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FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA FUNDAMENTOS DE GEOFISICA J M Miranda, J F Luis, Paula T Costa, F A M Santos (2000)

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principios gerais introdução

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FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

FUNDAMENTOS DE GEOFISICA

J M Miranda, J F Luis, Paula T Costa, F A M Santos

(2000)

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Capítulo 1 – O SISTEMA SOLAR

1.1 INTRODUÇÃO

Durante muitos séculos os únicos dados disponíveis sobre o Sistema Solar foram os esboços desenhados por

observadores : Galileu (1564-1642) viu as crateras da Lua no instante em que virou o seu primeiro telescópio nessa

direcção, em 1609 e, nos séculos que se seguiram, as crateras foram minuciosamente medidas e fotografadas, foi-

lhes atribuido um nome e foram registadas em mapas. As observações dos restantes planetas (e do Sol)

permaneceram escassas e limitadas pelos meios existentes.

A construção de grandes telescópios, no final do século XIX e no início do século XX, transformou o nosso

conhecimento sobre as dimensões, a evolução do Universo e a estrutura do Sistema Solar. No entanto, a atmosfera

terrestre impõe limites ao que podemos observar por meios ópticos, e a visão obtida por um telescópio modesto é

quase tão boa como a que nos providencia um instrumento maior. A construção de grandes telescópios permitiu o

aparecimento de muitos novos dados mas, subsequentemente, não permitiu avançar muito nos estudos sobre o

Sistema Solar, e os nossos conhecimentos sobre a Lua e os outros planetas mantiveram-se estacionários durante

um período prolongado.

Uma das primeiras conclusões obtidas da observação do movimento dos planetas do sistema solar diz respeito ao

facto de, com excepção de Plutão (que é um planeta muito semelhante a um dos satélites de Neptuno, Triton, e é

muito mais pequeno que a Lua, o que o torna um caso específico dentro do sistema solar), as órbitas dos planetas

se aproximarem significativamente do plano de eclíptica, que é o plano que contém a órbita da Terra em torno do

Sol). Plutão apresenta 17 % de inclinação e, dos restantes planetas, o maior afastamento da eclipitica é o de

Mercúrio, com 7 % de inclinação.

Os dados relativos à cinemática do movimento dos planetas do sistema – aqui se incluindo a distância ao Sol, o

período de translação, o período de rotação axial, a inclinação do respectivo eixo (em relação ao plano da órbita) e a

inclinação da órbita (em relação ao plano da ecliptica) estão contidos nas tabelas da página seguinte:

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Planeta Distância

Ao Sol

Periodo

Translação

Período

Rotação

Inclinação

axial

Inclinação

da órbita

Mercúrio 57.9 88 d 58.6 d 0º 7º

Vénus 108.2 224.7 d 243 d (r) 3º 3.4º

Terra 149.6 365 d 23 h 56 m 23º 27' 0º

Marte 227.9 687 d 24 h 37 m 25º 12' 1.9º

Júpiter 778.3 11.86 a 9 h 55 m 3º 5' 1.3º

Saturno 1427 29.46 a 10 h 40 m 26º 44' 2.5º

Urano 2870 84 a 17.3 h (r) 97º 55' 0.8º

Neptuno 4497 165 a 18 h 30 m 28º 48' 1.8º

Plutão 5900 248 a 6 d 9 h (r) ? 17.2º

Lua - 27.3 d 27.3 d - 5º

Tabela 1: Alguns parâmetros geométricos de planetas do sistema solar. A distância (média) ao Sol é

indicada em 106 km. A indicação (r) na coluna do período orbital indica que a rotação é realizada no sentido

retrógrado. A inclinação da órbita é medida em relação ao plana da eclíptica

Planeta Diâmetro

Equatorial

Massa Massa

Volúmica

Atmosfera Satélites Anéis

Mercúrio 4880 0.33 1024 5.4 103 Inexistente 0 0

Vénus 12110 4.9 1024 5.2 103 CO2 0 0

Terra 12756 6.0 1024 5.5 103 N, O2 1 0

Marte 6794 6.5 1023 3.9 103 CO2 2 0

Júpiter 143200 1.9 1027 1.3 103 H, He 16+ 1

Saturno 120000 5.7 1026 0.7 103 H, He 17+ 1000 ?

Urano 51800 8.7 1025 1.2 103 H, He, CH4 5 10

Neptuno 49500 1.0 1026 1.7 103 H, He 2 ?

Plutão 3000 ? 1.6 1022 1.5 103 ? 1 ?

Lua 3476 7.4 1022 3.3 103 inex - -

Tabela 2: Alguns parâmetros característicos de planetas do sistema solar. O diâmetro equatorial encontra-

se expresso em km, a massa em Kg e a massa volúmica em kg m-3.

1.2 AS LEIS DE KEPLER

1.2.1 Primeira Lei de Kepler

Tycho Brahe (1546-1601) dedicou toda a sua vida à observação meticulosa dos planetas do sistema solar. A

melhoria introduzida nos meios e (essencialmente) nos métodos de observação permitiu obter uma precisão

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avaliada em meio minuto de arco.

Um dos seus assistentes, Johannes Kepler, recuperou as suas

observações procurando testar a hipótese heliocêntrica, e em

particular o modelo de Copérnico. Contudo, no que dizia respeito ao

planeta Marte, os dados observados não se ajustavam de forma

satisfatória a um círculo, sendo o desvio (8 minutos de arco)

considerado por Kepler como não justificável pela precisão das

observações.

A figura matemática descrita por Marte na sua órbita em torno do Sol

assamelhava-se muito mais correctamente, a de uma elipse, em que

o Sol ocupa um dos focos. Se bem que Kepler não possuísse

qualquer teoria fisica que justificasse a forma eliptica da orbita – que

só viria a ser estabelecida cerca de 80 anos mais tarde por Newton –

o ajuste obtido foi tão satisfatório que esta conclusão se tornou

conhecida como a Primeira Lei de Kepler: Os planetas percorrem órbitas elipticas ocupando o Sol um dos focos.

No caso de terem uma órbita circular (caso particular de uma elipse) o Sol ocupará o centro da circunferência. Desta

lei podemos ainda deduzir um corolário importante: as órbitas dos planetas são planas e o plano da órbita contém o

Sol.

A equação da elipse em coordenadas rectangulares é

12

2

2

2

b

y

a

x (1.1)

em que a e b representam os eixos maior e menor respectivamente. Esta geometria pode ser descrita por dois

parâmetros, que podem ser os dois semi-eixos maior e menor (a e b na figura anterior) ou um destes e uma

quantidade chamada excentricidade e, definida como:

2

2

1b

ae (1.2)

1.2.2 Segunda Lei de Kepler

A 1ª Lei de Kepler fixa a forma da órbita do planeta. Contudo, ela não permite determinar a posição de um planeta

num instante determinado a partir do conhecimento da posição num instante anterior. Para isso é necessário

conhecer a sua velocidade.

Se bem que Kepler desconhecesse em absoluto o princípio físico que rege a interacção entre o Sol e cada planeta,

propôs uma Segunda Lei, onde admite que a linha que une o centro de cada planeta ao Sol percorre (varre) áreas

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iguais em intervalos de tempo iguais.

Desta lei podemos igualmente deduzir um corolário importante: quando um planeta se afasta do Sol a sua

velocidade aumenta e vice-versa. O facto de a Terra se mover mais ràpidamente no Inverno do que no Verão era já

conhecido dos astrónomos e, aliás, não explicada no quadro do modelo de Copérnico.

1.2.3 Terceira Lei de Kepler

As (actualmente designadas) primeira e segunda leis de Kepler foram publicadas em 1609 no livro “Nova

Astronomia”. Contudo, Kepler estava persuadido da possibilidade de encontrar uma relação simples que explicasse

a diversidade de trajectórias dos diferentes planetas do sistema solar. Na sua última grande obra “As harmonias do

mundo”, Kepler enuncia a relação entre a órbita de um planeta e o seu período de translação.

Terceira Lei de Kepler: O quadrado do período sideral de um planeta é proporcional ao cubo do semi-eixo maior da

órbita, em que a constante de proporcionalidade é a mesma para todos os planetas do sistema solar.

cteT

a

2

3

(1.3)

1.2.4 A Lei de Newton do Momento Angular

As leis de Kepler estão formalmente contidas na Lei da Atracção Universal de Newton, da qual podem ser

deduzidas. Estas leis são válidas desde que se considere que o Sol e os planetas são homogéneos do ponto de

vista da densidade, ou que esta apenas depende da distância ao centro. Como veremos no capítulo 2 esta hipótese

aproxima-se muito da realidade.

O momento angular de uma partícula material é definido por:

vrmL

(1.4)

em que v é a velocidade instantânea da particula, m a sua massa e r o vector posição.

O momento angular exprime-se, no Sistema Internacional, em Js. O seu valor depende da origem em relação à qual

é definido.

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Segundo Newton, a taxa de variação do momento angular de uma particula medido em relação a uma origem

determinada, iguala o momento da força que actua o corpo, medido em relação à mesma origem

dt

Ld

(1.5)

em que o momento da força aplicada F

é definido por:

Fr

(1.6)

Qual a força que provoca o movimento dos planetas ? As 3 leis de Kepler baseiam-se unicamente na

compatibilidade com os dados experimentais e não pressupõem um modelo explicativo da realidade. Newton, pelo

contrário, compreendeu que o movimento dos planetas e a queda dos corpos sobre a Terra eram manifestações de

uma mesma interacção, e enunciou a Lei da Gravitação Universal, segundo a qual a força F

que actua cada

planeta é dada por:

rr

GMmF

3 (1.7)

em que M e m são as massas, respectivamente, do Sol e de cada planeta, e G é uma constante, denominada

constante de gravitação.

Se considerarmos um sistema de eixos cuja origem coincida com o centro do Sol, a força gravitica com que o Sol

atrai cada planeta é colinear com o raio vector, o seu momento – em relação à mesma origem – é nulo, pelo que o

momento angular do planeta em relação ao centro do Sol se manterá constante.

Uma das consequências deste facto é o de o movimento dos planetas se efectuar num mesmo plano : suponha que

o movimento inicial do planeta é 0v

. O vector posição r

define com 0v

um plano ao qual o momento angular

L

será perpendicular. Uma vez que este é constante, as variações de 0v

e r

terão de ser de tal modo que o plano

inicial se não altere.

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Podemos decompor a velocidade do planeta em duas componentes, uma radial rv (que será nula no caso de a

trajectória ser circular) e outra azimutal v . Da definição do momento angular, podemos concluir que:

mrvL (1.8)

Uma vez que L e m são constantes, o produto rv também será constante. Nesse caso variações de distância

traduzem-se em variações de velocidade azimutal, tal como tinhamos concluido da segunda lei de Kepler. Se

considerarmos na figura anterior que o movimento entre os pontos A e B é realizado no intervalo de tempo t , a

área varrida pelo planeta será:

trvA 2

1 (1.9)

pelo que substituindo de (1.8) e fazendo o limite quando t tende para 0, obtemos:

m

L

dt

dA

2 (1.10)

que é uma expressão que contém a segunda lei de Kepler.

No caso da órbita circular é possível demonstrar de forma simples que as Leis de Newton contêm (e justificam as

Leis de Kepler). Note que, neste caso, se verifica o equilíbrio entre a força de atracção gravitacional e a força

centrífuga:

2

2

a

GMm

a

mv

O período T neste caso terá a expressão

v

aT

2

elevando ao quadrado as expressões anteriores e igualando, teremos:

GMa

T 2

3

2 4 (1.11)

recuperando assim o enunciado da Terceira Lei de Kepler e determinando a forma da constante original.

1.3 A LUA E OS PLANETAS INTERIORES

As leis de Kepler, e de modo muito mais geral as leis de Newton, aplicam-se de forma simples quando

consideramos os planetas como sistemas mecânicos simples. Contudo, o estudo da estrutura interna e externa dos

planetas é muito importante para as Ciências da Terra, por aquilo que nos pode ensinar sobre a formação e

evolução do sistema solar, como um todo, fornecendo chaves fundamentais para a construção dos modelos de

interior da Terra.

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Até às primeiras missões espaciais, o estudo do sistema solar era um problema de um grupo restrito de astrónomos.

Esta situação mudou da noite para o dia, assim que ficaram diponíveis dados das missões espaciais : os planetas

deixaram de ser objecto de estudo exclusivo dos astrónomos, para passarem a ser foco de interesse das

geociências. As missões espaciais tornaram possível pela primeira vez o estudo da Lua, dos planetas e dos

satélites planetários individualmente, cada um com o seu registo único de evolução geológica.

Do ponto de vista da sua constituição, os planetas são normalmente divididos em dois grandes grupos: os planetas

interiores, terrestres, ou rochosos (Mercúrio, Vénus, Terra e Marte) e os planetas exteriores (Júpiter, Saturno,

Urano e Neptuno), podendo estes últimos ser ainda sub-divididos em gigantes gasosos (Júpiter e Saturno) e

gigantes gelados (Urano e Neptuno).

1.3.1 A Lua

As principais estruturas geológicas da Lua são visíveis a olho nu : extensas áreas esbranquiçadas rodeiam manchas

ciculares irregulares, cinzentas escuras. As áreas esbranquiçadas são normalmente enrrugadas e formam grandes

crateras - regiões de terras altas -, enquanto que as zonas mais escuras - chamadas mares, ou maria pelos

primeiros observadores - são vastas planícies de terras baixas, desprovidas de crateras.

Aquando do programa Apollo, foram feitos mapas pormenorizados da face visível da Lua, e suspeitava-se que as

planícies escuras fossem grandes extensões de lava basáltica. Restavam, contudo, grandes questões sobre a

natureza das rochas das terras altas, a sua idade, a idade das planícies de lava, e a origem das milhares de crateras

que existem na superfície da Lua.

Fig. 1.1 – Imagem compósita, de falsa cor, da lua, obtida pela sonda Galileu. (azul corresponde a máximo em

titanio e laranja a mínimo, purpura corresponde aos piroclastos, vermelho corresponde a materiais pobres

em ferro e titanio). O Mar da Tranquilidade é a área azul à direita da imagem: (Galileo, P-41491)

As rochas trazidas da Lua responderam a muitas destas questões. A sua análise mostrou que a Lua esteve sujeita a

um bombardeamento massivo de asteróides desde os primeiros dias da sur formação, e que estes impactos foram

provavelmente responsáveis pela danificação da crusta anortosítica (provavelmente quando esta estava ainda em

formação), produzindo estruturas de impacto circulares com dimensões que podem atingir milhares de quilómetros

(como a bacia oriental, da face escondida da Lua), passando pelas crateras mais vulgares com dimensões da ordem

dos 100 quilómetros (que são visíveis da Terra com binóculos), até figuras de impacto sub milimétricas,

encontradas na superfície das rochas.

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Muito poucas crateras parecem ser de origem vulcânica. Do ponto de vista visual, estas são pequenas e

caracterizadas por halos escuros de material ejectado. Tais crateras podem representar locais onde tiveram lugar

erupções vulcânicas, durante a fase de efusão de lavas basálticas, que se acumularam nas bacias.

1.3.2 Mercúrio

Mercúrio é um planeta de pequenas dimensões, um pouco maior do que a Lua. Uma vez que a sua órbita é muito

próxima do Sol (58 milhões de quilómetros de distância média) torna-se difícil o seu estudo óptico; por este facto,

aprendeu-se pouco sobre este planeta na época das observações visuais.

O período de rotação de Mercúrio era desconhecido até cerca de 1960, quando estudos de radar permitiram

concluir, que o seu valor é de 58.6 dias, exactamente 2/3 do seu período orbital. Esta relação entre a rotação e a

translação faz parte de um exemplo complexo de fenómenos gravitacionais, como o que é responsável por manter a

Lua sempre com a mesma face voltada para a Terra. Fortes forças de maré, que actuam entre Mercúrio e a

enorme massa do Sol próximo, mantêm o planeta de frente para o Sol enquanto está mais perto deste,

completando, ao afastar-se, duas rotações.

Tal como a Lua, Mercúrio não é uma esfera completamente simétrica, apresentando um pequeno empolamento

lateral.

Uma outra propriedade importante de Mercúrio está no facto de, embora pequeno, ser ter uma densidade

semelhante à da Terra. Tal significa que deve ter um núcleo metálico grande quando comparado com os outros

planetas interiores. Este facto pode ser explicado pela perca de material mantélico original na sequência de um

impacto nas fases iniciais de desenvolvimento do Sistema Solar, à semelhança do que se pensa ter ocorrido no que

diz respeito à formação da Lua.

A quase totalidade dos dados que se possuem sobre Mercúrio, foram obtidos por uma única missão espacial, a

Mariner 10. As imagens obtidas pela Mariner 10, revelaram que Mercúrio tem um aspecto muito semelhante ao da

Lua : um esferóide cravado por crateras.

Com uma vista de olhos casual, é difícil distinguir as fotografias de Mercúrio e da Lua, no entanto um olhar mais

profundo revela algumas diferenças importantes.

Figura 1.2 – Mosaico de um hemisfério de Mercúrio, imagem obtida da NSSDC. Este mosaico foi produzido a

partir da missão Mariner 10 a 29 de Março de 1974. O mosaico é formado por 18 imagens adquiridas com

intervalos de 42 s, a 200,000 km de distância.

Em primeiro lugar, a topografia lunar mostra claramente a divisão entre as rugosas terras altas e as suaves planícies

de lava negra. Não existem equivalentes óbvios dos mares lunares em Mercúrio - a superfície está pesadamente

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cravada de material das terras altas.

Em segundo lugar, na Lua há uma evidência que não deixa dúvidas, sobre a actividade vulcânica inicial, mais

proeminente nas lavas dos mares. Em Mercúrio, a situação é mais complexa, não há sinais óbvios de áreas

cobertas de lava; há no entanto algumas planícies entre as crateras que podem eventualmente ser de origem

vulcânica.

Em terceiro lugar, há diferenças subtis na morfologia das crateras de impactos. O material ejectado de um impacto

comporta-se de modo muito diferente em Mercúrio, devido às suas maiores dimensões, à sua maior densidade e

também porque a gravidade à superfície é duas vezes e meia superior à da Lua. Um dos comportamentos deverá

ser a formação de crateras secundárias, formadas por material que ressalta em redor do local do primeiro impacto.

Em quarto lugar, a superfície de Mercúrio está marcada por um número importante de escarpados que podem ser

traçados ao longo de centenas de quilómetros. Nada comparável é conhecido nos outros planetas. Dois

mecanismos têm sido invocados para justificar estas estruturas : o primeiro envolve o enrugamento e contracção da

crusta por acção do arrefecimento; o segundo invoca a força de maré correspondente à interacção Sol-Mercúrio.

Finalmente, a Mariner 10 mostrou também que Mercúrio tem um campo magnético significativo, estando os polos,

norte e sul, alinhados com o eixo de rotação do planeta, como na Terra, mas com apenas 1/100 da sua intensidade.

1.3.3 Vénus

Vénus aparece brilhante no céu ao fim do dia ou logo de manhã. Quando observado pelo telescópio Vénus aparece

como uma esfera branca, porque tudo o que observamos é a camada exterior da sua densa atmosfera, que esconde

completamente a topografia da superfície. Vénus deve o seu brilho ao alto albedo da sua cobertura de núvens (cf

Capítulo 4) e também à sua proximidade a nós - por vezes encontra-se a cerca de 40 milhões de quilómetros da

Terra. Em termos de massa e densidade é muito semelhante à Terra.

Nos últimos três séculos não se fez nenhum progresso significativo na determinação de parâmetros tão simples

como o período de rotação axial. Foram feitos todos os tipos de suposições, desde 24 horas até 225 dias para o

período orbital. O problema não ficou resolvido até que a astronomia radar virou a sua atenção para Vénus, em

1962, e descobriu que o período axial do planeta é de 243 dias - no sentido retrógrado

Vénus desloca-se muito lentamente em volta do seu eixo, no sentido oposto ao de todos os maiores corpos do

Sistema Solar. O período de 243 dias, revelou outras elegantes e enigmáticas estatísticas do Sistema Solar. O

período de translação da Terra e o período axial de Vénus, estão exactamente numa escala de 3:2.

Nas décadas de 1970 e 1980 câmaras fotográficas de naves americanas e soviéticas desceram em Vénus. Em

dezembro de 1978, cerca de sete sondas atingiram a superfície deste planeta com poucos dias de diferença umas

das outras. Estas missões tinham objectivos diferentes: fazer um perfil da atmosfera, cartografar a superfície através

de radares altímetricos e de imagem em órbita e exame directo da superfície.

Dados do radar orbital, mostraram que Vénus é diferente da Terra, possuindo bastante menos relevo topográfico. A

maior parte da sua superfície está coberta de planícies de grandes dimensões, com raras elevações uniformes; no

entanto, duas das quais (Ishtar Terra e Aphrodite Terra) têm sido comparadas com os continentes terrestres,

embora sejam muito mais pequenas. Várias áreas elevadas mais pequenas como Beta Régio, assemelham-se a

grandes construções vulcânicas. Outras estruturas circulares têm sido interpretadas como caldeiras gigantes.

Conjuntos complexos de cristas lineares em Ishtar, foram interpretados como tendo origem em colisões tectónicas,

se bem que esta interpretação seja actualmente questionada.

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Fig.1.3 - Imagens de Vénus tiradas pela sonda Galileo a distâncias entre 2.3 e 3.3 millões de km. Falsa cor e

filtros passa-alto foram aplicados à imagem para pôr em evidência detalhes da cobertura nebulosa (Galileo,

P-37215) Imagem da NSSDC.

Existe em Vénus um número significativo de grandes crateras de impacto, sugerindo que grandes partes da

superfície de Vénus sejam geológicamente antigas, embora não comparáveis às terras altas lunares.

Imagens da primeira nave soviética a sobreviver à aterragem no planeta (Venera 9) revelaram um terreno rochoso,

plano e monótono de horizonte a horizonte. A prespectiva da Venera 10, que aterrou a 10,000 km de distância, não

foi muito diferente, embora nesse lugar as rochas fossem mais pequenas. A análise por fluorescência de raios gama

e raios X das rochas da superfície foi levada a cabo, e missões posteriores confimaram as suspeitas: as rochas são

basaltos, semelhantes a basaltos terrestres das dorsais oceânicas. Os resultados chave das aterragens, dizem

respeito às condições da superfície : as temperaturas são altas (cerca de 500 °C) e a pressão atmosférica é muito

elevada, noventa vezes superior à da Terra.

A atmosfera de Vénus é formada por cerca de 95 % de dióxido de carbono, com pequenas percentagens de

nitrogénio, de dióxido de enxofre e de água. As mais baixas e espessas camadas de nuvens têm densidades

semelhantes às núvens da Terra, mas a sua base situa-se a uma altitude muito superior, cerca de 50 km.

Vénus parece ter começado de modo semelhante à Terra, e provavelmente experimentou processos internos

similares. A divergência nos padrões da evolução geológica da superfície dos dois planetas deve ser justificada pela

acentuada diferença na evolução das suas atmosferas. Continua por explicar como, exactamente, é que esta

evolução teve lugar, e como estão interligadas as suas evoluções atmosféricas e litosféricas.

Um problema importante diz respeito a como Vénus dissipa o seu calor interior. Na Terra, esta operação tem lugar

na tectónica de placas : nova crusta oceânica está continuamente a ser criada nas dorsais e o arrefecimento é

realizado por condução e convecção no oceano. Devido às semelhantes dimensões e composição, Vénus deve

possuir um balanço térmico semelhante, mas não existe evidência de tectónica de placas tipo-terrestre.

Um modelo alternativo, sugere que Vénus perde o seu calor interno através de um mecanismo tipo-hot spot;

isto é, através de um pequeno número, de grandes complexos vulcânicos centrais, semelhantes ao hot spot

havaiano. Beta Regio pode ser um destes hot spots.

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1.3.4 Marte

Nos dias das observações telescópicas, Marte era, naturalmente, um importante alvo de estudo, e ainda hoje

estimula a imaginação de cientistas e do público em geral. Isto pode dever-se ao facto de todos os outros planetas

serem demasiado hostis para a vida. Só Marte, e talvez Plutão, podem permitir que astronautas explorem a sua

superfície e aí estabeleçam bases permanentes (vários satélites planetários, como a Lua, têm potencial

semelhante).

Marte tem estruturas de superfície facilmente visíveis da Terra, pelo que os parâmetros básicos - dimensões e

período de rotação axial - foram facilmente medidos por meios ópticos. Em 1666 Cassini descobriu que período de

rotação de Marte é de 24 horas e 40 minutos, semelhante ao da Terra. As primeiras observações mostraram que

Marte tem os polos cobertos de gelo, tal como a Terra, e marcas escuras difusas, que embora essencialmente

estáveis, pareceram mostrar variações sazonais, de modo algo síncrono com a evolução das calotes de gelo polar.

As primeiras visitas das naves espaciais a Marte não deram resultados muito impressionantes. Em 1965, a

Mariner 4 transmitiu vinte e duas imagens vídeo que revelaram uma superfície monótona, cravada de crateras,

como a Lua. Posteriormente, a Mariner 9 e a Viking 1 e mais duas missões, obtiveram mais dados, mostrando que

Marte é um planeta muito diversificado, geológicamente multifacetado.

Marte apresenta uma dicotomia entre os seus hemisférios, norte e sul, sendo o sul mais rugoso e com elevações e o

norte mais plano e com poucas elevações. O hemisfério sul altamente cravado de crateras, com grandes bacias de

impactos, como a Hellas (com centenas de quilómetros de diâmetro), fazendo lembrar a superfície lunar em muitos

aspectos. As rochas das terras altas podem ser comparavelmente antigas. Este é um primeiro ponto chave para a

geologia de Marte: grande parte da sua crusta é muito antiga (talvez mais de 4,000 Ma). O hemisfério norte tem

menos crateras, é portanto mais recente, mas a reduzida dimensão do rejuvenescimento crustal permite concluir

que também estas zonas são muito antigas, quando comparadas com os padrões terrestres.

O segundo ponto chave, são os vulcões gigantes que se erguem na sua superfície e as suas torrentes de lava - bem

visíveis nas imagens de alta resolução obtidas pela Viking 1 - quase sem crateras, e que por isso devem ser

geológicamente recentes. De longe o maior vulcão é o Monte Olimpo, que se eleva até 26 km da superfície, na

planície que o rodeia, e tem uma caldeira com 70 km de diâmetro, onde caberiam uma dúzia de vulcões terrestres

com as dimensões do Vesúvio. Até que amostras voltem de Marte, para identificação, será dificil dizer o quão

antigos - ou recentes - são os vulcões de Marte. Muitas estimativas sugerem que o vulcanismo activo cessou há

cerca de 1,000 Ma. O que está, razoávelmente de acordo com as estimativas mais prováveis para a evolução

térmica de Marte, deduzida do conhecimento da sua massa, provável composição bruta e dos isótopos radioactivos

produtores de calor nele contidos.

As dimensões dos vulcões de Marte permitem-nos concluir algo sobre a sua litosfera: para que vulcões atinjam tais

dimensões em posições fixas, a presente litosfera marciana tem de ser espessa e rígida, com pelo menos

200 km de espessura. Isto põe de parte todas as possibilidades de existência de tectónica de placas como a

existentes na Terra.

O teceiro ponto chave, é talvez o mais intrigante de todos: Marte apresenta evidências de variações dramáticas no

clima, através da sua história geológica. Presentemente a pressão atmosférica é ténue, correspondendo a cerca de

6 milibar terrestres (pressão atmosférica padrão = 1113.25 mb), as condições de superfície são muito secas e frias.

A água liquida não se manteria estável a tão baixas pressões e evaporava-se rapidamente.

Imagens da Mariner e da Viking, revelaram no entanto canais, meandros, vales e canhões, todos apontando para

um período - ou períodos - anterior, quando o clima de Marte era menos agressivo, e a água líquida poderia existir

na superfície. Estas estruturas mostraram que a superfície de Marte é mais semelhante à da Terra do que qualquer

um dos outros planetas e que a água teve um importante papel na história geológica.

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A morfologia das crateras de impacto providencia um segundo ponto de reflexão : os materiais ejectados que

rodeiam a maior parte das crateras são bastante diferentes dos encontrados na Lua, e sugerem que o impacto teve

lugar numa zona plástica, provavelmente húmida.

As duas Viking que aterraram na superfície estavam designadas para responder à pergunta “existe vida em Marte”,

e responderam, “não foram encontradas evidências de nenhuma forma de vida”, no entanto, isto não acabou com o

debate, e mantém-se um esforço significativo neste sentido.

Para concluir esta breve revisão de Marte, é essencial recordar o episódio do cão egípcio, que morreu em Nakhla,

no Egipto em 1911. A primeira é que o cão, aparentemente foi atingido por um meteorito. A segunda, ainda mais

espantosa, é que o meteorito provavelmente veio de Marte. Estas surpreendentes deduções surgem do facto de o

meteorito de Nakhla ter uma textura ígnea óbvia, muito diferente da maioria dos meteoritos, tendo uma idade

aparente de cristalização de cerca de 1,300 Ma. Onde, no Sistema Solar, pode ter existido um evento de

cristalização há cerca de 1,300 Ma ?

Marte parece ser a única fonte possível do meteorito de Nakhla (e mais um conjunto de outros conhecidos por

SNCs, de Shergotty - Nakhla - Chassigny). Estilhaços de impactos de asteróides poderiam projectar pequenas

quantidades de material, da superfície de Marte para órbitas que poderiam, eventualmente, interceptar a da Terra.

1.3.5 Phobos, Deimos e a cintura de Asteróides

Alguns dos mais importantes produtos das missões Viking, foram as primeiras imagens detalhadas de Phobos e de

Deimos, o par de pequenos satélites de Marte. A Viking 2 passou a apenas 26 km de Deimos. Phobos é um

elipsóide, com um diâmetro máximo de 27 km, enquanto Deimos, mais esférico tem, aproximadamente, 15 km de

diâmetro.

Ambos possuem superfícies altamente cravadas de crateras, são muito escuros e têm densidades baixas, sugerindo

que são constituidos por material semelhante ao dos meteoritos condríticos carbónicos.

Os satélites de Marte - Phobos e Deimos - não possuem órbitas estáveis, pelo que se admite que eles não orbitam

Marte desde a origem do Sistema Solar e são provavelmente asteróides, capturados de algum modo da cintura de

asteróides entre Marte e Júpiter e que, como tal, providenciam as únicas observações de perto disponíveis, de

asteróides.

Estudos ópticos mostram que existe na cintura de asteróides uma grande variedade de corpos com dimensões que

vão desde as centenas de quilómetros até corpos muito pequenos, de dimensões inferiores às de Phobos e Deimos.

Estudos espectroscópios mostram que existem várias classes de asteróides, que têm sido interpretadas como

correspondendo a tipos carbonáceos, metálicos e rochosos, semelhantes aos tipos de meteoritos, que veremos no

capítulo 2.

Há já bastante tempo que se tem conhecimento que, se um satélite se aproxima mais do que uma certa distância do

seu planeta mãe - conhecido como limite de Roche - será desintegrado devido às enormes forças gravitacionais

impostas por este. Para lá do limite de Roche, alguns satélites maiores parecem também ter sido desintegrados

cedo na sua história, como resultado de massivos impactos, os resultantes estilhaços voltaram subsequentemente a

agregar de novo. Se tal desintegração teve lugar perto de Saturno, os estilhaços ter-se-iam destribuido

individualmente na forma de um anel em volta do planeta.

1.4 PLANETAS EXTERIORES

1.4.1 Júpiter e Neptuno

Para lá da cintura de asteróides, entra-se num ambiente diferente. Júpiter e os outros planetas mais distantes do

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Sol, são muito diferentes da Terra : são enormes esferóides de baixa densidade, gasosos, constituidos

essencialmente por Hidrogénio e Hélio. Em detalhe há dois pares, Júpiter e Saturno, e Urano e Neptuno.

Júpiter e Saturno são verdadeiros gigantes gasosos e são compostos, respectivamente, por 97 % e 70 % de

Hidrogénio e Hélio; enquanto que Urano e Neptuno são compostos por apenas 10 %-20 % de Hidrogénio e Hélio,

sendo a maior parte da sua massa de material gelado e rochoso.

Em todos os quatro planetas só é possível observar directamente as camadas exteriores das suas atmosferas.

Sobre as condições que prevalecem no seu interior (onde as pressões são tão grandes que não há conhecimento

sobre a física) só podem ser feitas hipóteses.

No centro de Júpiter, as temperaturas e pressões podem ser tão altas que o Hidrogénio se comporta como um

metal líquido, e portanto como um condutor eléctrico.

Tanto Júpiter como Saturno são fáceis de observar, pelo que as suas principais estruturas telescópicas foram desde

cedo conhecidas. As massas, densidades e períodos de rotação foram facilmente medidos, mas continuam a ser

dos seus parâmetros mais interessantes : embora Júpiter seja, de longe, o mais massivo dos planetas do Sistema

Solar, é também aquele que tem o mais curto período de axial, dando uma volta a si próprio em apenas 9 horas e 55

minutos. O período de rotação é tão rápido que o planeta é visivelmente achatado pela força centrífuga. No entanto,

o grau de achatamento não é tão elevado como o que seria esperado, se se sdmitir que se trata de um corpo

homogéneo, o que sugere que o planeta tenha uma concentração de massa junto ao centro, provavelmente uma

pequena quantidade de material rochoso.

Os estudos ópticos de duas missões Pioneer e duas Voyager, deram-nos em 1970 e 1980 novos pormenores sobre

a circulação atmosférica e uma grande quantidade de outros dados. A Voyager 2 foi uma missão histórica, pelas

imagens que forneceu, não só de Júpiter mas também de Saturno, Urano e Neptuno, durante a sua travessia do

sistema solar. O último encontro da Voyager foi em 1989, dirigindo-se agora para o espaço interestelar.

Pensa-se que as nuvens dos niveis superiores da atmosfera de Júpiter são compostas de pequenos cristais gelados

de amónia (parecidos com os cirrus terrestres) e que camadas de hidrosulfido de amónia (NH4 SH) e de água

existem em niveis mais profundos. O topo da camada de nuvens de amónia tem provavelmente uma temperatura de

cerca de -113 °C e uma pressão da ordem de uma atmosfera.

As missões Pioneer e Voyager proporcionaram novas prespectivas sobre Júpiter. Descobriu-se que ele tem um

campo magnético intenso, dez vezes mais intenso que o da Terra. O campo é aproximadamente dipolar, mas é mais

complexo junto da superfície, onde foram detectados componentes quadripolares e octopolares. Estas obsevações

tem duas implicações: para gerar um campo magnético, deve existir um meio electricamente condutor dentro do

planeta; na Terra é o Ferro, em Júpiter deve ser uma forma metálica de Hidrogénio. Em segundo lugar, o material

condutor deve estar em movimento, isto implica uma fonte de energia.

As grandes dimensões de Júpiter e os complexos processos internos podem ser compreendidos se forem

abordados de outra perspectiva, como se este se tratasse de uma tentativa falhada de estrela, como o Sol, e não

propriamente um planeta.

Cedo na sua vida, Júpiter brilhou como uma estrela, cerca de 1 % da luminosidade que o Sol tem hoje, aquecido

pela accreção de material nebular. Tendo sido setenta vezes mais massivo do que é hoje, a contracção gravitacional

deve ter causado um posterior aumento na temperatura, até que reacções nucleares auto-sustentáveis se

pudessem iniciar no seu interior. Se isso tivesse realmente acontecido, o Sol seria uma dupla estrela, e a Terra e os

outros planetas podiam não se ter formado. Júpiter era pequeno demais, e 10 Ma depois da sua formação deverá

ter encolhido para as dimensões actuais, sem ignição, e sua actual luminosidade é apenas 10-9 da uminosidade do

Sol. No entanto, a sua energia interna é ainda enorme : a temperatura interior é de cerca de 30,000 K, suficiente

para o manter totalmente fundido, sem absolutamente nenhum núcleo sólido. Cerca de 1017 Watt de potência

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chegam à superfície, do interior, dificilmente comparável à que Júpiter recebe do Sol.

Grande parte desse calor é bombeado para a superfície por correntes de convecção, empurrando para cima

Hidrogénio mais quente e menos denso, enquanto que Hidrogénio menos quente e mais denso se afunda. Estas

correntes de convecção, que têm lugar nas partes de Júpiter constituidas por Hidrogénio metálico líquido, podiam

providenciar uma fonte de energia para gerar o campo magnético observado, já que são análogas às correntes de

circulação que se pensa existirem no núcleo terrestre, de Ferro líquido.

Neste rápido resumo podemos considerar que Saturno partilha muitas das propriedades de Júpiter.

1.4.2 Urano e Saturno

Urano e Neptuno apresentam problemas mais complexos. Embora seja considerado um gigante gasoso, Urano

possui uma forma mais irregular. O seu eixo de rotação está muito perto do plano do seu eixo orbital, em vez de lhe

ser quase perpendicular, como no caso dos outros planetas.

Urano e Neptuno têm também uma atmosfera de Hidrogénio e Hélio mas menos massiva, relativamente ao seu

denso núcleo. Emerge assim um problema importante: porque é que os densos núcleos dos quatro planetas

gigantes variam em massa num factor de apenas três ou quatro, enquanto os seus envelopes gasosos variam num

factor de dez ou vinte ?

O modelo actualmente aceite para Urano inclui três camadas: um núcleo denso e rochoso, um manto de água

líquida, rodeando o núcleo, formando um oceano com milhares de quilómetros de profundidade e uma densa

atmosfera de Hidrogénio e Hélio.

O “oceano” contém provavelmente metano e amónia juntamente com água, é electricamente condutor e pode até

ser metálico no seu centro. Os movimentos neste fluido condutor, serão os responsáveis pelo campo magnético de

Urano, que em intensidade é comparável ao da Terra. No entanto, observações da Voyager do campo magnético,

revelaram uma espantosa anomalia de Urano: o eixo do campo está inclinado 60° relativamente ao eixo de rotação,

enquanto que o eixo magnético da Terra está inclinado apenas 11° em relação ao seu eixo de rotação.

Urano e Neptuno são muito semelhantes em dimensões, massa e período de rotação. Como as imagens da

Voyager revelaram, Urano é um planeta com poucas estruturas. Neptuno é muito mais diverso : algumas nuvens

são tão extensas que podem ser detectadas da Terra por telescópio, observando-se como o aparente brilho do

planeta varia rapidamente, enquanto o de Urano é constante. Contrariamente a Urano, Neptuno irradia muito mais

calor do que o que recebe do Sol. A sua atmosfera contém menos metano do que a de Urano.

Uma explicação para todas estas importantes diferenças, é que Urano tem uma estratificação interna muito mais

estável do que Neptuno. Assim, as correntes de convecção que se elevam de fundas fontes de calor no núcleo,

estão confinadas a grandes profundidades. Em Neptuno, que é menos estavelmente estratificado, a convecção não

só transporta muito do calor para a atmosfera, como transporta grandes quantidades de metano, que condensa

formando as nuvens, na fria atmosfera de Hidrogénio e Hélio.

1.4.3 Satélites e Anéis

Um inesperado, mas significativo resultado da exploração por naves espaciais dos planetas do Sistema Solar, foi a

descoberta de muitos satélites; satélites tão numerosos, que já não existem nomes para todos, sendo hoje

designados numericamente.

Os quatro satélites de Júpiter descobertos por Galileu (Io, Europa, Ganymede e Calisto) podem ser facilmente

observados com uns binóculos, e porque são tão facilmente observados tiveram um importante papel na história da

ciência : Galileu usou-os para provar, pela primeira vez, que nem todos os objectos no Sistema Solar giram em torno

do Sol e Romer usou tempos dos seus movimentos orbitais para fazer a primeira tentativa de medir a velocidade da

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luz.

Os satélites galileanos são grandes - Ganimede e Calisto são tão grandes como o planeta Mercúrio, enquanto Io e

Europa são do tamanho da Lua. Todos possuem evoluções geológicas distintas. No caso de Io, que é dominado

pela sua proximidade da enorme massa de Júpiter, pelas ressonâncias do complexo orbital com Europa e

Ganimede e pelo enorme resultante stress tidal interno. Peale e Casson, previram que, dada a proximidade que Io

tem de Júpiter, a dissipação tidal de energia podia gerar calor suficiente para derreter o seu interior e assim, o

vulcanismo devia ser vigorosamente activo. A sonda Voyager provou a veracidade das suas previsões, com

espantosas imagens de erupções, em progresso actualmente. Agora, o problema é determinar a natureza dos

materiais da erupção.

Io e Europa são invulgares entre os satélites, pelo facto de terem densidades comparáveis à da Lua, e são portanto

predominantemente compostos por silicatos. Os restantes satélites têm densidades muito mais baixas, devendo por

isso ser predominantemente constituidos por gelo, a maior parte de água gelada vulgar mas com outras fases

tambem presentes, como metano e amónia. Podem tambem ter núcleos rochososos pequenos. As estruturas da

superfície de todos estes satélites são dominadas pela combinação de dois processos: crateras de impacto e

rejuvenescimento superficial vulcânico. A maior parte dos satélites tem superfícies altamente cravadas de crateras,

que são claramente antigas, mas a maioria dos quais, que têm afinidades com o planeta, mostram evidências de

que a dissipação tidal de energia causou a fusão do seu interior, que foi suficiente para que a superfície cravada de

crateras ficasse parcialmente suavizada ou, alternativamente coberta de gelo. Ganimede aparenta exibir uma forma

de tectónica de placas geladas. Os detalhes de tão extraordinários processos gelados estão, com certeza, muito

para além da nossa experiência mas são o objecto de muita investigação em curso.

Dois destes satélites planetários, são excepcionais no facto de serem suficientemente grandes para possuirem as

suas próprias atmosferas. O Titan, de Saturno, tem uma atmosfera de metano tão densa que a sua superfície é

invisível às sondas de observação. Cedo no próximo século, a missão conjunta da NASA/European Space Agency

Cassini foi planeada para lançar uma sonda através da atmosfera e investigar a superfície.

O satélite de Neptuno, Triton, tem uma atmosfera muito mais ténue, consistida essencialmente de nitrogénio com

pequenas quantidades de metano. É particularmente interessante porque aparenta mostrar variações sazonais nos

polos e vulcões de nitrogénio tipo "geyser" que se forma onde o líquido penetra na cobertura de gelo. Triton faz

lembrar Plutão (pequeno planeta de baixa densidade) em muitos aspectos. Do estudo das espantosas imgens de

Triton trazidas pela Voyager 2 têm-se obtido as melhores ideias possíveis sobre como é Plutão.

Em 1977 estudos cuidadosos de Urano, enquanto este passava em frente de uma estrela, revelaram uma série de

oscilações na luz emitida pela estrela antes de esta passar por detrás do planeta e novamente depois. Estas

oscilações são actualmente explicadas pela existência de uma série de anéis à volta do planeta. Dois anos mais

tarde, quando a Voyager 1 chegou a Júpiter, as suas fotografias revelaram também um sistema de anéis, do qual

previamente não se suspeitava. A Voyager 2 encontrou um complexo de séries de anéis à volta de Urano e quando

chegou a Neptuno, três anéis muito ténues foram tambem aí encontrados.

Os anéis de Saturno são, com certeza, os mais bem conhecidos. As imagens da Voyager mostraram que são

espantosamente complicados em detalhe, com muitos anéis individuais separados por falhas. O espaçamento das

falhas é em alguns casos controlado por ressonâncias orbitais de pequenos satélites que agregam a si outros

corpos. Talvez a característica mais extraordinária do sistema de anéis de Saturno seja a sua espessura. Embora

tenham 27,000 km de comprimento os anéis não têm mais de 1 km de espessura. Consistem em muito pequenas

miríades de pedaços de gelo com dimensões métricas, talvez impregnados de material carbonáceo ou

silicatos. Oa anéis podem representar estilhaços de satélites ou satélites que foram desintegrados pelo gigantesco

campo gravitacional de Saturno.

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1.5 BIBLIOGRAFIA

Brown, G. C., Hawkesworth, C. J., Wilson, R. C. L. (eds), “Understanding the Earth”, Cambridge University Press, pp

1-551,1992.

Gartenhaus, S., “Physics, Basic Principles”, vol 1, Holt, Rinehart and Winston, Inc., New York.

Holton, G., Stephen, G. Brush. “Introduction to Concepts and Theories in Physical Science”, Princeton University

Press, New Jersey.

Serway, R., “Física 1 para Cientistas e Engenheiros”, 3ª Edição, LTC, 1996.

1.6 EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO

Ex. 1. Utilizar as tabelas I e II para determinar (a) o valor do campo de atracção newtoniana num ponto do Equador

de Marte, (b) o valor da força centrífuga no mesmo ponto. Comparar estes valores com os correspondentes para a

Terra.

Ex. 2. A partir dos valores dos períodos de translação da Lua em torno da Terra (cf tab. 1 deste capítulo) e da

distância da Terra à Lua (3.84 . 108 m) estime a massa da Terra. Faça idêntico cálculo para Júpiter, sabendo que Io

tem o período orbital de 1.77 dias, e que o raio da sua órbita é de 4.22 108 m

Ex. 3: Admitindo que a trajectória da Lua à volta da Terra se assemelha a uma circunferência de raio 3.84 x 105 km,

com um período de 27.3 dias, determine o valor do semi-eixo maior de um satélite cujo período de translação seja

de 3 h.

Ex 4: Demonstre que um planeta que percorra uma órbita elípsoidal em torno do Sol, ocupando este um dos focos

(1ª Lei de Kepler), então a força central associada varia inversamente com o quadrado da distância entre o planeta e

o Sol [Sugestão: a equação da elipse é

cose1

)e1(ar

2

onde r é a distância, e é a excentricidade (e<1) e a o eixo

maior].

Ex 5: Mostre que a 3ª Lei de Kepler pode ser deduzida da Lei da Gravitação Universal de Newton, para o caso

simples de uma órbita circular [Sugestão: Analise o Equilíbrio entre a Força de Atracção Gravitacional e a Força

Centrípeta].

Ex. 6: A Terra tem um período sideral de 1 ano e o semi-eixo maior da sua órbita é 149.6 x 106 km. Determine qual

o valor do semi-eixo maior da órbita de Marte, sabendo que o seu período sideral é de 687 dias.

Ex. 7: Determine o momento angular da Terra em relação ao centro do Sol, admitindo que a sua trajectória é circular

e tem de raio 1.5 x 108 km. Despreze o movimento de rotação e considere que a massa da Terra é de 6.0 x 1024 kg.

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Capítulo 2 - SISMOLOGIA Uma das mais devastadoras catástrofes naturais, pelo número de vítimas e pelos danos materiais que origina, é a

causada pelos sismos que periodicamente atingem a Terra. Alguns sismos têm chegado a causar um número de

mortos que ultrapassa as centenas de milhar e os seus efeitos destruidores têm-se sentido em áreas muito amplas,

abrangendo centenas de milhar de quilómetros quadrados.

Segundo Bolt [1999] “O tremor de terra que durante longo tempo ocupou o lugar entre os maiores dos temos

modernos foi o sismo de Lisboa de 1755”. O sismo ocorreu cerca das 9h 30 min, em Lisboa, causando fortes danos

ao longo das costas da Península Ibérica e de Marrocos, destruindo Lisboa e afectando uma área de três milhões de

quilómetros quadrados. As dimensões catastróficas deste fenómeno tiveram um tremendo impacto na cidade de

Lisboa e nalgumas povoações da costa do Algarve. A Intensidade Macrosísmica (ver capítulo posterior) estimada

para a cidade de Lisboa é de X-XI e de cerca de X (escala de Mercalli) no sudoeste Algarvio (Pereira de Sousa,

1919). Este sismo gerou ainda um tsunami cujas ondas destrutivas foram observadas em Lisboa, na zona do Cabo

de S. Vicente, no Golfo de Cadiz e no noroeste de Marrocos.

Outros exemplos conhecidos são os do sismo de Assam, na Índia, a 12 de Junho de 1897 que afectou uma área de

350,000 km2, ou o de Kwanto, no Japão, a 1 de Setembro de 1923, em que as cidades de Tokio e Yokohama foram

atingidas pelo fogo, causando um número de mortos superior a 100,000. A China é, também, uma região sujeita a

grandes sismos catastróficos, como o de 1920 que afectou uma área de cerca de 1 milhão de km2, nas províncias

de Kansu e Schansi, e causou 80,000 mortos.

O sismo de São Francisco, que destruiu esta cidade da Califórnia a 18 de Abril de 1906, abriu uma grande fractura

com mais de 300 km de comprimento. Um dos sismos recentes que causou mais vítimas, aconteceu também na

China, na província de Tangshan, a 27 de Julho de 1976, causando aproximadamente 650,000 mortos e 780,000

feridos.

Quando ocorre um sismo, a energia libertada é propagada em todas as direcções sob a forma de ondas elásticas

que, neste caso, se denominam ondas sísmicas. Estas ondas são em parte semelhantes às provocadas na água

quando deixamos cair uma pedra, ou às ondas sonoras que se propagam no ar quando falamos.

2.1 Teoria da Elasticidade

2.1.1 Comportamento elástico, anelástico e plástico dos materiais.

Quando uma força é aplicada a um material o resultado é que se ele deforma : as suas partículas são deslocadas

das suas posições originais. Em muitas situações, os deslocamentos são reversíveis :quando a força é removida as

partículas voltam às suas posições inicias e, por isso, não resulta nenhuma deformação permanente do material.

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Chama-se a isto um comportamento elástico.

O exemplo seguinte ilustra bem a lei do comportamento

elástico. Considere-se um cilindro de altura h e área A

sujeito a uma força F que actua de modo a esticar o cilindro

de uma quantidade h (figura 2.1). A experiência mostra

que, para uma deformação elástica, h é directamente

proporcional à força aplicada e à dimensão “não

deformada” do corpo, mas que é inversamente proporcional

à secção do cilindro. Ou seja que A/Fhh ou

h

hE

A

F (2.1)

Quando a área A se torna infinitesimalmente pequena o valor limite da força por unidade área (F/A) é designado por

tensão . A unidade da tensão é a mesma da pressão, ou seja o Pascal. Quando h se torna infinitesimal a

variação fraccional da dimensão ( hh / ), que é uma grandeza adimensional, é designada por deformação . A

equação anterior diz que, para um comportamento elástico, a deformação de um corpo é proporcional à tensão a ele

aplicada. Esta relação linear é conhecida por lei de Hooke, que é a base da teoria da elasticidade. A constante de

proporcionalidade E designa-se por Módulo de Young.

Para além de um certo limite da tensão, a lei de Hooke

deixa de se verificar (fig 2.2). Ainda que o material se

comporte de modo elástico, a relação tensão-

deformação já não é linear. Se o sólido for deformado

para além de um certo limite, conhecido por limite

elástico, ele já não recuperará a forma original quando a

tensão for removida. Neste intervalo um pequeno

aumento da tensão aplicada provoca um elevado

aumento da deformação. Esta diz-se então que é

plástica e quando a tensão for removida a deformação

não regressa a zero; o material foi deformado de modo

permanente. Se eventualmente a tensão ultrapassar o

limite de resistência do material este “cede”. Em

algumas rochas a cedência pode acontecer

abruptamente, ainda dentro do limite elástico; a isto

chama-se comportamento frágil.

O comportamento não-frágil, ou dúctíl, dos materiais sob tensão depende da escala de tempo da deformação. Um

material elástico deforma-se imediatamente quando a ele se aplica uma tensão e mantém a deformação constante

até que a tensão seja removida, após o que a deformação regressa ao estado inicial.

2.1.2 A matriz das tensões

Considere-se a força F

que actua num cubo cujas arestas estão orientadas de acordo com os eixos x, y e z de

sistema referência Cartesiano ortogonal (figura 2.3). A componente de F

que actua na direcção x designa-se Fx e

mesmo para as outras duas componentes. A dimensão de um pequeno elemento de superfície é caracterizado pela

área A e a sua orientação é descrita pela direcção normal a essa superfície. Por exemplo Ax representa a área A

cuja normal está orientada ao longo dos eixo dos xx (ou seja, que a área que assenta no plano yz). A componente

da força Fx que actua (perpendicularmente) sobre a área Ax produz uma tensão normal xx . Das componentes da

força ao longo dos eixos y e z resultam as tensões de corte yx e zx dadas por:

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0 0 0

, ,lim lim limx x x

yx zxx yx zx

A A Ax x x

FF F

A A A

(2.2)

De um modo semelhante, mas usando desta vez as áreas yA e zA , se definem as outras tensões normais, yy e

zz , bem como as restantes tensões de corte xy , zy , xz e yz . As nove componentes da tensão definem

completamente o estado de tensão a que o corpo está sujeito e podem ser convenientemente descritas pela matriz

das tensões

xx xy xz

yx yy yz

zx zy zz

(0.1)

Se as forças que actuam no corpo

estiverem compensadas de modo

a não provocarem rotações, esta

matriz de 3 3 é simétrica (i.e.

; ;xy yx yz zy zx xz

) e só contém seis elementos

independentes (Porquê ?).

2.1.3 A matriz de deformação

2.1.3.1 Deformação Longitudinal

As deformações produzidas no corpo também podem ser representadas por uma matriz 3 3 . Consideremos

primeiro o caso unidimensional representado na

figura 2.4 centrando a nossa atenção nos pontos x

e ( x x ). Se o ponto x fôr deslocado uma

quantidade infinitesimal u na direcção do eixo dos

xx, o ponto ( x x ) será deslocado de

( u u ), onde u , em aproximação de primeira

ordem, é igual a u x x . A deformação

longitudinal, ou apenas extensão, na direcção x é a

variação fraccional do comprimento do elemento ao

longo do eixo dos xx. A separação original dos dois

pontos era x , mas um ponto foi deslocado de u e

o outro de ( u u ), por isso a nova separação

será dada por ( x u ). A componente da

deformação paralela ao eixo dos xx, xx , é então

dada por

variação da separação

separação originalxx

xx

ux x x

x

x

u

x

(2.3)

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Pag 20

Podemos estender esta descrição da extensão ao caso mais real das três dimensões. Se um ponto (x, y, z) for

deslocado de uma quantidade infinitésimal para a posição ( , ,x u y v z w ), as outras duas deformações

longitudinais yy e zz são definidas por

e yy yy

v w

y z

(2.4)

Num corpo com comportamento elástico as deformações yy e

zz não são independentes de xx . Considere-se a variação

de forma da barra representada na figura 1.5. O alongamento

na direcção paralela a x é acompanhado por uma contração nas

direcções paralelas aos eixos dos yy e zz (esta última não está

obviamente representada na figura, pois ela apenas representa

o que se passa no plano x-y). As deformações yy e zz têm

um sinal oposto, mas são proporcionais à extensão xx , sendo

dadas por

e yy xx zz xx (0.2)

A constante de proporcionalidade é chamada Razão de

Poisson. Os valores das constantes elásticas dos materiais restringem a gama de variação de entre 0 (não existe

contracção lateral) e um máximo de 0.25 (não existe variação de volume) para fluidos imcompressíveis. Em rochas

muito rígidas como é, por exemplo, o caso dos granitos vale cerca de 0.05, enquanto que para sedimentos pouco

consolidados o seu valor já se encontra no intervalo 0.24-0.27. Um corpo para o qual o valor de seja de 0.25 é

designado por corpo de Poisson ideal.

2.1.3.1 Dilatação

A dilatação é definida como sendo a variação fraccional de volume de um elemento no limite em que a sua área

tende para zero. Considere-se um elemento de volume não deformado que tem de lados ,x y e z , e volume

V x y z . Em resultado de deslocamentos infinitésimais ,u v e w as arestas aumentam,

respectivamente, para x u , y v e z w . A variação fraccional de volume é então dada por

x u y v z w x y zV

V x y z

x y z u y z v z x w x y x y z

x y z

u v w

x y z

(2.4)

onde as quantidades muito pequenas (de segunda ordem) como u v , v w , w u e u v w foram

desprezadas. No limite, quando ,x y e z tendem para zero, obtemos a dilatação

xx yy zz

u y w

x y z

(2.5)

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Pag 21

2.1.3.2 Deformação de corte

Geralmente durante a deformação um corpo experimenta não só a deformação longitudinal descrita anteriormente,

mas também uma deformação de corte produzida pelas componentes da tensão de corte ( xy , yz , zx ), que

se manifesta por uma variação das relações angulares entre as diferentes partes do corpo. É mais fácil ilustrar este

fenómeno no caso bi-dimensional. Considere-se o rectângulo de lados x e y deformado devido à aplicação de

uma tensão de corte actuando no plano x y (fig 2.6). Tal como no exemplo prévio da deformação longitudinal, o

ponto A é deslocado paralelamente ao eixo dos xx de uma quantidade u. Contudo, devido à deformação de corte, os

pontos entre A e D experimentam deslocamentos tanto maiores quanto mais afastados estiverem de A. O ponto D,

que dista de y na vertical de A é deslocado de uma quantidade de u y y na direcção do eixo dos xx. Isto

provoca uma pequena rotação 1 no sentido horário do lado AD dada por

1tan

u y y u

y y

(2.6)

De um modo semelhante, o ponto A é deslocado paralelamente ao eixo dos yy de uma quantidade v, enquanto que

o ponto B que está a uma distância horizontal x de A é deslocado de v x x na direcção do eixo dos yy.

Em consequência disto, o lado AB é sofre uma pequena rotação 2 no sentido anti-horário dada por

2tan

v x x v

x x

(2.7)

As deformações elásticas processam-se através de deslocações e deformações infinitésimais, por isso os ângulos

são normalmente pequenos, o que nos permite fazer a aproximação de que 1 1tan e 2 2tan . A

deformação de corte no plano x-y ( xy ) define-se como sendo metade da deformação angular total (ou a média das

duas deformações)

1

2xy

v u

x y

(2.8)

Transpondo x e y e os deslocamentos correspondentes u e v obtemos a componente yx

1

2yx

u v

y x

que é idêntica xy . A distorção angular total no plano x-y é ( xy yx ). Mais uma vez, de modo análogo as

componentes da deformação yz zy e xz zx são definidas, respectivamente, nos planos y-z e z-x por

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 22

1

2

1

2

yz zy

zx xz

w v

y z

u w

z x

(2.9)

Finalmente, as deformações longitudinais e de corte definem uma matriz 3 3 simétrica, chamada a matriz das

deformações

xx xy xz

yx yy yz

zx zy zz

(2.10)

2.1.4 As constantes elásticas.

No intervalo de deformação elástica a lei de Hooke diz-nos que existe uma relação linear entre a tensão e a

deformação, sendo que o quociente entre estas duas grandezas define uma constante elástica. Como por sua vez

as deformações já são dadas por quocientes entre comprimentos (por isso são adimensionais) as constantes

elásticas têm as mesmas dimensões que a tensão (Nm-2). Os módulos elásticos (outro nome dado às constantes

elásticas), definidos para diferentes tipos de deformações, são o módulo de Young, o coeficiente de rigidez e o

módulo de volume (“bulk modulus”).

O módulo de Young (E) define-se a partir da deformação extensional. Cada deformação longitudinal é proporcional à

componente da tensão correspondente, ou seja

, ,xx xx yy yy zz zzE E E (2.11)

O módulo de rigidez ( ) define-se a partir da deformação de corte. Tal como na deformação longitudinal cada

tensão de corte é proporcional à componente da tensão de corte correspondente, ou seja

, ,xy xy yz yz zx zx (2.12)

O módulo de volume, ou incompressibilidade, (K) define-se a partir da dilatação sofrida por um corpo quando sob o

efeito de uma pressão hidrostática. Em condições hidrostáticas as componentes da tensão de corte são nulas

( 0xy yz zx ) e a pressão é igual em todas as direcções ( xx yy zz p ). Isto acontece

porque, em condições hisdrostáticas, a pressão p resulta apenas do peso por unidade de área da coluna de fluído

que encontra acima de um determinado nível. O módulo de volume é dado pela razão entre a pressão hidrostática e

a dilatação, ou

p K (2.13)

Ao inverso do módulo de volume chama-se compressibilidade.

2.1.4.1 Relação entre os módulos K e , o módulo de Young e a razão de Poisson

Considere-se um elemento de volume rectangular sujeito às tensões normais ,xx yy e zz das quais resultam

as defromações ,xx yy e zz . Contudo, cada componente da deformação não depende apenas da

correspondente componente da tensão. Senão vejamos: aplicando a lei de Hooke, a tensão xx produz uma

extensão de xx E na direcção x, mas a tensão yy , ao provocar uma extensão de yy E na direcção y,

induz também uma contracção ( )yy E na direcção x. Do mesmo modo. A componente da tensão zz

contribui com ( )zz E para a contracção na direcção x. Assim

Page 24: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 23

yyxx zzxx

E E E

(2.14)

relações semelhantes existem para descrever a deformação longitudinal total para as outras duas componentes

yy e zz . Podemos então reescrevê-las como

xx xx yy zz

yy yy zz xx

zz zz xx yy

E

E

E

(2.15)

adicionando-as, obtemos

1 2xx yy zz xx yy zzE (2.16)

Consideremos agora o efeito de uma pressão hidrostática, p, onde xx yy zzp . Usando a definição da

dilatação dada pela equação (2.5), obtemos

1 2 3

1 2 3

E p

pE

(2.17)

que, usando a definição da dilatação em função de p ( p K ), permite escrever para K

3 1 2

EK

(2.18)

Um pouco mais complicada, e não será feita aqui, é a demonstração da relação que existe entre o módulo de rigidez

e o módulo de Young e a razão de Poisson. Estas três grandezas estão relacionadas através da seguinte expressão

2 1

E

(0.3)

As constantes de Lamé

Para se tratar convenientemente com a teoria da elasticidade é conveniente utilizar a notação tensorial. Nesta

notação, as componentes da tensão e da deformação são escritas na forma ij e ij , onde os índices i e j podem

tomar os valores de x, y ou z. Podemos então escrever a lei de Hooke para um sólido elástico e isotrópico na forma

2ij ij ij (2.19)

Nesta expressão continua a representar a dilatação e ij é chamado de símbolo de Krönecker. Este símbolo tem

como característica o valer zero se i for diferente de j e valer 1 caso i seja igual a j, ou seja, 0 se ij i j e

1 se ij i j . As constantes e , denominadas de constantes de Lamé, estão relacionadas com as

constantes elásticas definidas anteriormente. é equivalente ao módulo de rigidez e K e E podem-se exprimir em

termos de e .

2.1.4.2 Relação entre K e as constantes de Lamé

Como vimos atrás, o módulo de volume descreve-nos a variação volumétrica de um corpo quando sujeito à acção

das tensões normais ,xx yy e zz . Expandindo a equação tensorial da lei de Hooke para estas componentes

da tensão obtém-se

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 24

2

2

2

xx xx

yy yy

zz zz

(2.20)

que adicionadas e assumindo condições hidrostáticas ( xx yy zz p ) dá

3 2

3 3 2

xx yy zz xx yy zz

p

(2.21)

e usando a definição de K p , vem

2

3K (2.22)

2.1.4.3 Módulo de Young, Razão de Poisson e as constantes de Lamé

O módulo de Young descreve a deformação longitudinal quando uma tensão normal é aplicada ao material. Se

apenas for aplicada a tensão xx (i.e. 0yy zz ), a lei de Hooke toma a forma

2

0 2

0 2

xx xx

yy

zz

(2.23)

expandindo estas equações, e recordando que xx yy zz , vem

2

0 2

0 2

xx xx yy zz

xx yy zz

xx yy zz

(2.24)

ora agora podemos resolver este sistema de equações em ordem a ,xx yy e zz , não esquecendo que

xx xxE e que yy xx zz xx , o que permite obter

3 2

2

E

(2.25)

Como os valores de e são muito parecidos em alguns materiais, podemos assumir que de onde resulta

que 0.25 . Esta aproximação é conhecida por relação de Poisson e pode-se aplicar a muitas dos materiais

terrestres.

2.1.4.4 Anisotropia

A discussão precedente apresentou-nos as parâmetros elásticos como sendo constantes. Contudo, na natureza isto

não é estritamente verdadeiro, pois eles dependem de condições tais como a pressão e a temperatura e só poderão

ser considerados constantes em circunstâncias específicas. Dada esta dependência com a pressão e a temperatura

os parâmetros elásticos têm que variar com a profundidade. Para além disso, na exposição apresentada admitiu-se

também que a relação entre a tensão e a deformação era igual para todas as direcções, uma propriedade que se

chama de isotropia. O contrário disto, a anisotropia, significa que se bem que a relação entre a tensão e a

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 25

deformação continue a ser linear, as constantes de proporcionalidade variam consoante a direcção em que estamos

a “olhar”. Na verdade, é isto que acontece em muitos minerais, especialmente se eles tiverem simetria uniaxial.

Considerando o caso mais real de uma substância anisotrópica, as relações entre as componentes das tensões e

deformações são bastante mais complexas e são neste caso necessários 21 parâmetros para descrever o

comportamento elástico anisotrópico (contrariamente aos dois, e , que bastam para o caso isotrópico). A

velocidade das ondas sísmicas, que depende só dos parâmetros elásticos, depende assim da direcção em que a

onda se propaga quando o meio é anisotrópico.

2.2 As ondas sísmicas

A descrição da propagação de ondas sísmicas através de meios heterogéneos é extremamente complexa por isso,

para se obterem equações que descrevam essa propagação adequadamente, é necessário admitir condições

simplificadoras. Uma delas consiste em assumir que o meio heterogéneo pode ser convenientemente modelado por

uma sucessão de camadas paralelas, no interior das quais se podem assumir condições de homogeneidade. Uma

escolha conveniente da espessura, densidade e propriedades elásticas de cada camada permite fazer uma

aproximação realista das condições naturais. Contudo, a mais importante consiste em admitir que a perturbação

sísmica se propaga atavés de um deslocamento elástico do meio. Apesar de isto não ser verdadeiro nas imediações

da fonte sísmica (onde as partículas são deslocadas permanentemente em relação à posição das sua vizinhas –

senão não haveria ruptura), para além de uma certa distância desta é muito razoável admitir que a amplitude da

perturbação diminui a um nível para o qual o meio apenas se deforma elasticamente, permitindo a passagem a onda

sísmica.

Vejamos agora o que

sucede quando a energia

sísmica é libertada a partir

de um ponto P pertencente a

um meio homogéneo, mas

localizado perto da sua

superfície (fig 2.7). Nestas

circunstâncias, parte da

energia propaga-se através

do meio sob a forma de

ondas que se designam por

ondas volúmicas, e a parte

restante da energia desloca-

se ao longo da superfície

sob a forma de ondas que se

designam por ondas

superficiais. Uma analogia

apropriada para descrever este último tipo de ondas é o das ondículas que se geram e propagam na superfície livre

da água em repouso quando a ela se atira, por exemplo, uma pedra.

2.2.1 Ondas volúmicas.

Tal como qualquer outro tipo de ondas que se propague através de um espaço tri-dimensional e cuja fonte possa ser

considerada como uma fonte pontual, a amplitude das ondas sísmicas decresce com inverso da distância r à fonte.

Para além disso, a superfície definida como aquela em que todos os pontos se encontram no mesmo estado de

vibração (i.e. estão em fase) designa-se por frente de onda. Para pequenas distâncias à fonte, a frente de onda tem

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Pag 26

uma forma esférica. Contudo, com o aumento da distância r a frente de onda torna-se progressivamente mais plana,

de tal modo que, para grandes distâncias, se pode fazer a aproximação de que a dita frente de onda é uma onda

plana. Por analogia ao caso da óptica, a direcção perpendicular à frente de onda designa-se por raio sísmico. A

aproximação da onda plana permite a utilização de um sistema de coordenadas Cartesiano e ortogonal para

descrever o movimento harmónico no plano da frente de onda, o que constitui uma simplificação bastante

conveniente. No entanto, mesmo com esta aproximação, a descrição matemática dos movimentos tri-dimensionais

do meio elástico é bastante complexa. Não iremos fazer aqui esse tratamento completo, mas apenas uma descrição

mais simples e menos rigorosa, que permite ainda assim compreender muito sobre a propagação das ondas

volúmicas.

2.2.1.1. Ondas longitudinais, ou compressivas

Tratemos primeiro o caso de uma onda unidimensional. Para isso, vamos considerar um sistema de eixos

cartesianos em que o eixo x aponta na direcção de propagação da onda e os eixos y e z assentam no plano da

frente de onda. Na direcção x o movimento das partículas é o que se poderá chamar de “para a frente e para trás”,

resultando daqui que o meio é

sucessivamente comprimido e

distendido (figura 2.9a). É a

propagação deste movimento

vibratório, ao longo de uma dada

direcção (a do nosso eixo dos xx,

neste caso), que constitui a onda

longitudinal. Uma onda a propagar-

se ao longo de uma mola constitui

uma excelente analogia para este

tipo de ondas sísmicas.

Na figura 2.9b xA representa a área

da frente de onda perpendicular à

direcção de propagação. Numa

posição qualquer x (fig 2.9c), a passagem da onda produz um deslocamento u e uma força xF na direcção x. Na

posição x dx é de u du e a força x xF dF . Aqui, dx representa o comprimento infinitesimal de um pequeno

elemento de volume cuja massa é xdxA . A força resultante que actua neste elemento de volume é dada por

xx x x x

FF dF F dF dx

x

Esta força xF é causada pela componente da tensão xx que actua na área xA e que é igual a xx xA .

Podemos agora escrever a equação do movimento unidimensional, usando para isso a 2ª lei de Newton

2

2

xxx x

udxA dxA

xt

(2.26)

A definição do módulo de Young, E, e da deformação normal xx permite escrever

xx xx

uE E

x

(2.27)

substituindo nas equações anteriores em obtemos a equação da onda unidimensional

2 22

2 2

u uV

t t

(2.28)

Page 28: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 27

onde V representa a velocidade da onda, dada por

EV

(2.29)

Este caso agora

apresentado da onda

unidimensional é na

verdade bastante restritivo,

pois não considerou o que

se passa nas direcções y e

z. Recorde-se que num

sólido elástico, as

deformações numa

direcção qualquer estão

sempre acopladas às

deformações transversais

via razão de Poisson do

meio. Quer isto dizer, por

exemplo neste caso, que a

área xA não poderia ter

sido considerada constan-

te. Para se ser rigoroso, o

que se deve fazer é olhar

para o que acontece

simultaneamente ao longo

de cada uma das três direcções do espaço. Isto pode ser feito se se analizarem as variações de volume de um

elemento do meio quando este é “atravessado” pela onda. Fazendo isso, a equação da onda compressiva na

direcção x é

2 22

2 2t x

(2.30)

onde representa a velocidade de propagação da onda que, usando a equação (2.23) 2 3K , é dada

por

2 4 3K

(2.31)

As ondas longitudinais são as mais rápidas de todas as ondas sísmicas e, como tal, quando ocorre um sismo estas

são as primeiras a chegar a um dado local, sendo por isso chamadas de ondas primárias, ou ondas-P. A equação

(2.31) mostra também que as ondas P se deslocam tanto através de sólidos, como de líquidos e gases (neste último

caso, constituem as nossas conhecidas ondas sonoras), pois todos eles são compressíveis ( 0K ). No entanto,

os líquidos e os gases não suportam tensões de corte e por isso 0 (equivalente a dizer que eles não têm

rigidez). Logo, a velocidade destas ondas nos fluidos é dada apenas por

K

(2.32)

Page 29: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 28

2.2.1.2. Ondas transversais, ou de corte

Nas ondas transversais o

movimento de vibração dá-se no

o plano definido pela frente de

onda e, como tal,

perpendicularmente à direcção

de propagação (figs 2.10 e 2.11).

Vamos começar por estudar

apenas o que se passa no plano

vertical definido pelos eixos x e

z.

Também como boa analogia a

este tipo de ondas se pode citar

o exemplo da corda da roupa

bem esticada, que é posta a

vibrar com uma perturbação

exercida na vertical. A passagem

da onda transversal obriga a que

os planos verticais do meio se movam “para cima e para baixo” e que por isso os elementos adjacentes do meio

sofram variações de forma, alternando esta entre a de um rectângulo e um losângulo (fig 2.11a).

Centremo-nos apenas sobre o que sucede a um elemento de volume (fig 2.11b) cujos planos verticais estão

separados de dx . A passagem da onda ao longo da direcção x produz um deslocamento w e uma força zF na

direcção do eixo dos zz. Na posição x dx o deslocamento é de w dw e a força z zF dF . A massa do

pequeno elemento de volume ladeado por planos de área xA é xdxA e a força resultante que nele actua,

segundo a direcção z

zz z z z

FF dF F dF dx

x

(2.33)

a força zF resulta da aplicação da tensão de corte xz na área xA e é igual a xz xA . A equação do movimento

Page 30: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 29

vem então dada por

2

2

xzx x

wdxA dxA

xt

(2.34)

Dado que neste caso a área dos paralelogramos entre os dois planos verticais adjacentes é igual, não existe

variação de volume. Assim sendo, a dilatação é zero e a lei de Hooke (eq. 2.19) para a componente xz dá

2xz xz (2.35)

Da definição das tensões de corte (eq. 2.12) temos

1

2xz

w u

x z

Para uma onda transversal uni-dimensional não há variação da distância horizontal dx entre os planos verticais; du e

u z são zero e xz é igual a ( / ) / 2w x . Substituindo em (2.35) vem

xz

w

x

(2.36)

e com um pequeno rearranjo dá

2 22

2 2

w w

t x

(2.37)

onde é a velocidade da onda transversal, dada por

(2.38)

O que se vê é que a única propriedade elástica que condiciona a velocidade das ondas transversais é a rigidez, .

Como nos líquidos e gases é zero, neste tipo de meios não é possível propagarem-se ondas transversais. Se

agora compararmos a velocidade das ondas longitudinais e transversais nos sólidos (eqs (2.31) e (2.38)) vemos que

K 22

3

4 (2.39)

o que significa que é sempre maior que , ou seja, as ondas transversais deslocam-se mais lentamente que as

ondas-P e são por isso registadas nos sismogramas como ondas mais tardias. Por esta razão as ondas transversais

são conhecidas por ondas secundárias, ou ondas-S.

Esta descrição de ondas-S foi feita para o caso unidimensional de uma onda que se desloca ao longo da direcção x,

mas na qual o movimento das partículas se processa ao longo da direcção z. Por esta razão se costuma chamar a

este tipo de ondas-S ondas polarizadas no plano vertical, ou ondas-SV. Uma equação em tudo semelhante descreve

a onda transversal que se desloque também na direcção x, mas com movimento das partículas segundo a direcção

y. Na sequência da mesma lógica, diz-se que estas ondas estão polarizadas no plano horizontal e o seu nome será

obviamente ondas-SH.

Porém, tal como no caso das ondas-P, este tratamento da transmissão das ondas-S foi simplificado. A passagem de

uma onda transversal envolve uma rotação dos elementos de volume no plano da frente de onda, sem contudo

alterar o volume desses elementos. Por esta razão, as ondas transversais são algumas vezes designadas por ondas

rotacionais. A rotação é dada por um vector cujas componentes são

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 30

; ;x y z

w v u w v u

y z z x x y

(2.40)

O conjunto mais completo de equações para ondas transversais que se deslocam na direcção x é

2 22

2 2t x

(2.41)

onde continua a representar a velocidade das ondas-S tal como esta é dada pela eq. (4.42)

2.2.2 Ondas superficiais

Uma perturbação exercida na superfície livre de um meio propaga-se, a aprtir da fonte, sob a forma de ondas

sísmicas superficiais. Tal como as ondas volúmicas podem ser classificadas em ondas-P e ondas-S, também

existem duas categorias de ondas superficiais: as ondas de Rayleigh (LR) as ondas de Love (LQ), que se distinguem

entre si pelo tipo de movimento que as partículas descrevem na frente de onda.

2.2.2.1Ondas de Rayleigh

O movimento das partículas na frente de onda de uma onda de Rayleigh está polarizado no plano vertical e pode ser

visualizado como uma combinação de vibrações do tipo P e SV. Se a sentido de propagação se der para a direita do

observador (fig 4.12), o movimento das partículas individuais descreve uma elipse retrogada alinhada no plano

vertical. O eixo maior desta elipse está alinhado segundo a vertical e o eixo menor na direcção de propagação da

onda. Se a relação de Poisson se aplicar (i.e. 0.25 ), a teoria das ondas de Rayleigh prevê uma velocidade

(VLR) para estas ondas igual a 0.9194 da velocidadde () das ondas-S. É isto que se verifica aproximadamente na

Terra.

SV

P

Figura 2.12 Movimento das partículas provocado pela passagem de uma onda de Rayleigh.

Tal como nas ondas do mar, o deslocamento das partículas não está confinado apenas à superfície livre do meio.

Abaixo deste, as partículas são também afectadas pela passagem da onda. Num semi-espaço homogéneo, a

amplitude do movimento das partículas decresce exponencialmente com o aumento da profundidade. Para a

profundidade de penetração deste tipo de ondas é usual tomar o valor para o qual a amplitude é atenuada para um

valor de e-1 do seu valor à superfície. Ondas com comprimento de onda têm uma profundidade de penetração

característica de 0.4 .

2.2.2.2Ondas de Love

As condições fronteira que governam as componentes da tensão na superfície livre de um espaço elástico semi-

infinito não permitem a propagação de ondas-SH ao longo dessa superfície. Contudo, A. Love demonstrou (em

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 31

1911) que se existir uma camada horizontal entre a superfície livre e o hemi-espaço semi-infinito, então as ondas-

SH que são reflectidas pelo topo e base dessa camada com um ângulo superior ao ângulo crítico (veremos melhor

mais tarde o que isto significa) podem interferir constructivamente para produzir uma onda superficial com

movimento de partículas na horizontal (fig 4.13). A velocidade (1) das ondas-S na camada junto à superfície tem

que ser menor que a do hemi-espaço subjacente (2), e a velocidade das ondas de Love (VLQ) está compreendida

entre os dois valores extremos: 1 2LQV .

Figura 2.13 Movimento das partículas provocado pela passagem de uma onda de Love. Note-se que embora não se possa ter essa impressaõ à primeira vista, o movimento das partículas processa-se apenas no plano hirozontal.

2.3. O sismómetro

Pode-se dizer que a ciência da sismologia nasce com a invenção do aparelho que permite converter os movimentos

de vibração do solo, mesmo aqueles que são demasiado fracos para os sentirmos, para um registo visível. Esse

instrumento, chamado sismógrafo, consiste num sensor que detecta e amplifica os movimentos do solo que por sua

vez se chama sismómetro, e num registador que produz um registo visivel do movimento, chamado sismograma.

2.3.1 Princípio de funcionamento do sismómetro

Os sismómetros são desenhados para reagir ao movimento do solo numa dada direcção. Dependendo do desenho

assim eles podem responder a movimentos verticais ou horizontais. A maioria das concepções assenta em

variações da aplicação de pêndulos simples.

2.3.1.1. Sismómetro de movimento vertical

O esquema típico utilizado nos sismómetros mecânicos de movimento vertical está representado na figura 4.14a. Os

sismómetros electomagnéticos (fig 2.14b) respondem ao movimento relativo entre um íman, que está solidário com

o solo, e uma bobine de fio conductor enrrolada em torno de uma massa inercial suspensa por uma pequena mola.

Qualquer movimento da bobine no interior do campo magnético induz uma voltagem na bobine proporcional à taxa

de variação do fluxo magnético. Durante a passagem da onda sísmica, a vibração do solo relativamente à bobine é

transformada num sinal eléctrico que posteriormente é amplificado e registado.

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 32

bobine

mola massainercial

imanfixo àbase

solo

(b)

(a)

tamborrotativo

mola

pivô

tambor demovimento

vertical

massapesada

movimentovertical da base

não semove

Figura 2.14 Diagramas esquemáticos que mostram o princípio do funcionamento do sismómetro de componente vertical. (a)

modelo mecânico. (b) modelo electromagnético.

2.3.1.2. Sismómetro de movimento horizontal

Figura 2.15 Diagrama esquemático do sismómetro de componente horizontal.

O princípio de funcionamento do sismómetro mecânico de movimento horizontal é idêntico ao do movimento vertical.

Tal como nesse caso, a massa inercial é montada numa barra horizontal, mas o seu fulcro está quase na vertical, de

tal modo que a massa está confina a mover-se apenas num plano quase horizontal (fig 2.15). O comportamento

deste sistema é semelhante ao de uma porta cujas dobradiças estejam ligeiramente desalinhadas da vertical, a

“inclinar-se para a frente”. A posição de eqilíbrio para uma porta nestas condições encontra-se onde o centro de

massa estiver no ponto mais baixo. Para qualquer movimento da porta, a força gavitacional tenta faze-la voltar à

posição de equilíbrio. O mesmo sucede com a massa inercial destes sismómetros.

2.3.2.O sismograma

O sismograma representa a conversão do sinal do sismómetro para um registo temporal do evento sísmico. Nos

primeiros tempos da sismologia moderna, o modo mais comun de obter directamente um registo visível usava um

tambor que rodava a velocidade constante de molde a providenciar uma escala temporal no registo. A invenção dos

simómetros electromagnéticos permitiu a conversão do sinal sísmico em sinal eléctrico que é então registado.

Durante muitos anos usaram-se galvanómetros para converter o sinal eléctrico de volta a uma forma mecânica que

era posteriormente visualizada. Os sismómetros modernos porém, convertem o sinal eléctrico para uma forma

digital, através de circuitos electrónicos de conversão analógico-digital, que são depois registados em suporte

magnético. Para além dos registos digitais terem maior fidelidade que os analógicos, eles apresentam como

principal vantagem o facto de já estarem “prontos” para o processamento numérico por computador.

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 33

2.3.2.1 Fases num sismograma

O sismograma de um sismo distante contém chegadas de numerosas ondas sísmicas que viajaram por vários

percursos diferentes através da Terra desde a fonte até ao receptor. Devido a este facto o aspecto do sismograma

costuma ser bastante complexo e a sua interpretação requer uma considerável experiência. A análise das ondas

que sofreram refexões e refracções multiplas será tratada mais adiante. Cada evento que é registado no

sismograma é designado pelo termo de fase.

Como já vimos, as ondas-P são aquelas que se

deslocam mais rapidamente e por isso são as

primeiras a chegar. Assim, a primeira fase de um

sismograma corresponde à chegada deste tipo de

ondas. Em seguida chegam as ondas-S, que

habitualmente têm uma amplitude superior à das

ondas-P. De seguida chegam as perturbações

associadas com as ondas superficiais (ondas com

comprimento de onda muito superior), que se

caracterizam também por possuirem uma

amplitude mais elevada que a das ondas

volúmicas. De entre as ondas longas, as ondas

de Love deslocam-se com quase a mesma

velocidade das ondas-S à superfície ( LQV )

e por isso chegam mais rapidamente que as

ondas de Rayleigh ( 0.92LRV ).

As fases detectadas nos sismogramas dependem

do tipo de sensor utilizado e da orientação relativa deste com respeito à direcção de chegada das ondas sísmicas.

Por exemplo, um sismómetro de componente vertical pode detectar ondas P, SV e Rayleigh mas não as ondas SH e

de Love, enquanto que num sismómetro de componente horizontal se podem detectar as fases P, SH Rayleigh e

Love. Os dois sismogramas representados na figura 4.16 ilustram bem o que acabámos de referir. Note-se que no

sismograma da componente horizontal é praticamente impossível destinguir a chegada das ondas-P. Tal facto deve-

se a que a estação estava orientada quase paralelamente à direcção de propagação do raio sísmico.

2.4. Sismologia

2.4.1 A teoria do ressalto elástico

Quando o material terrestre é sujeito a um nível de tensão tal que nultrapasse o seu limite elástico este cede. A

cedência pode ocorrer de um modo dúctil ou por fractura frágil. A segunda destas situações produz um sismo. Para

provocar um sismo temos então de encontrar reunidas duas condições: 1) tem que existir algum tipo de movimento

diferencial no material de modo a que a tensão se possa acumular e ultrapassar o limite elástico do material e; 2) o

material tem de ceder por fractura frágil. A única região da Terra onde verificam estas condições é na litosfera e por

isso só nela ocorrem os temores de terra, particularmente onde as tensões estão concentradas junto das fronteiras

das placas. O modelo do ressalto elástico sustem que uma rocha pode ser sujeita a uma tensão, obedecendo à lei

de Hooke, até atingir o limite elástico. A situação está ilustrada na figura pelas deformações sofridas pelas cinco

linhas, inicialmente paralelas e desenhadas perpendicularmente ao traço da falha.

Figura 2.16 Sismograma de banda larga de um sismo no Perú (in Lowrie, 1997).

Componente

Horizontal

Componente

Vertical

Tempo (s)

S ScS

SSsS

pP

P

400

LQ

LR

4

2

0

-2

-4

-4

-2

0

2

4

800 1200 1600 2000

Des

loca

men

to (

x 1

05)

Des

loca

men

to (

x 1

05)

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 34

A deformação, devida ao movimento diferencial dos dois blocos, acumula-se durante anos.

Quando o limite de resistência é atingido (neste exemplo no ponto C) dá-se a fractura,

ocorre um deslocamento violento no plano da falha (um ressalto) e a energia de

deformação que estava armazenada nas rochas é libertada sob a forma de ondas sísmicas.

Os segmentos BC e C’D sofrem uma compressão, enquanto que CD e BC’ sofrem

dilatação. Neste exemplo, os pontos A e E não se movem, por isso a energia de

deformação nesses locais não é libertada e continua latente para uma futura repetição do

processo. Não houve aqui deslocamento ao longo do comprimento total do plano de falha,

apenas na região para a qual o limite de resistência foi ultrapassado. Quanto mais longa for

a parte do plano de falha que é posta em movimento, mais forte é o sismo.

No modelo do ressalto elástico parte-se de uma situação em que, à partida, as rochas

submetidas à deformação ainda não estavam fracturadas, ou seja em rigor a falha só passa a existir após ser

atingido o limite elástico numa dada região do meio. Contudo, quando a tensão se voltar a acumular, o limite que é

necessário atingir para provocar um novo ressalto (outro sismo) já

será mais reduzido. Este limite é dado pelo atrito nos dois lábios da

falha.

Em situações reais, as falhas não são obviamente linhas rectas

como neste exemplo. Elas têm uma largura finita e apresentam uma

certa curvatura. Para além disso, não devemos falar de falhas mas

sim de zonas de fractura, onde à falha principal estão associadas

falhas secundárias que cruzam a principal com orientações variáveis.

Estas famílias de falhas laterais são muito importantes na

redistribuição da deformação pós-sísmica. Embora a maior parte da

energia seja libertada durante o choque principal, durante muitas

semanas ou meses após um sismo forte, continuam a registar-se

numerosos sismos de menor magnitude conhecidos por réplicas.

Também acontece às vezes que durante a fase de acumulação da tensão parte desta é libertada sob a forma de

pequenos sismos que, quando a posteriori podem ser relacionados com um evento significativo, são designados de

premonitores. Em zonas cuja sismicidade é melhor conhecida, tenta-se usar estes sismos como indicadores de que

a energia de deformação se está a acumular e que um sismo forte esteja eminente, daí a razão de ser do seu nome.

Note-se, porém, que a palavra “eminente” significa aqui alguns anos.

Ainda que a geração de um sismo envolva o movimento numa superfície de muitos quilómetros quadrados de área

(o plano da falha), quando observado a centenas ou milhares de quilómetros de distância, o sismo parece ter sido

provocado por uma fonte pontual. O ponto de onde emanam as ondas sísmicas chama-se hipocentro ou foco e a

sua projecção à superfície da Terra designa-se por epicentro. A distância entre o epicentro e o foco é a distância

focal.

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 35

2.4.2 Localização dos sismos

A distância epicentral é a distância entre uma estação sísmica e o epicentro do sismo e pode ser expressa tanto em

quilómetros km ao longo da superfície da Terra ou pelo ângulo subentendido no centro da Terra. Os tempos de

percurso das ondas S e P desde o local do sismo até uma estação dependem da distância epicentral.

Existem nomogramas médios para conversão das diferenças S-P em distâncias epicentrais, se bem que os meios

de cálculo actualmente disponíveis permitem a utilização de modelos de velocidade adaptados a cada região. Um

nomograma deste tipo está representado na figura a baixo. Um exemplo poderia ser o seguinte:

Estação Sismográfica Tempo de

chegada P

Tempo de

chegada S

PSt

Lisboa 06:32:20.0 06:32:41.9 21.9

Manteigas 06:32:44.7 06:33:25.0 40.3

Faro 06:32:03.0 06:32:11.5 8.5

A conversão daria origem aos resultados seguintes:

Estação PSt distância

Lisboa 21.9 s 190 km

Manteigas 40.3 s 380 km

Faro 8.5 s 75 km

Basta, então, traçar com o auxílio de um compasso três arcos de circunferência e a sua intersecção indicará de

imediato o foco do sismo.

Geralmente os circulos não se intersectam exactamente num ponto. Isto resulta em parte de erros observacionais,

mas também porque o conhecimento teórico das curvas dos tempos de percurso das ondas S e P é imperfeito. No

entanto, a razão principal resulta do facto de as ondas sísmicas provirem do foco (hipocentro) e não do epicentro. A

distância focal do sismo, d, que pode valer até algumas centenas de quilómetros tem que ser levada em

consideração.

2.4.3 Sismicidade global

Os epicentros de cerca de 30.000 sismos são divulgados anualmente por agências internacionais e algumas

universidades. A distribuição geográfica da sismicidade global (fig 4.19) ilustra de um modo inequívoco onde se

encontram as regiões tectonicamente activas da Terra. Os mapas da sismicidade constituem uma evidência

extremamente importante no suporte à teoria tectónica das placas.

Os epicentros dos sismos não se distribuem uniformemente sobre a superfície da Terra, mas aglomeram-se de um

modo predominante ao longo de zonas estreitas de actividade sísmica interplacas. O chamado arco circum-Pacífico,

que é responsável pela libertação de cerca de 75–80 % da energia sísmica anual, forma uma cintura que abarca as

cadeias de montanhas da costa Oeste das américas e os arcos insulares ao longo das costas da Ásia e da Austrália.

A zona mediterrânica–transasiática é responsável pela libertação de cerca de 15–20 % da energia sísmica anual.

Esta zona começa na junção tripla dos Açores, continua pela zona de fractura Açores–Gibraltar (fig 4.20), pelo norte

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 36

de África, encurva através da península itálica, passa pelos Alpes, Grécia, Turquia, Irão, Himalaias e termina

finalmente nos arcos insulares do sudoeste da Ásia. O sistema das cristas oceânicas forma a terceira zona de maior

sismicidade, com 3–7 % da energia sísmica anual. Para além da sismicidade, cada uma destas zonas é também

caracterizada pela existência de vulcanismo activo.

Figura 2.19 Distribuição geográfica da sismicidade com magnitude superior a 5 para o período 1980-1999 que ilustram quais são

as zonas tectonicamente activas.

A parte restante da Terra é considerada como sendo asísmica. Contudo, nenhuma região se pode considerar

completamente livre da possibilidade da ocorrência de sismos. Cerca de 1 % da sismicidade global é devida a

sismicidade intraplacas, a qual ocorre em regiões remotas das principais zonas activas, mas não se pense que estes

sismos são necessariamente insignificantes; sismos muito grandes e devastadores ocorreram no interior dos

Estados Unidos e da China.

Os sismos podem também ser classificados de acordo com a sua profundidade focal. Tremores com profundidades

focais inferiores a 70 km ocorrrem em todas as zonas sismicamente activas, mas no sistema de cristas oceânicas os

focos têm profundidades inferiores a 10–15 km. A maior parte da energia anual, cerca de 85 %, é libertada pelos

sismos pouco profundos. A parte restante é libertada por sismos de profundidade focal intermédia de 70–300 km

(cerca de 12 %) e por sismos com hipocentros superiores a 300 km (cerca de 3 %). Estes acontecem só no arco

circum-Pacífico e na zona mediterrânica– transasiática e acompanham o processo de subducção.

2.4.4. “Tamanho” dos tremores de terra

Existem dois métodos para decrever a dimensão de um tremor de terra: a intensidade é um parâmetro qualitativo

cuja estimativa é baseada na análise dos efeitos do movimento do solo numa dada localização; a magnitude é uma

grandeza quantitativa instrumental que está relacionada com a quantidade de energia que é libertada pelo sismo.

Sem grande razão de ser, é normalmente a magnitude que é referida nas coberturas noticiosas dos grandes sismos,

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Pag 37

enquanto que a intensidade, por ser um parâmetro mais apropriado para descrever os efeitos nas construções

humanas, não é normalmente referida. Ou então pior, é usado o termo intensidade quando na verdade se está a

fazer referência à magnitude.

Figura 2.20 Sismicidade na zona da Península Ibérica até 1992. Note-se, porém, que a representação não está feita

proporcionalmente à magnitude de cada sismo, o que pode induzir uma ideia sobrestimada da sismicidade.

2.4.4.1 Intensidade

A intensidade de um sismo é baseada nos efeitos que ele provoca na superfície da Terra tal como eles são

testemunhados pelas pessoas. É por isso um parâmetro algo subjectivo que depende da precisão da observação,

ou mais concretamente da do observador. Para uma dada localização, a intensidade é referida em numeração

romana de acordo com uma escala de intensidades. Na Tabela 2-1 estão descritos os critérios mais relevantes da

escala de Mercalli modificada.

Existem três factores que contribuem para aumentar a intensidade de um dado local. São eles: a magnitude do

sismo, a proximidade do foco e o grau de agregação do solo. A influência dos dois primeiros factores é evidente,

mas a do terceiro é igualmente importante. Por exemplo, solos arenosos pouco consolidados tendem a amplificar os

movimentos do solo, aumentando assim o grau de destruição. A situação pode ainda ser mais séria se os

sedimentos tiverem um elevado conteúdo em água, caso em que pode ocorrer a liquefacção do solo.

Logo após a ocorrência de um sismo (claro que só para aqueles que “vale a pena”) são distribuidos inquéritos às

populações afectadas onde são pedidas informações que são depois utilizadas para determinar a intensidade em

cada local. Estas intensidades são depois representadas sob a forma de mapas onde são desenhadas isolinhas de

intensidade (chamadas isossistas) da mesma forma que as linhas de nível são usadas para fazer mapas

topográficos.

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 38

I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII

Imperceptível: Não sentido. Efeitos marginais e de longo período no caso de grandes sismos.

Muito Fraco: Sentido pelas pessoas em repouso nos andares elevados dos edifícios, ou favoravelmente

colocadas.

Fraco: Sentido dentro de casa. Os objectos pendentes baloiçam. A vibração é semelhante à provocada

pela passagem de veículos pesados. É possível estimar a duração mas não pode ser reconhecido com um

sismo.

Moderado: Os objectos suspensos baloiçam. A vibração é semelhante à provocada pela passagem de

veículos pesados ou à sensação de pancada duma bola pesada nas paredes. Carros estacionados

balançam. Janelas, portas e loiças tremem. Os vidros e loiças chocam ou tilintam. Na parte superior deste

grau as paredes e as estruturas de madeira rangem.

Forte: Sentido fora de casa; pode ser avaliada a direcção do movimento; as pessoas são acordadas; os

líquidos oscilam e alguns extravasam; pequenos objectos em equílibrio instável deslocam-se ou são

derrubados. As portas oscilam, fecham-se ou abrem-se. Os estores e os quadros movem-se. Os

pêndulos dos relógios páram ou iniciam ou alteram os seu estado de oscilação.

Bastante forte: Sentido por todos. Muitos assustam-se e correm para a rua. As pessoas sentem a falta

de segurança. Os pratos, as louças, os vidros das janelas, os copos, partem-se. Objectos ornamentais,

livros, etc., caem das prateleiras. Os quadros caem das paredes. As mobílias movem-se ou tombam. Os

estuques fracos e alvenarias do tipo D fendem. Pequenos sinos tocam (igrejas e escolas). As árvores e

arbustos são visivelmente agitadas ou ouve-se o respectivo ruído.

Muito forte: É difícil permanecer de pé. É notado pelos condutores de automóveis. Os objectos

pendurados tremem. As mobílias partem. Verificam-se danos nas alvenarias tipo D, incluindo fracturas.

As chaminés fracas partem ao nível das coberturas. Queda de reboco, tijolos soltos, pedras, telhas,

cornijas, parapeitos soltos e ornamentos arquitéctónicos. Algumas fracturas nas alvenarias C. Ondas nos

tanques. Água turva com lodo. Pequenos desmoronamentos e abatimentos ao longo das margens de

areia e de cascalho. Os grandes sinos tocam. Os diques de betão armado para irrigação são danificados.

Ruinoso: Afecta a condução dos automóveis. Danos nas alvenarias C com colapso parcial. Alguns danos

nas alvenarias C com colapso parcial. Alguns danos na alvenaria B e nenhuns na A. Quedas de estuque

e de algumas paredes de alvenaria. Torção e queda de chaminés, monumentos, torres e reservatórios

elevados. As estruturas movem-se sobre as fundações, se não estão ligadas inferiormente. Os painéis

soltos no enchimento das paredes são projectados. As estacarias enfraquecidas partem. Mudanças nos

fluxos ou nas temperaturas das fontes e dos poços. Fracturas no chão húmido e nas vertentes

escarpadas.

Desastroso: Pânico geral. Alvenaria D destruída; alvenaria C grandemente danificada, às vezes com

completo colapso; as alvenarias B seriamente danificadas. Danos gerais nas fundações. As estruturas,

quando não ligadas, deslocam-se das fundações. As estruturas são fortemente abanadas. Fracturas

importantes no solo. Nos terrenos de aluvião dão-se ejecções de areia e lama; formam-se nascentes e

crateras arenosas.

Destruidor: A maioria das alvenarias e das estruturas são destruídas com as suas fundações. Algumas

estruturas de madeira bem construídas e pontes são destruídas. Danos sérios em barragens, diques e

aterros. Grandes desmoronamentos de terrenos. As águas são arremessadas contra as muralhas que

marginam os canais, rios, lagis, etc.; lodos são dispostos horizontalmente ao longo de praias e margens

pouco inclinadas. Vias férreas levemente deformadas.

Catastrófico: Vias férreas grandemente deformadas. Canalizações subterrâneas completamente

avariadas.

Danos quase totais: Grandes massas rochosas deslocadas. Conformação topográfica distorcida.

Objectos atirados ao ar.

Tabela 2-1 Graus de Intensidade Sísmica de acordo com a escala de Mercalli Modificada.

2.4.4.2 Magnitude

A magnitude é baseada em medições precisas da amplitude das ondas sísmicas nos sismogramas, para distâncias

conhecidas entre o epicentro e a estação sísmica. Ela é expressa numa escala logarítmica, o que significa que o

aumento de uma unidade da magnitude corresponde a um aumento de 10 da amplitude das ondas sísmicas que

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estiveram na base da sua determinação.

Existem várias maneiras de calcular a magnitude de um sismo, dependendo se se utilizam ondas volúmicas ou

superficiais para a sua determinação. Uma expressão muito utilizada para calcular a magnitude de ondas

superficiais (Ms) de sismos pouco profundos, registados para distâncias epicentrais superiores a 20º, é a seguinte

º10 10log 1.66log 3.3s

s

AM

T

(2.42)

onde As é amplitude máxima da componente horizontal em micrometros, T é o período da onda (tipicamente à volta

de 20 s, que é o período característico das ondas de Rayleigh usadas nesta determinação) e º é a distância

epicentral em graus. Existem ainda termos correctivos para compensar os efeitos da profundidade do foco e do facto

de as estações se poderem encontrar a distâncias inferiores a 20º.

A profundidade a que ocorre o sismo, mesmo para sismos que libertem a mesma quantidade de energia, condiciona

fortemente o conteúdo espectral do sismograma. Um sismo profundo gera apenas um pequeno trem de ondas

superficiais, enquanto que os sismos superficiais geram ondas superficiais muito fortes. Por outro lado, a amplitude

das ondas volúmicas não é muito sensível à profundidade do foco. Por isso, desenvolveram-se também escalas de

magnitude que usam as ondas volúmicas. A escala de Richter, muito popular nos meios de comunicação, é baseada

na amplitude das ondas-P. Se Ap representar a amplitude máxima do movimento do solo associado às ondas-P, cujo

período é de 1-5 s, então a magnitude das ondas volúmicas (mb) é

º10log 0.01 5.9b

b

Am

T

(2.43)

Nos sismos para os quais é possível calcular mb e Ms verifica-se que, apesar de variável de umas regiões para

outras, existe uma relação aproximada entre estas duas magnitudes

0.56 2.9b sm M (2.44)

Para sismos muito fortes as magnitudes mb e Ms saturam, ou seja, as amplitudes deixam de aumentar na mesma

proporção com o aumento da energia libertada. É então mais conveniente usar a magnitude do momento sísmico.

Como vimos no modelo do ressalto elástico, um sismo resulta de um deslocamento súbito de um segmento de falha.

A área A do segmento ao longo do qual se deu a fractura e o desligamento s podem ser estimados. Estes

parâmetros, conjuntamente com o módulo de rigidez das rochas adjacentes à falha, permitem definir o momento

sísmico M0 do abalo 0M As . Este novo parâmetro permite definir uma magnitude do momento sísmico

10 0

2log 10.7

3wM M (2.45)

As escalas de magnitude (mas não as de intensidade), em princípio, não têm limites nem superior nem inferior. É

perfeitamente lícito falarmos em magnitudes negativas (porque a escala é baseada numa escala logarítmica), mas o

limite de sensibilidade dos sismómetros impõem uma fasquia por volta dos –2. A magnitude máxima é limitada pela

resistência da crosta e manto superior e desde o início da sismologia instrumental nunca se observaram sismos com

9sM .

Nos casos em que a falha sismogénica provocou ruptura à superfície, é possível relacionar o comprimento L dessa

ruptura (L em km) com a magnitude através da seguinte relação empírica

106.1 0.7logsM L (2.46)

Ainda dentro das relações empíricas, existe uma outra que relaciona a intensidade máxima Imáx sentida e a

magnitude. Para distâncias focais h < 50 km verifica-se aproximadamente que

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101.5 1.8log 1.7máx sI M h (2.47)

2.4.4.3 Frequência dos sismos

Todos os anos ocorrem muitos sismos pequenos e apenas um reduzido número de sismos fortes. Costuma-se

verificar normalmente que a relação entre a magnitude Ms e o logaritmo de N, onde N representa o número de

sismos com magnitude / 2s sM M que ocorrem num dada área por unidade de tempo, é do tipo linear

log sN a bM (2.48)

O valor de a varia entre cerca de 8 e 9 de uma região para outra, enquanto que b é uma medida da abundância

relativa de sismos fortes e fracos, sendo o seu valor perto de 1. Valores superiores a 1 indicam que os sismos fracos

acontecem mais frequentemente, valores inferiores a 1 indicam que os sismos fracos são menos frequentes e que

os sismos fortes são mais prováveis de ocorrer. A frequência média anual de ocorrência de sismos está tabelada na

Tabela 4-2. O número anual de sismos com magnitude 7sM , entre os anos de 1900-1989, tem variado entre

extremos de 10 e 40, mas a longo termo o seu valor médio é de cerca de 20 por ano.

Tabela 2-2 Frequência de sismos desde 1900 (dados da USGS) e estimativa da energia média anual libertada

obtida com a fórmula de Båth.

2.4.4.4 Energia libertada por um sismo

A definição da magnitude relaciona-a com o logaritmo da amplitude de certas ondas sísmicas. Dado que a energia

de uma onda é proporcional ao quadrado da sua amplitude é de esperar que a magnitude esteja também

relacionada com o logaritmo da energia. Gutenberg e Richter propuseram uma fórmula empírica que relaciona a

energia libertada E, em Joule, com a magnitude Ms

10log 4.4 1.5 sE M (2.49)

Uma versão alternativa, para magnitudes 5sM , foi proposta por Båth em 1966

10log 5.24 1.44 sE M (2.50)

A fórmula de Båth dá energias duas a seis vezes superiores à de Gutenberg-Richter e, provavelmente, ambas

sobre-estimam significativamente a quantidade de energia libertada. A natureza logaritmica destas fórmulas implica

que a energia libertada aumenta muito rapidamente com o aumento da magnitude. Por exemplo, a uma diferença de

1 na magnitude corresponde uma diferença de energia de um factor de 28 (101.44), de acordo com a fórmula de

Båth, ou de 32 (101.5) segundo a de Gutenberg-Richter. Assim, um sismo de magnitude 7 liberta cerca de 760

(102.88) a 1000 (103) vezes mais energia que um outro de magnitude 5. Um outro modo de ler esta observação é o

de que são necessários de 760 a 1000 sismos de magnitude 5 para libertar a mesma energia que um único sismo

de magnitude 7. Multiplicando o número médio de sismos anuais pela estimativa da sua energia, dá-nos uma ideia

Magnitude Ms Número por ano Energia anual (1015 joule/ano)

8.0 0 – 1 0 – 600

7 – 7.9 18 200

6 – 6.9 120 43

5 – 5.9 800 12

4 – 4.9 6 200 3

3 – 3.9 49 000 1

2 – 2.9 350000 0.2

1 – 1.9 3000000 0.1

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da importância dos sismos muito fortes. Os números da tabela 4.2 mostram que os sismos de magnitude

7sM são responsáveis pela maioria da energia sísmica libertada anualmente. Num ano em que ocorra um

sismo de 8sM , a maioria da energia sísmica anual é libertada nesse único evento.

Para termos de comparação, a bomba atómica de 11 ktoneladas equivalente de TNT lançada em Hiroshima foi

aproximadamente equivalente, em termos de libertação de energia, a um sismo de magnitude 5. Uma bomba de 1

megatonetalada corresponderá a um sismo de magnitude 7.2. No outro extremo, um sismo de magnitude 1, tão

fraco que só pode ser detectado por via instrumental (por isso se chamam microsismos), corresponde apenas à

energia cinética de um automóvel médio de 1 500 kg a

deslocar-se à velocidade de 130 km/h.

2.4.5 Previsão de sismos

Não se prevêm. Esta afirmação precisa obviamente de ser

melhor explicada. Digamos, por agora, que se pode por

vezes ter uma ideia razoável do onde, mas não o quando.

2.4.6 Análise dos mecanismos focais

Através da análise do que se costuma designar por

“primeiros movimentos” registados nos sismogramas é possível interpretar o tipo de movimento que ocorreu na falha

sismogénica. Considere-se um plano vertical perpendicular ao plano de falha onde ocorreu um sismo cujo

hipocentro está localizado no ponto H (fig 2.21).

Quando a região acima da falha se move para cima, produz uma região de compressão à frente e uma região de

dilatação a trás. Conjuntamente com o movimento compensatório do bloco inferior que se desloca para baixo (estes

“para cima” e “para baixo” referem-se a movimentos ao longo do plano de falha), o sismo produz duas regiões de

compressão e duas de dilatação em torno do hipocentro. Estas quatro regiões estão separadas entre si pelo plano

de falha e por um plano auxiliar que passa pelo foco e é normal ao plano principal, ou plano de falha.

Quando a primeira onda-P, que provém da região de compressão, atinge um obervador (ou uma estação sísmica)

em C, o seu efeito é o de elevar o solo. Diz-se que o primeiro movimento é para cima. Quando essa primeira onda

atinge um observador em D, ela provém de um sector de

dilatação e o seu efeito é o de puxar o solo para baixo.

Diz-se então que o primeiro movimento é para baixo.

Como já vimos anteriormente, as ondas-P são as

primeiras a chegar a uma estação, por isso analisando

os primeiros movimentos para ver se correspondem a

dilatações ou compressões (se são para cima ou para

baixo) numa série de estações distribuidas, tanto quanto

possível, de modo a garantirem uma boa cobertura

azimutal do epicentro, podemos determinar o tipo de

sismo e a geometria do plano de falha. Vejamos como.

A amplitude das ondas sísmicas decresce com a

distância à fonte devido ao amortecimento das vibrações

e ao facto de a mesma energia se dispersar por um

volume progressivamente maior. Contudo, a amplitude detectada numa dada estação depende também do ângulo

com que o raio sísmico partiu da fonte. Este factor geométrico pode ser clculado a partir de um modelo para o

mecanismo da fonte. No caso das ondas-P, a representação da sua amplitude em função do ângulo θ entre o raio

sísmico r e o plano da falha produz o padrão de radiação representado na figura 4.22. Note-se que a amplitude

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 42

máxima das ondas-P acontece a 45o do plano de falha. As direcções de amplitude máxima dos campos de

compressão e dilatação definem, respectivamente, os eixos de tensão, T, e de compressão, P. Geometricamente P

e T são as bissectrizes dos ângulos entre o plano de falha e o plano auxiliar. As orientações destes eixos e, por

consequência, a do plano de falha e auxiliar podem ser obtidos mesmo para sismos muito distantes via análise dos

primeiros movimentos. Esta análise é designada por solução do mecanismo focal.

Agora acontece que a Terra é esférica, por isso temos que trabalhar em coordenadas esféricas, o que complica um

pouco a geometria, mas não o resultado. Imaginemos uma pequena esfera fictícia centrada no foco de um sismo

(fig. 2.23). Esta esfera é conhecida por esfera focal. O raio sísmico que que viaja do foco até ao receptor tem uma

trajectória curva (porque a velocidade de propagação aumenta com a profundidade) e intercepta o hemisfério inferior

da esfera focal com um ângulo i e azimute A. O primeiro passo na solução do mecanismo focal consiste em

recalcular a trajectória do raio sísmico de volta até ao foco. Para determinar o ângulo i, inclinação medida positiva

abaixo do plano equatorial da esfera focal, usam-se tabelas sismológicas standard. O azimute calcula-se facilmente

conhecendo a localização da estação e a do epicentro. O azimute e a inclinação são depois representados como

pontos numa projecção esterográfica do hemisfério inferior da esfera focal. A direcção do raio é representada por

um círculo a cheio se o primeiro movimento fôr para cima, o que significa que a estação está localizada na zona da

compressão, e por um círculo aberto se o primeiro movimento for para baixo, o que ocorre se a estação estiver

localizada na zona de dilatação. A representação dos pontos no estereograma provenientes de dados de várias

estações, que devem estar alinhadas segundo direcções diferentes em relação ao foco, mostra normalmente uma

agregação em zonas, ou campos, de compressão e de dilatação. Seguidamente, quer usando critérios numéricos de

minimização do erro, quer mesmo a olho, desenham-se dois planos mutuamente ortogonais que delimtem esses

campos. Estes dois planos correspondem, um ao plano de falha e o outro ao plano auxiliar. Contudo, não é possível

dicidir, a partir apenas da análise dos primeiros movimentos das ondas-P, qual é qual. As regiões do esterograma

que correspondem a primeiros movimentos compressivos costumam-se representar a sobreado (ou preto). Os eixos

P e T correspondem às linhas bissectrizes dos ângulos entre o plano de falha e o plano auxiliar e estão localizadas,

respectivamente, no campo da dilatação e da compressão.

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 43

A localização dos eixos T e P, respectivamente nos sectores compressivo e dilatacional, pode parecer contraditória

à primeira vista. No entanto, deve recordar-se que a orientação dos eixos principais de tensão correspondem ao

estado de tensão antes da ruptura, enquanto que a solucção do mecanismo focal se refere ao movimento no plano

de falha depois (ou durante) a ocorrência do sismo.

Existem três tipos básicos de falhas tectónicas: falhas de desligamento; falhas normais; e falhas inversas ou de

cavalgamento (fig 2.24). Quando o movimento dos dois blocos, cada um do seu lado da falha, se processa na

horizontal e paralelamente ao traço da falha o movimento é dito de desligamento. É neste caso necessário precisar

sobre o sentido relativo do movimento entre os dois blocos. Se esse movimento for tal que um observador baseado

num dos lados da falha tem a percepção de que o outro se moveu para a sua direita, a falha é do tipo desligamento

direito. Se a percepção for de que o movimento foi para a esquerda, a falha é do tipo desligamento esquerdo, ou,

derivado da palavra em latim para esquerdo, falha sinistra. Note-se que nesta definição não importa de que lado da

falha se encontra o observador para fazer a descrição do movimento.

Nas falhas normais e inversas também há deslizamento ao longo do plano de falha, mas a direcção do movimento

tem agora uma componente vertical. Quando o movimento se dá de modo a que o bloco superior desliza ao longo

do declive no sentido descendente, em relação ao bloco

inferior, diz-se que temos uma falha normal. Quando a

situação se inverte, ou seja, quando o bloco superior

sobe ao longo do declive, “cavalgando” o bloco inferior,

diz-se que temos uma falha inversa ou de cavalgamento.

Os mecanismos focais correspondentes a cada uma dos

três tipos de falhas mencionadas estão representados na

figura 2.24

2.4.6.1 Mecanismos focais nas margens activas

Alguns dos exemplos mais impressionantes de soluções

focais são obtidos nas zonas de margens activas, onde

os resultados confirmam plenamente o que se esperaria a

partir da teoria tectónica das placas. Relembremos que,

de acordo com esta teoria, as fronteiras de placas podem

ser do tipo divergente (ou constructivo), transformante (ou

conservativo) e convergente (ou destructivo). As dorsais

oceânicas contêm os tipos divergente e transformante e a

sismicidade a elas associada distribui-se ao longo de uma

faixa estreita que acompanha (e define) as dorsais. Esta

sismicidade é caracterizada por hipocentros pouco

profundos, normalmente inferiores a 10 km em relação ao

fundo do mar.

A natureza extensional da tectónica das dorsais é documentada por soluções focais indicadoras de falhas normais

ao longo dos segmentos de dorsal e de falhas em desligamento nos troços (falhas transformantes) que ligam os

segmentos contíguos. Esquematicamente o tipo de soluções focais esperados estão representados na figura 2.25.

Na figura 2.26 estão representados vários mecanismos focais ao longo da dorsal médio-atlântica. Em cada caso o

plano de falha tem uma orientação paralela ao azimute local da dorsal. Num segmento de crista cuja orientação seja

praticamente normal à transformante mais próxima o mecanismo focal é simétrico, com os quadrantes compressivos

nas margens do esterograma. Repare-se que quando o segmento é oblíquo à transformante o mecanismo focal não

é simétrico. Isto significa que as placas não estão a ser “puxadas” numa direcção perpendicular à da crista. Neste

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 44

caso, a orientação do plano do falha é ainda paralela à direcção da crista, mas o vector de deslizamento é oblíquo.

Ou seja, o movimento da placa tem uma componente perpendicular e outra paralela à crista.

Ao longo das fronteiras

transformantes o movimento

relativo das placas adjacentes é

horizontal e a solução do

mecanismo focal correspondente

é o típico de uma falha de

desligamento. Note-se, contudo,

que o sentido do desligamento

(se é esquerdo ou direito) do

mecanismo focal é o contrário

daquele que à primeira vista se

poderia pensar atendendo ao

sentido do rejeito dos dois

segmentos de crista. Esta

situação está bem expressa na

figura 2.25 onde o rejeito entre

os dois segmentos é no sentido

esquerdo, mas o movimento

relativo entre as duas placas dá-

se no sentido direito, o que por

sua vez vem expresso no tipo de

mecanismo focal (em

desligamento direito). Na figura

2.27 estão representados vários

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 45

mecanismos focais de sismos ocorridos em falhas transformantes da região equatorial da crista médio-atlântica.

Estes mecanismos reflectem o facto de que a placa africana se está a deslocar para leste e a americana para oeste.

O conhecimento da orientação das falhas transformantes é muito importante porque elas constrangem a direcção do

movimento das placas que têm de se deslocar paralelamente as estas falhas. Quando um segmento de crista não é

perpendicular a uma falha transformante o movimento da placa terá uma componente que é paralela ao segmento

de crista e o mecanismo focal revela isso pela sua pequena componente de obliquidade.

As margens convergentes, ou destructivas, são caracterizadas pela existência de zonas de subducção (a não ser

que sejam do tipo colisão continente-continente) onde a litosfera oceânica mergulha e é destruida sob a litosfera de

uma outra placa que pode ser continental ou também oceânica. Dado que nestas fronteiras ocorre convergência, as

soluções focais dos sismos que elas geram são típicos de regimes compressivos (figura 2.25). A região de primeiras

chegadas compressivas (o sector sombreado) está localizada no centro do esterograma, indicando que corresponde

a um mecanismo de falha inversa. O eixo P da compressão máxima é perpendicular ao azimute do traço à

superfície da zona de subducção.

2.5 Propagação de ondas sísmicas

Na interface entre duas camadas rochosas existe normalmente uma variação da velocidade de propagação das

ondas sísmicas resultante da diferença das propriedades físicas do material que compõem essas duas camadas.

Nessa interface a energia da onda sísmica incidente é dividida numa fracção transmitida e noutra reflectida. As

amplitudes relativas das partes reflectida e transmitida são descritas pela equação de Zoeppritz (Telford, 1976), em

termos das velocidades e densidades das duas camadas.

2.5.1 Reflexão e Transmissão de raios sísmicos com ângulo de incidência normal

Considere-se um raio sísmico de uma onda compressiva de amplitude A0 que incide perpendicularmente a uma

interface entre dois meios com densidades e velocidade de propagação distintos entre si (fig 4.28). O raio incidente

separa-se em duas componentes: uma propaga-se através da interface com uma amplitude A2 (é a componente

transmitida); a outra regressa pelo trajecto do raio incidente com amplitude A1 (é a componente reflectida). É claro

que a energia total das componentes transmitida e reflectida tem que ser igual à energia do raio incidente. As

proporções relativas da energia transmitida e reflectida são condicionadas pelo contraste da impedância sismica Z

através da interface. Esta grandeza é definida como sendo o producto da densidade da rocha pela velocidade de

propagação da onda compressiva, Z . Não é fácil relacionar a impedância sismica com nenhuma

propriedade física das rochas mas, geralmente, quando mais “duras” elas forem maior é a sua impedância. Quanto

menor for o contraste da impedância através da interface maior é a proporção da energia transmitida através dela.

Page 47: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 46

Define-se o coeficiente de reflexão R

como a razão entre a amplitude do raio

reflectido (A1) e a amplitude do raio

incidente (A0), 1 0/R A A . Para um

raio de incidência normal, a solução da

equação de Zoeppritz dá

2 2 1 1 2 1

2 2 1 1 2 1

Z ZR

Z Z

(2.51)

onde ρ, α e Z representam a

densidade, a velocidade das ondas-P e

impedância acústica de cada uma das

camadas. Desta equação resulta que R

está limitado entre 1 1R . Quando R é positivo ( 2 1Z Z ) isto significa que a onda reflectida está em fase

com a onda incidente. A situação contrária (R negativo) implica que a onda reflectida está desfazada de π em

relação à onda incidente.

Define-se também um coeficiente de transmissão T que é dado pela razão entre a amplitude do raio transmitido (A2)

e a amplitude do raio incidente (A0). No caso de uma incidência normal

2 1 1 1

0 2 1 2 2 1 1

2 2A ZT

A Z Z

(2.52)

Os coeficientes de reflexão e transmissão são expressos, por vezes, em termos de energia em vez de amplitudes.

Se I0, I1 e I2 representarem as intensidades da energia dos raios incidente, reflectido e transmitido, respectivamente,

então

2

1 2 1 1 1 2

20 2 1 0 2 1

4 e R T

I Z Z I Z ZE E

I Z Z I Z Z

(2.53)

onde ER e ET representam os coeficientes de reflexão e transmissão expressos em termos de energia. Se R ou ER

forem zero, toda a energia incidente é transmitida. É o caso quando não existe contraste da impedância sísmica

através da interface (i.e. Z1 = Z2), mesmo se a densidade e a velocidade forem diferentes entre as duas camadas.

Se R = ± 1 (ER será sempre = 1) toda a energia incidente é reflectida. Uma boa aproximação desta situação

acontece na superfície livre de uma camada de água. Os raios sísmicos que se deslocam para cima a partir de uma

fonte no interior dessa camada de água são praticamente reflectidas na totalidade pela superfície da água, mas com

uma mudança de fase de π.

Os valores dos coeficientes de reflexão para interfaces de diferentes tipos de rochas raramente excedem ± 0.5 e

normalmente são inferiores a ± 0.2. Assim, na maioria dos casos, a maioria da energia incidente numa interface

rochosa é transmitida e apenas uma pequena parte é reflectida. E ainda bem que assim é, senão não era possível

fazer sondagens para profundidades elevadas pois toda a energia sísmica teria sido reenviada de volta à superfície

pela reflexão nas interfaces superficiais.

Page 48: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 47

2.5.2 Reflexão de de raios sísmicos com incidência oblíqua

2.5.2.1 Lei da reflexão

Considere-se a reflexão de um raio sísmico de uma onda compressiva num meio com uma velocidade α1 na

fronteira com um outro meio (fig 2.29) que, por uma questão de simplicidade, vamos considerar que é horizontal.

Atendendo às grandezas representadas na figura 2.29 podemos escrever para o tempo de percurso t entre A e B

(passando por O) que

2 2 2 2

1 1 1

AO OB 1( )t h x h d x

este tempo, de acordo com o princípio formulado por Pierre Fermat para o caso de raios ópticos mas igualmente

aplicável para os raios sísmicos, deve ser aquele para o qual o percurso entre A e B é mínimo. A única variável na

expressão anterior é x, por isso para obter o t mínimo basta diferenciar t em ordem a x e igualar o resultado a zero

2 2 2 21

1 ( )0

( )

t x d x

x h x h d x

Analisando a figura 2.29 e a equação acima podemos ver

que o primeiro termo entre a chaveta corresponde a sin i e

o segundo a sin 'i , onde i e i’ representam os ângulos de

incidência e de reflexão. A condição para o tempo de

percurso mínimo é que i = i’, ou seja, que o ângulo de

incidência seja igual ao ângulo de reflexão.

2.5.2.2. Lei da refracção

Podemos fazer uma aproximação semelhante para

determinar a lei da refracção entre dois meios com

velocidades de propagação α1 e α2, onde α1 < α2 (fig 4.30).

O tempo de percurso t que temos de minimisar é dado por

2 22 2

1 2 1 2

( )AO OB h d xh xt

diferenciando esta equação em ordem a x e igualando o resultado a zero obtemos a condição para que t seja um

mínimo

2 2 2 21 2

0( )

x d x

h x h d x

atendendo à figura 2.30 podemos escrever esta expressão em termos dos ângulos de incidência i e de refracção r.

Ou seja

1 2

sin sini r

(0.4)

Page 49: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 48

Neste exemplo admitimos que α1 < α2 e por isso o raio sísmico afasta-se da normal quando passa de um meio onde

a velocidade de propagação é menor para outro onde ela é maior, ou seja on ângulo de refracção r é maior que o

ângulo de incidência i. Na situação contrária, quando α1 > α2, o raio refractado aproxima-se da normal e o ângulo de

refracção é menor que o ângulo de incidência, r < i.

A equação (2.7) é conhecida por lei de Snell.

2.5.2.3 Partição das ondas volúmicas em

interfaces

Numa interface entre meios com características

elásticas distintas há que garantir que um certo

número de condições se verificam. São as

chamadas condições fronteira. Nomeadamente as

componentes normais e tangenciais da tensão e da

deformação têm que ser contínuas através da

interface. Como consequência destas condições,

uma onda-P incidente numa interface induz o

movimento das partículas em ambos os lados da

fronteira, a partir do ponto de incidência. O

resultado é que a energia da onda-P incidente é

repartida entre ondas P e S que são reflectidas pela

interface e outras ondas P e S que são transmitidas

pela camada subjacente (fig. 2.31). A razão pela

qual isto ocorre pode ser compreendida analisando

o movimento das partículas que é induzido na

interface.

O movimento das partículas provocado por uma onda-P incidente é paralelo à direcção de propagação. Na interfce,

a vibração das partículas da camada inferior pode ser decomposta numa componente perpendicular à interface e

noutra paralela a ela. Na segunda camada, cada um destes movimentos pode, por sua vez, ser decomposto numa

componente paralela à direcção de propagação (a onda-P refractada) e uma componente perpedicular a ela, no

plano vertical, é a onda-S refractada (na verdade uma

onda-SV). Devido às condicções de continuidade na

interface, são induzidas vibrações semelhantes na

camada superior que correspondem, respectivamente,

às ondas P e SV reflectidas.

Sejam ip e is os ângulos entre a normal à interface e os

raios sísmicos das ondas P e S no meio 1 e rp e rs os

correspondentes no meio 2 (fig. 2.31). Aplicando a lei de

Snell às ondas P e S reflectidas e refractadas, obtemos

1 1 2 2

sin sinsin sinp ps si ri r

(2.54)

Por um raciocínio semelhante pode-se concluir que uma

onda SV incidente também gera vibrações que têm componentes normais e paralelas à interface e, por isso, vão

aparecer ondas P e SV reflectidas e refractadas. A situação é diferente no caso de a onda incidente ser do tipo SH,

a qual não tem componente do movimento na direcção normal à interface. Neste caso, só são criadas ondas

reflectidas e refractadas do tipo SH.

Page 50: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 49

2.5.2.4 Refracção crítica

Consideremos o que se passa com os raios sísmicos que partem de um ponto O situado perto da superfície de uma

camada horizontal, espessa e homogénea, cuja velocidade das ondas P é α1 e que está assente sobre uma outra

camada onde a velocidade das mesmas ondas é α2 (fig. 4.32). Estes raios atingem a interface com uma grande

variedade de ângulos de incidência. O mais simples de entre eles é o raio que viaja na vertical e atinge a fronteira no

ponto N com um ângulo de incidência de zero. Este raio de incidência normal é parcialmente reflectido de volta pelo

trajecto que percorreu e parcialmente transmitido pelo segundo meio e sem mudança de direcção. Com o aumento

do ângulo de incidência, o ponto onde os raios incidem desloca-se progressivamente de N para C. Os raios

transmitidos, de acordo com a lei de Snell, sofrem progressivamente uma mudança de direcção. Do raio que incide

em C não resulta nenhuma transmissão através do meio inferior e por isso este raio designa-se por raio crítico. Ele

atinge a interface com o ângulo de incidência crítico. O correspondente raio refractado tem um ângulo de refracção

de 90º com a normal à fronteira. Em resultado disto ele desloca-se ao longo da interface dos dois meios, mas com a

velocidade α2 da camada inferior. O seno do ângulo de refracção do raio crítico é igual a 1 e, aplicando a lei de

Snell, podemos calcular o ângulo crítico de incidência.

1

2

sin ci

(2.55)

O raio crítico é acompanhado por uma reflexão crítica que atinge a superfície à distância crítica xc a partir de O. As

reflexões que chegam dentro da distância

crítica são também chamadas de reflexões

sub-críticas. Os raios que têm uma

incidência mais oblíqua que o ângulo crítico

são quase completamente reflectidos.

Estas reflexões são designadas por super-

críticas ou de grande ângulo (wide-angle).

Elas são capazes de viajar por longas

distâncias a partir da fonte porque perdem

muito pouca energia para a refracção e são

por isso registadas com fortes amplitudes

em sismograms distantes.

2.5.3 Sismologia de Reflexão

A sismologia de reflexão é usada para determinar as profundidades a que se encontram as superfícies reflectoras,

bem como as velocidades sísmicas das rochas que compõem as várias camadas. O princípio é simples. Produz-se

um sinal sísmico (por exemplo uma pequena explosão) numa localização e num instante conhecidos e registam-se

os ecos reflectidos pelas várias interfaces entre as

camadas rochosas. No interior da distância crítica os

únicos sinais recebidos são aqueles que viajam

directamente desde o ponto de tiro até aos receptores

(chamados geofones) e aqueles que são reflectidos pelas

interfaces subsuperficiais.

Os dados de reflexão sísmica são normalmente adquiridos

ao longo de perfis. Os tempos de percurso e as amplitudes

Page 51: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 50

dos sinais registados pelos geofones distribuidos ao longo do perfil são representados na forma de uma secção bi-

dimensional conhecida pelo nome de secção sísimica.

Para um sismo próximo, como os de distâncias inferiores a 1000 km, as ondas que vão do foco sísmico (F na figura

ao lado) a uma estação (E na mesma figura) podem ser de vários tipos, de acordo com os acidentes de propagação

que têm lugar. Em primeiro lugar temos as ondas directas, chamadas Pg. Em segundo lugar temos as ondas

reflectidas nas sucessivas interfaces:

Se escrevermos o tempo que demoram a chegar estas ondas do foco, F, à estação, E, temos para a onda directa:

g

C C

FE xt

V V (2.56)

e para a onda reflectida

2

2

Pr

1

2C C C

FD DE xt H

V V V

(2.57)

em que Vc é a velocidade das ondas sísmicas P, x é a distância entre o foco e a estação e H a profundidade da

interface.

2.5.4 Sismologia de Refracção

A sismologia de refracção é aplicada a uma grande variedade de problemas científicos e técnicos que variam desde

investigações geotécnicas até experiências de larga escala desenhadas para estudar a estrutura interna da Terra.

Aqui iremos apenas tratar um único aspecto desta técnica que se prende com a refracção de ondas sísmicas

através de um meio com variação contínua de velocidade.

Imaginemos a Terra composta por uma sequência de numerosas camadas horizontais, cada uma caracterizada por

uma velocidade sísmica constante que aumenta progressivamente com a profundidade (fig. 2.33). Um raio sísmico

que parte da superfície com um ângulo i1 vai ser refractado em cada interface até finalmente atingir o ângulo crítico

e depois acaba por emergir à superfície com o mesmo ângulo i1. A lei de Snell aplica-se a cada refracção sucessiva

Figura 2.33 (a) Trajecto de um raio sísmico através de um meio com estratificação horizontal e em que a velocidade é constante

em cada camada, mas aumenta em profundidade. (b) Caso em que a velocidade aumenta continuamente.

i1

in

ic

i1

refracção

crítica

Vn

Vm

V1

G S

(a) (b)

G S

Page 52: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 51

1 2

1 2

sinsin sinconstanten

n

ii ip

V V V

(2.58)

A constante p é conhecida por parâmetro do raio. Se

Vm for a velocidade da camada mais profunda, ao

longo da qual o raio eventualmente sofre a refracção

crítica (sin im = 1), então o valor de p tem que ser igual

a 1/ Vm.

Com o aumento do número de camadas e diminuição

da espessura de cada uma delas, tende-se para uma

situação em que a velocidade aumenta continuamente

com a profundidade e cada raio descreve um

percurso com uma curvatura suave. Se o aumento de

velocidade for linear com a profundidade, as

trajectórias dos raios são arcos de círculo.

A passagem de ondas volúmicas através da Terra,

considerando-a como sendo constituida por uma série

de camadas esféricas, pode ser trada, em primeira aproximação, como se as interfaces entre as diversas camadas

fossem horizontais. Podemos representar a estrutura radial da velocidade subdividindo a Terra numa série de

calotes concêntricas, onde a velocidade das ondas sísmicas aumenta em direcção ao centro (fig. 4.34). A lei de

Snell aplica-se nas interfaces entre cada par de calotes. Por exemplo, no ponto A podemos escrever

1 1

1 2

sin sini a

V V (2.58)

multiplicando ambos os termos por r1 dá

1 1 1 1

1 2

sin sinr i r a

V V (2.59)

Nos triângulos ACD e BCD temos que 1 1 2 2sin sind r a r i . Combinando esta expressão com as anteriores

obtém-se

1 1 2 2

1 2

sinsin sinconstanten n

n

r ir i r ip

V V V (2.60)

A constante p é de novo designada por parâmetro do raio, apesar de ter uma dimensão diferente da da equação

(2.54) para camadas horizontais planas. Aqui o raio sísmico é uma linha recta em cada camada esférica com

velocidade constante. Se a velocidade aumentar continuamente com a profundidade, o raio sísmico é refractado de

um modo contínuo e a sua forma é curva com a concavidade virada para cima. Ele atinge o ponto mais profundo

quando sin 1i , o raio é r0 e onde a velocidade é V0; estes parâmetros estão relacionados por

0

0

sin rr ip

V V (2.61)

V1

V2g

V3

i1

a1

i2

A

4.3 B

4.2 C

r2 r1

V3 > V2 > V1

4.1 D Figura 2.34 Refracção de um raio sísmico através das camadas

concêntricas da Terra.

Page 53: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 52

A determinação do parâmetro de raio é fundamental para obter a variação da velocidade sísmica no interior da

Terra. O acesso ao interior da Terra é fornecido pela análise dos tempos de percurso das ondas sísmicas que

atravessaram as várias regiões internas e voltaram a emergir à superfície, onde foram registadas. O tempo de

percurso do raio sísmico até uma distância epicentral conhecida Δ pode ser invertido matematicamente de modo a

obter-se a velocidade V0 do ponto mais profundo do

percurso. A teoria aplica-se tanto às ondas S como

às P, devendo a velocidade genérica V ser

substituida pela velocidade apropriada α ou β,

respectivamente.

2.6 Estrutura interna da Terra

A estrutura interna da Terra pode, grosso modo, ser

descrita como uma série de camadas concêntricas

correspondentes ao núcleo interno, núcleo externo,

manto e crosta (c.f. Capítulo 3). Um passo

importante para a compreensão desta estrutura por

camadas foi o desenvolvimento de curvas de tempo

de percurso dos raios sísmicos que passam através

dessas diversas camadas. Para facilitar a

identificação das chegadas desses raios nos

sismogramas criou-se uma notação específica

(fig. 2.35). Uma onda P ou S que viaje desde o

foco do sismo directamente até ao sismómetro é

identificada com a letra correspondente. Uma onda que atinja o sismómetro depois de ser reflectida uma vez pela

crosta é identificada pela designação de PP (ou SS).

A energia das ondas P ou S incidentes numa interface é repartida em ondas P e S reflectidas e refractadas. Uma

onda P que incide na fronteira entre o manto e núcleo externo (líquido) é refractada aproximando-se da normal à

interface, já que a velocidade das ondas P decresce de cerca de 13 km/s para cerca de 8 km/s quando passa de um

meio para o outro. Após uma segunda refracção ela emerge para lá de uma zona de sombra e é designada por

onda PKP (a letra K deriva da palavra alemã Kernel que significa núcleo). Uma onda S que incida no mesmo ponto

desloca-se com uma velocidade inferior no manto de cerca de 7 km/s. Parte da energia incidente é convertida numa

onda P que atravessa o núcleo externo com a velocidade de 8 km/s. A refracção faz-se de modo a que a onda se

afasta da normal (a velocidade no segundo meio aumentou). Após uma outra refracção a onda emerge à superfície

como uma fase SKS. Uma onda P que viaje através do manto, do núcleo externo e do núcleo interno é designada

por PKIKP. Para indicar fases que são reflectidas pelo núcleo externo usa-se a letra c, obtendo-se, por exemplo,

fases PcP e ScS (fig. 2.35). Reflexões no núcleo interno são designadas pela letra i, como é o caso da fase PKiKP.

Se a onda sísmica tiver energia suficiente ela pode ser refractada ou reflectida – ou convertida de P para S, ou vice-

versa – muitas vezes quando atravessa as várias descontinuidades no interior da Terra e na sua superfície livre. Em

resultado destes acidentes múltiplos o sismograma de um sismo grande contém um número elevado de sinais

sobrepostos, fazendo com que a identificação das fases individuais seja difícil.

No período de 1932–1939 H. Jeffreys e K. Bullen analisaram um grande número de sismogramas de boa qualidade

registados em vários locais do globo e em 1940 publicaram uma série de tabelas dos tempos de percurso das ondas

P e S através do interior da Terra. Uma série de tabelas ligeiramente diferente foi publicada por Gutenberg e Richter.

A boa concordância entre estas duas análises independentes acentuou a confiança nestes resultados.

Figura 2.35 Trajectos de raios sísmicos das fases mais importantes

das ondas P e S reflectidas e refractadas a partir de um foco à

superfície da Terra.

núcleo

interno

núcleo

externo manto

PKIKP

PKP

SKIKS

SKS

SS

ScS

PcP

S

PP

P

PKiKP

FOCO

onda - P

onda - S

Page 54: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 53

2.6.1 Crosta, Manto, Descontinuidade de Mohorovicic e Núcleo da Terra

Uma das interfaces detectadas em 1909 por Andrija Mohorovicic (1857-1836), geofísico Jugoslavo, encontra-se a

cerca de 30-40 km nas zonas continentais e a cerca de 5-7 km nas zonas oceânicas, e é caracterizada por uma

aumento brusco na velocidade das ondas sísmicas. Essa descontinuidade recebeu o nome de descontinuidade de

Mohorovicic ou Moho, e separa a crosta do manto.

Aplicando aos tempos de chegada das ondas sísmicas, uma expressão semelhante àquela vista no ponto da

sismologia de reflexão, podemos calcular os valores das velocidades da crosta e do manto, e a espessura da crosta

nas diferentes regiões da Terra. Valores típicos para a crosta continental são: espessura H = 30 km, velocidade da

crosta Vc = 6,3 km/s, velocidade do manto VM = 8,2 km/s. Estudos da crusta oceânica revelaram valores distintos: H

= 10 km, Vc = 6,8 km/s e VM = 7,9 km/s. Isto indica que a crosta terrestre varia muito em espessura e composição de

um lugar para outro; variando especialmente entre continentes e oceanos.

A velocidade das ondas P, que no topo do manto superior é de 8,2 km/s, atinge na base do manto 13,5 km/s. Nos

2860 km de manto a velocidade aumentou 5,3 km/s.

Do ponto de vista da Sismologia, tanto a crosta como o manto comportam-se como sólidos, com coeficiente de

rigidez não nulo, e nele propagam-se as ondas P e S. Em 1906, o geofísico alemão J. E. Wiechert (1861-1928) e o

inglês Richard D. Oldham (1858-1936) descobriram que as ondas S não se registam para distâncias superiores a

105, enquanto as ondas P voltam a registar-se a partir dos 113. Este facto levou à conclusão da existência de

uma terceira região do interior da Terra, cujo estado físico não permite a propagação de ondas S. A profundidade do

núcleo foi determinada por Gutenberg, em 1912, tendo obtido o valor de 2900 km. As medições mais modernas não

modificaram muito este resultado.

As ondas P que chegam a distâncias superiores a 113 passam através do núcleo e, como vimos atrás, chamam-se

ondas PKP. Também podem chegar além dos 105 ondas que se reflectem na superfície (fases PP). Um estudo

detalhado das ondas sísmicas que penetram no núcleo levou a sismóloga dinamarquesa I. Lehman, em 1935, a

descobrir que o núcleo é formado por duas regiões: o núcleo interno e o externo. Enquanto o externo é líquido, o

interno é sólido.

2.7 Problemas

1. As faces laterais do bloco de aço representado na figura têm a área de

0.09 m2 e a sua espessura é de 6 mm. Sabendo que o seu módulo de

Young é de 40 MPa determine a força necessária para o encurtar 0.2

mm.

2. Considere uma camada geológica formada por rocha calcária de massa

volúmica 2x103 SI, de módulo de Young E = 1010 Pa e de coeficiente de

Poisson = 0.25. Sabendo que a pressão aumenta com a profundidade,

a rocha vai-se deformar. Qual a deformação da rocha, em termos de

variação de volume, em função da profundidade ?

3. Determine os coeficientes de Lamé, e , o módulo de Young, E, e o

coeficiente de Poisson, , para um calcário onde se conhecem as

velocidades de propagação das ondas transversais e das ondas longitudinais: VT = 2.0 km/s; VL = 3.4 km/s. A

massa volúmica do calcário é igual a 2 x 103 kg/m3.

4. Observe os sismogramas apresentados. Identifique as diferentes fases e os respectivos tempos de chegada.

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5. Considere a ocorrência de um sismo no Norte de África. Sismómetros localizados em diferentes pontos do

globo registaram as chegadas das ondas P, de acordo com a seguinte tabela:

Local Dist. Epic. (km) t para onda P

Cairo 340 00: 00: 38

Madrid 4850 00: 08: 05

Pequim 9600 00: 12: 37

Calcule a velocidade aparente das ondas P. Interprete os resultados em termos da estrutura da Terra.

6. Um determinado sismo foi registado em 4 estações sísmicas do território continental. Em cada estação leu-se o

tempo de chegada das ondas P e das ondas S, obtendo-se os seguintes valores:

Estação Onda P Onda S

LIS 06: 32: 20.0 06: 32: 41.9

MTH 06: 32: 22.3 06: 32: 47.0

FAR 06: 32: 03.3 06: 32: 11.5

MTE 06: 32: 44.7 06: 33: 25.0

a) Calcule o instante de ocorrência do sismo.

b) Calcule a razão VP/VS.

c) Supondo VP= 8 km/s exemplifique, esquematicamente, como procederia para determinar a localização do epicentro.

6. Na estação sísmica do Instituto Geofísico do Infante D. Luis, foi registado um sismo longínquo, onde se

identificaram as fases descritas na tabela seguinte.

Fases sísmicas Tempo de chegada

P 13: 30: 11.5

pP 13: 30: 26.4

PP 13: 33: 31.6

PPP 13: 35: 28.9

S 13: 40: 30.0

PS 13: 41: 20.0

LR 13: 56: 46.0

a) Calcule, aproximadamente, a distância epicentral recorrendo às curvas tempo-distância apresentadas na figura

seguinte.

b) Determine a profundidade aproximada do foco, com o auxílio do ábaco apresentado.

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7. Considere os registos sísmicos apresentados na figura seguinte. Leia as amplitudes máximas e respectivos períodos,

e a diferença entre os tempos de chegada das ondas P e das ondas S. A partir destes elementos e com o auxílio do

ábaco apresentado e da curva de amplificação, determine a magnitude do sismo.

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8. Determine a estrutura do terreno, correspondente aos seguintes dados experimentais, obtidos por meio de sísmica de

refracção:

x (m) 50 100 200 300 400 500 600

t(ms) 13.9 28.0 56.0 83.0 111.5 135.0 154.0

x (m) 700 800 900 1000 1100 1200

t (ms) 174.0 192.7 212.0 234.0 250.5 269.6

9. A figura mostra, esquematicamente, a localização de dois sismos registados na Crista Média Atlântica. Nesta

figura estão também representadas as projecções dos primeiros movimentos correspondentes aos dois sismos.

a) Com o auxílio da rede de Schmidt apresentada na figura 8, determine o mecanismo focal de cada um dos sismos

(trace os planos nodais).

b) Indique os tipos de falha onde se geraram os sismos 1 e 2. Tendo em conta o enquadramento tectónico de cada

sismo, escolha o plano de falha mais provável para cada um deles; determine a sua orientação e inclinação.

Determine a direcção do vector movimento (“slip vector”), para cada um dos sismos.

c) Esquematize os perfis batimétricos ao longo das secções AA’, BB’ e CC’.

d) Neste enquadramento tectónico estime a gama de profundidades onde deverão ocorrer os sismos.

10. A magnitude de um sismo, determinada a partir das ondas superficiais, está relacionada com a energia libertada

no foco pela seguinte relação empírica:

M 1.5 + 11.8 = E log s

a) Calcule a energia libertada por um sismo de magnitude 9.

b) Calcule a energia térmica libertada por ano, em toda a Terra, sabendo que o seu valor é 1.4 cal/cm2/s. (Raio da

Terra = 6370 Km). Compare as duas energias.

c) Determine o momento sísmico associado a este sismo.

d) O consumo diário de energia eléctrica nos Estados Unidos foi, em média, durante o ano de 1985, 7 x 109 kW hora.

Se esta energia fosse libertada por um sismo, qual seria a sua magnitude?

11. Uma onda P atravessa a interface entre duas formações rochosas diferentes, e caracterizadas por valores de

velocidade das ondas P VP=4.70 e VP=3.00 km/s respectivamente. Sabendo que o ângulo de incidência é de 60º

determine o ângulo de refracção.

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2.8 Bibliografia

Fowler, C. M. R., “The Solid Earth”, Cambridge University Press, 199?, pp 354.

Frank D Stacey, “Physics of the Earth”, Brookfield Press, Brisbane, Australia, 1992, pp 513.

Telford, W. M., L. P. Geldart, R. E Sheriff e D. A. Keys, “Applied Geophysics”. Cambridge University Press, 1976, pp

860.

Robert J. Lillie. “Whole Earth Geophysics”. Prentice Hall, New Jersey.1999, pp 361.

William Lowrie. “Fundamentals of Geophysics”.Cambridge University Press, 1997, pp 354.

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Pag 65

Capítulo 3 – O CAMPO MAGNÉTICO DA TERRA

3.1 O Campo Magnético da Terra

3.1.1 A Descoberta

A existência do campo magnético da Terra (CMT) é conhecida desde Gilbert, que em 1600 propôs no seu livro De

Magnete que a Terra fosse considerada equivalente a um iman permanente. Contudo, o CMT foi utilizado para

orientação desde muito cedo pelos chineses e foi utilizado na época dos descobrimentos.

A teoria física matemática capaz de o descrever e justificar o CMT só foi alcançada com Maxwell, no fim do século XIX,

e os primeiros modelos “realistas” do mecanismo gerador do campo só actualmente começam a ser construidos. A

prova matemática de que o campo magnético observado à superficie tem como origem fundamental a Terra (e não

fenómenos externos) foi obtida por Gauss em 1838. Já nessa altura se tinha concluido que o CMT manifestava uma

certa variação secular, e de que as variações rápidas do CMT tinham correlação com fenómenos atmosféricos como as

auroras boreais.

A utilização da bússola como instrumento de localização sobre a Terra, parte do princípio de que o Campo

Magnético da Terra (CMT) se aproxima do campo magnético gerado por um iman permanente alinhado com o eixo

de rotação, onde é possível distinguir um “Polo magnético norte”, um “Polo magnético sul” e um “Equador

magnético”, à semelhança do que ocorre com as referências geográficas.

Neste sentido, podemos falar de meridiano magnético como a projecção, na superficie da Terra, das linhas de força

do Campo Magnético. A declinação pode ser definida como o ângulo que em cada ponto o meridiano geográfico faz

e o meridiano magnético. A inclinação será o ângulo dessas linhas de força com o plano que é tangente à Terra no

ponto de observação.

Uma inclinação de 90o corresponde ao polo magnético norte, da mesma maneira que uma inclinação de -90o

corresponde ao polo magnético sul. O equador magnético é constituido pelo conjunto de pontos de inclinação nula.

Note-se que se bem que o CMT se possa considerar como aproximadamente dipolar, o eixo magnético não coincide

em regra com o eixo geográfico e - o que é o mesmo - os polos magnéticos afastam-se sensivelmente dos polos

geográficos.

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Figura 3.1 – Campo da Inclinação Magnética para a época 1945.0. Adaptado de Vestine et al, 1947. Indicam-se as localização

para aquela época dos polos magnéticos norte e sul.

3.1.2 Componentes do CMT

Sendo o CMT um campo vectorial, a sua medição exige o conhecimento da sua amplitude e dos dois ângulos -

declinação e inclinação - ou a medição das suas três componentes num referencial conhecido.

É habitual utilizar-se um referencial cartesiano local para

cada ponto de observação, em que o eixo dos zz coincide

com a vertical (positivo para cima), o eixo dos xx com o

meridiano geográfico (positivo para norte) e o eixo dos yy

com um paralelo (positivo para este). A componente vertical

é habitualmente designada por Z, a componente sul-norte

por X e a componente oeste-este por Y

Fig. 3.2 – Componentes do Campo Magnético da Terra

As componentes X e Y podem ser utilizadas para definir a denominada componente horizontal H do campo magnético.

A relação entre estas grandezas e os ângulos de declinação e inclinação pode ser expressas matematicamente da

seguinte maneira:

ZHaI

YXaD

YXH

/tan

/tan

22

(3.1)

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3.1.3 As equações de Maxwell

O campo electromagnético é do ponto de vista da física clássica, descrito por um conjunto de equações

denominadas “Equações de Maxwell” que se podem escrever da forma seguinte:

t

BErot

(3.2a)

t

EJBrot 00

(3.2b)

0

Ediv

(3.2c)

0Bdiv

(3.2d)

para o vazio. O campo E

é o “campo eléctrico” e exprime-se em Volt/m, no Sistema Internacional. O

campo B

designa-se por campo de “indução magnética” e exprime-se em Tesla (T). A densidade de carga eléctrica

exprime-se em C/m3. A densidade de corrente J

em A/m2. 0 é a permitividade eléctrica do vazio (107/4 c2

Farad/m) e 0 é a permeabilidade magnética do vazio (4 10-7 Henri/m).

A equação (3.2a) exprime matematicamente a lei da indução electromagnética de Faraday : um campo magnético

variável gera num circuito eléctrico fechado uma força electromotriz. A equação (3.2b) exprime a dependência do

campo magnético em relação à corrente eléctrica (de condução ou de deslocamento). A equação (3.2c) exprime o

facto de as cargas eléctricas serem as fontes (sumidouros) do campo eléctrico. Finalmente, a equação (3.2d)

exprime a ausência de fontes (sumidouros) do campo magnético B, que é assim solenoidal.

As equações anteriores são complementadas pelas equações constitutivas

EJ

(3.2e)

HB

(3.2f)

ED (3.2g)

em que é a conductividade do meio.

O mecanismo que justifica a existência de imans permanentes é exterior às equações de Maxwell em sentido estrito,

sendo do domínio da microfísica. Contudo, podemos descrever o que ocorre no interior dos materiais magnéticos

fazendo intervir explicitamente dois campos magnéticos, um que representamos por B

- que designaremos por

indução magnética – e outro que representamos por H

- que designaremos por campo magnético. A relação entre

estes dois campos é dada por:

)JH(B M0

em que MJ

representa a parte da excitação magnética que é gerada pela presença da matéria e é, ao mesmo

tempo, a soma dos momentos magnéticos elementares por unidade de volume.

Aplicando o operador divergência à equação (1.6) vemos que:

MJdivHdiv

ou seja, enquanto que a indução magnética não possui fontes (em todos os pontos do espaço a sua divergência é

nula), a excitação magnética possui eventualmente divergência não nula, que pode ser interpretada num sentido lato

como “carga magnética”.

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O movimento de uma bussola à superficie da Terra mostra que o CMT exerce sobre um determinado tipo de

materiais um momento cuja magnitude é proporcional ao “momento magnético total do material” M

. Este momento

magnético pode ser considerado do ponto de vista macroscópico como o valor integrado da magnetização volúmica MJ

, ou seja:

dvJM M

Deste modo, sempre que discutirmos o CMT temos que ter presente os dois campos B

e H

. O primeiro vai ser

considerado sempre que analisarmos as observações experimentais do CMT à superficie, a força sobre os corpos

magnetizados, etc…; o segundo será considerado sempre que analisarmos a interacção com os meteriais terrestres.

3.2 Campo Magnético de um dipolo

Não existindo monopolos magnéticos na acepção indicada anteriormente, o modelo mais simples que podemos

elaborar de um magnete é formado por um dipolo – que podemos, por exemplo, imaginar gerado por uma espira de

corrente - e. em primeira análise, a própria Terra pode ser considerada como um dipolo magnético.

O campo magnético de um dipolo é representado de forma simples a partir da consideração do potencial escalar:

34

.

r

rmVdip

(3.3)

em que m

é o momento magnético dipolar e r

o vector posição. O campo magnético pode ser determinado por:

dipgradVB 0

(3.4)

que em coordenadas esféricas é escrito como:

dipr

dip VB

V

rB 0

0 ; (3.5a)

ou, o que é idêntico:

0,ˆˆ)ˆ.ˆ(34 3

0 rmrrmr

mB

(3.5b)

em que, como habitualmente, m̂ e r̂ representam os versores das direcções do momento magnetico do dipolo e

do vector posição, respectivamente.

No equador magnético, o campo tem o valor

3

0

4 a

mB

dipeq

(3.6)

em que a representa o raio médio da Terra (6371 km).

O Campo Magnético da Terra não é exactamente dipolar. Contudo, o dipolo magnético que melhor se aproxima do

CMT, no sentido dos mínimos quadrados, tem de momento mdip = 7.856 . 1022 Am2. O eixo desse dipolo afasta-se

hoje sensivelmente do eixo de rotação da Terra, sendo o ângulo entre os dois próximo de 11º.

Para o Geomagnetismo é muito importante a expressão do campo magnético de um dipolo orientado segundo o

eixo da Terra. Neste caso, e como a Terra é aproximadamente esférica, é conveniente a utilização de coordenadas

esféricas. Estas são três: a distância radial (r), a colatitude () e a longitude ().

Se utilizarmos coordenadas esféricas para representar o campo magnético de um dipolo (à semelhança do que

faremos para o CMT), então temos a seguinte situação geométrica indicada na figura 2.2.

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O campo magnético B

de um dipolo apresenta uma simetria axial em torno de um eixo (eixo “norte-sul magnético”) e

desde que o sistema de coordenadas seja convenientemente escolhido, apresenta uma componente

longitudinal B nula. O valor das componentes radial e co-latitudinal pode ser obtido simplesmente a partir da

expressão (3.4), desde que se tenha em atenção que o ângulo entre a direcção do eixo e o raio vector do ponto de

observação é a co-latitude tal como se representa na figura 3.3.

Fig. 3.3 Representação Esquemática do Campo Magnético de um Dipolo

De (3.5) podemos concluir que o campo B

tem a forma:

3

0

3

0r

r4

sinmB;

r4

cosm2B

(3.7)

Fig. 3.4 Relações Geométricas para o campo de um dipolo

Analisemos, com cuidado, as duas expressões anteriores. Em cada ponto da superfície da Terra, e num refrencial

cartesiano local, a componente radial é a “componente vertical” e a componente co-latitudinal é a “componente

horizontal”. No polo norte (=0) o campo é vertical; no equador magnético (=90) o campo é horizontal.

Se retirarmos ao valor do CMT o campo do dipolo, obtemos o que se designa por Campo Magnético Não Dipolar.

O campo magnético dos planetas do sistema solar tem sido medido pelas sondas de observação e, aparentemente,

a generalidade dos planetas gasosos possui um campo magnético de momento elevado. Entre os planetas

rochosos, a Terra constitui aparentemente um caso particular, já que o momento magnético de Vénus e de Marte é

muito fraco, e a sua origem física pode não ser comparável à do CMT.

Na tabela seguinte apresenta-se o valor da magnitude do campo (equatorial) à superfície, e do momento magnético:

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Planeta Campo Magnético Momento

Equatorial à Superfície Magnético

Mercúrio 300 4.18E19

Vénus <30 <6E19

Terra 30300 7,86E+22

Lua <25 <1.3E18

Marte <60 <2.4E19

Júpiter 428000 1.46E27

Saturno 21800 4.3E25

Urano 22800 3.7E24

Neptuno 13300 2.0E24

Tabela 3.2 : Campo Magnético de planetas do sistema solar. As unidades são nT para o campo e Am2 para o momento

magnético (adaptado de Stacey, 1992)

3.3 Componentes do CMT

O CMT medido à superficie corresponde à sobreposição de três componentes distintoas : a primeira tem por origem

o núcleo externo e designa-se por campo magnético principal – CMP – a segunda tem por origem os fenómenos

físicos que ocorrem na ionosfera e no exterior da Terra e designa-se por campo externo – CE – e a terceira tem por

fonte a interacção com as formações geológicas que constituem no essencial a crusta (e eventualmente parte do

manto superior) e designa-se por campo crustal.

3.4 Campo Magnético Principal

3.4.1 Representações do CMP

Para o estudo do Campo Magnético Principal (CMP) utilizamos valores médios do campo magnético da Terra

calculados para um certo local num intervalo centrado de 1 ano :

anoTT

dBtBm 1

)()(

0

0

(3.8)

O campo assim definido não está inteiramente limpo de componentes transientes. Com efeito, não é certo que o

campo transitório tenha média nula no período de 1 ano. Como vemos noutra secção destes apontamentos, o ciclo

de 11.5 anos relacionado com as manchas solares é um caso típico.

Até ao fim dos anos 70 as descrições sistemáticas do CMP foram obtidas a partir do tratamento matemático dos valores

registados nos Observatórios Magnéticos. Contudo, todas estas descrições sofriam da inexistência de observatórios nos

oceanos - que cobrem 70% da superfície do planeta - e da dificuldade da manutenção de medições contínuas em áreas

extensas de África e da Ásia.

Um numero significativo de satélites artificiais colocados em órbita terrestre foi equipado com magnetómetros

escalares e/ou vectoriais. Contudo (cf tabela seguinte) apenas os satélites da série POGO (Polar Orbiting

Geophysical Observatory) e o satélite MAGSAT (MAGnetic field SATellite) permitiram uma cobertura significativa da

globo e uma precisão suficiente para uma descrição das diferentes componentes do CMT.

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Satélite Datas Perigeu-Apogeu Inclinação Instrumentos Precisão

Sputnik 3 5/58–6/58 226-1881 km 65 fluxgate 100 nT

Vanguard 3 9/59-12/59 510-3750 33 Protões 10 nT

1963 38C 9/63 –1/74 1100 polar Fluxgate ?

Cosmos 26 3/64 270-403 49 Protões ?

Cosmos 49 10/64-11/64 261-488 50 Protões 22 nT

1964 83C 12/64-6/65 1040-1089 90 Rubidio 22 nT

OGO 2 10/65-9/67 413-1510 87 Rubidio 6

OGO 4 7/67-1/69 412-908 86 Rubidio 6

OGO 6 6/69-7/71 397-1098 82 Césio 6

Cosmos 321 1/70-3/70 270-403 72 Fluxgate ?

Triad 9/72-1/84 750-832 Polar Fluxgate ~200 nT

S3-2 10/72-5/78 230-900 97 Fluxgate >300 nT

MAGSAT 11/79-5/80 325-550 97 Fluxg/Césio 6/3 nT

DE-2 8/81-2/83 309-1012 89/97 Fluxgate ?

DE-1 8/81-3/91 570-3.6RT 89/91 Fluxgate ?

ICB-1300 10/81-8/83 825-906 81 Fluxgate >75 nT

Aureol-3 9/81-? 408-2012 82.5 Fluxgate >150 nT

Hilat 6/83-7/89 800 82 Fluxgate ~200 nT

DMSP F7 11/83-1/88 835 Polar Fluxgate >1000 nT

PolarBear 11/86 -? 1000 Polar Fluxgate ~200 nT

POGS 7/90 -? 800 Polar Fluxgate ?

Tabela 3.3 – Principais satélites portadores de magnetómetros (adaptado de Hamoudi, 1996)

Com o desenvolvimento dos satélites de investigação, tornou-se possível a obtenção de uma descrição homogénea do

CMT para todo o globo, obtida num intervalo de tempo suficientemente curto e cobrindo a totalidade da Terra. O satélite

MAGSAT (Magnetic Field Satelite) foi lançado pela NASA em 1979 tendo operado durante cerca de 7 meses a uma

altitude entre os 325 e 550 km, com o emprego de dois magnetómetros, um escalar (Césio) e outro vectorial (fluxgate)

com uma precisão de, respectivamente, 1.5 e 3.0 nT. Os resultados alcançados durante este período permitirem

melhorar de forma sensível a precisão das descrições globais do CMT; em particular no que diz respeito ao estudo do

campo principal - originado pelo núcleo líquido da Terra - e ao estudo do campo externo da Terra.

Por convenção, a representação do CMP em HES é feita utilizando-se uma representação matemática denominada

“expansão em harmónicas esféricas”, de tipo:

10

1 00

10

1 0

1

0

)(sincos

)(sincos

n

n

m

mn

men

men

n

n

n

m

mn

mn

mn

n

Pmhmga

ra

Pmhmgr

aaV

(3.9)

em que o primeiro termo se refere às fontes “externas” e o segundo se refere às fontes “internas”. C F Gauss em

1838 demonstrou que o campo magnético da Terra é essencialmente de origem interna, pelo que apenas o primeiro

termo da expressão anterior deve ser considerado.

Como veremos mais à frente a influência das fontes do CMT exteriores ao planeta traduz-se por variações temporais de

pequena amplitude, quando comparadas com a amplitude do campo de origem interna, e que podem ser eliminadas

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 72

dos dados a partir de “médias” corridas sobre as observações, ou por comparação com dados recolhidos continuamente

em Observatórios. Por esse facto, as representações globais do CMT, referem-se a valores médios do CMT,

considerados livres das variações temporais de período inferior a 1 ano e que, por isso, são representativos do campo

de origem interna.

O IGRF é uma designação genérica atribuida pela IAGA a um um

conjunto de coeficientes de uma expansão em harmónicas esféricas

quase normalizadas de Schmidt, determinado de tal forma que

aproxime da melhor maneira possível as medidas do CMP realizadas

pelos observatórios magnéticos ou, eventualmente, por satélites que

dispõem de magnetómetros.

O modelo matemático designado por IGRF (International Geomagnetic

Reference Field) é aprovado quinquenalmente pela IAGA - International

Association for Geomagnetism and Aeronomy - inicialmente sob uma

forma provisória (PGRF), posteriormente revista (IGRF) e defintiva

(DGRF). A necessidade de proceder a estas revisões prende-se, como

veremos, pela existência de uma variação secular do CMP importante,

que só pode ser correctamente contabilizada à posteriori.

Figura 3.5 – Valor do Campo Total dado pelo modelo IGRF85 para Portugal e

para a época 1989.5

Na tabela seguinte apresentamos o valor dos coeficientes do modelo

IGRF95.

Gmn m

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 -29682 -1789 - - - - - - - - -

2 -2197 3074 1685 - - - - - - - -

3 1329 -2268 1249 769 - - - - - - -

4 941 782 291 -421 116 - - - - - -

N 5 -210 352 237 -122 -167 -26 - - - - -

6 66 64 65 -172 2 17 -94 - - - -

7 78 -67 1 29 4 8 10 -2 - - -

8 24 4 -1 -9 -14 4 5 0 -7 - -

9 4 9 1 -12 9 -4 -2 7 0 -6 -

10 -3 -4 2 -5 -2 4 3 1 3 3 0

Hmn m

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 - 5318 - - - - - - - - -

2 - -2356 -425 - - - - - - - -

3 - -263 302 -406 - - - - - - -

Page 74: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 73

4 - 262 -232 98 -301 - - - - - -

n 5 - 44 157 -152 -64 99 - - - - -

6 - -16 77 67 -57 4 28 - - - -

7 - -77 -25 3 22 16 -23 -3 - - -

8 - 12 -20 7 -21 12 10 -17 -10 - -

9 - -19 15 11 -7 -7 9 7 -8 1 -

10 - 2 1 3 6 -4 0 -2 3 -1 -6

Tabela 3.4 - Coeficientes do Modelo IGRF95

É importante ser compreendida a relação entre cada valor do grau n e a dimensão espacial das anomalias magnéticas à

superfície da Terra que lhe deverão corresponder. Segundo Backus et al, (1986) podemos considerar como

comprimento de onda, o valor dado por :

c

r

n

2

12

(3.10)

pode assim concluir-se facilmente que o maior grau (n = 10) englobado no IGRF corresponde a uma dimensão

característica de 40.000/10.5 = 3810 km, o que é muito superior às dimensões típicas de uma fonte crustal.

Tendo em atenção os coeficientes indicados na tabela 1 para o IGRF90 teremos para o dipolo centrado:

222 Am10.)700.7;399.1;479.0(m

(3.11)

A magnitude do momento do dipolo centrado será então de 7.840 . 1022 Am2 podendo a sua posição no espaço ser

calculado de modo simples a partir das respectivas componentes.

O campo magnético medido à superficie da Terra é próximo do que corresponde a um dipolo centrado, ou seja,

assemelha-se largamente ao campo representado no capítulo 1. A componente não dipolar é responsável por menos de

10 % do CMP.

O ângulo entre os eixos magnético e geográfico deduzido do IGRF90 é de 10.9 graus.

3.4.2 Variação Secular do CMP

Se bem que a existência de variações lentas do CMP seja conhecida pelo menos dois séculos antes do Gauss

[Stacey, 1992], a sua interpretação chocou desde sempre com a dificuldade de atribuir à terra sólida campos de

velocidades compativeis com as alterações observadas.

A realização de observações contímuas do campo magnético da Terra permite concluir que, para além das variações

transitórias atribuíveis a fontes externas, as próprias médias anuais das componentes do campo apresentam uma

variação lenta muito significativa, que espelha a escala temporal dos fenómenos físicos que ocorrem no núcleo liquido

da Terra. Este fenómeno, que é conhecido pela designação de “variação secular” tem como uma das suas

consequências a variação da declinação magnética ao longo dos anos. O valor da variação secular apresenta uma

grande coerência espacial, ou seja : locais contíguos mostram valores próximos de vs, o que põe em evidência o

carácter profundo dos fenómenos que a geram.

A magnitude da variação secular leva a que os modelos de IGRF (cf secção 2.8 deste capítulo) incluam nos graus mais

baixos termos que representam “taxas de variação” de cada componente com o tempo. A determinação do valor do

campo de referência para um local e uma época determinados passa assim pela “reconstituição” do valor dos

coeficientes do modelos, a partir do valor relativo ao ano base do modelo e da taxa de variação temporal respectiva.

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 74

Figura 3.6: Variação do Momento do Dipolo Geomagnético entre 1820 e 1965. Unidades: 1022 A/m2(dados extraidos de

McElhinny, 1973)

Já no século XVII Edmund Halley notou que o padrão do CMT à superficie apresentada uma deriva lenta para oeste e

sugerir, para explicar este fenómeno a possibilidade de movimento diferencial de uma camada interna magnetizada da

Terra. Bullard, em 1950, confirmou a existência de “deriva para oeste” da componente não dipolar do campo, e atribuiu-

a à existência de uma velocidade de rotação do núcleo externo ligeiramente inferior à do manto, com o valor de 0.2 o/ano. Uma explicação alternativa foi dada por Hide segunda a qual este fenómeno é ondulatório, e gerado pela

importância da componente toroidal no núcleo, que previlegia a propagação para oeste das ondas electromagnéticas.

A persistência no tempo da deriva para oeste da componente não dipolar do CMT, é questionável e, se bem que

estabelecida para todo o período para o qual possuimos observações – os ultimos 4 séculos – não parece manter-se

para épocas mais recuadas, de acordo com os estudos de arqueomagnetismo.

3.5 Campo Externo

3.5.1 A Magnetosfera

No espaço interestelar existe um campo magnético cuja amplitude é de cerca de 1 nT, de acordo com observações

feitas de polarização da luz por particulas de poeira magneticamente orientadas cuja direcção, parece alinhada com a

do braço da galaxia (Backus et al, 1996).

No sistema solar o campo magnético do Sol domina o espaço interplanetário. Este é caracterizado pelo fluxo

contínuo de um plasma constituido por átomos de hidrogénio (500 cm-3), iões H+, 4He2+ e electrões (10 cm--3) que

constitui o chamado vento solar. Para uma distância igual à distância média da Terra ao Sol, este fluxo gera um

campo de intensidade próxima de 5 nT, e dirigido “de” e “para” o Sol de acordo com grandes sectores (Backus et al,

1996).

Uma vez que o vento solar é constituido por particulas electricamente carregadas, ele vai interagir com o campo

magnético da Terra. O vento solar varia consideravelmente a sua velocidade relativa em relação à Terra, com um

período de cerca de 27 dias, que coresponde à rotação do sol “vista” a partir da Terra.

Sendo os valores da velocidade do vento solar compreendidos no intervalo de 270 km/s a 650 km/s, estamos na

presença de um fluxo supermagnetosónico, já que a sua velocidade é de cerca de 10 vezes superior à velocidade de

Alfvén.

O campo magnético da Terra é afectado profundamente poelo vento solar. No lado “iluminado”, as linhas de força do

1820 1840 1860 1880 1900 1920 1940 1960 1980

8,0

8,1

8,2

8,3

8,4

8,5

8,6

Mom

ento

do D

ipolo

Geom

ag

nético

Época

Page 76: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 75

CMT são “comprimidas” pelo vento solar, definindo uma cavidade na qual a penetração do vento solar é muito reduzida,

e onde o CMT fica confinado. Gold (1959) denominou esta cavidade magnetosfera. Do lado “não iluminado” a fronteira

da magnetosfera, denominada magnetopausa, apresenta uma foma alongada, geometricamente semelhante à cauda

de um cometa.

Figura 3.7 – Estrutura da Magnetosfera. Adaptado de McElhinny et al. 1998.

A magnetosfera possui uma estrutura complexa : na fronteira com o vento solar gera-se continuamente uma onda de

choque, uma vez que a velocidade do vento solar é superior à velocidade do som para o plasma interplanetário ; mais

perto da Terra, o movimento em espiral de particular muito energéticas - protões e electrões - em torno das linhas de

campo magnético forma as “cinturas de Van Allen”. As camadas externas destas cinturas são alimentadas

continuamente pelo vento solar e a circulação equatiorial deste sistema dá origem a uma importante corrente eléctrica,

denominada “anel de corrente” que origina uma parte do campo magnético medido à superfície.

Na região compreendida entre a frente de choque e a magnetopausa, aqui designada por envelope magnético, as

particulas do vento solar desaceleram, até atingirem velocidades sub-magnetosónicas. Próximo dos polos norte e sul

magnéticos verifica-se penetração do vento solar que pode atingir a ionosfera. O estiramento das linhas de força do

CMT na magnetocauda, gera ainda o aparecimento de uma superfície, neutral, do lado obscurecido da Terra, onde o

campo é praticamente nulo.

3.5.2 A Ionosfera

Com execepção das trovoadas, a região situada entre a superfície da Terra até cerca de 50 km de altitude pode ser

consodirada como “vácuo electromagnético”. O movimento dos cumulonimbus pode, contudo alterar o CMT medido à

superfície, até valores da ordem dos 20 nT. As descargas dos relâmpagos podem conduzir a valores localizados mais

elevados.

Na atmosfera da Terra, entre os 50 km e os 600 km de altitude, existe uma região denominada ionosfera que se

considera ainda subdividida em duas camadas : a camada D - 50 km a 90 km, onde predominam os iões NO+, O2- e

electrões - a camada E - entre 90 km e 120 km, onde predominam os iões NO+, O2+ e electrões - e a camada F - entre

120 km e 600 km e onde predominam os iões O2+ e electrões. A densidade dos eleectrões aumenta da região D para a

região F, onde pode atingir valores típicos de cerca de 105 a 106 cm-3.

Esta ionização é provocada pela radiação ultravioleta do sol : o hemisfério iluminado da ionosfera é mais condutor que o

hemisfério noturno, gerando fortes corresntes eléctricas no hemisfério iluminado, num sistema de tipo “dínamo”

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 76

alimentado pela energia do Sol. Estas correntes geram campos magnéticos de intensidade até 80 nT (Backus et al,

1996).

3.5.3 Variações Transientes, Tempestades e Sub-tempestades

Os diferentes mecanismos descritos para a origem do campo magnético externo geram, à superfície da Terra, um sinal

magnético com uma grande dependência temporal.

Se excluirmos as variações do campo magnético produzidos pela radiação solar, uma vez que esta influencia o campo

magnética em períodos da ordem de grandeza de 10-15 s, o que é muito pequeno para os fenómenos estudados pelo

geomagnetismo, a componente de maior frequência (cerca de 1 kHz) corresponde às ondas induzidas no plasmas

iosnosférico por relâmpagos - ao longo de uma mesma linha de força do campo magnético - , a que corresponde um

sinal de alguns nT. A dispersão destes sinais (que conduz a que as frequências mais altas possuam uma velocidade de

popagação superior às frequências menos altas) aliada ao facto de a banda de frequência envolvida corresponder à

gama “audível” o que permite ouvir estes sinais com altifalantes, conduziu á designação de whistlers (assobios).

Nos períodos entre 1 e 300 s são conhecidas variações do CMT de carácter global e qause periódico, denominadas

micropulsações, que podem manter-se durante algumas horas e cuja amplitude é inferior a alguns nT. Estas

correspondem a fenómenos de ressonância da magnetosfera induzidos pelo vento solar.

Figura 3.8 – Tempestade Magnética típica. Valores médios para a latitude 40N. No hemisfério Sul a variação da componente

vertical seria invertida. Adaptado de Chapman e Bartels (1962)

Um fenómeno de maior importância - para as aplicações geológicas do geomagnetismo - diz respeito às tempestades

magnéticas. Estas são caracterizadas do ponto de vista observacional por oscilações muito intensas do CMT, que

podem durar alguns dias, iniciadas por uma elevação brusca da componente X, seguida alguns minutos depois por uma

descida igualmente brusca desta componente (a um nível inferior ao seu valor médio antes da tempestade). De seguida,

assiste-se a uma fase de recuperação da tempestade que pode durar alguns dias e que é acompanhada por oscilações

similares de amplitude tendencialmente inferior.

A fase inicial da tempestade magnética pode ser abrupta – designada nesse caso por SSC, Sudden Storm

Commencement – ou gradual.

A fase de recuperação das tempestades magnéticas corresponde à modulação em amplitude do anel de corrente, que

corresponde à deriva iões positivos e negativos – em sentidos contrários – ao longo de uma trajectória fechada, tal como

ocorre nas cinturas de Von Allen.

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As tempestades magnéticas podem ter amplitudes de alguns nT a alguns milhares de nT (em latitudes magnéticas

elevadas). A geração de tempestades magnéticas prende-se com a emissão de fluxos muito estreitos de vento solar, em

épocas de grande actividade solar, que colidem com a magnetosfera e excitam modos de ressonância desta.

Tempestades Magnéticas elevadas ocorrem cerca de 2 a 3 vezes por ciclo solar.

O caso mais conhecido de tempestade magnética foi o observado em Março de 1989 no Canadá, que levou ao

“disparo” de uma importante fracção da rede eléctrica deste país.

Fig. 3.9 – Aurora observada no Alaska. As estrutura verticais estão alinhadas com o CMT. Retirado de EOS, 80, 17, 1999.

São ainda definidas sub-tempestades magnéticas, quando um processo transiente é iniciado no lado noturno da

Terra, transportando energia da interacção vento solar / magnetosfera para as auroras, a ionosfera ou a magnetosfera,

e gerando variações do CMT à superfície da ordem dos 40 nT. Um dos exemplos corresponde à formação das auroras,

que ocorrem fundamentalmente nas latitudes geomagnéticas entre 65º e 70º, sendo a luz verde tipicamente associada

às auroras, provocada pelo Oxigénio bombardeado por electrões provenientes das camadas exteriores. Se bem que a

cor verde seja dominante, também podem ser observadas franjas vermelhas e azuis, associadas ao oxigénio e ao

azoto.

As auroras estão associadas a campos elétricos de elevada intensidade, sendo a mais importante designado por

electrojacto, activo entre o pôr e o nascer do sol, com a amplitude máxima cerca da meia-noite.

As alterações dos magnetogramas geradas pelas sub-tempestades assemlham-se a baías num mapa geográfico, pelo

que se conhecem como baías magnéticas.

3.5.4 Variação Diurna

Mesmo se não existissem perturbações no vento solar, na sua interacção com o CMT, existe um efeito de maré,

gerado pelo facto de o eixo do dipolo geomagnético estar inclinado em relação à direcção do vento solar. A variação

assim provocada no CMT à superfície designa-se por variação diurna.

Esta variação pode ser conceptualmente decomposta numa componente solar S, com um período de 24 h, numa

muito menor componente lunar, L, ciom um período proóximo das 25 h, e numa componente perturbadora, D. Se se

consideraremapenas os dias muito calmos do ponto de vista magnético, podemos obter uma descrição da vairação

devida apenas à variabilidade solar Sq. Tanto Sq como L têm origem em fenómenos de maré.A maré atmosférica

solar é essencialmente térmica enquanto que a maré lunar é essencialmente gravitacional.

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Figura 3.10 – Variação diurna média dos dias calmos da componente horizontal, para várias latitudes. Abcissas em h, ordenadas

em nT. Adaptado de Chapman e Bartels, 1962.

Ao longo do equador magnético, e numa banda de cerca de 2º de largura, verifica-se uma amplificação de Sq de um

factor de dois. Este facto traduz a existência de uma corrente, denominada electrojacto equatorial, que flui de este

para oeste no hemisfério diurno.

Podemos definir o campo perturbado D pela diferença.

LSFD q (3.12)

onde F é a diferença entre o valor mnedido do campo total em cada instante e o valor médio mensal.

3.5.5 Manchas Solares

O ciclo de variação da actividade solar, habitualmente medido pelo número de manchas solares, gera igualmente um

sinal magnético de pequena amplitude (inferior a 10 nT) e com um período de cerca de 11 anos.

Do ponto de vista das medições do CM à superfície, a influência determinante do campo externo é sob a forma de um

campo variável no tempo. A principal componente medida à superfície, é a denominada variação diurna dos dias calmos

cuja amplitude, como vimos atinge cerca de 80 nT e que obriga a efectuar “reduções temporais” nos levantamentos

magnéticos (cf secção GM 4.2.1). As tempestades magnéticas, pela sua amplitude obrigam à suspensão de todos os

trabalhos de prospecção magnética. As outras componentes de origem externa são muito reduzidas quando

comparadas com o campo de origem interna. Esta conclusão tinha já sido obtida de forma matemática por Gauss no

século XVIII.

3.6 Campo Crustal

Podemos retirar o CMP aos valores medidos do CMT, utilizando para tal um modelo matemático do tipo IGRF.

Podemos retirar o CE realizando médias temporais sobre os dados observados. Ao valor residual assim obtido, que

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supomos integrar a influência crustal damos habitualmente o nome de “Anomalia Magnética”.

Estas anomalias são atribuidas essencialmente a variações laterais da magnetização das rochas e podem atingir

alguns milhares de nT em casos excepcionais de formações com teores elevados de magnetite. De um modo geral

estas anomalias caracterizam-se por um número-de-ondas reduzido e inferior à centena de quilómetros, se bem que

existem casos, como o da anomalia de Bangui, na África Central, onde a extensão lateral ultrapassa os 250 km por

700 km, para uma amplitude de cerca de 500 nT.

3.7 Tipos Básicos de Comportamento Magnético das Rochas

3.7.1 Magnetização Induzida e Magnetização Remanescente

O campo magnético gerado por uma formação geológica, num ponto P de coordenadas r

pode ser determinado

matemáticamente por uma expressão do tipo :

dv

'rr

1grad.)r(Mgrad

4)r(B QP

0a

(3.13)

Desde que conheçamos o valor que a magnetização volúmica M

assume para cada elemento de volume (dv) dessa

rocha, sendo Q ( 'r

) o ponto corrente sobre a formação, podemos determinar o valo do integral anterior e, assim,

calcular o campo magnético (crustal) gerado.

A magnetização volúmica é função da história magnética da rocha, que determina a magnetização remanescente do

material, e do campo magnético ambiente, que determina a magnetização induzida. De uma forma mais ou menos

complexa, a magnetização volúmica é gerada pelo CMP, pelo que se torna necessário conhecer de que maneira e por

que processos essa influência é realizada. De uma forma simplificada, podemos partir de uma expressão do tipo :

RMHM

(3.14)

em que o termo H

corresponde à componente induzida - que existe apenas na presença de um campo magnético

ambiente - e o termo RM

à componente remanescente da magnetização, que corresponde à componente permanente

da magnetização.

A medida da importância relativa da magnetização remanescente em relação à magnetização induzida é dada pela

razão de Koenigsberger :

H

MQ

R

(3.15)

O valor de não é necessariamente constante para uma dada substância, podendo ser função do valor do campo H.

Assim apresentam-se nas tabelas uma gama de valores de , para cada rocha ou mineral, assim como o seu valor

"médio", que corresponde a uma média pesada de observações laboratoriais.

Nas tabelas seguintes apresentam-se os valores das susceptibilidades magnéticas de várias rochas e minerais.

Tipo (SI)

Dolomite -12.5 a 44

Calcário 10 a 25000

Arenito 0 a 21000

Xisto 315 a 3000

Gneisse 125 a 25000

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

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Tipo (SI)

Serpentinite 3100 a 75000

Granito 10 a 65

Riolite 250 a 37700

Gabro 800 a 76000

Basaltos 500 a 182000

Peridotite 95500 a 196000

Tabela 3.5 - Susceptibilidades Magnéticas de Algumas Rochas (unidades 10-6SI)

Tipo (SI)

Grafite -80 a –200

Quartzo -15

Sal Gema -10

Calcopirite 400

Pirite 50 a 500

Hematite 420 a 38000

Pirrotite 1250 a 6.3 x 106

Ilmenite 314000 a 3.8 x 106

Magnetite 70000 a 2 x 107

Tabela 3.6 - Susceptibilidades Magnéticas de Alguns Minerais (unidades 10-6SI)

Apesar de haver uma grande variedade nos valores apresentados, é possível dizer que as rochas sedimentares

apresentam os valores mais baixos de susceptibilidade média e as rochas ígneas (ou básicas) os mais altos. De uma

forma geral as rochas máficas são mais magnéticas que as siliciosas : os basaltos são mais magnéticos que os riolitos e

os gabros mais magnéticos que os granitos. Para a mesma composição química as rochas extrusivas têm

magnetização remanescente mais alta e susceptibilidade mais baixa que as intrusivas - têm razões de Koenigsberger

superiores. Nas rochas sedimentares e metamórficas os valores da magnetização são muito baixos.

Em todos os casos, o valor da susceptibilidade depende da quantidade de minerais ferrimagnéticos presentes, em

especial a magnetite (por vezes a ilmenite ou a pirrotite).

Se bem que a mecânica quântica enquadre o estudo do comportamento magnético dos materiais, podemos adoptar

aqui uma aproximação essencialmente fenomenológica que é suficiente para a Geofísica.

O modelo simples da estrutura atómica considera um núcleo central de carga eléctrica positiva, à volta do qual orbita

um cortejo de electrões que giram igualmente em torno dos respectivos eixos. Sabemos do electromagnetismo

clássico que uma carga eléctrica em movimento gera um campo magnético, contudo, em muitas substâncias os

dipolos atómicos magnéticos dispõem-se aleatóriamente pelo que o momento magnético total é nulo. Os átomos

possuem momento dipolar magnético devido ao movimento orbital do cortejo electrónico e devido ao momento

dipolar intrinseco dos electrões, que se designa por spin. Há ainda uma contribuição, mais reduzida, do núcleo.

Consideram-se habitualmente alguns tipos básicos de comportamento magnético dos materiais: diamagnetismo,

paramagnetismo, ferromagnetismo, ferrimagnetismo e antiferromagnetismo. Estes comportamentos assentam em

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Pag 81

mecanismos físicos distintos, e por isso não podem ser interpretados como alternativos. As rochas (e/ou os minerais)

são também classificados desta maneira, de acordo com o comportamento dominante que por nós é observado.

3.7.2 Diamagnetismo

Do ponto de vista heurístico, uma substância diz-se diamagnética quando tem uma susceptibilidade magnética ()

negativa, isto é, a magnetização induzida na substância pelo campo H tem uma direcção contrária à do campo.

Se bem que o comportamento diamagnético apenas domine num conjunto de mateiriais, o diamagnetismo em si é uma

propriedade geral de todos os materiais pois o movimento orbital dos seus electrões, na presença de um campo externo H , é tal que se opõe ao campo.

Consideremos uma carga eléctrica animada de velocidade v

(e.g. um electrão em órbita, num modelo clássico de tipo

“planetário”) sob a acção de um campo magnético B

sofre uma força de Lorentz dada por:

BveF

(3.16)

de tal modo que por efeito giroscópico, estes electrões irão precessar em torno de B

. A precessão (de Larmor) de Z

electrões produz um momento magnético que se opõe a B

:

Bm4

Ze

e

22

d

(3.17)

sendo 2 a distância média dos electrões ao eixo dos zz, que supomos coincidir com a direcção do campo B

, e Z o

número atómico. A susceptibilidade diamagnética é então dada por:

e

2200D

dm6

rnZe

B

n

H

M

(3.18)

uma vez que 22 r3

2 e onde n é o número de átomos por unidade de volume. Este é o modelo de

diamagnetismo de Langevin.

O efeito diamagnético é reduzido, quando comparado com outras formas de comportamento magnético que

descrevemos seguidamente, pelo que muitas vezes não prevalece (isto é, as outras formas de magnetismo sobrepõem-

se ao diamagnetismo). Muitos compostos e elementos simples exibem diamagnetismo. Os materiais diamagnéticos

mais comuns existentes na crusta terrestre são a grafite, o mármore, o quartzo, os feldspatos e os evaporitos.

3.7.3 Paramagnetismo

Do ponto de vista heurístico, uma rocha (ou um mineral) diz-se paramagnética quando apresenta uma susceptibilidade

magnética () macroscópica positiva, isto é, a magnetização induzida na substância pelo campo H tem a mesma

direcção que o campo aplicado.

Esta situação ocorre quando o comportamento paramagnético é dominante. O paramagnetismo é dominante nas

substâncias cujos átomos possuem sub-camadas não completamente preenchidas. São exemplos deste

comporrtamento as séries de elementos Ca20 - Ni28, Nb41-Rh45, La57-Pt78, Th90-U92 e os seguintes minerais: piroxena,

olivina, biotite e anfibolite. Este efeito decresce com a temperatura.

Qual a origem do comportamento paramagnético ? Um modelo físico explicativo do paramagnetismo pode ser

realizado com o recurso à física clássica: consideremos um modelo simplificado de um material, assimilando-o a um

conjunto de dipolos magnéticos elementares sem interacções. A resposta de um sistema deste tipo, medida pela

magnetização volúmica induzida, será dada por:

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cos.1

NB

B

VM

iv

(3.19)

em que é o ângulo entre o campo aplicado B e o momento elementar e N o número de dipolos de momento

i

por unidade de volume. Se considerarmos que existe uma pequena interacção entre os dipolos elementares, e

sabendo que os dipolos correspondentes a pequenos valores de serão favorecidos, podemos determinar o valor

médio <cos> utilizando a estatística de Boltzmann:

j

kTE

j

kTE

j

j

j

e

e

cos

cos (3.20)

em que o termo energia tem o valor:

jj cosBE (3.21)

se o número de dipolos for muito grande, podemos considerar uma distribuição contínua e re-arranjar a expressão

(3.20) sob a forma:

B

kT

kTcoth

e

e)(cos

cos1

1

cos)kT

B(

1

1

cos)kT

B(

(3.22)

pelo que a magnetização volúmica Mv assume, para N dipolos por unidade de volume, o valor:

B

kT

kT

BcothNMv (3.23)

Em que o termo entre parenteses se designa por função de Langevin, que se pode escrever aproximadamente sob

a forma:

3

a

a

1acoth (3.24)

pelo que teremos:

kT3

N

B

M

kT3

BNM

20

v

0

2v

(3.25)

que mostra que a susceptibilidade quando o argumento da função de Langevin é menor que 1 (o que se verifica nas

situações geologicamente razoáveis) é inversamente proporcional à temperatura absoluta. Esta é a Lei de Curie da

susceptibilidade paramagnética que se aplica às situações típicas do magnetismo das rochas.

Este modelo clássico descreve o que se designa por paramagnetismo de Langevin. Aplica-se a todos os conjuntos

de partículas com momentos suficientemente grandes para que o tratamento quântico seja significativo

(superparamagnetismo) ou pode ser visto como o caso limite do tratamento quântico, para situações em que os

números quânticos são muito grandes.

3.7.4 Ferromagnetismo

As substâncias dia e paramagnéticas apresentam sempre magnetizações muito reduzidas, quando comparadas

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Pag 83

com substâncias como o ferro, o cobalto e o níquel, que exibem magnetizações elevadas, sendo as suas

propriedades conhecidas como ferromagnetismo. Note que no modelo de paramagnetismo que apresentámos os

dipolos magnéticos elementares foram considerados como independentes. Nos materiais ferromagnéticos existe

uma interacção entre eles, capaz de gerar uma magnetização elevada.

No quadro da física clássica não é possível descrever o comportamento ferromagnético, uma vez que este é

condicionado essencialmente pelo momento magnético associado ao spin dos electrões, que não tem análogo

clássico.

Se se aplicarem as regras definidas anteriormente para determinar a distribuição electrónica da primeira série dos

elementos de transição da tabela periódica, veremos que os elementos sucessivos correspondem ao preencimento

da subcamada 3d (n=3, l=2). O momento total de spin atinge um máximo quando a subcamada 3d está semi-

preenchida, com 5 electrões desemparelhados, reduzindo-se de novo à medida que os orbitais vão sendo ocupados

com dois electrões anti-paralelos. O número quântico de spin máximo é assim de 5/2 uma vez que as primeiras três

camadas (1s2 2s2 2p6 3s2 3p6) similares ao Argon correspondem a orbitais completamente preenchidos.

Vejamos o que ocorre no caso dos óxidos de ferro, de particular interesse para a geofísica. No processo de

ionização dos iões Fe2+ e Fe3+ os primeiros electrões a ser removidos são os que pertencem à sub-camada 4s. Os

iões formados Fe2+=(Ar)3d6 e Fe3+=(Ar)3d5 podem ser encarados como dipolos magnéticos microscópicos

(paramagnéticos), com spin 4 e 5, respectivamente. O Oxigénio, que participa nos óxidos de ferro, tem a

estrutura electrónica 1s2 2s2 2p4, e com a captura de 2 electrões, transforma-se num anião com estrutura electrónica

semelhante à do Ne.

Quando o comportamento dos momentos magnéticos elementares se pode considerar como independente,

estamos, como vimos já, na situação descrita como paramagnetismo. Contudo, algumas materiais demonstram a

propriedade de gerar a cooperação entre os momentos magnéticos elementares, abrangendo uma região

significativa da rede cristalina. O mecanismo responsável por esta cooperação denomina-se interacção de troca, e

tem como origem a sobreposição dos orbitais entre iões vizinhos da rede cristalina. No caso dos óxidos de ferro

essa sobreposição envolve os orbitais 3d, e utiliza como intermediário o anião O2-.

Figura 3.11 – Interacão de troca indirecta entre dois catiões Ferro e um anião Oxigénio. Os dois catiões adquirem uma orientação

de spin coerente antiparalela.

Quando um dos catiões que participa na interacção tem a sub-camada 3d menos que meia preenchida e o outro

catião mais que meia preenchida, os dois catiões aquirem uma orientação de spin coerente paralela (acoplamento

paralelo); em todos os outros casos o acoplamento é anti-paralelo.

A eficácia da interacção depende da fracção de sobreposição dos orbitais, que por sua vez depende das distância

interatómicas na rede cristalina, e do ângulo da ligação metal-oxigénio-metal, que deve ser próxima dos 180º.

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A temperaturas finitas, a agitação térmica perturba o alinhamento entre spins e, existe um valor da temperatura para

a qual a agitação térmica fornece a energia necessária (kTc ~4JS2) para destruir o acoplamento entre os spins. Esta

é a Temperatura de Curie.

Uma interacção onde J seja positivo é denominada ferromagnética. No caso em que J é negativo é denominada

antiferromagnética.

Nos materiais antiferromagnéticos, o acoplamento anti-paralelo conduz a que haja um cancelamento entre os momentos

magnéticos. Neste caso, a temperatura para a qual a ordem antiferromagnética é destruida designa-se por Temperatura

de Neel, e acima dela o material recupera o comportamento paramagnético. Substâncias antiferromagnéticas são, por

exemplo, MnO, FeO, CoO, NiO.

Figura 3.12 – Representação esquemática da diferença entre a ordem antiferromagnética (a) e ferrimagnética (b).

Na Magnetite Fe3O4 a ordem é essencialmente semelhante ao antiferromagnetismo, mas as sub-redes cristalinas

acopladas anti-paralelamente não se cancelam totalmente, sendo o momento magnético global diferente de zero,

situação esta que se designa por ferrimagnetismo. Tal pressupõe que um dos conjuntos de domínios tem um

alinhamento magnético mais forte ou, então, que existem mais domínios numa direcção do que na outra. Outros

exemplos são a magnetite, a titanomagnetite e a ilmenite, os óxidos de ferro ou ferro e titânio; a pirrotite é um mineral

magnético do segundo tipo. Praticamente todos os minerais magnéticos são ferrimagnéticos.

A susceptibilidade dos minerais antiferromagnéticos, se bem que baixa, é muito estável. Na hematite, por exemplo, os

dois conjuntos de domínios estão ligeiramente “desalinhados” pelo que uma amostra de hematite possui sempre uma

magnetização permanente não nula (antiferromagnetismo direccional). Uma situação semelhante pode ocorrer nos

casos em que a magnetização permanente não nula é gerada por defeitos cristalinos.

3.7.5 A série ternária FeO, TiO2, Fe2O3

Os minerais que contribuem de forma mais decisiva para a magnetização das rochas pertencem à série ternária FeO-

TiO2-Fe2O3, representada na figura 3.2.

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Figura 3.13 – Sistema ternário FeO-TiO2-Fe3O4, onde se mostram as soluções sólidas mais importantes para as magnetização

das rochas terrestres. As linhas a tracejado indicam séries de idêntica razão Ti:Fe.

No sistema ternário representado na figura 3.3, devem-se distinguir, pela sua importância, os óxidos cúbicos

Magnetite (Fe3O4), Maghemite (-Fe2O3) e as soluções sólidas de Magnetite em Ulvospinel (Fe2TiO4), denominas

titanomagnetites. Para além destas temos ainda os minerais romboédricos como a Hematite ( – Fe2O3) e as suas

soluções sólidas com a Ilmenite (FeTiO3), designadas por titano-hematites.

A Pirrotite (FeS1+x, 0<x<0.14) é o único sulfureto de ferro que é ferrimagnético. A sua temperatura de Néel, de

transição para o estado paramagnético é de 300ºC. Para baixo desta temperatura, é antiferromagnético quando

0<x<0.09 e ferrimagnético se 0.09<x<0.14.

3.7.6 Domínios Magnéticos

Quando um grão ferromagnético sl é magnetizado, verifica-se que a distribuição dos dipolos magnéticos

elementares no seu interior tem tendência a se re-arramjar de modo a ser alcançado uma situação de energia

magnetostática mínima. Tal é alcançado através da criação de domínios magnéticos dentro dos quais a direcção da

magnetização apresenta uma direcção consistente, e que estão seprarados uns dos outros por paredes, que se

podem re-arranjar, com algumas limitações, em função da sua magnetização.

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Figura 3.14 – Esquema de subdivisão de um grão ferromagnético em domínios.

A subdivisão em domínios termina quando a energia necessária para formar uma parede suplementar fôr superior

ao ganho de energia magnetostática com a nova configuração.

A magnetização permanente da maioria das rochas é gerada por grãos que contêm um número pequeno de

domínios magnéticos. As rochas caracterizadas por grãos de grande dimensão apresentam um número elevado de

domínios por grão, de tal forma que a magnetização total pode ser nula. Sob a acção de um campo externo ocorre

remagnetização, que se traduz pelo crescimento de uns domínios à custa dos outros, pelo que a magnetização

deste tipo de rochas é habitualmente fraca e instável.

A transição entre as direcções de magnetização de dois domínios adjacentes não varia de forma abrupta. A “largura”

das paredes varia entre 100 e 1000 A, sendo a energia correspondente proporcional à área A da parede. No

domínio interior a estas paredes os dipólos vão sendo gradualmente impossibilitados de mudar a sua direcção

preferencial.

Na ausência de qualquer campo externo os domínios auto acomodam-se reduzindo a energia magnetostática.

Quando da aplicação de um campo magnético fraco a um sistema de domínios encerrados, os que estão paralelos

ao campo aplicado crescem por extensão das suas paredes de bloqueio, em detrimento dos domínios não

alinhados.

Se considerarmos períodos extensos de tempo, a activação térmica permite que individualmente os átomos passem

sobre a barreira de energia e se reponha a configuração inicial.

Nos materiais com grãos muito pequenos não há lugar à formação de paredes. Os grãos resultantes denominam-se

de domínio singular (SD), e apenas campos fortes possibilitam a rotação dipolar individual. A aplicação de um

campo forte segundo um determinado ângulo com a direcção cristalográfica „fácil‟ de uma partícula SD, faz com que

os dipólos rodem, alinhando-se com o campo aplicado, no entanto, os dipólos relaxarão para as suas direcção

„fáceis‟ depois de removido o campo aplicado. Este comportamento SD é particularmente importante em rochas que

contenham frequentemente material de grão fino, sobre o qual um campo magnético fraco (comparável ao da Terra)

não tem efeito. Assim a magnetização pode permanecer estável para prolongados períodos de tempo.

Os grãos mono-domínio são em princípio muito difíceis de re-magnetizar uma vez que é necessário realinhar a

posição de todos os átomos em simultâneo. Esta situação é particularmente importante nos grãos mono-domínio de

maiores dimensões de magnetite (~1 micron). No caso dos grãos mono-domínio de muito pequena dimensão (~

0.05 micra) a magnetização permanente persiste apenas uma fracção de segundo. Entre estes dois extremos a

magnetização permanente pode persistir por períodos comparáveis à idade da Terra. Os grãos mais pequenos que

o limite crítico (0.05 micra) são denominados superparamagnéticos uma vez que o seu comportamente os

aproxima dos materiais paramagnéticos.

No caso dos grãos multi-domínio de pequenas dimensões (entre 1 e 20 micra para a magnetite), não é possível

obter-se arranjos dos dominios magnéticos que gerem magnetização global nula. Estes grãos, denominados

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“pseudo mono-domínio” são muito importantes para o paleomagnetismo, mas a sua física é ainda pouco conhecida

(Sleep e Fujita, 1997).

Figura 3.15 – Estruturas possíveis de domínios magnéticos em grãos de magnetite.

3.7.7 Aquisição de Magnetização Remanescente

O estudo da magnetização das rochas permite identificar os mecanismos típicos de aquisição da magnetização

remanescente natural (NRM). Vamos passar a descrever as principais:

3.7.7.1 Magnetização Remanescente Química

A CRM é adquirida quando os grãos magnéticos aumentam de volume ou mudam de forma em consequência de uma

acção química a temperatura moderada, isto é, abaixo do ponto de Curie. Isto é particularmente importante em rochas

sedimentares e metamórficas.

As reacções mais importantes que geram CRM são a desidratação do Oxihidróxido de Ferro, dando origem a hematite:

OHOFeFeOOH2 232 ,

a oxidação das titanomagnetites em titanomaghemites, ou a oxidação da maghemite em hematite.

3.7.7.2 Magnetização Detrítica

A DRM é adqurida durante a deposição lenta de partículas de grãos finos em presença de um campo externo. Argilas e

lodos de aluviões lacustres podem exibir este tipo de remanescência.

3.7.7.3 Magnetização Remanescente Isotérmica

A IRM é a magnetização que fica depois de se retirar um campo externo (ver figura 3.2). O campo magnético da Terra é

muito fraco para produzir IRM. Relâmpagos podem produzir IRM em áreas pequenas e irregulares.

3.7.7.4 Magnetização Termo-Remanescente

A TRM dá-se quando um material magnético é arrefecido, de valores superiores à sua Temperatura de Curie (TC) a

valores inferiores, na presença de um campo externo. O campo remanescente assim adquirido é bastante estável e em

alguns casos pode ser de sinal contrário ao do campo magnetizador. Este é o mecanismo principal na magnetização de

rochas ígneas.

Podemos deduzir que um grão com um tempo de relaxação de 103 s para uma temperatura de bloqueamento TB de 800

K, terá um tempo de relaxação de 1018 anos se colocado à temperatura de laboratório. Esta a razão pela qual o

paleomagnetismo é possível.

De acordo com a equação (3.19), rochas com grãos com volumes variáveis, ela vai ser caracterizada por um conjunto

de Temperaturas de Bloqueamento (TB). Quando a temperatura decresce para valores inferiores ao de Tc ela irá passar

pelos sucessivos TB. Deste modo. A TRM não é adquirida simultâneamente para toda a rocha a Tc, mas serão

adquiridas TRM parciais, correspondentes a intervalos sucessivos de temperaturas de bloqueamento. Thellier enunciou

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o denominado lei da aditividade das TRMs parciais segundo a qual a TRM total é a soma das TRMs parciais, adquiridas

entre a Temperatura de Curie e a Temperatura de Laboratório.

3.7.7.5 Magnetização remanescente viscosa

A VRM é produzida por uma exposição prolongada a um campo externo, sendo o aumento de magnetização

remanescente uma função logarítmica do tempo. A VRM aparece com mais frequência nas rochas de grão fino do que

nas rochas de grão mais grosseiro. Esta magnetização remanescente é bastante estável.

3.8 Anomalias Magnéticas

Como vimos no ponto 3.1, considerando valores do CMT livres de influência do campo externo, podemos definir a

anomalia magnética por:

NA BBB

(3.26)

As anomalias são quantidades vectoriais, pelo que só são completamente descritas quando conhecemos as três

componentes X, Y, Z, correspondentes às três direcções (Sul-Norte, Oeste-Este e Vertical). Contudo, a

utilização de magnetómetros de três componentes em prospecção é pouco frequente, pela necessidade de

orientação geográfica absoluta em todos os pontos de medição. Geralmente os magnetómetros utilizados são

instrumentos escalares, como os magnetómetros de protões, pelo que, ao subtrairmos à intensidade observada a

intensidade do campo normal, obtemos não a intensidade da anomalia magnética, mas sim a sua projecção

segundo da direcção do campo normal :

N

NA

B

BBF

(3.27)

como pode ser deduzido facilmente do diagrama da figura 3.16.

Fig. 3.16 – A anomalia magnética medida com um magnetómetro escalar e determinado da forma |B|-|BN| é aproximadamente

igual à projecção do vector campo anómalo na direcção do campo normal.

Para determinarmos a anomalias magnética produzida por um corpo magnetizado temos que integrar a equação

(3.1) para uma geometria específica, e estabelecer (ou medir a partir de um conjunto de amostras recolhidas) o valor

a atribuir à sua Magnetização Volúmica.

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Um caso muito simples é o que acontece quando o objecto do nosso estudo é um dique, que podemos representar

por um modelo do tipo “degrau inclinado”, tal como apresentamos na figura 3.8.

Figura 3.17 – Modelo de um “degrau inclinado”

A anomalia do campo total, obtida por integração de (3.1) e tendo em atenção a definição (3.12) é dada por:

2t

20

t00

z)xx(

Dz)xx(C)Mt(

4)x(F

(3.28)

em que os parâmetros geométricos podem ser retirados da figura 3.8, e as constantes C, D têm os valores:

dcos)LnlL(2dsin)nNlL(2D

dsin)LnlN(2dcos)nNlL(2C

(3.29)

sendo (l, m, n) os cosenos directores do CMP e (L, M, N) os cosenos directores do campo anómalo. A partir deste

modelo elementar podem-se construir modelos mais complexos, um dos quais simula um “dique”, obtido

simplesmente pela adição de dois “degraus” desfasados, com magnetizações de igual intensidade e sinais

contrários.

Figura 3.14 – Anomalia Magnética gerada por um dique com 10 m de espessura projectada na horizontal. A inclinação do CMP e

da magnetização é de 60º, o perfil está orientado segundo o meridiano magnético e a magnetização é de 1A/m.

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3.9 Interpretação das Anomalias Magnéticas

Na maioria dos casos, as rochas contêm uma variedade de minerais com propriedades magnéticas distintas. Como

foi referenciado anteriormente, a classificação resume-se a três classes de minerais magnéticos, ou seja,

diamagnéticos, paramagnéticos e ferromagnéticos (s.l.), onde cada grão destes minerais dá a sua contribuição para

a susceptibilidade volúmica assim como para a anisotropia da susceptibilidade magnética. Assim conclui-se que a

susceptibilidade volúmica e a anisotropia de uma rocha resultam da soma ponderada de todos os tipos de

magnetismo presente nos mais variados minerais.

Se os minerais ferromagnéticos (s.l.) estão presentes, estes dominam as propriedades magnéticas das rochas,

desde que se encontrem a uma temperatura inferior à de Curie. Os minerais ferromagnéticos mais comuns são os

óxidos de ferro, magnetite e hematite (cf. tabela 3.1), os quais estão presentes em quantidades de pelo menos 5l %

em volume do total de rochas ígneas e metamórficas participando com quantidades mais baixas para as rochas

sedimentares.

A magnetite é um mineral ferromagnético particularmente importante devido à sua alta susceptibilidade magnética.

No entanto a sua anisotropia magnética é relativamente baixa, quando comparada com outros minerais. A

anisotropia magnética de um outro óxido de ferro, a hematite, é elevada, mas a sua susceptibilidade é mais fraca 1%

do que a magnetite, se bem que seja mais alta que a maioria dos outros minerais. Assim se tanto a magnetite como

a haematite estão presentes, as propriedades magnéticas das rochas tenderão a ser dominadas pela magnetite

quando presente em concentrações superiores ou iguais a 0.5% da fracção de óxidos de ferro.

Na ausência (ou para muito baixas concentrações) destes dois minerais, outros minerais ferromagnéticos (s.l.)

tenderão a dominar as propriedades magnéticas, tais como óxidos de ferro (ex. Maghaemite), hidróxidos de ferros

(ex. Goetite), e sulfatos de ferro, (ex. Pirrotite). Todos estes minerais são importantes porque assinam propriedades

da fábrica magnética assim como da remanescência magnética, no entanto, condicionadas pela distribuição de

tamanhos destes minerais.

As anomalias magnéticas são um instrumento para estudar a composição do interior da Terra, mas as fontes cuja

descrição procuramos devem estar próximas da superfície, já que a Temperatura de Curie dos materiais

ferrimagnéticos é atingido a menos de 100 km de profundidade, e uma vez que as propriedades dia- e

paramagnéticas, se bem que não desapareçam com a Temperatura de Curie, têm uma contribuição muito reduzida

para a magnetização global das rochas.

As anomalias podem classicar-se no que diz respeito à seu número-de-ondas, em locais e regionais. A separação

entre estes dois tipos tem a ver necessariamente com o objecto do estudo e as dimensões da área onde possuimos

dados magnéticos. No caso dos estudos tectónicos ou mineiros as anomalias de interesse têm n-d-o hectométricos

ou quilométricos, e todas as outras fontes, mais profundas ou de dimensão lateral superior, são por nós englobadas

na categoria “regional”.

3.9.1 Anomalias Magnéticas em Meio Continental

A interpretação qualitativa das anomalias magnéticas tem por objectivo a identificação expedita das diferenciações

laterais de petrologia, que geram contrastes de magnetização, e da tectónica, não só porque põe em contacto

formações com contrastes de magnetização, como também pelo facto de ser possível identificar fenómenos

associados à fracturação, gerados essencialmente quer pela acção da circulação de água.

A interpretação quantitativa procura relacionar anomalias magnéticas individualizadas com modelos simplificados de

corpos, cujo contraste de magnetização é suposto gerar a anomalia. Os manuais de Prospecção Magnética

descrevem diversos métodos de modelação.

Na figura 3.10 apresentam-se as anomalias magnéticas do continente, obtidas a artir de um levantamento

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aeromagnético realizado à altitude de 3000m, e com linhas de voo orientadas segundo os meridianos magnéticos e

espaçadas entre si 10 km. A carta apresentada corresponde à anomalia do “campo total”, sendo as linhas de

isoanómala representadas de 10 nT em 10 nT.

Se sobrepusermos à carta magnética as grandes unidades estruturais do soco hercínico do continente, tal como são

apresentadas por Ribeiro et al. (1980), verifica-se a existência de uma correlação elevada entre os limites dessas

unidades e as anomalias magnéticas.

Esta correlação é particularmente clara na região de transição entre a Zona de Ossa Morena (ZOM) e a Zona Sul

Portuguesa (ZSP) ao longo do Cavalgamento de Ferreira Ficalho, que separa uma região (ZOM) de elevado

metamorfismo de outra (ZSP) onde o metamorfirsmo é menos elevado, sem inclusões granitóides, o que do ponto

de vista magnético, se traduz por anomalias de maior n-d-o, de baixa amplitude, negativas, indicando que a

susceptibilidade magnética destas formações é reduzida, e inferior à média do continente.

A ZOM apresenta uma profusão de anomalias de amplitude intermédia, polarizadas directamente, relacionadas com

o Maciço de Beja e as formações gabro-dioríticas de Sousel, Alter do Chão, Campo Maior, Elvas, Monforte, etc…

A separação entre a Zona Centro Ibérica (ZCI) e a Sub-Zona de Galiza e Trás-os-Montes (SZGT) segue quase

perfeitamente a “linha de zero” da anomalia magnética : a SZGT é uma região onde as formações apresentam

susceptibilidades baixas, sobre as quais poontuam as anomalias associadas aos Maciços alóctonos de Morais e

Bragança. A fronteira SE da SZGT é ainda marcada pela anomalia de Moncorvo, provavelmente devida ao alto teor

em ferro dos seus quartzitos.

As bacias meso-cenozóicas do Tejo e do Sado são caracterizadas por valores muito baixos da susceptibilidade

magnética, o que está deacordo com os valores médios típicos das formações sedimentares. Contudo, os Maciços

vulcânicos de Sintra e Sines “mascaram” com as fortes anomalias associadas, este comportamento regional.

A correlação entre as anomalias magnéticas e os grandes acidentes tectónicos também é facilmente observável na

figura 3.15: A falha da Nazaré, que afecta significativamente a magnetização do material litológico e se “prolonga”

aparentemente pela falha de S Pedro do Sul – Chaves afecta as anomalias magnéticas regionais de foma

expressiva. As falhas Régua-Verin e Covilhã-Bragança, apresentam assinaturas semelhantes.

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Fig. 3.15: Levantamento Aeromagnético de Portugal Continental. Sobreposição entre as anomalias magnéticas e as unidades

estruturais do Maciço Hespérico.

3.9.2 Anomalias Magnéticas em Domínio Oceânico

As anomalias magnéticas oceânicas tiveram um papel central no estabelecimento da teoria da tectónica de placas.

Uma das carecterísticas fundamentais das anomalias magnéticas oceânicas é a de apresentarem bandas paralelas à

dorsal, simétricas em relação ao eixo da dorsal, e alternadamente positivas e negativas.

A existência de polaridades magnéticas invertidas é conhecida desde o principio do século XX. Em 1905, B. Brunhes ao

estudar o magnetismo remanescente de lavas existentes perto de Clermont-Ferrand (França), detectou que algumas

escoadas tinham a polaridade invertida em relação ao campo geomagnético actual, enquanto que outras tinham a

mesma polaridade. Em ambos os casos a direcção de magnetização coincidia, aproximadamente, com a do campo

actual. Estas lavas pertenciam ao Quaternário superior, com idades compreendidas entre 600 mil anos e 2.5 Ma. Outros

autores, entre os quais convem destacar Matuyama que, em 1929 estudou as lavas de vulcões do Japão, constataram

que este fenómeno não era local mas que se observava à escala global.

Na década de sessenta, os estudos da magnetização termo-remanescente de lavas vulcânicas permitiram concluir que,

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para um mesmo local a variação da direcção do CMP é pequena - inferior a 50o e habitualmente inferior a 25o - se bem

que o sentido desse campo apresenta períodos de direcção oposta à actual.

Estabeleceu-se assim que, conforme as épocas, as rochas apresentam polaridade normal (idêntica à direcção do

campo actual) ou inversa (oposta à direcção do campo actual). A mudança de polaridade de umas épocas para as

outras não pode explicar-se por um fenómeno de inversão da própria rocha (pois ter-se-ia de considerar a inversão de

todas as rochas de uma mesma época localizadas em diferentes continentes). Só é possível explicar este fenómeno

admitindo que o campo magnético terrestre sofreu inversões de polaridade ao longo do tempo. Os mecanismos de

inversão de polaridade são ainda hoje desconhecidos no essencial, se bem que os intervalos de tempo envolvidos num

processo de nversão sejam curtos à escala geológica - inferiores a milhares de anos - e que o carácter destas inversões

seja essencialmente não periódico.

Estas inversões tambem se detectaram em amostras de sedimentos marinhos recolhidas em sondagens. A polaridade

magnéticas destes sedimentos mostrou-se largamente coincidente com as épocas de polaridade normal e inversa

obtidas no estudo das lavas, o que confirma o caracter global das inversões. A correlação dos dados obtidos, tanto em

lavas como nos sedimentos marinhos, resultou no estabelecimento de uma cronologia das épocas em que o campo

magnético terrestre é normal ou inverso.

Em teoria, se o campo magnético terrestre tiver mantido, ao longo das épocas geológicas, o seu caracter dipolar e se os

continentes não tiverem variado a sua posição, então, para uma determinada época, todas as rochas devem de ter os

pólos virtuais na mesma posição. A variação destes pólos no tempo representaria a migração dos polos geomagnéticos.

Obter-se-ia sem dúvida o mesmo efeito mantendo os polos fixos e fazendo migrar os continentes.

A interpretação destas bandas como o resultado da existência de material crustal polarizado directa e inversamente (e

não como resultado, por exemplo, de variações laterais da intensidade de magnetização) foi possível pelo trabalho

gigantesco conduzido pelo navio de sondagens profundas Glomar Challenger que realizou mais de 600 furos na litosfera

oceânica. A análise das amostras recolhidas permitiu concluir. sem a menor dúvida, que a crust oceânica é formada por

um processo de alastramento a partir das dorsais, em que a idade da crusta é uma função directa da sua distância ao

eixo da dorsal.

O facto de as anomalias magnéticas medidas à superfície (ou em profundidade por magnetómetros rebocados junto ao

fundo) reflectirem a existência de bandas de polaridade alternada é muito importante para a geofísica. Por uma lado,

isso permite tratar as anomalias magnéticas (uma vez descontados os efeitos que têm a ver com o carácter dipolar do

campo e a topografia) como isócronas - e neste sentido o estudo das anomalias magnéticas oceânicas transformou-se

na ferramenta mais utilizada para os estudos de cinemática. Por outro lado, um perfil perpendicular à dorsal fornece uma

amostra exaustiva do comportamento do CMP desde a época de formação do oceano.

Figura 3.16 – Modelo Simplificado de formação de isócronas magnéticas no fundo oceânico.

Como exemplo de anomalias magnéticas oceânicas apresenta-se na figura seguinte um extracto do levantamento

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aeromagnético da plataforma dos Açores centrado sobre a Dorsal Atlântica entre 37o N e 39o N.

Fig 3.17 - Anomalias Magnéticas da Crista Média Atlântica, na região da Junção Tripla dos Açores.

Ao contrário do observado nas anomalias magnéticas em regiões continentais, no ambiente oceânico, e em particular

nas regiões mais novas - quer dizer, mais perto da dorsal - a interpretação qualitativa destas “bandas” é particularmente

simples : de um modo simples pode dizer-se que o material do manto surge no eixo das dorsais e vai "migrando" para

ambos os lados da dorsal, ao surgir novo material. No momento da sua ascensão, ao arrefecer, o material adquire

magnetização remanescente, sob influência do CMP da época correspondente ao arrefecimento abaixo da temperatura

de Curie, e preserva a respectiva polaridade mesmo que o CMP sofra um processo de inversão. Ao continuar o

processo de extensão dos solos oceânicos, vão sucedendo-se bandas paralelas de material com polaridade

alternadamente normal e inversa.

Desde que se possua uma escala - independente - de datação das anomalias magnéticas oceânicas, podemos utilizar

os perfis efectuados perpendicularmente o eixo das dorsais oceânicas, para determinar a taxa de abertura do oceano.

A primeira escala temporal de inversões foi estabelecida por Cox et al. (1963a, 1963b) que utilizaram o método de

datação Potássio-Argon. Para os últimos 4 Ma estabeleceram-se 4 épocas que se chamam de Brunhes (normal),

Matuyama (inversa), Gauss (normal) e Gilbert (inversa), tendo-se adoptado nomes de alguns dos pioneiros do

geomagnetismo. Contudo, em cada uma destas épocas de duração aproximada 106 anos houve períodos mais ou

menos curtos, de duração aproximada 105 anos, onde a polaridade foi diferente da polaridade da época. Denominam-se

estes intervalos por acontecimentos e os nomes que recebem têm a ver com as localidades onde foram recolhidas as

amostras respectivas.

Um excerto de uma destas escalas é apresentada na figura 3.18.

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Figura 3.18 - Escala de Inversões 0 a 4 MA. Na coluna da direita indica-se o nome dos “episódios magnéticos”- pequenos

períodos em que a polaridade se inverteu

O procedimento a seguir para determinar a velocidade de alastramento passa assim por analisar o perfil magnético

identificando-se as bandas de anomalias magnéticas de polaridade normal e inversa. Seguidamente, recorrendo à

escala cronológica, datar a idade das formações que apresentam polaridades diferentes. Tendo em conta a estensão do

perfil, podemos estabelecer um gráfico da distância em função da idade. A partir do declive da recta é possível

determinar a taxa de abertura do oceano para cada intervalo ou determinar uma velocidade média por um método do

tipo “minimos quadrados”.

3.10 O Paleomagnetismo

3.10.1 Polos Paleomagnéticos

Se bem que uma parte importante dos minerais que compõem as rochas seja dia- e paramagnético as rochas

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possuem na generalidade uma pequena fracção de minerais ferromagnéticos sl que são capazes de conservar

como magnetização fóssil um registo indirecto do campo magnético da Terra. O objecto fundamental do

Paleomagnetismo é o estudo dessa magnetização fóssil e a inferência a partir dela, das características do CMT que

gerou essa magnetização.

Chamam-se pólos virtuais geomagnéticos às coordenadas geográficas onde, em média, se deverão ter localizado os

polos magnéticos da Terra, na altura de aquisição de magnetização remanescente por uma determinada rocha, e em

que admitimos que o CMP pode em média ser representado pelo modelo do dipolo axial geocêntrico.

Note-se que os PVG não se confundem com os polos paleomagnéticos, uma vez que estes implicam a noção de uma

média que cobre um período suficientemente longo para que a estimativa corresponda à localização do polo geográfico

da Terra.

À semelhança de McElhinny (1973) podemos sistematizar numa tabela as diferentes designações de polos utilizadas

em geomagnetismo e paleomagnetismo:

Polo Magnético Região da Superfície da Terra onde a inclinação do CMT é de 90º

(PM Norte) ou –90º (PM Sul).

Polo Geomagnético Pontos onde o Eixo do Dipolo que melhor aproxima o CMT

intersecta a Superfície da Terra.

Polo Virtual Geomagnético Ponto sobre a Superficie da Terra que melhor aproxima a

localização do Polo Geomagnético da altura da aquisição da

magnetização remanescente por uma dada formação.

Polo Paleomagnético Ponto sobre a Superfície da Terra correspondente a uma média de

VGP para um período de 104 a 105 anos, que supomos representar

o Polo Geográfico.

Suponhamos uma amostra de rocha recolhida no ponto A de coordenadas A A, , formada na época At , que

adquiriu uma intensidade de magnetização M, com ângulos de inclinação e declinação I* e D*, respectivamente :

Figura 3.19 – Polo Geomagnético Virtual (VGP)

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Se partirmos da equação (1.12) do capítulo 1, e admitirmos que o CMT se pode assimilar ao campo de um dipolo cujo

eixo coincide com o eixo de rotação da Terra, e localizado no sen centro, podemos estabelecer uma relação entre a

inclinação do campo num ponto e a sua latitude magnética.

Itg2

1=cotg **

(3.30)

onde * é o ângulo entre o raio vector do ponto A e o pólo do dipolo responsável pela magnetização da amostra. Se se

tomar no ponto A um ângulo D* com a direcção norte e, sobre o círculo máximo nessa direcção um arco *, o ponto P

definido desta forma é o pólo virtual paleomagnético, que corresponde à magnetização da rocha A, no tempo At .

As coordenadas * e * do pólo virtual P*, podem obter-se resolvendo o triângulo esférico P*NA :

Dcoscossin + sincos = sin *A

*A

**

**

A* cos/Dsin*sin = )-(sin se

*A

* > sinsincos , ou

****

A cos/Dsinsin = )-+(sin se *

A* < sinsincos (3.31)

Estas expressões representam as fórmulas fundamentais do paleomagnetismo pois permitem determinar as

coordenadas do paleopolo, a partir do conhecimento das coordenadas do ponto de recolha da amostra, e da inclinação

e declinação medidas na amostra.

Os resultados deduzidos dos polos virtuais para as principais massas continentais foram essenciais para se estabelecer

definitivamente a Teoria da Tectónica de Placas. Em que medida é que a hipótese do “dipolo axial” se aproxima da

realidade ? Na figura seguinte apresentam-se os polos virtuais correspondentes a rochas de idades até 20 milhões de

anos, onde se pode observar-se que a dispersão encontrada se distribui de forma mais ou menos homogénea em torno

do polo geográfico da Terra.

Figura 3.20 – Teste da Hipótese do Dipolo Axial. Extraido de Tarling, 1971

A análise de amostras de uma mesma época recolhidas em diferentes regiões de um mesmo continente, mostra

idêntico agrupamento de todos os polos virtuais em redor de um determinado ponto – PPV - sublinhando o caracter

dipolar do campo.

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 98

Se o campo é dipolar deve existir um único pólo magnético para a mesma época, e a divergência é devida à posição

relativa dos continentes, que actualmente é diferente da que existia nos tempos passados. Por exemplo : as

divergências nos polos anteriores ao periodo Jurássico entre a Europa e a América do Norte podem eliminar-se se

movermos estes continentes fechando o Oceano Atlântico. Desta forma, os dados paleomagnéticos permitem

reconstituir a posição dos continentes no passado.

Uma vez que a variação secular do CMP induz uma precessão do eixo magnético em torno do eixo geográfico com

periodicidades da ordem de 105 anos, é necessário que o plano de amostragem assegure que a representatividade

de um período superior a este.

3.10.2 Curvas de Deriva Aparente do Polo

Para rochas de períodos cada vez mais modernos, de um mesmo continente, os pólos virtuais seguem uma

trajectória desde uma posição mais afastada até ao polo actual da Terra. Considerando dois continentes diferentes,

por exemplo a Europa e a América do Norte, as trajectórias dos respectivos pólos são diferentes, mas tendem

ambas para o mesmo ponto, à medida que nos aproximamos da época actual, que se localiza junto ao polo

geomagnético actual. Chama-se a esta trajectória a “Curva de Deriva Aparente do Polo”.

3.11 Medição do CMT

O CMT é medido com o emprego de magnetómetros. Estes são habitualmente classificados em intrumentos

absolutos, relativos e variógrafos.

Denominam-se aparelhos absolutos os que efectuam a medida da declinação e inclinação, ou que medem o campo

magnético B a partir de medidas de massa, comprimento, tempo, intensidade de corrente eléctrica ou que recorrem a

fenómenos como a ressonância magnética nuclear.

Os instrumentos que precisam de ser calibrados (comparando-os com instrumentos absolutos) são designador por

relativos e os mais conhecidos são o QHM (Quartz Horizontal Magnetometer) que equipou durante décadas os

Observatórios Magnéticos para a medida da componente horizontal do campo magnético. Os instrumentos relativos têm

que ser regularmente calibrados por comparação com instrumentos absolutos, para se poderem obter valores absolutos

do CMT.

Alguns instrumentos apenas medem a variação temporal do campo magnético. Esses instrumentos são denominados

variógrafios e o exemplo mais conhecido é constituido pelo magnetómetros de fluxgate que estiveram na base dos

primeiros levantamentos sistemáticos para fins de prospecção e que ainda hoje equipam muitos dos Observatórios

Magnéticos.

3.11.1 Magnetómetro de Protões

O Magnetómetros de Protões é um instrumento absoluto cujo funcionamento se baseia na ressonância magnética dos

núcleos dos átomos de hidrogénio ou de césio, quando submetidos a um campo magnético ambiente - que apenas

medem a intensidade do campo magnético.

O princípio físico em que se baseia o magnetómetro de protões é o seguinte : a energia magnética de um núcleo de um

átomo de hidrogénio colocado num campo magnético ambiente B só pode assumir um conjunto discreto de valores

múltiplos de

E = h B / 2 (3.32)

em que B é o módulo de B , h é a constante de Planck e é a constante giromagnética do protão, cujo valor é

conhecido com muita precisão ( = 0.26753 Hz/nT). A transição entre dois estados de energia é acompanhada da

emissão de energia electromagnética de frequência - frequência de Larmor - e tal que = E/h (Lei de Planck). É

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Pag 99

assim possível determinar o valor de B a partir da medição da frequência :

B = 2 / (3.33)

Ou seja,

4859.23B (3.34)

Os magnetómetros de protões são os instrumentos mais utilizados nas aplicações geológicas do geomagnetismo, tendo

uma precisão entre 0.1 nT (1 nT = 10-9 T) e 1.0 nT. A sua sensibilidade é cerca de 10 vezes superior.

Uma das limitações práticas da utilização de magnetómetros de protões tem a ver com o período de tempo entre duas

medidas consecutivas. Uma vez que é necessário um ciclo de polarização e um de medição, é necessário impedir a

contaminação entre ambos os ciclos. Por essa razão, foi produzida uma variante do magnetómetro de protões

recorrendo ao efeito de Overhauser, no qual ao líquido rico em protões é adicionado um outro rico em radicais livres. A

combinação dos dois leva ao aumento da polarização de um factor de 500, o que permite a utilização de um campo

magnético polarizador na banda da radio-frequência, o que requer menos energia, permitindo acelerar a taxa de

amostragem.

Fig 3.21 - Magnetómetro de Protões produzido pela GEM

3.11.2 Inclinómetro de Indução

Outro instrumento absoluto é o inclinómetro de indução, equipamente que permite medir simultâneamente a declinação

e a inclinação, e cujo princípio físico em que se baseia este equipamento é o seguinte : a corrente induzida pelo CMT

numa bobina cujo eixo é colinear (localmente) com o CMT e que rode transversalmente a esse eixo é nula. Este

instrumento é ainda hoje utilizado nas observações vectoriais do CMT em redes de repetição.

3.11.3 Magnetómetro de Fluxgate

Os magnetómetros de fluxgate foram desenvolvidos durante a II Guerra Mundial para a detecção de submarinos, e o

seu sensor é consituido por dois núcleos paralelos de um material com permeabilidade magnética muito elevada, em

volta dois quais dois enrolamentos – primário e secundário – são feitos com sentidos contrários.

Quando uma corrente alterna é aplicada a um dos núcleos, gera-se em ambos um campo magnético induzido, de igual

direcção e sentidos contrários. Na ausência de um campo externo, a corrente aplica é escolhida de modo que os

nucleos não atinjam a saturação (cf ponto 1.2.2 e ver capítulo 3). Neste caso, o sinal em tensão observado no

enrolamento secundário é nulo.

Quando um campo magnético exterior é aplicado, ele vai reforçar o campo do núcleo desde que este lhe não seja

perpendicular. Neste caso, e se a regulação do magnetómetro for tal que a saturação é atingida, vai-se gerar um atraso

entre os dois campos induzidos, que se traduz por um sinal em tensão cuja amplitude é proporcional à componente do

campo exterior que é colinear com o núcleo do sensor.

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 100

Por esta razão, o magnetómetro de fluxgate é um magnetómetro vectorial, no sentido de que com uma disposição

adequada, pode ser utilizado para medir de forma indeprendente as três componentes do CMT. Um magnetómetro

deste tipo pode ter uma precisão de 1 nT.

3.11.4 Magnetómetro de Vapôr de Césio

Outro magnetómetro relativo de utilização corrente em prospecção é o magnetómetro de vapôr de Césio, cujo princípio

físico de funcionamento é semelhante ao do magnetómetro de protões; trata-se de um instrumentor relativo porque a

constante giroscópica não é conhecida com precisão suficiente e porque o módulo do campo B não é estritamente

proporcional à frequência de Larmor.

A sensibilidade dos magnetómetros de vapôr de Césio é a sua principal vantagem, sendo o seu valor de 0.01 nT.

Magnetómetros deste tipo podem ser utilizados com taxas de amostragem de 10 hz.

3.11.5 Magnetómetros Criogénicos

Os magnetómetros criogénicos, habitualmente designados por magnetómetros SQUIDs (Superconducting Quantum

Interference Devices), são os instrumentos mais precisos existentes. A sua precisão é de 0.01 nT, sendo possivel

utilizá-los em gradiometria para precsiões da ordem de 10-5 nT/m. Contudo, a necessidade de operar à temperatura

de 4.2 K, faz com que sejam utilizados essencialmente em laboratório para paleomagnetismo.

3.11.6 Levantamentos Magnéticos

Os levantamentos magnéticos realizam-se para a determinação das variações de comportamento magnético da

crusta terrestre, o que pode ser interpretado, como veremos, como variações físicas e quimicas dos materiais

geológicos.

Os levantamentos magnéticos são habitualmente realizados com Magnetómetros de Protões ou, mais raramente,

por magnetómetros de vapôr de Césio, pelo que a grandeza medida é a amplitude do “campo total”.

Sendo o Campo Magnético da Terra variável com o tempo e o espaço, e não sendo possível a realização de

medições simultâneas numa área extensa, torna-se necessário estabelecer um modelo de variação temporal (já que

a variação espacial é o objecto do nosso estudo) e utilizar esse modelo para a “redução” das observações.

A forma mais simples de resolver o problema é a utilização de um magnetómetro adicional como “estação fixa” e

admitir que a variação é idêntica em todos os pontos do levantamento. Neste caso, basta utilizar o valor medido na

estação fixa para a diferença entre o campo médio e o campo observado em cada instante e adicioná-la a todos os

valores medidos.

A atribuição de um valor médio à estação fixa faz-se por um principio similar a (1.28).

3.12 PROBLEMAS

1. Considere o campo escalar 232 zyyx3 . Determine a expressão analítixa do campo vectorial grad

e

o seu valor no ponto P(1,-2,1).

2. Uma carga pontual q gera um campo eléctrico E

cuja expressão num ponto generico P é dada por:

r

r

r

qkE

2

em que r é a distância da carga ao ponto P. Calcule, em coordenadas cartesianas o valor de Ediv

. Faça

idêntico cálculo mas em coordenadas esféricas.

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3. Dado o campo vectorial jyxixyA 22

calcule o valor de Adiv

no ponto P(-3,-2).

4. Suponha a função 423 zyx2)z,y,x( . Determine ))grad(div e lap a partir da expressão destes

operadores em coordenadas cartesianas.

5. Mostre, a a partir da expressão dos operadores div e rot em coordenadas cartesianas que 0))Arot(div

para

qualquer campo vectorial A

6. Mostre, a a partir da expressão dos operadores grad e rot em coordenadas cartesianas que rot(gradV))=0 para

qualquer campo escalar V.

7. Considere a expressão do potencial magnético do dipolo 3dip

r4

r.mV

. Sabendo que o campo

dip0gradVB

, obtenha a expressão deste campo. Esboce as linhas de força do campo magnético da Terra

admitindo que ele se aproxima de um dipolo e determine a relação entre a inclinação magnética e a co-latitude.

8. Considerando o valor m = 7.856 . 1022 Am2 para o momento magnético da Terra, determine o valor das

componentes do CMT num ponto de latitude 40 N. Faça idêntico cálculo para Júpiter e Saturno.

9. Determine a frequência que deve ser observada num Magnetómetro de Protões, sabendo que o campo

magnético ambiente é de 43,000 nT.

10. Determine o valor da intensidade do campo do dipolo magnético que melhor aproxima o CMT no sentido dos

mínimos quadrados, no equador magnético respectivo.

3.13 BIBLIOGRAFIA

Backus G., R. Parker, C Constable, (1996) Foundations of Geomagnetism, Cambridge University Press, pp 369.

Blakely, R., Potential Theory in Gravity and Magnetic Applications, Cambridge University Press, USA, 1995.

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1998.

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1986.

Craik, Derek, Magnetism, Principles and Applications, John Wiley and Sons, pp 1-459. 1995.

Gass, I.G., P.J. Smith e R.C.L. Wilson, Vamos compreender a Terra. Ed., Livraria Almedina, Coimbra.

Hamoudi, M., Prolongement du Champ d’Anomalies Magnétiques MAGSAT sur les Continents et Hétérogénéités de

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Langel, RA, Estes, RH, (1982). A geomagnetic field spectrum. Geophys. Res. Lett. 9, 250-253.

Lliboutry, L., Tectonophysique et Géodyamique. Masson, 1982.

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Miranda, J.M., O Levantamento Aeromagnético de Portugal Continental. Tese de Doutoramento, Fac. Ciências Univ.

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1-513.

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Capítulo 4 – A FORMA DA TERRA

4.1 Potenciais Gravitacional, Centrífugo e Gravítico

Isaac Newton (1642-1727) explicou nos seus Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, publicados em 1687, com

a lei da gravitação universal, que uma massa atrai qualquer outra massa com uma força cuja magnitude é

proporcional ao produto das duas massas e é inversamente proporcional ao quadrado das distância entre elas. Esta

lei explica tanto a queda dos corpos atraidos pela Terra, como o movimento dos planetas atraidos pelo Sol e vem

representada pela fórmula:

r

r

r

MmGF

2

(4.1)

Na expressão anterior G é um parâmetro fundamental designado constante de gravitação universal, M e m as

massas dos dois corpos cuja interacção estamos a analisar e r

é o vector que une os dois corpos. As primeiras

medições da constante G devem-se a Henry Cavendish, e foram feitas em 1798. O seu valor actual em unidades do

S.I. é dado por:

G = 6,67 10-11 Nm2 kg-2

A expressão (4.1) aplica-se apenas a pontos materiais, ou seja, às situações nas quais as dimensões e forma dos

dois corpos possam ser desprezadas, como acontece quando r é muito maior do que a dimensão típica dos corpos

considerados. Uma situação semelhante acontece quando os corpos são radialmente isotrópicos.

Consideremos o caso que nos interessa essencialmente da Terra. Podemos considerar que ela gera no espaço que

a rodeia um campo gravitacional cuja expressão pode ser dada simplesmente por:

r2

TN e

r

MGg

(4.2)

em que MT = 6 x 1024 kg e a Terra é considerada, numa primeira aproximação, como radialmente isotrópica. Este

campo gravitacional exprime-se no SI em Nkg-1 e a sua direcção é radial. Um corpo de massa m sob a acção do

campo gravitacional sofre a acção da força:

Ngmp

(4.3)

que designamos por peso. Note ainda que da segunda lei de Newton, podemos igualmente concluir que o corpo de

massa m sob a acção do peso move-se com a aceleração

amp

(4.4)

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 103

pelo que podemo

s atribuir à gravidade as dimensões de uma aceleração (ms-2 no SI) e interpretá-la como sendo o valor da

aceleração adquirida por um corpo de massa unitária sob a acção do seu peso.

Como medir experimentalmente o valor da gravidade ? Podemos fazê-lo estudando o movimento oscilatório de um

corpo simples como um pêndulo, ou analisando a queda de um corpo sob a acção da gravidade. Se o fizermos

obteremos um valor próximo de 9.8 NKg-1.

Num modelo simples em que consideremos a Terra esférica, de raio R, podemos determinar a partir de (4.2) o valor

da massa da Terra:

Kg106Me8.9e

10371.6

M1067.6g 24

Trr26

T11N

(4.5)

O campo gravitacional pode ser considerado como derivando de um potencial, sob a forma habitual:

r

MGV

gradVg

T

N

(4.6)

note que a primeira expressão de (4.3) não é a habitual em física já que o potencial gravitacional num ponto P do

espaço é definido habitualmente como o simétrico do trabalho realizado pela massa unitária quando esta é

deslocada do infinito até esse ponto P.

A Terra executa uma rotação completa em torno do seu eixo

num dia sideral (86,164 s). Este facto faz com que os corpos

localizados à superfície do planeta executem solidariamente

idêntico movimento, pelo que podemos considerar a existência

de uma força centrífuga cuja intensidade depende da distância

ao eixo da Terra:

cosRf 2c

(4.7)

sendo a latitude, R o raio da Terra e a sua velocidade

angular (Note que Rcos é a distância ao eixo da Terra). Esta força é dirigida perpendicularmente ao eixo, pelo que

a acção combinada a atracção gravitacional e centrífuga se pode determinar aproximadamente por:

r22T ecos

R

GMg

(4.8)

uma vez que, sendo a atracção gravitacional na Terra muito superior à força centrífuga, podemos apenas considerar

a projecção desta naquela. Designa-se este campo por campo gravítico (na aproximação esférica).

Substituindo R pelo valor 6,371 km, o raio de uma esfera de volume igual ao da Terra, M por 5.976 1024 km, a

massa da Terra, e por 2/T, onde T = 24 horas, o período de rotação da Terra, ou seja = 7.292 10-5 s-1, a

equação anterior fica na forma

g = -9.820219 (1 - 0.00345 cos2) (4.9)

que podemos utilizar como uma primeira aproximação da aceleração da gravidade à superfície da Terra.

À semelhança do que fizemos para a atracção Newtoniana também agora podemos definir um potencial gravítico,

que engloba as componentes gravitacional e centrífuga, tendo a forma:

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 104

2

cosr

r

MGW

gradWg

22T

(4.10)

Em que medida é que a forma da Terra se afasta de uma esfera ? Em que medida é que o campo gravítico real se

afasta da expressão (4.10) correspondente à aproximação esférica ?

Se substituirmos na expressão (4.10) o valor da latitude para os polos e o equador, obteríamos o seguinte valor para

a gravidade (teórica):

g pol = -9.82022 Nkg-1

g eq = -9.78634 Nkg-1

Se medirmos experimentalmente o valor da gravidade nos polos e no equador, obteremos respectivamente :

g pol = -9.83221 Nkg-1

g eq = 9.78049 Nkg-1

o que mostra a existência de discrepâncias significativas entre a aproximação esférica e a realidade.

Uma expressão um pouco mais rigorosa do que (4.10) pode ser a seguinte:

)1sin3(r2

JRGM

2

cosr

r

MGW 2

32

2T

22T

onde J2 tem o valor 1.08270 x 10-3 SI.

A existência da componente centrífuga influencia necessariamente a própria forma da Terra: se a Terra fosse

esférica então a sua superfície externa não seria uma superfície de nível, já que a gravidade não lhe seria

perpendicular. Nas constantes de tempo características da história do globo é expectável que esta se deforme como

consequência da rotação axial e que, tendencialmente, a sua superfície física se aproxime da de uma superfície de

nível do campo gravítico.

4.2 Variação temporal da gravidade

A gravidade sofre pequenas variações temporais – em magnitude e em direcção – geradas pela acção combinada

dos outros astros, em particular, da Lua e do Sol. Estes efeitos podem ser directos, e provêm da atracção que cada

um destes corpos exerce, ou indirectos, e têm por origem a deformação elástica induzida na Terra. À conjugação

destes efeitos denomina-se maré terrestre, por semelhança com o fenómeno similar das marés oceânicas.

Consideremos assim uma situação, ainda assim simplificada, na qual consideramos a Terra, a Lua, e o centro de

massa (O) do sistema Terra-Lua:

Em que a posição do centro de massa do sistema conjunto será:

RMM

Mb

TL

L

(4.11)

O potencial gravitacional total exercido em P

devido à acção da Lua será dado por:

22L

LP r

2

1

'R

GMW (4.34)

onde – como se indica na figura 6.1, r é a

distância do ponto P ao eixo de rotação, L é a

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velocidade angular da Terra, R’ é a distância entre o ponto P e o centro da Lua. Podemos escrever o valor de R’ sob

a forma:

cosaR2aR'R 222 (4.35)

uma vez que a/R é uma quantidade pequena, podemos escrever uma aproximação de segunda ordem do tipo:

...cosR

a

2

3cos

R

a

R

a

2

11R'R 2

2

2

2

211

(4.12)

Uma vez que,

cossincos (4.13)

e,

cosba2sinabcos)sina(b2)sina(br 222222 (4.14)

A partir da terceira lei de Kepler (cf cap. 1)

GM

4

a

T3

2

podemos considerar a como o eixo maior da elipse que a lua descreve em torno da Terra (aqui chamado R), e

substituir o periodo T pela velocidade angular da Lua em torno da Terra. Quanto à massa M, nota que a expressão

(4.00) despreza o valor da massa do planeta perante a massa da estrela em torno da qual ele gira, pelo que

podemos generalizar da forma seguinte:

)MM(GR LT32

L (4.15)

pelo que o potencial (6.2) se resume a:

222

L2

3

2L

LT

LLP sina

2

1

2

1cos

2

3

R

aGM

MM

M

2

11

R

GMW (4.16)

O primeiro termo da expressão anterior é o potencial (no centro da Terra) devido à Lua, o terceiro termo é o

potencial devido à rotação da Terra em torno do seu centro, com a velocidade angular L . O segundo termo é o

Potencial de maré.

2

1cos

2

3

R

aGMW 2

3

2L

2 (4.17)

A representação gráfica deste termo é da forma indicada na figura. De

notar, em particular, a contribuição do potencial de maré para o

achatamento da Terra. Sob a acção combinada destes dois potenciais tanto

a Terra sólida como os Oceanos são solicitados, dando assim origem às

marés oceânicas e às marés terrestres.

A atracção gerada por este potencial de maré pode ser calculada, a partir do

gradiente da expressão anterior que, uma vez que W2=W2(R), se reduz simplesmente a:

)1cos3(R

aGMg 2

3

LLua (4.18)

substituindo os valores na expressão anterior (cf tabelas do cap 1) vemos que a atracção gerada na superfície da

Terra é inferior a 0.11 mgal. O Sol gera um potencial de maré similar ao da Lua. Cálculo semelhante ao anterior

realizado para o Sol conduziria a cerca de 0.045 mgal.

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Pag 106

Existem também variações não periódicas na gravidade que podem ser produzidas por variações da distribuição da

densidade na geoesfera ou na atmosfera. Por exemplo, se o nível de água subterrânea sobe em determinada área,

devido a fortes chuvadas, a atracção devida à água adicional vai alterar os valores da gravidade sobre essa área.

Supondo que a razão de vazios é 20%, 1 metro de elevação no nível freático fará variar o valor da gravidade, devido

à sua atracção, de cerca de 10 gal. O valor da gravidade também pode variar, por exemplo, devido a variações na

pressão atmosférica. Uma baixa pressão muito forte representa uma deficiência anómala de massa de ar e o

resultante decréscimo de atracção para cima vai aumentar o valor da gravidade. Em casos extremos o aumento da

gravidade pode atingir várias dezenas de gal.

4.3 Algumas Propriedades do Potencial

4.3.1 Equação de Laplace

O potencial gravítiacional W possui uma propriedade muito importante, e que se traduz matematicamente pelo facto

de em certas condições o seu laplaciano ser nulo. Vejamos em quais, utilizando a expressão do laplaciano em

coordenadas cartesianas, já que a equação (4.9) está escrita nestas coordenadas.

2

2

2

2

2

2

z

V

y

V

x

VlapV

(4.19)

Se considerarmos uma distribuição de massa (caracterizada por uma distribuição da densidade (r,,)), o

potencial gravítacional fora da distribuição das massas que o geram pode ser calculado generalizando a equação

(4.6):

vol

dvr

)Q(GV (4.20)

As derivadas parciais indicadas em (4.19) têm o valor:

vol

3

vol

3

vol

3dv)Q(

r

)'zz(G

z

Vdv)Q(

r

)'yy(G

y

Vdv)Q(

r

)'xx(G

x

V

derivando de novo, obteremos as expressões:

vol

5

2

32

2

vol

5

2

32

2

vol

5

2

32

2

dvr

)'zz(3

rG

z

Vdv

r

)'yy(3

rG

y

V

dvr

)'xx(3

rG

x

V

Adicionando os três termos, obtemos finalmente a Equação de Laplace:

0lapV (4.21)

Esta expressão é muito importante porque mostra que o potencial gravimétrico de uma distribuição de massa é

harmónico na região fora da distribuição de massa, pelo que é possível empregar os métodos matemáticos

desenvolvidos para a Teoria do Potencial para o descrever.

4.3.2 Equação de Poisson

Dentro da distribuição de massa, a determinação feita anteriormente não pode ser feita de forma tão simples por a

distância entre as massas e o ponto de medição pode ser nula. Nesse caso demonstra-se (ver por exemplo Kellog,

1953) que se verifica:

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G4lapV (4.22)

que se designa por Equação de Poisson. Note que a Equação de Laplace pode neste contexto ser considerada

como um caso particular da Equação de Poisson.

4.3.3 Teorema de Gauss

Um dos teoremas básicos da teoria do potencial – chamado teorema de Gauss ou do Fluxo-Divergência – diz-nos

que o fluxo do campo gravitacional através de uma superfície fechada S iguala o integral de volume da divergência

desse campo estendido ao volume v envolvido por aquela superfície:

vS

dvgdivdSng

(4.23)

uma vez que lap V = div (grad V) e grad V é exactamente o vector gravidade, podemos deduzir de (4.22) que

T

S

GM4dvG4dSn.g

(4.24)

Em resumo, o teorema de Gauss aplicado ao campo gravitacional diz que o fluxo do vector atracção gravítica

através de uma superfície fechada S depende apenas da massa total situada no seu interior.

4.4 O Geóide

Quando falamos da forma da Terra podemos referirmo-nos a dois

conceitos diferentes: o primeiro diz respeito à descrição geométrica

da superfície física, e que constitui a preocupação dos Engenheiros

Geógrafos; o segundo diz respeito à forma das superfícies

equipotenciais do campo gravítico real e é importante para a

caracterização das propriedades deste campo.

Uma das superfícies equipotenciais é particularmente significativa:

a que coincide em média com a superfície livre dos oceanos,

descontados os efeitos meteorológicos. Esta superfície

equipotencial designa-se por geóide. Referimo-nos a ela quando

falamos de alturas acima do nível do mar.

Qual a forma do geóide ? O efeito centrífugo da rotação da Terra causa um empolamento equatorial, o que afasta à

partida a hipótese da Terra possuir uma superfície esférica. Se a Terra estivesse completamente coberta pelos

oceanos, então, ignorando os ventos e as correntes internas, a superfície deveria reflectir as forças devidas à

rotação e à atracção gravitacional de corpos externos, como o Sol, a Lua e efeitos surgidos do interior. Quando os

efeitos de maré são removidos, a forma da superfície é devida a variações na densidade do interior.

O nível médio do mar é uma superfície equipotencial. Sendo o geóide uma superfície equipotencial do Campo

Gravítico Real da Terra a gravidade é-lhe perpendicular em todos os pontos. Estruturas da crusta, continentes,

regiões montanhosas e cristas médias oceânicas, heterogeneidades do manto influenciam a forma do geóide

A forma do geóide é agora bastante bem conhecida, particularmente nas regiões oceânicas, devido às contribuições

da geodesia de satélite. Este tem uma forma muito próxima da de um elipsóide de revolução, de tal modo que a

diferença entre os dois raramente excede os 100 m !

A diferença entre o geóide e o elipsóide de revolução que melhor o aproxima denomina-se ondulação do geóide.

Esta ondulação reflecte variações na temperatura e densidade do interior da Terra, que podem não se traduzir

necessariamente na forma da superfície física da Terra (SFT).

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 108

Com a utilização crescente do Sistema de Posicionamento Global (GPS) tornou-se mais simples obter a posição de

cada ponto da SFT em relação à figura matemática da Terra – o elipsóide – do que em relação ao nível do mar

(geóide). Esse valor corresponde à soma da altitude com a ondulação do geóide (ver figura). No que diz respeito ao

oceano, a sua superfície livre corresponde em média ao geóide, pelo que, se medirmos rigorosamente a forma

dessa superfície com o emprego de satélites artificiais podemos determinar directamente a ondulação geóidal.

Muitas das cartas gravimétricas globais da Terra representam N e não o valor directo da gravidade.

4.5 Anomalias Gravimétricas

As expressões matemáticas que temos vindo a apresentar para decrever o campo gravítico da Terra partem sempre

do princípio de que esta é homogénea ou, pelo menos, verticalmente estratificada. Contudo, nos sabemos que os

processos de génese e de dinâmica interna e externa da Terra conduzem necessáriamente à formação de

constrastes petrológicos e litológicos que se traduzem habitualmente por contrastes de densidade.

Tipo Densidade

(SI * 10-3)

Valor Médio

(SI * 10-3)

Rochas Sedimentares

Aluviões 1.96 - 2.00 1.98

Argilas 1.63 - 2.60 2.21

Arenitos 1.61 - 2.76 2.35

Calcário 1.93 - 2.90 2.55

Dolomite 2.28 - 2.90 2.70

Rochas Ígneas

Riolito 2.35 - 2.70 2.52

Granito 2.50 - 2.81 2.64

Andesito 2.40 - 2.80 2.61

Sienito 2.60 - 2.95 2.77

Basalto 2.70 - 3.30 2.99

Gabro 2.70 - 3.50 3.03

Rochas Metamórficas

Xistos 2.39 - 2.90 2.64

Gneisse 2.59 - 3.00 2.80

Filitos 2.68 - 2.80 2.74

Granulito 2.52 - 2.73 2.65

Anfibolite 2.90 - 3.04 2.96

Eclogite 3.20 - 3.54 3.37

Tabela 4.I: Densidades de alguns materiais geológicos (extraido de Telford, 1990).

Estes contrastes de densidade geram variações locais do campo gravítico da Terra de pequena magnitude, mas que

se podem medir com os gravímetros de que dispomos.

Contudo, para que seja possível interpretar os valores medidos do campo gravítico em termos de constrastes de

densidade, é necessário corrigir os valores medidos da influência da altitude, da latitude, e da morfologia do terreno.

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Pag 109

4.5.1 Correcção de Ar-Livre

Mesmo no caso simples em que consideramos a Terra como um corpo esférico, o campo gravitacional gerado

(verifica a equação 4.2), decresce com 1/r2. Quando realizamos diversas medidas de g numa determinada área de

estudo, temos que tornar os valores comparáveis, reduzindo-os todos a um mesmo nível de referência de modo a

separarmos as variações devidas à altitude do ponto de medida (que não nos interessam) das que são devidas a

outros factores (que nos podem interessar).

O gradiente vertical do campo gravitacional da Terra no nível do geóide (aproximação esférica) é dado por:

T

geóide

geóide r

g2

r

g

(4.25)

utilizando como valor para o raio da Terra 6371 km e para a gravidade no geóide o valor médio de 9.8 N/Kg,

obtemos um valor de gradiente vertical de:

115

geóide

mNKg10308.0r

g

(4.26)

Uma dedução mais rigorosa, que utilizasse uma aproximação elipsoidal conduziria ao valor 0.3086 que é realmente

o utilizado habitualmente em prospecção. É ainda habitual utilizar em prospecção a unidade mgal (miligal, do

sistema CGS) cujo valor em SI é de 10-5 N Kg-1, pelo que o gradiente vertical da gravidade (teórica) é considerado

como tendo o valor 0.3086 mgal/m.

O gradiente vertical da gravidade teórica coloca a necessidade de ser conhecida com muito rigôr a altitude dos

pontos de medida utilizados para os estudos gravimétricos. Os melhores gravímetros disponíveis podem medir a

gravidade com uma precisão de 0.001 mgal. Neste caso, para ser utilizada toda a precisão disponível nesta medida,

torna-se necessário conhecer a altitude com uma precisão melhor que 3 mm.

Quando corrigimos valores medidos da gravidade utilizando o gradiente vertical da gravidade teórica, de modo a

reduzi-los a um mesmo nível (habitualmente o nível do geóide), diz-se que efectuamos uma “correcção de ar-livre”.

Esta designação prende-se com o facto de nós estarmos a considerar que não existem massas entre os pontos de

medida e o nível de referência. Esta situação cumpre-se na integralidade, por exemplo, quando queremos

compensar a altura do tripé utilizado para sustentar um gravímetro.

4.5.2 Correcção de Latitude e Fórmula Internacional da Gravidade

Da simples observação da equação (4.9) se pode concluir que a gravidade varia com a latitude. Esta variação é

induzida não só pela rotação – o efeito que está incluido na referida equação – mas também porque o campo

gravitacional da Terra real possui uma simetria aproximadamente elipsoidal.

Modelos físicos complexos têm sido desenvolvidos para descrever de forma rigorosa o campo gravítico da Terra.

Estes podem partir do princípio de que o planeta se pode considerar como um fluido muito viscoso em rotação cuja

superfície externa se encontra em equilíbrio, ou seja, é uma superficie equipotencial, ou são aproximações

elipsoidas ajustadas a parãmetros geométricos da Terra medidos com o auxílio de satélites artificiais.

Durante o século XX duas expressões têm sido utilizadas para descrever matematicamente a variação da gravidade

com a latitude. A primeira é conhecida como a Fórmula Internacional da Gravidade de 1930, e tem a expressão:

)2sin0.00000582 - sin0.00530244 +(1 g = g22

0 (4.27)

A segunda, conhecida como a Fórmula GRS67 (Geodetic Reference System) de 1967 tem a forma:

)sin234620.0000 - sin2788950.005 +(1 78031846.9 = g42

(4.28)

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Os valores da gravidade para cada ponto de latitude , calculados com esta fórmula, chamam-se valores teóricos

ou normais da gravidade para pontos sobre a superfície da Terra ao nível do geóide. Pode dizer-se, de um modo

aproximado, que cerca de 40% da variação de g com a latitude é devida ao facto da forma da Terra não ser um

esferóide perfeito e os outros 60% são devidos à rotação da Terra.

4.5.3 Correcção das Massas Topográficas ou de Bouguer

Quando analisámos a “correcção de ar-livre” destacámos o facto de que o gradiente vertical da gravidade

determinado se aplicava apenas às situações nas quais não existissem massas topográficas entre o ponto de

medida e o nível ao qual se pretendia reduzir as medições da gravidade.

O geofísico belga Pierre Bouguer (1698-1758) calculou experimentalmente o efeito das massas topográficas compa-

rando a gravidade em duas cidades do Equador, Guayaquil ao nível do mar e Quito, a 2,850 m de altitude. Verificou

assim que uma boa

aproximação poderia ser obtida

se considerasse que o efeito

das massas topográficas era

idêntico ao de um cilindro de

raio infinito (“plataforma de

Bouguer”), cuja densidade

fosse representativa das

formações geológicas

subjacentes, cuja base se

situasse no nível de referência

(habitualmente o geóide) e cujo topo intersectasse o ponto de medição.

Um corpo finito gera uma atracção gravimétrica no espaço que o envolve. A forma matematica dessa atracção é a

seguinte:

dvr

r

rGg

2A

(4.21)

Se integrarmos a expressão anterior para o volume do corpo, e determinarmos a sua componente vertical,

concluiremos que a atracção gravitacional gerada no Ponto de Medição pelo cilindro de Bouguer (ver dedução em

Heiskanen e Moritz) é dada por:

hGgB 2 (4.29)

Se substituirmos as constantes na expressão anterior podemos obter:

hgB 810041909.0 (4.30)

4.5.4 Anomalia da Faye

As correcções descritas nos pontos anteriores permitem resolver em grande medida o problema descrito no início

desta secção, que é o de tornar comparáveis medidas da gravidade realizadas em pontos de observação que

possuem altitudes diferentes, de modo a daí extrair informação interpretável em termos de contrastes de densidade.

O caso mais simples é aquele no qual apenas consideramos a variação da gravidade com a altitude e com a

latitude. Neste caso, podemos reduzir as nossas medidas ao plano do geóide, calculando o que se designa por

Anomalia de Ar-livre ou Anomalia de Faye, e que é dada por:

h103086.0gg 5medF

(4.31)

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Pag 111

em que gmed se refere ao valor medido no Ponto de Observação, é o valor dado pela Fórmula Internacional da

Gravidade para a latitude do Ponto de Observação, e h é a altitude desse ponto.

4.5.5 Anomalia Simples de Bouguer

A anomalia de Bouguer é a grandeza mais utilizada em prospecção geológica porque traduz mais fielmente os

efeitos gerados pelos contrastes laterais da densidade. O seu valor é dado por:

h10041909.0h103086.0gg 85medB (4.32)

No caso muito utilizado de a densidade de Bouguer ter o valor 2.67 x

103 Kg/m-3, que é o valor característico da crusta continental,

obtemos a expressão:

h101967.0gg 5medB

4.5.6 Anomalia Completa de Bouguer

Nos casos em que a morfologia do terreno é muito acidentada, não é

possível considerar que a influência das massas topográficas possa ser dada pela “plataforma” de Bouguer. A

topografia real dá sempre origem a uma redução da gravidade medida no ponto de observação, como pode ser

deduzido simplesmente pela observação da figura: quer a região que se encontra “acima da altitude do Ponto de

Medida”, quer a região que se encontra “abaixo da altitude do Ponto de Medida” geram neste ponto um campo

gravitacional adicional cuja componente vertical é “para cima”.

A “correcção topográfica” que é necessário adicionar à expressão da Anomalia de Bouguer indicada anteriormente

pode ser calculada por integração do Modelo Digital de Terreno, ou, mais convencionalmente pela utilização de

denominado “Ábaco de Hammer” ainda hoje utilizado em operações de prospecção.

4.5.7 Correcção de Eötvos

Quando um corpo se encontra em movimento sobre a superfície da Terra, a sua velocidade de deslocação vai

contribuir para o valor da aceleração gravítica. É este o caso típico dos levantamentos gravimétricos realizados a

bordo de navios.

Suponhamos que o corpo se move para Este em relação à Terra; neste caso a sua velocidade angular vai aumentar

e, consequentemente, a força centrífuga que actua sobre o corpo também aumenta. Inversamente, se o corpo se

move para Oeste, a sua velocidade angular diminuirá e, consequentemente, a força centrífuga que o actua também

diminui. Se o corpo se estiver a mover no equador com uma velocidade v na direcção Este, a sua velocidade

aumentará do seu valor original R (7,3 x 10-5 x 6,4 x 103 = 0,5 km/s), para (R + v). Consequentemente, a

aceleração centrífuga será aumentada de ( ) /R R2 para ( ) /R v R 2

. Se Rv , a diferença entre

estas duas acelerações será

v2

R

R

R

vR2

2

2

2

(4.33)

Se, por exemplo, a velocidade de deslocamento for igual a 1m/s, por exemplo, vem

352 10x1510x3,7x10x2v2

isto é, o valor da aceleração da gravidade, g, será diminuído de 15 mgal.

Este fenómeno não é de menor importância, se nos lembrarmos que grande parte dos valores da gravidade

medidos sobre os oceanos são efectuados a partir de um barco em movimento. Para se obter o valor correcto da

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Pag 112

gravidade, deve conhecer-se a velocidade Este-Oeste do barco e deve proceder-se à correcção adequada. O valor

desta correcção é de 15 mgal para uma velocidade de 1m/s no equador (será positiva se o barco se mover na

direcção Este e será negativa se ele se mover no sentido contrário).

Se desejarmos conhecer o valor de g com uma precisão de 1 mgal, deveremos conhecer a velocidade do barco

com uma precisão de 250 m/h. Até à pouco tempo não era possível obter-se uma precisão deste tipo mas,

actualmente, já é possível obtê-la recorrendo a GPS.

4. 6 Interpretação das Anomalias da Gravidade

Se observarmos uma carta de valores “brutos” da gravidade medida numa qualquer área de estudo, facilmente

verificaremos que a variação de g essencialmente espelha a variação de altitude. A anomalia gravimétrica de

Bouguer remove bem a influência da altitude e da topografia, pelo que se pode considerar representativa, desde que

cosideremos apenas o que se passa nos pequenos comprimentos de onda, inferiores a dezenas de km. Do ponto de

vista da prospecção, este é o ponto de vista mais importante, e a generalidade das cartas gravimétricas

determinadas para fins de prospecção mineira (por exemplo) são na verdade “cartas de anomalia de Bouguer”.

A densidade escolhida para a determinação das “anomalias de Bouguer” deve ser interpretada como a densidade

média da formação onde o estudo tem lugar, e o valor a utilizar é crítico, uma vez que condiciona todos os cálculos.

Existem diversos métodos empíricos para a sua determinação, sendo o mais conhecido o proposto por Netletton,

que se baseia no pressuposto de que a anomalia de Bouguer deve

ter a menor correlação possível com a topografia.

Nos pontos seguintes, em que nos vamos preocupar com a

atracção gerada em estudos locais, podemos partir do princípio que

essa atracção é bem descrita pela anomalia de Bouguer, ou seja,

que esta anomalia corresponde efectivamente à componente

vertical da atracção gravitacional gerada por contrastes de

densidade sob a superfície física da Terra.

4.7 Excesso de Massa

Uma aplicação muito útil do teorema de Gauss é a estimativa do “excesso de massa” existente sob uma superfície,

a partir do conhecimento da componente normal da gravidade sobre essa superfície. Suponhamos que se conhece

a componente normal da gravidade, gz, numa superfície horizontal SP.

Toda a massa que causa gz está limitada em volume e localizada abaixo de SP. A massa está fechada numa

superfície S, que é composta pela superfície SP e pelo hemisfério SH, de raio a, como se pode ver na figura. Nestas

condições, o fluxo de g

através de S, vem:

ddsinrr

VdSgdSn.g 2

2

0 2/S S

z

P

(4.34)

onde utilizamos o facto de a normal ao plano superior poder ser considerada a vertical. O potencial de uma

distribuição de massa a grandes distâncias não é dependente dos detalhes da distribuição, pelo que se pode

escrever:

r

MGdv

r

Gdv

rG)P(V T

(4.35)

onde MT é a massa total. Isto quer dizer que o potencial de qualquer distribuição de massa aparece como uma fonte

pontual, quando observado a grande distância. Então, como a , )r/V(r 2 pode ser passado para fora do

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Pag 113

sinal de integral na equação (4.34):

2/

2

0

2

S S

z dsindrr

VdSgdSn.g

P

(4.36)

mas, de (4.35) 2T r/GMr/V , logo

2.GMdSgdSn.g T

S

z

S P

(4.37)

Mas, do teorema de Gauss (4.24) sabemos que o fluxo através da superficie que estamos a considerar iguala

4GMT, pelo que:

T

S

z GM.2dSg

P

(4.38)

onde SP representa agora todo o plano horizontal.

Isto quer dizer que, a componente vertical da gravidade integrada ao longo de um plano infinito é proporcional à

massa total sob o plano, enquanto a massa estiver limitada em volume. A equação (4.38) fornece um meio de

estimar o excesso de massa que causa uma anomalia nos valores medidos da gravidade, se se conseguir isolar o

campo anómalo do das outras fontes gravitacionais.

Nem a separação da fonte anómala das outras fontes gravitacionais é um problema simples nem os valores da

gravidade são determinados num plano infinito. Assim, tentar-se-á obter um valor aproximado da massa anómala,

integrando os valores medidos da gravidade ao longo de uma superfície que se estenda o mais possível para fora

da fonte de interesse.

4.8 Anomalia Gravimétrica Gerada por Corpos de Geometria Simples

Consideremos então o caso simples da determinação da atracção gravitacional de uma esfera. Podemos considerar

que a atracção gravitacional gerada por uma esfera possui simetria esférica, pelo que, se escolhermos de forma

avisada o sistema de coordenadas a utilizar, apenas devemos esperar a existência de uma componente radial.

Neste caso, consideremos uma superficie esférica – superfície de controlo - que é concentrica com a esfera cujo

efeito queremos determinar, e que passa pelo Ponto de Medição. A aplicação do Teorema de Gauss dá origem a:

volsup

A dvgdivsd.g

(4.39)

o primeiro membro da igualdade anterior tem o valor:

r2

sup

A gR4sd.g

uma vez que a normal unitária exterior à superficie de controlo é colinear com o campo e onde o valor de gr é por

nós considerado como desconhecido mas que sabemos ter simetria radial. O segundo membro de (4.39) tem pela

Equação de Poisson, o valor:

G4dvgdiv

vol

A

pelo que, igualando as expressões anteriores obtemos:

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Pag 114

r2

A eR

GMg

(4.40)

que traduz o facto (importante !) de que a atracção de uma esférica homogénea é idêntica à de uma massa pontual

localizada no seu centro. O efeito gravimétrico desta esférica que designamos por anómala, vai-se adicionar ao

efeito mais importante da gravidade da Terra. Sendo assim, a grandeza a que temos acesso, não é o módulo da

atracção gravitacional gerada por esta esfera, mas sim a sua componente segundo a direcção do campo gravítico

da Terra ou, o que é o mesmo, a sua componente vertical.

Para o cálculo desta componente consideremos a geometria indicada na figura ao lado. A componente vertical do

campo descrito na equação anterior tem a forma:

2/3222

Az

)zx(

GMz

r

z

r

GMg

(4.41)

Consideremos a título de exemplo um doma de sal, representado por uma esfera de 2,000 m de raio cujo centro se

localiza a 6,500 m de profundidade. Se considerarmos que o contraste de densidade entre o encaixante e o sal é de

-0.2 x 103 kg/m3 podemos determinar de forma muito simples a anomalia de gravidade que origina. O resultado

encontra-se representado na figura ao lado. A anomalia

máxima gerada (na vertical do centro do doma) é de cerca de

–1.0 mgal.

Este valor da anomalia máxima pode ser obtido formalmente

a partir da expressão anterior, uma vez que corresponde ao

valor nulo de x. Note que esta consideração só é possível

desde que o sistema de coordenadas seja escolhido de forma

adequada.

O valor máximo da anomalia gravimétrica será então dado

por:

2

max,Az

z

GMg (4.42)

ou seja:

2/322

3max,A

zAz

)zx(

zgg

(4.43)

Se conhecermos o valor máximo de gz e um outro par de valores (x, g) podemos determinar a profundidade (z na

expressão anterior) a que se encontra a esfera. Podemos ainda determinar a sua massa. Contudo não poderemos

resolver o compromisso entre a massa volúmica ( e o raio da esfera (R). Este é um exemplo muito simples dos

métodos que podem ser utilizados em prospecção gravimétrica e da sua indeterminação inerente.

Existem fórmulas um pouco mais complexos para corpos de geometria simples, ou corpos tridimensionais que se

possam representar por poliedros de faces triangulares, etc...

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Pag 115

4.9 Isostasia

Se bem que as anomalias de Bouguer sejam representativas para quando estudamos os pequenos comprimentos

de onda do campo gravítico da Terra, quando consideramos regiões extensas, verifica-se de imediato que elas

espelham a influência dos mecanismos de compensação existentes na Terra.

Estudando com atenção as anomalias de gravidade, pode-se apreciar que estão distribuidas de forma que, sobre as

montanhas são negativas e sobre os oceanos e zonas costeiras são positivas. Isto é devido a um fenómeno já

descoberto nos meados do século passado por John H. Pratt († 1871) e George B. Airy (1801-1892), dois cientistas

ingleses que fizeram medidas astronómicas na Índia, perto dos Himalaias. Se analisarmos os valores das medidas

da gravidade efectuadas ao longo de toda a Terra (ou numa extensão apreciável) e após a aplicação de todas as

correcções até agora referidas, verificou-se que as anomalias de Bouguer apresentavam ainda uma correlação

sistemática com a topografia superficial. Assim, nas áreas elevadas (grandes cadeias montanhosas) as anomalias de

Bouguer eram sempre negativas, enquanto que sobre os oceanos, elas eram sempre positivas; em terra, junto ao mar,

a anomalia de Bouguer média era perto de zero. Estas anomalias indicam a existência de variações laterais da

densidade, isto é, variações na densidade das rochas que formam a crosta, de tal modo que a densidade das rochas

sob as montanhas deverá ser abaixo da média e, sob os oceanos, as rochas devem ter uma densidade acima do valor

médio.

Este efeito denomina-se por isostasia e consiste na teoria de que o peso das montanhas deve estar compensado de

alguma forma no interior da Terra, para que o material debaixo delas não esteja sujeito a tensões. Algo análogo,

mas de sentido inverso, deve acontecer nos oceanos, uma vez que a água do mar tem menos peso que as rochas

dos continentes.

Segundo Delaney (1940), Leonardo da Vinci (séc XVI) foi o primeiro a constatar que as massas visíveis à superfície da

Terra se encontravam em equilíbrio. Só muito mais tarde, em 1749, P. Bouguer e R. J. Boscovich chegaram à mesma

conclusão. Contudo, as ideias definitivas sobre a compensação de massa sob as montanhas, surgiram no seguimento

de uma campanha geodésica efectuada no norte da Índia : se os Himalaias representassem um acréscimo de massa, a

linha de prumo, ou vertical, devia desviar-se na direcção da montanha de uma quantidade correspondente ao excesso

de massa representado pela montanha. Contudo, as medições efectuadas por Pratt (1855) mostraram que a deflexão

observada era muito menor, cerca de 1/3 da esperada.

O termo isostasia, introduzido pelo geólogo americano Dutton, representa o Princípio de Arquimedes aplicado às

camadas mais superficiais da Terra, e pode ser definido de dois modos: (i) é uma condição natural da Terra, de tal modo

que são feitos ajustes contínuos para se aproximar do equilíbrio gravítico; (ii) representa uma variação na densidade da

crusta sistematicamente relacionada com as elevações à superfície, ou seja, com a topografia superficial.

Duas hipóteses foram avançadas imediatamente, e praticamente em simultâneo, para explicar estas observações: a

hipótese de Pratt e a hipótese de Airy.

4.9.1 Modelos de Pratt-Hayford

Segundo Pratt, os Himalaias ao "crescerem"

diminuiram a sua densidade, de tal modo que

quanto mais alta for a montanha menor é a sua

densidade. Ele generalizou a sua teoria,

propondo uma camada supercficial que se

estende até uma determinada profundidade (o

chamado "nível de compensação"), e que

apresenta variações laterais de densidade de

acordo com a topografia superficial. Para

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Pag 116

justificar geologicamente a sua hipótese, ele postulou que as montanhas eram formadas por expansão vertical, sem

variação de massa, de modo que é a densidade que sofre alteração sob um alto ou uma depressão da topografia.

Se considerarmos que a pressão é idêntica no nível de compensação H, podemos igualar o seu valor para o caso

em que a altitude é 0 (para a qual a densidade é considerada 0) e o caso onde a altitude é h. Neste último caso a

densidade será dada por:

hH

H0h

(4.44)

No caso em que a altitude é negativa, e a depressão se encontra preenchida por um oceano de densidade w, a

densidade subjacente será dada por:

hH

hH w0h

(4.45)

4.9.2 Modelo de Airy-Heiskanen

Segundo Airy, a montanha assenta numa "raíz" de

material menos denso que o manto, de tal modo que a

massa total sobre a estrutura montanhosa não é maior

que a da planície adajacente; de acordo com esta

teoria, quanto mais alta for a montanha, maior será a

sua raíz. No nosso modelo da Terra tal é materializado

por uma crusta que "flutua" sobre um manto, com

maior densidade, admitindo-se que o equilíbrio

hidrostático se verifica localmente.

Consideremos assim que temos crusta de massa

volúmica c que se encontra sobre manto de densidade m que c onsideraremos constantes. Consideremos ainda que a

elevação zero corresponde a uma espessura crustal H. Uma elevação da crusta h acima do geóide deverá ser

compensada por uma raiz de espessura b de tal modo que:

cm

chb

(4.46)

Se a altitude fôr negativa, o que acontece num oceano, então teremos uma anti-raiz de espessura b dada por:

hbcm

wc

(4.47)

onde supomos que a massa volúmica da água é dada por w.

O facto de haver isostasia não implica que a anomalia gravimétrica (de Ar-livre ou Bouguer) seja nula. Na verdade,

podem mesmo obter-se expressões analíticas da ondulação do geóide correspondentes a estes modelos de equilíbrio

(ver por exemplo Turcotte e Schubert, 1982). Quando se comparam estas ondulações do geóide com as ondulações

observadas nas margens continentais passivas, conclui-se que são muito próximas, mesmo nos médios comprimentos

de onda, o que permite concluir que que as margens continentais passivas se encontram próximas do equilíbrio

isostático.

4.9.3 Qual dos Modelos ?

As duas hipóteses são bastantes diferentes, se bem que os seus efeitos à superfície sejam equivalentes. Sabemos

actualmente que os dois mecanismos estão presentes na Terra.

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Pag 117

O modelo de Airy explica bem o que se passa nas variações de espessura crustal e que ocorrem numa gama de

profundidades situada entre 5 e 50 km. Este modelo pode ainda ser generalizado de modo a entrar em linha de conta

com a rigidez litosférica, no que se designa geralmente por “modelos de placa elástica”.

O modelo de Pratt está presente quando se estuda a expansão térmica da litosfera, a estrutura das dorsais oceânicas

ou das plataformas continentais. Uma situação de uma situação deste tipo é a que ocorre nos “swells” associados aos

pontos quentes como no Hawai.

Um outro tipo de modelo de compensação isostática está relacionado com o processo de arrefecimento e

espessamento da litosfera à medida que se afasta da dorsal. Este processo termomecânico é acompanhado pela

transferência de calor da litosfera para o oceano cuja densidade aumenta, gerando subsidência. Este processo que

está na base do perfil dos oceanos na escala global é habitualmente designado por subsidência térmica.

4.10Exercícios

1. Mostre a partir da expressão do operador gradiente em coordenadas esféricas que a expressão (4.2) se pode

obter a partir de (4.6).

2. Considere o modelo simples em que o campo gravitacional da Terra pode ser descrito pela aproximação

esférica. Considere que ao valor da gravidade é de 9.8 NKg-1 e a partir deste determine o valor médio da

densidade do planeta.

3. A partir da expressão do Campo Gravítico na aproximação esférica, esboce a variação da amplitude da

gravidade com a latitude.

4. As equações 4.27 e 4.28 permitem-nos calcular a gravidade teórica em qualquer ponto da Terra. Calcule o

valor da gravidade normal para Lisboa. Obtenha de uma carta as coordenadas geográficas e a altitude média.

5. Considere a tabela de valores seguinte, onde se indica a anomalia gravimétrica medida sobre o geóide, em

mgal (10-5 N/kg) em função da distância:

x g x g x g x g

-200 0,027 -100 0,073 0 0,127 100 0,073

-190 0,030 -90 0,080 10 0,126 110 0,067

-180 0,033 -80 0,087 20 0,124 120 0,061

-170 0,037 -70 0,095 30 0,120 130 0,055

-160 0,041 -60 0,102 40 0,115 140 0,050

-150 0,045 -50 0,109 50 0,109 150 0,045

-140 0,050 -40 0,115 60 0,102 160 0,041

-130 0,055 -30 0,120 70 0,095 170 0,037

-120 0,061 -20 0,124 80 0,087 180 0,033

-110 0,067 -10 0,126 90 0,080 190 0,030

Esboce a anomalia gravimétrica e determine a profundidade do centro de uma esfera capaz de gerar esta

anomalia. Determine igualmente a massa respectiva.

6. Calcule qual deverá ser o valor da correcção de Ar-Livre no planeta Vénus. Utilize os valores das tabelas do

capítulo 1.

7. Considere uma caverna esférica cheia de água, e localizada numa formação cuja massa volúmica é de 2.5 x

103 kg/m3. Determine o valor máximo da anomalia da gravidade gerada no nível do geóide admintindo que o

raio da caverna é de 150 m e que a cota mais elevada é de 75 m.

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-3000

-2000

-1000

0

1000

2000

Altitu

de

(m

)

8. Na hipótese de Airy considere crusta de massa volúmica 2700 Kg/m3 em equilíbrio sobre manto de massa

específica 3000 Kg/m3. Determine qual a raiz gerada por uma cadeia de montanhas com 2500 m de altitude, e

qual a anti-raiz gerada num oceano de profundidade –3000 m. Considere que a água do oceano tem a massa

volúmica de 1030 Kg/m3.

9. A erosão diminuiu a altitude de um maciço em 100 m. Admitindo que existe recuperação isostática qual foi a

espessura de material realmente erodida ?

10. Em determinado local verificou-se que a crusta sofreu uma sobre-elevação isostática de 275 m devido ao

desaparecimento de uma camada de gelo. Determine a espessura da camada de gelo inicial, sabendo que a

sua massa volúmica é de 900 Kg/m3, e admitindo os valores de 2700 Kg/m3 e 3000 Kg/m3 para as densidades

da crusta e do manto.

11. Considere o processo de sedimentação numa bacia oceânica, admitindo que a espessura de sedimentos é de

1000 m, e que as densidades da água, sedimentos, crusta e manto são 1000 Kg/m3, 1500 Kg/m3 e 2700 Kg/m3

e 3000 Kg/m3, respectivamente. Determine a variação da profundidade antes e depois do processo de

sedimentação.

12. Considere o perfil de altitude descrito no gráfico anterior e cujos valores são dados na tabela seguinte.

Determine a localização da interface inferior utilizando o modelo de compensação de Airy.

x z x z

0 100 100 100

10 200 110 100

20 1000 120 50

30 1500 130 0

40 2000 140 -200

50 2500 150 -1000

60 2000 160 -2000

70 1500 170 -3000

80 1000 180 -3000

90 500

4.10 Bibliografia

Blakely, R., Potential Theory in Gravity and Magnetic Applications, Cambridge University Press, USA, 1995.

Dobrin, M.B. and C.H. Savit, 1988. Introduction to Geophysical Prospecting. McGraw-Hill Book Company, 4th Ed.

Heiskanen e Moritz, Physical Geodesy,

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Pag 119

Sharma, P.V., 1976. Geophysical Methods in Geology. Methods in Geochemistry and Geophysics,12. Elsevier

Scientific Publishing Company.

Sleep, N.H. and K. Fujita, 1997. Principles of Geophysics. Blackwell Science, Malden, Massachussetts, 586p.

Sousa Afonso, J N V M, pp 167, Instituto Português de Cartografia e Cadastro,1968.

Stacey, Frank D., Physics of the Earth, Brookfield Press, Australia, pp 1-513, 1992.

Telford, W.M., L.P. Geldart and R.E. Sheriff, 1990. Applied Geophysics. Cambridge University Press, 2nd Ed., Cambridge.

Tsuboi, C., 1981. Gravity. George Allen and Unwin, U.K.

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Pag 120

Capítulo 5 – GEOELECTRICIDADE

5.1 Propriedades Eléctricas das Rochas

5.1.1 Resistividade Efectiva

A resistividade eléctrica é uma propriedade dos materiais que quantifica a relação que existe entre o campo eléctrico

E

aplicado e a densidade de corrente J

que percorre a unidade de volume desse material, de acordo com a Lei de

Ohm:

EJ

(5.1)

No SI a unidade de resistividade designa-se por Ohm.metro e representa-se por m. Ao inverso da resistividade

denominamos conductividade.

Uma rocha é um material heterogéneo constituido geralmente por uma fase sólida (matriz) e por uma fase liquida ou

gasosa que lhe preenche os poros. O

comportamento eléctrico da rocha vai assim

depender de factores como a resistividade

intrinseca da matriz, a porosidade, a textura

e distribuição dos poros, a resistividade do

liquido intersticial e os processos que

ocorrem nas superficies de contacto entre a

matriz e as fases fluidas.

Por outro lado, existem vários processos

físicos que permitem a condução eléctrica

numa rocha: electrolítica, eléctrónica e

dieléctrica. A condução electrolítica tem

como portadores os iões que se

movimentam (lentamente) através da fase

líquida; a condução electrónica corresponde

ao mecanismo dos condutores metálicos; a

condução dieléctrica verifica-se quando é aplicado um campo variável no tempo.

No que diz respeito à matriz rochosa representamos na figura ao lado as gamas de variação para um conjunto de

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Pag 121

minerais e rochas comuns. Pode-se concluir de imediato

que a resistividade da matriz rochosa apresenta uma

variabilidade muito grande na natureza, sendo os

extremos a prata nativa (com 1.6 x 10-8 m) e o enxofre

puro (com 1016 m). De uma forma muito geral as

rochas ígneas têm as resistividades mais elevadas e as

rochas sedimentares têm as resistividades mais baixas

Se considerarmos individualmente o comportamento

dos minerais podemos agrupá-los de modo semelhante

ao que fizemos para os mecanismos de condução

eléctrica. Teremos assim em primeiro lugar o grupo dos

metais, em que predomina a condução electrónica e

onde a conductividade varia entre 10-6 m e 10-4 m.

Em segundo lugar temos o grupo dos minerais cujo

comportamento se assemelha aos semi-conductores,

que inclui materiais bons condutores (como a covelite) e maus condutores (como o quartzo); neste grupo a

conductividade é muito influenciada pela temperatura., aumentando com ela. O terceiro grupo é formado pelos

minerais com conductividades muito baixas apresentando habitualmente valores de resistividade superiores a 107

m.

A resistividade da matriz depende da sua textura e pode – em função dela – demonstrar anisotropia. Numa matriz

isotrópica, onde a estrutura porosa é aleatória, a resistividade não depende da direcção em que é medida. Numa

matriz onde a forma dos grãos possui direcções preferenciais, verificamos que a resistividade varia com a direcção,

devendo neste caso ser definido um coeficiente de anisotropia que é habitualmente calculado da forma:

t

n

(5.2)

onde n e t representam as resistividades medidas

nas duas direcções máxima e mínima da

resistividade. O valor de é superior a 1 mas

raramente excede 2.5

Os liquidos que preenchem total ou parcialmente os

poros das rochas são habitualmente soluções de sais

minerais onde predomina o Cloreto de Sódio. A

resistividade destas soluções varia na razão inversa

da concentração do sal dissolvido, pelo que, em

condições normais, as águas mais profundas

apresentam resistividades inferiores às águas

superficiais, uma vez que estão mais fortemente

mineralizadas. Valores típicos para as águas

subterrâneas superficiais variam entre 0.01 m e 100 m, enquanto que as águas fluviais, mais fracamente

mineralizadas apresentam valores superiores a 20 m. Os poros das rochas podem conter soluções não aquosas,

sendo umas das mais relevantes os hidrocarbonetos.

A resistividade das soluções intersticiais varia com a temperatura: para temperaturas mais elevadas é maior a

energia cinéctica média dos componentes iónicos, o que aumenta a capacidade de condução iónica. Uma expresão

empírica que descreve esta variação é:

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)18T(1

)º18()T(

(5.3)

onde (18º) representa a resistividade a 18 Celsius e é um

coeficiente experimental cujo valor típico é de 0.025 ºC-1.

5.1.2 Lei de Archie

A matriz rochosa é pior conductoira do que as soluções

aquosas que ocupam os seus poros. Por esta razão o

comportamento eléctrico das rochas que ocupam as

camadas superiores da crusta é condicionado

essencialmente pela fase líquida.

Uma forma geral da Lei de Archie estabelece uma expressão

empirica para a resistividade efectiva de uma rocha cujos

poros estão parcialmente preenchidos por água é dada por:

nm0 sa (5.4)

onde 0 é a resistividade da água intersticial, é a porosidade da rocha, s é a fracção dos poros preenchidos com

água e a, n e m são parâmetros experimentais que dependem do tipo de rocha. O valor de a varia entre 0.5 e 2.5. O

valor de n é próximo de 2.0 para o caso em que mais de 30% dos poros se encontram preenchidos. O valor de m

depende do grau de compactação da rocha – que é função da respectiva idade – variando entre 1.3 para as

formações recentes, 1.9 para formações do Paleozóico, com o máximo de 2.5. À razão entre a resistividade efectiva

e a resistividade da água intersticial denomina-se “factor de formação”. Esta expressão só é válida na ausência de

argilas.

A porosidade é a razão entre o volume dos poros e o volume total da rocha.

A resistividade correspondente ao estado saturado será então dada por:

m0sat a

pelo que podemos reescrever a lei de Archie sob uma forma simplificada (n=2.15):

15.2sat s

(5.5)

Uma vez que a compactação aumenta com a profundidade o conteúdo em água das rochas irá também diminuir, de

tal forma que para grandes profundidades a condução iónica deixa de ser significativa, passando as rochas a

comportar-se essencialmente como um semi-condutor.

5.1.3 Resistividade das rochas sedimentares, eruptivas e metamórficas

Se considerarmos em conjunto todos os factores podemos tipicar o comportamento eléctrico das rochas agrupando-

as apenas em sedimentares, eruptivas e metamórficas.

As rochas sedimentares caracterizam-se por resistividades baixas, quando comparadas com os outros tipos.

Contudo, algumas rochas sedimentares possuem resistividade muito elevadas: estão neste caso as areias de duna

quando secas e as que possuem muito baixa posrosidade como o gesso. As argilas desempenham um papel muito

particular no comportamento eléctrico deste tipo de rochas: quando na presença de água as argilas apresentam

baixos valores de resistividade, pelo efeito combinado da água e da polarização superficial das partículas de argila;

por outro lado, devido à sua porosidade muito baixa, a água é retida na rocha aumentando assim a sua

mineralização.

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Pag 123

As rochas eruptivas apresentam valores elevados de resistividade eléctrica devido em particular à sua porosidade

muito baixa, a sua resistividade efectiva diminui com a fracturação.

As rochas metamórficas apresentam valores de resistividade que se situam entre os valores apresentados pelas

rochas sedimentares e as eruptivas. Como a porosidade e o conteúdo em água dependem do grau de

metamorfismo, a resistividade efectiva aumenta com aquele. Existem excepções associadas, por exemplo, à

presença de grafite, que conduz ao aumento da condução electrónica, e como tal, à diminuição da resistividade

efectiva. As rochas metamórficas apresentam frequentemente valores elevados de anisotropia da resistividade.

5.1.4 Estrutura eléctrica da Terra

Como vimos nos pontos anteriores, a resistividade eléctrica das rochas varia fundamentalmente com o seu conteúdo

em água; este facto torna o estudo desta propriedade importante para a análise dos sistemas hidrogeológicos. Em

profundidade, a constituição e a tem,peratura tornam-se preponderantes para a variação da resistividade, pelo que

os métodos electromagnéticos se tornam importantes no estudo dos sistemas geotérmicos.

Em 1939 B N Lahiri e A Price apresentaram um dos primeiros modelos para a distribuição da resistividade eléctrica

no interior da Terra; neste modelo a coductividade aumentaria com a profundidade segundo uma potência neativa

desta. Em 1957 LL McDonald obteve um perfil da variação da conductividade elétrica do manto, a partir do estudo

da atenuação das componentes harmónicas da variação secular do CMP. Neste modelo a conductividade aumenta

rapidamente entre os 500 km e os 1000 km de profundidade, diminuindo o gradiente nos restantes 1700 km do

manto.

Schultz et al., (1993) obtiveram uma distribuição da conductividade para o escudo canadiano, a partir da inversão de

dados de uma sondagem MT profunda. O modelo mostra uma crusta boa condutora, devido provavelmente à

presença de água, seguindo-se um diminuição da conductividade nos primeiros 100 km. Para profundidades

maiores observa-se um aumento da conductividade até cerca de 800 km, a partir dos quais se observa um novo

decréscimo.

O estudo da conductividade do núcleo é uma tarefa difícil e os resultados de pouca confiança. De acordo com o que

se pensa ser a sua compsição, a conductividade deverá ser da ordem de 105 a 106 -1m-1.

5.2 Campo Eléctrico em Meios Isotrópicos

5.2.1 Lei de Ohm

A forma da lei de Ohm (5.1) que apresentámos no início deste capítulo

EJ

corresponde à generalização da expressão simples que se escreve para o caso dos circuitos eléctricos:

RIV (5.6)

onde V representa a diferença de potencial aplicada aos terminais de um condutor (V), R a resistência elétrica ()

e I a intensidade de corrente que o percorre (A). Se considerares um condutor sob a forma de um elemento

infinitésimal de volume v, de arestas x, y,z, podemos verificar rapidamente que (5.6) é equivalente a (5.1) já

que:

zy

IJ

x

VE

e os vectores E

e J

têm a mesma direcção e sentido.

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

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5.2.2 Equação de Laplace do Potencial Eléctrico

A relação entre o potencial eléctrico e o campo elétrico é, como habitualmente, dado por:

gradVE

(5.7)

Não havendo criação de corrente eléctrica no interior de um condutor, e estando nós apenas a considerar o campo

estacionário, podemos escrever:

0Jdiv

(5.8)

Então, combinando as duas expressões anteriores com a lei de Ohm:

0lapV0VgraddivE

divJdiv

(5.9)

desde que considere que o meio é homogéneo ( constante). Neste caso o

potencial eléctrico pode ser considerado harmónico.

5.2.3 Condições Fronteira e lei de Snell

Numa região onde coexistem rochas de diversos tipos existe necessariamente heterogeneidade, se bem que nós

possamos considerar como uma boa aproximação que cada rocha, em si, pode ser modelada como um corpo

homogéneo e, em certos casos, isotrópico. Quando se aplica um campo eléctrico a corrente que se irá estabelecer

vai atravessar os diferentes domínios homogéneos, mas de tal modo que para cada interface entre o meio que

designaremos por 1 e o meio que designaremos por 2 dever-se-ão cumprir duas condições fronteira:

A primeira condição diz respeito ao potencial eléctrico,

21 VV (na interface) (5.10)

Esta condição traduz a conservação da energia . A segunda diz respeito à componente normal da densidade de

corrente:

0nJnJ 21

(na interface, com as normais com sentidos opostos) (5.11)

Esta condição traduz o princípio da conservação da carga, ao estabelecer que se não verifica (em regime

estacionário) deposição de carga na fronteira.

A título de exemplo consideremos o caso simples de uma interface plana entre dois meios homogéneos de

resistividades r1 e r2, respectivamente. A direcção da densidade de corrente vai sofrer uma refracção na interface

entre os dois meios de um modo semelhante ao que conhece da óptica e que nós vimos já também no estudo da

ondas sísmicas. A expressão da lei de Snell pode ser obtida combinando a lei de Ohm (5.1) com a segunda

condição fronteira (5.11), dando origem a:

2211 tgtg (5.12)

5.2.4 Campo Eléctrico de uma fonte pontual

Para estudarmos o campo eléctrico no interior de uma formação temos que começar por analisar o que se passa

quando uma “fonte de corrente” pontual materializada por um eléctrodo fornece uma corrente de intensidade I (A)

num meio homogéneo e isotrópico que suporemos infinito. Supomos ainda que a corrente fornecida flui de tal modo

que a carga eléctrica se pode considerada “retirada” do meio por um eléctrodo infinitamente afastado.

Dada a simetria da fonte e a isotropia do meio, podemos admitir que as equipotenciais do campo eléctrico são semi-

esféricas, centrada no eléctrodo de emissão. Sendo assim, o potencial eléctrico deverá ter a forma geral:

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Pag 125

r

CV (5.13)

onde C é uma constante a

determinar. Nota que o laplaciano

de (5.13) é nulo como verificámos já

em situações similares nos

capítulos anteriores. Num ponto

situado à distância r1 do eléctrodo

de emissão a densidade de corrente

terá o valor dado pela lei de Ohm:

21rr r

C

r

V1J

1

(5.14)

como estipulámos que a intensidade de corrente fornecida era I que se “espalha” pela superfície semi-esférica de

raio r1, teremos:

21r2

IJ

(5.15)

donde, igualando (5.14) e (5.15) podemos obter finalmente:

r2

IV

(5.16)

em que substituimos r1 por r uma vez que a expressão (5.16) tem validade para qualquer valor da distância em

relação ao eléctrodo de emissão.

5.3 O método da resistividade

5.3.1 Princípio Geral

O método de investigação das variações da resistividade utilizando corrente eléctrica contínua – campo eléctrico

estacionário – baseia-se em medidas da diferença de potencial eléctrico entre dois pontos da superfície (eléctrodos

de leitura) injectando para tal corrente através de dois outros eléctrodos (eléctrodos de injecção) de forma

apropriada. Aos eléctrodos de injecção é habitual atribuir-se as designações A e B e aos eléctrodos de injecção as

designações M e N.

Podemos aplicar a expressão (5.16) admitindo que o eléctrodo A injecta a corrente +I e o eléctrodo B injecta a

corrente –I. Sendo assim é fácil calcular o valor da diferença de potencial que se observará entre os eléctrodos de

leitura M e N:

BN

1

AN

1

BM

1

AM

1

2

IVV NM (5.17)

podemos “inverter” a expressão anterior de modo a exprimirmos a resistividade do meio em função dos observáveis

(corrente fornecida e diferença de potencial nos eléctrodos de leitura):

I

V

BN

1

AN

1

BM

1

AM

12

1

(5.18)

O factor que multiplica V/I na expressão anterior recebe a designação de factor de forma e exprime-se em m no SI.

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Pag 126

Se o meio que estudarmos não for

homogéneo, o valor de resistividade

que vamos obter integra a

contribuição de todas as formações

presentes, mas a importância de

cada uma destas contribuições

depende da geometria do

dispositivo, em particular da

distância entre os eléctrodos. Essa

resistividade é designada por

resistividade aparente.

Existe uma relação entre o afastamento dos eléctrodos de injecção e a profundidade efectiva de pesquisa. De uma

forma simplificada podemos dizer que para que pelo menos 50% da corrente flua através de uma interface

localizada à profundiddade z para um meio inferior é necessário que o afastamento seja duas (ou preferivelmente

três) vezes superior.

Existem diversas configurações de eléctrodos que podem ser utilizadas no método das resistividades. As mais

populares estão representadas na figura e recebem as designações de Wenner, Schlumberger e Dipolo-dipolo.

O factor de forma para estas três configurações tem as expressões seguintes:

DipoloDipoloa)2n)(1n(nk

erSchlumberga4

b1

b

a2k

Wennera2k

2

22

(5.19)

estas expressões podem desuzir-se simplesmente da expressão (5.18), tendo em atenção as definições dos

parâmetros a e b que representamos na figura para cada uma das configurações.

Os dispositivos de Wenner e

Schlumberger são utilizados para a

realização de sondagens eléctricas

verticais (cf ponto mais adiante)

enquanto que o dispositivo dipolo-

dipolo é utilizado para estudar os

constrastes horizontais de

resistividade em função da

profundidade.

5.3.2 Dispositivo de Schlumberger

O dispositivo de Schlumberger é o mais vulgarizado dos dispositivos geolétricos de corrente contínua. Neste

dispositivo os eléctrodos A, B, M e N são colineares e dispostos simétricamente em relação a um ponto central. Uma

sondagem implica a variação progressiva do afastamento dos eléctrodos de emissão, de modo a fazer variar a

contribuição das formações mais profundas para a diferença de potencial medida nos eléctrodos de leitura.

Na figura ao lado apresentamos a distribuição do potencial para um modelo onde se podem identificar três

formações com resistividades distintas, que aumentam com a profundidade. Os contrastes de resistividade em

profundidade geram alteração das equipotenciais do campo eléctrico quer em profundidade quer à superfície.

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No exemplo os eléctrodos A e B estão colocados a cerca de 450 m de distância. Os eléctrodos MN são colocados

simétricamente de modo a poderem medir a diferença de potencial eléctrico na região próxima da origem.

Este dispositivo é muito utilizado em prospecção quantitativa, porque é aquele que mais eficientemente permite a

aplicação de métodos quantitativos de interpretação.

5.3.3 Dispositivo Dipolo-dipolo

5.3.4 Dispositivo de Wenner

5.3.5 Interpretação de uma sondagem eléctrica vertical

Quer o dispositivo de Schlumberger quer o dispositivo de Wenner podem ser utilizados para a realização de uma

sondagem eléctrica vertical, na qual o objectivo é o de identificar a estratificação vertical. A posição central do

dispositivo é considerada a localização da sondagem.

No caso do dispositivo de Schlumberger os eléctrodos de injecção A/B são afastados progressivamente de forma a

fazer variar a profundidade de penetração. O afastamento entre os electrodos MN varia de modo a igualar a/5. No

caso do dispositivo de Wenner todos os eléctrodos têm que ser mudados sincronamente, de modo a ser garantida a

simetria do dispositivo.

Como resultado da sondagem é construido um gráfico onde se representa em abcissas o semi-afastamento entre os

eléctrodos de injecção – habitualmente representado por AB/2 - e em ordenadas a resistividade aparente medida.

Estes gráficos são habitualmente representados em log-log.

Para além dos métodos computacionais cuja descrição excede o âmbito destas notas, é possível realizar de uma

forma simples interpretação de uma curva de campo do tipo descrito utilizando para o efeito “curvas padrão”

publicadas em particular pela SEG. Podemos descrever a utilização destas curvas para o caso simples de um

modelo de duas camadas onde a interpretação pode ser feita recorrendo a um único gráfico.

Os passos a seguir são os seguintes: (1) representação dos dados de campo da forma indicada em papel

transparente log-log; (2) sobreposição sobre o ábaco respectivo mantendo o eixo das ordenadas paralelo e o eixo

das abcissas coincidente, até que a curva de campo coincida da melhor forma com uma das curvas teóricas

representada no ábaco – anota o valor do parâmtro k correspondente a essa curva; (3) Anota qual a posição do

“alvo” marcado no ábaco para a sondagem que realizaste (Schlumberger ou Wenner) que indica de imedia a

profundidade da interface – lida no eixo das abcissas.

A resistividade da primeira camada é obtida simplesmente como sendo o valor assimptótico da resistividade

aparente quando a separação entre os eléctrodos tende para zero. A profundidade da interface foi já lida. A

resistividade da segunda camada pode ser obtida da definição de k:

12

12k

Num dos exercícios no final deste capítulo apresentamos o ábaco para duas camadas.

5.4 O método Electromagnético

5.4.1 Principio do Método

Nos anos 50 Cagniard e Thickonov mostraram ser possível conhecer a distribuição da resistividade em profundidade

a partir de medições combinadas dos campos eléctrico e magnético em direcções perpendiculares entre si. Esta

possibilidade baseia-se no estudo experimental do campo electromagnético variável induzido pela parte transiente

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Pag 128

do campo magnético da Terra e recebeu a designação de método magneto-telúrico.

Para ser possível a interpretação, C-T estabeleceram duas hipóteses simplificadoras: (1) as fontes do campo

primário estão suficientemente afastadas de modo que estas podem ser consideradas ondas planas; (2) o campo

gerado por elas é uniforme e polarizado linearmente.

Na verdade, as ondas e-m utilizadas em MT têm duas origens distintas: avaixo de 1 Hz são originidas na ionosfera

pelas corresntes eléctricas alimentadas pela actividade solar e pelo movimento relativo do Sol, Terra e Lua; acima

de 1 Hz têm origem nas trovoadas que ocorrem essencialmente nas zonas tropicais.

Quando uma onmda e-m atinge a superfície da Terra, uma parcela da energia é reflectida e outra é transmitida, de

acordo com a Lei de Snell (e.g. 5.2.3). Nos meios condutores as variações do campo magnético originam correntes

eléctricas induzidas (correntes telúricas) que, por sua vez, geram um campo magnético secundário. O campo

magnético que medimos à superfície corresponde à sobreposição dos campos primário e secundário. Nas hipóteses

C-T o campoo secundário diminui de intensidade no interior do condutor, mantendo o campo primário intensidade

constante.

5.4.2 Condições Fronteira

As equações de Maxwell descritas no capítulo 3 (secção 3.2) são aqui válidas e temos que incluir a dependência

temporal dos campos eléctrico e magnético. Quando o meio é heterogéneo há necessidade de considerar as

condições fronteira que para o campo variável se escrevem na forma seguinte:

0EEn 21

0BBn 21

JBBn 21

21 DDn

onde como anteriormente n

representa a normal à interface que separa os meios 1 e 2. As duas primeiras

condições expressam a continuidade das componentes tangenciais do campo eléctrico e das componentes normais

do campo magnético, respectivamente. As duas últimas estabelecem que a diferença entre as componentes

tangenciais do campo magnético iguala a densidade de corrente superficial na interface e que a diferença das

componentes normais do deslocamento eléctrico iguala a densidade de carga superficial na interface.

BIBLIOGRAFIA

Reynolds, J M., An Introduction to Applied and Environmental Geophysics, John Wiley & Sons, 1997, pp 1-796.

PROBLEMAS

1. Calcule as porosidades das formações geológicas a partir das seguintes resistividades em Ohm.m:

matriz rochosa + água água

20 7.8

17 6.5

18 5.3

60 4.5

40 7.4

56 4.8

Page 131: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 129

59 5.0

55 4.7

2. Uma corrente de 1 A é injectada num semi-espaço infinito de resistividade igual a 500 Ohm m, usando um

dispositivo Schlumberger com AB=200 m. Calcule a densidade de corrente num ponto localizado sobre a vertical no

centro dispositivo e a 50 m de profundidade.

3. Mostre que para o dispositivo de Schlumberger a resistividade aparente é dada por

I

V

MN

AN AM = a

4. Na realização de uma sondagem Schlumberger foram obtidos os valores apresentados na Tabela I. Obtenha os

valores de resistividade aparente e trace a curva em papel bilogarítmico (figura 1). Com o auxílio do ábaco

apresentado na figura 2, interprete a curva obtida (numa aproximação 1D).

5. Mostre que para a resistividade aparente no dispositivo dipolo-dipolo é dada por

I

V d 2) + (n ) 1 + (n n = a

onde n representa o número de dipolos entre o dipolo de injecção e o de leitura e d é a distância dipolar.

TABELA I

AB/2(m) MN(m) I(mA) V(mV) k a(m)

1 0.5 15.5 47.0

1.5 0.5 29.0 39.5

2 0.5 70.0 55.0

3 0.5 78.0 26.0

4 0.5 83.0 16.25 100

5 0.5 195.0 24.25 156.7

6 0.5 325.0 29.25 226

8 0.5 285.0 15.5 400

10 0.5 485.0 18.25 626

10 1.0 485.0 45.0

12 1.0 415.0 30.0

15 1.0 450.0 23.5

20 1.0 375.0 14.0 1256

25 1.0 420.0 11.75 1963

25 2.0 420.0 22.25 981

30 2.0 475.0 20.25 1413

40 2.0 450.0 14.25

50 2.0 1176.6 25.0

50 16.0 593.6 115.0

60 16.0 380.0 60.5

80 16.0 360.0 37.0 1256

100 16.0 330.0 23.5 1963

120 16.0 370.0 18.75 2825

120 40.0 355.0 48.0

Page 132: fundamentos_geofisica

FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis

Pag 130

AB/2(m) MN(m) I(mA) V(mV) k a(m)

150 40.0 255.0 24.0

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos

Pag 130

Capítulo 6 – FLUXO DE CALOR

6.1. Introdução

O vulcanismo, a actividade sísmica, os fenómenos de metamorfismo e de orogenia, são alguns dos fenómenos que

são controlados pela transferência e geração de calor. De facto, o balanço térmico da Terra controla a actividade na

litosfera, na astenosfera assim como no interior do planeta.

O calor que chega à superfície da Terra tem duas fontes: o interior do planeta e o sol. A energia proveniente do sol e

recebida pela Terra é cerca de 4x102 J, por segundo e por metro quadrado. Uma parte desta energia é reenviada

para o espaço. A energia proveniente do interior do planeta é de aproximadamente 8x10-2 J, por segundo e por

metro quadrado. Se se aceitar que o sol e a bioesfera têm mantido a temperatura média, à superfície do planeta,

com pequenas flutuações (15-25ºC), então o calor proveniente do interior do planeta tem condicionado a evolução

geológica do mesmo, isto é, tem controlado a tectónica de placas, a actividade ígnea, o metamorfismo, a geração de

cadeias montanhosas, a evolução do interior do planeta incluindo a do seu campo magnético.

6.2 Lei de Fourier para a condução de calor

A condução de calor é regida pela lei de Fourier que estabelece que o fluxo de calor q , num ponto do meio, é

proporcional ao gradiente de temperatura nesse ponto, isto é

TK - = q

(6.1)

o de K é a condutibilidade térmica do meio. Esta, é uma

propriedade física do material e é uma medida da capacidade do

material para "conduzir" calor. O fluxo de calor é expresso em W

m-2, no S.I., e a condutibilidade térmica em W m-1K-1; no sistema

c.g.s. o fluxo de calor vem expresso em cal cm-2 s-1 e a

condutibilidade térmica em cal cm-1 s-1 oC-1 (para fazermos a

conversão lembremo-nos que 1 cal = 4,187 J). Se se considerar o

caso unidimensional, a lei de Fourier escreve-se

dz

dTKq (6.2)

Se o fluxo de calor e a temperatura do meio não variarem ao longo do tempo, diz-se que o processo (regime) é

estacionário. Considere-se então o caso de um processo estacionário unidimensional de condução de calor através

de uma barra de material de condutibilidade térmica K. Se não houver produção de calor no interior do volume de

material, teremos

Page 134: fundamentos_geofisica

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Pag 131

0zdz

dTk

dz

d

(6.3)

Esta expressão traduz o princípio de conservação da energia: a energia que, por unidade de tempo, entra pela face

localizada em z+z, é igual à energia que saí pela face em z, no mesmo intervalo de tempo. Se houver produção de

calor, a uma taxa Q por unidade de massa, a conservação da energia permite escrever

Qdz

Tdk

2

2

(6.4)

onde é a massa volúmica do material. Esta expressão permite o cálculo da temperatura em pontos no interior da

região, desde que se imponham condições de fronteira.

Podemos aplicar esta equação para tentar conhecer algo sobre a distribuição da temperatura no interior do planeta,

usando como condições de fronteira o fluxo e a temperatura conhecidos à superfície. Integrando uma vez (entre 0 e

z) a equação (6.4), obtém-se

c + z d

T dK - = z Q 1 (6.5)

onde c1 é uma constante de integração a determinar. À superfície (z=0) o fluxo de calor z d

T dK - = q será igual a

q - s , pelo que virá q = c s1 . Podemos então escrever,

q + z d

T dK - = z Q

s (6.6)

Integrando outra vez esta equação obtém-se

c + z q + TK - = 2

z Q 2s

2

(6.7)

onde c2 é uma constante que se determina impondo que a temperatura à superfície seja igual a Ts :

2ss z

K2

Qz

K

qTT

(6.8)

Esta última expressão pode ser usada para determinar a variação da temperatura com a profundidade. Considere-

se, então o caso da Terra, supondo que o calor é transportado, principalmente, por condução. A curva temperatura-

profundidade é designada por “geotérmica”. Se se considerarem os seguintes valores 0 = Ts ºC, 70 = qsmW m-2,

3300 = kg m-3, 106.2x = Q -12 W kg-1 e 4 =K W m-1 K-1, obtém-se a curva mostrada na figura, conjuntamente com

as curvas de fase do basalto. Uma análise da figura mostra que a profundidades superiores a 100 km, o manto

deveria apresentar uma fusão significativa e que para profundidades superiores a 150 km todo o manto devia estar

em fusão. Estas "previsões" não estão de

acordo com as informações obtidas a partir do

estudo da propagação das ondas sísmicas,

pelo que teremos de concluir que o modelo de

condução de calor não prevê correctamente o

perfil de temperaturas no manto.

Embora o modelo de condução falhe na

previsão das temperaturas para o manto

inferior, ele apresenta um sucesso considerável

quando aplicado à parte mais exterior do

planeta, isto é à crusta, onde o calor interno é

produzido fundamentalmente por desintegração radiactiva e transportado, até à superfície, por condução.

Voltaremos a este problema quando se estudar o fluxo de calor nos continentes.

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Pag 132

6.3 A convecção

Consideremos uma camada de líquido aquecido na parte inferior e arrefecido na parte superior. Quando um fluido é

aquecido, a sua densidade diminui devido à expansão. No caso considerado, teremos a parte superior da camada

de líquido mais fria e, portanto, mais densa que a parte inferior. Esta situação é gravitacionalmente instável,

tendendo o líquido mais frio a descer e o mais aquecido a

subir, isto é, geram-se correntes de convecção. O

movimento do fluido é devido às forças de impulsão

originadas pelas variações da densidade.

Considere-se, então, um elemento de fluido rectangular

(considera-se válida a aproximação 2D) como representado

na figura. Podemos, numa primeira aproximação considerar

o fluido incompreensível vindo, para a equação de

continuidade

0vdiv

(6.9)

onde é a massa volúmica do líquido e v

a velocidade do fluido.

As forças que actuam sobre um elemento de fluido são: as forças devido ao gradiente de pressão, à gravidade e às

forças de impulsão. Para estas últimas terá de se ter em conta a variação da densidade do fluido. A componente

vertical da força resultante será então

2

z2

2

z2

0z

v

x

vg'g

z

P (6.10)

onde P é a pressão hidrostática, g a aceleração da gravidade, oé uma massa volúmica de referência, a

variação da massa volúmica e a viscosidade dinâmica do fluido.

As variações da massa volúmica originadas pelas variações de temperatura são dadas por

0V00 TT' (6.11) (6.11)

onde V é o coeficiente volúmico de dilatação térmica e T o é a temperatura de referência, correspondente à

massa volúmica o

.

6.4 Produção de calor

6.4.1 Desintegração radioactiva

Embora os isótopos radioactivos existam em pequenas quantidades na crusta terrestre e sejam, ainda, menos

abundantes no manto, a sua desintegração natural produz quantidades significativas de calor, como se pode

verificar pela tabela à esquerda. Os elementos mais importantes neste processo são o urânio (238U e 235U), o tório

(232Th) e o potássio (40K); pode observar-se que a contribuição do urânio e do tório é superior à do potássio.

Na Tabela seguinte apresenta-se a concentração de

elementos radioactivos e a produção de calor de algumas

rochas. O granito é a rocha que produz mais calor devido à

desintegração de materiais radioactivos, pois é a que

possui maior concentração detes elementos. A medição do

calor gerado pelas rochas da crusta, na actualidade, pode

ser usada para calcular o calor gerado no passado. Por outro lado, a concentração de elementos radiactivos pode

ser usada na datação das rochas (geocronologia).

Page 136: fundamentos_geofisica

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Pag 133

A taxa de decaimento de um isótopo radiactivo é dada por

N - = t d

N d (6.12)

onde N é o número de átomos do

isótopo radiactivo no instante t e é

a constante de decaimento. A

integração da equação anterior,

permite conhecer o número de

átomos no instante t :

e N = )(t N t -o

(6.13)

Embora a taxa de geração de calor

na crusta seja superior, em cerca de

duas ordens de grandeza, à do

manto, a taxa de produção do manto tem de ser considerada pois o volume do manto é bastante superior ao da

crusta.

6.4.2 Fontes de calor não radioactivas

Nos modelos mais recentes considera-se que o calor proveniente do interior do planeta tem a sua origem no

arrefecimento e na libertação de energia potencial gravítica pela absorção de FeO do manto, pelo núcleo.

Esta reacção foi produzida em laboratório a temperaturas e pressões da ordem de grandeza das existentes na

fronteira núcleo-manto. À medida que o ferro fundido do núcleo extrai o FeO da perovskite do manto, o material

residual menos denso, formado principalmente por óxidos de magnésio e sílica, junta-se em bolsas com dimensões

suficientes para que a força de impulsão seja superior à força resistente devido à alta viscosidade do manto, e sobe

em forma de plumas ou megalitos, transferindo calor para regiões mais externas do manto.

6.5 Perda global de calor pela superfície da Terra

A Terra perde actual-

mente calor a uma taxa

de, aproximada-mente,

4,2x1013 W. Na figura

apresenta-se a distri-

buição do fluxo de calor

ao longo da Terra. O

calor perdido através da

superfície do planeta,

não está distribuído de

modo uniforme. Na ta-

bela seguinte, resu-

mem-se as principais

contribuições: 73% do

calor é perdido através dos oceanos, que representam 60% da superfície da Terra. A maior parte do calor é perdido

na criação e arrefecimento da litosfera oceânica, à medida que o novo material se afasta das cristas médias. A

tectónica de placas é, fundamentalmente, devida ao arrefecimento da Terra. Por outro lado, parece estar assente

que a taxa média de criação dos fundos oceânicos é determinada pelo balanço entre a taxa de geração de calor e a

taxa de perda global, desse mesmo calor, através da superfície do planeta.

Page 137: fundamentos_geofisica

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Pag 134

6.5.1 Fluxo de calor nos oceanos

Nos modelos de tectónica de placas

a ascensão dos materiais do manto

realiza-se nas cristas oceânicas.

Estes materiais depois de arrefecidos

dão origem a nova crusta oceânica.

À medida que se afasta da zona de

ascensão a nova crusta vai

arrefecendo até profundidades

maiores, formando uma placa rígida

mais espessa e mais densa.

Na figura apresentam-se os valores observados de fluxo de calor, em função da idade da litosfera oceânica, bem

como os valores calculados a partir de um

modelo teórico. Atendendo ao que se disse no

parágrafo anterior, este gráfico pode ser

interpretado como representando valores de

fluxo em função da distância à crista. Como

pode observar-se, o fluxo de calor junto das

cristas oceânicas tem valores elevados,

diminuindo à medida que nos afastamos da

zona de ascensão dos materiais do manto.

Comparando os valores observados com os

calculados, verifica-se que os fluxos obtidos a

partir dos modelos são mais elevados do que

os observados nas proximidades da crista. O

ajuste entre os valores teóricos e os

experimentais melhora com o aumento da

idade dos materiais.

O desacordo entre os valores teóricos e os

observados é explicado pela existência de processos de transferência de calor associados à circulação hidrotermal

na crusta oceânica jovem, que é altamente permeável, permitindo a infiltração e circulação da água do mar. À

medida que nos afastamos da zona da crista, observa-se a formação de uma camada sedimentar, cuja espessura

vai aumentando e que serve de tampão, impedindo a infiltração e circulação da água. Para estas regiões os valores

de fluxo previstos pelo modelo teórico coincidem com os observados.

É possível encontrar uma relação empírica entre o fluxo de calor Q (em 10-3 W m-2) e a idade da crusta t (em Ma).

Se esta for inferior a 120 Ma tem-se:

t 473 = Q -1/2 (6.14)

Para idades superiores a 120 Ma esta relação não é válida, pois o fluxo de calor diminui menos rapidamente com o

aumento da idade. Neste caso a relação será:

e 67 + 33.5 = Q -t/62.8 (6.15)

O desenvolvimento de novos instrumentos para a medição de fluxo de calor bem como os estudos realizados com

submarinos, permitiram caracterizar as variações espaciais do fluxo de calor, confirmando a circulação hidrotermal

na crusta oceânica. Têm sido observadas manifestações espectaculares da actividade hidrotermal nas parte mais

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Pag 135

elevadas das cristas oceânicas. Estas são constituídas por fontes de água a temperaturas elevadas. As primeiras

observações foram realizadas no Oceano Pacífico, mas posteriormente foram detectadas actividades do mesmo tipo

nos Oceanos Atlântico e Índico.

As fontes mais importantes são conhecidas por "black smokers" e são constituídas por jactos de água a uma

temperatura de cerca de 350 ºC. Estas águas contêm sais dissolvidos aquando da sua passagem através da rocha

basáltica quente, que se precipitam construindo chaminés de sulfitos, sulfatos, óxidos e silicatos, que podem atingir

alguns metros de altura. Além dos "black smokers" existem os "white smokers", com temperaturas menos elevadas,

100 a 300 ºC, e com cor branca devido à cor dos precipitados dominantes: baritite e sílica.

Estas observações revelaram a importância da actividade hidrotermal na perda global de calor por parte do planeta.

Elas mostraram, também, que a actividade hidrotermal associada às chaminés não é um processo estacionário: elas

funcionam apenas durante um certo intervalo de tempo, o que é comprovado ao pequeno volume de material

depositado e pela idade, muito restrita, das populações encontradas junto das chaminés.

6.5.2. Fluxo de calor nas zonas de subducção

Na figura, mostra-se o esquematicamente as isotérmicas de

uma zona de subducção típica. A placa que mergulha, placa

oceânica, está mais fria que o manto, e o fluxo de calor que

se observa na zona da fossa e na região oceânica adjacente

é, em geral, baixo. No lado continental da fossa observa-se

um aumento do fluxo de calor associado a fenómenos de

vulcanismo. Se a zona de subducção estiver associada a um

arco de ilhas de origem vulcânica e existir uma bacia

marginal, entre o arco de ilhas e o continente, observa-se,

em geral, que o fluxo é mais elevado no lado côncavo do

arco localizado por cima da placa descendente. Esta

distribuição de fluxo é observada, por exemplo, no arco NE

do Japão no Oceano Pacífico.

Existem vários modelos que pretendem

explicar os processos térmicos que

ocorrem nestas regiões. Em 1985, Honda

apresentou um modelo baseado na

hipótese de que os fenómenos de

transferência de calor se realizam,

principalmente, por condução. Assim, não

foram incluídas no modelo a produção de

calor devido a fontes radioactivas nem

devido a fenómenos químicos. Os baixos

valores de fluxo no lado do oceano são

explicados pelo arrefecimento da placa

oceânica antiga. Os fluxos elevados

observados na zona do arco de ilhas são

explicados por fenómenos de convecção,

no manto adjacente, induzidos pela placa descendente. O baixo valor do fluxo de calor que se observa nas fossas, é

provavelmente devido à cunha de material sólido acumulado nessa zona.

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Pag 136

6.5.3. Fluxo de calor nos continentes

A distribuição de fluxo de calor nos continentes é mais complexa que a observada nos oceanos. O fluxo medido nos

continentes pode ter origens distintas: fusão ou intrusão magmática, extensão da crusta, erosão, geração de calor

por elementos radioactivos, etc. Estes processos têm características físicas e escalas temporais distintas.

Assim, os dados de fluxo nos continentes terão de ser analisados tendo em atenção a região em que foram obtidos.

Polyak e Smirnov (1968) mostraram que os valores de fluxo estão relacionados com a idade tectónica da formação

onde foram medidos: há uma diminuição exponencial do fluxo com o aumento da idade tectónica da região (ver

figura).

Como a crusta continental contém uma quantidade

significativa de fontes radioactivas, elas contribuem para o

fluxo medido. Os dados de campo mostram que, em

regiões graníticas, há uma relação linear entre o fluxo de

calor à superfície e o calor produzido por desintegração

radioactiva, pelas rochas superficiais. Estas observações

podem ser explicadas por um modelo em que o calor

produzido por desintegração radiactiva decresce

exponencialmente com a profundidade, isto é, da forma

e Q = Q h-z/ s

r . Nesta expressão Qs representa a taxa de

produção de calor pelas rochas superficiais e por unidade

de massa, sendo hr o valor da profundidade a que

Q/e = Q . O modelo prevê, ainda, que o fluxo de calor que

chega à parte inferior da crusta, proveniente do interior do

planeta é qm

. Assim, o fluxo de calor à superfície será

Q h + q = q srms (6.16)

O valor de hr pode ser obtido a partir do declive da recta do gráfico da figura, sendo qm

o valor dado pela

intersecção da recta com o eixo vertical.

6.5.4 Análise global da distribuição do fluxo de calor ao longo da Terra

Já se apresentou a distribuição de fluxo de calor ao longo da superfície daTerra, e já se viu, anteriormente, que a

sua distribuição não é homogénea. Desde os anos 60 que se têm estado a compilar as várias medidas de fluxo

geotérmico efectuadas ao longo do globo.

A partir da análise destas figuras pode concluir-se que, para os continentes existem desde valores muito baixos, da

ordem de 1,1 cal cm-2 s-1, nas regiões dos escudos continentais1 (com uma pequena dispersão), até valores mais

elevados, que podem atingir os 2,8 cal cm-2 s-1, nas zonas orogénicas mais recentes, se bem que aqui os valores

apresentem uma maior dispersão. Nos Alpes, por exemplo, o valor do fluxo de calor é da ordem de 2,1 cal cm-2 s-1.

Nas zonas não orogénicas pós- pré-câmbricas, o valor do fluxo de calor é cerca de 1,5 cal cm-2 s-1. Em resumo, o

fluxo de calor nos continentes é tanto mais elevado quanto mais recente for a região e quanto mais activa for a

tectónica da região. É evidente que existem algumas regiões onde o fluxo é “anormalmente” elevado, geralmente

devido a campos geotérmicos locais como, por exemplo, toda a região do sudoeste da Australia ou a planície

húngara. Sabendo que a litosfera mais recente é necessariamente menos espessa, é natural que possa existir uma

relação entre o fluxo de calor medido à superfície e a espessura da litosfera. Para os oceanos podem tirar-se as

seguintes conclusões: as ridges são as zonas onde se observa o fluxo de calor mais elevado (apresentando,

1 Recorde-se que 1 cal = 4.187 J, logo 1 cal cm-2 s-1 = 41,87 mW m-2

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Pag 137

contudo, os dados uma grande dispersão), que pode atingir 8 cal cm-2 s-1, e depois, à medida que nos afastamos

das cristas, o valor do fluxo vai diminuindo. As bacias oceânicas são caracterizadas por valores moderados e pouco

dispersos. Os valores mais baixos são observados junto às fossas oceânicas (cerca de 0,9 cal cm-2 s-1)

apresentando, contudo, valores elevados (da ordem de 2 cal cm-2 s-1) atrás dos arcos de ilhas (existentes,

sobretudo, no Oceano Pacífico).

Pelos valores aqui apresentados, é fácil verificar que a produção de calor de origem terrestre não pode ser apenas

devida à desintegração de elementos radioactivos. Na Tabela VI-IV apresentam-se as contribuições das fontes

radioactivas e não radioactivas para a produção total de calor nos oceanos e nos continentes. Tambem se pode

desde já pensar, que o calor que chega à superfície da Terra não deverá ser originado apenas na crusta terrestre.

6.6 Estrutura térmica do manto e do núcleo

Nos parágrafos anteriores vimos como se distribui a temperatura nas crustas oceânica e continental. Vimos ainda

que, se se assumir que a transferência de calor no manto, se faz por condução, o resultado teórico obtido para a

distribuição da temperatura, naquela região do planeta, não é correlacionável com os resultados obtidos através de

outras observações geofísicas e petrológicas. De facto, no manto e no núcleo externo, o processo de condução não

é o mecanismo principal de transferência de calor; nestas regiões profundas da Terra o processo dominante deverá

ser o da convecção, sendo o calor transportado pelo material que se encontra a temperaturas mais elevadas, e que

ascende das zonas profundas do planeta. A taxa de transferência é, deste modo, mais elevada que no processo de

condução e, portanto, os gradientes de temperatura são pouco intensos.

Suponha-se, então, que um volume de rocha inicialmente à profundidade z e a uma temperatura (absoluta) T ,

ascende rapidamente até uma profundidade z . Como neste processo a pressão diminui a rocha sofre um aumento

de volume e por isso arrefece, mesmo que não troque energia com o ambiente (formado pela rocha que a rodeia).

Este processo termodinâmico é designado por adiabático. Se a temperatura final da rocha for igual à temperatura do

ambiente, diz-se que o gradiente na região é adiabático. Ora, num sistema convectivo o gradiente de temperatura é

aproximadamente adiabático. A variação da temperatura será dada por

c

g T - =

z

T

p

(6.17)

onde é o coeficiente de expansão térmica ( PT/VV/1 ), g a aceleração da gravidade e c p o calor

específico. Para o manto superior ( T =1573 oK, =3x10-5 ºC-1 e c p =103J kg ºC-1), o gradiente adiabático, dado por

esta equação, é de 0.5 ºC km-1. Para maiores profundidades, onde o coeficiente de expansão térmica é menor,

obtém-se um valor de 0.3 ºC km-1. Na figura 6-15 são apresentados dois possíveis modelos para a distribuição da

temperatura no manto.

6.7 Campos geotérmicos

Como já foi referido, no parágrafo 6.4, existem certas regiões que apresentam um valor anormalmente elevado para

o fluxo de calor medido à superfície. São, por exemplo, as regiões onde existem vulcões, geisers ou, simplesmente,

fontes termais.

De entre estas zonas anómalas há a salientar os campos de vapor e água quente, que foram antigamente utilizados

pelos romanos nas suas termas, e que apresentam um interesse particular para a produção de energia não

poluente.

Os jazigos de vapor contêm água líquida sobre pressão, a uma temperatura superior a 100oC que, por meio de um

furo ou de fissuras nas rochas (caso dos geisers, por exemplo), pode jorrar sob a forma de vapor (ver figura 6-25).

Os campos de água quente são constituídos por reservatórios a uma temperatura entre os 60 e os 90oC. Na figura

6-26, apresenta-se um esquema de um campo geotérmico típico, onde são observáveis as suas principais

Page 141: fundamentos_geofisica

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Pag 138

características:

- uma fonte de calor de grande capacidade;

- uma zona de rocha fracturada (permeável) constituindo o reservatório geotérmico;

- uma zona de cobertura de rochas pouco permeáveis na parte superior do reservatório;

- um regime hidrológico favorável, associado a zonas de fractura que permitem a infiltração da água da chuva;

A fonte de calor é, geralmente, constituída por uma intrusão magmática com temperatura elevada (superior a

600ºC). O calor, produzido por esta fonte, é conduzido através da rede cristalina das rochas que formam a base do

reservatório, e vai aquecer a água que se encontra dentro do reservatório poroso. Este tipo de fonte é frequente em

zonas de vulcanismo recente (Açores, Japão e América Central).

A água, proveniente das chuvas, penetra em profundidade através das zonas de fractura, e aquece durante a

circulação através das rochas aquecidas que constituem o reservatório. A subida da água quente, com eventual

formação de fontes naturais, depende da existência de fracturas na cobertura do reservatório. Este pode ser

constituído por rochas porosas, como é o caso dos tufos vulcânicos, ou por rocha fissurada. A cobertura é formada

por rochas impermeáveis ou com permeabilidade muito baixa.

O regime hidrológico é um factor importante na caracterização dos campos geotérmicos determinando a

possibilidade da sua exploração industrial, pois dele depende a recarga do reservatório.

Na Europa, existem campos de água quente na região do Lago Baikal, na ex-URSS, e na Planície Húngara. Em

Portugal, existem fontes termais de água quente na região de Chaves e, nos Açores, na ilha de S. Miguel, efectua-

se a exploração de energia geotérmica.

6.8 Bibliografia

Cox, A. and R.B. Hart, Plate Tectonics - How it Works, Blackwell Scientific Publications, Palo Alto, California, USA,

1986.

Duque, M. Rosa Alves, 1994. Fluxo de Calor em Continentes e Oceanos, Gazeta da Física, 12 (2), pp. 7-11.

Fowler, C.M.R., 1990. The Solid Earth - An Introduction to Global Geophysics. Cambridge University Press,

Cambridge, 472p.

Mechler, P., 1982. Les méthodes de la géophysique. Dunod Université, Paris, 200 p.

Turcotte, D.L. e Schubert, G, 1982. Geodynamics. Applications of continuum physics to geological problems. John

Wiley Sons, 450 pp.

Udías, A. y J. Mézcua, 1986. Fundamentos de Geofísica, Editorial Alhambra, S.A., Madrid.

6.9 PROBLEMAS

1. Determine a taxa de produção de calor, por unidade de massa e devido à desintegração radioactiva, para o granito

e o basalto. Considere os elementos apresentados na tabela II.

TABELA II

Rocha conc. de elem. radioactivos

U(ppm) Th(ppm) K(%)

granito 4 17 3.2

basalto 0.1 0.35 0.2

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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos

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Taxa de produção de calor de isótopos radioactivos (em W kg-1)

U 9.71 x 10-5

Th 2.69 x 10-5

K 3.58 x 10-9

(gran = 2.65; bas = 3.0)

Calcule a contribuição da crosta oceânica (constituída fundamentalmente por basalto) para o fluxo calorífico à superfície

do globo, supondo que a fonte dessa energia é a desintegração radioactiva.

2. Com o objectivo de tentar obter o fluxo de calor de origem terrestre em determinada região, obtiveram-se os

valores expressos na Tabela III.

a) Faça um gráfico da temperatura em função da profundidade.

b) Qual o gradiente de temperatura característico da região?

c) Calcule o fluxo de calor da região.

TABELA III

Prof. (m) Temp (0C) K (W 0K-1 m-1)

10 19.20 1.90

20 21.05 2.68

30 21.10 2.93

40 21.25 3.26

50 21.50 2.75

60 21.74 3.16

70 22.00 3.21

80 22.25 2.85

90 22.51 3.01

100 22.77 2.93

110 23.01 2.90

120 23.24 3.02

130 23.50 3.16

140 23.75 3.23

150 23.98 2.88

160 24.20 2.46

170 24.46 2.75

180 24.71 3.21

190 24.95 3.01

200 25.18 2.54

210 25.42 2.84

220 25.64 2.65

230 25.87 3.01

240 26.12 3.23

250 26.36 3.12