Fundamentos Do Direito Publico e Privado

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Aula 01- O conceito de DireitoIntroduo Estudar o direito algo que pode levar a vida inteira. Trata-se de tarefa to complexa, e que envolve um nmero to grande de discusses e de polmicas, que os cientistas do direito os juristas no esto de acordo nem mesmo quanto ao seu conceito. Na verdade, existem vrias definies para o termo direito, uma vez que os modos de entend-lo so muito diversificados. Um dos mais prestigiosos juristas contemporneos o ingls H. L. A. Hart dedicou um livro inteiro ao problema e ainda assim no conseguiu chegar a uma concluso plenamente satisfatria. Isso porque o direito vem sendo constantemente definido e redefinido das mais variadas maneiras durante seus milhares de anos de evoluo. claro que o objetivo do presente curso no formar juristas, advogados ou bacharis em Direito, de modo que a maior parte das teorias que envolvem a conceituao do Direito e outros aspectos particulares no sero abordados. O Direito um dos mais vastos, ricos e fascinantes continentes que formam o mundo do conhecimento e, obviamente, no possvel conhec-lo profundamente em um curso introdutrio como este. O que se pretende oferecer uma viso panormica, extensiva e geral do mundo jurdico, de maneira que voc possa nele se localizar e compreender seu funcionamento bsico. VOCABULRIO JURDICO: Adjetivo derivado da palavra latina jus que significa direito cuja funo qualificar realidades que guardem alguma relao com o direito. Por exemplo: norma jurdica, isto , norma de direito; obras jurdicas, ou seja, obras a respeito do direito. Imagine que o Direito uma grande cidade como Paris, So Paulo ou Barcelona e que esta disciplina um guia de viagem. O viajante que quiser conhecer detalhadamente qualquer uma dessas cidades no pode se limitar ao seu guia; ao contrrio, deve nelas viver e conhecer os seus mnimos segredos. Contudo, se no quiser ou no puder fazer isso, o guia lhe fornecer as informaes bsicas, sem as quais seria impossvel at mesmo se localizar e comear a conviver em universos to ricos. Esta disciplina assim: muito mais um incio do que um fim. Aps apresentarmos as principais significaes do vocbulo direito no prximo tpico, estaremos prontos para iniciar a nossa viagem ao mundo jurdico. Nossa misso ser conhecer algumas das mais importantes instituies jurdicas. Mas o que significa instituio para o Direito? A disciplina Fundamentos do Direito Pblico e Privado um guia bsico para aqueles que pretendem e precisam lidar com o Direito, mas que no vo morar nele, ou seja, no vo fazer um curso de graduao em Direito. Nesse sentido, apresentaremos as noes, conceitos e estruturas tericas fundamentais do Direito para que voc tenha dele uma idia que, embora introdutria, seja correta, rigorosa e clara. Pode-se entender as instituies do Direito como estruturas torico-conceituais que se desenvolveram historicamente e que representam os principais assuntos ou matrias das diferentes disciplinas jurdicas. Assim, por exemplo, o casamento e o contrato de compra e venda so instituies de Direito Civil e, por conseguinte, do Direito como um todo. O que faremos neste curso estudar as principais instituies do Direito, ou seja, seus temas e estruturas tericas fundamentais. Com as informaes disponibilizadas no presente curso voc ir compreender melhor certos aspectos que envolvem sua futura profisso, bem como algumas situaes jurdicas que ocorrem em seu cotidiano. Ainda

que no saibamos, a todo momento de nossas vidas estamos utilizando o direito, de modo que me parece impossvel imaginar uma sociedade humana na qual inexista uma ordem jurdica qualquer, ainda que primitiva. Conscientes dessa verdade to evidente, os antigos romanos costumavam dizer: Ubi societas, ibi jus, ou seja, onde est a sociedade, est o direito. VOCABULRIO ORDEM OU ORDENAMENTO JURDICO: conjunto unitrio, coerente e completo de normas jurdicas que regulam a vida social em determinado Estado. Falamos, portanto, em ordenamento jurdico brasileiro para nos referir ao conjunto sistemtico de normas jurdicas que formam o direito brasileiro. A expresso ordenamento jurdico passou a ser utilizada com freqncia pelos juristas a partir da obra fundamental de Bobbio, Teoria do ordenamento jurdico. Norberto Bobbio (1909 - 2004) Famoso cientista poltico italiano e autor de obras fundamentais de Direito e de Poltica, foi uma das mentes mais poderosas do sculo XX, tendo ocupado o cargo de senador vitalcio da Itlia. Atividade O estudo do Direito importante para a sua formao profissional? Fundamente a sua resposta. As vrias significaes do vocbulo Direito A palavra direito tem vrios sentidos. Nesta aula, estudaremos os principais. Direito como conjunto jurdico-normativo O primeiro e mais importante significado do termo direito remete noo de conjunto jurdico-normativo. Nesse sentido, a expresso designa uma reunio sistemtica de normas jurdicas que regulam a vida social em dado Estado. Quando algum se refere, por exemplo, ao direito brasileiro ou ao direito francs, est querendo aludir s normas jurdicas que vigoram nesses Estados. Esta a mais comum e conhecida significao da palavra. Quando dizemos direito, quase todos pensam de forma imediata nas normas jurdicas existentes no Brasil e que nos obrigam a fazer ou a deixar de fazer algo, por exemplo: pagar imposto de renda e no matar outras pessoas. Pensa-se nas leis, segundo a expresso popular, embora os conceitos de norma jurdica e de lei no sejam idnticos, como veremos na Aula 2. A partir da prxima aula, ao utilizarmos o vocbulo direito, estaremos sempre nos referindo a esse primeiro sentido. No decorrer de nossas aulas, quando quisermos aludir aos outros sentidos da palavra direito, indicaremos a mudana de significao. No seu primeiro sentido, o vocbulo direito refere-se ao somatrio de todas as normas jurdicas que vigoram em determinado Estado. Assim podemos dizer que, ao adotarmos tal significao para o termo direito", estamos compreendendo-o como sinnimo de ordenamento jurdico. Atividade Descreva algumas situaes de sua rotina diria nas quais possvel notar a presena do direito. Direito como cincia A cincia um tipo de conhecimento que estuda realidades humanas e naturais, tentando explic-las e compreend-las. Pode-se construir conhecimentos cientficos em relao a muitos objetos, sejam eles naturais ou humanos. Assim, por exemplo, a cincia que estuda a constituio da matria e as leis que a rege

a qumica. Por outro lado, a sociologia estuda a sociedade e os fenmenos sociais. As normas jurdicas tambm so estudadas por uma cincia especfica, a chamada cincia do direito ou simplesmente Direito. Eis o segundo sentido do vocbulo: Direito sinnimo de cincia jurdica, ou seja, de um tipo de conhecimento racional que pretende descrever as normas jurdicas, visando a compreend-las, classific-las, analis-las e esclarecer-lhes o sentido. NOTE BEM: A cincia do direito, como todas as cincias, no cria seu objeto de estudo, que so as normas jurdicas; ela simplesmente descreve as normas jurdicas j existentes. Quem cria as normas jurdicas no o cientista do direito, mas sim o Estado, por meio de suas estruturas de poder, notadamente o Poder Legislativo. Foi Kelsen quem fez essa importante diferenciao entre funo de criao do direito que pertence ao Estado e funo de conhecimento do direito que est cometida cincia jurdica. Nas faculdades de Direito os estudantes passam cinco anos estudando normas jurdicas, isto , tomando contato com o conjunto jurdico-normativo ptrio por meio da cincia jurdica. As vrias disciplinas que compem a grade curricular de tais alunos so, em sua maioria, ramos, isto , subdivises da cincia do direito: Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito Administrativo, Direito Tributrio, Direito Processual, Direito Penal, Direito do Trabalho etc. Hans Kelsen (18811973) Terico do Direito e da Poltica nascido em Praga, por muitos considerado o mais importante jurista do sculo XX. Sua Teoria pura do direito, de matriz normativista, modificou a forma como se pensa o Direito na atualidade. CURIOSIDADE: Com a finalidade de se evitarem confuses, e tendo em vista que a mesma palavra qual seja, direito serve para designar o nome da cincia jurdica e tambm o seu objeto de estudo, convencionou-se que quando a palavra direito designar a cincia jurdica deve-se graf-la com inicial maiscula: Direito. Nos outros casos, especialmente quando se pretende aludir ao conjunto de regras jurdicas vlidas em certo Estado, usa-se inicial minscula: direito. Assim, no correto escrever faculdade de direito ou curso de direito. As formas corretas so: faculdade de Direito e curso de Direito. Atividade Explique o sentido da seguinte afirmao: o Direito estuda o direito. Direito como atributo pessoal Um terceiro sentido para o vocbulo direito o de atributo pessoal. Quando afirmamos que temos direito a algo estamos nos referindo ao direito como se fosse um bem que nos pertence. Trata-se de um dos sentidos mais utilizados e conhecidos da palavra. Quem nunca afirmou, em uma situao conflitiva, que tem seus direitos? Quem nunca exigiu que fossem respeitados os seus direitos? Quando observamos o direito do ponto de vista do sujeito a quem ele pertence, estamos tratando-o como um atributo pessoal. Uma coisa observar o direito de forma objetiva e entend-lo como um conjunto de normas jurdicas vlidas em dado Estado; outra coisa, bem diferente, compreender subjetivamente o direito como algo que nos pertence. Essas duas maneiras diferentes de se enxergar o mesmo objeto deram origem a uma das grandes divises do mundo jurdico, que inclusive iremos estudar em aulas futuras: de um lado, o direito objetivo, que o conjunto de normas jurdicas vlidas existentes em determinado Estado. De outro, o direito subjetivo, que so essas mesmas normas entendidas por meio da ptica dos sujeitos para quem elas criam situaes juridicamente relevantes,

protegendo-lhes certos interesses. Assim, quando tenho um interesse protegido pela ordem jurdica, posso dizer que tenho um direito ou, se utilizarmos o termo tcnico adequado, um direito subjetivo, conforme bem se expressou Ihering. Rudolph von Ihering (1818 1892) Famoso jurista alemo cujas teorias sobre posse e propriedade so fundamentais para o Direito Civil atual. Escreveu A luta pelo direito, uma das obras jurdicas mais conhecidas e apreciadas de todos os tempos. Nesse clebre livro, Ihering sustenta que o direito resultado de lutas populares e de reivindicaes histricas, e no uma ddiva dos governantes para os governados.

DIREITO SUBJETIVO: INTERESSE JURIDICAMENTE PROTEGIDO Por exemplo: a Constituio da Repblica Federativa do Brasil o mais importante subconjunto jurdiconormativo do nosso ordenamento jurdico assegura a todos ns o livre direito de locomoo, isto , o direito de ir e vir. Tal significa que ningum pode cercear ou negar esse direito, a no ser em situaes especficas, como no caso de um criminoso condenado, que, obviamente, deve ser preso. O direito de ir e vir garantido na Constituio brasileira um direito subjetivo, ou seja, um atributo, uma faculdade pessoal pertencente a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no Brasil. LEGISLAO CONSTITUCIONAL Constituio da Repblica Federativa do Brasil, art. 5, inciso XV: livre a locomoo no territrio nacional em tempos de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. Atividade Explique o sentido das seguintes palavras de Ihering, esclarecendo em que sentido ele est empregando a palavra direito: A luta pelo direito constitui um dever do indivduo para consigo mesmo. [...] Assim, uma ofensa deliberada ao direito representa uma agresso contra a pessoa. Por isso, ao reagir diante de uma violao de seu direito, o indivduo apenas cumpre um dever de autodefesa moral. Direito como justia Outra forma de se entender o direito identific-lo com a justia. Desse modo, direito seria aquilo que correto, ou seja, o contrrio de errado, torto, incorreto, injusto etc. Muitas vezes confundimos inadvertida e erroneamente esses dois conceitos, que, em verdade, so bem diversos. Quando algum indivduo diz que isto no direito ou que o direito ir prevalecer sobre a injustia, est querendo se referir a um valor ideal, igualitrio e quase divino a justia , e no propriamente a um conjunto de normas jurdicas. CURIOSIDADE: Etimologicamente, a palavra portuguesa direito bem como a castelhana derecho, a francesa droit, a italiana diritto, a provenal drech e a catal dret vem do vocbulo latino directus, que significa correto, que segue em linha reta uma ordem predeterminada, que no torto etc. Assim como a beleza e o bem, a justia um valor superior. No fcil conceituar a justia, uma vez que se trata de valor extremamente complexo que sempre preocupou os pensadores, filsofos e juristas, recebendo definies histricas muito diferentes entre si. Contudo, uma definio preliminar poderia ser a seguinte:

justia dar a cada um aquilo que lhe devido. Dessa forma, o homem justo seria aquele que respeita a eqidade, sendo reto, probo e ntegro. Apesar de o direito e a justia serem conceitos prximos e complementares, tais realidades no se confundem. Prova disso que os homens sempre lutaram e ainda lutam para adequar o direito justia. Se ambos fossem realidades idnticas, no existiriam normas jurdicas injustas. Pelo fato de direito e justia no se encontrarem de forma necessria, existem normas jurdicas justas e outras absolutamente injustas e imorais, como a que permite aos membros do Poder Legislativo a fixao de seus prprios vencimentos. Todos ns j nos revoltamos ao saber, por meio da mdia impressa, televisiva ou virtual, que vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores aumentaram suas remuneraes, que, com muita freqncia, atingem cifras astronmicas. Tais atos ofendem o senso de justia de todo o povo brasileiro, que, ademais, em sua grande maioria obrigado a viver com um salrio extremamente baixo, fixado por esses mesmos parlamentares... Contudo, podemos considerar os freqentes e cada vez mais gordos aumentos ou reajustes, como ironicamente so chamados imorais, abjetos e injustos, mas no ilegais ou antijurdicos, uma vez que o direito brasileiro os autoriza. Trata-se de ato que, embora no seja justo, jurdico, sendo apenas uma das muitas aberraes existentes em nosso direito que devem ser mudadas democraticamente pela sociedade civil organizada, caso queiramos um direito menos injusto. Atividade Descreva algumas normas jurdicas injustas que voc conhece e sugira mudanas que, segundo sua opinio, devem ser realizadas no ordenamento jurdico brasileiro. Resumo O Direito uma das disciplinas mais complexas e ricas dentre as muitas outras que compem o rol das cincias humanas. A partir da prxima aula, estudaremos suas principais instituies, ou seja, seus principais temas, uma vez que conhecer o Direito, ainda que de forma bsica, fundamental para sua formao profissional, acadmica e humanstica. Contudo, a palavra direito apresenta diversos significados. Os principais so os seguintes: a) Conjunto das normas jurdicas vlidas em determinado Estado; b) Cincia humana que estuda e no cria normas jurdicas; c) Atributo ou faculdade pessoal que protege certos interesses humanos; d) Aquilo que correto e justo e, por isso, se ope ao que errado, torto, desajustado etc. Atividades 1. Defina direito de acordo com os quatro principais pontos de vista expostos nesta aula. 2. Qual o objetivo fundamental da disciplina Fundamentos do Direito Pblico e Privado? 3. O que instituio para o Direito? 4. Por que o estudo do direito importante para a sua formao? 5. Abaixo foram selecionados alguns significados do vocbulo direito constantes do Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa. Esclarea, fundamentadamente e em cada caso, qual dos quatro sentidos estudados nesta aula foi empregado pelo dicionarista:

DIREITO: a) Que segue a lei e os bons costumes; justo, correto, honesto. Exemplos: Homem direito; comerciante direito no rouba no peso. b) De acordo com os costumes, o senso comum, as normas morais e ticas etc.; certo, correto, justo. Exemplos: No est direito os ricos no pagarem impostos; no direito furar fila. c) De conduta impecvel, irrepreensvel. Exemplo: Uma moa direita. d) Sem erros; certo, correto. Exemplo: Suas contas esto direitas. e) O que justo, correto, bom. Exemplo: O direito deixar livres estas pessoas. f) Aquilo que facultado a um indivduo ou a um grupo de indivduos por fora de leis ou dos costumes. Exemplos: Direito de praticar qualquer religio; direito de se casar com quem quiser. g) Prerrogativa legal (para impor a outrem alguma medida, procedimento etc.) Exemplos: O guarda tem direito de multar os infratores; o patro tem direito de despedir por justa causa. h) Privilgio, regalia. Exemplo: O fidalgo, por nascimento, tinha direito de ocupar uma alta posio na sociedade. i) Autorizao legal (para determinadas aes ou atividades). Exemplos: Direito de caa; direito de exercer a medicina. j) Conjunto de normas da vida em sociedade que buscam expressar e tambm alcanar um ideal de justia, traando as fronteiras do ilegal e do obrigatrio. l) Cincia que estuda as regras de convivncia na sociedade humana; jurisprudncia. m) Conjunto de leis e normas jurdicas vigentes num pas. Exemplo: preciso extirpar os aspectos arcaicos do direito brasileiro. n) Conjunto de cursos e disciplinas constituintes do curso de nvel superior que forma profissionais da lei. Exemplos: Estudante de direito; faculdade de direito.

Aula 02- O conceito de normaIntroduo Na nossa primeira aula, vimos quo variados so os sentidos do vocbulo direito. Alm de outras significaes, pode remeter noo de ordenamento jurdico, de cincia jurdica, de atributo pessoal e de justia (correo). Interessa-nos sobretudo o primeiro e mais importante significado do termo, ou seja, aquele que define o direito como um conjunto de normas reguladoras da convivncia social. Mas o que so normas jurdicas? Existem outros tipos de normas? Como o direito regula a vida em sociedade? Todas estas questes so de fundamental importncia e, sem respond-las, impossvel conhecer de maneira cientificamente adequada as instituies jurdicas que sero apresentadas no decorrer do presente curso. Assim sendo, esclareceremos tais aspectos nesta e na prxima aula. O conceito de norma A palavra norma descende do termo latino norma, que remete s idias de regularidade, de normalidade, de padronizao, de modelo etc. Normal aquilo que todos fazem ou aceitam. Seu contrrio o anormal, o

raro, o excntrico. J temos, portanto, uma primeira noo de norma, uma vez que, etimologicamente, o vocbulo se liga noo de normalidade. Eis o melhor e mais simples conceito de norma: mandamento dirigido conduta de outrem. Norma , portanto, uma ordem nascida da vontade de um indivduo ou de um grupo de indivduos e que se destina a outro ou outros indivduos, objetivando comandar-lhes a conduta. Por exemplo: quando um pai diz ao seu filho Voc no sair hoje, o que temos um comando paterno dirigido ao filho, ou seja, uma norma. Todas as normas so mandamentos, e no pedidos, sugestes, conselhos ou apreciaes. NORMA = MANDAMENTO DIRIGIDO CONDUTA DE OUTREM Existem diversos tipos de normas, uma vez que as ordens que podemos formular e receber so muito diversificadas. H normas religiosas, compostas por preceitos de observncia obrigatria para os fiis de certo credo, tais como os dez mandamentos, dirigidos aos judeus e aos cristos de forma geral, e as regras presentes no Alcoro, como aquela contida na Surata IV, 23, que probe o muulmano de manter relaes sexuais com a sua me, as suas filhas e as suas irms H tambm as chamadas normas sociais, que regulam nosso comportamento diante dos outros membros da sociedade tendo em vista uma dada noo, difusa e inconscientemente aceita, de tica coletiva. Assim, em nossa cultura, podemos observar a presena da norma social no mentir, de modo que os mentirosos so quase sempre malvistos pelos outros membros da comunidade. Alm das normas religiosas e sociais, podemos enumerar diversas outras, tais como as de etiqueta, que nos dizem de que maneira devemos nos comportar nos diferentes ambientes que freqentamos para sermos considerados educados. Um bom exemplo de norma de etiqueta aquela que nos manda comer com o auxlio de talheres, e no com as mos. Os tipos de normas so variadssimos e no nos cabe aqui traar uma lista completa das espcies normativas. Os exemplos acima j so suficientes para demonstrar que muitos aspectos da nossa vida so regrados, ou seja, regulados por normas. Na realidade, o convvio social seria impossvel sem elas. As diferentes normas cumprem um papel fundamental na sociedade, pois so elas que a organizam, controlando a conduta de seus membros de modo a criar um sentimento de segurana coletiva e de relativa previsibilidade. Graas s normas, sabemos o que podemos fazer e o que devemos esperar dos outros na maior parte das situaes. Atividade O que norma? D exemplos de normas jurdicas, religiosas e sociais que regulam a sua vida e tente diferenci-las, explicando por que considerou algumas como jurdicas e outras como religiosas ou sociais. A sano normativa De nada adiantariam as normas se elas no dispusessem de uma garantia de que sero cumpridas. Com efeito, no se pode contar apenas com a boa vontade dos seres humanos. preciso que as normas sejam capazes de se impor diante daqueles indivduos que no as cumprem espontaneamente. Tal se d mediante a sano, que pode ser definida como conseqncia normativa. SANO = CONSEQNCIA NORMATIVA

A sano , na verdade, a conseqncia do cumprimento ou, o que mais comum, do descumprimento do mandamento posto pela norma. Tal conseqncia pode ser positiva ou negativa. Para que voc compreenda melhor, imagine a seguinte norma: As indstrias qumicas no devem poluir o meio ambiente. O que a norma objetiva a preservao ambiental, finalidade que, nesse caso especfico, ser obtida se as indstrias qumicas no polurem o meio ambiente. Ora, essa finalidade pode ser alcanada de duas formas: 1. Prometendo-se aos destinatrios da norma (no caso, as indstrias qumicas) uma recompensa ou prmio caso cumpram o mandamento, hiptese em que estaremos diante de uma norma dotada de sano positiva (norma premial). Exemplo: As indstrias qumicas que no polurem o meio ambiente sero beneficiadas com descontos nos impostos que devem pagar. 2. Fixando-se uma penalidade isto , um castigo a ser aplicada queles que descumprirem a norma em questo, hiptese que corresponde a uma norma equipada com sano negativa (norma penalizadora). Exemplo: As indstrias que polurem o meio ambiente sero punidas com pesadas multas. NOTE BEM: Nas duas situaes descritas acima a norma a mesma: As indstrias qumicas no devem poluir o meio ambiente. O que muda em ambos os exemplos a sano prmio ou castigo conectada ao mandamento normativo. A norma em si a mesma; contudo ela foi expressa de duas formas diferentes: em forma premial e em forma penalizadora. Muitos autores, inclusive renomados juristas, confundem o conceito de sano com o de penalidade, o que, como vimos, no correto, uma vez que existem sanes positivas e sanes negativas. Tal confuso se d porque as sanes negativas as penalidades so bem mais numerosas e eficazes que as sanes positivas. Segundo Kelsen, muito mais fcil obter a obedincia das pessoas ameaando-as com um mal do que lhes prometendo um bem. Dessa forma, as sanes negativas tm se mostrado, historicamente, mais efetivas que as positivas. A norma no matar (artigo 121 do Cdigo Penal Brasileiro) possui forma penalizadora porque a sano para o seu descumprimento corresponde a uma pena de privao da liberdade de 6 a 20 anos. No entanto ela poderia ter sido expressa de forma premial, da seguinte maneira: Todo aquele que no matar receber, por parte do Governo, quantia mensal equivalente a um salrio mnimo, forma normativa que, a toda evidncia, seria menos eficaz e de operacionalizao infinitamente mais complexa que a atual.

Historicamente, as diferentes ordens normativas vm preferindo sanes penalizadoras s sanes premiais. De acordo com Kelsen, para verem cumpridas as normas que impem a seus fiis, as religies lanam mo, preferencialmente, de sanes negativas. Talvez por isso os suplcios do inferno sejam apresentados com um colorido bastante realista e selvagem exibindo uma surpreendente riqueza de detalhes enquanto as delcias do paraso, quase desconhecidas, no passam de vagas aluses encontrveis aqui e ali nos textos sagrados das vrias crenas religiosas, em especial no que se relaciona ao perodo da Idade Mdia no Ocidente, quando os castigos infernais foram abundantemente retratados tanto pelas religies quanto pelas artes plsticas e literrias. Todas as normas possuem uma estrutura dplice: na sua primeira parte localiza-se o pressuposto normativo, que se relaciona diretamente ao mandamento que deve ser seguido. Na sua segunda parte encontramos a sano, que garantir a observncia da ordem contida no pressuposto normativo. Eis o esquema formal de qualquer norma: Se A, deve ser B no qual A corresponde ao pressuposto normativo (ou preceito) e B sano. Todas as normas, independentemente de suas formas verbais, podem ser expressas segundo o modelo acima.

O inferno, segundo a viso do genial pintor flamengo Hieronymus Bosch A norma jurdica no matar, por exemplo, pode ser assim decomposta: Se (1450-1516). algum matar (pressuposto normativo), deve ser castigado com uma pena de priso de 6 a 20 anos (sano negativa). possvel apresentar qualquer norma mediante a frmula Se A, deve ser B. Basta que na primeira parte esteja contido o pressuposto, ou seja, aquela situao ou ato pretendido ou proibido pela norma que, se realizado, dar lugar a uma sano positiva ou negativa, de acordo com a estrutura sancionatria (premial ou penalizadora) que se quiser conferir norma em sua segunda parte. CURIOSIDADE: O estudo da lgica e das vrias formas por meio das quais se pode formular um mandamento essencial para a cincia do direito, que se ocupa exclusivamente de normas jurdicas. Veja abaixo quatro maneiras diferentes de se apresentar a norma lavar o cho: 1. Se voc lavar o cho, dar-lhe-ei um carro novo. Sano premial e preceito afirmativo: Se X ocorrer (a norma pretende que seu destinatrio realize um dado ato X), deve ser Y (Y corresponde a uma sano positiva). 2. Se voc no se negar a lavar o cho, dar-lhe-ei um carro novo. Sano premial e preceito noafirmativo: Se X no ocorrer (a norma pretende que seu destinatrio no realize um dado ato X), deve ser Y (Y corresponde a uma sano positiva). 3. Se voc se negar a lavar o cho, expuls-lo-ei de casa. Sano penalizadora e preceito afirmativo: Se X ocorrer (a norma pretende que seu destinatrio no realize um dado ato X), deve ser Y (Y corresponde a uma sano negativa). 4. Se voc no lavar o cho, expuls-lo-ei de casa. Sano penalizadora e preceito no-afirmativo: Se X no ocorrer (a norma pretende que seu destinatrio realize um dado ato X), deve ser Y (Y corresponde a uma sano negativa).

Atividade Qual a importncia da sano para as normas e quais so suas duas principais formas? Fundamente a sua resposta. A sano jurdica A norma jurdica uma espcie normativa que se diferencia das demais graas a algumas particularidades relativas sua sano. Na prxima aula, veremos o que se deve entender por norma jurdica quando descrevermos suas principais caractersticas. Contudo, antes de defini-la de forma rigorosa e tecnicamente correta, necessrio diferenci-la das normas religiosas e sociais, visto que estas, tal e qual as jurdicas, servem a idntico propsito: controle social. O conjunto das normas jurdicas de certo Estado forma o seu direito. Assim, as normas jurdicas brasileiras integram o direito brasileiro. Como todas as normas, as jurdicas tambm apresentam estrutura dplice (Se A, deve ser B). Na verdade, o que diferencia a norma jurdica das demais a sua sano no-transcendente e socialmente organizada. Vejamos o que isso significa. VOCABULRIO Entenda-se Estado como uma especfica e complexa forma de organizao social que congrega trs elementos bsicos: povo, territrio e poder soberano, que a capacidade de criar um ordenamento jurdico prprio e independente. Dessa forma, so exemplos de Estados: Brasil, Alemanha ou China, e no Paran, Rio de Janeiro ou Bahia, que, na verdade, so Estados -Membros que compem o todo maior chamado de Estado brasileiro, ao qual esto juridicamente subordinados. Diz-se que a sano jurdica no-transcendente porque ela se realiza neste mundo, ao contrrio da sano religiosa, que promete se efetivar apenas no alm-tmulo. Os castigos e prmios prometidos pelas religies somente se verificam em tese e segundo seus dogmas aps a morte do indivduo, o que, alis, torna as normas religiosas muito mais eficazes que as jurdicas. As pessoas podem no temer castigos terrenos tais como a perda da liberdade ou, em casos extremos, at mesmo da vida, mas a grande maioria dos seres humanos se preocupa com seu destino aps a morte, no desejando sofrer os castigos que fazem parte do extenso e criativo rol argumentativo de todas as religies que j alcanaram certo nvel de dominao e de aceitabilidade social. A sano jurdica, diferentemente da religiosa, se d neste mundo. Os bens e os males distribudos pelo direito se relacionam nossa vida cotidiana, uma vez que as normas jurdicas tm por misso regular a convivncia social concreta e efetiva, e no realidades mstico-metafsicas. SANES JURDICAS = NO-TRANSCENDENTES SANES RELIGIOSAS = TRANSCENDENTES , portanto, bastante simples diferenciar as normas jurdicas das normas religiosas: basta observar a enorme diferena existente entre as sanes tpicas dessas duas ordens normativas. Mas, quando se trata de normas sociais ou costumeiras, como separ-las das normas jurdicas? As normas sociais ou costumeiras so aquelas formadas ao longo dos tempos pelos hbitos de uma dada comunidade e, de certa forma, resguardam a tica coletiva do grupo que as adota, visto que se fundamentam nas noes correntes de adequado e inadequado, de certo e errado, de bem e mal etc. Apesar de algumas condutas tais como o assassinato representarem ao mesmo tempo ilicitudes jurdicas e sociais devido ao potencial ofensivo que encerram, nem tudo aquilo que interditado pelas normas sociais

tambm proibido pelo direito. Por exemplo: para a maioria das comunidades humanas, mentir uma conduta proibida pelas normas sociais. Contudo, no gera efeitos na rbita do direito. Normalmente, a norma no mentir social, e no jurdica. Ao direito a mentira no importa, a no ser em algumas situaes especiais, como quando algum lana mo de inverdades para obter vantagens econmicas indevidas ou mente no contexto de um processo em que servia de testemunha. A mentira em si no considerada um ilcito jurdico e o mentiroso, ou seja, aquela pessoa que falta com a verdade unicamente para se divertir ou por compulso, no punido juridicamente no Brasil. Todavia, apesar de no haver uma sano jurdica para o mentiroso, ele pode vir a sofrer uma sano social: as pessoas com as quais convive podem passar a evit-lo, isolando-o da comunidade, ou ento podem no acreditar mais em nenhuma de suas palavras, enxergando-o como um indivduo socialmente desacreditado e indigno de confiana. Em algumas comunidades, inclusive, h a possibilidade de se aplicar sanes sociais mais severas, que, ademais, podem ser proibidas pelo direito vigente. Ainda hoje certos grupos humanos acreditam que a punio adequada para o mentiroso a extrao de sua lngua, como se a mentira residisse nesse rgo, e no na mente daquele que falta com a verdade... Pois bem, como diferenciar a sano jurdica da sano social ou costumeira e, por conseguinte, distinguir as normas jurdicas das normas sociais? Basta que voc leia o pargrafo anterior novamente para perceber a diferena bsica existente entre essas duas importantes formas de controle social. Note que, acima, ao me referir a aplicaes de sanes sociais, descrevi tais situaes de maneira condicional: ele [o mentiroso] pode vir a sofrer uma sano social; as pessoas com as quais convive podem passar a evit-lo; podem no acreditar mais em nenhuma de suas palavras etc. Expressei-me assim em relao sano social porque, diferentemente da sano jurdica, ela socialmente desorganizada, posto que no conta com uma estrutura de poder constituda e organizada que garanta a sua aplicao. SANO SOCIAL/COSTUMEIRA = SOCIALMENTE DESORGANIZADA SANO JURDICA = SOCIALMENTE ORGANIZADA A sano social ou costumeira pode ser aplicada ou no. Tal depende dos nimos e dos humores dos membros do grupo social que a sustenta. Inexiste qualquer garantia quanto sua aplicao: no se conhece de antemo sua forma, sua intensidade e outras importantes circunstncias que a envolvem. A sano jurdica, por seu turno, socialmente organizada, visto que conta com todo um complexo aparato tcnico cuja funo garantir a sua aplicao na hiptese de desobservncia (ou observncia, no caso das normas premiais) dos comandos normativos. Os diferentes Estados criam estruturas capazes de garantir, detalhar e definir, da forma mais completa possvel, a aplicao de suas sanes jurdicas, que, por isso mesmo, so uma espcie de monoplio estatal. Apenas os Estados podem aplicar sanes jurdicas aos seus cidados, observando, para tanto, as condies previstas nos respectivos ordenamentos jurdicos. Tal aplicao normativa no depender de avaliaes subjetivas e emocionais, completamente desorganizadas, como no caso das sanes sociais. Ao contrrio, ser feita na medida das regras estatais, seguindo uma srie de requisitos legais e lanando mo de critrios objetivos, racionais e previamente determinados pelos prprios Estados. A reao do Estado diante da desobservncia de seus comandos normativos no desconcentrada, irracional e desorganizada como a da sociedade. Na verdade, sabendo que em certas circunstncias suas normas jurdicas vo ser inevitavelmente descumpridas por alguns indivduos, o Estado estrutura-se e aparelha-se de

modo a garantir a aplicao da sano jurdica. Para isso ele criou o Poder Judicirio, as leis, as prises, as polcias e uma infinidade de instrumentos aptos a garantir a correta e efetiva aplicao de suas sanes, sempre jurdicas. Nada obstante, h algumas situaes nas quais as sanes jurdicas no so aplicadas, apesar de, teoricamente, deverem ser. Tal ocorre graas concorrncia de diversos fatores: incompetncia, despreparo ou indiferena daqueles que gerem o sistema jurdico, falta de recursos tcnicos ou equipamentos, influncia do poder poltico ou econmico no campo do direito, questes tcnicas jurdico-processuais etc. Nada obstante, tal discusso refoge ao mbito terico desta disciplina e somente pode ser desenvolvida mediante uma viso sociolgica do fenmeno jurdico, tarefa que, apesar de interessante, no nos compete no presente momento. Por fim, resta esclarecer que as sanes sociais so, assim como as jurdicas, no-transcendentes. O que diferencia ambas as espcies a organizao de sua aplicao, atributo existente no apenas nas sanes jurdicas, mas tambm nas religiosas, que, de certa forma, so minuciosamente organizadas, previstas e descritas pelas diversas religies que, nesse sentido, se comportam como se fossem Estados. O quadro abaixo sintetiza as principais caractersticas que distinguem as sanes jurdicas, religiosas e sociais:

Tipo de sano Jurdica Religiosa Social Resumo

No-transcendente X

Aplicao socialmente organizada X X

X

Normas so comandos dirigidos conduta dos indivduos e apresentam a estrutura Se A, deve ser B, no qual A representa o pressuposto normativo, isto , a situao que dar ensejo aplicao da sano, e B corresponde sano, isto , conseqncia do cumprimento (sano premial) ou do descumprimento (sano penalizadora) do comando normativo. Existem diversos tipos de normas, dentre as quais se destacam as jurdicas, as religiosas e as sociais. Essas trs espcies normativas distinguem-se em virtude do tipo de sano que apresentam: a) As sanes jurdicas so no-transcendentes e socialmente organizadas. b) As sanes religiosas so transcendentes e socialmente organizadas. c) As sanes sociais so no-transcendentes e socialmente desorganizadas. Atividades 1. O que norma? Fundamente a sua resposta. 2. Diferencie a norma premial da norma penalizadora. 3. O que sano? Fundamente a sua resposta. 4. Distinga a sano jurdica das sanes religiosas e sociais.

Aula 03- A norma jurdicaIntroduo Na aula passada, discutimos os conceitos de norma e de sano. Vimos que existem vrias espcies normativas cujo objetivo regular algum aspecto da vida humana, uma vez que normas so mandamentos dirigidos conduta de outrem. Dentre os muitos tipos de norma, as mais importantes so as que se destinam ao controle social, isto , aquelas que regulam e organizam a vida em sociedade, tais como as jurdicas, as religiosas e as sociais (ou costumeiras). Apesar de servirem a um mesmo propsito, tais normas se diferenciam de maneira bem clara porque suas sanes possuem caractersticas prprias: a sano jurdica no-transcendente e socialmente organizada enquanto a sano religiosa transcendente e socialmente organizada. Por seu turno, a sano social , como a jurdica, no-transcendente, mas, diferentemente desta, no socialmente organizada. Pois bem, aps termos tomado contato com a noo de norma, preciso descrever aquela espcie normativa que nos interessa de forma especial: a norma jurdica. O que significa norma jurdica? Quais so as suas caractersticas mais marcantes? Como ela cumpre a funo de controle social? Tais questes sero respondidas na presente aula com a ajuda de Hans Kelsen, que, em sua famosa teoria pura do direito, descreveu e definiu a norma jurdica de forma clara, realista e satisfatria. CONCEITO PRELIMINAR DE NORMA JURDICA A norma jurdica constitui um comando objetivo e despsicologizado cuja sano no-transcendente e socialmente organizada. Eis o conceito tcnico-cientfico de norma jurdica. Trata-se de definio bastante completa porque se refere s duas principais caractersticas da norma jurdica (objetividade e despsicologizao), objetos de estudo desta aula, e tambm especificidade de sua sano, tema j enfrentado na aula anterior. Normas jurdicas e controle social O conjunto das normas jurdicas o ordenamento jurdico cumpre um importante papel na sociedade, visto que coordena, organiza e define as aes permitidas aos membros da comunidade ao mesmo tempo em que probe e pune aquelas condutas consideradas delituosas. Sem direito no h sociedade. A simples existncia de normas religiosas e sociais no basta para obter a obedincia dos indivduos. Ainda que as normas religiosas e sociais (costumeiras) exeram uma importante ao inibitria nos impulsos anti-sociais (destrutivos) da maioria das pessoas, sempre existiro algumas que no se curvam diante dos deuses e dos costumes. preciso que, em relao a tais sujeitos, a sociedade encontre meios eficazes de autodefesa. O principal deles o direito. As normas jurdicas, muito mais do que punir os desviantes e os malfeitores que em comunidades normais representam sempre a minoria , exercem a importante funo de garantir maioria dos membros da sociedade que a ordem ser mantida e que no h motivo para se revoltar contra o poder constitudo1. A organizao social depende de vrios fatores. Nas sociedades primitivas, extremamente msticas e supersticiosas, a religio cumpria o papel hoje reservado ao direito. Contudo, com o advento da contemporaneidade, os homens deixaram de temer com tanto pavor os castigos impostos pelos deuses. A partir de ento, o direito passou a ser cada vez mais solicitado como a principal forma de manuteno da ordem social. Quanto mais as normas religiosas recuam, maior o espao das normas jurdicas, que, por meio de sua coercibilidade intrnseca, passam a compor o principal conjunto normativo regulador da vida em sociedade,

de forma que impossvel conceber um Estado contemporneo sem o seu correspondente ordenamento jurdico. 1Todos so tentados por vezes a preferir os seus prprios interesses imediatos e, na ausncia de uma organizao especial para a sua descoberta e punio, muitos sucumbiram tentao. Indubitavelmente, as vantagens das abstenes recprocas so so to palpveis que o nmero e a fora dos que cooperariam voluntariamente num sistema coercivo, sero normalmente maiores. Contudo, exceto em sociedades muito pequenas e fortemente coesas, a submisso a um sistema de restries seria loucura, se no houvesse nenhuma organizao para a coero daqueles que tentariam ento obter as vantagens do sistema, sem se sujeitarem s suas obrigaes. As sanes so, por isso, exigidas no como motivo normal para a obedincia, mas como uma garantia de que os que obedeceriam voluntariamente no sero sacrificados aos que no obedeceriam. Obedecer, sem isto, seria arriscar-se a ser posto irremediavelmente contra a parede. (H.L.A. Hart. O conceito de direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996. p.214) No mundo primitivo, o direito e a religio no se distinguiam. VOCABULRIO Coao o uso efetivo e concreto da fora fsica (entenda-se fora fsica aqui no apenas como fora corporal, mas tambm como a utilizao de armas de todos os tipos). Coero a possibilidade do uso da fora fsica. uma fora fsica que no est sendo, efetivamente, exercida, mas que no futuro, se verificadas determinadas circunstncias, pode vir a ser utilizada. Em uma palavra: coero a ameaa de uso da fora fsica. O direito , assim, coercitivo, tornando-se coativo apenas em casos excepcionais. O Estado e o ordenamento jurdico por ele produzido lanam mo da coero para que os comandos contidos nas normas jurdicas sejam cumpridos pela populao. Violncia o uso no-autorizado, ou seja, ilegal (proibido pelo direito), da fora fsica. Compreende todas as formas de utilizao da fora fsica no-autorizadas pelo direito. A nica utilizao legal da fora fsica a jurdico-estatal. Por exemplo: Se um policial age dentro dos limites impostos pela lei, jamais comete atos de violncia, pois o uso da fora fsica lhe legalmente autorizado. Tendo em vista a relevante funo exercida pelo direito na sociedade, torna-se necessrio conhecer as duas principais caractersticas das normas jurdicas que, de certa maneira, so responsveis por essa extraordinria capacidade de ordenar a vida em sociedade que o direito vem, com maior ou menor acerto, demonstrando no decorrer dos tempos. Atividade Por que atualmente a importncia do direito como forma de controle social vem crescendo? A objetividade da norma jurdica Como todas as espcies normativas, a norma jurdica , na verdade, um mandamento, isto , um comando dirigido conduta de outrem. Todavia, no um comando qualquer, mas sim um comando objetivo, ou seja, um comando que no se funda na vontade de um indivduo. O comando expresso por uma norma jurdica sempre se funda em outra

norma hierarquicamente superior, uma vez que o ordenamento jurdico apresenta-se como estrutura escalonada na qual as normas inferiores (particulares) dependem das normas superiores (gerais). A figura que melhor representa o ordenamento jurdico a pirmide hierrquica: na sua base encontram -se as normas jurdicas inferiores, que dependem das superiores, e no cume da pirmide localiza-se o fundamento de validade de todo o ordenamento, ou seja, a norma da qual todas as demais dependem, que, em nosso caso, a Constituio da Repblica Federativa do Brasil.

Assim, as normas do ordenamento jurdico brasileiro so vlidas somente se no contrariarem a Constituio. Por exemplo: o artigo 5, inciso XLVII, alnea a da Constituio probe, no Brasil, a pena de morte. Dessa forma, nenhuma norma jurdica inferior e todas as demais normas do nosso ordenamento so inferiores Constituio pode prever ou mandar aplicar a pena de morte. ORDENAMENTO JURDICO = ESTRUTURA PIRAMIDAL HIERARQUICAMENTE ORGANIZADA Dessa maneira, para que uma norma jurdica comande a nossa conduta, ela deve ser vlida, ou seja, deve se basear na norma que lhe imediatamente superior na escala hierrquica normativa. Esta, por sua vez, deve se reportar quela que lhe superior, e assim sucessivamente, at que se chegue Constituio, que a norma positiva (isto , existente, concreta) mxima, no mais fundamentvel, mas fundamental. Quando um criminoso ordena a voc que lhe entregue R$ 100,00, o que temos na verdade um comando baseado unicamente na vontade do ladro. Trata-se de uma norma? Sem dvida! Todavia, seu sentido meramente subjetivo porque se funda apenas na vontade ou seja, no subjetivismo de um indivduo. Entretanto, se um fiscal de tributos exige que voc lhe entregue R$ 100,00 em razo de um imposto nopago, o que temos um comando objetivo. A ordem do fiscal no se baseia em sua vontade pessoal, mas em uma norma jurdica que lhe ordena cobrar essa quantia. Tal norma se baseia em outra, de estatura hierrquica superior, que, por sua vez, se fundamenta em outra at que se alcance a Constituio. Aparentemente, o ato do criminoso e o do fiscal de tributos so iguais. Ambos exigem nosso dinheiro. Aos dois entregamos a quantia solicitada. Mas apenas a conduta do agente do Fisco est autorizada pelo ordenamento jurdico, uma vez que se baseia em norma vlida (comando objetivo), e no apenas em sua vontade. Sentido subjetivo = Fundamentase na vontade de quem emite a ordem. Sentido objetivo = Fundamenta-se em outra norma superior.

NORMA

O comando normativo pode ter um sentido objetivo ou subjetivo. Ser subjetivo quando se funda apenas na vontade de quem o formula, como no caso do criminoso que nos exige a carteira. Por outro lado, as normas apresentam sentido objetivo quando fundam seu comando no na vontade de quem emite a ordem, mas sim em outra norma, hierarquicamente superior. As normas jurdicas so sempre objetivas porque se fundamentam em outras normas superiores e no simplesmente na vontade daqueles que as utilizam. A objetividade uma caracterstica essencial de qualquer norma jurdica. As sentenas judiciais ou seja, as decises finais tomadas pelos juzes no curso dos processos tambm so normas jurdicas, assim como as leis, os decretos, as portarias, as medidas provisrias etc. Todas essas normas se fundamentam em normas jurdicas superiores. por isso que se diz que o juiz aplica a lei. Na verdade, ao tomar uma deciso final relativa ao conflito que aprecia, ele cria uma norma jurdica particular, vlida apenas para as partes envolvidas no processo que preside. Entretanto, ele o faz baseando sempre -se em uma norma jurdica mais geral e abrangente: a lei. Santo Agostinho se perguntava o que so os imprios sem justia seno grandes bandos de salteadores e o que so os bandos de salteadores seno pequenos imprios injustos. Ns poderamos lhe responder que as normas que guiam os imprios, mesmo os injustos, tm sentido objetivo, enquanto aquelas que regulam os bandos de salteadores apresentam sentido subjetivo, no sendo, portanto, jurdicas. Santo Agostinho (354431) Clebre filsofo cristo medieval, defendia a tese segundo a qual Deus dotou os seres humanos da capacidade de escolher livremente, sem qualquer interferncia divina, entre o bem e o mal (livre-arbtrio). Uma norma jurdica positiva isto , concreta e existente, e no ideal ou imaginada apenas encontra sua validade em outra norma jurdica posta mediante atos legislativos ou mesmo por meio do costume, se tal for considerado pelo ordenamento jurdico como fonte do direito. Atividade Por que se diz que o sentido das normas jurdicas sempre objetivo? Comando despsicologizado Todas as normas nascem de uma vontade. As jurdicas no so diferentes. Elas tambm se originam de um querer. Na verdade, todos os comandos normativos foram queridos ou desejados por um indivduo ou por um grupo de indivduos. Assim, quando um pai ordena ao filho que v estudar, o que se verifica em ltima anlise a atuao da vontade do pai sobre a conduta do filho. A norma posta pelo pai nada mais do que uma expresso de sua vontade. Existem normas cuja existncia depende da permanncia daquela vontade especfica que lhes deu realidade. No exemplo acima, se o pai que ordenou ao filho que estudasse mudasse de idia ou viesse a morrer, sua ordem perderia a validade. Nesse caso, o comando normativo somente tem existncia enquanto sustentado pela autoridade que o formulou. A maioria das normas necessita de um suporte psicolgico que mantenha a sua existncia. Em outras palavras: para que as ordens postas pela vontade de algum se mantenham preciso que esse algum queira conservar essas normas, ou seja, necessrio que continue querendo tais normas. Boa parte das normas so, portanto, comandos psicologizados, pois se ligam diretamente vontade psquica que lhes deu realidade, sem o que no poderiam existir, como aconteceu no exemplo do pai e filho, acima.

CURIOSIDADE: Mesmo as normas mais eficazes de todos os tempos isto , as religiosas dependem, de certa maneira, de uma vontade para permanecerem operantes e existentes. Assim, as pessoas acreditam que as normas religiosas so queridas por Deus. Todavia, se Deus deixasse de existir ou se nunca tivesse existido, todas as normas religiosas perderiam sua validade, uma vez que se ligam vontade da divindade. Esse o sentido da afirmao de um dos personagens do magnfico romance de Fidor Dostoivski, Os irmos Karamzov: Se Deus no existe, tudo permitido. E as normas jurdicas? Elas dependem da vontade original que as criou para permanecerem vlidas e existentes? As normas jurdicas no surgem naturalmente, como se fossem frutos ou legumes. So ordens criadas pela vontade daqueles que, em determinada sociedade, detm o poder poltico, isto , o monoplio da coero. Todavia, ao contrrio de outros tipos de normas, uma vez criadas, as normas jurdicas no necessitam mais do suporte psquico humano que lhes deu origem, pois passam a existir de forma totalmente autnoma em relao ao indivduo ou ao grupo de indivduos que as criou, ou seja, as normas continuam vlidas, mesmo que o legislador que as criou no esteja mais vivo. Isso significa que as normas jurdicas so comandos despsicologizados, uma vez que no se conectam vontade psquica daqueles indivduos que lhes deram existncia. Veja, por exemplo, a situao do nosso Cdigo de Processo Civil (Lei n 5.869, de 11/01/1973): certamente a maioria dos parlamentares que o criaram j morreram ou ento no mais exercem funo legislativa. Devido a tais fatos, pode-se dizer que o Cdigo de Processo Civil no mais vlido? claro que no! Se uma norma jurdica foi regularmente aprovada pela(s) autoridade(s) estatal(is) a quem cabia tal ato, considera-se que ela est pronta para gerar seus efeitos indefinidamente, no havendo que se perguntar pela vontade psquica humana que lhe deu origem, que, esta sim, certamente pode mudar ou mesmo se extinguir. Quando a norma jurdica nasce e para isso ela deve passar por todo um procedimento, cumprir diversos requisitos e apresentar certas caractersticas , ela se desprende completamente da vontade daqueles que originalmente a quiseram. por esse motivo que, diferentemente de outras normas, as jurdicas so completamente autnomas em relao vontade das autoridades que as pem. Assim, mesmo que os legisladores que criaram uma dada norma j no mais existam, a norma em si permanece vlida. Do contrrio, seria impossvel organizar a sociedade. preciso, dessa maneira, que voc aprenda desde j a enxergar a norma jurdica como um comando objetivo e despsicologizado. possvel, portanto, falar em uma voluntas legislatoris (vontade do legislador) e em uma voluntas legis (vontade da lei). O primeiro termo refere-se vontade dos legisladores quando criaram uma dada norma jurdica. O segundo, ao sentido autnomo que essa norma passa a ter aps a sua entrada no mundo jurdico, que, inclusive, pode ser inteiramente diferente daquele originalmente pensado pelos legisladores. A norma jurdica, depois de sua entrada em vigor, desvincula-se do psiquismo subjetivo daqueles que a criaram e passa a ser um produto do Estado cuja funo regular a vida em sociedade. Para tanto, o sentido dessa norma deve ser sempre atualizado por meio da interpretao, visto que, com o passar dos tempos, a viso que se tem de uma norma pode (e deve) mudar, pois a realidade por ela regulada tambm se transmuda. Essa capacidade de transformao que a norma jurdica ostenta um formidvel instrumento de controle social. Se as normas jurdicas dependessem da vontade daqueles que as criaram para permanecerem existindo haveria um caos completo, pois elas deveriam, a todo momento, ser substitudas. Por exemplo: quando os legisladores que as fizeram morressem ou se aposentassem.

Alm disso, tal geraria uma situao extremamente incmoda, uma vez que somente os ditos legisladores teriam autoridade para determinar o sentido e o contedo das normas que criaram... Mas, na realidade, quando as normas jurdicas nascem elas passam a ser vistas como uma criao do Estado e de seus cidados, podendo ser livremente interpretadas pelos seus aplicadores tendo em vista no a vontade original dos legisladores, mas a vontade da lei, ou seja, a sua finalidade, o seu objetivo. VONTADE DA LEI (VOLUNTAS LEGIS) = OBJETIVO/FINALIDADE DA NORMA JURDICA Resumo O direito uma importante forma de controle social, visto que suas normas se impem aos indivduos de forma coercitiva e gerando na sociedade um sentimento de segurana. Para fazer face sua misso de manuteno da ordem social, o direito se vale de normas jurdicas que, diferentemente das demais, exibem as caractersticas da objetividade e da despsicologizao. Diz-se que as normas jurdicas so comandos objetivos porque no se fundam na vontade psquico-subjetiva de quem as formula, mas sim em outras normas superiores, mantidas e localizadas em uma estrutura estatal hierrquico-piramidal cujo ponto mais alto representado, no Brasil, pela Constituio da Repblica de 1988. Alm disso, aps o seu regular surgimento, a norma jurdica se desvincula da vontade daqueles que lhe deram realidade. Ela se torna um produto do Estado e da sociedade, e no uma mera expresso da vontade dos legisladores que a criaram. Por isso o sentido das normas jurdicas pode evoluir e se transformar com o tempo. Atividades 1. O que norma jurdica? 2. Por que as normas jurdicas so importantes para o controle social? 3. Por que se diz que as normas jurdicas so comandos objetivos e despsicologizados? 4. Diferencie o sentido das expresses voluntas legislatoris e voluntas legis.

Aula 04- As grandes divises do Direito 1Introduo Vimos, na Aula 1, que o vocbulo direito possui vrios significados. Os mais importantes so: Direito como cincia e direito como conjunto de normas jurdicas. Este ltimo sentido indica o objeto de estudo do presente curso e, a partir de agora, sempre que nos referirmos ao direito, estaremos evocando a idia de sistema jurdico-normativo. Na aula anterior, apresentamos o conceito de norma jurdica, essencial compreenso do direito como forma de controle social. Dessa maneira, estamos tomando contato, pouco a pouco, com o imenso e fascinante mundo jurdico. Nesta aula, analisaremos duas das principais divises do direito. Assim como todo objeto de estudo sociocultural, o direito pode ser entendido por meio de variados enfoques. Cientes dessa riqueza tericoconceitual que, inclusive, pode dificultar a compreenso dos fenmenos jurdicos por parte daqueles que ainda no os conhecem a fundo , os juristas elaboraram formas de explicao didticas chamadas de

divises do Direito. Tais divises existem, portanto, para facilitar o estudo do direito, uma vez que, na realidade, o direito uma realidade unvoca, inteiria e compacta. As divises do direito so didticas; servem, portanto, para simplificar o seu estudo. Dividindo o universo jurdico, fica mais fcil compreend-lo. No possvel obter um conhecimento total do direito sem antes analis-lo mediante diferentes pontos de vista que, afinal, refletiro a complexidade e a variedade do universo jurdico. Pois bem, eis as principais divises do direito: a) Direito positivo e direito natural. b) Direito material (substantivo) e direito processual (adjetivo). c) Direito objetivo e direito subjetivo. d) Direito Pblico e Direito Privado. Dedicaremos esta aula apresentao das duas primeiras divises. As duas ltimas sero estudadas na prxima aula. Direito positivo e direito natural A oposio direito positivo/direito natural constitui, sem dvida nenhuma, a mais antiga diviso do direito. Apesar de contemporaneamente ter perdido um pouco de sua importncia, tal partio permanece vlida e til, sendo uma arraigada e tradicional modalidade de abordagem terica do fenmeno jurdico. Pois bem, desde tempos imemoriais, o ser humano, intuitivamente, acredita na existncia de uma ordem jurdica superior quela criada pelos homens. Trata-se do direito natural, ou seja, de um conjunto de normas criadas pela natureza ou pelos deuses que, de alguma forma, so capazes de expressar um ideal absoluto de justia. Segundo os jusnaturalistas assim so chamados aqueles que acreditam na existncia de ordens jurdico naturais , as normas do direito natural independem do Estado, ao qual cabe apenas cumpri-las e preservlas, jamais cri-las. Tais normas guardam uma perfeio intrnseca porque derivam diretamente da prpria natureza das coisas ou da vontade dos deuses. Em razo disso, muitos pensadores, como Plato, Aristteles, Ccero, Santo Agostinho, Santo Toms de Aquino, Locke e Rousseau, entendem que o direito natural, por ser absolutamente justo, se sobrepe ao direito criado pelos homens, que deve se submeter ao ordenamento jusnatural. Plato (428 a.C.348 a.C.) , ao lado de Aristteles, um dos mais conhecidos e importantes filsofos jusnaturalistas do Ocidente. Suas obras abrangem vrias reas do conhecimento humano da fsica at a cincia poltica , destacando-se seus Dilogos e A repblica, em cujo texto Plato traa o esquema de um Estado ideal no qual o exerccio do poder poltico-jurdico cabe exclusivamente aos sbios. Segundo Plato, os filsofos devem governar o Estado porque so os nicos capazes de contemplar a justia natural (ideal), muito mais perfeita que a justia dos homens, mera sombra do justo original. Aristteles (384 a.C.322 a.C.) Aluno de Plato e clebre filsofo grego, escreveu obras sobre Direito, Poltica e

tica que so estudadas at os dias de hoje. Distinguia perfeitamente o direito posi tivo do direito natural, que, ao contrrio do primeiro, julgava ser aplicvel a todos os homens, onde quer que estivessem. J a validade espacial do direito positivo estaria circunscrita aos limites do poder de certas sociedades, de forma que as normas jurdico-positivas atenienses s se aplicariam aos cidados de Atenas, as espartanas vigorariam apenas entre os espartanos etc. Marco Tlio Ccero (106 a.C.43 a.C.) Foi o mais importante pensador romano de seu tempo. Para Ccero, as normas jurdicas humanas somente seriam vlidas se respeitassem a ordem natural csmica, que ele chamou de recta ratio (reta razo). Santo Agostinho (354 431) Pregava a necessidade de submisso do poder poltico humano ao poder espiritual divino, visto que o direito natural, criado por Deus, seria inegavelmente superior ao direito positivo. Na prtica, suas idias objetivavam garantir o domnio da Igreja a intrprete da vontade de Deus em relao aos diversos centros medievais de poder poltico-jurdico (feudos). Santo Toms de Aquino (1225-1275) Filsofo cristo medieval nascido em territrio hoje pertencente Itlia, acreditava que o direito humano (lex humana) somente teria validade se respeitasse o direito divino (lex aeterna). John Locke (16321704) Clebre filsofo iluminista ingls, um dos mais importantes tericos da cincia poltica e do Direito. Entendia que a misso do Estado era salvaguardar e conservar os direitos naturais, nunca neg-los. Assim, para Locke, as normas jurdico-positivas constituam uma espcie de garantia para as normas de direito natural. Jean-Jacques Rousseau (17121778) Importante filsofo e escritor suo, autor de O contrato social, sustentava que a liberdade e a igualdade eram direitos naturais isto , pertencentes a todos os seres humanos , que nenhum poder poltico estaria autorizado a desobservar. O direito criado pelos homens falvel j que, diferentemente dos deuses, o ser humano comete erros e, s vezes, injusto. O direito humano corresponde ao que hoje chamamos de direito positivo, isto , ao direito posto por atos humanos, concreto, efetivo e existente na realidade social. A dade direito positivo/direito natural foi largamente estudada na Antiguidade greco-romana. Os gregos, por exemplo, j conheciam a distino entre direito natural e direito positivo que, grosso modo, corresponde separao entre direito divino e direito humano. Alm da diviso j estar presente nas obras de Plato e de Aristteles, o grande dramaturgo ateniense Sfocles (c. 496 a.C. 406 a.C.) nos provou que o conhecimento de tal diferenciao era algo comum para o homem grego, que sabia distinguir as ordens dos deuses das normas criadas pelos homens. Em Antgona, sua mais clebre tragdia, Sfocles nos conta como a personagem-ttulo, desafiando as ordens do tirano Creonte, enterrou o corpo de seu irmo, conduta que havia sido proibida pelo governante. Ao ser interrogada por Creonte, Antgona afirmou que a norma jurdica por ele criada era invlida, uma vez que o

sepultamento digno seria um direito natural de todos os homens. Posteriormente, Antgona acaba sendo morta em conseqncia de sua ousadia. Mas o que importa o significado de seu ato de recusa em relao s ordens de Creonte. Tal se baseia na idia de que as normas jurdicas postas pelos homens no caso, por um tirano no podem suplantar certas normas que surgem de instncias superiores e divinas, ou seja, o direito natural. Este mesmo argumento qual seja, o de que o direito positivo deve se sujeitar ao direito natural serviu, na Modernidade, como combustvel intelectual para a Revoluo Francesa, em 1789. Os revolucionrios derrubaram a monarquia e instituram uma repblica na Frana porque, entre outros motivos, os monarcas, ao estabelecerem privilgios e benefcios para a nobreza e o clero, estariam desrespeitando os direitos naturais de liberdade e de igualdade, dados pela natureza a todos os homens. Ao contrrio, na Idade Mdia, a noo de direito natural serviu a propsitos conservadores e antirevolucionrios. Acreditava-se que o direito positivo e o poder dos homens eram limitados e falhos, razo pela qual todos, servos e nobres, deviam obedecer s normas jurdicas emanadas da vontade divina. Obviamente, elas eram arquitetadas pelos detentores do poder religioso, isto , pelos membros da Igreja. Nos dias atuais, a concepo laica (no-religiosa) de Estado, a viso cientfica do direito e a objetivao/racionalizao das relaes de poder poltico-jurdico acabaram por enterrar definitivamente a noo de direito natural. Graas a juristas como Hans Kelsen, a teoria do direito natural foi banida do pensamento jurdico contemporneo, no se podendo conceber qualquer ordem jurdica concorrente em relao ao direito positivo, que o nico direito efetivamente existente. Hoje, a idia de direito natural permanece viva apenas no plano jusfilosfico isto , prprio da Filosofia do Direito , confundindo-se com a noo de justia, da qual falamos na Aula 1. Na atualidade, a teoria do direito natural possui importncia apenas retrica, pois serve unicamente para criticar e propor mudanas nas normas de direito positivo, e no para negar sua validade, como ocorria na Antiguidade e no medievo. ANTIGUIDADE E IDADE MDIA: DIREITO NATURAL > DIREITO POSITIVO CONTEMPORANEIDADE: DIREITO POSITIVO Na Antiguidade e Idade Mdia, o direito natural era superior ao direito positivo. Hoje, o direito natural no existe como ordem jurdica. Atividade Descreva, da Antiguidade at os dias de hoje, a evoluo das idias de direito natural e de direito positivo. Direito material (substantivo) e direito processual (adjetivo) Diferenciao preliminar Existem dois tipos bsicos de normas jurdicas: as materiais e as processuais. Trata-se de relevante diviso do direito que separa as normas jurdicas de acordo com os seus contedos. As normas de direito material criam direitos e deveres para os cidados, enquanto as normas de direito processual se referem s formas isto , aos processos por meio das quais se exige a observncia de um direito ou se obtm a satisfao de uma dada obrigao jurdica. SIMPLIFICANDO: Existem certas normas que dizem respeito diretamente aos nossos direitos e obrigaes (direito material) e outras que se relacionam forma por meio da qual se regulam, se normatizam e se organizam os procedimentos necessrios efetivao das primeiras. ATENO: Uma coisa voc ter, por exemplo, direito de propriedade; outra coisa bem diversa exigir a

sua proteo efetiva nos casos em que for desrespeitado. Assim, se algum lhe furta um livro, voc no pode ir at a casa do criminoso, arrombar a porta, mat-lo e reaver o objeto. preciso contratar um advogado, que, para recuperar o bem e punir o malfeitor, propor aes judiciais junto ao Poder Judicirio, com o que se instauraro processos judiciais. Pois bem, as normas que definem e garantem o seu direito de propriedade so materiais; as que estabelecem como transcorrer o processo judicial no qual seu direito de propriedade ser efetivamente discutido so normas processuais. Os processos so regidos por um grande nmero de normas jurdicas que tm por finalidade garantir a eficcia do direito material. O processo o instrumento do direito. Da a outra nomenclatura para a dade direito material/direito processual: direito substantivo e direito adjetivo. Como voc sabe, os adjetivos so palavras que se ligam aos substantivos e servem para qualific-los. Assim tambm no direito, visto que as normas jurdico-processuais se relacionam s materiais para lhes conferir certas qualidades essenciais: efetividade, concretude, aplicabilidade etc. ATENO: O direito processual no simplesmente um apndice do direito material. o seu instrumento de efetivao, que, se no for corretamente manejado, pode trazer enormes prejuzos s pessoas que pretendem ver seus direitos materiais respeitados e juridicamente reconhecidos. Muitas vezes os cidados tm direitos que no se efetivam porque seus advogados no sabem lidar com as normas processuais a eles referentes. Assim, por exemplo, se voc tem o direito de receber certa quantia em dinheiro, graas a um emprstimo feito a um amigo, e no consegue provar tal fato no processo mediante um recibo, uma testemunha etc. , por mais que voc tenha, materialmente falando, o direito de crdito, no poder exerc-lo de forma concreta, isto , no receber de volta o seu capital. Processualmente, o direito de crdito no existe sem a respectiva comprovao. H uma antiga expresso jurdica segundo a qual o que no est no processo no est no mundo. Ela significa o seguinte: De nada adianta que o indivduo tenha um dado direito se no puder resguard-lo de forma eficaz e concreta no contexto de um processo. Da a importncia do conhecimento das normas processuais. Se voc trabalhou em uma empresa que no lhe pagou todas as verbas trabalhistas como manda a lei dcimo terceiro salrio, um tero relativo s frias, descanso semanal remunerado, horas extras etc. , h um prazo, posto por normas processuais, para que voc as reclame perante a Justia do Trabalho. Se no o fizer em determinado perodo de tempo, perder o direito a tais verbas... Na realidade, h uma estreita ligao entre o direito material e o direito processual. Um no existe sem o outro. O direito material precisa ser efetivado pelo processual, que, por seu turno, tem a nica e exclusiva funo de ser o instrumento de concretizao do primeiro. Vejamos se voc compreendeu bem. Leia as normas jurdicas abaixo e diga qual a principal diferena existente entre elas: Artigo 5 (caput) da Constituio da Repblica Federativa do Brasil: Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade. Artigo 177 do Cdigo de Processo Civil: Os atos processuais realizar-se-o nos prazos prescritos em lei. Quando esta for omissa, o juiz determinar os prazos, tendo em conta a complexidade da causa. A primeira norma jurdica material; a segunda, processual. Aquela garante um direito e esta descreve a forma de efetiv-lo em caso de desrespeito.

Assim, se o seu direito propriedade for ameaado ou negado, voc deve buscar recomp-lo por meio da instaurao de um processo judicial. E, claro, neste processo existem vrios prazos que devem ser cumpridos. Dos diversos conjuntos normativos existentes no Brasil, alguns trazem, majoritariamente, normas materiais, e outros, normas processuais. Veja o quadro de exemplos: Direito material brasileiro Cdigo Civil Cdigo Penal Parte material da CLT (Consolidao das Leis Trabalhistas) Cdigo Tributrio Cdigo Comercial Direito e processo No item anterior, apresentamos a noo de normas jurdico-processuais, ou seja, tratamos, introdutoriamente, do direito processual. O direito processual se define como um conjunto de normas jurdicas cuja funo conferir efetividade e concretude aos direitos previstos nas normas jurdico -materiais, no caso de serem violadas ou desobservadas. Mas o que processo? De forma bastante simples, pode-se dizer que processo um conjunto de atos logicamente ordenados que tm por finalidade garantir a efetividade do direito. Os sujeitos do processo so sempre trs: as duas partes conflituosas, que, por algum motivo, tm uma certa controvrsia, e uma parte imparcial, que deve resolver o conflito de acordo com as normas jurdicas aplicveis. Esta parte imparcial o Estado personificado na figura do juiz , que, por deter o monoplio da fora, probe as pessoas de apelarem para a violncia com o objetivo de resolver seus prprios problemas e, assim, impe um sistema geral, racional e previamente conhecido de resoluo de controvrsias. Tal sistema composto pela organizao jurdico-judiciria, que, por meio da aplicao de diferentes normas jurdicas materiais e processuais , tenta resolver os conflitos de interesse dos particulares. O processo , portanto, um conjunto encadeado e lgico de atos mediante os quais o Estado verifica qual das partes em conflito tem razo, de acordo com o direito aplicvel. Os atos que conformam o processo so praticados tanto pelas partes (acusao, defesa, requerimento de produo de provas etc.) quanto pelo juiz (designao de audincia, oitiva das testemunhas e das partes, sentena etc.). Dessa maneira, o processo uma espcie de ritual no qual h vrias fases a serem esgotadas at que se chegue deciso final. Pois bem, as normas que regulam a evoluo, o caminhar e o desenvolvimento do processo que, s vezes, pode ser bem lento, infelizmente formam o chamado direito processual. VOCABULRIO Muitas pessoas chamam de processo o volume encadernado de folhas no qual esto reduzidos forma escrita os principais atos jurdico-processuais. muito comum, mesmo entre graduados em Direito, ouvir-se algo como: Por favor, pegue o processo que est em cima da mesa ou Este processo est muito pesado, pois tem mais de mil folhas. Na verdade, trata-se de um erro, uma vez que o processo o conjunto Direito processual brasileiro Cdigo de Processo Civil Cdigo de Processo Penal Parte processual da CLT (Consolidao das Leis Trabalhistas) Lei n 9.784/99 (Lei federal de processo administrativo)

logicamente organizado dos atos das partes e do juiz, e no o volume de folhas que os documentam. Tecnicamente, tal volume recebe a designao de autos judiciais e assim que deve ser chamado. H inmeras normas processuais, uma vez que existem variados tipos de processo, dependendo da matria a ser discutida. Se o assunto se relaciona ao direito civil, deve-se aplicar normas de processo civil. Por outro lado, se a questo penal, as normas processuais a serem aplicadas esto no Cdigo de Processo Penal. Se a matria trabalhista ou administrativa, deve-se atentar, respectivamente, para as normas jurdicoprocessuais que conformam o processo do trabalho e o processo administrativo. O direito processual constitui disciplina altamente especfica e tcnica cujo estudo compete unicamente aos profissionais do direito, motivo pelo qual, no presente curso, discutiremos apenas temas relativos ao direito material. Contudo, existem duas garantias jurdicas presentes em todos os tipos de processo e que voc, como cidado, deve conhecer e exigir o cumprimento. Trata-se dos princpios do contraditrio e da ampla defesa: Princpio do contraditrio: Todas as partes envolvidas em um processo tm o direito de debater livremente, da forma mais completa e profunda possvel, as teses, idias e questes relativas causa. No permitido ao juiz limitar a discusso e a apresentao de razes jurdicas, uma vez que as partes devem ter as mesmas oportunidades processuais (igualdade processual). Por exemplo: Se uma parte traz para o processo novas provas que a outra no conhece, preciso que o juiz conceda a esta ltima oportunidade para que as analise, podendo, assim, contraditar as teses lanadas pela parte contrria. Princpio da ampla defesa: Em qualquer processo, constitui um direito fundamental das partes a possibilidade de apresentarem, de maneira ampla, os seus pontos de vista. Isso significa que todos os meios de prova permitidos pelo direito devem ser postos disposio das partes. O princpio da ampla defesa visa a favorecer o esclarecimento dos fatos relativos ao processo, e algum apenas ser considerado culpado perante o direito depois que tal for objetiva e juridicamente comprovado (presuno de inocncia) LEGISLAO CONSTITUCIONAL Principais normas jurdico-processuais contidas na Constituio da Repblica Federativa do Brasil (incisos do artigo 5): LIII - ningum ser processado nem sentenciado seno pela autoridade competente; LIV - ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes; LVI - so inadmissveis, no processo, as provas obtidas por meios ilcitos; LVII - ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria; Resumo Existem vrias divises que nos ajudam, didaticamente, a compreender melhor o amplo e complexo mundo jurdico. Pois bem, duas das mais importantes divises do direito so aquelas representadas pelas dades direito natural/direito positivo e direito material/direito processual. A idia de direito natural remete a um conjunto de normas jurdicas absolutamente perfeitas e justas, concebidas pela natureza ou por Deus, e que, segundo a tradio jurdico-filosfica ocidental, so superiores s normas jurdicas criadas pelo homem, que, como o prprio ser humano, so falhas e injustas. J o direito positivo corresponde ao direito efetivamente posto por atos humanos de vontade. o direito real, existente e

concreto. As normas de direito material criam direitos e deveres para os cidados. Por outro lado, as normas de direito processual se referem s formas de concretizao do direito que, de alguma maneira, foi desrespeitado. Assim, o processo um conjunto organizado de atos tendentes a efetivar o direito material. Seus dois princpios fundamentais so o do contraditrio e o da ampla defesa. Atividades 1. Conceitue e diferencie: a) Direito positivo e direito natural. b) Direito material e direito processual. 2. Para que servem as divises jurdicas mencionadas na questo anterior? 3. O que processo? 4. O que se entende, no meio jurdico, pelas expresses princpio do contraditrio e princpio da ampla defesa?

Aula 05- As grandes divises do Direito 2Introduo Na aula anterior, comeamos a estudar as grandes divises do Direito. As duas primeiras so, como vimos, direito natural/direito positivo e direito material/direito processual. Ambas tm uma grande importncia, uma vez que nos ajudam a compreender o fenmeno histrico-social chamado de direito. Nesta aula, encerraremos a anlise das divises jurdicas conhecendo duas outras importantes formas de se entender o direito: direito subjetivo/direito objetivo e Direito Pblico/Direito Privado. Direito subjetivo e direito objetivo Diferentemente das duas divises antes estudadas e daquela que separa o Direito em Pblico e Privado, a dade direito subjetivo/direito objetivo no se refere a dois grupos diferentes de normas jurdicas, mas sim s mesmas normas que, como faces da mesma moeda, podem ser observadas por meio de enfoques diferentes. Ao contrrio das demais divises, a noo de direito subjetivo/direito objetivo no divide as normas jurdicas em dois grupos diversos. Todas as normas jurdicas podem ser entendidas por meio da ptica subjetiva ou objetiva. Trata-se apenas de uma mudana de perspectiva: o objeto observado as normas jurdicas sempre o mesmo. Por outro lado, quando nos referimos s outras divises, fora de dvida que elas dividem seu objeto de estudo em dois. Vejamos: segundo a dade direito natural/direito positivo, uma norma jurdica jusnatural ou positiva. Da mesma forma, se adotarmos o ponto de vista prprio da noo de direito material/direito processual, notaremos que certas normas so materiais e outras, processuais. Por fim, veremos no prximo item que uma norma jurdica pode pertencer ao campo do Direito Pblico ou ao do Direito Privado, nunca a ambas as esferas concomitantemente. J no que se refere diviso direito subjetivo/direito objetivo, o que muda o ponto de vista. Se observamos as normas da perspectiva do indivduo ou seja, do sujeito , em relao a quem elas criam direitos e obrigaes, estaremos adotando um enfoque subjetivo. Por outro lado, se analisarmos as normas em seu

conjunto, umas interligadas s outras mediante vnculos de hierarquia, importando-nos muito mais com a idia de sistema normativo, estaremos observando o direito por meio de uma abordagem objetiva. O direito subjetivo pe em relevo os direitos e deveres dos cidados. Portanto, considera o direito apenas em relao aos seus sujeitos. J o direito objetivo evidencia as relaes existentes entre as normas e visa a estudar o conjunto das normas em si ou seja, o ordenamento jurdico , e no os benefcios, privilgios, protees e obrigaes que cria para as pessoas. DIREITO SUBJETIVO = DIREITOS E DEVERES DOS CIDADOS DIREITO OBJETIVO = IDIA DE ORDENAMENTO JURDICO Note bem, as normas jurdicas podem ser entendidas com o auxlio de diferentes perspectivas. Posso observ-las buscando destacar os direitos e os deveres que criam tal corresponde a um estudo subjetivista ou ento posso analis-las em relao a outras normas, objetivando compreender a sua insero no ordenamento jurdico enquanto um todo sistemtico, unitrio e coerente. Tal viso, que procura estudar as normas jurdicas em si mesmas, objetivamente, e no os seus efeitos em relao aos cidados ou seja, os direitos e deveres que criam , corresponde idia de direito objetivo. A diviso direito subjetivo/direito objetivo uma das mais complexas do direito, sendo objeto de calorosas discusses entre os juristas. No nos cabe aprofundar as noes expostas acima, que so mais do que suficientes para este curso de natureza introdutria. Contudo, uma das grandes contribuies prticas de tal diviso consiste em evidenciar a natureza bilateral de toda norma jurdica. Com efeito, a bilateralidade das normas jurdicas somente pode ser notada diante da combinao do enfoque subjetivo com a abordagem objetiva. Por que dizemos que toda norma jurdica bilateral? Porque dela sempre se originam, ao mesmo tempo, direitos e deveres. Simplificando: Todo direito criado por uma norma jurdica corresponde a um dever. impossvel existir um direito sem que haja um dever a ele relacionado. Por exemplo: Se voc tem o direito de receber certo pagamento, sinal de que algum tem o dever de efetu-lo. No existe norma jurdica que se comporte de forma diversa: ao gerar um direito, ela necessariamente d origem a um dever que lhe corresponde; afinal, os direitos devem ser realizados e concretizados por algum. Os romanos, em sua imensa sabedoria jurdica, j diziam: Ius et obligatio correlata sunt, ou seja, os direitos e os deveres so correlatos. impossvel existir um direito sem um dever que com ele se relacione. Na verdade, todo direito corresponde a um dever. Assim, se voc tem direitos, tal significa que outras pessoas tm deveres em relao a voc e vice-versa. Mesmo normas que aparentemente s criam direitos, na realidade do origem tambm a deveres. Basta que sejam corretamente analisadas. Eis dois exemplos interessantes: Todos os cidados brasileiros tm direi o t liberdade e Todos os cidados brasileiros tm direito sade. Tais normas criam deveres? claro que sim! No primeiro caso, a norma jurdica d lugar a um dever geral de absteno para toda a sociedade e para o prprio Estado. Se tenho direito liberdade, tal significa que ningum pode negar, limitar ou reprimir essa liberdade. dever de toda a sociedade e principalmente do Estado respeitar a liberdade dos brasileiros e estrangeiros residentes no pas (art. 5, caput, Constituio da Repblica Federativa do Brasil). Somente em casos excepcionais juridicamente previstos em lei, como, por exemplo, a prtica de certos crimes o direito subjetivo liberdade conferido aos indivduos pode ser limitado pelo Estado.

O direito de ir e vir uma das vrias expresses da liberdade conferida aos cidados brasileiros. No segundo caso, a resposta ainda mais bvia: se todos os brasileiros tm direito sade, tal significa que o Estado tem o dever jurdico de proporcionar meios capazes de efetivar tal direito, conforme previso constante do artigo 196 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Na realidade, existem, em tese, muitos deveres impostos ao Estado, que, infelizmente, na prtica, deixa de cumprir alguns deles. LEGISLAO CONSTITUCIONAL Artigo 196 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil: a sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao. Jamais se esquea da lio aprendida nesta aula: direito e dever so dois termos indissociveis. Falar em direito significa falar em dever. impossvel separar ambas as realidades: para que um dado direito seja satisfeito, necessrio que algum esteja obrigado a faz-lo. Somente conseguimos chegar a tais concluses porque observamos as normas jurdicas por meio de uma combinao da ptica subjetiva e objetiva. Subjetivamente, as normas jurdicas criam direitos para os cidados. Contudo, objetivamente, por fazerem parte de um ordenamento amplo, criam, ao mesmo tempo, deveres. Que deveres? Ora, aqueles capazes de satisfazer as exigncias postas pelos direitos. Atividade Por que se diz que o direito bilateral? D exemplos que ilustrem a bilateralidade das normas jurdicas. Direito Pblico e Direito Privado Conceituao A tradicional diviso do Direito em Pblico e Privado, graas sua importncia prtica, constitui um dos temas mais relevantes, complexos e fascinantes da cincia do direito. Pois bem, o Direito Privado corresponde a um conjunto jurdico-normativo cujas normas regulam as relaes entre particulares. Cite-se, como exemplo, as normas jurdicas aplicveis a um contrato de compra e venda realizado entre duas pessoas. Por outro lado, o Direito Pblico regula as relaes que se do: a) Entre as pessoas e o Estado. Um bom exemplo a obrigao que temos de pagar tributos. Trata-se de uma relao jurdica que mantemos, muitas vezes contra a nossa vontade, com o Estado. Ns temos o dever jurdico de pagar tributos e o Estado tem o direito de receb-los. b) Entre dois ou mais Estados. Exemplo: as normas jurdicas constantes de um tratado internacional celebrado entre o Brasil, a Alemanha e a Frana. O Direito Privado trata, portanto, de relaes privadas, particulares, individuais. J o Direito Pblico existe para organizar relaes nas quais o Estado, de alguma forma, comparece como sujeito de direitos ou de obrigaes jurdicas, no mbito nacional ou internacional.

Direito Privado: Pessoa - Pessoa Direito Pblico: Pessoa - Estado Estado - Estado As diversas disciplinas jurdicas chamadas de ramos do direito so divididas e definidas de acordo com a predominncia do Direito Pblico ou do Direito Privado em seus contedos normativos e tericoconceituais. Os ramos do Direito so, portanto, de Direito Pblico ou de Direito Privado, conforme se verifique neles um maior nmero de normas relativas a uma ou outra dessas divises. Observe o seguinte quadro: Direito Privado Direito Civil Direito Comercial (ou Empresarial) Direito Pblico Direito Constitucional Direito Administrativo Direito Tributrio Direito Financeiro Direito Penal Direito Processual Civil Direito Processual Penal Direito do Trabalho Direito Eleitoral Direito Previdencirio Direito Internacional Pblico Direito Internacional Privado Direito Agrrio Direito Ambiental

VOCABULRIO Jusprivatista ou privatista: Relativo(a) ao Direito Privado. Juspublicista ou publicista: Relativo(a) ao Direito Pblico.

Evoluo histrica O Direito Privado constitui a parte mais desenvolvida do direito, uma vez que vem evoluindo desde a Antiguidade, especialmente no momento romano. Na civilizao romana que durou cerca de 22 sculos1 , praticamente todo o direito era de matriz privatista, regulando as relaes civis (direito de famlia, sucessrio, direito das obrigaes etc.) dos cidados romanos. Assim, o Direito Privado passou por um longo processo de transformao, o que lhe garantiu uma estrutura mais lgica, conceitos claros e uma base terica bastante aprofundada. 1Segundo a lenda, a cidade de Roma foi fundada por Rmulo em 753 a.C., tendo, posteriormente, passado por diversas fases poltico-jurdicas (realeza, repblica, principado e dominato). Foi senhora de boa parte da Europa, do Norte da frica e de importante parcela do Oriente (Palestina), tornando-se assim o maior imprio da Antiguidade, extinto apenas em 1453, com a tomada de Constantinopla ento sede do agonizante Imprio Romano do Oriente pelos turcos, data que, devido sua relevncia, considerada pelos historiadores com o fim da Idade Mdia e o incio da Idade Moderna.

Em Roma, o Direito Privado regulava, entre outras matrias, as relaes familiares. O Direito Pblico, ao contrrio, ainda est em plena construo, apesar de, nos dias de hoje, ser muito mais importante do que o Direito Privado. Na Grcia, em Roma e na Idade Mdia, o Direito Pblico existia de forma embrionria. As noes prprias e especficas do Direito Pblico comearam a surgir apenas a partir da Revoluo Francesa, em 1789, visto que somente nesse momento histrico iniciou-se o processo de limitao do poder do Estado. O Direito Pblico que conhecemos hoje desenvolveu-se graas s modificaes introduzidas nas idias de Direito e de Estado pelos revolucionrios franceses de 1789. Com efeito, unicamente quando se sentiu a necessidade de se restringir, por meio de normas jurdicas, o poder poltico-jurdico exercido pelo Estado em relao aos cidados que o Direito Pblico passou a te r alguma importncia. Na Antiguidade, o poder poltico-jurdico estatal no era limitado: o Estado estava autorizado a exigir tudo dos indivduos. Apenas contemporaneamente surgiu a necessidade de se criar um certo nmero de normas jurdicas que limitem a ao estatal. Apenas em um ambiente contemporneo, no qual se entende que o Estado possui no apenas direitos, mas tambm obrigaes, que o Direito Pblico pde florescer. Na verdade, ele vem se desenvolvendo at os dias de hoje, j que o processo de limitao do poder poltico-estatal ainda est em curso. Apesar das importantes diferenas que separam os campos jurdico-privatistas dos jurdico-publicistas, atualmente muitos juristas sustentam que a dade Direito Pblico/Direito Privado representa uma forma ultrapassada de se enxergar e compreender o direito. Por qu? Em primeiro lugar, porque todo direito, de certa forma, pblico, uma vez que as normas jurdicas so criadas, garantidas e aplicadas pelo Estado. Em segundo lugar, porque no mundo contemporneo muito difcil traar as fronteiras do espao pblico e do espao privado. Sem dvida, assistimos hoje a dois processos simultneos: a publicizao do Direito Privado e a privatizao do Direito Pblico. A publicizao do Direito Privado uma realidade inegvel. Cada vez mais o Estado se imiscui em relaes que, no passado, eram consideradas absolutamente privadas e que, por isso mesmo, no poderiam ser regulamentadas pelo poder estatal. Exemplos? H quarenta anos, o pai era visto como autoridade absoluta dentro de sua famlia. Seu poder o ptrio poder, antigo termo hoje substitudo pela expresso poder familiar era regulado apenas pelo Direito Civil, que lhe deixava ampla margem de liberdade para, por exemplo, castigar seus filhos. Hoje, no s o pai, mas tambm a me, tem o direito e ao mesmo tempo o dever de castigar os filhos, mas tal no pode se dar de maneira a negar a dignidade da criana ou a provocar-lhe traumas psquicos e fsicos. O Estado probe os pais de maltratarem seus filhos e define limites, no Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei Federal n 8069, de 13 de julho de 1990, para o poder familiar). Assim, esse poder percebido como um direito que antigamente dizia respeito apenas ao espao privado da famlia, e hoje passa a ser limitado e regulado pelo Estado. Outro exemplo: At o incio do sculo XX, as relaes entre consumidores e produtores de bens e servios eram totalmente reguladas pelo Direito Privado. No se admitia qualquer interveno do Estado na economia e no mercado a fim de regular preos, condies de venda, qualidade dos produtos e outros aspectos relativos ao consumo. Tudo era organizado pelos prprios indivduos compradores e vendedores com base em parcas normas de Direito Civil e Comercial e em suas vontades especficas.

Hoje, graas s enormes mudanas sociais e crescente complexidade das relaes de consumo, o Estado foi chamado a intervir ativamente na economia e no mundo do consumo, criando regras obrigatrias, tanto para consumidores quanto para fornecedores. Um bom exemplo dessa nova atitude estatal em relao ao mercado de consumo o nosso Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei Federal n 8.078, de 11 de setembro de 1990), que protege o c