vivente vive porque ele

tem Sistema Nervoso. Então, para que possamos

compreender o comportamento humano, precisamos

entender o Sistema Nervoso. E para este fim temos a

Neurociência.

A base de estudo da neurociência reside na

observação das funções do sistema nervoso no

indivíduo sadio e também no doente, de forma a

determinar como o comportamento é gerado em

condições normais e o que acontece quando há algo

errado. Até bem recentemente, estudar lesões era a

principal forma de descobrir a função dos órgãos do

Sistema Nervoso.

Esquematicamente, divide-se anatomicamente o

Sistema Nervoso em duas regiões principais: o Sistema

Nervoso Central (SNC) engloba todas as estruturas

neurais dentro do crânio e da coluna vertebral, sendo

assim um sistema decisório. O Sistema Nervoso

Periférico (SNP) constitui-se dos nervos (cranianos ou

espinais), dos gânglios e das terminações nervosas,

sendo assim um sistema de comunicação. Com relação

ao SNC, temos a seguinte divisão:

• Encéfalo é a parte do SNC dentro do crânio,

sendo dividida em três partes: o cérebro, o

cerebelo e o tronco encefálico.

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• Medula espinal é a parte que continua a

partir do encéfalo (o ponto divisório é o

forame magno do osso occipital) no interior

do canal da coluna vertebral

1.2.1 O Cérebro

O cérebro é um dos componentes do encéfalo, e

é considerado o órgão responsável pelos processos

cognitivos, emocionais e racionais por excelência. Em

outras palavras, é onde todos os processos mentais são

gerados e inter-relacionados. Ele é anatomicamente

dividido em duas regiões, o telencéfalo e o diencéfalo

com funções distintas.

1.2.1.1 O Telencéfalo

O telencéfalo constitui os hemisférios cerebrais

direito e esquerdo, que são praticamente totalmente

separados pela fissura longitudinal do cérebro. Estes

são interligados por feixes de fibras nervosas chamadas

de comissuras, sendo a principal o Corpo Caloso, uma

extenso feixe de aproximadamente 300 milhões de

fibras axoniais.

A camada superficial dos hemisférios é chamada

de córtex cerebral, que mede de 2 a 6 mm de

espessura, e é predominantemente composta por um

tipo singular de agrupamento celular, chamado de

substância cinzenta, que é formada por agrupamento

de corpos celulares dos neurônios. Este tipo de

organização é responsável, entre outras coisas, pelos

processos conscientes e voluntários que geramos nas

múltiplas ações entre os nossos sentidos e os nossos

órgãos efetores.

Na estrutura cerebral em si, o córtex possui

giros (massa cerebral) e sulcos (espaços entre os giros)

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que separam esses giros. Esta conformação foi

necessária para que todo o conteúdo e volume dos

aproximadamente 1,5 kg do cérebro pudesse caber

dentro da cavidade craniana. E o agrupamento de giros

e sulcos em determinadas regiões, por vezes separados

por sulcos mais profundos e pronunciados, foi o

responsável pela divisão anatômica destes segmentos

em lobos.

1.2.1.1.1 Os Lobos Cerebrais

O telencéfalo é dividido anatomicamente em

lobos, sendo determinados em número de cinco:

frontal, parietal, occipital, temporal e ínsula, tendo cada

hemisfério a mesma conformação. Apresentaremos de

forma resumida e esquemática os princípios gerais de

cada um destes órgãos

1.2.1.1.1.1 Lobo Frontal

O lobo frontal possui três áreas principais

distintas e complementares:

• Área motora primária e pré-motora (Áreas

Pré-Motora e Motora Suplementar)

• Motricidade voluntária

• Integração dos atos motores e sequências de

ações aprendidas

• Córtex pré-frontal

• Planejamento e análise de consequências das

ações futuras; escolha das estratégias

comportamentais em cada contexto

ambiental; manutenção da atenção e

controle do comportamento emocional

• Área da fala

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1.2.1.1.1.2 Lobo Parietal

O lobo parietal possui três áreas distintas:

• Área anterior – somatossensorial primária

• Recebe as sensações corporais, tais como:

• Tato

• Dor

• Temperatura

• Área posterior – somatossensorial de

associação

• Integração, interpretação e análise das

sensações

• Reconhecimento corporal, pela propriocepção

• Localização espacial, pela visão

• Área de Wernicke – compreensão da

linguagem

• Em parte no lobo parietal, em parte no lobo

temporal

• Agrupa palavras para formar um pensamento

coerente

1.2.1.1.1.3 Lobo Occipital

Embora o lobo occipital possua diversas áreas

especializadas, ele é normalmente dividido em duas

áreas:

• Área visual primária

• Recebe as informações visuais

• Área visual secundária

• Integra as informações com as existentes na

memória

• Busca compreender o que está sendo visto

• Áreas especializadas

• Reconhecimento da cor

• Integração das imagens em movimento

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• Estabelecimento da distância entre si e um

objeto ou entre objetos entre si

• Percepção visual da profundidade

1.2.1.1.1.4 Lobo Temporal

O lobo temporal possui funções bem diversas:

• Área auditiva primária

• Recebe as informações auditivas

• Área auditiva secundária

• Integra as informações com as existentes na

memória

• Busca compreender o que está sendo ouvido

• Área de Wernicke (parte)

• Área visual terciária

• Lembrança de rostos e objetos e

Processamento visual geral

• Memória

• Verbal e não-verbal, e de longo prazo

1.2.1.1.1.5 Ínsula

A ínsula é um lobo interno, visualizável

normalmente a partir do afastamento dos lobos temporal

e frontal/parietal, especialmente pelo sulco lateral. Apesar

de ainda ser um órgão com muitas funções

desconhecidas, possui funções relacionadas com:

• Correlações emocionais

• Associação de sons, cheiros ou sabores com

conteúdo emocional

• Percepção de estímulos (especialmente

estímulos desagradáveis ou angustiantes)

• Fome

• Dor

• Necessidade de se drogar (também

relacionado ao vício do fumo)

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1.2.1.2 O Diencéfalo

O diencéfalo é uma região profunda de

estruturas cerebrais que está interposto entre o tronco

encefálico e o telencéfalo, sendo formado por:

1.2.1.2.1 Tálamo

O tálamo é formado por duas massas ovoides,

localizadas anteriormente no diencéfalo, que são

parcialmente unidas pela massa intermédia. É formado

por vários núcleos mas, de forma geral, podemos dizer

que o tálamo funciona como uma estação

retransmissora, tanto sensorial (retransmitindo

impulsos sensoriais do tronco encefálico, cerebelo e

medula espinal) quanto motora, por meio de tratos

motores vindo do córtex cerebral.

1.2.1.2.2 Hipotálamo

O hipotálamo fica localizado abaixo do tálamo, e

tem menor tamanho. Também é formado por vários

núcleos, cujas funções são tão diversas que é

considerado o centro integrador e regulador

homeostático do corpo humano. Suas funções podem

ser assim resumidas:

a) Controle do Sistema Nervoso Autônomo, o

que inclui a regulação da frequência

cardíaca, a motilidade no trato

Gastrointestinal, a contração da bexiga

urinária, bem como a secreção de diversas

glândulas;

b) Regulação da Sede, da Saciedade e da Fome,

por meio de núcleos próprios para estes fins;

c) Controle da Glândula Hipófise, tanto por via

hormonal quanto por via neural, o que o

torna o grande controlador do Sistema

Endócrino;

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Aula 1 | Fundamentos Neurocientíficos 16

d) Controle da Temperatura Corporal, por meio

de mecanismos de feedback;

e) Regulação de Sentimentos e Comporta-

mentos, juntamente com o Sistema Límbico,

que controla nosso comportamento emo-

cional, regulando sentimentos como raiva,

prazer, agressão, dor e atividade sexual.

1.2.1.2.3 Epitálamo

O epitálamo é localizado posteriormente no

diencéfalo, e constitui-se de uma pequena região que

contém uma glândula, a glândula pineal, e um núcleo,

o núcleo das habênulas. No primeiro caso, há a

secreção da melatonina, hormônio que regula o ciclo

sono-vigília, regulando assim o ritmo biológico humano;

no segundo caso, ocorre a regulação das respostas

emocionais aos odores.

1.2.1.2.4 Subtálamo

O subtálamo é uma região localizada

inferiormente ao tálamo, sendo composta por um par

de núcleos subtalâmicos, que atuam na regulação do

movimento corporal, juntamente com os núcleos da

base, núcleos rubros, substâncias negras, cerebelo e o

córtex motor.

Resumidamente, podemos dizer que o cérebro

possui quatro funções básicas:

• Mobilidade

• Representado pelo Sistema Motor, ocupa

uma grande parte do Sistema Nervoso, e sua

função é comandar e controlar nossos 654

músculos esqueléticos de forma integrada,

além de proporcionar a necessária interação

com o meio ambiente.

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Aula 1 | Fundamentos Neurocientíficos 17

• Comunicação

• Ocupa também uma grande parte do sistema

nervoso, e é formado por três partes: inputs

sensoriais, respostas motoras na forma de

expressão de comportamento, e funções

psíquicas superiores, tais como fala,

pensamento, abstração e consciência.

• Manutenção Biológica

• Representada pelo Sistema Nervoso

Autônomo, em interação com nosso Sistema

Nervoso Somático. Nesta função, há o

controle do ciclo respiratório, ritmo cardíaco

e regulação da pressão arterial, motilidade

intestinal, metabolismo, filtração renal,

regulação endócrina, entre várias outras.

• Instinto de Sobrevivência

• Representado pelo Sistema Límbico, inclui a

procura por comida e um parceiro para

copular. É o nosso sistema emocional.

1.2.2. O Cerebelo

O cerebelo é um órgão localizado inferiormente

ao cérebro, na parte posterior da caixa craniana, atrás

do bulbo e da ponte (regiões do tronco encefálico),

sendo separado do cérebro por uma invaginação da

dura mater, chamada de tenda do cerebelo. Assim

como o cérebro, o cerebelo possui dois hemisférios,

direito e esquerdo, unidos por uma estrutura central

chamada de verme.

A estrutura do cerebelo é de uma massa globosa

folhada, ou seja, cada hemisfério possui um conjunto

de cristas paralelas denominadas de fólios ou folhas,

que constituem o córtex cerebelar. Em termos de suas

divisões, há dois lobos, anterior e posterior, que são

responsáveis pelos movimentos subconscientes dos

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Aula 1 | Fundamentos Neurocientíficos 18

músculos estriados esqueléticos, e o lobo flóculo-

nodular, cujas funções estão relacionadas ao equilíbrio.

Internamente, o cerebelo apresenta os núcleos

cerebelares, regiões profundas que interconectam o

cerebelo com o encéfalo e a medula espinal.

De forma geral, pode-se dizer que o cerebelo

compara os movimentos que se quer realizar com o que

está sendo realizado de fato, de forma a poder corrigir,

via feedback motor, tais movimentos para que se

aproximem do que se quer. Também é responsável por

regular a postura (estática e dinâmica) e o balanço,

especialmente no andar.

1.2.3. O Tronco Encefálico

O tronco encefálico é um órgão que se conecta

superiormente ao diencéfalo (parte do cérebro),

inferiormente à medula espinal, e posteriormente ao

cerebelo. Ocupa, portanto, posição estratégica entre

estes órgãos, sendo uma de suas funções a interligação

entre eles.

Ele é dividido em bulbo (também chamado de

bulbo raquidiano ou medula oblonga), ponte e

mesencéfalo, ordenando-se de baixo para cima.

Como um todo, o Tronco Encefálico apresenta

duas regiões de importância: o lemnisco medial, faixa

de axônios (substância branca) que estende-se pelas

três regiões transmitindo impulsos táteis,

proprioceptivos, de vibração e de pressão, até o tálamo

(uma região do diencéfalo). E a formação reticular, um

feixe neural em forma de rede, que se estende por todo

o tronco encefálico, projetando-se tanto para a medula

espinal quanto para o diencéfalo. Parte da formação

reticular contém o SAR (Sistema de Ativação Reticular),

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Aula 1 | Fundamentos Neurocientíficos 19

cuja função é ativar o córtex cerebral para vários tipos

de impulsos, como visuais, auditivos e táteis. Por outro

lado, possui também função motora, a de regulação do

tônus muscular.

1.2.3.1. O Bulbo

O bulbo é a região mais inferior, relacionada

diretamente com a medula espinal, sendo a

continuação desta. Portanto, possui os tratos

ascendentes e descendentes (sensoriais e motores)

também presentes na medula espinal. No entanto,

também possui núcleos responsáveis por funções

diversas, como a regulação da força e da frequência

dos batimentos cardíacos, a respiração, a regulação dos

vasos sanguíneos (vasodilatação e vasoconstricção),

coordenação da deglutição, tosse, vômito, soluço e

espirro.

O bulbo apresenta também a decussação das

pirâmides, um cruzamento de fibras do trato piramidal

(ou córticoespinal) que faz com que a maioria das

ordens motoras do hemisfério direito do cérebro

controle o lado esquerdo do corpo e vice-versa. Junto

às pirâmides, que são massas ovaladas na parte

anterior do bulbo, encontram-se as olivas, cujo núcleo

olivar inferior retransmitem impulsos proprioceptores

oriundos dos músculos e articulações para o cerebelo.

1.2.3.2. A Ponte

A ponte possui a função de interconectar as

áreas superior e inferior do tronco encefálico, bem

como o cerebelo, o que torna seu nome muito

apropriado; mas, além disso, possui núcleos que

participam do controle respiratório, juntamente com o

bulbo.

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Aula 1 | Fundamentos Neurocientíficos 20

1.2.3.3. O Mesencéfalo

O mesencéfalo é o órgão superior do tronco

encefálico, cuja função é interligar os órgãos inferiores

a ele com o cérebro, especialmente o diencéfalo. Em

sua parte anterior encontram-se os pedúnculos

cerebrais, uma região de intercomunicação motora e

sensorial com o cérebro. Em sua região posterior

encontra-se o teto, que possui quatro proeminências:

os colículos superiores, centros reflexos que regulam os

movimentos da cabeça, pescoço e olhos, em especial

em resposta a estímulos visuais, e os colículos

inferiores, cujas respostas motoras reflexas são

dirigidas à cabeça e ao tronco, a partir de estímulos

auditivos.

Outros núcleos existentes no mesencéfalo são as

substâncias negras, áreas de concentração de

neurônios enegrecidos que são responsáveis pela

produção do neurotransmissor dopamina, e cuja função

é controlar atividades musculares; e os núcleos rubros,

que apresenta neurônios com esta pigmentação, cuja

função é coordenar, juntamente com o cerebelo e os

gânglios da base, os movimentos musculares.

1.2.4. A Medula Espinal

A medula espinal é um órgão situado no canal

vertebral, um canal formado pela junção dos forames

espinais das vértebras. Basicamente, a medula é um

órgão de transmissão de impulsos nervosos sensitivos e

motores, uma via de comunicação entre o tronco

encefálico e estruturas superiores e os órgãos efetores

(músculos e glândulas), e entre os receptores

sensitivos e o tronco encefálico.

Uma das propriedades mais importantes da

medula espinal – e seu único comando decisório – é o

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Aula 1 | Fundamentos Neurocientíficos 21

reflexo. Existem vários reflexos na medula, e

basicamente sua função é protetiva.

A medula espinal é envolvida por três meninges:

a pia-máter, mais interna, a aracnoide-mater,

intermediária, e a dura-máter, mais externa e espessa,

que envolve a medula como um todo. São envoltórios

de proteção que estão presentes em várias instâncias

do SNC.

A medula espinal se estende do forame magno

do osso occipital até aproximadamente a 2ª vértebra

lombar (L2) no adulto, não ocupando todo o canal

vertebral. Inferiormente a este ponto, estende-se o

cone medular e o filamento terminal. Esta característica

da medula espinal confere uma consequência prática:

punções lombares para retirada de líquido

cerebroespinal ou para injeção de anestesia são

possíveis porque não há mais medula espinal abaixo de

L2, embora ainda haja meninges e líquido

cerebroespinal nesta região.

Em corte transverso, a medula revela duas áreas

de coloração distinta, chamadas de substância branca

(mais externa) e substância cinzenta (mais interna e

que lembra a letra “H”, perfazendo o canal medular).

As projeções anteriores deste “H” medular são

formadas por corpos celulares dos neurônios motores, o

que torna as raízes nervosas daí decorrentes raízes

motoras ou eferentes; por outro lado, as raízes

nervosas posteriores são sensitivas ou aferentes.

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Aula 1 | Fundamentos Neurocientíficos 22

EXERCÍCIO 1

Faça um esquema abordando as divisões do Sistema

Nervoso do ponto de vista anatômico, e discrimine

como essas divisões determinam as principais

estruturas estudadas neste capítulo.

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

EXERCÍCIO 2

Indique quais são as divisões do cérebro (lobos

cerebrais) e quais suas funções gerais.

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

RESUMO

Vimos até agora:

Temos um Sistema Nervoso que dirige nossas

ações;

Nosso Sistema Nervoso é composto por um

Sistema Nervoso Central e um Sistema

Nervoso Periférico;

Nosso Sistema Nervoso Central é formado por

um Encéfalo (Cérebro, cerebelo e tronco

encefálico) e por uma Medula Espinal.

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Neuroplasticidade e Aprendizagem André Codea

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Neste tópico, abordaremos o conceito de Neuroplasticidade e suas implicações para a reabilitação neural e para a aprendizagem. Também trataremos do fenômeno da Aprendizagem e quais são os seus componentes ou pressupostos.

Obj

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os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Compreender os conceitos de Neuroplasticidade e

Aprendizagem. Entender quais são os fatores influenciadores da aprendizagem.

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 25

2.1 A Neuroplasticidade

Neuroplasticidade é a habilidade cerebral de se

reorganizar, pela nova formação de conexões neurais.

Também pode ser chamada de plasticidade cerebral ou

maneabilidade.

A neuroplasticidade permite aos neurônios

(células nervosas) no cérebro compensar lesões e

doenças, bem como ajustar suas atividades em

resposta a novas situações ou às mudanças

ambientais; em outros termos, à aprendizagem.

Durante toda a vida neurônios nascem e migram

a outras partes do córtex cerebral, onde promovem

novos circuitos e, portanto, novas funções ou reforçam

aquelas já existentes. Ao mesmo tempo, as conexões

neurais e neurônios que não são estimulados ou são

ineficientes morrem.

2.1.1 O Processo Neuroplástico

Todo processo se inicia a partir das células-

tronco cerebrais. Quando devidamente estimuladas,

elas podem se dividir e se especializar em neurônios e

células gliais, um processo conhecido como

neurogênese.

Um dos pontos-chave deste processo são as

neurotrofinas. As neurotrofinas são produzidas como o

resultado da atividade cerebral e possuem uma

importante função em certas áreas cerebrais, incluindo

o córtex frontal e o hipocampo.

Uma neurotrofina bastante conhecida é o Fator

Neurotrófico Derivado do Cérebro (FNDC). Esta

neurotrofina contribui não apenas para a criação de

novas conexões sinápticas, mas também para a

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 26

neurogênese (neuroplasticidade) de novas células

cerebrais. O FNDC ajuda na formação cerebral desde o

nascimento até o final da vida.

Um aspecto importante no processo

neuroplástico é a necessidade da atividade física, seja

através de exercício formal ou recuperativos, bem

como de atividade mental para que possa acontecer de

forma ótima. Como a neurotrofina não pode ser

consumida de forma externa a única maneira de

estimular sua produção é através do exercício físico e

mental.

A neuroplasticidade é comumente associada à

capacidade do sistema nervoso de se recuperar de

lesões e doenças, seja pela criação de novos caminhos

neurais, seja pela estimulação do crescimento de novos

neurônios em áreas danificadas.

Porém, uma das consequências mais

importantes da neuroplasticidade está diretamente

relacionada ao processo de aprendizagem, ou da re-

aprendizagem (que ocorre no caso de lesões ou

doenças): a capacidade de criação de novas conexões

no cérebro está associada ao ato de aprender.

Em outras palavras, a neuroplasticidade está

intimamente relacionada ao processo de aprendizagem.

Devido ao fato de que sinapses que fazem a

comunicação dos neurônios entre si (interneurônios)

podem ser formadas e desconectadas de forma cíclica

durante a vida, e que este processo está intimamente

relacionado às neurotrofinas, sofrendo mediação

destas, temos então presente a ideia de que

neuroplasticidade e aprendizagem são processos

correlatos.

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 27

2.2 A Aprendizagem

O fenômeno da aprendizagem é altamente

complexo e variado, mas está intimamente relacionado

a processos neurais, dos quais já existe um corpo

sólido de conhecimento.

Aprender, de forma geral, é um processo de

aquisição de novas informações e seu armazenamento

de forma mais ou menos permanente, de modo a

podermos recuperar estas informações posteriormente.

É um processo multifatorial e, desta forma, podemos

considerar como fatores influenciadores do processo de

aprendizagem: a Sensação, a Percepção, a Atenção, A

Emoção/Motivação, a Memória, a Consciência, a

Linguagem e a Cognição.

2.2.1 A Sensação

Pode-se definir sensação como sendo a

impressão sensorial que significa a detecção dos

estímulos pelos órgãos dos sentidos. Os órgãos dos

sentidos captam as informações, convertendo-as em

impulsos nervosos, sendo estes emitidos para o cérebro

e processados neste.

Além dos cinco sentidos principais, ou seja,

visão, audição, tato, olfato, paladar, já são classificados

mais de vinte sentidos humanos. Destes, e para os fins

deste tópico, ressaltamos os sentidos cinestésico e

vestibular.

O Sentido Cinestésico informa ao cérebro sobre

o posicionamento relativo das partes do corpo durante

o movimento, portanto dependem dos receptores dos

músculos, tendões e articulações.

O Sentido Vestibular, também chamado de

sentido de orientação ou equilíbrio, informa ao cérebro

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 28

a respeito do movimento e da orientação de sua cabeça

e de seu corpo em relação à terra.

De uma forma geral, podemos identificar a

sensação como a soma de todos os estímulos captados

pelos órgãos dos sentidos, e que é continuamente

processada pelo cérebro. A mera recepção destes

dados não implica em seu processamento consciente ou

em seu armazenamento. Na verdade, a maioria das

sensações são descartadas ou utilizadas de forma

inconsciente pelo Sistema Nervoso.

2.2.2 A Percepção

A percepção pode ser definida como a

apercepção (apreensão) do objeto pelo organismo,

através dos sentidos, por meio de uma relação entre o

SNC e o objeto sentido, com influência da atenção,

memória, motivação, consciência e linguagem.

Considerando a multiplicidade de sensações

recebidas pelos órgãos dos sentidos a cada segundo,

pode-se inferir que a percepção é uma visão holística

da relação objeto, sujeito e contexto.

Porém, devido à incapacidade de nosso cérebro

de tornar perceptível todas as sensações, estabelece-se

que nem toda sensação é percebida; no entanto, pode-

se afirmar que tudo o que é percebido foi primeiro

sentido.

Com base neste princípio, podemos afirmar que

a percepção não é um “espelho da realidade”. Em

outras palavras, a partir do momento em que

consideramos a incapacidade cerebral de tornar

perceptíveis todas as sensações, estabelecemos que a

“realidade” é uma construção mental de cada indivíduo

baseada no que foi elegível como percebido dentre as

milhares de informações sensoriais disponíveis a cada

segundo.

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 29

Esta incapacidade perceptiva é devida a diversos

fatores: em primeiro lugar, porque nossos sentidos não

respondem a muitos aspectos do ambiente que nos

cerca, o que significa que a “colagem” mental que

temos a cada momento é dependente dos estímulos

sensoriais que são selecionados para este fim; em

segundo lugar, porque às vezes percebemos estímulos

presentes devido a fatores, como doenças, estresse,

drogas etc; em terceiro lugar, porque nossa percepção

depende de expectativas, motivação, experiências

anteriores e outros fatores que são altamente variáveis

em cada momento vivencial.

2.2.2.1 Princípios Externos da Percepção

2.2.2.1.1 Contexto Sociocultural

A sociedade e a cultura se organizam a partir de

normas e regras que estão presentes em tudo o que se

percebe. Logo, a percepção de objetos e situações é

diferenciada de acordo com o contexto do indivíduo.

Por exemplo, para o mesmo aviso “NÃO PISE NA

GRAMA”, o Indivíduo “A” pisa, e o indivíduo “B” não

pisa, o que sugere uma diferenciação de valores e

conceitos estabelecidos culturalmente. Outro exemplo

são os estereótipos, ou seja, as generalizações ou

preconceitos feitos sobre pessoas, comportamentos,

objetos ou situações.

2.2.2.1.2 Características do Meio e do

Objeto

São as características próprias do objeto e do

meio em que está inserido. Um mesmo objeto pode

estar em locais diferentes, o que pode gerar diferentes

percepções sobre ele. São algumas das características

do meio e do objeto:

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 30

• Luminosidade / Sombra

O estado de luz e sombra atribuídos a um objeto

pode alterar a forma como o percebemos. Para

entender como isto acontece, basta olhar para um

objeto em diferentes momentos do dia e perceber como

nossa percepção pode ser alterada.

• Som

Sons podem alterar a percepção de várias

formas. Por exemplo, você pode identificar o som de

um pássaro, mas só saberá que pássaro está cantando

se já tiver este registro em seu cérebro. Outro exemplo

está no estampido de uma bombinha e no som de um

tiro. Quem não é constantemente exposto a um som de

um tiro pode facilmente confundir o primeiro com o

segundo.

• Temperatura

A temperatura ambiente pode alterar a

percepção. Ambientes muito quentes, como desertos,

frequentemente criam ilusões perceptivas.

• Cor

Cores são um dos atributos que mais alteram a

percepção. As cores provocam diferenciais em nosso

cérebro que alteram o humor, a atenção e outras

variáveis perceptivas. Um clássico exemplo disso é a

cor de vestimentas e como isso afeta a percepção sobre

a pessoa que veste.

• Textura

A textura dos objetos afeta nossa percepção, de

forma que podemos, por exemplo, aceitar ou rejeitar

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 31

um objeto com base na percepção de sua textura.

Prefere-se um tipo de caneta a outro muitas vezes pela

textura do corpo da caneta.

• Movimento

Movimentos podem alterar fortemente a

percepção, especialmente movimentos rápidos. Nosso

sistema visual consegue acompanhar e manter a

consistência visual de um objeto até certa velocidade e,

após isso, o objeto tende a perder esta consistência

para nossa percepção.

• Velocidade

Um fator relacionado ao movimento. Atingir um

alvo que se move pode causar um profundo impacto

em nossa percepção. Constantemente, atiradores têm

que fazer ajustes de mira baseados na velocidade do

alvo para que possam ter sucesso.

• Distância

A distância de um objeto, ou perspectiva,

representa uma profunda forma de alteração

perceptiva. O efeito linha do trem é um exemplo disso.

Ao olharmos uma linha de trem em uma reta, os dois

trilhos parecem ter uma distância quando estão

próximos a nós, e parecem se unir quando distantes.

• Tamanho

O tamanho de um objeto altera a percepção. O

mesmo objeto, de diferentes tamanhos, pode sugerir à

nossa percepção que estão mais próximos ou mais

distantes, um truque frequentemente usado por

mágicos. É um atributo perceptivo frequentemente

associado à distância.

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 32

2.2.2.2 Princípios Internos da Percepção

2.2.2.2.1 Adaptabilidade

A percepção de um indivíduo é uma atividade

(processo) flexível, se adapta continuamente ao meio

que o cerca e às suas próprias condições

psicofisiológicas naquele dado momento. Ao fazermos

mudanças, realizamos toda uma série de adaptações

perceptivas necessárias para que possamos lidar com a

novidade inerente ao que mudou. Por exemplo,

mudança de escola ou de trabalho traz novas

interações sociais, novo espaço físico, novas

capacidades de flexibilidade sensorial, novos estímulos.

2.2.2.2.2 Aprendizagem

A interação com o mundo através da percepção

faz o indivíduo aprender a viver neste mundo, a partir

de observações, tentativas de acerto, erros e reflexões.

O fenômeno da percepção é mutável, assim como o é a

própria aprendizagem. Aprender significa, neste

contexto, a quantidade e a qualidade das interações

perceptivas que cada pessoa faz, o que confere um

caráter extremamente individual à aprendizagem.

2.2.2.2.3 Sociabilização

O indivíduo aprende a reconhecer e respeitar as

diferenças individuais e a importância do

relacionamento com o outro, objetivando a troca

construtiva e estruturante dos seres humanos em uma

sociedade, seja ela civilizada ou não. O processo de

sociabilização está intrinsecamente relacionado a outro

conceito, a cultura, e é extremamente variável de

acordo com o país e, mesmo internamente neste.

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 33

2.2.3 A Atenção

Os mecanismos atencionais constituem um

estudo à parte no âmbito da neurociência. Portanto,

abordaremos aqui de forma introdutória e resumida,

para desenvolver mais tarde este conteúdo em capítulo

apropriado.

De uma forma geral, podemos dizer que a

atenção precede a percepção. Os fatores e estímulos

externos que chegam ao nosso córtex cerebral –

sensações – permitem que concentremos maior

atenção em determinados estímulos, que estão de

acordo com nossas necessidades, interesses e valores,

em detrimentos de outros, que não preenchem tais

requisitos, havendo, assim, uma seletividade.

Estas escolhas podem ser feitas tanto consciente

quanto inconscientemente. De qualquer forma, e como

ponto inicial de discussão, prestar atenção significa

sensibilizar de forma seletiva determinadas áreas

cerebrais em detrimento de outras, que são inibidas. E

isto tem tudo a ver com o processo de aprendizagem,

pois é necessário um determinado estado atencional

para que se possa aprender.

2.2.4 A Emoção/Motivação

Outro tema que merece um estudo à parte em

outro capítulo, a emoção é considerada um fator crucial

dentro do processo de aprendizagem, e por assim

dizer, da vida. Somos seres emocionais que pensam, e

não seres racionais que têm emoções, como quis nos

fazer crer o pensamento cartesiano.

A motivação, mais propriamente, se refere ao

significado que o estímulo, ou seja, a informação

sensorial recebida a partir dos órgãos dos sentidos e

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 34

percebida pelo cérebro tem para o indivíduo, e é o que

o impulsiona a aprender. O estado motivacional é um

dos componentes essenciais da aprendizagem, e possui

muitas variáveis intervenientes. Por exemplo, são

fatores que interferem na motivação: a vigília, a fadiga

e outros estados fisiológicos e psicológicos (depressão,

ansiedade e medo, por exemplo).

2.2.5 A Memória

Mais um tema que merece estudo mais

aprofundado. A memória, em termos apropriados para

este tópico, pode ser definida como a influência de

experiências anteriores do indivíduo em relação àquele

objeto ou situação atual, ou seja, em como o

armazenamento de suas vivências e experiências

interfere em sua relação vivencial com cada contexto

com a qual interage.

Em termos da aprendizagem, a memória ocupa

um lugar principal, pois embora aprendizagem e

memória não sejam a mesma coisa, estão intimamente

relacionadas. Aprendizagem tem o objetivo de

memorização, e a memória depende da aprendizagem

para acontecer.

2.2.6 A Consciência

A consciência é um fenômeno tanto estudado

como ainda não compreendido em termos da

neurociência. Ser consciente significa ser ciente de si

próprio, e do que o cerca, e é contraposto ao estado de

sono, no qual perdemos a consciência. Constitui um dos

ritmos biológicos.

Por outro lado, consciência refere-se à

conscientização do indivíduo em relação a si e ao objeto

ao qual está relacionado, em um processo interativo.

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 35

Este processo está relacionado à motivação, e

determina em grande parte o movimento de busca para

o qual somos determinados por nossa vontade.

Sendo um processo relacionado à motivação, a

consciência é um dos importantes fatores que não só

determina o interesse em aprender, mas princi-

palmente o que aprender.

São fatores que interferem na consciência:

interesse, vínculo afetivo, necessidade e estados

fisiológicos.

2.2.7 A Linguagem

Outro fenômeno de incrível complexidade, a

linguagem, no contexto deste tópico, refere-se ao ato

de se comunicar, estando implícitas nesta comunicação

a interpretação do estímulo e os diversos recursos

utilizados para expressão deste (jargões e gírias, por

exemplo, ou até mesmo a linguagem não-verbal).

Até certo ponto, a linguagem é um fator

determinado culturalmente, e envolve vários processos

neurológicos, pois é fundamentalmente dependente da

interação entre a recepção dos estímulos (visuais,

auditivos, táteis etc), a interpretação desses estímulos,

e a resposta dada a partir destas interpretações.

Grande parte, senão a totalidade dos processos

de aprendizagem está vinculada à linguagem, seja esta

verbal ou não. Portanto, o conhecimento dos processos

relacionados à linguagem é de grande importância.

2.2.8 A Cognição

Entender como pensamos é um dos grandes

desafios da neurociência. Os processos cognitivos são

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 36

de extrema complexidade e de tal forma intrincados

com outros atributos que envolvem a aprendizagem,

que seu estudo constitui uma tarefa bastante

complexa.

Os mecanismos que estão envolvidos com a

compreensão dos processos cognitivos envolvem as

propriedades dos estímulos apresentados ao Sistema

Nervoso Central, os processamentos destes estímulos e

as respostas em nível de comportamento observável

que são emitidas.

Entender como ocorrem e quais as

consequências para a aprendizagem é o grande desafio

do estudo da neurociência cognitiva.

EXERCÍCIO 1

Qual é a relação entre a neuroplasticidade e a

aprendizagem?

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

EXERCÍCIO 2

O que é aprendizagem e quais são seus componentes

ou pressupostos?

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

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Aula 2 | Neuroplasticidade e Aprendizagem 37

RESUMO

Vimos até agora:

A Neuroplasticidade é um processo natural e

ocorre durante toda a vida, e faz parte do

fenômeno da aprendizagem.

Aprender é reter, de forma mais ou menos

permanente, novas informações e ser capaz

de recuperá-las, e é também um processo

multifatorial e neuroplástico.

São fatores influenciadores do processo de

aprendizagem: a Sensação, a Percepção, a

Atenção, A Emoção/Motivação, a Memória, a

Consciência, a Linguagem e a Cognição.

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Processos Mentais I: a Atenção André Codea

AU

LA3

Apr

esen

taçã

o

Neste tópico, abordaremos o conceito de Atenção e sua importância para o fenômeno da aprendizagem.

Obj

etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Entender o conceito de atenção Conhecer as estruturas neurais e os sistemas e subsistemas

que participam do complexo estado atencional Reconhecer a existência de distratores, e saber o que são Discutir sobre a atenção em sala de aula Entender que a atenção é treinável

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 40

3.1 A Atenção

Imagine que você precisa ler um capítulo de

livro. Isto será fundamental para a tarefa que seu

professor acabou de lhe passar. No entanto, há alguns

problemas. Primeiro, seu tempo é limitado: você terá

que concluir sua tarefa durante o tempo de aula, ou

seja, aproximadamente 1h. Nada de impossível. Porém,

há uma segunda e talvez mais desafiante dificuldade:

você terá que realizar esta tarefa juntamente com um

grupo de colegas de turma, em meio a barulhos,

conversas e todo tipo de distração. Como fazer isso?

A maioria das pessoas desistiria antes mesmo de

começar. Mas ocorre que existe dentro de você todo

um aparato de estruturas neurais prontas para permitir

que você realize com sucesso sua tarefa. Estas

estruturas neurais realizam algo que parece impossível:

colocar você em estado de atenção.

Para podermos definir atenção, temos que ter

em mente que somos capazes de eliminar

determinados estímulos de nosso campo perceptivo,

em favor daquilo que queremos focar.

Em outras palavras, atenção é a capacidade de

escolhermos um estímulo (ou conjunto de estímulos)

em detrimento de outros, de forma a dirigirmos nossos

sentidos para apreender o melhor possível aquilo que

elegemos como objeto de nossa atenção.

Em suma, é nossa capacidade de focalização.

Mas como será que ela acontece?

3.1.1 Estruturas neurais que participam do

processo de atenção

Em primeiro lugar, para falarmos de atenção, é

obrigatório reconhecer o status fundamental dos

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 41

mecanismos sensoriais que nos fornecem o input

interno e externo de informações para nosso

processamento. Claramente, é impossível ao nosso

cérebro processar toda a enormidade de informações

que chega a todo momento pelas vias sensoriais. Na

verdade, este volume de informações deve ser filtrado

e eliminado, por não ter relevância naquele dado

momento.

No entanto, como determina-se o que é

relevante ou não? Isto obviamente depende do

contexto em que estamos inseridos em determinado

momento, e como este contexto influencia e é

influenciado pelos mecanismos atencionais. Por outro

lado, há estímulos que, em si, capturam nossa atenção,

de forma que, mesmo momentaneamente, dirigimos

nossas estruturas perceptivas para eles.

Como ocorre este estado atencional tanto em

relação a nossos sentidos, como em relação a nossos

estados mentais internos (por exemplo, pensamentos

em que ficamos absortos, isolando-nos do meio

externo), podemos dizer a atenção seletiva pode se dar

em nível perceptivo ou em nível cognitivo.

No primeiro aspecto, ou seja, na percepção

seletiva, um dos sentidos que se destaca é a visão. Em

muitos casos, o foco da atenção é coincidente com o

foco visual, especialmente pelo fato de o mecanismo

ser automático: tendemos a focar a atenção na mesma

medida que focamos o olhar. Porém, também podemos

manter o foco da atenção diferentemente do ponto que

focamos o olhar. Neste caso, usamos a visão periférica

ou até outros sentidos combinados para podermos

focar a atenção.

Este estado de focar a atenção é comumente

chamada de alerta, e direciona nossos sentidos para

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 42

o(s) estímulo(s) que, por nossa vontade ou outro

estímulo direcionador, pode mudar a qualquer

momento, o que faz com que redirecionemos a todo

instante o foco de nossa atenção. Assim, podemos

constantemente mudar nosso foco de alerta, alternando

entre estímulos diversos baseados no que nos é

apresentados pelos órgãos dos sentidos.

De qualquer forma, aparentemente há um

mecanismo, um modelo que sugere que inicialmente,

há uma captura perceptiva que envolve registros

sensoriais, análise e codificação dos estímulos, que são

então cerebralmente selecionados e comparados com

os dados da memória, o processamento do raciocínio e

as estruturas emocionais para, então, haver uma

resposta em termos de comportamento observável.

No segundo aspecto, na cognição seletiva

utilizamos um conjunto de estruturas diretamente

relacionadas à razão, ou a como processamos

racionalmente nosso estado de atenção.

Em nível cerebral, o córtex cingulado parece ser

a região relacionada à atenção executiva, o modo de

atenção voluntário. Ele parece modular as informações

enviadas pelo córtex pré-frontal dorsolateral, que tem a

tarefa de selecionar as variadas informações sensoriais

dos órgãos dos sentidos, comparar com os dados

existentes na memória e integrar o resultado desta

comparação com os demais circuitos cerebrais,

especialmente aqueles relacionados à análise do

contexto atual e futuro.

3.1.2 Indo um pouco mais fundo: os

subsistemas atencionais

Ao aprofundarmos o estudo sobre os

mecanismos cerebrais da atenção, encontramos um

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 43

corpo de conhecimento já solidamente estabelecido, o

que não quer dizer totalmente compreendido. Por

exemplo, há uma enorme variação da utilização das

redes encefálicas envolvidas nos sistemas atencionais

entre indivíduos, o que sugere uma complexa interação

entre as características genéticas, epigenéticas e

ambientais no processamento da atenção. No entanto,

há informação suficiente para ampliarmos o

entendimento sobre este assunto.

Parece haver três subsistemas diferenciados e

integrados relacionados à atenção. O primeiro

subsistema, já abordado neste tópico, é o sistema de

alerta. Este sistema seria formado pela formação

reticular, uma extensa rede de neurônios existente em

nosso tronco encefálico. Mais particularmente, o

Sistema de Ativação Reticular Ascendente, ou SARA.

Esta rede estaria integrada a outro órgão, chamado

loco cerúleo, um grande produtor de noradrenalina, o

neurotransmissor mais associado ao estado de atenção.

O loco cerúleo fica localizado na ponte, sendo um

núcleo de massa cinzenta.

Quanto à atuação deste sistema, parece haver

respostas diferentes em cada hemisfério. O hemisfério

direito parece responder mais ao alerta sustentado ou

tônico, enquanto que o hemisfério esquerdo parece

responder mais aos alertas frequentes, tanto espaciais

quanto temporais.

O segundo subsistema da atenção é o sistema

de orientação, representado pela área de seleção visual

no córtex parietal posterior, o pulvinar e o colículo

superior; aparentemente, há um sistema dorsal que

inclui os campos visuais frontais (FEFs, na sigla em

inglês) e um sistema anterior, que inclui o córtex

frontal anterior e a junção temporoparietal (TPJ).

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 44

Este sistema permite a inferência de uma

extensa rede atencional relacionada à orientação

especial que envolve a visão e o córtex prefrontal,

sugerindo uma forte interação da razão e do controle

voluntário da atenção.

O terceiro subsistema atencional é o sistema de

controle executivo e atenção focal, representado por

duas redes distintas:

• rede frontoparietal anterior, composta

por: córtex pré-frontal dorsolateral; lobo

parietal inferior; córtex frontal dorsal; sulco

intraparietal; pré-cúneo; córtex cingulado

medial.

• rede cíngulo-opercular, composta por:

córtex pré-frontal anterior; ínsula

anterior/opérculo frontal; córtex cingulado

dorsal anterior/córtex frontal medial

superior; tálamo.

Um bom exemplo deste subsistema está no

comportamento de autocontrole, que exige

normalmente um forte controle comportamental

quando se está em situações desvantajosas, como ler

um livro em meio a uma multidão de pessoas, ou

conversar com alguém em um restaurante barulhento.

Neste processo, parece haver uma forte

estimulação do córtex cingulado e do córtex frontal

medial. No caso do córtex cingulado, há áreas

específicas relacionadas à cognição e ao estado

emocional, o que reforça as interações destes sistemas

com os sistemas atencionais.

Tanto no sentido de reforçar o estado

atencional, quanto no de dificultar ou suprimir, as

emoções desempenham um papel vital. Abordaremos

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 45

estas interações no capítulo sobre emoções. Vamos nos

conter, neste momento, a falar sobre as questões

cognitivas e emocionais associadas à falta ou

dificuldade de atenção.

3.2 Os Distratores

Uma das partes fundamentais no estudo da

Atenção é o estudo dos distratores, do que é capaz de

nos tirar o foco, a concentração e a atenção. Um

distrator nada mais é do que um estímulo ou conjunto

de estímulos que afeta os circuitos do sistema

atencional, provocando um comportamento disruptivo

em relação ao foco e atenção em algo.

Para fins deste tópico, podemos determinar duas

categorias básicas de distratores: os distratores

sensoriais e os distratores emocionais.

No primeiro caso, os distratores sensoriais

podem ser de vários tipos. Estímulos de cor são fortes

distratores, especialmente quando apresentados como

elementos-surpresa. Formas também podem distrair,

bem como fundos de ambientes (relação figura-fundo),

e sons (um dos mais potentes distratores).

No segundo caso, os distratores podem ser

emocionais, como parecer ouvir uma voz do filho, ouvir

um toque de celular associado a uma pessoa, ver a

chegada de alguém conhecido. Estes são os mais

poderosos, por justamente envolver de forma bastante

contundente os sistemas emocionais, que interferem

diretamente nas formas de expressão do

comportamento.

Tendo em vista que a desmotivação e a

indiferença são fortes expressões de distração, e que

estão totalmente relacionadas com nosso estado

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 46

emocional, podemos dizer que são potentes distratores,

pois é extremamente difícil focar a atenção nestes

casos.

3.2.1 Distratores no processo educativo

É cada vez mais comum a presença de

distratores no ambiente educativo. A era digital parece

ter trazido um forte componente de desinformação, ao

mesmo tempo que ampliou a oferta de conhecimento a

um número maior de pessoas.

Isto está presente também em sala de aula, de

forma que nas situações escolares, onde se exige alto

grau de concentração e de foco, há cada vez mais

distratores de toda ordem. Porém, com o advento

digital, e a ampla oferta de informação, a atenção

parece dispersar-se no mar de informações disponíveis,

de forma que o foco muda constantemente e parece

não durar mais do que alguns segundos.

Na sala de aula, que normalmente é um

ambiente tendente ao estatismo e à passividade por

parte do aluno, fica extremamente conflitante o

ambiente multidimensional e colorido da internet com o

ambiente monocromático do ensino tradicional.

Talvez a indiferença e a desmotivação tratadas

anteriormente tenham diretamente a ver com esta

situação, pois o ambiente de sala de aula não gera, via

de regra, a mesma descarga dopaminérgica causada

pela tv digital, pela internet e pelo videogame.

Já foi evidenciado que ambientes de novidade e

de surpresa, típicos da tv digital, internet e videogames

causam o que é chamado de erro de predição de

recompensa, e que está profundamente relacionado

com descargas dopaminérgicas. Sendo a dopamina um

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 47

neurotransmissor associado com prazer e com a

geração de recompensas a estímulos, não fica difícil

entender que a aprendizagem, tanto comportamental

como neuronal ocorre predominantemente quando se

tem erro de predição de recompensa no ato em si.

Outra evidência é a de que a rede de

recompensa cerebral reside em um circuito, o circuito

dopaminérgico mesolímbico. Esta via tem início do

sistema tegmental ventral, localizado no mesencéfalo, e

possui conexões com o núcleo accumbens, a amígdala

e o hipocampo, reconhecidamente estruturas

relacionadas com nossas emoções. Este circuito é

intensamente ativado em situações de recompensa, e

pode atuar como uma rede que vicia se for ativada com

frequência, causando dependência.

A dependência de estímulos digitais, em

contraste com a sala de aula, pode ser um importante

elemento distrator, gerando, como já vimos, a

desmotivação e a indiferença perante o ensino

tradicional.

3.2.1 Distração e dispersão

Embora sejam vistos como sinônimos em muitos

casos, a distração e a dispersão são processos diferentes.

No primeiro caso, como já visto, a distração é

uma fuga do foco de atenção, na qual há uma fuga

atencional de tarefa que se tem a cumprir. Seja por

pensamentos vagueantes, seja por realizar alguma

ação fora da tarefa, na distração há algo que se quer

evitar, e portanto, busca-se outro estímulo, externo ou

interno, para preencher os pensamentos e/ou ações.

No segundo caso, ou seja, na dispersão, o foco

atencional é constantemente rompido, o que

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 48

impossibilita a concentração, reduz a duração da

experiência em questão, e perde-se a consistência ou a

permanência em um dado objeto ou pessoa. Ou seja,

de certa forma independe de estar em uma tarefa

específica ou não.

3.3 Treinando a Atenção

Um dos aspectos mais interessantes sobre os

mecanismos atencionais é que eles podem ser

treinados. De fato, parece haver uma mudança, com o

simples passar do tempo, na forma como processamos

e classificamos os estímulos sensoriais, resultando em

mudança de interesses.

Tal fato pode ser explicado pela interação da

genética, epigenética e fatores ambientais a que somos

continuamente expostos, através do que há mudanças

de comportamento e da forma como aprendemos, toda

vez que tentativas são bem ou mal sucedidas, em um

processo de ensaio e erro.

Se este processo já ocorre naturalmente,

também pode ocorrer de forma direcionada. Assim, a

literatura possui uma série de técnicas para se ler

melhor, estudar melhor, melhorar a atenção, melhorar

a concentração, entre outras. Duas formas em

evidência têm uma série de estudos que as suportam.

A primeira envolve treinamentos das redes

atencionais, de forma que estudos revelaram um

aumento da atenção executiva e também mudanças

físicas nas áreas cerebrais relacionadas à atenção.

A segunda envolve a prática de diversas técnicas

de meditação, processo que tem ganho espaço no

ambiente de sala de aula. Embora estas técnicas ainda

sejam mais utilizadas como treinamento da atenção em

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 49

ambiente corporativo (como a mindfulness, por

exemplo), com resultados positivos já relatados, há

relatos ainda tímidos da aplicação destes métodos em

sala de aula, igualmente com resultados positivos. A

prática de formas de meditação tem sido usada para

mudar o estado cerebral, de maneira a melhorar a

atenção, reduzir o estresse, e ainda melhorar a

conectividade funcional entre o cingulado anterior e o

estriado.

Considerando que o melhor estado para a

aprendizagem envolve um equilíbrio entre o estado de

estresse e o estado de repouso, a meditação parece

surgir como uma possibilidade de melhorar o

rendimento dos alunos.

3.4 A Atenção na prática pedagógica

Uma contraposição interessante entre a atenção

polarizada, a concentração que se exige em sala de

aula é o excesso de informações e a facilidade de

acesso que se tem atualmente. De forma contraditória,

a facilidade de acesso às tecnologias parece estar

criando um ambiente de dispersão que têm atrapalhado

de forma consistente o estado de concentração

necessário para o estudo.

Um dos elementos que mais contribui para isso

são os aparelhos celulares, ou Smartphones, que se

tornaram um dos elementos mais viciantes atualmente,

agindo em áreas cerebrais dopaminérgicas ligadas à

recompensa e ao vício, como o Núcleo Accumbens, e

provocando enormes dificuldades ao estado de

concentração. Controlar o uso de aparelhos celulares

em sala de aula é um dos grandes desafios no

ambiente escolar.

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 50

Por outro lado, este uso parece ser maior em

ambientes nos quais a participação do aluno é menor,

ou seja, o aluno figura mais como um elemento passivo

do que ativo, não estando portanto integrado ao

“modus operandi” do processo da aprendizagem.

Este é um ponto, a nosso ver, crucial. O

aprender ativo, aprender fazendo ou estado ativo de

aprendizagem parece favorecer a atenção, a

concentração, ao mesmo tempo que reduz a dispersão

e as distrações. O aluno ativamente engajado não tem

tempo ou espaço mental para distrair-se ou dispersar-

se, pois se torna parte integrante do processo de

aprendizagem, ao invés de ser somente um espectador

passivo.

Portanto, um viés para a atenção em sala de

aula parece estar nos procedimentos metodológicos

adotados. Quanto mais ativa for a participação do

aluno, maior será seu estado atencional e, portanto,

melhor ficará sua aprendizagem.

Outro aspecto, que tem íntima relação com este

ora descrito, é o da personalidade do professor.

Professores passivos, com pouco interesse e pouca

variação de recursos metodológicos aparentemente

geram pouco interesse e atraem pouco a atenção de

seus alunos.

Na outra ponta do espectro, professores

motivados, que trabalham ativamente e com interesse

por seus alunos provavelmente geram mais interesse, o

que pode facilitar todo o processo e melhorar a

aprendizagem. Esta perspectiva significa,

invariavelmente, que o professor engajado está

emocionalmente envolvido com seus alunos, com o

processo e com a escola.

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 51

Os alunos, por sua vez, não são alheios a este

engajamento do professor, e não raro respondem de

forma positiva a esta postura profissional.

Desta forma, cria-se uma ambiência na qual os

alunos e o professor envolvem-se positivamente, e

muitas questões derivadas dos problemas atencionais

atenuam-se: o baixo rendimento escolar, a violência

verbal e física, o desrespeito, o desinteresse.

EXERCÍCIO 1

O que é atenção e o que são distratores e dispersores?

Quais as consequências para a prática pedagógica

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

EXERCÍCIO 2

Quais são os principais sistemas neurais relacionados à

atenção? Descreva.

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

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Aula 3 | Processos Mentais I: a Atenção 52

RESUMO

Vimos até agora:

Atenção é a capacidade de escolhermos um

estímulo em detrimento de outros, e depende

de uma intrincada rede neural que seleciona

os sentidos que iremos perceber em

detrimento daqueles que serão descartados.

Na sociedade atual, há diversos elementos

distratores e dispersores. No primeiro caso,

estão as situações em que há fuga do foco

atencional em determinada tarefa. No

segundo caso, há uma dificuldade em se ater

a um estímulo, alternando-se constantemente

a atenção entre vários estímulos, de forma a

não se ater em nenhum.

A atenção é treinável, ou seja, através de

técnicas específicas pode-se melhorar o

estado atencional. Porém, um dos fatores

preponderantes em sala de aula parece estar

ligado à personalidade do professor e como

este gerencia suas aulas, no tocante, em

especial, à metodologia de ensino.

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53

Processos Mentais II: A emoção e a motivação André Codea

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o

Neste tópico, abordaremos o conceito de Motivação, as Emoções e sua importância para o fenômeno da aprendizagem.

Obj

etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Entender os conceitos de emoção e motivação Compreender a relação entre a motivação e os estados

emocionais Conhecer as estruturas neurais e os sistemas e subsistemas

que participam do estado motivacional Reconhecer a relação entre atenção e motivação Discutir sobre a motivação e a emoção em sala de aula Entender que a motivação é, parcialmente, resultado da

interação entre o professor e o aluno.

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 54

4.1 A Emoção

Conforme já relatado no Capítulo II, a emoção é

um dos principais aspectos relacionados ao ser humano

e, especificamente, à aprendizagem. Embora seja

reconhecidamente presente, o estudo sobre as

emoções é um capítulo ainda a ser descortinado pela

neurociência. Muito já se sabe sobre os circuitos

emocionais no cérebro, mas muito ainda há que se

saber, pois ainda há lacunas a serem preenchidas sobre

como sentimos, percebemos e processamos as

emoções.

Podemos entender a emoção como um estado

mental subjetivo que envolve de forma inalienável os

estados fisiológicos autônomos, sentimentos e

pensamentos sobre o que provoca tal estado.

4.1.1 A experiência emocional

Um dos aspectos mais importantes do estudo

das emoções é relacionado a como as emoções são

expressas através do comportamento. As expressões

emocionais são fundamentalmente relacionadas ao

nosso estado emocional, de forma que estão integrados

aos nossos estados fisiológicos.

4.1.1.1 Charles Darwin

Um dos primeiros a lidar com esta afirmação foi

Charles Darwin, que em 1872, Darwin escreveu “A

Expressão das Emoções no Homem e Animais”. Este

trabalho tornou aparente a absoluta relevância de

estudar a emoção em modelos animais e identificou a

extrema semelhança entre manifestações emocionais

básicas em animais e no homem.

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 55

Ele também lançou a ideia de que respostas

autonômicas são parte intrínseca da experiência

emocional, estabelecendo a primeira conexão entre os

sistemas fisiológicos e as emoções. Ou seja, em sua

visão, os aspectos periférico, esqueletomotor e

autonômico da emoção têm funções importantes na

comunicação com os outros e em preparação para

respostas comportamentais.

4.1.1.2 William James e Carl Lange

Outro estudioso, William James, deu

continuidade aos estudos sobre a emoção, ao

referenciar a conexão entre a fisiologia (o que ele

chamava de “sentimento corporal”) do estado

emocional, colocando-os como indissociáveis.

De fato, ao final do século XIX, juntamente com

Carl Lange, William James desenvolveu uma teoria que

considerava dois aspectos principais sobre como

entender as experiências emocionais:

Respostas autonômicas são reações reflexas

que ocorrem rapidamente, iniciando e, às

vezes terminando, antes que ocorra uma

percepção consciente da emoção.

Experiência emocional é a percepção que

surge das alterações autonômicas. Em outras

palavras, a experiência emocional segue e

reflete a reatividade autonômica.

Em síntese, a teoria de James-Lange entendia

que a Emoção é uma resposta a mudanças fisiológicas

no corpo. No entanto, esta teoria não conseguia

explicar o fato de que sentimentos emocionais podem

se estender bem além do tempo de excitação

autonômica.

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 56

4.1.1.3 Walter Cannon e Philip Bard

A partir desta problemática, na década de 1920,

Walter Cannon e Philip Bard propuseram uma teoria

alternativa. Argumentaram que sensação visceral não

pode responder pela emoção, e que era necessário um

sistema cerebral central para a experiência emocional

que fosse separado do sistema da sensação visceral.

A teoria de Cannon-Bard sugeria que duas áreas

subcorticais, o hipotálamo e o tálamo, desempenhariam

um papel fundamental na mediação da emoção. Eles

defendiam que estas estruturas poderiam regular

aspectos periféricos da emoção (por exemplo,

respostas autonômicas), bem como fornecer

informações adequadas para o processamento cortical

cognitivo da emoção.

Bard, que era um estudante de Cannon, fez

transeções seriais, desconectando-se essencialmente o

córtex cerebral de vias descendentes em gatos.

Quando a transecção incluiu apenas o prosencéfalo,

uma variedade de comportamentos constitutivos de

raiva foi observada quando eram apresentados

estímulos inócuos ao gato. Estes comportamentos

incluíam o arqueamento das costas, a extensão das

garras, assoviar, cuspir, a dilatação das pupilas, o

aumento da pressão arterial, da frequência cardíaca e

da secreção adrenal.

Esta raiva foi chamada de “falsa raiva", porque

os animais mantinham respostas emocionais, mas as

respostas não tinham aspectos de comportamento

emocional que normalmente eram observadas durante

a raiva. Além de ser provocada por estímulos inócuos,

a falsa raiva diminuiu rapidamente após a remoção do

estímulo e era não direcionada; os animais se mordiam.

Bard realizou transeções progressivas, e quando o

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 57

hipotálamo posterior foi desconectado, foi observada

resposta não coordenada de raiva.

Estes achados os fizeram acreditar na mediação

das áreas subcorticais sobre os fenômenos das

experiências emocionais.

Em síntese, a teoria de Cannon-Bard estabelecia

que emoções podem ser independentes da expressão

emocional, sendo mais um processo cognitivo.

4.1.1.4 Stanley Schachter e Jerome Singer

Em continuidade aos estudos sobre a emoção,

Schachter e Singer desenvolveram uma teoria que era

uma complementação à teoria de James-Lange.

Assim, concordando com James e Lange,

estipulavam que a consciência de uma emoção ocorre

graças à consciência de reações emocionais. Neste

sentido, as reações são muito parecidas ao estímulo,

sendo praticamente impossível ao sujeito discriminar o

tipo de emoção que foi ativada especificamente pelo

estímulo emocional.

Sua teoria representou uma evolução à de

James-Lange na medida em que colocou na equação a

interferência do meio social. Desta forma, o indivíduo

adquire informações do seu meio social e rotula essas

reações emocionais. A existência deste rótulo emocional

é que diferencia esta teoria da de James-Lange.

De certa forma, a teoria parecia juntar as duas

anteriores, estabelecendo a importância das reações

autonômicas nas manifestações emocionais, mas

também que há uma interpretação, mediada pelo meio

social, dos estímulos emocionais. Em síntese, emoções

são diferentes dos outros estados mentais por causa

das reações físicas associadas.

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 58

4.1.1.5 Jack Panksepp

Após a teoria de Schachter-Singer, houve uma

certa estagnação nos estudos sobre a emoção, que

ganhou novo impulso após o advento das técnicas de

neuroimagem, ao final do século XX. Um destes

expoentes, que propôs uma nova compreensão sobre a

emoção foi Jack Panksepp.

Jack Panksepp, em 1998, ofereceu uma

definição funcional para o sistema emocional no

cérebro, identificando funções que variam de entradas

sensoriais incondicionadas ao controle da emoção pela

cognição.

Assim, Panksepp descreveu um conjunto de 4

sistemas fundamentais ‘conectados' da emoção

encontrados nos cérebros de mamíferos: a BUSCA, ou

seja, o se mover adiante, farejar, investigar; o MEDO,

ou seja, o gelar, assustar, escapar; a RAIVA, quer

dizer, atacar, morder, lutar; e o PÂNICO, relacionado à

agitação, sons de angústia.

Desta forma, ao descrever influências

excitatórias e inibitórias – como uma relação excitatória

entre medo e raiva – entre os 4 sistemas, estabeleceu

também três outros sistemas, neste caso “especiais”,

por só se aplicarem ao ser humano: LUXÚRIA,

CUIDADO, e JOGAR.

Para este cientista, as sensações de emoção não

podem ser estudadas em mamíferos não-humanos,

embora nós possamos fazer algumas suposições sobre

as experiências de sensações de outros mamíferos,

observando seus comportamentos.

Por outro lado, sentimentos emocionais podem

ser investigados em seres humanos: um estudo PET

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 59

(Tomografia por Emissão de Positrons) investigou

respostas cerebrais quando indivíduos autogeravam

emoções, tais como: alegria, tristeza, medo e raiva.

Foram observados diferentes mapas neurais para as

diferentes emoções em áreas corticais e subcorticais, o

que sugeriu a existência de sistemas emocionais

diferentes para cada tipo de emoção em diferentes

regiões cerebrais.

4.2 O comportamento motivado

A motivação se refere ao significado que o

estímulo, ou seja, a informação sensorial recebida a

partir dos órgãos dos sentidos e percebida pelo cérebro

tem para o indivíduo. O estado motivacional é um dos

componentes essenciais da aprendizagem, e possui

muitas variáveis intervenientes.

A fim de iniciarmos nosso entendimento sobre

motivação, há que se ressaltar que motivação tem a

ver com motivos. Em outras palavras, quer dizer que

para que nos movamos para algo, para que façamos

alguma ação, há que se ter um motivo para que se

faça, mesmo que este não seja consciente no indivíduo.

De forma similar, pode-se dizer que motivo

refere-se à necessidade. Neste ponto de vista,

movemo-nos para algo a partir do momento em que

temos uma necessidade a atingir, seja esta interna ou

externa.

Podemos também dizer que os motivos para

realizarmos alguma ação tem relação direta com o

valor. Se o valor é algo que preenche nossas

necessidades por estarmos carentes, privados ou em

vacuidade daquilo que pretendemos ter ou atingir,

podemos inferir que nosso estado motivacional tem

estreita relação com as coisas que damos valor.

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 60

O que também nos remete à questão de que

motivação é um estado eminentemente emocional e

que, portanto, envolve os vários circuitos neurais

relacionados à emoção (como a atenção, por exemplo),

que já tratamos previamente, e outros que trataremos

a seguir.

4.2.1 O Sistema Límbico

Experiências emocionais, e a capacidade de

refletir sobre nossas emoções, fazem parte integrante

de nossas vidas, guiando nossas ações e enriquecendo

o nosso sentimento de satisfação.

Recompensas, boas e más, desempenham um

papel integral na modulação das emoções e no

comportamento motivado.

As emoções são mediadas pelo sistema límbico,

que inclui o hipotálamo. O sistema límbico é um

complexo conjunto de áreas interconectadas do cérebro

que integram informações sobre estímulos sensoriais,

lembranças e planos cognitivos para produzir

aprendizagem emocional e experiência emocional.

Paul Broca, um neurocientista francês do século

XIX, descreveu em 1878 o Lobo Límbico, ou seja, um

anel de matéria cinzenta na face medial dos hemisférios

cerebrais. Uma região do córtex, formando um anel ao

redor do corpo caloso: lobo temporal superficial, giro

cingulado, hipocampo.

O trabalho de Broca foi posteriormente ampliado

por James Papez, que na década de 1930 definiu um

sistema límbico que estabelecia a relação subjacente

entre emoção e memória, o chamado Circuito de Papez.

O circuito dá uma ideia de Sistema, algo que não era

encontrado, por exemplo, na teoria de Cannon-Bard.

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 61

Neste circuito, Papez definiu que um conjunto de

estruturas límbicas, incluindo o córtex, estão envolvidas

na emoção. E ao dizer emoção, estamos tratando de

diversos aspectos: a fisiologia, o sentimento e o

comportamento, por exemplo).

O circuito de Papez foi posteriormente

rebatizado por Paul McLean como Sistema Límbico, em

alusão ao trabalho de Broca. Inicialmente, o circuito

original foi estabelecido com quatro estruturas

encefálicas: o córtex cingulado, o hipocampo e o fórnix,

o hipotálamo e os núcleos anteriores do tálamo. As

posições e as conexões destas estruturas sugeriam um

circuito. O hipotálamo, tratando da expressão

emocional; o córtex cingulado, da experiência

emocional; ambos mediados pelo tálamo e hipocampo.

E todo o circuito ligado ao Neocórtex, que dá o

“colorido” emocional.

A partir do trabalho de Papez, novas pesquisas

foram conduzidas em todo o mundo, o que ampliou o

sistema límbico. Uma das inclusões foi da estrutura

hoje reconhecida como o regulador-chave das

emoções: a amígdala cerebral. Por outro lado, outras

estruturas perderam importância ou não tiveram sua

atividade diretamente ligada ao sistema emocional. O

hipocampo ficou apenas relacionado à memória,

especificamente à memória relacionada ao conteúdo

emocional. Os núcleos anteriores do tálamo não foram

confirmados por alguns estudiosos como associados às

emoções, e estão sujeitos a controvérsia. O hipotálamo

continua sendo o centro regulador dos estados

fisiológicos, tanto neurais quanto endócrinos, ligados às

emoções.

Outras estruturas associadas foram os corpos

mamilares e o giro parahipocampal, que fazem parte

das conexões intrínsecas do sistema límbico.

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 62

4.2.2 O Sistema Límbico e o

Comportamento Motivado

É notório que estados emocionais alterados são

responsáveis pelo comportamento motivado, seja este

que leve em direção ao comportamento desejado ou

não. Por exemplo, já foi comprovado que indivíduos

submetidos à hipnose são capazes de gerar mais força

do que aqueles que gritam ao realizar uma tarefa

motora, e estes geram mais força do que aqueles que

simplesmente fazem a tarefa motora. No primeiro caso,

a hipnose inibe o receio do indivíduo de se lesionar; no

segundo caso, o grito parece induzir uma “força extra”

e, no terceiro caso, quando não há estimulação de

nenhum tipo, há a menor geração de força.

Experiências deste tipo sugerem que há alguns

componentes emocionais capazes de mudar o

comportamento. Alegria, medo, raiva, estresse,

felicidade, são estados emocionais que podem afetar

positivamente ou negativamente as experiências de

aprendizagem.

Vários autores consideram a existência de ao

menos três categorias de comportamentos motivados.

No primeiro caso, temos aqueles ligados aos impulsos

fisiológicos mais elementares, como a ingesta alimentar

e o controle da temperatura, nos quais temos

motivação para buscar alimentos a partir da fome e da

sede, e para regular a temperatura interna a partir da

temperatura ambiente. São os chamados

comportamentos regulatórios, com vital participação do

hipotálamo.

No segundo caso, temos aqueles ligados aos

impulsos biológicos, como por exemplo a busca por

sexo e pelo melhor parceiro para realizar este intuito (e

todo o comportamento que isso envolve, como cortejar,

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 63

estimular e envolver). Esta classificação faz parte dos

comportamentos não-regulatórios, pois é fortemente

estimulada por uma série de estímulos, especialmente

estímulos externos, e não fazem parte de nenhum

mecanismo de controle de regulação interno. Apesar do

sexo ter participação do hipotálamo, não constitui isso

um fenômeno regulatório.

Por último, temos aqueles comportamentos

relacionados à consumação de um ato desejado, ou

comportamentos concretizadores. Neste caso, são

aqueles que estão relacionados aos atos em si, e que

são normalmente automatizados.

Nos dois últimos tipos de comportamento

motivado, com ou sem a participação do hipotálamo,

temos grande participação de áreas corticais dos lobos

frontais e também do sistema límbico.

4.2.2.1 Estados emocionais e aprendizagem

4.2.2.1.1 Medo

O medo é, reconhecidamente, um dos estados

emocionais mais vivenciados, seja por homens, seja

por animais. Sua geração é associada à amígdala, que

é fortemente estimulada quando estímulos internos ou

externos de perigo são apresentados ao sistema

nervoso. A microestimulação da amígdala gera

sentimentos de medo e apreensão.

O medo pode tanto ser incondicionado (medos

não aprendidos, como o medo de altura e determinados

sons) ou condicionados (medos aprendidos, como o

medo gerado pelo som de um tiro de arma de fogo, que

se torna distinguível de outros tipos de estampido pela

experiência).

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 64

Reações de medo têm um forte componente

fisiológico associado, como o mecanismo de “luta ou

fuga” disparado pelo Sistema Nervoso Central através

da ação hipotalâmica de estimular por via hormonal a

glândula adrenal, para liberação de adrenalina na

corrente sanguínea, o que imediatamente eleva a

frequência cardíaca e respiratória, para suprir de

oxigênio e nutrientes as células musculares e nervosas,

primordialmente.

Em relação aos movimentos físicos e ao

comportamento, o medo pode se tornar um forte

inibidor ou um potente estimulador. Isto depende

fundamentalmente da forma que o indivíduo condiciona

as respostas através da exposição frequente. Os

“viciados” em adrenalina são aqueles que se sujeitam a

perigos constantemente em função de vivenciar a

experiência. Por outro lado, pode paralisar uma pessoa

submetida a um forte perigo ou estresse. Mas de uma

forma ou de outra, interfere no comportamento.

O medo não é, efetivamente, um aliado da

aprendizagem. Estímulos de medo podem inibir a

aprendizagem ou afetá-la, pois trata-se de um estado

emocional negativo, para a maioria das pessoas. Pode

inibir a formação de conexões neurais vitais para a

aprendizagem, afetar a capacidade de memorização ou

a capacidade de recuperação da informação.

4.2.2.1.2 Estresse

O estresse é outro componente negativo

associado à aprendizagem. Tanto o causado por medo,

quanto o causado por ansiedade, o estado de estresse

(especialmente o agudo) não é comumente um bom

estado emocional para a aprendizagem.

No estado de estresse, há um certo descontrole

de funções fisiológicas, de longo prazo e que causam

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 65

um estado fisiológico desconfortável, provocado por

taquicardia e taquipneia, associados com liberação

adrenérgica, e sudorese. Também há alterações

hormonais, especialmente associadas com o aumento

dos níveis de cortisol, que em determinados níveis e

intervalo de tempo, podem afetar o organismo ao

diminuir a resistência imunológica.

4.2.2.1.3 Raiva

A raiva é um comportamento agressivo que

pode ser ativado por medo, mas constitui uma emoção

diferente. As manifestações emocionais de raiva são

fundamentalmente diferentes, e os circuitos cerebrais

ativados também, embora a amígdala permaneça como

elemento central, da mesma forma que no medo.

Também da mesma forma que no medo, a raiva

ativa fortemente (e também é ativada) por hormônios.

4.2.2.1.4 Alegria e felicidade

Estados de alegria e felicidade são aqueles que

estão relacionados ao prazer. E são, efetivamente,

elementos altamente reforçadores e, não raro, que

causam a repetição do estímulo (ou estímulos)

causador(es), podendo inclusive levar ao vício.

Em muitas situações, os estados de alegria e

felicidade são vivenciados a partir da interrelação entre

um estado mental e estímulos externos, mas também

podem ser gerados unicamente por estímulos internos

(como uma lembrança, por exemplo, que faz uma

pessoa sorrir) que nada tem a ver com estímulos

externos naquele dado momento. Isto significa que

embora o córtex pré-frontal tenha efetiva participação

na adaptação do comportamento a partir dos estímulos

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 66

ambientais (quanto mais socializado o indivíduo, maior

sua massa cerebral no córtex pré-frontal).

Porém, é importante lembrar que emoções, em

geral, são sentimentos subjetivos, e alegria e felicidade

estão neste espectro. Entretanto, seja de que tipo

forem, toda emoção parece eliciar: a) respostas

fisiológicas autônomas; b) sentimentos subjetivos

apropriados; e, c) pensamentos ou planejamentos.

Sentimentos como alegria e felicidade parecem

repousar numa intrigante e ainda não totalmente

desvendada interação entre os córtices pré-frontais e o

sistema límbico (talvez mais propriamente, a

amígdala).

Estímulos recompensadores são especialmente

agradáveis, e tendem a levar à repetição. Inúmeros

estudos que tentaram mapear as conexões associadas

aos estímulos de recompensa tornam relevantes

algumas importantes áreas, como o hipotálamo lateral,

o feixe prosencefálico medial e o núcleo accumbens,

formam uma área conhecida como sistema

dopaminérgico mesolímbico, ou um dos circuitos de

recompensa, que também inclui o córtex pré-frontal.

Como o nome do sistema já diz, é um sistema que

inclui o neurotransmissor dopamina, fortemente

associado com estímulos que geram recompensas

emocionais. Outro neurotransmissor fortemente

associado com experiências emocionais positivas é a

serotonina, que faz parte de um dos sistemas

ativadores ascendentes (os outros três são o colinérgico

[acetilcolina], o dopaminérgico [dopamina], e o

noradrenérgico [noradrenalina]) e que está fortemente

associado à vigília e aos estados prazerosos.

Aulas dopaminérgicas e serotonérgicas devem

provocar intensas reações positivas no indivíduo,

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 67

especialmente em seu sistema de memória. Associar

experiências educativas com a alegria e a felicidade

parece ser um caminho próspero para a ampliação da

capacidade de aprender e de recuperar a informação.

Lembremos sempre que em termos do

funcionamento do nosso sistema buscador de

recompensas, tendemos a maximizar o contato com

estímulos que nos são agradáveis ou prazerosos, e

minimizar o contato com estímulos que são

desagradáveis ou dolorosos.

EXERCÍCIO 1

Como os estados mentais podem contribuir de forma

positiva e negativa para a aprendizagem?

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

EXERCÍCIO 2

Como as teorias da emoção e o sistema límbico

explicam as emoções?

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

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Aula 4 | Processos Mentais II: a emoção e a motivação 68

RESUMO

Vimos até agora:

Emoção é um estado mental subjetivo que

envolve de forma inalienável os estados

fisiológicos autônomos, sentimentos e

pensamentos sobre o que provoca tal estado;

Há várias teorias acerca dos mecanismos

emocionais, porém parecem estar associados

a determinados sistemas e subsistemas

neurais;

Motivação se refere ao significado que o

estímulo, ou seja, a informação sensorial

recebida a partir dos órgãos dos sentidos e

percebida pelo cérebro tem para o indivíduo;

Estados emocionais positivos e negativos,

como medo, raiva, estresse, alegria e

felicidade têm impacto na aprendizagem;

As experiências emocionais positivas parecem

nos fazer querer repeti-las, enquanto que as

experiências emocionais negativas nos

parecem querer repeli-las.

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69

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Processos Mentais III: a Memória André Codea

AU

LA5

Apr

esen

taçã

o

Nesta aula, veremos o que é memória e como está relacionada com a aprendizagem. Estudaremos os mecanismos de memória e as variadas formas de armazenarmos informação.

Obj

etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Entender o que é memória e suas formas variadas; Compreender como memória e aprendizagem estão

relacionadas; Saber como armazenamos e recuperamos a informação.

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 71

5.1 A Memória

Memória pode ser definida como uma

representação duradoura que se reflete no pensamento,

na experiência ou no comportamento. Aprendizagem,

por outro lado, pode ser definida como a aquisição

duradoura de tais representações, envolvendo uma

ampla gama de atividades e áreas cerebrais.

Armazenamento de memória é o que, acredita-se,

envolva alterações sinápticas generalizadas no córtex.

5.1.1 Neurociência da memória

Importantes estruturas cerebrais no estudo da

memória são os córtex mediais dos lobos temporais (da

sigla em inglês MTL – Medial Temporal Lobe), que

contêm os dois hipocampos e seu tecido circundante.

O MTL codifica informações em todos os

domínios sensoriais, tais como cheiro, visão e toque.

Ele é um cruzamento altamente interativo e integrativo

de múltiplas entradas cerebrais, através da

coordenação da aprendizagem e recuperação de dados

em partes variadas do córtex.

Isso faz do MTL uma das partes cruciais no

entendimento dos complexos mecanismos da memória

e do esquecimento. Todo o processo pode envolver pelo

menos três processos: experienciar, armazenar e

recuperar informação.

Em um primeiro momento, o processo de

experienciar envolve a percepção de diversos estímulos

sensoriais. Como exemplo, podemos usar a experiência

de experienciar um doce (um Donut, por exemplo).

Desta forma, os diversos sentidos associados

com o Donut são experienciados: a visão e o olfato,

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 72

neste momento, são preponderantes. Neste momento,

o MTL é ativado para memórias relativas ao Donut. Se

você já viu e já experienciou antes, o MTL acessa as

associações possíveis e tende a recuperar vestígios do

objeto em sua memória (o que é conhecido como

traços de memória), o que envolverá inclusive reações

fisiológicas já vivenciadas. Se você ainda não viu e

experienciou, irá tentar aproximar das experiências que

já teve com doces.

A partir deste momento, ou se reforçará a

experiência com Donut na memória, ou se construirá

tal experiência, que será reforçada a partir do momento

que tiver mais experiências com o doce.

Fica claro então que o MTL é necessário para a

lembrança consciente de memórias episódicas de longo

prazo. Neste sentido, a aprendizagem funciona melhor

quando você presta atenção. Codificar um objeto na

memória significa armazenar, e a codificação de

sucesso requer um nível ótimo de atenção (que é

variável de acordo com o que se quer codificar e com o

contexto) e, presumivelmente, de consciência. De

qualquer forma, quanto mais interação (em termos dos

sentidos utilizados na percepção do objeto) tivermos

com o objeto a ser memorizado, mais associações

serão possíveis e maiores possibilidades de recuperação

estarão disponíveis.

5.1.1.1 “Locais” de Memória

Memória normalmente não se refere a locais

propriamente ditos, mas a estruturas neurais. Uma

dessas estruturas neurais que possui enfoque no

estudo da memória é o hipocampo.

O hipocampo é a região classicamente definida

como a responsável por armazenar memórias

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 73

episódicas de longo prazo e, como já vimos, possui

conexões com o córtex cerebral.

Com o tempo, porém, as memórias são

armazenadas em redes distribuídas por áreas corticais

e tornam-se cada vez menos ligadas ao hipocampo.

O hipocampo parece ser fundamental para a

memória espacial, e possui células que disparam

quando o indivíduo ocupa uma localização particular no

ambiente (comumente referidas como células de

localização). As células de localização parecem

representar um componente cognitivo do ambiente,

pois se as células dispararem em um determinado

padrão, o indivíduo irá se comportar de uma certa

maneira naquele dado ambiente, naquele dado

contexto.

Assim, a importância do hipocampo parece estar

ligada a três tipos principais de experiências: aquelas

necessárias para fazer um mapa cognitivo do espaço

ambiente, aquelas que aprendem o significado de

combinação de estímulos, e aquelas que reconhecem a

relação entre objetos em um dado ambiente.

Um exemplo bastante contundente da

importância do hipocampo como sede da memória

espacial foi obtida a partir de estudos famosos com

taxistas londrinos. Estes foram escaneados, e

descobriu-se que seus hipocampos eram

significativamente maiores do que indivíduos normais.

Para explicar este fato, sugeriu-se que pelo fato desta

categoria profissional ter que possuir uma fantástica

memória de locais, trajetos, ruas e mecanismos de

localização, tudo estaria armazenado no hipocampo,

que guardaria estes dados de forma mais ou menos

permanente, de acordo com o uso destes locais,

trajetos, ruas e mecanismos de localização.

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 74

Uma outra estrutura, desta vez relacionada à

emoção, a amígdala, também possui conexões com a

memória. Considera-se que a amígdala modula a

memória através da interligação de sistemas hormonais

e estímulos emocionais associados aos eventos a serem

armazenados.

Isto traz profundas implicações para a

aprendizagem, na medida em que estados emocionais

positivos podem favorecer o armazenamento de

informações na memória e sua posterior recuperação

ou lembrança.

5.1.2 Tipos de Memória

A maioria dos modelos de memória atualmente

considera a existência de uma memória de longo prazo

(como a organizada nos MTLs) e uma memória de curto

prazo. Neste último caso, esta memória é comumente

chamada de memória de trabalho, no que os córtices

frontais ventromedial e dorsolateral possuem

importância fundamental.

A memória de trabalho, ou armazenamento de

trabalho considera as entradas sensoriais como fonte

de informação e as armazena temporariamente e

manipula para processá-las.

O que for irrelevante naquele dado momento

será descartado, e o que for relevante será armazenado

em dois tipos bem diferentes de memória: a explícita

(ou declarativa) e a implícita (ou não-declarativa).

Memória explícita relaciona-se com memórias

perceptivas, memórias episódicas (eventos) e

memórias semânticas (fatos). É o conhecimento a que

temos acesso consciente, incluindo o conhecimento

pessoal (autobiográfico) e do mundo.

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 75

Para memórias episódicas, é necessário recriar o

evento cada vez que se recupera as informações que

foram sobre ele armazenadas. Do ponto de vista

prático, isto significa que cada vez que lembramos

sobre um evento, tendemos a acrescentar ou retirar

detalhes, de acordo com o momento que estamos

lembrando. Para memórias semânticas, parece haver

uma espécie de “saber”, em que não se torna

necessário recriar ou remontar o fato. Com o tempo,

memórias episódicas podem se tornar semânticas.

Em termos hemisféricos, já foi demonstrado que

o hemisfério esquerdo mostrou maior atividade na

aprendizagem episódica (codificação), enquanto o

hemisfério direito mostrou mais atividade em

recuperação episódica.

Memória implícita relaciona-se com memórias

hábitos e habilidades motoras, com tarefas

condicionadas e com tendências e metas a serem

atingidas. É o conhecimento a que normalmente não

temos acesso consciente.

Uma forma de memória não-declarativa

bastante comum é a memória procedural. Ela envolve o

aprendizado de uma variedade de habilidades motoras

e cognitivas (por exemplo, andar de bicicleta, tocar

piano ou ler).

Como pessoas com amnésia não apresentam

perda de memória implícita, mas comumente

apresentam diferentes tipos de perda de memória

explícita, assume-se que estas devem ocupar diferentes

estruturas no tecido cerebral, além de serem

processadas de maneiras diferentes.

Sobre este processamento, aparentemente as

memórias implícitas e explícitas utilizam “vias” neurais

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 76

diferentes, que são chamadas de vias baixas (ou de

baixo para cima) e vias altas (ou de cima para baixo).

Memórias implícitas usam as vias baixas, ou

seja, são armazenadas diretamente: por exemplo, uma

informação visual passa pelos órgãos visuais, pelo

núcleo geniculado lateral (uma área do tronco

encefálico relacionada à visão), pelo córtex occipital e

pelo lobo temporal inferior, que fará o reconhecimento

a partir do que já tem armazenado.

Já para as memórias explícitas, que usam a via

alta, tem-se o processamento destes dados, pois há

necessidade de reconhecimento, reorganização e nova

resposta a partir das informações processadas.

5.1.2.1 Circuitos de Memória

Talvez mais importante que os locais em si,

sejam os circuitos de memórias já identificados por

vários cientistas desde o século passado.

O circuito para memórias explícitas inclui uma

interconexão entre as seguintes estruturas: o MTL, que

atua como um centro integrador, trocando informações

com o Neocórtex como um todo, o tálamo anterior e o

córtex pré-frontal, e recebendo informações do tronco

encefálico. O córtex pré-frontal também troca

informações com o tálamo medial, que também recebe

informações do tronco encefálico. Estas informações do

tronco encefálico são, em geral, informações sensoriais

e motoras diversas para processamento. Existem vários

subsistemas para cada um desses sistemas, o que

torna a compreensão completa deste tipo de

armazenamento uma tarefa bastante complexa.

O circuito para memórias implícitas tende a ser

mais simples, pois envolve basicamente aferências:

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 77

informações sensoriais e motoras para o Neocórtex e

da substância negra para os Núcleos da Base (que

também recebe do Neocórtex). Daí, o tálamo ventral

manda as informações para o córtex pré-motor, que as

armazena para futura utilização.

Influenciando e inter-relacionando cada uma

destas memórias, indica-se que exista uma memória

emocional, com a participação ativa da amígdala, como

já visto.

Assim, pode-se estabelecer que uma concepção

integrada da memória humana requer a participação de

várias regiões cerebrais: o MTL para memórias

episódicas explícitas, o córtex pré-frontal para

metacognição, manutenção e uso de memória, e regiões

sensoriais para memórias sensoriais e perceptivas (como

várias regiões do lobo parietal, por exemplo).

5.1.3 Mecanismos da Memória

Dentre vários mecanismos que tentam explicar

como memorizamos e recuperamos informação (ou

seja, como aprendemos) estão quatro que merecem

nossa atenção para os objetivos deste texto.

5.1.3.1 Memória e Plasticidade

5.1.3.1.1 Potenciação de Longa Duração

A Potenciação de Longa Duração (da sigla LTP,

em inglês – Long Term Potentiation) é um tipo de

plasticidade sináptica específica, que apresenta

aspectos associativos e ocorre em várias partes do

Sistema Nervoso Central.

Codificar uma informação na memória pressupõe

a existência de sinapses excitatórias e inibitórias em

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 78

um dado circuito. Tanto a codificação quanto a

recuperação da memória parecem envolver neurônios

cujas sinapses se encontram no córtex e no hipocampo.

É exatamente a configuração ou organização dessas

sinapses excitatórias e inibitórias que parece estar

relacionada com o armazenamento permanente, ou de

longo prazo.

Em outras palavras, a manutenção e a

expressão de LTP envolvem alterações nos neurônios

pré-sinápticos e pós-sinápticos. A manutenção da LTP

envolve mudanças estruturais no cérebro, que

dependem da síntese de proteínas.

A descoberta de mudanças estruturais nos

neurônios após a indução de LTP estimulou uma busca

por um mecanismo pela atividade neuronal que poderia

mudar sua estrutura, o que significa que mudanças

sinápticas e neuronais estruturais são uma

consequência bem estabelecida da LTP.

5.1.3.1.2 Depressão de Longa Duração

A Depressão de Longa Duração (da sigla LTD,

em inglês – Long Term Depression) é semelhante à

LTP, porém é relacionada ao cerebelo e à memória

motora de uma forma geral. Também é um sistema de

plasticidade neuronal e sináptico, e a diferença é que a

estimulação causa estímulos cada vez menores nos

neurônios e nas sinapses relacionadas.

5.1.3.1.3 Habituação

A habituação é um processo relativamente

natural encontrado no reino animal e a ideia é que

estímulos repetitivos provocam perda de resposta com

o tempo. Desta forma, explica-se, por exemplo, porque

em princípio um estímulo chama a atenção, mas se

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 79

formos submetidos durante muito tempo a ele, nos

habituamos e o estímulo não causa mais resposta

(como ficar exposto a um barulho repetitivo e depois de

um tempo não mais “escutá-lo).

5.1.3.1.4 Sensibilização

A sensibilização é basicamente a reação a um

estímulo que seja forte o suficiente para eliciar uma

nova resposta caso ocorra novamente, o que aumenta

a eficácia do processo, cada vez que é repetida,

contrariamente ao que ocorre na habituação. Embora

sejam contrários, ambos os processos (sensibilização e

habituação) são muito parecidos, embora a

sensibilização seja um pouco mais complexa.

5.1.3.1.5 Condicionamento

O condicionamento é talvez um dos mais

estudados e aplicados mecanismos de memória, e

representa um avanço em complexidade em relação à

habituação e sensibilização.

No condicionamento clássico, a forma mais

antiga, associa-se a mais de um estímulo a capacidade

de aumentar ou diminuir uma resposta, ou seja, a

transmissão sináptica decorrente do processamento do

estímulo.

Esta característica de associação é central para o

entendimento do condicionamento. Aplica-se um

estímulo inócuo (que não produz resposta) sobre o

animal. Após um intervalo curto de tempo, aplica-se

um segundo estímulo, eficaz (que produz reposta). Ao

se repetir várias vezes o processo, a resposta passa a

ser associada ao estímulo inócuo, que foi condicionado

ao estímulo eficaz.

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 80

5.1.3.2 Memória e Alteração Sináptica

A partir do conceito de que a memória envolve

mudanças estruturais (portanto, físicas) no cérebro,

uma das formas de detectar essas mudanças é analisar

as modificações dendríticas, ou seja, isso significa

dizer, de forma geral, que aprendizagem pode ser

associada com crescimento de dentritos. A inferência

pode ser feita a partir do momento em que se sabe que

crescimento dendrítico significa maior número de

sinapses.

Isso pode significar, em outros termos, novas

conexões sinápticas sendo formadas com neurônios

anteriormente conectados, ou novas conexões

sinápticas com novos neurônios. De uma forma ou de

outra, isto significa que novos circuitos foram

formados, o que, no caso da memória, pode significar

por sua vez que novas memórias foram armazenadas.

Este mecanismo, em particular, pode explicar o porque

do hipocampo de taxistas ser maior do que pessoas

normais.

Já foi determinado, por exemplo, que o cérebro

de pessoas que possuíam nível universitário continha

mais neurônios em uma área da linguagem conhecida

como área de Wernicke, do que aquelas que só

estudaram até o ensino médio.

Porém, mais do que novos circuitos, o cérebro

pode formar novos mapas, o que significa dizer que

vias podem ser criadas e reformuladas, com profundas

alterações comportamentais.

Pode-se então estabelecer, com relativa

segurança, que a memória causa uma mudança física

no cérebro como resultado de armazenamento de

informações, e que estas mudanças são localizadas e

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 81

diretamente relacionadas com o tipo de

armazenamento que se está realizando.

5.1.4 Memória e Aprendizagem

Já foi determinado neste tópico que memória e

aprendizagem são fenômenos profundamente

associados, já que memória é a representação mental

das informações armazenadas, e a aprendizagem

representa a aquisição duradoura destas informações.

Também já foi demonstrado que há uma

memória emocional que se associa aos processos de

armazenamento de informações, estabelecendo assim

uma importância das emoções nos processos de

codificação das informações.

Por outro lado, também se demonstrou que este

armazenamento de informações provoca mudanças

físicas na estrutura encefálica (especialmente em

estruturas cerebrais e no cerebelo), principalmente

quando tal armazenamento ocorre de forma mais

duradoura.

Igualmente foi dito que as sensações

representam a fonte primária do que será armazenado,

e que quanto mais informações forem associadas com a

aprendizagem, tanto mais efetiva esta será dentro do

exposto, parece razoável inferir que a aprendizagem

será mais eficaz se:

a) As informações forem associadas a múltiplos

sentidos e estímulos;

b) Se tais estímulos forem originados de

processos emocionalmente positivos;

c) Se estes estímulos forem convenientemente

repetidos de forma a proporcionar

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 82

armazenamento duradouro, a chamada

memória de longa duração.

d) Se, quanto mais eficientemente forem

armazenadas as informações, melhor será a

capacidade de recuperá-las.

EXERCÍCIO 1

Relate quais são os tipos de memórias.

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

EXERCÍCIO 2

Como os mecanismos da memória podem auxiliar a

compreensão da relação entre a memória e a

aprendizagem?

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

RESUMO

Vimos até agora:

Memória pode ser definida como uma

representação duradoura que se reflete no

pensamento, na experiência ou no

comportamento. Aprendizagem, por outro

lado, pode ser definida como a aquisição

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Aula 5 | Processos Mentais III: a Memória 83

duradoura de tais representações,

envolvendo uma ampla gama de atividades e

áreas cerebrais.

Algumas áreas são de fundamental

importância para a memória: o Lobo

Temporal Medial, que engloba o hipocampo e

áreas associadas, o córtex pré-frontal, e o

cerebelo, reconhecendo a importância da

amígdala nos processos de armazenamento.

Há vários processos ou mecanismos

associados à plasticidade neuronal ou

sináptica que estão relacionados à memória:

a LTP (Potenciação de Longa Duração), a LTD

(Depressão de Longa Duração), a

Habituação, a Sensibilização e o

Condicionamento.

Armazenamento de Memória implica em

mudanças estruturais no encéfalo,

localizadas especificamente nas áreas

relacionadas àquele tipo específico de

armazenamento.

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84

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Processos Mentais IV: Consciência André Codea

AU

LA6

Apr

esen

taçã

o

Neste tópico apresentaremos a consciência, um conceito ambíguo que pode significar tanto o estado de vigília (contrariamente à perda de consciência característico do sono) quanto um estado de prontidão, ligado à atenção e à motivação.

Obj

etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Entender os conceitos de consciência Compreender como o estado de consciência é importante para

a aprendizagem Conhecer os circuitos neurais associados com o estado de

consciência

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 86

6.1 A Consciência

Conforme já foi relatado sumariamente no

capítulo 2, a consciência é um fenômeno tanto

estudado como ainda não totalmente compreendido em

termos da neurociência, e as informações atualmente

presentes são, ora controversas, ora ainda pendentes

de estudos adicionais. Porém, com o quadro de

informações atuais, é possível se fazer algumas

inferências interessantes sobre a consciência e a

aprendizagem.

Por um lado, ser consciente significa ser ciente

de si próprio, e do que o cerca, e é contraposto ao

estado de sono, no qual perdemos a consciência.

Constitui um dos ritmos biológicos.

Por outro lado, consciência refere-se à

conscientização do indivíduo em relação a si e ao objeto

ao qual está relacionado, em um processo interativo e

dinâmico que em parte determina o quanto prestamos

atenção a um determinado aspecto de um ambiente.

Este processo está relacionado à motivação, e

determina em grande parte o movimento de busca para

o qual somos determinados por nossa vontade.

Sendo um processo relacionado à motivação, a

consciência é um dos importantes fatores que não só

determina o interesse em aprender, mas

principalmente o que aprender.

6.1.1 A consciência como ritmo biológico

O ritmo biológico, comumente chamado de ritmo

circadiano, está associado ao nosso ciclo vigília-sono.

Neste interim, uma gama enorme de configurações

fisiológicas e psicológicas ocorre em nosso organismo,

em grande parte ligadas ao período do dia.

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 87

Embora circadiano seja uma palavra associada

ao ritmo que ocorre ao longo de um dia, há processos

fisiológicos que ocorrem várias vezes ao dia, e outros

que duram mais do que um dia. Por este motivo, o

nome ritmo biológico é mais adequado.

Ao falarmos em ritmo, sugere-se a existência de

alguma forma de controle sobre o tempo, ou seja, de

temporizadores. Estes sistemas existem em todos os

animais, e obviamente são muito variáveis de espécie

para espécie, e estão relacionadas com mudanças

comportamentais ligadas ao funcionamento orgânico.

O núcleo supraquiasmático, localizado (como o

nome sugere) acima do quiasma ótico é um dos

núcleos relacionados aos controles biológicos,

especialmente aos ciclos. O que lhe confere um papel

de temporizador, tanto relacionado a funções viscerais,

quanto relacionado a comportamentos.

Como o núcleo supraquiasmático tem uma

conexão com o hipotálamo, sugere-se que este órgão

atue como um marcapasso interno, que conta o tempo,

entretanto, com uma periodicidade um pouco acima

das 24 horas do dia.

No entanto, além do nosso controle temporal

interno, há claramente uma regulação cultural, que tem

muito a ver com a sociedade em que se vive. Por

exemplo, a hora de dormir é um fato amplamente

associado a isto. Pelo simples fato do homem ter

descoberto a luz artificial, ele alterou a hora de dormir,

que anteriormente era predominantemente associada à

escuridão, passando então a dormir mais tarde.

Praticamente todos os locais do mundo

atualmente têm luz elétrica. E as pessoas dormem em

horários diferentes, de acordo com fatores que não tem

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 88

a ver diretamente com a existência de luz elétrica ou

não. Um outro aspecto cultural, então, emerge: os

estímulos. Para ilustrar este aspecto, utilizemos outro

exemplo: a partir da constatação de que pessoas

dormem em horários diferentes, pode-se inferir que

pessoas que têm acesso à internet ou televisão

durmam mais tarde do que aquelas que não têm. Isso

poderia ser associado aos estímulos que continuamente

estas mídias expõem, o que retém a atenção e prorroga

o estado de vigília.

Esta é uma das questões que possivelmente

afetam a aprendizagem. O horário de dormir mais

tardio em crianças e adolescentes, especialmente para

aqueles que acordam cedo para a escola, pode

prejudicar à aprendizagem, não conferindo o tempo

necessário para que o aluno repouse e o cérebro possa

efetuar as diversas operações reparadoras e de

consolidação que faz enquanto saímos do estado de

consciência. Na prática, isso quer dizer dias, semanas e

meses sem proporcionar o adequado repouso e as

condições neurais ótimos para a aprendizagem.

Outro aspecto a se considerar neste tópico é a

predileção de horários de estudo. Há pessoas que

estudam melhor de manhã, outros à tarde e outros à

noite. Segundo relatos destas pessoas, o rendimento é

melhor em um destes turnos, em comparação aos

outros.

Embora se saiba que pela manhã há um

aumento nos níveis dos hormônios cortisol e

noradrenalina, o que reforça o estado atencional, não é

ainda muito bem compreendido este mecanismo, pois

ele não é regular para todas as pessoas.

Portanto, aparentemente, horários de estudo

parecem estar mais propensos a serem regulados por

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 89

fatores culturais e predileções pessoais do que por

mecanismos ligados ao ritmo biológico.

Toda esta discussão nos remete a outra

questão: porque dormimos e o que acontece com o

nosso cérebro enquanto estamos inconscientes?

6.1.2 O sono como mecanismo regulador

Por estarmos inconscientes, poderíamos supor

que nosso cérebro, juntamente com o nosso corpo,

está descansando. Nada mais impróprio. Na verdade,

aparentemente a única coisa que “desliga” quando

estamos dormindo é a consciência. O resto do cérebro

permanece profundamente ativo, mas mesmo esta

atividade se modifica durante a noite, através dos

vários estágios do sono.

Na verdade, mesmo o “desligar” da consciência

não é completo. Pode-se dizer que há uma clara

redução reativa a estímulos externos, mas barulhos e

acender de luzes podem interromper o sono, bem como

alguma dor visceral (como dor de cabeça ou dor de

barriga).

Outros fenômenos associados ao sono são a

redução da atividade motora, da atividade

cardiorrespiratória, da temperatura e da atividade

metabólica em geral.

O que se sabe, efetivamente, a respeito do ciclo

sono-vigília, é que há mecanismos neurais – ou

sistemas – para regular a atividade diária em vigília,

para dormir e para despertar. A estes sistemas se dá o

nome de sistemas reguladores, e envolvem uma série

de estruturas do encéfalo que alternam os níveis de

estimulação em determinados circuitos, o que modifica

o comportamento.

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 90

Neste sentido, um dos órgãos claramente

associados à manutenção do estado de vigília é o

tálamo, que fica constantemente ativando o córtex

quando estamos acordados, em especial no repasse das

informações sensoriais. Este mecanismo é parcialmente

inoperante durante o sono.

Entretanto, há um segundo mecanismo também

responsável pela manutenção da vigília, que é

coletivamente chamado de vias ativadoras

ascendentes, que também atuam sobre o córtex.

Para dormirmos, portanto, além de se inativar

dois mecanismos diferentes, o circuito tálamo-cortical e

as vias ativadoras ascendentes, se faz necessário

também que se produza um estado fisiológico

adequado: o que ocorre a partir da intervenção do

hipotálamo, que “desliga” as vias ascendentes, do ritmo

talâmico, que se modifica para uma ativação menor,

sincronizada e regular, e pela atuação do hormônio

melatonina, secretado pela glândula pineal, que inicia o

processo de relaxamento orgânico e de adormecimento.

Há também a intensa participação da formação

reticular, uma intrincada rede neural situada no tronco

encefálico mas, neste caso, em especial a formação

reticular mesencefálica. Já se postulou que esta rede

neural controla ativamente o sono, tanto para iniciar a

fase de sono chamada de sono paradoxal (mais

conhecida como sono REM ou sono dos sonhos), quanto

para finalizá-la.

A necessidade de dormir provêm de vários

fatores: inicialmente, o sono serve para economizarmos

energia, o que ocorre a partir de vários fatores

fisiológicos combinados, associados à redução

metabólica característica do estado de sono; um

segundo aspecto pode estar relacionado ao sistema

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 91

imunológico, pois há uma intensa atividade de

restauração celular que ocorre durante o sono; e, em

terceiro lugar, o sono seria um restaurador de

capacidade mental. Claramente, indivíduos com

privação do sono têm diminuídas suas capacidades de

concentração, de raciocínio e de memória. A situação é

tão delicada que após alguns dias sem dormir, o

cérebro consciente simplesmente desliga, mesmo que

momentaneamente, para que possa haver o necessário

reparo celular.

Este último aspecto tem profundas implicações

para a aprendizagem, como já foi postulado, pois

raciocínio, memória e atenção são, como já vimos,

essenciais para a aprendizagem.

Postula-se que a criança e o adolescente devem

dormir em torno de oito a doze horas, dependendo da

idade. Sem entrar especificamente no mérito de que se

deve dormir mais ou menos horas, entende-se que é

um período longo, que envolve grande parte, senão a

totalidade da noite.

Portanto, a privação do sono, mesmo que

parcial, pode ser inferida como prejudicial à

aprendizagem, e principalmente à aprendizagem

escolar. De fato, alunos sonolentos possuem menor

taxa metabólica, menor tônus muscular e, portanto,

são menos respondentes aos estímulos de sala de aula,

têm menor capacidade de concentração e atenção, e

provavelmente terão maior dificuldade de apreensão

dos conteúdos escolares. Isto se não dormem durante a

aula, ou seja, saem do estado de consciência.

O que nos leva a outro assunto polêmico, a

aprendizagem durante o sono. É um assunto

controverso, mas estudos recentes comprovaram que

há efetivamente a possibilidade de aprendizagem

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 92

durante as fases de sono leve, em que se o indivíduo

for submetido a estímulos sonoros (barulhos, palavras),

acusa melhor retenção de memória sobre o assunto do

que em aqueles que não são submetidos ao estímulo.

Mas, é óbvio, não é o que se deseja em sala de aula.

6.1.3 A Consciência como Estado Atencional

O estado de consciência também pode ser

relacionado ao estado atencional. A chamada

“consciência alerta” é um estado de atenção no qual

nossos sentidos são constantemente monitorados e

dirigidos pelo nosso sistema perceptivo para

apreendermos, durante um período mais ou menos

longo, um determinado objeto que se queira aprender.

Esta característica do estado de consciência é

fundamental para a aprendizagem. Significa que o

indivíduo se coloca em um estado o mais pronto

possível para aprender.

Neste sentido, o córtex parietal posterior surge

como uma importante região detectora e identificadora

de estímulos que serão destacados, em detrimento a

vários outros que serão descartados.

Um dos aspectos razoavelmente bem estudados

na neurociência é a atenção visual. Quando se

seleciona um objeto de interesse, as células que

recebem os estímulos deste objeto no córtex visual são

mais disparadas, enquanto há um decréscimo naquelas

que representam estímulos ignorados. Isto sugere

fortemente, por exemplo, uma explicação para o

mecanismo de figura-fundo, no qual atenta-se para um

estímulo visual (figura) em detrimento dos demais

estímulos (fundo).

A atenção auditiva é outro aspecto

relativamente bem definido. É bem definido que o lobo

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 93

temporal superior é a região responsável pelo

processamento do som, mas há áreas específicas para

sons complexos, como os da comunicação verbal;

outras para sinalizarem intensidade e duração de um

som, e outras para ecolocalização. Da mesma forma

que acontece na visão, somos capazes de localizar um

som específico no meio de outros sons (cacofonia),

bem como acompanhar um som específico ou

conhecido no meio de vários outros.

Tanto em um caso como em outro, a atenção

parece estar ligada a um estado de consciência

eletivamente acionado para que se possa perceber o

máximo de informações sensoriais de um dado objeto

ou estímulo em determinado período de tempo. Esta

noção tem implicações importantes para a

aprendizagem, pois um professor tem que estimular

constantemente o estado atencional de seus alunos

para si e para o que pretende ensinar.

É razoável supor que outros sentidos também

podem afetar fortemente o estado de consciência. De

fato, os sentidos olfatório e gustativo, por exemplo,

podem agir como estimuladores ou inibidores do estado

de consciência. Dois exemplos podem ilustrar esta

situação: um cheiro forte de comida, em um momento

em que estudantes estão com fome, pode ser um

importante elemento distrator da aprendizagem e

certamente irá afetar a eficácia do processo; por outro

lado, as ações olfatórias e gustatórias associadas ao ato

de se alimentar podem auxiliar a aprendizagem,

propiciando um ambiente interno ótimo em termos de

estado nutricional e ampliando positivamente o estado

de consciência para os estudos.

Outro sentido pouco referenciado ao estado de

consciência é o tato, que também pode ser aplicado

neste caso. Neste sentido, podemos ilustrar como

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 94

exemplos de elementos que podem interferir no estado

de consciência aqueles relacionados à temperatura

ambiente, ou seja, ambientes muito quentes ou muito

frios podem interferir negativamente, pois o

desconforto gerado pode tornar-se um potente distrator

ou dispersor da atenção, e o estado emocional gerado

pode dificultar a aprendizagem. Outros exemplos

seriam o desconforto gerado pelo assento que

estudante usa, uma roupa desconfortável, um tênis

apertado.

Em suma, estados atencionais alterados pelos

sentidos podem alterar o estado de consciência dos

alunos, interferindo e dificultando o processo de

aprendizagem.

6.1.4 A Consciência e os Atributos da

Personalidade

A partir da constatação de que o estado de

consciência tem relação com o estado emocional,

infere-se que a personalidade do indivíduo também é

um poderoso fator influenciador do estado de

consciência.

Não fica difícil imaginar este cenário, tendo em

vista que os estados emocionais são determinantes do

comportamento característico de cada pessoa – ou

personalidade, ou seja, a qualidade de pessoa. De fato,

cada pessoa tem tendências, predileções e inclinações

que a fazem praticar determinado conjunto de ações,

bem como tem bloqueios, resistências e dificuldades

relacionadas a coisas que tende a evitar.

Este pequeno exemplo de conjuntos de

características da personalidade é suficiente para

entendermos que cada pessoa tem um conjunto próprio

de habilidades ou inabilidades, facilidades ou

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 95

dificuldades que tem a ver com sua história de vida,

crenças, valores e expectativas que interferem

diretamente em seu estado de consciência. Para

entendermos como isso funciona, recorramos a outro

exemplo bem simples: um aluno tem dificuldades com

a aprendizagem de conceitos matemáticos. Analisando

mais detidamente sua personalidade, vemos que suas

predileções incluem mais atividades artísticas, ele é

mais linguístico e passional, e pouco afeto a atividades

de abstração. Ao mesmo tempo, é pouco organizado e

não demonstra ter interesse por matemática.

Então, torna-se claro que há um conjunto

determinante de características de personalidade que o

tornam pouco hábil e/ou pouco interessado para a

aprendizagem de matemática. Isto coloca um fator de

dificuldade bastante desafiador. Levando em conta que

nosso sistema de ensino não contempla as

individualidades (somente nas leis, mas não na

execução), este aluno estaria fadado a sempre estar à

margem, ou sendo reprovado constantemente devido à

disciplina de matemática, ou sendo aprovado por

conselhos de classe, ou ainda que consiga passar

decorando as respostas, no limite das médias de

aprovação.

E então, o que se poderia fazer para melhorar

ou atenuar este quadro? Um caminho seria identificar

quais os interesses deste aluno, e tentar aproximar o

que se quer ensinar a partir dos interesses dele, suas

habilidades e forma de raciocínio. E daí, possivelmente,

aumentar sua atenção e interesse pela matemática.

Mas, claramente, isto seria feito por um

educador que identificasse esta dificuldade e passasse a

agir, individualmente ou em conjunto com uma

coordenação pedagógica, a favor do aluno. Não é algo

que, rotineiramente, esteja dentro dos atributos dos

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 96

sistemas de ensino. Somente vê-se alguma ação neste

sentido em casos isolados de instituições de ensino.

De qualquer forma, fica claro que, como as

características da personalidade não são facilmente

alteráveis (se é que o podem ser), é mais apropriado

tentar alterar outras variáveis que atingem o estado de

consciência que possam tornar o processo de

aprendizagem mais eficaz do que tentar uma

abordagem de mudança pessoal do aluno.

6.1.5 Consciência e Aprendizagem

Á medida que avançamos no estudo da

consciência, seja aquela relacionada ao ciclo sono-

vigília, seja a relacionada ao estado de consciência, nos

deparamos com diversas considerações relacionadas

direta ou indiretamente à aprendizagem. Neste tópico

iremos destaca-las, mesmo que já tenhamos tratado de

algum destes assuntos no decorrer do texto.

1 – Consciência tem a ver com estado de

atenção e motivação para aprender. Isto fica claro a

partir do fato de que os interesses e necessidades que

determinam ao que prestamos atenção e a que nos

motivamos para buscar em nossas vidas são baseados,

parcialmente, em nosso estado de consciência em dado

momento.

2 – Estado de consciência tem a ver diretamente

com nosso estado de vigília, o que significa dizer que o

sono é fundamental para a aprendizagem. Isto, em si,

tem diversos desdobramentos. Tanto na questão de

que o sono promove atividades cerebrais reparadoras e

de consolidação dos mecanismos de memória e,

consequentemente, de aprendizagem, quanto na

questão de que a privação do sono, total ou

parcialmente, pode influenciar negativamente na

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 97

capacidade de aprender, justamente por dificultar o

estado atencional e a motivação.

3 – O constante estímulo ao estado de

consciência, e, portanto, aos estados atencionais do

aluno por parte do professor, em relação aos estímulos

que este dirige àquele, é um fator que não deve ser

menosprezado, conforme já foi visto no capítulo sobre

atenção. Especialmente em um momento no qual os

distratores e dispersores atuam fortemente no sentido

de dificultar o processo educativo, assume-se que o

professor deve utilizar recursos para atrair a

consciência do aluno para si e para a aula. Isto pode

envolver, entre outras coisas, mudanças de tom e de

timbre de voz, utilização de mecanismos visuais no

material exposto aos alunos para a aprendizagem

(cores, vídeos, sons e outras formas de estimulação

midiática) e até recursos de teatralização

(dramatização) e – especialmente – de concretização

do conteúdo a ser ensinado.

4 – Ainda referente ao tópico 3 acima, vimos

que este estado atencional alterado por distratores e

dispersores pode estar tanto externamente ao aluno,

ou seja, em elementos que interferem em seu estado

de consciência (como uso de celulares, turma agitada e

falante, ambiente pouco atrativo) quanto internamente,

através da distração e dispersão gerada por

desconfortos associados também ao ambiente, mas

mais propriamente à percepção dos sentidos

(temperatura ambiente, desconforto causado pelo

mobiliário).

5 – Quanto maior o valor atribuído pelo aluno ao

professor e à disciplina que está sendo ministrada,

tanto mais o estado de consciência do aluno estará

favoravelmente ativado, o que envolve conceitos como

vínculo afetivo, necessidade e prazer.

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 98

6 – A estimulação à manutenção ótima do

estado de consciência do aluno não deve ser uma

tarefa única da escola e do professor. Este aspecto faz

parte da educação familiar, em que alunos que são

estimulados constantemente em casa à consciência do

que faz, à atenção e à motivação para cumprimento

das suas tarefas, assim o procedem também no

ambiente escolar.

7 – A personalidade do aluno é um fator

importante relacionado ao estado de consciência e à

sua predisposição para aprender. Entretanto, não é um

fator facilmente manipulável. Ao contrário,

normalmente não pode ser modificado. Uma saída

possível para os casos em que o estado de consciência

é diretamente afetado pela personalidade do aluno é

buscar, em seus atributos de personalidade, variáveis

que possam ser modificadas para que a aprendizagem

possa ser facilitada.

EXERCÍCIO 1

Relacione os dois tipos de conceitos de consciência com

o fenômeno da aprendizagem.

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____________________________________________

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Aula 6 | Processos Mentais IV: a Consciência 99

EXERCÍCIO 2

De que forma podemos manipular estados de

consciência de forma a otimizar o ambiente de

aprendizagem?

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

RESUMO

Vimos até agora: Consciência pode ter conceitos diversos,

estando em geral associada ao estado de

vigília ou a estados atencionais.

Estados de consciência podem afetar

diretamente a aprendizagem, dificultando ou

facilitando os processos.

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100

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Processos Mentais V: A Linguagem André Codea

AU

LA7

Apr

esen

taçã

o

Neste tópico investigaremos os circuitos neurais associados aos tipos de linguagem utilizados pelo ser humano, e suas relações e consequências para a aprendizagem

Obj

etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Entenda o que é linguagem e quais as suas modalidades Compreenda os circuitos neurais envolvidos com as diferentes

formas de linguagem Estabeleça as relações entre linguagem e aprendizagem

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 102

7.1. A Linguagem

A linguagem é um sistema simbólico pelo qual

sons, símbolos e gestos são usados para comunicação.

É um processo no qual, resumidamente, estímulos vêm

ao cérebro através de sistemas visuais e auditivos, o

sistema motor, em resposta, produz o discurso, a

escrita, e a sinalização, após o devido processamento

que ocorre entre os sistemas sensoriais e motor, que é

a essência do processo da linguagem.

A linguagem é a ferramenta mais importante do

pensamento humano e cultural, sendo também um dos

principais marcos do desenvolvimento da criança, sem

paralelo em outras espécies. No contexto deste tópico,

linguagem refere-se ao ato de se comunicar, estando

implícitas nesta comunicação a interpretação do

estímulo e os diversos recursos utilizados para

expressão deste (jargões e gírias, por exemplo, ou até

mesmo a linguagem não-verbal), bem como da

aprendizagem inerente a este processo.

Até certo ponto, a linguagem é um fator

determinado culturalmente, e envolve vários processos

neurológicos, pois é fundamentalmente dependente da

interação entre a recepção dos estímulos (visuais,

auditivos, táteis etc), a interpretação desses estímulos,

e a resposta dada a partir destas interpretações, que é

profundamente contextual em cada sociedade e mesmo

em regiões dentro de uma sociedade.

Grande parte, senão a totalidade dos processos

de aprendizagem está vinculada à linguagem, seja esta

verbal ou não. Portanto, o conhecimento dos processos

relacionados à linguagem é de grande importância.

Por exemplo, os processos de entendimento da

língua falada, tanto em termos do que se fala como do

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 103

que se compreende do outro, envolve a adequada

compreensão dos fonemas, sílabas e palavras, bem

como da ordem em que são expressas, além de um

conjunto de fatores intervenientes, como a mímica

facial, as modulações de voz e a gesticulação, que

podem alterar profundamente o significado da

mensagem.

Em termos neurológicos, a linguagem tem seus

mecanismos praticamente concentrados no hemisfério

esquerdo do cérebro. Em termos gerais, podemos citar

as abstrações matemáticas, como os cálculos, a

linguagem falada, a identificação precisa de pessoas,

entre outros fatores relacionados. Porém, há algumas

funções que repousam no hemisfério direito,

especialmente aquelas relacionadas à percepção

musical, identificação de pessoas e objetos de uma

forma geral, e relações espaciais entre objetos distintos.

7.2 A Linguagem Falada

É considerada a principal forma de comunicação

entre seres humanos, sendo a principal forma de

aprendizagem em muitas culturas pelo mundo. De tão

antiga na espécie humana, a fala foi associada

geneticamente em circuitos cerebrais, de forma que já

nascemos com um aparato neural pré-fabricado

especificamente voltado para falar. A aquisição da fala

em crianças é tão espontânea que é natural em todas

as sociedades mundiais e já foi postulado que recém-

nascidos são capazes de discriminar fonemas.

Falar implica na interação e articulação de pelo

menos dois dos sistemas humanos: a fonação e a

audição. Estes dois sistemas interagem para produzir

os sons vocalizados que representam objetos e

conceitos mentais, e que são organizados em uma

ordem que atribui significado – as frases.

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 104

Entretanto, um terceiro sistema participa

ativamente do processo da linguagem falada, e que

possui um papel fundamental na significação: o sistema

motor, que responde pela caracterização

comportamental existente quando se fala e se ouve,

em especial em relação às expressões faciais.

Em suma, para que façam sentido, as palavras

devem ser separadas por duas características da fala: a

entonação e as inflexões de voz que, acompanhadas da

gestualização e expressões faciais características,

produzem o que é conhecido como prosódia, ou seja, o

que dá a “coloração” ou tom emocional à fala. É neste

aspecto, em específico, que a mesma frase, dita de

forma diferente, pode mudar todo o sentido da

comunicação. Por exemplo, a frase “você é muito

bonita” pode soar para quem ouve como um elogio,

como uma provocação ou até mesmo como uma

ofensa.

Porém, mais importante é que para falar você

ativa uma área de planejamento da fala, em que se

consulta a memória e se utiliza um “dicionário” mental

com as palavras já conhecidas, o que parece também

incluir o contexto em que são usadas. Isto parece estar

ligado a uma rede semântica que organiza as palavras

e seus significados.

A linguagem falada é resultado de uma

complexa sobreposição biológica entre as fisiologias

vocal e auditiva. A linguagem não é unitária – existem

muitos níveis de análise e de produção. Cada nível é

altamente complexo, mas é processado em oradores

hábeis na maior parte inconscientemente e

rapidamente – em segundos.

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 105

7.2.1 Entendendo o que se fala

Os sons da linguagem são chamados fonemas,

consistindo basicamente de consoantes e vogais.

Também adicionamos entonação a sílabas e frases para

adicionar ênfase ou para indicar uma pergunta ou um

comando.

Assim, os sons da linguagem incluem os

fonemas individuais, bem como sílabas, palavras,

frases e parágrafos. Apesar da complexidade desses

muitos níveis e fases do discurso, aprendemos a

produzir e perceber o discurso em uma idade muito

jovem, com pouco esforço consciente.

Muitos estágios e níveis de processamento são

pensamentos que fundamentam o planejamento e

produção da fala, incluindo o acesso às representações

conceituais, codificação dos aspectos gramaticais e

codificação fonológica (que se refere à estrutura do

som). Estudos que recorreram à imaginologia

revelaram um pouco do que acontece.

A área motora suplementar e a área motora do

giro cingulado são conectadas com o córtex motor

primário para formar parte da rede neural para a

produção do discurso. A ativação subcortical ocorre no

tálamo, nos núcleos da base, no núcleo rubro, e no

cerebelo. O giro temporal posterior é ativado em ambos

os hemisférios na produção do discurso, bem como no

tronco encefálico, áreas como o núcleo hipoglosso são

inervadas.

Homônimos (palavras com grafias diferentes,

mas com a mesma pronúncia) ativam o hemisfério

esquerdo, posteriormente ao sulco central e ao giro

frontal inferior. Já os sinônimos (palavras com

pronúncias diferentes e significados relacionados)

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 106

ativam regiões mais amplas no lobo frontal e temporal

inferior.

Já a sintaxe – ou gramática, que diz respeito à

estrutura das palavras e frases – muitas vezes é tida

como o aspecto mais distintivo da linguagem. Uma

frase tem uma estrutura de “superfície”, que é a

palavra de ordem e estrutura que você vê quando você

ouve ou lê.

No que se refere às áreas cerebrais, é difícil

isolar que áreas estão especificamente envolvidas na

decodificação de sintaxe e não relacionadas a funções

de memória de trabalho e processos fonológicos e

semânticos. Resultados de estudos recentes de

neuroimagem mostram áreas cerebrais diferentes no

plano frontal e lobos temporais que estão envolvidos

nos diferentes aspectos do processamento sintático.

A prosódia, como já dito, é a 'melodia' da

linguagem – as mudanças de tom que transmitem

emoção, bem como informações linguísticas, como o

tom crescente indicando uma pergunta.

Cada língua não só tem entonações emocionais

e linguísticas, como também tem um ritmo que pode

ser bastante distintivo. Por exemplo, quando você ouve

um falante nativo do português de Portugal e compara

com um falante nativo de português do Brasil, você

percebe que, embora as duas línguas compartilhem

muitos aspectos da sintaxe e semântica, sua cadência é

bem diferente.

Não falamos em poucas palavras, mas em

proposições: declarações semanticamente significativas

sobre o mundo, mas cujo significado depende,

fundamentalmente, muito mais de quem recebe as

proposições do que realmente de quem as emite.

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 107

De qualquer forma, música e linguagem são

exclusivos para os humanos – a prosódia ou a melodia

da linguagem parece intimamente entrelaçada com a

melodia da música e pode partilhar algumas raízes

biológicas.

7.2.2 As Áreas Cerebrais

Todas essas regiões neurais para vocalização e a

percepção da linguagem têm sido associada com

regiões nos lobos frontal e temporal, baseadas nos

trabalhos de Broca e Wernicke no século XIX.

Isto significa que, além de falar, temos também

que compreender o significado da fala, o que

escutamos. Disto se infere um poderoso e complexo

circuito de processamento cerebral que envolve,

basicamente, duas áreas cerebrais que se tornaram

fundamentais, desde o final do século retrasado, à

compreensão do fenômeno da linguagem falada: a área

de Wernicke e a área de Broca.

7.2.2.1 A Área de Wernicke

Carl Wernicke foi um neurologista alemão da

segunda metade do século XIX, e que foi responsável

por elaborar o primeiro modelo de neurolinguística. A

área cerebral que recebe seu nome, localizada na

região do giro temporal superior e posterior esquerda é

responsável pela compreensão da linguagem falada por

outra pessoa. E esta compreensão é diretamente

responsável pela articulação do que se vai falar, pois é

necessária para se conseguir estabelecer uma

comunicação coerente e articulada. Se houver uma

lesão nesta área, estabelece-se a afasia de Wernicke,

com a consequente falta de compreensão e articulação,

ocasionando um diálogo desconectado com o contexto.

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 108

No entanto, mais recentemente houve a

necessidade de incluir as áreas dos giros angular e

supramarginal, no lobo temporal, bem como os giros

temporais médio e inferior como os locais mais

apropriados para a afasia de compreensão, pois a área

de Wernicke propriamente dita parece estar mais

relacionada à identificação das palavras.

7.2.2.2 A Área de Broca

A área de Broca, localizada no giro frontal

inferior esquerdo, foi estabelecida pelo neurologista

francês Paul Broca, também na segunda metade do

século XIX. Ela está relacionada com a emissão da fala

e, quando há lesão da área, estabelece-se a afasia de

Broca, o que pode deixar o indivíduo sem capacidade

de falar, ou falar de forma não-fluente. Com o avanço

das investigações, postulou-se que áreas corticais

anteriores e posteriores à área de Broca original

também estavam associadas a diversos tipos de

afasias, o que levou à ampliação desta área.

7.2.2.3 A interconexão das áreas de

Wernicke e Broca

Se há uma área em particular para compreender

a fala, e outra para expressá-la, parece coerente

pensar em uma conexão entre as duas áreas.

Na verdade, esta hipótese já havia sido

aventada pelo próprio Carl Wernicke, sendo

posteriormente descoberto um conjunto de feixes de

fibras nervosas axoniais, o feixe arqueado,

comprovando sua hipótese e estabelecendo-se uma

afasia para lesões neste feixe, chamada de afasia de

condução, na qual o indivíduo não consegue

estabelecer uma articulação coerente entre o que ouve

e o que diz em um diálogo.

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Este fato comprovou a interconexão entre a área

que compreende e articula uma resposta falada com

aquela que emite os sinais motores necessários para a

articulação das diversas musculaturas relacionadas com

o ato de falar, bem como da explicação acerca do

sequenciamento de ativações necessárias a todo este

processo.

7.2.2.4 Estudos Posteriores

Na metade do século XX, Geschwind propôs um

modelo neurológico para as regiões da linguagem no

hemisfério esquerdo, baseado nas descobertas do

século XIX e nas descobertas, então contemporâneas,

da neurologia. Tais achados foram confirmados pelas

tecnologias de neuroimagem do século XXI.

Modelos mais recentes, como o proposto por

Hickok-Poeppel, expandiram as regiões cerebrais que

subsidiam a linguagem, além das clássicas áreas de

Broca e Wernicke.

Este modelo, chamado de Modelo de

Transmissão Dupla da Fala e Linguagem sustenta que

há duas redes computacionais/neurais funcionais

distintas que processam informações da fala e da

linguagem: uma de redes sensoriais/fonológicas com

sistemas de semântica conceitual, chamada de rede

dorsal, e outra de redes sensoriais/fonológicas

articuladas com sistemas motores, chamada de rede

ventral.

A rede dorsal apresenta semelhanças com o

modelo proposto por Geschwind, e inclui regiões

posteriores do lobo temporal e frontal, bem como o giro

angular. Seu papel é relacionado tanto com a

construção da palavra quanto com a articulação da

mesma, o que é conhecida como via subléxica, mais

predominante no hemisfério dominante.

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 110

A rede ventral, por outro lado, possui um

importante papel na compreensão e significado das

palavras, cujo processamento ocorre nas regiões dos

lobos temporal superior e médio, o que é conhecido

como via léxica, que ocorre nos dois hemisférios.

Esta diferença entre as duas redes parece ser

importante, por exemplo, em tarefas de fluência verbal.

Afasias em uma rede ou em outra implicaria, por

exemplo, em problemas na geração de palavras

específicas, que comecem com uma letra (rede dorsal)

ou problemas de geração de palavras de determinada

categoria (rede ventral).

Mais recentemente, mais rotas foram

discriminadas tanto na rede dorsal como na rede

ventral, sendo referenciado na rede dorsal o fascículo

arqueado como um elemento-chave para o

processamento sintático e o fascículo longitudinal

superior como um importante elemento para a

repetição e construção fonológica.

Na rede ventral, o fascículo uncinado foi

considerado importante para o processamento do

significado gramatical, e o fascículo fronto-occipital

inferior para a semântica verbal.

7.3 A Linguagem Escrita e a Leitura

A linguagem escrita e a leitura têm uma

dinâmica neurológica bastante diferente da linguagem

falada, embora em alguns casos utilizem as mesmas

áreas da fala. Cabe ressaltar que a linguagem escrita e

a leitura não possuem o aparato geneticamente

estabelecido para a linguagem falada, tendo o indivíduo

que construir as conexões neurais, como ocorre em

qualquer tipo de aprendizado.

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 111

A escrita é aprendida a partir de padrões

motores que são criados a partir da repetição e da

associação com os sons falados, e estabelecem a

capacidade de repetir os símbolos para determinar e

formar as palavras, sempre a partir de um sentido

coerente e organizado.

Em termos neurais, a aprendizagem da escrita e

da leitura modificam permanentemente o cérebro, de

modo que toda a dinâmica de pensamento e

compreensão do mundo se tornam efetivamente

diferentes daqueles que não sabem ler e escrever. Isto

tem implicações tão profundas que pode até mesmo

reestruturar a personalidade do indivíduo.

A leitura utiliza bastante o córtex visual, pois a

visão é necessária para decodificar o que está escrito, e

várias outras áreas cerebrais, o que sugere uma

intensa tarefa cognitiva.

De fato, quando lemos, além dos córtices visuais

de ambos os hemisférios, parecem ser ativadas áreas

posteriores do lobo temporal inferior esquerdo, bem

como as áreas de Broca (para vocalização das palavras)

e de Wernicke (para identificação das palavras), além

dos giros angular e supramarginal (para compreensão

das palavras). Mais recentemente, o córtex cingulado

anterior também foi identificado como uma região

associada à leitura, especialmente na questão da

atenção executiva.

7.4 Lateralização Hemisférica

Embora o tema da Lateralização hemisférica seja

controverso e debatido, parece haver um certo

consenso sobre a divisão das tarefas entre os

hemisférios no que se refere à determinados aspectos

da linguagem.

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 112

Abordando inicialmente este tema de uma forma

geral, parece haver uma tendência a considerar que o

hemisfério esquerdo é responsável por análise

sequencial, solução de problemas e linguagem. Por

outro lado, o hemisfério direito seria responsável por

análise simultânea, habilidades viso-espaciais, mapas

cognitivos, reconhecimento facial, desenho, funções

emocionais, reconhecimento de emoções, expressão de

emoções e música.

Neste sentido, quando foram realizados estudos

sobre processamento auditivo, verificou-se uma

vantagem da orelha direita na escuta dicótica,

provavelmente devido ao cruzamento inter-hemisférico

(haveria maior facilidade do som da orelha direita em

chegar ao hemisfério esquerdo). Por outro lado, foi

identificada uma tendência a se processar palavras no

hemisfério esquerdo, e música no direito, predileção

esta identificada principalmente em estudos de lesões e

de imagens. Apesar disso, processamento do tom ainda

foi relacionado ao hemisfério esquerdo. Tais achados

também foram evidentes em recém-nascidos,

sugerindo uma base inata na especialização cerebral

para a linguagem e discurso.

Em relação à maior parte do processamento

linguístico, parece ser evidente também que o domínio

da linguagem pertence ao hemisfério esquerdo, tendo o

hemisfério direito pouca participação. Embora haja

diferenças entre destros e canhotos neste

processamento, efetivamente parece não haver dúvidas

sobre a quase exclusividade da hemisfericidade

cerebral esquerda.

Ao hemisfério direito, ficaria a parte relacionada

a ler e entender os números, letras, e palavras curtas

(resposta não-verbal), ou seja, o hemisfério direito é

capaz de escrever, não de falar, ficando mais associado

aos desenhos, quebra-cabeças, e nuances sonoras.

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 113

7.5 A Linguagem Não-Verbal

Outra forma de linguagem, no sentido de ser um

sistema simbólico utilizado para comunicação é a

linguagem não-verbal. Através deste tipo de

linguagem, estabelece-se a possibilidade de

complementar ou até de substituir a linguagem verbal e

escrita, tendo em vista que os gestos, expressões

faciais, orientações e posturas corporais, a distância

entre os indivíduos e até mesmo a organização corporal

no espaço podem ter profundo impacto sobre o

processo comunicativo. Por exemplo, uma pessoa pode

falar com outra sobre determinada questão que as

envolve e, ao mesmo tempo, sinalizar para uma

terceira pessoa negativamente, indicando que o que

está dizendo não é verdadeiro. Pode, inclusive, fazer

isso com uma forma específica de olhar.

Apesar de estilos de expressões faciais e gestos

terem uma conotação universal, infere-se que, assim

como acontece com a linguagem verbal e escrita, a

linguagem não-verbal tem uma forte influência cultural

que pode mudar os significados dos gestos e

expressões e, inclusive, cria-los de forma exclusiva ou

particular.

A própria expressão corporal pode indicar um

favorecimento ou uma recusa a algum processo

comunicativo: braços cruzados têm, não raro,

significação de rejeição ou resistência por parte de

quem está participando do diálogo comunicativo.

Tendo em vista que boa parte do controle de

nosso sistema motor ocorre fora do nosso controle

consciente, e que há uma forte participação neste

sentido do Sistema Nervoso Autônomo, e partindo

também do princípio que nosso sistema emocional – o

Sistema Límbico – participa ativamente do controle

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 114

motor, não fica difícil imaginar o quanto das nossas

expressões corporais, traduzidas em linguagem não-

verbal afetam diretamente e indiretamente o processo

comunicativo, mesmo que aparentemente tal processo

esteja regulado pelo controle consciente do indivíduo.

7.6 A Linguagem e a Aprendizagem

Fica claro, ao analisarmos os princípios e

mecanismos neurais que regulam a linguagem, que os

processos de aprendizagem, em geral, passam todos

pelos mecanismos da linguagem, seja ela verbal,

escrita ou não-verbal.

O entendimento destes processos e,

especialmente, de suas falhas (as afasias em geral, as

dislexias e outras formas de mal funcionamento – que

não são objeto deste tópico) pode fazer profunda

diferença na identificação de problemas inerentes aos

processos de aprendizagem, em especial no ambiente

escolar.

Muitas dificuldades de aprendizagem podem

estar associadas a distúrbios e transtornos da

linguagem, e a correção ou o encaminhamento de um

aluno com dificuldades de aprendizagem podem estar

profundamente implicados com a solução do problema.

EXERCÍCIO 1

Relacione os tipos de linguagem e seu impacto sobre os

processos de comunicação humana.

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

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Aula 7 | Processos Mentais V: a Linguagem 115

EXERCÍCIO 2

Como a linguagem não-verbal complementa ou até

substitui a linguagem verbal ou escrita em um processo

comunicativo? Explique.

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

RESUMO

Vimos até agora:

A linguagem é um sistema simbólico no qual

gestos, símbolos e expressões são utilizados

como parte do processo comunicativo.

Os processos da linguagem verbal ou falada,

escrita e não-verbal utilizam diferentes vias

neurais que, em alguns casos, são

compartilhados

No que se refere à linguagem verbal, parece

haver componentes genéticos que nos tornam

pré-habilitados à comunicação, o que parece

também ocorrer na linguagem não-verbal.

Mas na linguagem escrita, ou leitura, este

processo parecer ter que ser construído na

estrutura cerebral

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116

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Processos Mentais VI: a Cognição André Codea

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LA8

Apr

esen

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o

Neste tópico analisaremos a cognição como elemento central da função executiva no Sistema Nervoso, e como a cognição interfere nos mecanismos da aprendizagem.

Obj

etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Entender os mecanismos cognitivos e os processos de

pensamento. Compreender o que são funções executivas e sua importância

para o processo da aprendizagem Saber como a cognição está relacionada com os demais

processos mentais

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 118

8.1 A Cognição

A neurociência cognitiva visa fornecer uma base

cerebral para os processos cognitivos (pensar,

perceber, recordar, etc.), por meio de avanços

tecnológicos no estudo do cérebro que são mais

seguros e menos empíricos do que métodos antigos,

como o método de Penfield, por exemplo.

Wilder Penfield foi um neurocientista que, entre

1928 e 1947, realizou uma série de estudos com

estimulação elétrica direta do córtex. Em tais estudos,

produzia-se sensações "mentais" do pensamento,

percepções, ao invés de um sentido real do cérebro

estimulado.

Conceitos cognitivos são baseados em

observações comportamentais consistentes. Conceitos

inferidos em neurociência cognitiva incluem áreas de

estudo tais como linguagem, aprendizagem, memória

ou visão.

Desta forma, a neurociência cognitiva procura

estabelecer correlações entre propriedades de

estímulos apresentados ao Sistema Nervoso Central,

medidas da atividade cerebral por meio de técnicas e

tecnologias diversas e propriedades mentais, por meio

do comportamento observável (relatos verbais e não

verbais, expressões de comportamento).

A neurociência cognitiva procura, portanto,

abordar e interrelacionar vários processos mentais,

muitos dos quais foram objetos de capítulos deste livro:

aprendizagem e memória; atenção; emoções e

motivação; sensação e percepção; consciência e

identidade pessoal (o “Eu”); pensamento e funções

executivas; linguagem e interpretação; motricidade e

planejamento motor.

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 119

8.1.1 Entendendo os Processos Cognitivos

Todo processo cognitivo, assim como

basicamente todo processo neural tem ação direta dos

mecanismos sensoriais, que são processados em

paralelo pelos inúmeros centros cerebrais

processadores, que então transformam a todo

momento um conjunto de impressões sensoriais em

percepção.

Os responsáveis por estas fantásticas ações são

estruturas específicas dentro do encéfalo, em

combinação com o córtex cerebral e um incrível

emaranhado de redes neuronais que, interligando todas

estas estruturas, e mediadas por um conjunto bem

integrado de substâncias químicas – os

neurotransmissores, faz com que um processamento

sem igual em qualquer outra rede neural animal ou

cibernética.

Entender o que acontece entre esta torrente de

estímulos e o comportamento final observável é uma

tarefa hercúlea que vem ocupando os neurocientistas

desde mais de um século. Neste sentido, e para a

finalidade deste tópico, os estudos foram conduzidos

em duas vertentes básicas: o entendimento acerca do

sistema nervoso somático, que trata da percepção

própria do corpo, necessária para a geração do

movimento, especialmente a partir de sentidos como a

propriocepção e o tato; e a cognição, ou o

processamento de vários estímulos dos vários sistemas

sensoriais para a criação e regulação das variadas

funções cognitivas do corpo humano.

Importante salientar que há localizações bem

precisas das funções neurais no cérebro e nas demais

estruturas encefálicas, inobstante a complexidade que

muitas redes neurais assumem. Estas localizações

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 120

permitem uma compreensão dos processos clínicos em

casos das diversas patologias que acometem o

encéfalo. Porém, o funcionamento integrado é que

explica realmente como é o funcionamento das diversas

estruturas e redes neurais no indivíduo são.

Neste tópico iremos abordar a cognição,

buscando o entendimento de como o processamento

cerebral pode criar e regular tais funções cognitivas.

Um dos primeiros aspectos que se salientam na

estrutura encefálica humana é a existência das áreas

de associação. Áreas de associação são aquelas

responsáveis por integrar as informações dos vários

sistemas sensoriais, de forma a formar os variados

processos cognitivos e de comportamento.

Em princípio podemos enumerar três principais

córtices de associação na estrutura neural humana: o

córtex temporoparietooccipital, o córtex pré-frontal e o

córtex límbico. No primeiro caso, temos uma área

basicamente dedicada às funções sensoriais e à

linguagem; no segundo caso, o córtex pré-frontal,

temos áreas dedicadas ao processamento motor e ao

funcionamento executivo; e no terceiro caso, temos

uma área dedicada à memória e ao comportamento

emocional.

8.1.2 A Cognição e a Aprendizagem

O termo cognição é intrinsecamente associado à

aprendizagem, de forma que é um sistema integrado e

coerente que engloba vários processos mentais, muitos

dos quais já abordados neste capítulo. No ser humano,

todos estes processos mentais são criados, regulados e

integrados para a função maior de aprender para

sobreviver e modificar o ambiente à sua volta. Esta

tarefa, para ser executada, pressupõe um intenso

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 121

controle hierárquico funcional, uma homeostasia

adequada e adaptabilidade às novas situações.

Como todo esquema de processamento, com a

captação de entradas sensoriais ou de informação, o

processamento destas seguindo determinadas regras e

a execução do resultado por meio, no caso, do

comportamento observável, a aproximação com teorias

cibernéticas se torna inevitável. No entanto, mais do

que qualquer computador, o cérebro humano é um

sistema plástico e altamente adaptável, capaz de

realizar mais operações do que o mais rápido dos

computadores, e de forma simultânea executar bilhões

de atividades de processamento que o tornam sem

igual como aparato de aprendizagem.

Um dos aspectos mais importantes dentro deste

espectro é que todo este potencial de entrada sensorial,

processamento e resposta são mediados ou modulados

por um conjunto de estruturas subcorticais e corticais

responsáveis pelo comportamento emocional, o sistema

límbico.

Conforme já visto, emoções são potentes fatores

intervenientes do processo de aprendizagem, pois

interferem positiva ou negativamente nos vários

subprocessos mentais (memória, atenção, motivação,

linguagem, consciência) que são fundamentais para a

cognição, conforme já vimos.

Todo este campo de ações intervenientes,

reguladoras e modeladoras faz com que todo

processamento seja único para todo dado momento e

contexto, permitindo, porém, que se torne capaz de

prever o comportamento observável a partir de um

conjunto de percepções.

No último aspecto, o da execução e do

comportamento observável, o que se denomina

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 122

normalmente como funções executivas da cognição – e

também da aprendizagem, podemos elencar as funções

que ocorrem em nível do córtex pré-frontal dorsolateral

como sendo aquelas que são as principais responsáveis

pela expressão do comportamento, bem como por

tarefas de comparação, adaptação e regulação de

diversos parâmetros, que vão desde o planejamento

estratégico ao controle social das condutas e

comportamentos motores, passando pela elaboração de

complexos estados mentais e comportamentais.

Neste sentido, o termo funções executivas

assume outra significação, a da competência executiva.

Aquilo que torna o ser humano capaz de tomar

decisões que são capazes de modifica-lo interna e

externamente, e que envolve todo tipo de

processamento mental.

O que anteriormente foi chamado de razão, se

torna, na verdade cognição, um termo mais amplo e

que engloba diferentes aspectos, mas principalmente

que confere um caráter emocional às decisões

executivas. Neste sentido, a expressão (já

anteriormente usada) “somos seres emocionais que

pensam” ganha sentido e significado, à medida que as

decisões executivas são entremeadas de aspectos

emocionais que podem modificar totalmente seu

conteúdo, de acordo com o estado emocional do

indivíduo.

8.1.4 Funções Executivas, Cognição e

Aprendizagem

Uma das questões fundamentais da neurociência

pedagógica atualmente é entender como é possível

melhorar as capacidades de aprendizagem dos alunos

de modo a torna-los participantes ativos do processo e

construtores do próprio aprendizado.

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 123

Tornar o aluno um gestor da própria

aprendizagem não é tarefa fácil, especialmente se

levarmos em conta que os Sistemas Organizados de

Ensino são, em princípio, contrários aos princípios

elencados pela neurociência como fundamentais para

uma melhor aprendizagem.

Neste sentido, além de dotar o aluno das antigas

capacidades aprender o conteúdo das diferentes

disciplinas, trata-se de dotá-lo de capacidades de

articular este conteúdo com as exigências da vida

prática e de trabalho, e ainda o tornar um autogestor,

capaz de se autoconduzir pelos desafios da vida em

sociedade.

Mas, talvez o mais importante, seja fazer este

aluno tornar-se capaz de lidar emocionalmente com

todas estas variadas exigências dos sistemas de ensino

e da vida em relação. Um dos aspectos provavelmente

mais desafiadores atualmente em relação aos alunos

em idade escolar é fazê-los compreender como

enfrentar todas estas exigências com reduzidas

ferramentas e estímulos.

Da parte do educador, conhecer as propriedades

de todos estes sistemas de funções executivas, saber

trabalhar com elas de forma consciente e integrada,

dentro de sistemas de ensino que não auxiliam neste

aspecto, e fazer entender ao seu aluno que ele é capaz

de gerenciar sua vida a partir do momento que seja

capaz de entender seus processos mentais e de lidar

com eles, torna-se uma tarefa assaz difícil.

Tornar a interação docente e discente uma

realidade exige um planejamento bem elaborado e

eficaz, com todos os envolvidos em um processo

pedagógico. Isso exige, de fato, uma estrutura de

conhecimento dos processos cognitivos que evidencie

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 124

ao educador quais são as suas possibilidades dentro de

seu contexto de trabalho, de forma a criar soluções

criativas e inteligentes dentro do que sua realidade

permite.

Os recursos das Metodologias Ativas de

Aprendizagem podem ser um caminho a ser trilhado,

especialmente aquelas que tornem o aluno um

elemento ativo de sua própria aprendizagem. Não há

mais espaço para aulas passivas meramente

transmissoras de conteúdo. Não há mais sucesso visível

neste tipo de ensino.

Tornar o aluno metacognitivo, ou seja, fazê-lo

aprender a aprender e, principalmente, aprender a

utilizar seus recursos cognitivos para ultrapassar o

mero conhecimento, retirando-o do paradigma

convencional do ensino jesuítico para abrir suas

possibilidades para novos hábitos executivos é, sem

dúvida, um grande desafio.

Porém, este desafio não pode mais ser adiado,

sob pena de sujeitarmos o trabalho educativo ao

fracasso antecipado, em que os alunos iniciam o ano

letivo já sabedores que estão fortemente sujeitos a não

serem promovidos para o ano escolar seguinte.

Utilizar o conhecimento já adquirido sobre o

córtex pré-frontal, o córtex temporoparietooccipital e o

córtex límbico para entender o complexo

funcionamento cerebral e, principalmente, utilizar este

conhecimento de forma prática em suas estratégias de

ensino é também, para o educador, uma forma de sair

de sua própria paralisia paradigmática para atingir um

estado metacognitivo, no qual saiba utilizar e se

apropriar de novos métodos e estratégias para elevar

seu trabalho a um novo nível.

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 125

De fato, ensinar os estudantes a saírem do

estado meramente reativo para um estado proativo, em

que fique orientado a se concentrar nas questões futuras

e no desafio da solução de problemas (ao invés de ser

um mero “resolvedor” de problemas, quando consegue),

trata-se de parar de pensar no passado, e até viver nele,

para pensar no futuro, e até viver nele. É toda uma série

de transformações fundamentais que podem e devem

ser realizadas, para que não continuemos produzindo

toda uma horda de estudantes incapazes em termos de

conhecimento, incapazes em termos de decisões,

incapazes em termos de gerenciar a sua vida. Ou seja,

de estudantes que permanecerão no passado.

8.1.5 Funções Executivas e os Córtices Pré-

Frontais

São três os principais córtices pré-frontais: o

orbitofrontal, envolvido diretamente na tomada de

decisões e no comportamento social; o ventromedial,

envolvido na tomada de decisões morais; e o

dorsolateral, que regula os comportamentos motivados

e avalia os erros cometidos. Todos os três córtices são

intensamente interligados entre si e com outras

estruturas subcorticais e corticais, como por exemplo a

amígdala e o hipocampo.

A atuação destas três subdivisões do córtex pré-

frontal é, em grande parte, responsável pela

flexibilidade decisória que temos em todos os

momentos de nossa vida, e que psicologicamente pode

ser ativada por impulsos benéficos, como estimulação

educacional, resolução de problemas, reforço emocional

de aprender a lidar com erros e com o estresse, entre

outros fatores. Porém, também pode ser

psicologicamente inibida por ênfase nos erros, por

inibição da capacidade criativa e por desestímulo

emocional, entre outros fatores.

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 126

E todo esse aspecto pode acontecer dentro da

escola, que é o locus primário da instrução institucional.

E, dependendo de como todo o processo educacional

for conduzido, a situação cerebral do aluno pode pender

tanto para um lado, quanto para outro.

8.1.6 Os Neurônios-Espelho

Neurônios-espelho são uma classe de neurônios

corticais, descobertos a partir de estudos em macacos

em 1992. Esta classe de neurônios dispara quando o

animal executa uma ação (apreende um objeto) e

quando vê outra pessoa a fazer uma ação semelhante

(macaco ou humanos).

Para que estes neurônios disparem o macaco

tem que ver uma ação orientada a objeto (objeto

sozinho ou movimento da mão sozinho não é

suficiente). A mera observação de um objeto fora de

contexto não evoca uma resposta também. De forma

idêntica, a recompensa não é relevante para disparar.

Os neurônios-espelho podem ser conduzidos não

só pela execução da ação e observação, mas também

pelo som produzido pela mesma ação, ou outro sentido

associado.

Cada vez que o macaco vê ação em outro

indivíduo, neurônios são ativados como se a mesma

ação fosse executada pelo próprio. Assim, o macaco

tem conhecimento da ação do outro, por sua própria

atividade.

Nos seres humanos o sistema de neurônios

espelho não pode ser estudado diretamente como nos

macacos, mas pode ser inferido indiretamente. De fato,

estudos já relataram que pessoas que escutavam frases

descrevendo ações tinham os mesmos neurônios-

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 127

espelho ativados como se tivessem realizado as ações

ou as testemunhassem sendo executadas.

A rede de neurônios-espelho no homem envolve

e ativa a amígdala (emoções). Nós não podemos

compreender os sentimentos dos outros por analogia

ou processos de pensamento. Ao invés disso, a emoção

do outro é experimentada por nós mesmos e, portanto,

diretamente entendida. É um estado de corpo

compartilhado proporcionado pelos neurônios-espelho.

Sempre que você vir alguém fazendo algo (ou

mesmo começando a fazer alguma coisa), o neurônio-

espelho correspondente é acionado em seu cérebro,

permitindo assim que você "leia" e compreenda as

intenções do outro e assim desenvolva uma sofisticada

"teoria da mente alheia”.

8.1.7 Neurônios-Espelho e Funções

Executivas

Considerando que boa parte do comportamento

aprendido decorre da observação, os neurônios-espelho

assumem particular importância. Ao experimentar

cerebralmente uma ação alheia, pode haver

identificação com ela e, possivelmente, imitação. Isso

acontece com grande frequência em bebês e crianças, e

o mecanismo vai se aprimorando à medida que o córtex

pré-frontal dorsolateral vai amadurecendo, o que

praticamente ocorre ao início da adolescência.

Isto quer dizer que o comportamento imitativo

perdura, essencialmente de modo inconsciente, mas

pode ser conscientemente controlado à medida que

nosso centro de controle social, localizado no córtex

orbitofrontal e nossa capacidade de tomar decisões

morais, localizada no córtex pré-frontal ventromedial

vão se fortalecendo.

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 128

Em termos práticos, isso significa que os

comportamentos socialmente aceitos e aqueles

valorizados socialmente (por exemplo, em sala de aula)

tenderão a ser imitados pelo aluno. Se o cômputo

destes comportamentos é positivo, ou se é incentivado,

os neurônios-espelho tenderão a reforçar a imitação de

tais comportamentos. Entretanto, o mesmo é

verdadeiro para comportamentos negativos.

As funções executivas, desta forma, são

fortemente afetadas pela ação dos neurônios-espelho,

muitas vezes de forma inconsciente por parte dos

alunos. Entender e direcionar este processo é uma

atividade que pode auxiliar em muito o trabalho do

educador.

8.1.8 Cognição e os Processos Mentais

Parece ter ficado claro ao longo deste capítulo

que toda a atividade que envolve a cognição na

verdade envolve todos os demais processos mentais

tratados ao longo deste capítulo.

Longe da cognição ser tratada simplesmente

como razão, na verdade a cognição surge como o

corolário de todas as demais funções mentais

integradas, como uma grande colagem que emerge sob

a forma de comportamento observável.

Mesmo os processos internos de pensamento, de

alguma forma, mesmo que subliminar, emerge na

forma do comportamento observável, de forma que as

funções executivas dependem dos demais processos

mentais para ocorrer de forma ótima.

Este entendimento integrado se torna

indispensável para que se possam tomar decisões de

maneira a tornar o processo ensino-aprendizagem mais

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 129

eficaz e mais eficiente. Mas, além disso, trata-se, como

já dito, de tornar o aluno um elemento

substancialmente participativo deste processo como

elemento construtor da sua transformação, ao longo do

processo, de criança dependente e imatura, em um

adulto independente e maduro, preparado para as

exigências da vida.

Neste sentido, é fundamental o entendimento do

educador sobre as funções mentais, de como

funcionam em si e de forma integrada e,

principalmente, de como extrair aprendizados práticos

deste conhecimento para aplica-los aos alunos, de

forma a transformar o processo educacional atualmente

existente.

Usar a cognição para transformar os processos

cognitivos é, na verdade, aplicar a metacognição para

gerar transformações efetivas em todos os envolvidos

no processo, o que significa dizer, aplicar inicialmente

em si mesmo tais entendimentos para ser capaz de

transformar a educação atual em uma educação efetiva

e transformadora. Para melhor.

Esta talvez seja a principal contribuição de todo

este conteúdo abordado nesta disciplina de

Fundamentos de Neurociência e Educação Cognitiva da

Aprendizagem e do Comportamento Emocional

Humano.

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 130

EXERCÍCIO 1

Relate e faça um texto resumo sobre as estruturas

neurais diretamente envolvidas no processamento

cognitivo.

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

EXERCÍCIO 2

Como as funções executivas se tornam a expressão do

funcionamento integrado dos processos mentais que

interferem na aprendizagem?

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

RESUMO

Vimos até agora:

A cognição representa o resultado do

processamento de estímulos sensoriais

selecionados para a geração de um

comportamento observável.

De uma forma geral, três córtices interagem

nesta tarefa: o temporoparietooccipital, o

pré-frontal e o límbico.

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Aula 8 | Processos Mentais VI: a Cognição 131

Em relação ao córtex pré-frontal, este pode

ser subdividido em três, que agem de forma

integrada: o córtex orbitofrontal, o córtex

dorsolateral e o córtex ventromedial. Estes

são o centro das funções executivas, e

possuem ligações com a amígdala e o

hipocampo.

Neurônios-espelho são outro componente

importante para as funções executivas, pois

os processos imitativos são amplamente

influenciadores da aprendizagem.

O conhecimento por parte dos educadores

dos princípios neurais pode se tornar uma

eficaz ferramenta para auxiliar e modificar o

processo de ensino-aprendizagem, de forma a

tornar o aluno um solucionador de problemas,

ativo e construtor de seu próprio processo de

aprendizagem.

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