Fundamentos e Aplicações Da Espectroscopia Atômica 4

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 Quim. Nova, Vol. 27, No. 5, 832-836, 2004               d      u      c      a      ç        ã      o *e-mail: [email protected] EXPERIMENTOS SIMPLES USANDO FOTOMETRIA DE CHAMA PARA ENSINO DE PRINCÍPIOS DE ESPECTROMETRIA ATÔMICA EM CURSOS DE QUÍMICA ANALÍTICA Fabiano Okumura e Éder T. G. Cavalheiro* Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, CP 780, 400, 13560-970 São Carlos - SP Joaquim A. Nóbrega Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, CP 676, 13560-970 São Carlos - SP Recebido em 19/5/03; aceito em 30/1/04; publicado na web em 17/6/04 SIMPLE FLAME PHOTOMETRIC EXPERIMENTS TO TEACH PRINCIPLES OF ATOMIC SPECTROMETRY IN UNDERGRADUA TE ANALYTICAL CHEMISTRY COURSE S.  The purpose of this paper is the development of simple strategies to teach basic concepts of atomic spectrometry. Metals present in samples found in the daily lives of students are determined by flame atomic emission spectrometry (FAES). FAES is an accurate, precise, and inexpensive analytical method often used for determining sodium, potassium, lithium, and calcium. Historical aspects and their contextualization for students are also presented and experiments with samples that do not require pre-treatment are described. Keywords: flame atomic emission photometry; education in analytical chemistry; instrumental analysis. INTRODUÇÃO A fotometria de chama é a mais simples das técnicas analíticas baseadas em espectroscopia atômica. Nesse caso, a amostra conten- do cátions metálicos é inserida em uma chama e analisada pela quan- tidade de radiação emitida pelas espécies atômicas ou iônicas excita- das. Os elementos, ao receberem energia de uma chama, geram es- pécies excitadas que, ao retornarem para o estado fundamental, libe- ram parte da energia recebida na forma de radiação, em comprimen- tos de onda característicos para cada elemento químico 1-4 . Apesar da simplicidade da técnica, diversos conceitos importan- tes estão envolvidos no desenvolvimento de experimentos usando a fotometria de chama, desde os princípios de espectroscopia até a estatística no tratamento de dados, passando por preparo de amostra e eliminação de interferências 1,2 . Este trabalho é parte de um projeto que objetiva o ensino de princípios de métodos óticos de análise para ensino superior e esco- las técnicas, utilizando a fotometria de chama para análise de amos- tras do cotidiano dos alunos. Considerando o baixo custo do instru- mento usado em relação à sua ampla aplicabilidade, a técnica ofere- ce muitas opções didáticas. O uso de amostras presentes no cotidia- no é reconhecidamente importante para atrair a atenção do estudan- te, melhorando o aproveitamento do conteúdo abordado. Aspectos como a interdisciplinaridade e o cotidiano são incentivados pelas novas propostas de ensino no País, tais como a Lei das Diretrizes e Bases da Educação, além dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que foram propostos para o ensino fundamental e médio, com o intuito de melhorar a participação dos alunos nas aulas e des- pertar o seu interesse para o conteúdo abordado 5 , mas podem ser úteis também no ensino superior. Essas propostas são plenamente contempladas nos experimentos propostos. A introdução de um contexto histórico também contribui positi- vamente na proposta de atrair a atenção dos alunos. Uma breve dis- cussão sobre o desenv olvimento dos métodos de espectroscopia atô- mica é apresentada a seguir. Segundo propostas recentes, o contexto histórico deve ser apresentado aos alunos, de maneira a contribuir no processo de ensino, apresentando-lhes o desenvolvim ento cientí- fico, seus erros e discussões 5 . Isso possibilita aos estudantes a vivência do processo de criação científica e o desenvolviment o da percepção de que o mesmo, tal como as demais obras humanas, é marcado por uma evolução gradual decorrente do trabalho de equipes multi-dis- ciplinares e que as abordagens são freqüentemente revistas ou apro- fundadas, em função da disponibilidade de novos dados experimen- tais ou mesmo da substituição de paradigmas. Nos experimentos aqui propostos, as amostras analisadas foram soro fisiológico, águas minerais, bebidas isotônicas e medicamentos anti-depressivos à base de lítio. A natureza dessas amostras sugere seu aproveitamento também em cursos de farmácia. Algumas das práticas foram aplicadas em aulas e os resultados, avaliados em pro- vas e questionários. Considerações sobre o desenvolvimento da espectroscopia atômica 2,6,7 A apresentação da evolução histórica sobre o conteúdo aborda- do é recomendada pelas razões já citadas. No caso da espectroscopia atômica, devido à sua grande relevância para o avanço das ciências naturais, há vários textos relacionados com o tema, destacando-se os de Jarrell 6 , que apresenta um histórico da análise por emissão atômi- ca entre 1660-1950, o livro de Lajunen 2  sobre análise espectroquímica por emissão e absorção atômicas e o artigo de Filgueiras 7  sobre as relações da espectroscopia e a química, entre inúmeros outros. Os parágrafos abaixo são um resumo do que citam estes autores 2,6,7 . Tais textos destacaram a teoria corpuscular da luz de Isaac Newton (1666), que foi o primeiro a observar a decomposição da luz branca ao incidir em um prisma, resultando no aparecimento de diferentes cores, o que o levou a supor que a luz seria composta de partículas minúsculas, que se deslocariam em altas velocidades. Já Christian Huygens, físico holandês, apresentou em 1678 a teoria ondulatória da luz que, atualmente, é mais aceita. A construção das grades de difração, iniciada em 1786, pelo as- trônomo americano David Rittenhouse possibilitou avanços tecnológicos que permitiram a construção de um espectroscópio por

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Fundamentos e Aplicações Da Espectroscopia Atômica

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  • Quim. Nova, Vol. 27, No. 5, 832-836, 2004Ed

    uca

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    *e-mail: [email protected]

    EXPERIMENTOS SIMPLES USANDO FOTOMETRIA DE CHAMA PARA ENSINO DE PRINCPIOS DEESPECTROMETRIA ATMICA EM CURSOS DE QUMICA ANALTICA

    Fabiano Okumura e der T. G. Cavalheiro*Instituto de Qumica de So Carlos, Universidade de So Paulo, CP 780, 400, 13560-970 So Carlos - SPJoaquim A. NbregaDepartamento de Qumica, Universidade Federal de So Carlos, CP 676, 13560-970 So Carlos - SP

    Recebido em 19/5/03; aceito em 30/1/04; publicado na web em 17/6/04

    SIMPLE FLAME PHOTOMETRIC EXPERIMENTS TO TEACH PRINCIPLES OF ATOMIC SPECTROMETRY INUNDERGRADUATE ANALYTICAL CHEMISTRY COURSES. The purpose of this paper is the development of simple strategiesto teach basic concepts of atomic spectrometry. Metals present in samples found in the daily lives of students are determined byflame atomic emission spectrometry (FAES). FAES is an accurate, precise, and inexpensive analytical method often used fordetermining sodium, potassium, lithium, and calcium. Historical aspects and their contextualization for students are also presentedand experiments with samples that do not require pre-treatment are described.

    Keywords: flame atomic emission photometry; education in analytical chemistry; instrumental analysis.

    INTRODUO

    A fotometria de chama a mais simples das tcnicas analticasbaseadas em espectroscopia atmica. Nesse caso, a amostra conten-do ctions metlicos inserida em uma chama e analisada pela quan-tidade de radiao emitida pelas espcies atmicas ou inicas excita-das. Os elementos, ao receberem energia de uma chama, geram es-pcies excitadas que, ao retornarem para o estado fundamental, libe-ram parte da energia recebida na forma de radiao, em comprimen-tos de onda caractersticos para cada elemento qumico1-4.

    Apesar da simplicidade da tcnica, diversos conceitos importan-tes esto envolvidos no desenvolvimento de experimentos usando afotometria de chama, desde os princpios de espectroscopia at aestatstica no tratamento de dados, passando por preparo de amostrae eliminao de interferncias1,2.

    Este trabalho parte de um projeto que objetiva o ensino deprincpios de mtodos ticos de anlise para ensino superior e esco-las tcnicas, utilizando a fotometria de chama para anlise de amos-tras do cotidiano dos alunos. Considerando o baixo custo do instru-mento usado em relao sua ampla aplicabilidade, a tcnica ofere-ce muitas opes didticas. O uso de amostras presentes no cotidia-no reconhecidamente importante para atrair a ateno do estudan-te, melhorando o aproveitamento do contedo abordado. Aspectoscomo a interdisciplinaridade e o cotidiano so incentivados pelasnovas propostas de ensino no Pas, tais como a Lei das Diretrizes eBases da Educao, alm dos Parmetros Curriculares Nacionais(PCN), que foram propostos para o ensino fundamental e mdio,com o intuito de melhorar a participao dos alunos nas aulas e des-pertar o seu interesse para o contedo abordado5, mas podem serteis tambm no ensino superior. Essas propostas so plenamentecontempladas nos experimentos propostos.

    A introduo de um contexto histrico tambm contribui positi-vamente na proposta de atrair a ateno dos alunos. Uma breve dis-cusso sobre o desenvolvimento dos mtodos de espectroscopia at-mica apresentada a seguir. Segundo propostas recentes, o contexto

    histrico deve ser apresentado aos alunos, de maneira a contribuirno processo de ensino, apresentando-lhes o desenvolvimento cient-fico, seus erros e discusses5. Isso possibilita aos estudantes a vivnciado processo de criao cientfica e o desenvolvimento da percepode que o mesmo, tal como as demais obras humanas, marcado poruma evoluo gradual decorrente do trabalho de equipes multi-dis-ciplinares e que as abordagens so freqentemente revistas ou apro-fundadas, em funo da disponibilidade de novos dados experimen-tais ou mesmo da substituio de paradigmas.

    Nos experimentos aqui propostos, as amostras analisadas foramsoro fisiolgico, guas minerais, bebidas isotnicas e medicamentosanti-depressivos base de ltio. A natureza dessas amostras sugereseu aproveitamento tambm em cursos de farmcia. Algumas dasprticas foram aplicadas em aulas e os resultados, avaliados em pro-vas e questionrios.

    Consideraes sobre o desenvolvimento da espectroscopiaatmica2,6,7

    A apresentao da evoluo histrica sobre o contedo aborda-do recomendada pelas razes j citadas. No caso da espectroscopiaatmica, devido sua grande relevncia para o avano das cinciasnaturais, h vrios textos relacionados com o tema, destacando-se osde Jarrell6, que apresenta um histrico da anlise por emisso atmi-ca entre 1660-1950, o livro de Lajunen2 sobre anlise espectroqumicapor emisso e absoro atmicas e o artigo de Filgueiras7 sobre asrelaes da espectroscopia e a qumica, entre inmeros outros. Ospargrafos abaixo so um resumo do que citam estes autores2,6,7.

    Tais textos destacaram a teoria corpuscular da luz de Isaac Newton(1666), que foi o primeiro a observar a decomposio da luz brancaao incidir em um prisma, resultando no aparecimento de diferentescores, o que o levou a supor que a luz seria composta de partculasminsculas, que se deslocariam em altas velocidades.

    J Christian Huygens, fsico holands, apresentou em 1678 ateoria ondulatria da luz que, atualmente, mais aceita.

    A construo das grades de difrao, iniciada em 1786, pelo as-trnomo americano David Rittenhouse possibilitou avanostecnolgicos que permitiram a construo de um espectroscpio por

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    Joseph Fraunhofer, entre 1814 e 1824. O espectroscpio um ins-trumento tico que possibilita a separao de radiaes com distin-tos comprimentos de onda.

    Um dos desenvolvimentos interessantes ao longo do sculo XIX a observao de linhas escuras no espectro contnuo da luz solar.Essas linhas escuras, foram observadas por William Hyde Wollastonem 1802, porm s posteriormente foram explicadas como causadaspor processos de auto-absoro gerados por nuvem de tomos frios,presentes na periferia solar. Ressalta-se que o termo frio aqui utiliza-do se justifica comparativamente s temperaturas observadas no n-cleo do sol.

    Em 1859, Bunsen desenvolveu um queimador no qual se obser-vava a intensidade de emisso dos elementos de forma mais eviden-te. Kirchhoff reconheceu que as linhas negras do espectro contnuo,descritas por Wollaston e posteriormente tambm observadas porFraunhofer, coincidiam com as linhas de emisso de sais introduzi-dos em uma chama.

    Trabalhando juntos Robert Bunsen, qumico, e Gustav Kirchhoff,fsico, estudaram o espectro de emisso de uma amostra cujas linhasespectrais no correspondiam a nenhum elemento conhecido. Eles odenominaram csio, do grego caesius = azul-celeste, pois o espectrode emisso apresentava linhas azuis. No ano seguinte, um novo ele-mento foi descoberto, o rubdio, do grego rubidus, pois o seu espec-tro de emisso continha linhas vermelhas, da cor de um rubi. Essespesquisadores deram um passo decisivo para a espectroscopia deemisso em chama, ao reconhecer que linhas espectrais emitidas pormetais ocorrem em comprimentos de onda definidos, independentedos nions que esto em soluo.

    Em 1860, Bunsen e Kirchhoff demonstraram para um grupo degelogos como identificar elementos como ferro, cobre, chumbo,sdio e potssio em minrios, atravs da colorao da chama em umqueimador especialmente designado e, atualmente, denominado bicode Bunsen. A amostra slida era dissolvida em gua e a soluoresultante, introduzida em uma chama. Pode-se estimar as concen-traes dos elementos pela comparao da intensidade das cores desolues de concentraes conhecidas com a intensidade das solu-es de amostra slida de minrios. Posteriormente, construram umespectroscpio representado pelo esquema da Figura 1. Uma repre-sentao mais detalhada do espectroscpio pode ser vista na internet8.

    O espectroscpio de Bunsen-Kirchhoff, representado na Figura1, um aparelho usado para efetuar medidas do comprimento deonda de uma radiao luminosa. Seu funcionamento baseia-se nadisperso da luz. constitudo de uma plataforma sobre a qual secolocam um colimador, uma luneta e um projetor, todos apresenta-dos na Figura 1. O colimador formado por uma fenda discreta, deabertura regulvel, colocada no plano focal de uma lente convergen-

    te, que faz a luz incidir sobre um prisma colocado em um suporte. Oraio que emerge do prisma incide na luneta focada no infinito, demodo a formar uma imagem ntida8.

    O projetor consiste de uma lente convergente em cujo focoposiciona-se um dispositivo contendo uma escala graduada calibra-da, de modo que cada marca corresponda a uma raia monocromtica.A escala, devidamente iluminada, projeta uma imagem na mesmadireo da luz refratada do prisma permitindo, simultaneamente, aleitura e colimao8.

    Em 1868 realizaram-se estudos sobre o espectro solar durante oseclipses. Pierre Janssen acoplou uma luneta a um espectroscpio eidentificou o hidrognio como elemento principal. Joseph NormanLockyer, na mesma poca e com o mesmo sistema, analisou o espec-tro de linhas do sol e identificou um novo elemento, ao qual denomi-nou hlio, em homenagem ao deus grego do sol. Apenas em 1895, oelemento hlio foi identificado na Terra pelo escocs William Ramsay.

    A partir da surgiram duas vertentes voltadas para a anlise quali-tativa e quantitativa, enquanto a espectroscopia atmica seria tambmusada no desenvolvimento da teoria atmica. Lajunen2 apresentou umalinha cronolgica para o desenvolvimento das tcnicas baseadas naespectroscopia atmica em qumica analtica, durante o sculo XX.

    Os desenvolvimentos feitos a partir dessas observaes levarama erros e acertos, podendo ser usados para demonstrar que o desen-volvimento cientfico se d por etapas, que nem sempre as conclu-ses so verdades absolutas e que as teorias cientficas so revistas efreqentemente aprimoradas.

    As referncias citadas e diversos livros e textos de qumica geralabordam o tema com profundidade e grande riqueza de detalhes8-11.Tais textos podem ser consultados pelos alunos antes dos experimen-tos, como fonte de pesquisa extra-classe, recomendada pelo professor.

    Processos que ocorrem durante a medida por fotometria dechama

    A espectroscopia atmica baseia-se em mtodos de anlise deelementos de uma amostra, geralmente lquida, que introduzidaem uma chama, na qual ocorrem fenmenos fsicos e qumicos, comoevaporao, vaporizao e atomizao. Um esquema dos fenmenosque ocorrem na chama apresentado na Figura 2. Para que todosesses processos possam ocorrer em tempos de residncia tipicamen-te inferiores a 5 min, necessrio que amostras lquidas sejam con-vertidas em um aerossol lquido-gs com partculas inferiores a 5-10 m para introduo na chama.

    A energia eletrnica quantizada, isto , apenas certos valoresde energia eletrnica so possveis. Isso significa que os eltrons spodem ocupar certos nveis de energia discretos e que eles absorvemou emitem energias em quantidades discretas, quando se movem deum orbital para outro. Quando o eltron promovido do estado fun-

    Figura 1. Esquema do espectroscpio construdo por Bunsen e Kirchhoff8:1- chama, fonte de excitao; 2- colimador; 3- prisma; 4- telescpio e 5-plataforma

    Figura 2. Esquema das reaes que ocorrem na chama

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    damental para um estado excitado, ocorre o fenmeno de absoro equando este retorna para o estado fundamental observa-se o proces-so de emisso9.

    Uma vez que um tomo de um determinado elemento originaum espectro caracterstico de raias, conclui-se que existem diferen-tes nveis energticos, e que estes so caractersticos para cada ele-mento. Alm das transies entre os estados excitados e o funda-mental, existem tambm transies entre os diferentes estados exci-tados. Assim, um espectro de emisso de um dado elemento pode serrelativamente complexo. Considerando que a razo entre o nmerode tomos nos estados excitados e o nmero de tomos no estadofundamental muito pequena, pode-se considerar que o espectro deabsoro de um dado elemento associado s transies entre o es-tado fundamental e os estados de energia mais elevados. Desta for-ma, um espectro de absoro mais simples que um espectro deemisso3.

    tomos na fase gasosa podem ser excitados pela prpria chamaou por uma fonte externa. Se forem excitados pela chama, aoretornarem para o estado fundamental, liberam a energia na formade radiao eletromagntica. Essa a base da espectrometria deemisso atmica que, antigamente, era conhecida como fotometriade chama e utilizada largamente em anlises clnicas, controle dequalidade de alimentos, alm de inmeras outras aplicaes, paraaveriguar a quantidade de ons de metais alcalinos e alcalino-terrosos,como sdio, potssio, ltio e clcio1.

    Esses elementos emitem radiao eletromagntica na regio dovisvel em uma chama ar-gs combustvel (GLP), que opera em umatemperatura entre 1700 e 1900 oC1,4. Dessa forma, a energia fornecida baixa, porm suficiente para excitar Na, K, Li e Ca e, conseqente-mente, gerar a emisso de linhas atmicas caractersticas para cadaelemento. A intensidade de cada linha emitida depende da concen-trao da espcie excitada e da probabilidade de ocorrncia da tran-sio eletrnica.

    Os valores de energia da primeira ionizao para Li, Na, K e Caso, respectivamente9, 520, 497, 419 e 590 kJ mol de tomos-1, en-quanto os valores de energia de excitao so, respectivamente10,173, 203, 154 e 280 kJ mol de tomos-1.

    Considerando a magnitude destas energias, o professor podeexplorar a existncia de possveis interferncias, considerando o graude adiantamento da turma. Na prtica, misturas dos ons poderiamser analisadas.

    As energias da segunda ionizao so muito elevadas tornando-se inviveis na temperatura da chama ar-GLP usada. Por exemplo,para a formao de Li2+ a partir de Li+, tal energia9 de 7298 kJ molde ions-1.

    PARTE EXPERIMENTAL

    Equipamentos

    Nos experimentos realizados foram utilizados os seguintes equi-pamentos: fotmetro de chama DM-61 (Digimed) com cmara denebulizao para introduo de combustvel e ar comprimido, banhode ultra-som USC-1400 (Unique) e micropipetadores Eppendorf comdiferentes volumes. Podem ser usados pipetadores de volumes fixos

    entre 10 e 1000 L ou pipetadores de volumes variveis de 10 - 100e 100 - 1000 L.

    Reagentes e solues

    Em todos os experimentos foram utilizadas solues estoque emconcentrao 1000,0 mg L-1 (g mL-1, ppm, partes por milho), pre-paradas a partir de cloretos de ltio, sdio, potssio e carbonato declcio (Mallinckrodt). As solues foram preparadas com guadesionizada, imediatamente aps secagem dos sais por 24 h, a110 C 3. O carbonato de clcio foi dissolvido com HCl concentradoe a soluo resultante foi diluda para 1 L com gua desionizada.

    Tambm foi preparada uma soluo estoque de cloreto de lantnio(Aldrich) 10% m v-1 em lantnio, usada para as determinaes declcio, nas quais a concentrao de trabalho foi ajustada por diluiodo estoque para 1% m v-1 em lantnio.

    Procedimentos experimentais

    Experimento I Determinao de cloreto de sdio em sorofisiolgico

    Este experimento fcil de ser conduzido e apresenta um apelointeressante, considerando-se a aplicao mdica e a importncia dosoro fisiolgico na medicina, o que atrai de maneira positiva a aten-o dos alunos para a prtica.

    O soro fisiolgico a soluo universalmente adotada para pro-ver o organismo de sdio e cloro, assim chamado porque isotnicoem relao fase lquida do corpo. uma soluo de sais em guaem uma concentrao isotnica, ou seja, de concentrao igual dasclulas. O sdio e o cloro so absorvidos juntamente com a gua,devido ao dficit extracelular desses ons12.

    Pode ser uma alternativa interessante para alunos de cursos defarmcia ou mesmo de reas como engenharia qumica e outros, po-dendo ser realizado em uma aula com durao de 4 h, desde que noseja feita uma introduo terica longa da tcnica. Neste caso, h tam-bm a vantagem de reagentes e insumos de custo relativamente baixo.

    Nesse experimento, os alunos convertem a concentrao do soro0,900% em NaCl, para a concentrao de sdio 3540 mg L-1 em Na+ esolicita-se que estabeleam uma curva analtica para determinao doteor de sdio. Uma sugesto que o soro deve ser diludo 100 vezescom gua desionizada e uma curva analtica entre 0 e 50 mg L-1 desdio deve ser utilizada, neste caso. Usando amostras menos concen-tradas, outras regies lineares podem ser utilizadas.

    Um aspecto importante neste experimento consiste em determi-nar o teor de cloreto empregando uma titulao argentomtrica, uti-lizando nitrato de prata como titulante e cromato de sdio como in-dicador (mtodo de Mohr3) e, em seguida, comparar os resultadosobtidos, como na Tabela 1.

    A curva analtica obedeceu relao abaixo:

    Y = 2,46 + 0,95 [Na+] (r = 0,9979, n = 5) (1)

    O experimento foi aplicado em um curso de anlise instrumentale foram obtidos resultados adequados, tendo um aproveitamento

    Tabela 1. Teores de NaCl em soro fisiolgico obtidos por fotometria e argentometria, pela equipe responsvel pelo curso

    Rotulado (%) Fotometria* (%) Argentometria** (%) E1 (%) E2 (%) E3 (%)0,90 0,89 0,01 0,94 0,01 1,12 4,25 5,32

    * mdia de 5 determinaes; ** mdia de 3 determinaes; E1 erro relativo entre o valor rotulado e o valor encontrado; E2 erro relativo entreo valor rotulado e o mtodo comparativo e E3 erro relativo entre o valor encontrado e o mtodo comparativo.

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    satisfatrio da classe, representado por acertos atravs de relatrios equestes formuladas em prova e em sala de aula. Exemplo dos resul-tados obtidos pelos alunos e o tratamento dos dados apresentadona Tabela 2, na qual se pode observar uma grande variao nos re-sultados. Uma discusso bastante ampla pode ser feita a respeitodestas diferenas, evidenciando suas causas e como melhorar os re-sultados em alguns casos.

    O uso da amostra de soro mostrou-se um ponto interessante paradespertar o interesse dos alunos, conforme suas respostas a um ques-tionrio aplicado durante o curso. Neste caso, vinte e um alunos par-ticiparam da aula prtica. O uso da amostra do cotidiano atendeu sexpectativas de atrair ateno para o problema abordado e, conse-qentemente, para o contedo relativo tcnica envolvida, alm daaquisio e tratamento de dados.

    A maioria, 78%, considerou a estratgia adotada interessante eprodutiva no aspecto de chamar sua ateno para o problema envol-vido e para o contedo abordado, de acordo com suas respostas aoquestionrio.

    Experimento II Determinao de ltio em comprimidos anti-depressivos

    O ltio na forma de carbonato pode ser encontrado em farmcias,como medicamento anti-depressivo e para o tratamento de outrasdoenas que envolvem o sistema nervoso central13. Neste experimento,a amostra de ltio estava na forma de drgeas, que podem conter 300ou 450 mg de carbonato de ltio. O comprimido foi triturado emalmofariz, dissolvido em cido clordrico 0,1 mol L-1 e, em seguida,transferido para um balo volumtrico de 250 mL e o volume com-pletado com gua bidestilada. Uma alquota desta soluo foi dilu-da 10 x, para que a concentrao de ltio ficasse no intervalo linear.A soluo resultante foi colocada em um banho de ultra-som por

    10 min. A curva analtica foi obtida entre 0 e 30 mg L-1 e foram reali-zadas as leituras das solues de referncia e da amostra. Os resulta-dos obtidos para a mdia de cinco determinaes mostraram um errorelativo de 0,60% entre o valor encontrado (298,20 + 0,53 mg L-1)e o rotulado (300,00 mg L-1)

    A curva analtica obedeceu relao:

    Y = - 1,86 +1,11 [Li+] (r = 0,9961, n = 5) (2)

    No presente trabalho, os comprimidos foram doados pelo fabri-cante, j que se trata de um medicamento com venda controlada. Osalunos devem ser alertados para tomar cuidado com o manuseio,evitando ingesto da amostra.

    O ltio tambm vem sendo usado na preparao de baterias. Suadeterminao neste tipo de amostras poderia despertar grande inte-resse quanto ao aspecto ambiental.

    Experimento III Determinao de clcio em guas naturaisNeste caso, os teores de clcio foram determinados em alquotas

    de gua mineral de diferentes marcas.Na determinao de clcio surge um desafio interessante a ser

    vencido pelos alunos, pois pode ocorrer interferncia negativa cau-sada por fosfatos e silicatos presentes na gua1, o que provoca dimi-nuio significativa do sinal. Eventualmente, xido de clcio podese formar na chama, conforme esquema da Figura 2. Uma das for-mas de contornar o problema a adio de lantnio em meio cido,que reage com os interferentes liberando o Ca2+, que pode ento serdeterminado. Os resultados obtidos na determinao do Ca2+ nas guasminerais so apresentados na Tabela 3. A literatura tambm sugere ouso de EDTA para contornar essas interferncias1,3. Quando as me-didas so feitas sem o emprego do lantnio, ocorre forte supressodo sinal, como pode ser visto na Tabela 3.

    A curva analtica obedeceu a Lei de Beer no intervalo de 0 a30 mg L-1 e pode ser representada pela seguinte equao:

    Y = 1,29 + 0,88 [Ca2+] (r = 0,9985, n = 5) (3)

    Experimento IV Determinao de Na+ e K+ em bebidasisotnicas

    Neste experimento, os teores de Na+ e K+ foram determinadosem amostras de bebidas isotnicas. A determinao desses elemen-tos qumicos relevante e, em alguns pases, a sua declarao nortulo de alimentos obrigatria, devido influncia que ambosexercem sobre o controle da presso arterial. Pessoas com tendncia hipertenso devem privilegiar alimentos com maior teor de K+ emenor teor de Na+.

    As amostras foram diludas 1:100 v v-1 em gua destilada. Ape-sar da presena de corantes na amostra original, a soluo resultanteapresentou-se homognea e incolor.

    Os resultados obtidos na determinao do Na+ e K+ nas bebidasso apresentados na Tabela 4.

    Tabela 3. Teores de clcio em guas naturais

    Amostra Rotulado (mg L-1) Encontrado* (mg L-1) Erro Relativo (%)Ausncia de La Presena de La

    1 60,12 15,81 + 0,41 58,97 + 0,86 -1,952 16,40 - 17,61 + 0,21 6,873 17,09 - 17,83 + 0,21 4,334 26,85 13,57 + 0,41 26,80 + 0,23 -0,18

    * mdia de 3 determinaes; - sem sinal

    Tabela 2. Resultados obtidos pelos alunos, em aula, para o teor decloreto de sdio em uma amostra de soro fisiolgico

    Turma NaCl/% E*/%

    1 0,96 6,672 0,83 -7,783 0,98 8,894 0,98 8,895 0,84 -6,676 0,92 2,227 0,91 1,118 0,97 7,789 0,93 3,33

    Mdia da turma: 0,93 (n=9); Desvio padro: 0,06 e no dedeterminaes: n = 9* Erro relativo ao valor rotulado de 0,90%

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    Tabela 4. Teores de sdio e potssio em isotnicos

    Elemento Rotulado Encontrado* Erro Relativo(mg L-1) (mg L-1) (%)

    Na 90,0 86,3 + 0,1 -4,11K 240,0 241,7 + 1,1 0,70

    * mdia de 5 determinaes.

    As curvas analticas obedeceram a Lei de Beer no intervalo emestudo. Neste caso, os intervalos obtidos na diluio 1:100 v v-1 fo-ram de 0 - 50 para Na+ e 0 30 ppm para K+, regidos pelas seguintesequaes:

    Y = 2,46 + 0,95 [Na+] (r = 0,9979, n = 5) (4)

    Y = 0,84 + 0,94 [K+] (r = 0,9978, n = 5) (5)

    O intervalo de concentraes de trabalho pode ser definido porclculos realizados pelos alunos, considerando-se os valores rotula-dos e a sensibilidade do equipamento. Caso o valor seja desconheci-do, os intervalos devero ser definidos por tentativa e erro.

    CONCLUSO

    O desenvolvimento destes experimentos com base em amostrasde uso cotidiano exerceu forte atrao em relao ateno dos alu-nos para o contedo abordado.

    A espectrometria de emisso atmica por chama (fotometria dechama) uma alternativa instrumental de baixo custo para determi-nao de Li+, Na+, K+ e Ca2+ em diferentes amostras simples e querequerem tratamento prvio mnimo. Isso pode ser til para cursoscom tempos de aula reduzidos ou escolas com laboratrios didticossem recursos instrumentais sofisticados, como espectrmetros de

    absoro atmica, para introduo anlise instrumental. Tambmpode representar uma alternativa interessante para alunos de cursoscomo farmcia e outras reas, dado o apelo exercido pelas amostras.

    Aspectos importantes como o tratamento de dados e estatstica deresultados tambm podem ser abordados, usando tais experimentos.

    AGRADECIMENTOS

    Os autores agradecem FAPESP pelo auxlio financeiro(proc. 00/14486-2) e a bolsa concedida a F. Okumura (processo02/05645-5).

    REFERNCIAS

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