FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS DIREITO SÃO PAULO NIKOLAY …
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
DIREITO SÃO PAULO
NIKOLAY HENRIQUE BISPO
O VETO PRESIDENCIAL NO STF: ESTUDO DE UM CASO DE TENSÃO ENTRE
OS PODERES
São Paulo
2016
NIKOLAY HENRIQUE BISPO
O VETO PRESIDENCIAL NO STF: ESTUDO DE UM CASO DE TENSÃO ENTRE
OS PODERES
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós Graduação em Direito e
Desenvolvimento da Escola de Direito da
Fundação Getulio Vargas de São Paulo, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Direito e Desenvolvimento. Campo de
conhecimento: Direito e Desenvolvimento.
Subárea: Instituições do Estado Democrático
de Direito e Desenvolvimento Político e
Social.
Orientador: Prof. Dr. Dimitrios Dimoulis.
São Paulo
2016
Bispo, Nikolay Henrique. O veto presidencial no STF: estudo de um caso de tensão entre os poderes/ Nikolay Henrique Bispo. - 2016. 182 f. Orientador: Dimitri Dimoulis Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. 1. Brasil. Supremo Tribunal Federal. 2. Separação de poderes. 3. Veto - Brasil. 4. Poder executivo - Brasil. 5. Poder legislativo - Brasil. I. Dimoulis, Dimitri. II. Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. III. Título.
CDU 342.5(81)
NIKOLAY HENRIQUE BISPO
O VETO PRESIDENCIAL NO STF: ESTUDO DE UM CASO DE TENSÃO ENTRE
OS PODERES
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós Graduação em Direito e Desenvolvimento
da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas
de São Paulo, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Direito e Desenvolvimento.
Campo de conhecimento: Direito e
Desenvolvimento. Subárea: Instituições do Estado
Democrático de Direito e Desenvolvimento
Político e Social.
Orientadora: Profa. Dra. Luciana Gross Siqueira
Cunha;
Coorientador: Prof. Dr. Dimitrios Dimoulis.
DATA DE APROVAÇÃO: ___/___/___
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________
Prof. Dr. Dimitri Dimoulis (Orientador) FGV
DIREITO SP
_____________________________________
Prof. Dr. Frederico Normanha Ribeiro de
Almeida
UNICAMP
_____________________________________
Prof. Dr. Roberto Dias PUC/SP
São Paulo
2016
(Adaptação de Exupéry, “O pequeno
Príncipe”, cap. XXI; e de Clarice Lispector,
saudades)
Um dia, uma sábia raposa disse a um pequeno
príncipe: “tu és eternamente responsável por
aquilo que cativas”, e tu cativaste respeito,
amor, humildade... a busca em sempre ser um
ser humano melhor, tornaste-a única no mundo
para mim. E é por isso que sinto saudades!
Como bem descreve Clarice Lispector,
saudade é a palavra usada todas às vezes em
que se sente esse “aperto no peito, meio
nostálgico, meio gostoso, mas que funciona
melhor do que um sinal vital quando se quer
falar de vida e de sentimentos. Sentir saudades
é sinal de que se está vivo!”.
Obrigado por sempre me fazer sentir vivo!
Saudades eternas.
Para Dona Zenaide, minha primeira
professora, incentivadora e minha
inspiração.
AGRADECIMENTOS
A parte dos agradecimentos é, sem dúvidas, parte importantíssima de um trabalho
monográfico, pois é ali que o autor pode demonstrar o mínimo de gratidão por aqueles que
iniciaram, desenvolveram e finalizaram esta etapa com ele. Por isso sou grato a todos que
contribuíram para que esta fase pudesse se iniciar, desenvolver e, agora, concluir.
Agradeço a Deus por ter me dado a base para andar nas trilhas do caminho que
escolhi seguir, que é a minha família. A minha família representa quem eu sou e o motivo das
lutas constantes e diárias para tornar-me um ser humano melhor. Agradeço especialmente à
minha avó, Zenaide, que me criou, e inspirou-me com a sua vida e sabedoria; à minha mãe,
Néia, pela luta em criar-me e incentivo em minhas escolhas; à minha tia Nice, por todo amor,
criação, e os importantes cafés e alimentação.
Agradeço aos professores e incentivadores durante esse percurso, Carlos Ari
Sundfeld, Vera Monteiro, Oscar Vilhena Vieira, José Garcez Ghirardi, Maria Rita Loureiro e
Maíra Machado. Também aos eternos professores e incentivadores, Irineu Bagnariolli Jr.,
Marisa Rodrigues e Caio Graco Dias.
Agradeço aos amigos e professores pelo incentivo e ensinamentos, Flávio
Rubinstein e Gustavo Vettori.
Nessa caminhada, aprendi a respeitar as minhas origens e quem eu sou, graças a
conversas informais, mas eivadas de sinceridade e preocupação. Agradeço ao Rafael
Giovanneli, Rubens Glezer, Luciana Ramos e Diogo Rais, por essas conversas, carinho e
amizade.
Agradeço aos amigos, sem os quais o caminho seria tenebroso e solitário, Danilo
de Sousa, Vitor Stevam, Bruno Rafael, Fábio de Carvalho, João Simas, João Tornada, Carlos
Cândido, Fábio Sylva, José Magno, Natalia Langenegger, Pedro de Paula e Yuri Peralva.
Agradeço ao Theófilo Aquino e Guilherme Saraiva pelas últimas cuidadosas
leituras e críticas ao trabalho.
Agradeço e comemoro mais esta etapa com os amigos e parceiros deste caminho
do mestrado: Aline Santana, Alynne Nunes, Fayola Cajuella, Felipe Cury, Felipe Gonçalves,
Laura Campedelli, Leilani Mendes, Lucas Garcez, Luciana Gonçalves, Milena Ginjo, Nara
Kwen, Nicole Fobe, Saylon Pereira e Yasser Gabriel.
Agradeço à equipe da coordenação do mestrado e de relações internacionais da
FGV Direito SP, por todo apoio durante o curso e por terem me dado a oportunidade de
realizar o sonho do intercâmbio, professora Maria Lúcia, Cristiane, Christina e Ligia.
Agradeço ao programa Fórmula Santander e à FGV pela oportunidade de realizar parte dos
estudos em Portugal.
Agradeço ao professor Jorge Miranda, à Catarina e à Universidade Católica
Portuguesa, por terem me recebido e tornado a experiência simplesmente perfeita.
Agradeço, em especial, à minha orientadora Luciana Gross Cunha por toda a base
fornecida durante este longo caminho, pelas conversas incessantes (àqueles que me conhecem
sabem bem como foram incessantes), pelo apoio incondicional nos momentos mais difíceis
deste período. Muito obrigado.
Também agradeço, em especial, ao meu orientador Dimitri Dimoulis, pelas
conversas e cafés durante todo o percurso, pelo humor incansável durante todo o percurso, o
que o fez mais alegre e leve, nos momentos em que deveriam ser, pela insistência e
ensinamentos durante o caminho.
Agradeço à banca de qualificação e de defesa, professores Frederico Normanha e
Roberto Dias, pela leitura atenta e excelentes críticas durante todo o desenvolvimento do
trabalho. Essas contribuições foram fundamentais para todo o trabalho.
Agradeço ao Itamar Albuquerque, Joelson Sampaio, a Sueli Piloto e a Bianca
Piloto, pelo apoio e carinho.
Agradeço em especial, à minha amiga, companheira e namorada, Bárbara Piloto,
por todo apoio, carinho, paciência e, claro, pelas eternas revisões.
PREFÁCIO
Mãos se rendem, pra outras que tudo levam
Quase em extinção, mãos honestas, amorosas
E nossas pobres mãos, batem as cordas
Pago pra ver, queimar em brasa
Mãos de baixareis que não condenam o mal
Que inocentam réus, em troca do vil metal
Mãos de baixareis que não condenam o mal
Que inocentam réus, em troca do vil metal
Em mãos de infiéis
Quem veste não contenta
Governa a diretriz... tão fraudulenta
Sem réu e sem juiz, mãos não se acorrenta
Justiça põe as mãos na consciência
Ato que fez Pilatos... lavando tuas mãos
Eu vejo que injustiça, com as próprias mãos
Mãos que fracassaram na torre de Babel
Porque desafiaram mãos do céu
Mãos...
(Almir Guineto e Mano Brown, Mãos)
RESUMO
Esta pesquisa tem como principal objetivo descrever e analisar a atuação do Supremo
Tribunal Federal (STF) em casos que envolvam veto presidencial a projeto de lei (veto), a fim
de identificar como se constrói a relação do STF com os poderes Legislativo e Executivo,
nessas situações. Reflexamente, a partir disso, esta pesquisa também analisa quais são as
regras criadas pelo STF na delimitação do papel do Executivo e do Legislativo ao decidir os
casos sobre o veto presidencial a projeto de lei e para a sua própria competência para resolver
esses casos. Para isso, esta pesquisa apresenta a construção do raciocínio teórico sobre o papel
do Judiciário dentro dessa fase da separação dos poderes (veto) e a analisa cinquenta e cinco
decisões do STF sobre o tema; diversos documentos do poder Legislativo quanto a projetos de
leis e lei e; diversos documentos com justificativas quanto ao veto presidencial. Constatou-se
que a forma de decisão do STF, nesses casos, é diversificada, sendo possível identificar perfis
para cada um dos sete grupos de casos criados na pesquisa; também foi constatado que, por
regra, os casos que chegam ao STF representam algum rompimento de entendimento quanto à
tomada de decisão política entre os atores políticos envolvidos e fica a encargo do STF a
resolução do conflito; constatou-se, também, que o STF é claro quanto ao limite da sua
competência para o controle desse tipo de casos, reservando amplo espaço para esse seu
poder, contudo, na prática, apenas em casos excepcionais este órgão decide julgar inválido
(inconstitucional) o caso. Concluiu-se que, mesmo sendo excepcional, os casos em que o STF
atua de maneira enfática as consequências que essas decisões podem causar são graves e, que,
por isso, deveriam haver limites legais para a sua atuação e até mesmo responsabilização
pelas suas decisões. Concluiu-se, também, que os estudiosos da separação dos poderes, mais
especificamente quanto ao veto, não analisam a importância que o Judiciário tem nesse
processo.
Palavras-Chaves: 1. Brasil. Supremo Tribunal Federal. 2. Separação de poderes. 3. Veto -
Brasil. 4. Poder executivo - Brasil. 5. Poder legislativo - Brasil.
ABSTRACT
This study aims at describing and analyzing how the Supremo Tribunal Federal (STF) rules
the cases that deal with presidential veto, in order to identify how the STF's relationship with
the legislative and executive branches is built. Through the cases, this research focus on the
rules established by the STF in defining the role of the executive and legislative to decide
cases on the presidential veto and in limiting its own jurisdiction. To this, the author develops
a theoretical reasoning about the judiciary's role in this phase of the separation of powers
(veto); and analyzes fifty-five decisions of the Supreme Court on the subject, several
legislative branch documents on bills and laws and, finally, presidential documents that have
reasoning for the presidential veto. The cases studied showed that the form of the Supreme
Court decision in such cases is diverse, since it is possible to identify profiles for each of the
seven groups of cases created in the research. Secondly, I found that the cases analyzed, as a
rule, represent a breach of understanding about the political decision-making among political
actors involved and STF is demanded to solve the conflicts. The cases also showed that the
Supreme Court is clear on the scope of their responsibilities for the control of such cases,
allowing ample space for its own power, however, in practice only in exceptional cases this
body decides invalid (unconstitutional) the case. I also concluded that, even if exceptional
cases where the Supreme Court acts in an emphatic manner, the consequences of these
decisions can cause are serious and that therefore there should be legal limits to its
performance and even accountability for their decisions. Finally, the scholars of separation of
powers, more specifically the veto, do not analyze the importance that the judiciary has in this
process.
Key-words: 1. Brazil. Supremo Tribunal Federal. 2. Separation of powers. 3. Veto - Brazil. 4.
Executive Power - Brazil. 5. Legislative Power - Brazil.
GLOSSÁRIO DE ABREVIAÇÕES E NOMENCLATURAS
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade;
ADI-MC – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade;
ADPF – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental;
ADPF-QO – Questão de Ordem na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental;
ALEAP – Assembleia Legislativa do Estado do Amapá;
ALEMT – Assembleia Legislativa do Estado do Mato do Grosso;
ALEPE – Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco;
ALERJ – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro;
ALERS – Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul;
ALESC – Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina;
ALESP – Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo;
CD – Câmara dos Deputados Federais;
Casa(s) Legislativa(s) – Congresso Nacional; ou Câmara dos Deputados; ou Senado Federal;
CF/37 – Constituição Federal de 1937;
CF/46 – Constituição Federal de 1946;
CF/67 – Constituição Federal de 1967;
CF/69 – Constituição Federal de 1967 com a adição da Emenda Constitucional nº 1 de 1969;
CF/88 – Constituição Federal de 1988;
CN – Congresso Nacional;
Corte – Supremo Tribunal Federal;
D&D – Direito e Desenvolvimento;
EC – Emenda Constitucional;
Emb – Embargos de Declaração;
Executivo – Poder Executivo, Presidente da República, Governador, Prefeito;
Legislativo – Poder Legislativo, Câmara dos Deputados Federais; Senado Federal, Congresso
Nacional, Assembleia Legislativa, Câmara dos Vereadores;
MC – Medida Cautelar;
MS – Mandado(s) de Segurança(s);
MS-AgR-MC – Agravo Regimental na Medida Cautelar no Mandado de Segurança;
MS-Emb. – Embargos de Declaração no Mandado de Segurança;
MS-MC – Medida Cautelar no Mandado de Segurança;
MPF – Ministério Público Federal ou Procurador-Geral da República;
QO – Questão de Ordem;
RC – Recurso Criminal;
RE – Recurso Extraordinário;
RE-RG – Repercussão Geral no Recurso Extraordinário;
RG – Repercussão Geral;
RMS – Recurso no Mandado de Segurança;
Rp – Representação;
Senado – Senado Federal;
STF – Supremo Tribunal Federal;
TJ – Tribunal de Justiça;
TJSP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo;
TJRS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul;
TJDF – Tribunal de Justiça do Distrito Federal;
Veto – Veto Presidencial a projeto de lei;
§ – Parágrafo.
Citação de jurisprudência:
Para não deixar as citações extensas no decorrer do texto, a jurisprudência será citada de
maneira direta, apenas pelo instrumento e o seu respectivo número. Dessa forma, os casos
quando citados, estarão em uma das seguintes formas:
ADI (mais) número do processo;
ADPF (mais) número do processo;
MS (mais) número do processo;
RC (mais) número do processo;
RE (mais) número do processo;
Rp (mais) número do processo.
Por fazer referência direta aos casos e por apresentá-los em diversas tabelas, não faço a
inclusão desses na lista de referência bibliográfica.
LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS
Figura I – Seleção do material empírico......................................................................... 51
Figura II – Separação dos poderes.................................................................................. 46
Figura III – Trajetória Constitucional do Veto no Brasil ............................................ 53
Gráfico 1 – Casos de veto no STF.................................................................................... 51
Gráfico 2 – Casos na CF/88............................................................................................. 70
Gráfico 3 – Casos e decisões ........................................................................................... 72
Gráfico 4 – Proponentes................................................................................................... 78
Gráfico 5 – Proponentes por instrumentos..................................................................... 79
Gráfico 6 – Arguidores por casos .................................................................................... 80
Gráfico 7 – Casos por nível federal ................................................................................. 80
Gráfico 8 – Favorecidos pela decisão............................................................................... 81
Gráfico 9 – Média de tempo por instrumentos............................................................... 82
Gráfico 10 – Grupo 1 – Tempo de decisão ..................................................................... 88
Gráfico 11 – Grupo 2 – Tempo de decisão ..................................................................... 96
Gráfico 12 – Grupo 3 – Tempo de decisão ..................................................................... 100
Gráfico 13 – Grupo 5 – Tempo de decisão ..................................................................... 113
Gráfico 14 – Grupo 6 – Tempo de decisão ..................................................................... 122
Tabela I – Seleção dos Casos ........................................................................................... 34
Tabela II – Informações Gerais ....................................................................................... 38
Tabela III – Temas de casos............................................................................................. 40
Tabela IV – Casos do Período de Vigência da CF/1946 ................................................ 56
Tabela V – Principais Mudanças do Veto Presidencial nas CFs .................................. 67
Tabela VI – Casos do Período de Vigência da CF/1988 ................................................ 67
Tabela VII – Grupo 1 - Casos de Procedimentos do veto.............................................. 85
Tabela VIII – Grupo 2 - Procedimento de votação do veto no Legislativo.................. 90
Tabela IX – Grupo 3 - Publicação de projeto de lei que não tem o veto mantido....... 97
Tabela X – Grupo 4 - MP como assessório do veto........................................................ 101
Tabela XI – Grupo 5 - Instrumentos para arguição do veto......................................... 107
Tabela XII – Grupo 6 - O STF no controle da pauta quanto ao veto no Congresso
Nacional .............................................................................................................................
115
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
GLOSSÁRIO DE ABREVIAÇÕES E NOMENCLATURAS
LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 16
2. METODOLOGIA ............................................................................................................... 25
2.1. Método interpretativo dos fatos: a construção da lente de observação da pesquisa ...... 27
2.2. Método concreto: a construção do objeto da pesquisa................................................... 32
3. O VETO NA SEPARAÇÃO DOS PODERES: APONTAMENTOS JURÍDICOS E
POLÍTICOS ............................................................................................................................ 42
4. VETO PRESIDENCIAL NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ............................ 53
4.1. Constituição Federal de 1946......................................................................................... 54
4.2. Constituição Federal de 1967......................................................................................... 57
4.3. Constituição Federal 1969 ............................................................................................. 61
4.4. Constituição Federal de 1988......................................................................................... 64
5. O VETO PRESIDENCIAL NO STF: UMA VERTENTE DA RELAÇÃO ENTRE OS
PODERES ............................................................................................................................... 72
5.1. Procedimentos do Veto ................................................................................................. 85
5.2. Procedimento de votação do veto no Legislativo .......................................................... 90
5.3. Publicação de projeto de lei que não tem o veto mantido ............................................. 97
5.4. Medida provisória como assessório ao veto ................................................................ 101
5.5. Instrumento para arguição do veto ............................................................................... 107
5.6. O STF no controle da pauta quanto ao veto no Congresso Nacional .......................... 114
5.7. O STF como última fase do processo legislativo ........................................................ 123
6. O STF COMO PLAYER DO JOGO POLÍTICO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O
CASO DO ROYALTIES DO PRÉ-SAL .............................................................................. 125
6.1. O caso do royalties do pré-sal: atores e questão política ............................................. 126
6.2. Transformando a questão política em jurídica: a atuação do STF no MS-MC 31816 133
6.3. O cenário político pós-decisão liminar e as novas decisões do STF (MS-MC-AgR
31816 e ADI-MC 4917) ...................................................................................................... 139
6.4. Reflexões ..................................................................................................................... 147
7. CONCLUSÃO: RELAÇÃO ENTRE OS PODERES E O APERFEIÇOAMENTO
INSTITUCIONAL ................................................................................................................ 153
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .................................................................................... 167
APÊNDICE I. TABELA DE SELEÇÃO DOS CASOS .................................................... 177
APÊNDICE II. EXPLICAÇÃO DO FICHAMENTO ...................................................... 178
APÊNDICE III. FICHAMENTOS ..................................................................................... 181
APÊNDICE IV. PLANILHA DE FICHAMENTO ........................................................... 182
16
1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como principal objetivo descrever e analisar a atuação do
Supremo Tribunal Federal (STF) em casos que envolvam veto presidencial a projeto de lei
(veto)1, a fim de identificar como se constrói a relação do STF com os poderes Legislativo e
Executivo, nessas situações. Reflexamente, a partir disto, esta pesquisa também analisa quais
são as regras criadas pelo STF na delimitação do papel do Executivo e do Legislativo ao
decidir os casos sobre o veto presidencial a projeto de lei e para a sua própria competência
para resolver esses casos.
Dessa forma, esta pesquisa propõe-se a desenvolver duas perspectivas de análise
distintas, mas complementares. A primeira perspectiva refere-se a uma ótica institucional, no
sentido de analisar como a instituição STF desenvolve essa atribuição concedida pela
Constituição, de julgar atos dos demais poderes (neste caso específico, o veto). A segunda
perspectiva refere-se a uma ótica dogmática jurídica, de identificar como o STF vem
moldando o instrumento jurídico-político do veto.
De um lado, esta pesquisa está inserida dentro da discussão da separação dos
poderes, não de uma perspectiva tradicional jurídica, mas a partir de uma reflexão com base
em três frentes teóricas: Filosofia Política, Ciência Política e Direito2. O que significa dizer
que esta pesquisa parte de percepções e reflexões dessas três áreas.
De outro lado, esta pesquisa também está inserida dentro da discussão de Direito e
Desenvolvimento, por estudar como um órgão jurídico e o direito influenciam no
desenvolvimento da democracia e do veto (que é um dos instrumentos nacionais que reflete e
garante a separação dos poderes).
Dentro da doutrina da separação de poderes, o veto presidencial surge como
instrumento de controle e interação do poder Executivo frente ao poder Legislativo. Essa
relação entre os agentes políticos é mútua e constante, cujo objetivo é conter a atuação do
Estado pelo próprio Estado. Assim, caso algum poder use de forma indevida as suas
competências, essa ação seria barrada pelo outro poder do Estado, portanto, sendo um
instrumento de check and balances (freios e contrapesos) dentro do modelo de separação dos
poderes adotado no Brasil (PESSANHA, 2002, p.142; TAVARES, 2009, pp. 1136-1145).
1 Utilizarei “veto” como substituição de “veto presidencial a projeto de lei no Legislativo”. 2 Essas perspectivas serão abordadas no capítulo 2.
17
Na atual Constituição Federal (CF/88), o veto está prescrito no artigo 66 e
parágrafos. O veto é o instrumento jurídico utilizado pelo chefe do poder Executivo para
impor a sua vontade de não aceitação do projeto de lei de maneira integral ou parcial. O chefe
do poder Executivo, recebendo o projeto de lei, poderá sancioná-lo ou vetá-lo por falta de
interesse público ou por inconstitucionalidade (§1º do artigo 66). Em seguida, a matéria de lei
vetada retorna ao Congresso Nacional, para que delibere quanto a sua aceitação ou rejeição
(voto da maioria absoluta dos membros), em até 30 dias (§4º do artigo 66). Sendo o veto
rejeitado, deve o chefe do poder Executivo promulgar a matéria até então vetada e caso não o
faça no prazo de quarenta e oito horas, deve o chefe do poder Legislativo o fazer (§§ 5º e 7º
do artigo 66).
De maneira sucinta, essa é a previsão do veto, o que o difere em relação a essa
fase do processo legislativo é a perspectiva analítica das áreas do conhecimento.
O Direito analisa esse momento com base na prescrição constitucional de que
cabe ao poder Executivo a autonomia do veto, e que cabe ao Legislativo a aceitação ou
suspensão desse (GUIMARÃES; BRAGA, 2011).
A Ciência Política, analisando essa relação a partir de um ponto de vista externo
(sociológico, antropológico e econômico), enxerga o veto como um momento em que atores
com poderes políticos de aprovar, suspender ou alterar uma decisão política e/ou uma política
pública, relacionam-se por conta de um potencial conflito entre eles (TSEBELIS, 2009).
A análise feita na Ciência Política parte do pressuposto de que, por conta de o
Brasil viver no chamado presidencialismo de coalizão3, o veto presidencial a projeto de lei,
potencialmente, representa a falta de consenso anterior quanto à medida discutida, visto que
nesse modelo de governo a discussão política e acordos ocorrem antes do processo legislativo
de formação das leis ou até mesmo ao seu decorrer, mas, dificilmente, chegando ao momento
do veto sem prévio consenso4-5. Dessa forma, são realizadas análises para entender os fatores
3 Dentro do denominado presidencialismo de coalizão, o processo decisório de criação das leis é feito
anteriormente ao andamento formal do projeto de lei, por meio de busca de cooperação e centralização política
de tomada de decisões, dentro da dispersão de atores políticos. O que os permite indicar que a não oposição de
veto representa o funcionamento desse sistema, sem conflitos aparentes, e a oposição de veto representa a
existência desse conflito que pode tomar proporções maiores (GROHMANN, 2003, p. 14; FIGUEIREDO;
LIMONGI, 1998; LIJPHART, 2011, pp. 13-23; PALERMO, 2000). 4 Com a atual crise política e econômica vivida no país (2014-2016), passou-se a indagar se ainda existe o
presidencialismo de coalizão no Brasil. A questão é que desde a volta da democracia e da entrada da CF/88 em
vigor, não houve outro meio de funcionamento do sistema político brasileiro que tenha sido bem descrito,
analiticamente, como o presidencialismo de coalizão. A análise e construção de Sérgio Abranches, em 1988,
permitiu que se construísse um marco teórico analítico para se entender como a democracia consociativa
brasileira funcionava e o porquê funcionava. A partir disso, autores como Palermo, Limongi e outros, passaram a
criar modelos analíticos de funcionamento do sistema brasileiro. O sistema funcionou de maneira eficiente (se o
ponto de análise for a tomada de decisão e a criação de políticas públicas – Lijphart, 2011; Stark; Brustz, 1998;
18
que influenciam os atores políticos participantes desse momento (Executivo e Legislativo) a
tomarem essa decisão.
O que ambas as visões citadas têm em comum é a afirmação (ou a omissão de
análise) de que o Judiciário estaria fora dessa fase, por se tratar de um procedimento político,
portanto, não tendo campo de atuação para o Judiciário.
Isso se justifica pelo fato de o Brasil não adotar o sistema de controle de
constitucionalidade preventivo no Judiciário, o que significa que os órgãos do poder
Judiciário não participam desse processo de criação das leis; sendo essa área reservada à
política, por conter participação apenas dos poderes representativos, eleitoralmente, da
população.
Quando se analisam as escolhas prescricionais feitas nas constituições brasileiras,
não fugindo dessa regra a atual constituição, essa escolha por não adotar o sistema preventivo
de constitucionalidade fica evidente. Ao se analisar o Título IV (Da Organização dos
Poderes), Capítulo I (Do Poder Legislativo), da Constituição Federal de 1988 (CF/88) e,
principalmente, a Seção VIII (Do Processo Legislativo), que trazem os procedimentos do
processo legislativo de criação das leis, não há menção à participação do poder Judiciário.
Também quando se analisa o Título IV (Da Organização dos Poderes), Capítulo III (Do
Poder Legislativo), e, principalmente, a Seção II (Do Supremo Tribunal Federal), não há
menção de forma expressa e objetiva à possibilidade ou permissão para que o poder Judiciário
participe dessa fase do processo legislativo de criação das leis.
Contudo, ao verificar um caso julgado pelo STF, em 2012, evidenciou-me uma
dúvida quanto à suposta realidade desse momento do processo legislativo, no dia a dia dos
poderes do Estado.
Trata-se do caso dos “royalties do pré-sal” (MS 31816). Ao final de 2012, estava
em vias de ser aprovado o projeto de lei que iria alterar a forma de divisão dos royalties do
petróleo, e que regulamentaria a divisão de royalties do pré-sal, em uma lógica diferente do
modelo antigo. De maneira sucinta, essa alteração iria fazer com que os entes federativos
Steinmo, 1989) até o último mandato do presidente Lula; com a eleição da presidenta Dilma, o sistema começou
a apresentar entraves. O que para alguns pode representar a não existência ou o fim do presidencialismo de
coalizão, para mim representa o funcionamento desse sistema e, a não observância dos critérios e formas de
funcionamento dele implica em uma crise político-institucional, como a vivida agora. Isso não significa que eu
defenda ou não o sistema atual, mas, apenas, que entendo que a lente do presidencialismo de coalizão é a que
melhor descreve e analisa o atual sistema brasileiro, tanto quando “funcionava” quanto em seu atual momento de
crise (ABRANCHES, 2015). 5 Por conflito entre esses poderes, entenda-se que durante o andamento formal do projeto de lei ocorreu algo que
não estava previsto e que gerou a necessidade de alguma manobra de contenção desta imprevisibilidade.
19
produtores de petróleo e aqueles afetados, passassem a receber repasse financeiro muito
inferior ao que recebiam, com base na previsão da lei até então vigente.
Isso fez com que esses entes federativos, que eram produtores e afetados pela
produção de petróleo, assumissem a liderança de um movimento dentro do Congresso
Nacional e na esfera social, contrário a essa alteração. Os entes não produtores e não afetados
pelo petróleo, por sua vez, posicionaram-se a favor do projeto de lei e também passaram a
liderar movimentos no Congresso Nacional e social a favor dessa alteração.
A presidenta Dilma, ao receber o projeto de lei, decidiu vetar parte deste, evitando
que a forma de divisão dos royalties do pré-sal fosse alterada. Quase que imediatamente a
esse veto, o movimento a favor do projeto de lei preparou medidas para que o veto fosse
rejeitado no Congresso Nacional e que o projeto de lei virasse lei de maneira integral. Quando
iniciados os trâmites para o agendamento da reunião de derrubada dos vetos (foi estipulado o
procedimento de urgência a esse projeto de lei), os entes contra o projeto de lei (a favor do
veto) impetraram mandado de segurança, no STF, questionando a validade da convocação da
sessão de votação do veto.
Questionava-se o ato da mesa diretora do Congresso Nacional de adotar
procedimento não previsto em regimento interno (que é adoção do trâmite de urgência ao
veto); e a violação ao artigo 66, § 4º da CF/88, que, segundo eles, determinava a apreciação
dos vetos em ordem cronológica, o que implicaria na invalidade de qualquer decisão que
determinasse a votação de um veto mais atual frente a outros três mil vetos mais antigos.
A partir desse momento, o STF passou a ser um ator político a influenciar na
tomada de decisão política quanto à alteração da regulação prevista aos royalties; ou, dito de
outra forma, passou a ter o dever e o poder de interferir no problema posto e resolver a
questão, afirmando ser tal ato (in)válido.
O STF, por meio de decisão monocrática e liminar do ministro Luiz Fux,
suspendeu o processo legislativo de votação do veto no projeto de lei dos royalties do pré-sal,
até que todos os vetos anteriores (de outros projetos de leis), ainda não votados, fossem
resolvidos de maneira cronológica (afirmava o ministro, no relatório, que haviam vetos desde
o período de Itamar Franco). A justificativa do ministro Luiz Fux foi que o artigo 66, §4º, da
CF/88, era claro ao prever que se o veto não fosse discutido em 30 dias haveria trancamento
da pauta até a resolução desse. Assim, o primeiro veto na fila impediria que qualquer outro
fosse discutido, pois a pauta do Congresso estaria suspensa. Portanto, seria necessária a
análise cronológica desses casos de veto.
20
Como se apresenta no decorrer desta pesquisa, o resultado dessa decisão foi uma
verdadeira disputa pública entre as frentes dos poderes do Estado, o Congresso Nacional (por
meio de seu presidente e líderes), o Executivo e o próprio STF.
A questão é que o STF, por meio de um único ministro, tomou uma decisão que
interferiu em todo o trabalho do poder Legislativo, causando, indiretamente, uma paralisia às
atividades do Governo. Entre dezembro de 2012 e fevereiro de 2013, os representantes dos
três poderes discutiram, via mídia, essa medida adotada pelo STF. O Congresso Nacional
deixou de votar as leis orçamentárias até que a questão fosse resolvida; os grupos a favor e
contra ao projeto de lei passaram a se manifestar de forma constante contra e a favor da
decisão; houve ameaças ao STF, por parte de parlamentares, indicando que haveria retaliações
de maneira a proibir que o STF pudesse tomar esse tipo de decisão. O Executivo passou a
manifestar-se no sentido de que o Congresso tivesse parcimônia na apreciação desse caso. O
STF manifestou-se no sentido de reafirmar a independência dos poderes e a autonomia da
Corte para decidir sobre esse tipo de ato.
A questão apenas foi amenizada em 17 de fevereiro de 2013, quando o plenário do
STF decidiu suspender a decisão liminar do ministro Luiz Fux. Com essa decisão, o
Congresso Nacional votou o veto e o rejeitou, transformando o projeto de lei, integralmente,
em lei.
Diante de fatos como esse, alguns questionamos são instintivos para quem estuda
a relação entre os poderes: como permanece a separação de poderes em casos como esse?
Qual é o limite do STF de ingerência na atividade de outros poderes? Pode o STF realizar esse
ato? Se sim, de qual forma? Por quais instrumentos? Se não há previsão para que o STF atue
no controle preventivo de constitucionalidade, qual é o arranjo jurídico que permite com que o
STF aja dessa forma? Estariam as teorias deixando de observar a participação do STF nesse
momento da produção de leis?
Essas foram algumas das questões iniciais que me indagaram a desenvolver uma
pesquisa que buscasse verificar se havia mais casos como esse, e, caso houvessem, descobrir
como estaria sendo a relação entre os poderes nesses casos.
Esta pesquisa encontrou cinquenta e cinco casos, no STF, que tratavam de algum
questionamento quanto ao veto. Esse achado, por si só, já indica que de fato há participação,
em alguns casos, do STF, nessa fase do processo de criação das leis. Esse número também
indica que, apesar de haver participação, essa não é constante, visto que ao se utilizar o
número de três mil vetos que estariam aguardando alguma resolução, que é citado no MS
31816, esses cinquenta e cinco casos seriam poucos dentro de todo universo de vetos.
21
Entretanto, mesmo que em número reduzido, os casos nesta pesquisa evidenciam que quando
levados ao Judiciário, esses casos representam reais problemas entre os poderes. E,
justamente, por ser essa uma situação excepcional, adotei essa situação como objeto de
estudo, para analisar a parte da separação dos poderes.
Ao se verificar quais sãos os arranjos jurídicos que permitem com que o STF
participe desse momento, constata-se que a questão do veto segue a tendência dos demais
casos de discussão de atos políticos, que é a previsão, pelas constituições brasileiras, de meios
e instrumentos para que o STF6 tenha amplos deveres-poderes, inclusive abarcando a
competência para julgar a juridicidade dos atos dos demais poderes do Estado. Inclusive, a
CF/88 atribui ao STF a função de ser o guardião final da constituição, em uma análise
casuística7 (artigo 102). Ao STF ficou o dever de julgar ações originárias como um órgão
especializado; julgar ações de controle de constitucionalidade stricto sensu (ações de controle
concentrado de constitucionalidade, sendo um Tribunal Constitucional); e julgar recursos
como tribunal de última instância (Corte Recursal)8. Esse conjunto de atribuições, que são
deveres, mas que representam um grande poder9, implicou um desenho institucional de
concentração de decisões nesse órgão10 (ARANTES, 2004; DIMOULIS et al., 2014;
VERÍSSIMO, 2008; VIEIRA, 2008)11.
6 O Supremo Tribunal Federal (STF) é um dos órgãos do poder Judiciário brasileiro (art. 92, Inciso I, da CF/88),
e é o órgão de cúpula desse poder, tendo a atribuição de representá-lo. A verdade é que o STF possui atribuições
de jurisdição únicas e muito amplas. Como se apresenta, o STF acaba exercendo um papel que em outros países
é atribuído a 2 ou a 3 órgãos distintos entre si (Tribunal Constitucional; Suprema Corte; órgão de jurisdição
especial). Por conta disso, diariamente, o STF lida com questões altamente complexas, tecnicamente, em termos
jurídicos, sociais, políticos, econômicos e éticos. Isso faz com que esse órgão esteja cada vez mais nos
noticiários e participando da gestão de políticas públicas. 7 Afirmo que em uma análise casuística, porque, juridicamente, o STF é o último órgão do poder Judiciário a
dizer e interpretar a constituição, o que gera, na maioria das situações, o fim de discussão para àquele caso,
quanto à constitucionalidade questionada. Contudo, entendo que aquém dessa análise casuística, pensando de
maneira macro, os demais poderes do Estado podem e devem reagir às decisões do STF e, em algumas situações,
é o que acaba ocorrendo. Neste último sentido, não cabe ao STF dar a última palavra, mas sim ser um dos
poderes a influenciar na intepretação da constituição (MENDES, 2008). 8 Função de tribunal constitucional (artigo 102, Inciso I, alíneas “a”, “i”, “p”, “q”, e § 1º da CF/888) – exerce o
controle de constitucionalidade de leis e atos normativos (tanto a nível federal quanto estadual); foro judicial
especializado (artigo 102, Incisos I, alíneas “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, “g”, “j”, “l”, “m”, “n”, “r” e III, da CF/88) –
compete ao STF processar e julgar os políticos, de nível federal, em relação a crimes; processar e julgar disputas
em torno dos atos dos poderes Executivo e Legislativo, por exemplo; tribunal de recurso de última instância
(artigo 102, Incisos I, alíneas “i”, “o”; II, alíneas “a”, “b”; III, da CF/88) – competência por dar a última palavra,
por meio de recurso, aos casos dos tribunais inferiores (VIEIRA, 2008, p. 447). 9 As atribuições destinadas aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são deveres impostos pela
constituição, devendo esses órgãos cumpri-las, mas também são poderes, pois fornecem a eles a possibilidade de
realizar atos que são custosos e importantes para o Estado e a democracia. Nesse sentido, todos os deveres são
também poderes. 10 Para Mendes e Branco, o STF destaca-se pelas suas grandes atribuições devido ao rol de instrumentos
fornecidos à sociedade, de maneira geral, para chegarem ao STF e pela competência deste para resolver as
questões que chegam. Assim, há uma caracterização do que os autores chamam de “núcleo do sistema de
controle de constitucionalidade e legitimidade de leis” ou “atos normativos e omissões inconstitucionais”. Esse
núcleo, pensando na divisão de papéis que a Corte exerce, está inserido dentro daquelas três competências, sendo
22
Os meios e instrumentos previstos para que o STF se manifeste sobre esse ponto,
a partir da CF/88, estão no artigo 102, que prevê a competência do STF de guardar, de
maneira precípua, a constituição, e que um dos meios cabíveis para isso é por meio do
julgamento de habeas corpus e mandado de segurança, que tenham como objeto atos dos
poderes Legislativo e Executivo (inciso I, alínea “d”); pelo julgamento do recurso ordinário
constitucional (inciso II, alínea “a”); pelo julgamento de recursos, de maneira ampla e
indefinida, a casos que, potencialmente, violem disposições constitucionais (inciso III).
Portanto, como afirmado, a CF/88 não adota o controle preventivo de
constitucionalidade jurisdicional, de maneira direta. Mas a interpretação desse arranjo
constitucional citado, junto ao próprio desenvolvimento desse entendimento pelo STF, cria
essa possibilidade de controle preventivo de constitucionalidade jurisdicional atípica pelo
STF.
Devido a isso, esta pesquisa constata que o STF vem desenvolvendo,
paulatinamente, as competências que lhe são atribuídas, assumindo um espaço importante
como um player relevante para a tomada de decisão política, mais especificamente, no caso
de veto12. Diante desse papel, o STF passou a ocupar uma função de destaque como potencial
balizador das regras constitucionais – inclusive daquelas definidoras do processo legislativo –
sociais, políticas e econômicas do Brasil (BOLANHA; EISENBERG; RANGEL, 2011, pp.
necessária uma leitura transversal do sistema, elencando os instrumentos que dão esse poder, ao STF, de player
do atual Estado brasileiro. O núcleo citado pelos autores é formado pelos seguintes instrumentos: (1) ação direta
de inconstitucionalidade (ADI); (2) ação declaratória de constitucionalidade (ADC); (3) arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF); (4) ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO);
(5) mandado de injunção (MI); (6) Recurso Extraordinário (RE); (7) mandados de segurança (MS) contra atos do
Presidente da República, da Mesa do Congresso Nacional, do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de
Contas da União; (8) Habeas Corpus (HC) impetrados contra atos dos tribunais superiores ou contra atos de
funcionários públicos; e os (9) Recursos Ordinários Constitucionais (ROC). E, segundo esses autores, é por meio
desse núcleo que o STF vem se constituindo como elemento central ao Estado democrático de Direito brasileiro
(MENDES; GONET BRANCO, pp. 965-971). 11 O STF, desde 1988, resolve casos emblemáticos, que vão desde a análise da validade de projetos
orçamentários, validade de planos econômicos escolhidos pelo Executivo, concessão de remédios aos cidadãos,
até a validade dos atos do poder Legislativo (desde impeachment até procedimentos de votação de projeto de
lei). Por mais que de forma estatística se possa indagar que esses casos são minorias, a representatividade e a
potencialidade de influência na sociedade, como um todo, que esses casos causam, assume grande escala se
comparados a casos em que não há uma atuação de forma incisiva. Há diversas discussões sobre quais são as
variáveis que influenciam essas alterações de posicionamentos e constante ativismo (não em um sentido
pejorativo) do STF, desde formação ideológica dos ministros até influências externas, de maneira geral. Apesar
de esse não ser o objetivo da pesquisa, destaca-se a importância de pesquisas que buscam tentar evidenciar tais
variáveis, pois com isso é possível criar modelos de análise e entendimento de uma instituição que é ativa e
importante para o Estado democrático de Direito (E.g. OLIVEIRA, 2011; RIBEIRO; ARGULHES, 2013). 12 Esse papel vem sendo discutido e pesquisado tanto na academia quanto na mídia e na sociedade. Entidades
como a Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), Fundação Getulio Vargas, Universidade de São Paulo,
entre outras, vêm dedicando núcleos para a observação dessa atuação do STF, para que seja possível
compreender, analisar e aprimorar o STF enquanto uma instituição com tamanhos poderes.
23
288-292; CUNHA; RAMOS, 2013, pp. 1-3; 9-12; VIEIRA, 2008; DIMOULIS et al., 2013, p.
7; VERRÍSIMO, 2008)13.
Dessa maneira, apesar de o veto ser um momento em que, aparentemente, é
reservado à relação entre os poderes Legislativo e Executivo, o Judiciário também passa a ser
um ator político importante a ser considerado nesse momento; ou, dito de forma mais jurídica,
o STF passa a ser um espaço aberto às discussões sobre o veto e, a partir desse
“chamamento”, esse órgão passa a poder controlar14 esse procedimento.
Saber como o STF julga as questões envolvendo o veto presidencial a projeto de
lei é a forma que escolhi para observar e analisar uma das vertentes da atuação do STF frente
à separação dos poderes. O objeto de estudo escolhido também permite refletir sobre os
limites da atuação do STF definidos pelas suas próprias decisões.
Para isso, esta pesquisa contou com universo de 55 casos julgados no STF, que
têm como discussão principal, ou acessória, o veto presidencial. Desses 55 casos, 24 são
decisões colegiadas e 31 monocráticas.
Com o objetivo de analisar cada uma dessas questões, o trabalho apresentado
possui a seguinte estrutura: no próximo item, Metodologia, em que apresento os caminhos
adotados e percorridos para a construção e a finalização desta pesquisa. Ainda no item
Metodologia, apresento a base de dados utilizada, as hipóteses e os métodos empregados. Em
O Veto na Separação dos Poderes: apontamentos jurídicos e políticos, desenvolvo a
perspectiva teórica do veto nos estudos da separação dos poderes. Em Veto Presidencial nas
Constituições Brasileiras, apresento a evolução regulamentar do processo legislativo,
especialmente do veto, e a evolução regulamentar do STF. No item O veto presidencial no
STF: uma vertente da relação entre os poderes, apresento os resultados da pesquisa a partir
do material jurisprudencial. Em O STF como player do jogo político: um estudo de caso sobre
o caso dos royalties do pré-sal, desenvolvo um estudo sobre os casos do MS 31816 e da ADI
4917, que compõem um material necessário para analisar como ocorreu um caso
paradigmático no estudo sobre a separação e a relação entre os poderes, no Brasil, em
13 Autores como Vieira (2008, p. 443-445; DIMOULIS et al., 2014, pp. 18-23), Cunha; Ramos (2014, p.1), Lima
Lopes (1994) e Veríssimo (2008), vêm demonstrando e justificando que essa ampliação de importância ocorre
por um processo de ampla inclusão de direitos na CF/88, de forma variada (individuais e sociais); pela amplitude
de acesso ao Judiciário e, principalmente, ao STF; e pela generalidade com a qual as previsões são feitas,
permitindo com que o próprio STF acabe por se autolimitar. 14 Informo que o emprego do termo controlar, nos capítulos subsequentes, está sendo utilizado de maneira
processual jurídica. Em outras palavras, há controle de um ato quando o STF entende estarem presentes os
pressupostos de conhecimento do processo e decide analisar o problema em si. Não significa que o STF decidirá
se o caso é ou não constitucional, mas significa que ele se julga competente para tomar essa decisão. Nessa
situação, portanto, há controle do ato, mesmo que o status quo da questão não se altere. O controle não é medido
pela alteração da questão discutida, mas pela sua possível análise.
24
situações que envolvem vetos presidenciais. Por fim, na Conclusão, apresento uma leitura
crítica sobre o desenvolvimento dos casos e os riscos à democracia e ao Estado de Direito em
se ter um sistema de concentração de poderes em um único órgão judiciário.
25
2. METODOLOGIA
Neste tópico apresento como foi realizada a seleção dos documentos, dos textos
acadêmicos e o quadro temporal em que este trabalho está inserido.
Esta é uma pesquisa jurídico-institucional, por estar preocupada tanto com a
descrição e análise do STF como instituição, nos casos que tratam de veto, quanto com a
interpretação e criação de regras sobre o veto pela jurisprudência do STF.
Para isso, esta pesquisa analisa um corpo empírico15 determinado, e parte de
reflexões teóricas para a sua análise. A partir da tipologia apresentada por Pires, esta pesquisa
é classificada como qualitativa de estrutura aberta (PIRES, 2010)16. Isso porque, esta pesquisa
propõe-se a analisar todos os casos que resultaram da busca sobre veto presidencial e propõe-
se, a partir do corpo empírico, a fazer contribuições tanto para a própria empiria quanto para a
teoria.
Uma pesquisa qualitativa de estrutura aberta permite ao pesquisador uma
operação denominada de “pinça”. A analogia é de que, assim como uma pinça (objeto), este
tipo de pesquisa tem entre as suas duas pontas o objeto de análise, que é o corpus empírico, e
cada uma destas pontas representa um enfoque analítico diferente, mas que se complementam.
Um lado corresponde ao nível teórico e o outro ao nível empírico (Idem, p. 162).
Significa dizer que este tipo de pesquisa tem como base analítica um corpo
empírico, mas que é observado e destacado por conta de opções teóricas feitas pelo
pesquisador; e isso permite com que o pesquisador contribua com reflexões teóricas a partir
da análise dos dados da pesquisa. Essas reflexões buscam conferir o que os autores vêm
produzindo sobre as perspectivas da pesquisa (no caso, a visão do STF nesse momento da
15 Existem muitas discussões epistemológicas e metodológicas sobre a caracterização das pesquisas empíricas na
área das Ciências Sociais. Não é objetivo desta pesquisa tratar, exaustivamente, do assunto. Contudo, é relevante
mencionar a posição que se adota sobre uma questão em particular: uma investigação empírica pode ser baseada
em documentos que representam determinada produção humana ou, na verdade, estariam os trabalhos empíricos
reservados, exclusivamente, à análise in loco dos atos estudados? Nesta dissertação, emprega-se a expressão
“trabalho empírico” como aquele que tem como objetivo a análise de determinada produção humana em ambos
os casos, isto é, tanto por meio de documentos quanto por meio de técnicas de observação in loco. Entende-se
que a melhor caracterização de uma pesquisa como empírica resulta dos objetivos e do método empregado pelo
pesquisador na sua investigação, e não o material de análise. Portanto, sob essa perspectiva, esta dissertação seria
uma pesquisa empírica porque está preocupada com a análise institucional do STF, realizada por meio das suas
decisões, que são os acórdãos, e os demais documentos aqui utilizados (documentos do poder Executivo quanto
ao veto e documento do poder Legislativo em relação aos projetos de leis). 16 Segundo Pires, uma pesquisa qualitativa de estrutura aberta propõe-se a analisar toda a sua população (todo
seu corpus empírico) sem ser necessária a retirada de uma amostragem estatística representativa deste corpo
empírico (generalização empírica). O que é diferente da pesquisa qualitativa de estrutura fechada, que extrai um
número representativo da sua população de análise, para, posteriormente, fazer generalizações (PIRES, 2010, pp.
154-207).
26
separação dos Poderes e levantar o estado da arte) e verificar se os dados empíricos podem
contribuir para a discussão. A contribuição pode ser: (a) apresentar questões não observadas
pela teoria; (b) questionar questões apresentadas como verdades absolutas e; (c) confirmar a
percepção da teoria sobre esses fatos.
Por isso que este tipo de pesquisa pode ser denominada como pinça, pois assim
como este objeto, o movimento de um lado não é sobreposto ao outro, ambos desenvolvem-se
juntos e mantêm o objeto firme.
Este trabalho partiu das inquietações iniciais que foram apresentadas na
introdução. Aquelas foram aperfeiçoadas para as seguintes questões:
(a) Como o STF julga casos relativos a veto presidencial? Há tendência a julgar
a favor do poder Executivo ou do Legislativo ou ainda do cidadão? As questões
são respondidas de imediato ou há um vácuo entre a propositura e a primeira
decisão?
(b) O STF, ao julgar esses casos, acaba criando procedimentos ao processo
legislativo? Se sim, este é um pedido da parte, ou é feito de ofício? O STF pode
ser classificado como apaziguador do suposto problema relacionado ao veto? Se
sim, de qual forma? Há alguma técnica de procedimento de deliberação
específica, do STF, para estes casos? O STF é coerente e transparente em sua
jurisprudência quanto às situações em que exercerá ou não controle deste tipo de
questionamento? É possível afirmar que há algum tipo de interação entre os
poderes nessa situação?
Contudo, com o desenvolvimento da pesquisa, outras perguntas surgiram e foram
incorporadas à pesquisa:
(c) Há diferença de tratamento do veto analisado no Direito e o veto analisado
na Ciência Política? Como é descrita a participação do Judiciário neste momento?
(d) O STF de fato influi no desenvolvimento do instrumento jurídico-político
veto? Com base nesses casos analisados, é possível falar que a atuação do STF
auxilia no desenvolvimento das instituições e regras democráticas, permitindo um
aperfeiçoamento?
A partir dessas perguntas e das percepções iniciais da pesquisa – portanto, as
hipóteses são as mesmas desde o projeto de pesquisa inicial – foi possível desenvolver as
seguintes hipóteses de trabalho:
O STF tende a não decidir o mérito do pleito envolvendo o veto. Isso ocorre
por meio de manifestação tardia no processo, e a consequência é a perda do objeto
27
e o arquivamento do processo. Isso revela a tendência de favorecimento ao autor
do caso (favorecendo o poder Executivo ou o Legislativo).
Mesmo não decidindo o mérito da questão, o STF cria procedimentos
legislativos (de forma obiter dictum17) ao justificar o porquê desse não
julgamento. Essa justificativa de não julgamento evidencia o posicionamento da
Corte em casos futuros (independente de decidir o mérito ou não, do caso futuro).
Por isso, o resultado é a criação de uma regra, mesmo que informal, sobre aquela
situação. Em geral, esse pedido é feito pelo pleiteante, para que se crie uma regra
previsível.
O STF não é coerente com suas próprias decisões, alterando o entendimento
quanto à determinada questão, sem fazer esforço argumentativo de superação de
casos anteriormente julgados de maneira diferente.
Observe-se que não adiciono hipóteses que se referem, (in)diretamente, ao
conjunto de pesquisas “c” e “d”, porque essas perguntas não foram desenvolvidas antes do
término da pesquisa, portanto qualquer insinuação ou construção de hipótese já representaria
o resultado final da análise do material.
A seguir apresento quais e como foram escolhidos os documentos para responder
às questões apresentadas.
2.1. Método interpretativo dos fatos: a construção da lente de observação da
pesquisa
Esta pesquisa está inserida em um campo específico, que é o Direito e
Desenvolvimento (D&D) do mestrado da FGV Direito SP.
O campo do D&D está em construção e passou por ao menos dois grandes
momentos de instabilidade e reformulação dos pensamentos organizadores dessa área. De
maneira geral, esse campo preocupa-se, desde meados de 1950, em descrever, analisar e criar
ferramentais que pudessem analisar como o Direito influencia no Desenvolvimento
(econômico, social, político, cultural) e como este, por sua vez, influencia no Direito.
17 Obiter dictum refere-se à parte da decisão que não contém a razão de decidir (ratio decidendi) do julgador, ou
seja, parte da decisão que contém informações de construção, não sendo o núcleo da razão de decidir.
28
Pode-se dizer que o D&D passa a ser uma preocupação latente, consciente e
classificada como tal, em meados de 1970, com autores como Trubek (1972, 2007, 2013),
Cardoso (1980), e ao decorrer do tempo com autores como Sen (1999), Nussbaum (1999),
Tamanaha (2009), Prado (2010), Schapiro (2010, 2013), Trubek e Schapiro (2012). A
pergunta fundamental desse campo é: como o Direito pode contribuir ou impedir o
Desenvolvimento de um Estado (PRADO, 2010; GUIMARÃES, 2013; GIOVANELLI, 2014,
pp. 19-28)18.
De início, acreditava-se que existia um desenvolvimento pré-estipulado e
almejado por todos, que era o desenvolvimento dos países chamados de primeiro mundo.
Dessa forma, objetivava-se auxiliar com que o Estado se desenvolvesse por meio de regulação
jurídica, objetivando o paradigma do Estado desenvolvido. Este modelo falhou por diversas
justificativas, e entre elas, a constatação de que os modelos jurídicos e as instituições quando
importadas e não adaptadas, ou pensadas, para o local de instalação, não são suficientes para
alcançar o objetivo, devido às diferenças estruturais, sociais e culturais entre esses Estados
(SCHAPIRO; TRUBEK, 2012; GALANTER; TRUBEK, 2007, p. 275-276).
Após a crise do modelo anterior, acreditou-se que a menor interferência do Estado
na economia, e a chamada liberalização da economia para o setor privado, permitiria com que
o desenvolvimento fosse estipulado pelos atores privados, pois foi o modelo de ingestão
estatal que teria gerado a falha no objetivo de desenvolvimento. Contudo, esse sistema
também não atingiu a sua finalidade, por ser o Estado necessário em diversos pontos para
potencializar esse desenvolvimento, como no estímulo econômico e na prestação de serviços
que não atraem interesse privado.
O atual modelo, que parte dos autores desse campo acreditam estarmos vivendo, é
o do “novodesenvolvimentismo”, em que, diferente dos anteriores, não se tem definido qual
desenvolvimento se busca (pontos de chegada), mas apenas os pontos de partida. Nesse
sentido, busca-se identificar os objetivos iniciais das medidas de políticas públicas, mas que
serão adaptados por meio interações sociais, econômicas, culturais, entre outras, de maneira
randômica. Portanto, o planejamento nessa fase é de identificar o estado da arte do
18 Essa preocupação surge quando esses autores começam a analisar e concluir que muitas das características de
desenvolvimento econômico dos Estados transpassavam pela regulação jurídica da sociedade e da economia.
Essa inquietação insere-se juntamente no momento em que as Ciências Humanas (Ciências Sociais e Economia)
passam a preocupar-se com o impacto e a importância das instituições na coordenação e influência às condutas
sociais (sociedade, mercado e outras organizações), esse movimento é denominado de neoinstitucionalismo. O
jargão de impacto desse período é: as instituições importam. O Direito, enquanto uma instituição social, também
passa a ser analisado nessa relação entre sociedade, economia e comportamentos, acreditando-se que aquele (o
Direito) pode influenciar no comportamento de ambos (sociedade e economia) e, por isso, auxilia ou impede o
Desenvolvimento.
29
desenvolvimento de que se está partindo e permitir com que a sua definição seja alcançada ou
aperfeiçoada com o aprimoramento das políticas e das relações sociais, culturais e
institucionais (TRUBEK; SCHAPIRO, 2012).
Além disso, a partir desse momento, autores como Sen e Nussbaum passam a
questionar os pontos e objetivos que se pretendem com o desenvolvimento. Seria o
desenvolvimento uma análise e busca exclusivamente econômica? Ou haveriam outras metas
tão importantes quanto a do desenvolvimento econômico, inclusive que mereceriam ser
analisadas? Sen foi responsável pelo desenvolvimento do Índice de Desenvolvimento
Humano, que tem como objetivo, a partir de três indicadores, averiguar qual o
desenvolvimento social (saúde, educação e renda). Nussbaum, por sua vez, prevê a
necessidade de aprimoramento das capacidades humanas, para que se análise o
desenvolvimento.
De maneira sucinta, esses dois intelectuais abriram a análise do desenvolvimento
para a perspectiva social. Autores como Limongi (1999) relatam a discussão de
desenvolvimento, abarcando a qualidade das instituições democráticas e da própria
democracia19. Ou seja, além do desenvolvimento social e econômico, é elencada mais uma
perspectiva de desenvolvimento que precisa ser pensada e analisada, para que se tenha um
Estado democrático de Direito melhor. Portanto, Desenvolvimento passa a ter diversas
perspectivas analíticas diferentes e importantes, o que aumenta o entendimento de que há
pontos de partida, mas não de chegada, devido à complexidade com a qual vivemos na
sociedade.
Em termos de técnica de pesquisa, esse campo defende que os métodos
tradicionais do Direito brasileiro não são capazes de identificar ou aproximar o Direito da
realidade. A complexidade das relações sociais exige abertura e diálogo entre as diversas
áreas do conhecimento, para que se consiga desenvolver uma análise mais robusta e real do
problema paradigma.
19 Para fins de leitura e compreensão desta pesquisa, é necessário adotar como definição de instituições o
seguinte: instituições são organizações, formais ou informais, que, potencialmente, geram regras ou conjunto de
regras que influenciam o comportamento de um sujeito por meio de estratégias pensadas para isso (por outros
sujeitos). Ou, ainda, que influam por meio de símbolos, conjuntos familiares de moral e cognições. Portanto, é
necessário adotar a ideia de que as instituições são um processo de fornecimento de modelos analíticos sobre a
interpretação e ação no mundo, que também passa por análise desses próprios modelos e que vão se
autoalimentando. Dentro das correntes de neoinstucionalismo, há a discussão se instituição é apenas um órgão
criado, conscientemente, a partir de escolhas coletivas, e que tem como objetivo consciente produzir regras que
influem no comportamento do indivíduo; ou se pode considerar que elementos até então aceitos como
culturais/tradicionais, como família, símbolos, tradições comunitárias, ou seja, não necessariamente racionais no
sentido de pensados por um grupo de pessoas que objetivam gerar regras, podem ser chamados de instituições
(HALL; TAYLOR, 2003, pp. 212-223).
30
Como apresentado, Desenvolvimento, hoje, abarca mais do que a concepção
econômica, defendendo-se que é necessário pensá-lo em diversas outras perspectivas da
sociedade, como em termos educacionais, culturais, lazer, institucionais e políticos. Este
último desenvolvimento defendendo que a qualidade das instituições de um Estado
democrático de Direito (Rule of Law) é essencial para se atingir a potencialidade dos direitos e
deveres garantidos e almejados.
Nesse sentido, conhecer e analisar como as instituições públicas e privadas
aprimoram seus papéis sociais e influem no desenvolvimento da qualidade da democracia, do
Estado e da sociedade é de extrema relevância para esse campo.
Dentro das perspectivas e da complexidade apresentadas está inserido o Mestrado
Acadêmico da FGV Direito SP, que tem como eixo central a área D&D. Essa instituição
divide o eixo em duas linhas de pesquisas: (i) Instituições do Estado Democrático de Direito e
Desenvolvimento Político e Social; (ii) Direito dos Negócios e Desenvolvimento Econômico
e Social.
O primeiro eixo, (i) Instituições do Estado Democrático de Direito e
Desenvolvimento Político e Social, engloba pesquisas que tenham enfoque em pensar como o
Direito se relaciona com as demais instituições do Estado democrático de Direito e como isso
auxilia ou impede o processo de desenvolvimento. Este podendo ser um fim social em si
mesmo, ou o desenvolvimento das próprias instituições permitindo a melhoria da democracia.
As pesquisas aqui alocadas analisam tanto o desenvolvimento de direitos e
aplicação desses aos cidadãos quanto o funcionamento das instituições, as suas próprias
organizações internas e o papel das pessoas nessas instituições. Ou seja, são pesquisas que
podem ser chamadas de jurídico-institucionais, pois estão preocupadas em analisar a
racionalidade jurídica interna (o direito material em si) de criação e aplicação do Direito,
assim como podem estar preocupados (de maneira cumulativa ou não) em analisar como as
instituições jurídicas e políticas se organizam por influência do Direito e como essas vêm
exercendo as suas funções, e o inverso também.
O segundo eixo, (ii) Direito dos Negócios e Desenvolvimento Econômico e
Social, tem como fio condutor a observação de como o Direito se relaciona no
desenvolvimento dos negócios e das instituições pertencentes a essa seara, sejam elas públicas
ou privadas, e como essas instituições e o Direito auxiliam no desenvolvimento.
As pesquisas que se encaixam nessa linha, em sua maioria, são aquelas que
analisam como o Direito influencia ou pode influenciar no aprimoramento do mercado. A
31
separação entre as duas linhas é tênue e a ideia é que assim seja, pois o que a define é a
perspectiva utilizada pelo pesquisador.
A presente pesquisa adota tais perspectivas desde sua concepção até a sua
execução e conclusão. Dessa forma, essas premissas epistemológicas e metodológicas é que
permeiam este trabalho. Em termos conceituais, esta pesquisa está inserida na primeira linha
de pesquisa do Programa de Mestrado Acadêmico da FGV Direito SP, por contribuir para
discussão quanto a integridade e qualidade das instituições democráticas brasileiras.
Isso porque, esta pesquisa analisa uma instituição importante e fundamental para o
atual Estado democrático de Direito brasileiro, que é o STF, órgão representante do poder
Judiciário e responsável por garantir a juridicidade dos atos dos demais poderes e de diversas
outras instituições democráticas do Brasil. Esta pesquisa analisa como o comportamento do
STF promove o (des)equilíbrio entre os poderes do Estado, nos casos envolvendo veto e,
também, busca fornecer contribuições para o pensamento quanto o aprimoramento dessa
instituição para uma melhor integração da democracia.
Não só isso, mas este trabalho também analisa como uma norma ou um valor
importante e essencial para o Estado democrático de Direito, que é a separação dos poderes,
funciona na prática, a partir do desenho institucional adotado nas constituições brasileiras,
mas, principalmente, na atual constituição. Para isso, foca-se a análise em um instituto
representativo e delineador desse valor, que é o veto presidencial a projeto de lei, a partir das
diversas perspectivas que esse instituto pode ter: Filosofia Política, Ciência Política e Direito
e Legística. Para cada uma dessas áreas o veto representa o mesmo momento no processo
legislativo de criação de leis, mas que pode indicar percepções diferentes sobre os fatos
contidos nesse momento.
Por conta disso que este trabalho está inserido nessa linha de pesquisa do campo
de D&D.
Para conseguir desenvolver aparatos analíticos, utilizei perspectivas de áreas de
conhecimento distintas, mas que são complementares, por dois motivos. O primeiro, porque
esta pesquisa não tem o condão de ser analítica teórica, mas de ser uma pesquisa de estrutura
aberta, como apresentado no tópico anterior. Segundo, porque o D&D exige essa
permeabilidade e abertura do Direito a outras áreas, para que se consiga alcançar uma análise
mais concreta e próxima à realidade do problema analisado.
Dessa forma, há vasta bibliografia tratando de separação dos poderes nas Ciências
Sociais, Filosofia Política e no Direito e há alguns poucos trabalhos tratando do veto, em
ambas as áreas citadas. Contudo, nenhuma bibliografia faz uma análise na perspectiva desta
32
pesquisa, que é de analisar a participação do Judiciário em um momento, teoricamente,
reservado à política, que é o veto. Essa análise proposta gera contribuições para essas áreas
que analisam a separação dos poderes e o veto, pois traz elementos novos para reflexão
quanto ao papel do Judiciário nesse momento e o aprimoramento da instituição para a
democracia.
Por esse motivo, as análises feitas nesta pesquisa são reflexos da percepção dos
dados para a discussão sobre o papel do Judiciário nesse momento específico da separação
dos poderes. A teoria não é utilizada para confirmar ou superar conclusões práticas; pelo
contrário, as conclusões práticas são utilizadas para levantar reflexões para essas áreas, sem o
condão de superar uma afirmação. Nesse sentido, conforme dito sobre o papel da pesquisa de
estrutura aberta na seara da teoria, esta pesquisa busca apresentar questões não observadas
pela teoria.
Portanto, os métodos adotados nas Ciências Sociais, na análise do veto e da
interação entre os poderes não são reproduzidos nesta pesquisa, mas os resultados podem
influenciar aos que adotam essas técnicas; e no Direito, busca-se contribuir para a falta de
análise detida quanto a este instrumento e quanto ao papel do Judiciário nele.
Uma explicação detalhada dessas distinções é feita no capítulo 3 desta pesquisa.
A seguir, apresento os métodos concretos utilizados nesta pesquisa. Em outras
palavras, apresento quais foram os métodos aplicados para a seleção, análise e sistematização
dos documentos.
2.2. Método concreto: a construção do objeto da pesquisa
A pesquisa nas áreas sociais ou humanas, aqui incluo o Direito, tendem a envolver
entendimentos de realidade a partir de diversas premissas e influências do pesquisador. Por
isso, as pesquisas nessas áreas devem conter toda a descrição da seleção dos elementos que
estão sendo analisados e de todos os métodos utilizados para a análise; para que essa pesquisa
possa ser reconstruída e confirmada (ou refutada), por àqueles que tenham interesse, pois toda
pesquisa tem de ter a possibilidade de reprodução.
Pires (2010, p. 54) ressalta isso, afirmando que para que o discurso metodológico
não seja um reservatório de ideologias de falsa consciência e de “verdade se construindo”, é
33
necessário fazer registros das escolhas e caminhos percorridos pelo pesquisador, a fim de se
evitar uma falácia argumentativa de verdade.
Por conta disso, apresento os registros, de forma organizada, das escolhas e
caminhos percorridos, nesta pesquisa, e, em seguida, apresento o desenvolvimento da análise.
O corpo empírico deste trabalho são documentos jurisprudenciais (casos),
arquivos digitais que representam projetos de leis e leis (projetos de lei – PL) e arquivos
digitais que contêm as justificativas dos vetos presidenciais a projetos de leis (justificativa do
veto).
O primeiro grande objetivo da pesquisa é descrever e analisar a atuação do STF
em casos que envolvam veto e conseguir identificar, a partir deles, como o STF se relaciona
com os demais poderes do Estado; e o segundo, a partir do desenvolvimento do primeiro
objetivo, é analisar quais são as regras criadas pelo STF na delimitação do papel dos poderes
Executivo e Legislativo, ao decidir esses casos de veto, bem como os limites criados pelo STF
quanto a sua própria competência para julgar esses casos.
Diante desses objetivos, o primeiro tipo de documento escolhido são os casos, no
STF, que tratam de discussões relacionadas a veto. Portanto, os primeiros documentos
selecionados foram os autos eletrônicos do STF, por meio do sítio do STF e com a utilização
das ferramentas fornecidas neste local20. Utilizei para fazer as buscas a opção jurisprudência,
pesquisa livre, e fiz buscas com palavras-chaves em dias diferentes21.
A técnica de utilização de palavras-chave diferentes foi empregada para alcançar o
maior número possível de casos; e em dias diferentes, por conta de o grande número de casos
que retornavam da busca, o que impossibilitava com que eu encerrasse a busca no mesmo dia.
Informo que utilizei apenas um termo final para as buscas; nesse sentido, apenas
fiz buscas até o dia 03 de março de 2015, não havendo determinação de termo inicial de
busca. Isso porque, o objetivo da pesquisa é verificar como o STF vem julgando essas
questões e analisar transformações e criações de regras. Assim sendo, não limitar as buscas a
um período permite fazer comparações, como verificar os possíveis diferentes
posicionamentos da Corte, conforme o período histórico.
20 Atualmente, a área acadêmica do Direito vem se preocupando com a qualidade das produções científicas, em
termos de rigorosidade de métodos. Vêm sendo produzidos diversos artigos sobre a confiabilidade de sítios
eletrônicos de jurisprudência, apresentando desde a sua construção até a sua reposição. Além disso, também vêm
sendo desenvolvidas técnicas de leitura para se conseguir extrair o melhor resultado possível desse tipo de
documento, sem que sejam feitas generalizações indevidas sobre o material. A fim de exemplo, veja Klafke,
2015. 21 Sítio do STF, campo pesquisa livre de jurisprudência: <
http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>.
34
Na tabela a seguir, elucido as palavras-chave de busca utilizadas, os dias, a
quantidade de casos que retornaram a cada busca e o número final destes. Além disso, anexo,
ao final desta pesquisa, a tabela final de casos que apareceram nas buscas (Apêndice I) – tanto
os selecionados quanto os descartados.
Tabela I – Seleção dos Casos
ORGANOGRAMA DE BUSCA DOS CASOS
Dia da Busca Palavras-chave de Busca Resultada da Busca Casos Selecionados (não repetidos)
08 de Novembro de 2014; 25 a 27 de fevereiro de 2015
veto adj1 presiden$22 • Acórdãos: 9; • Decisões Monocráticas: 52; • Decisões da Presidência: 3; • Questão de Ordem: 2. Total: 66 casos
• Acórdãos: 4; • Decisões Monocráticas (incluindo as da presidência): 30 + 2 citados por outros casos. Total: 36 casos
01 de Março de 2015
interna adj1 corporis e veto23
• Acórdãos: 1; • Decisões Monocráticas: 5; • Decisões da Presidência: 1. Total: 7 casos
• Acórdãos: 0; • Decisões Monocráticas (incluindo as da presidência): 1. Total: 1 caso
01 de Março de 2015
veto prox2 (lei ou projeto)24
• Acórdãos: 36; • Decisões Monocráticas: 15; • Repercussão Geral: 1. Total: 7 casos
• Acórdãos (incluindo repercussão geral): 11; • Decisões Monocráticas: 2. Total: 13 casos
03 de Março de 2015
vet$ prox2 (president$ ou lei ou projet$ ou execut$)25-
26
• Acórdãos: 61; • Decisões Monocráticas: 152; • Decisões da Presidência: 6; • Questão de Ordem: 3; • Repercussão Geral: 1. Total: 66 casos
• Acórdãos (incluindo repercussão geral): 7; • Decisões Monocráticas (incluindo as da presidência):2. Total: 9 casos
Entre todos os dias anteriores
Só casos citados por outros casos e não retornaram em
• Acórdãos: 21; • Decisões Monocráticas (incluindo as da presidência): 14. Total: 33 casos
• Acórdãos: 2; • Decisões Monocráticas 1. Total: 3 casos27
22 veto adj1 presiden$ – o operacional de busca “adj1” significa que serão buscados casos que tenham citado, em
algum de seus campos de dados, as palavras “veto” e “presiden$” em uma variação de no máximo uma palavra.
E o operacional de busca “$” averigua variações a partir do radical citado antes dele (presidencial; presidente;
presidência...). Ou seja, ele buscará frases nos casos que tenha exatamente a seguinte citação: “veto presiden$ ou
presiden$ veto”. Por isso escolhi essa chave, pois era o que procurava nos documentos. 23 interna adj1 corporis e veto – o operacional de busca “adj1” foi utilizado pela explicação do tópico anterior. O
termo interna corporis foi utilizado, porque muitos casos que tratam de processo legislativo – e veto presidencial
é uma fase deste – citam esse termo. Utilizei a conjunção “e” para que ele me retornasse apenas casos que além
de citar interna corporis também tivessem alguma questão relacionada a veto. 24 veto prox2 (lei ou projeto) – o operacional “prox2” busca as palavras citadas em um espaço de até duas
palavras. Ou seja, ele busca as palavras selecionadas na variação de espaço de uma a duas palavras. Os
“parênteses” e a conjunção “ou” permitem que a busca seja feita tanto com um termo quanto por outro. Desta
forma, retornam buscas que contenham, sempre: veto “qualquer palavra” lei ou projeto. A escolha por essa chave
deu-se por ter verificado que, por vezes, a questão do veto era citada como veto a lei, ou veto do presidente, ou
veto do projeto, entre outras variações. 25 vet$ prox2 (president$ ou lei ou projet$ ou execut$) – os operacionais presentes nesta chave foram explicados
nos tópicos anteriores. Optei por adicionar esta chave para ser possível ampliar o rol de variações que o tema
“veto presidencial” aparece nas decisões, ora como veto do presidente, da lei, do projeto, do executivo, além de
outras variações. 26 Não realizei uma busca com a chave “vet$ e (presiden$ ou lei ou projet$ ou execut$)”, porque o operacional
“e” expandiria para uma procura a qualquer parte do documento. Destaco que as partes que são feitas as buscas
pelo site são: Nome e Número do Caso; Relator; Relator para acórdão; Julgamento; Órgão Julgador; Processo
Eletrônico; Parte(s); Ementa; Decisão; Indexação; Legislação; Observação; e Doutrina. Isso significa, que se
tivesse qualquer radical com “vet” e algum dos outros radicais destacados, em qualquer uma dessas partes, como
no campo “parte” (por diversas vezes o presidente é citado como parte do processo), retornaria como resposta à
busca. Isso expandiria a pesquisa para um número de mais de dois mil e cem casos. O que tornaria a filtragem
praticamente impossível. Além disso, seria um desperdício de tempo, pois as chaves anteriores são capazes de
buscar as variações de posições máximas que uma citação de veto presidencial poderia ter.
35
nenhuma chave de busca
TOTAL Total: 282 casos Total (universo): 62 casos Tabela 1 - Seleção dos Casos. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice I.
A pesquisa realizada na página do STF, na internet, possibilitou ter acesso a todos
os casos envolvendo veto, disponíveis no sítio eletrônico, como acórdãos, decisões
monocráticas, decisões colegiadas, decisões presidenciais, repercussão geral, questão de
ordem e informativo28. Retornou dessa busca o número de 282 casos que tinha, em alguma
parte do documento, as palavras-chave utilizadas.
Portanto, o primeiro método para seleção dos casos foi a construção de códigos de
busca para filtrar casos que, potencialmente, interessariam à pesquisa.
O segundo método de seleção, para atingir a potencialidade desses casos
previamente selecionados (282), foi a tabulação geral das informações básicas que
interessavam para o prosseguimento da pesquisa. A tabulação, que está disponível no
Apêndice I, contou com colunas que representavam informações objetivas extraídas da leitura
da ementa, para auxiliar na terceira fase da seleção dos documentos (leitura do inteiro teor do
casos).
Nessa segunda fase, os casos tiveram a ementa lida, e a partir dessa leitura prévia
foram selecionados 62 casos (vide Apêndice I). A seleção apenas pela leitura da ementa foi
suficiente para alcançar o primeiro número real de casos que tratavam, em algum momento,
de veto. Os casos que foram excluídos tratavam de veto relacionado ao Judiciário ou
relacionado a pessoas jurídicas, mas não ao veto presidencial a projeto de lei, como também
está demonstrado e relatado no Apêndice I.
A terceira fase contou com a leitura do inteiro teor dos 62 casos do universo de
pesquisa, lidos com auxílio de uma codificação por mim desenvolvida e que está melhor
detalhada nos parágrafos abaixo e nos documentos do Apêndice II.
Após o fim da terceira fase de seleção (e já extração de resultados) foi possível,
ainda, excluir 7 casos por não tratarem de veto ou por não se referirem a veto enquanto
atividade do presidente da república, no processo legislativo. Assim o número final de casos
ficou em 55.
27 Há diversos casos que aparecem com mais de uma chave de busca – e estão, devidamente, indicados no
Apêndice I – e, que, como identificados na Tabela I, não foram adicionados como casos novos para fins de
contagem, pois já estavam inseridos na pesquisa, de qualquer forma. Além disso, há casos que citam outros casos
no campo observação. Averiguei todos os casos citados por esses e adicionei esta observação no Apêndice I.
Dessas citações, apenas uma não foi encontrada por nenhuma chave de busca e, este caso encontra-se,
devidamente, indicado no Apêndice I. 28 As buscas foram feitas com a opção “todos os casos” selecionada.
36
Com a definição da “população” da pesquisa e o tratamento inicial dos dados,
desenvolvi uma codificação de leitura dos casos selecionados.
Criei tópicos objetivos no fichamento para conseguir extrair informações
necessárias para responder às questões desta pesquisa e para conseguir operacionalizar os
casos de forma mais simples para a análise qualitativa desses dados.
A codificação criada foi desenvolvida em arquivo Word, por meio de tópicos
objetivos e diretos que continham os pontos necessários para a extração das informações úteis
dos casos para responder às questões. Os tópicos contêm as seguintes informações (Apêndice
II e Apêndice III):
Preâmbulo: o objetivo deste tópico é qualificar cada caso com as suas
respectivas informações.
Contém as seguintes informações: principal discussão, nome do caso e número;
relator; partes; datas do julgamento e da publicação; fatos; pleito da parte;
resposta da parte questionada.
Informações extras STF: o objetivo é buscar informações e outros
documentos que não estão disponíveis no STF, mas que são úteis para a análise e
entendimento do caso. Neste tópico que foram analisados os outros dois
documentos utilizados na pesquisa (projetos de lei e justificativas de vetos).
Contém as seguintes informações: qual era o número do Projeto de Lei e tema?;
virou lei: (sim ou não) se sim, qual?; justificativa do veto presidencial;
manifestação do congresso: (sim ou não) informar qual foi a manifestação29;
tempo entre o pleito e a decisão: (em anos)30 eventual justificativa pelo tempo; há
notícias ou manifestações sociais quanto a este caso: verificar se a mídia tratou da
questão31.
STF: separei os argumentos dos ministros em tópicos para avaliar quais são as
justificativas para julgamento do caso. Além disso, busquei analisar se era
possível afirmar que a decisão criava uma regra para o processo legislativo.
29 As manifestações foram selecionadas tanto dentro do processo quanto no andamento do projeto de lei. 30 Alguns casos não contêm a data da propositura da ação, em sua maioria, tratam-se de casos anterior à CF/88.
Dessa forma, como a pesquisa não tinha o intuito de medir precisão temporal de decisão, utilizei uma técnica não
exata de conferência mínima desse período. A primeira, era verificar se nos próprios autos os ministros não
citavam o tempo de duração entre a propositura e a decisão. A segunda, era verificar a data da lei, porque a
maioria dos casos questionavam o ato do veto, portanto que é anterior à lei, só podendo os casos terem ocorrido
antes da lei. Dessa forma, utiliza-se a data da lei, para chegar a essas informações. Contudo, em alguns casos não
foi possível chegar a nenhuma dessas informações por meio dessas técnicas. Esses casos não tiveram a sua
média temporal analisada. 31 Com o decorrer da pesquisa esses dois últimos pontos acabaram caindo em desuso.
37
Coloquei que “cria regra” quando era possível extrair alguma interpretação de
norma que deva ser aplicada ao processo legislativo. Ao final da pesquisa, acabei
por ampliar a pergunta para se havia também criado regra processual para o
próprio STF32. Outro tópico importante, que acaba por testar o anterior, é o que
classifica se o caso é ou não precedente. De imediato marcava o caso com a opção
“não sei”. Quando algum outro caso o citava, então marcava que criava o
precedente e verificava se os elementos que elenquei como regra, do caso
precedente, são os elencados pelo próprio STF no caso em análise33.
Contém as seguintes informações: decisão: (a favor ou contra o pleiteante)
fundamentos e decisão; votos individuais dos ministros: (a favor ou contra o
pleiteante) fundamentos e decisão; cria-se uma regra ao processo legislativo: (sim
ou não) se sim, qual foi a regra; consegue-se observar, de alguma forma, que esta
regra criada vem sendo seguida nos demais casos?; cria-se um precedente 34: (sim
ou não) se sim, qual é a regra? Ela sempre vem sendo seguida nos casos
similares?
Análise: neste bloco fiz análises além dos casos. Classifiquei como se “houve
interação” ou “não” entre os poderes. Interação aqui interpretada como atividade
necessária na separação dos poderes, encaixando-se dentro da análise de relação
institucional entre os poderes. Dessa forma, em praticamente todos os casos há
interação, pois a existência da própria demanda judicial representa a ocorrência
formal dessa interação ou relação entre os poderes. Contudo, incialmente, apenas
marcava como existente a relação, se verificada a participação dos três poderes e
presente as manifestações desses (tanto nos autos quanto por meio dos outros
documentos utilizados na pesquisa). Marquei como “não” nos casos em que a
ação não foi conhecida, pois não houve espaço para manifestação da outra parte,
ou em casos em que só havia um dos poderes figurando. Ao final da pesquisa,
32 A ideia, inicialmente, era observar como o Legislativo ou o Executivo reagiram à regra (do processo
legislativo e processo jurídico) e identificar se esses poderes a seguiam, contudo, com o desenvolver da pesquisa,
verifiquei que não haveria tempo hábil para concluir esse ponto e abandonei a ideia. 33 Este tópico também acabou caindo em desuso, porque durante a pesquisa verifiquei que não segui de forma
estrita essas indicações. Por isso acabei utilizando esse tópico quando uma decisão cita a outra, ou, mesmo sem
citar, chega ao mesmo resultado que àquela. 34 Precedente no sentido de estar sendo utilizado como um caso que gera regras ao próprio STF e, por isso, é
replicado em processos similares.
38
ampliei para também considerar interação quando só houvesse o Judiciário e
apenas um dos poderes35.
Contém as seguintes informações: a partir das informações coletadas, é possível
afirmar que há interação entre os poderes: (sim ou não) por quê? Observações.
Esses pontos foram suficientes para conseguir abarcar informações para responder
às perguntas desta pesquisa, além de ter gerado diversas outras suscitações para pesquisas
futuras.
O segundo método utilizado para extração de resultados do material selecionado
foi a tabulação das informações extraídas pela leitura codificada dos dados, mais algumas
condificações extras que permitiram uma melhor sistematização de informações. Dessa
forma, além das informações já citadas, colunas como “instrumento utilizado”, “casos
citados”, “houve controle do caso?”, entre outras, foram adicionadas, conforme pode ser
observado no Apêndice IV.
A fim de começar aproximar os leitores aos resultados obtidos por meio desses
métodos, apresento a Tabela II, que contém informações gerais sobre os casos, que são
pautadas no Apêndice IV. A tabela a seguir informa o número de casos por instrumentos
processuais utilizados, a quantidade de decisões colegiadas e monocráticas, e a quantidade de
casos que foram considerados “preenchidos os pressupostos da ação” e passível de análise de
mérito (controle da questão)36.
Tabela II – Informações Gerais
Dados Gerais dos Casos por Tipo de Instrumento
Informações/instrumentos
Mandado de Segurança (MS) e Recurso (RMS)
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
Recurso Extraordinário (RE)
Recurso Criminal (RC)
Representação (Rp) TOTAL
Número de Casos 34 5 4 6 1 5 55 Número de Casos com decisão colegiada 8 3 1 5 1 5 23
Número de casos com decisão monocrática 26 2 3 1 0 0 32
Controla a questão (conhece o processo) 19 4 1 5 1 5 33
Tabela 2 - Dados Gerais dos Casos por Tipo de Instrumento. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: planilha de
casos - Apêndice IV.
35 Esse termo interação e relação foi evoluindo juntamente à pesquisa. Ao início, a sua definição ainda era
obscura e, praticamente, indefinida. Contudo, com o desenvolver da leitura dos casos e da bibliografia, chegou-
se a esse entendimento e definição final. 36 Esse é o critério utilizado para identificar quando há ou não controle do STF na questão. O que significa, que
quando o STF considera presente os pressupostos de conhecimento da ação, ele autodetermina-se competente
para analisar o mérito da questão. A partir desse momento, o STF já está realizando o controle da questão
discutida. Ou seja, ele pode decidir se vai interferir ou não na questão apresentada, alterando-a ou decidindo que
essa permaneça da forma como se encontra. Portanto, o STF tem o poder de controlar a questão e decidir qual
será o caminho que essa percorrerá.
39
A tabulação dos dados permitiu com que fossem criadas diversas classificações
dos casos, possibilitando a extração de resultados quantitativos e quantitativos. A tabela II,
acima, é uma das classificações possíveis.
Em termos de organicidade, a tabulação utilizada para a apresentação dos dados e
extração de resultados gerais para análise empírica e teórica, são as 7 categorias
desenvolvidas nesta pesquisa, denominadas como “tema”. Cada caso, dentro da tabulação
(Apêndice IV), contém uma coluna que é reservada para a classificação de qual tema estaria
relacionado ao caso.
Essa coluna “tema” foi desenvolvida a partir de três elementos presentes nos casos
e que eram observados. Primeiro, observava-se a discussão fática ou geral do caso; segundo, o
pedido feito pela parte e; terceiro, a decisão do STF.
Os temas desenvolvidos são não estanques e fluídos, o que significa que a sua
determinação, por vezes, dá-se por minhas percepções subjetivas da importância analítica de
se criar outra opção de tema ao invés de juntar determinados casos a um grupo existente.
Dessa forma, como será apresentado, o tema “7 – STF como última fase do processo
legislativo” poderia estar incluso no tema “6 – O STF no controle da pauta quanto ao veto no
Congresso Nacional”, mas por acreditar na potencialidade analítica do caso envolvido no
tema “7” de forma individual e na potencialidade de manter “limpo” o tema “6” (apenas com
mandados de segurança), destrincho esses dois temas.
As categorias criadas foram:
1) Procedimentos do veto: casos que discutiam quais eram as regras para o
presidente da república apresentar o veto; as questões vão desde prazos até a
forma de apresentação dos vetos.
2) Procedimento de votação do veto no Legislativo: casos que relacionavam
problemas de definição de como seria realizada a votação de análise de aceitação
ou não do veto presidencial.
3) Publicação de projeto de lei que não tem o veto mantido: casos em que o STF
decide se o projeto de lei, que teve o veto rejeitado pelo Legislativo, deve ou não
ser publicado e qual o procedimento para isso.
4) Medida Provisória como assessório ao veto: casos em que o STF decide se a
medida provisória pode servir como ferramenta complementar ao veto, no
processo legislativo de criação das leis.
40
5) Instrumento para arguição de veto37: casos em que o STF decide se o
instrumento processual utilizado é o adequado para questionar o veto, além disso,
são casos em que o STF decide se o proponente possui legitimidade para fazer tal
tipo de questionamento.
6) O STF no controle da pauta quanto ao veto no Congresso Nacional: casos em
que o problema levado colocava o STF como possível moderador da pauta do
Congresso. Eram casos em que era pedido ao STF que alterasse a pauta de
votação. Diferente dos casos do grupo 1, a decisão do STF não gera regras de
como o Legislativo deve proceder na análise dos vetos; e os casos contêm
problemas gerais. A decisão do STF determina a imposição ou não de casos na
pauta de análise do Legislativo.
7) STF como última fase do processo legislativo: casos que levantam a hipótese
de ser o STF a segunda ou última fase do processo legislativo.
Os casos ficaram divididos da seguinte forma:
Tabela III – Temas de Casos
Temas de casos
Temas Número de casos
Procedimentos do veto 8
Procedimento de votação do veto no Legislativo 10
Publicação de projeto de lei que não tem o veto mantido 3
Medida provisória como assessório ao veto 2
Instrumento para arguição do veto 13
O STF no controle da pauta quanto ao veto no Congresso Nacional 18
O STF como última fase do processo legislativo 1
TOTAL: 55 Tabela 3 – Temas de casos. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: planilha
de casos – Apêndice IV.
É partir dessa classificação que construo os capítulos analíticos a seguir.
Além dos documentos de casos selecionados, mais três outros tipos foram
utilizados, como mencionado, sendo: projetos de leis, leis e justificativas de veto. Ambos os
documentos foram selecionados em uma segunda etapa de seleção de documentos, pois esses
eram dependentes das informações primárias extraídas dos documentos dos casos. Mas estão
incluídos dentro da codificação de análise dos documentos dos casos.
Portanto, era necessário que o acórdão, ou a decisão, fizesse referência ao número
do projeto de lei ou à lei, para conseguir selecionar esses documentos. Além disso, também
era necessário que nas informações quanto ao andamento do projeto de lei ou da lei tivessem
37 Também entram questionamentos quanto a legitimidade para propor o instrumento e o questionamento.
41
o arquivo do veto disponível no sítio do Congresso ou de suas Casas, ou que fizessem
referência ao número do veto para que fosse selecionado no sítio da presidência.
Dessa forma, é possível falar que os documentos foram selecionados em três
níveis. Primeiro, os autos no STF disponíveis no sítio eletrônico; segundo, a partir das
informações nos autos, selecionou-se os projetos de leis ou leis disponíveis no sítio eletrônico;
terceiro, a partir das informações disponíveis nos projetos de leis ou leis, ou ainda, nos autos
do STF, selecionou-se os vetos, mas todos incluídos em um único documento de codificação
da leitura desses documentos.
A tabela a seguir apresenta um organograma dos procedimentos metodológicos de
seleção, tratamento e extração de resultados adotados por esta pesquisa:
Figura I – Seleção do material empírico
Figura 1 - Seleção do material Empírico. Fonte: elaborada pelo
autor.
A seguir, desenvolvo o entendimento de separação dos poderes e de veto que esta
pesquisa está utilizando.
42
3. O VETO NA SEPARAÇÃO DOS PODERES: APONTAMENTOS JURÍDICOS E
POLÍTICOS
O objetivo deste capítulo é apresentar a organização da visão que este trabalho
adota sobre a separação dos poderes e o veto.
Separação dos poderes é um tema discutido, principalmente, no Direito, Ciências
Sociais (mais especificamente Ciência Política e Administração Pública) e Filosofia Política.
Cada uma dessas áreas parte de um ponto em comum, que é o entendimento de que a
separação dos poderes é a divisão dos poderes de um Estado entre diferentes órgãos. Mas, a
perspectiva e o desenvolvimento desse ponto são diferentes para essas áreas.
A origem dessa discussão, em termos de área do conhecimento, vem da Filosofia
Política, sendo os principais pensadores, na modernidade, Montesquieu e Madison.
O valor da separação dos poderes, quando discutido, sempre vem precedido de
Montesquieu, que escreveu, em O Espírito das Leis, que existiria a necessidade de divisão de
atribuições estatais em três entes diferentes. Esse autor inseriu, de maneira formal, o
Judiciário como um ente autônomo e com poderes atribuídos para que houvesse o bom
funcionamento do Estado. Essa sua construção é o que influenciou a organização política
francesa, após a Revolução de 1789 e diversas outras organizações políticas em diferentes
regiões. A grande defesa feita nesse modelo é evitar que o poder se acumulasse em uma única
pessoa ou em um único órgão, permitindo, assim, com que ocorressem exacerbações de
poderes.
Os Estados Unidos da América (EUA), em 1787, fizeram escolhas institucionais
sobre a separação dos poderes, também pautadas em ideias de Montesquieu, mas adaptadas à
sua realidade, o que caracterizou em uma organização política própria daquele país.
Receando a tirania pela concentração de poderes em um dos poderes do Estado,
nos EUA foi desenhada a separação dos poderes objetivando uma relação de contenção entre
os poderes (check and balances) (HAMILTON; MADISON; JAY; 2003, p. 298).
Dessa forma, a separação dos poderes passou a ser vista como valor essencial à
busca por criação de meios de controle dos poderes de um Estado e de minimização de
escolhas que refletissem interesses subjetivos dos governantes.
Esse raciocínio, ou esse desenvolvimento, pode ser observado nos textos de O
Federalista, em que, principalmente, Madison desenvolve a importância de se garantir a
separação dos poderes, enquanto um valor político, a partir de instrumentos jurídicos.
43
Na passagem de O Federalista (2003, p. 318), Madison afirma que a separação
dos poderes é talvez o único remédio possível para que haja controle das exacerbações de
quem esteja no poder, pois o interesse dos homens que estão no governo é a desgraça inerente
ao ser humano e, por conta disso, um governo é necessário, e o controle de quem está lá
também.
Nesse caso, como em todos os outros, os meios de defesa devem ser
proporcionados aos perigos do ataque; é preciso opor ambição à ambição e
travar de tal modo o interesse dos homens, com as obrigações que lhes
impõem os direitos constitucionais dos seus cargos, que não possam ser
ofendidas as últimas sem que o primeiro padeça. É desgraça inerente à
natureza humana a necessidade de tais meios; mas, já a necessidade dos
governos é em si mesma uma desgraça. Se os homens fossem anjos, não
haveria necessidade de governo; e se anjos governassem os homens, não
haveria necessidade de meio algum externo ou interno para regular a marcha
do governo: mas, quando o governo é feito por homens e administrado por
homens, o primeiro problema é pôr o governo em estado de poder dirigir o
procedimento dos governados e o segundo obrigá-lo a cumprir as suas
obrigações. A dependência em que o governo se acha do povo é certamente
o seu primeiro regulador; mas a insuficiência desse meio está demonstrada
pela experiência.
A separação dos poderes, para ter potencialidade em atingir o seu objetivo, deve
garantir a autonomia dos poderes, evitando que um poder usurpe as atribuições dos demais e,
para isso, a constituição precisa ser clara. A autonomia deve ser mantida, pois a concentração
de poderes em um dos poderes do Estado pode tornar a realidade democrática e republicana
em uma verdadeira tirania. Por isso que os poderes devem estar bem divididos e equilibrados.
Para isso, é necessário que cada poder tenha atribuído a si meios suficientes e interesses
pessoais para resistir às usurpações (HAMILTON; MADISON; JAY, 2003, pp. 305-306; 317-
318).
Madison também apontava, já naquela época, a importância da prescrição jurídica
para influenciar no funcionamento concreto da separação dos poderes e a necessidade de se
observar na prática, e não apenas no texto constitucional, o funcionamento desse desenho
institucional. Assim, defendia Madison que a mera demarcação no papel (na constituição) não
seria o suficiente para conseguir caracterizá-la, uma vez que, na prática, na atuação dos
poderes, pode haver a usurpação, mesmo que o texto constitucional seja claro. Dessa forma,
seria necessário haver instrumentos para que, na prática, a separação dos poderes fosse
garantida.
A primeira indicação para isso, segundo Madison, é a autonomia de cada poder
para se auto-organizar, e a necessidade de que a sua composição passe por indicação do povo.
44
Não só isso, mas que os poderes não tenham entre si comunicação de interesses ou
correlações em suas nomeações (Idem, pp. 308-309; 317).
Madison realça a necessidade e a importância de o Judiciário ser considerado um
poder autônomo, assim como os demais. O autor acreditava na real necessidade de que esse
poder tivesse total autonomia, inclusive tendo formas de preenchimento distintas dos outros
poderes. De tal modo, a regra de indicação pelo povo deveria ser relativizada, devido a
necessidade de alta capacitação técnica dos seus membros. Ao mesmo tempo, diferente dos
outros poderes, os seus cargos deveriam ser vitalícios, não dependendo daqueles que os
nomeiam, para que houvesse paridade de armas entre os poderes. Madison acreditava que o
Judiciário seria, potencialmente, o mais frágil dos três poderes, por conta de o Executivo e o
Legislativo conterem a massa popular de maneira efetiva. Devido a isso, as diferenças de
tratamento e regulação eram necessárias.
Nesse sentido, deveria ser garantido aos juízes a inamovibilidade; deveriam as
regras de limitação aos demais poderes serem claras; o Legislativo não poderia ser
considerado autônomo para julgar suas próprias atribuições se a constituição assim não
determinasse38 e deveria ser atribuído ao Judiciário o poder de contenção das atribuições do
Legislativo; deveria haver total independência do Judiciário. Apesar de não desenvolver
muito, alerta Madison que mesmo com todos esses meios atribuídos, o Judiciário não pode e
não deve ser considerado maior que os demais poderes, pois o poder do povo é superior ao de
ambos e, portanto, o que a constituição determina é o que todos devem obedecer (Idem, pp.
457-461).
O poder Legislativo, afirmava Madison, precisava ser dividido em dois para que o
seu poder fosse diminuído, pois nenhum outro poder, frente a esse, teria condições de
competir de forma adequada; nesse sentido, o Legislativo deveria ser dividido em duas Casas
distintas, mas complementares. E o Executivo, frente a essa diminuição de poderes do
Legislativo, deveria ter o seu poder ampliado para conseguir competir de maneira adequada.
Defendia Madison, que uma das formas de permitir que isso ocorresse seria por meio do Veto
Absoluto, por ser uma medida de contenção da vontade daquele poder. Mas, também alertava
Madison que:
(...) o uso que ele (Executivo) pode fazer dele (veto) pode ser perigoso e
mesmo insuficiente. Nas ocasiões ordinárias pode não ser empregada com a
conveniente firmeza; nos casos extraordinários pode a perfídia abusar dele e,
portanto, é preciso remediar esse defeito do veto absoluto, substituindo-lhe
38 Isso porque, aceitar tal entendimento seria entender que a Constituição admite que a vontade dos
representantes do povo substituía a dos representantes do povo quando da constituinte (HAMILTON;
MADISON; JAY, 2003, pp. 457-461).
45
certas relações entre o Poder Executivo e a porção mais fraca do Poder
Legislativo, as quais, ao mesmo tempo em que dispuserem esta última a
sustentar os direitos constitucionais do primeiro, não lhe permitam
abandonar a defesa dos direitos do corpo de que faz parte (Idem, p. 319)
(grifos meus).
O Federalista, a experiência francesa e americana, trazem a incorporação do valor
político da separação dos poderes para o mundo jurídico, por passarem a prever e proteger
esse valor nas constituições de seus respectivos países. Essa escolha fez com que esse valor
passasse a ter, além da perspectiva política, a perspectiva jurídica, implicando em um
raciocínio específico dentro dessa área.
Dessa forma, como apresentado por Madison, diversas previsões constitucionais
de desenhos e regras institucionais passam a ser previstas para que se consiga garantir a
separação dos poderes e a estabilidade do Rule of Law. São previstos os três órgãos
representantes desses poderes; são previstos instrumentos para que esses órgãos utilizem para
garantir a sua autonomia frente eventual usurpação de outros poderes; são previstas regras e
limites de atuação de cada poder; tudo para garantir esse valor que garante a estabilidade
política do Estado.
Como já alertado por Madison, mesmo que haja previsão constitucional clara dos
limites e que haja garantias que promovam a independência e autonomia entre os poderes, na
prática, no dia a dia, esses poderes irão, de alguma forma, competir por áreas comuns. Ainda
mais na sociedade atual, em que dentro do modelo de Rule of Law diversos direitos com
características sociais (coletivos e difusos) são previstos e garantidos a todos pela
constituição. Dessa forma, as atribuições e os limites de atuação passam a estar interligados,
sendo difícil determinar a nível normativo qual seriam esses limites. Portanto, é na prática que
esse limite acaba por ser desenhando, justamente pela disputa de espaço entre esses poderes.
Por conta disso, a ideia de três esferas do poder com regras bem claras e determinadas,
respeitando um o espaço do outro, não é mais aceitável, e dá-se espaço para uma visão de três
esferas com atribuições determinadas, mas que muitas dessas têm intersecção com as
atribuições de outro poder. Isso é representado na seguinte figura:
Figura 2 – Separação dos Poderes
46
Figura 2 - Separação dos Poderes. Fonte: elaborada pelo autor.
A figura apresenta que o atual Estado moderno tem a atribuição entre os poderes
dividida, porém que a prática é muito mais intrínseca e compartilhada, do que se imagina.
O Direito, mais especificamente o direito constitucional, trata da separação dos
poderes como a divisão funcional das atividades do Estado em três órgãos diferentes,
Judiciário, Executivo e Legislativo. Sendo essa uma cláusula pétrea prevista no artigo 60, §
4º, inciso III, da CF/88. Esse campo, também percebendo a complexidade do tema no mundo
moderno, que envolve relação imbricada entre os poderes, passa a apontar diversidades
interpretativas no direito constitucional quanto ao limite e alcance desse princípio
(TAVARES, 2009, pp. 1136-1145; BOLANHA; EISENBERG; RANGEL, 2011, pp. 288-
292; MENDES; GONET BRANCO, pp. 59-82).
Portanto, de forma simples, a separação dos poderes pode ser entendida como um
valor político adotado pela maioria dos Estados modernos, que tem como fio condutor
impossibilitar a concentração de poderes em um único órgão estatal, para que não ocorra a
centralização de poderes e, consequentemente, a quebra do Estado democrático de Direito.
O desenho institucional explicitado por Madison é, em parte, adotado pela CF/88.
Apesar de saber das múltiplas influências sofridas pelo constitucionalismo brasileiro, a
escolha feita pela Constituinte assemelha-se, em muitos pontos, ao que Madison
desenvolvera.
O artigo 2º, da CF/88, traz o princípio da separação dos poderes, dividindo-o entre
Executivo, Legislativo e Judiciário. O artigo 44, da CF/88, também prescreve a divisão do
Congresso Nacional em duas Casas. Os artigos 45 a 75, da CF/88, trazem previsões quanto a
deveres e poderes dos congressistas, procedimentos para o processo legislativo (entre eles o
veto) que devem ser seguidos por todos que tenham participação nesse processo. Os artigos
76 a 88, da CF/88, trazem deveres e poderes do chefe do poder Executivo.
47
O veto, como apresentado por Madison, é um instrumento jurídico-político
desenvolvido para que o poder Executivo possa garantir a autonomia de seu poder e, também,
controlar a atribuição do poder Legislativo, durante o processo de criação das leis.
O modelo de veto, no Brasil, resume-se pelas descrições clássicas pelo Direito e
pela Legística39, em termos procedimentais, da seguinte forma: momento em que o chefe do
poder Executivo é chamado a participar do processo de criação de leis para que, caso queira,
impeça que o projeto de lei vire lei (ou parte dele) ou para transforme o projeto de lei em lei.
Como será apresentado no capítulo seguinte, esse modelo foi adotado em todas as
constituições brasileiras, não sendo exclusividade da atual. De maneira geral, a previsão é que
após a votação e aprovação do projeto de lei, nas duas Casas do Congresso Nacional, o chefe
do poder Executivo sancione e promulgue a lei, ou que o vete (por inconstitucionalidade ou
falta de interesse público), integralmente ou parcialmente, e notifique o Congresso Nacional.
Diante do veto, tem o Legislativo a autonomia de analisá-lo e aceitá-lo ou rejeitá-lo. Há um
quórum qualificado (maioria absoluta) para análise do veto, evitando que qualquer maioria
consiga tomar a decisão de rejeitá-lo. Se o veto tiver sido total, o projeto de lei aguarda até
decisão do Legislativo. Se o veto tiver sido parcial, a parte da lei não vetada será sancionada e
promulgada pelo chefe do poder Executivo; a parte do projeto de lei vetada voltará ao
Legislativo para que este o aprecie. Ao menos formalmente, após a mensagem de veto, o
chefe do poder Executivo não pode mais exercer influência no Legislativo quanto a esse
ponto.
Convertido em lei, a única previsão feita pela CF/88, de maneira expressa, para
que o Executivo intente algum ato ainda relacionado ao tema é por meio de ações de controle
de constitucionalidade. O que, por sua vez, é uma fase a posteriori daquela do processo
legislativo de criação das leis.
Em regra, para o direito constitucional, esse é um momento estritamente político,
reservado aos poderes Executivo e Legislativo, que são, por sua essência, órgãos políticos.
Como o modelo constitucional brasileiro de controle de constitucionalidade pelo Judiciário
nunca previu o chamado controle preventivo, o poder Judiciário não tem autorização expressa
para participar dessa fase do processo legislativo de criação de leis. O que é diferente, a título
de exemplo, de Portugal, que possui previsão expressa para que o Tribunal Constitucional
realize o chamado controle preventivo de constitucionalidade de leis, de alguns tipos
específicos.
39 “Essa área do conhecimento tem como objetivo racionalizar a produção legislativa, visando, também, à
elaboração de leis mais eficazes” (AUGUSTO, 2015, p. 83).
48
Contudo, a soma de previsões generalistas que atribuem jurisdição ao STF para
que, em determinados casos envolvendo outros poderes, resolva eventuais divergências, e a
própria iniciativa da Corte em se envolver nesse tipo de questões, abriram esse espaço, nessa
fase do processo legislativo, ao STF.
As previsões constitucionais que autorizam isso estão no artigo 102, em que prevê
que compete ao STF a guarda precípua da constituição e que um dos meios cabíveis para isso
é o julgamento de habeas corpus e mandado de segurança, que tenham como objeto atos do
poder Legislativo e do Executivo (inciso I, alínea “d”); inciso II, alínea “a”, desse mesmo
artigo, que prevê o recurso ordinário constitucional; e o inciso III, também do mesmo artigo,
que prevê a competência para julgar recursos, de maneira ampla e indefinida, a casos que,
potencialmente, violem a CF/88 (BISPO, 2012; 2014).
A lei é a expressão da vontade política dos responsáveis por essa decisão. Em
outras palavras, a lei é o resultado de maior expressão da política. Dessa forma, o processo de
criação das leis é um processo que, em sua essência, é político, o que significa dizer que,
apesar de delineado pela constituição, a sua execução ocorre pela lógica política.
Sendo o Judiciário o órgão técnico responsável por aplicar o direito e dirimir
conflitos no Estado, a sua participação, nesse processo, parece ser estanho à sua essência, por
não ser esse órgão responsável pela produção de política, no sentido estrito.
Contudo, sendo o STF legitimado a resolver as questões de conflitos entre
Executivo e Legislativo no momento do veto, a sua influência nesse processo passa a ser
constatada e importante.
É neste ponto que a presente pesquisa busca contribuir, visto que os manuais e os
trabalhos de direito constitucional não mencionam a participação do STF nesse momento do
processo de criação das leis e, portanto, deixam de analisar a importância que esse órgão tem
tanto para essa fase do processo legislativo quanto para a análise do modelo de equilíbrio na
separação dos poderes, que adotamos no Brasil. Esta pesquisa permitirá com que a literatura
dessa área possa observar um ponto até então desconhecido.
Percebendo a complexidade da realidade da separação dos poderes, na prática –
antes mesmo do Direito –, a Ciência Política desenvolveu uma área de estudos chamada de
teoria da racionalidade, em que é analisado e pesquisado os motivos e os desenhos
institucionais que permitem com que decisões políticas sejam tomadas.
Pautados por uma teoria dos jogos, essa área passa a desenvolver o raciocínio de
que que a política possui players que influenciam na tomada de decisão e que são importantes
para a racionalidade política.
49
Tsebelis (1997; 2008) desenvolve, a partir desses pontos, a teoria dos veto
players. Essa teoria busca demonstrar a disputa de poderes (o jogo político), identificando
quem são os atores com poder de vetar a tomada de decisões políticas importantes em um
Estado moderno. Logo de início, Tsebelis identifica duas categorias de atores com poderes de
veto (veto player): os institucionais (aqueles que têm competência prevista na constituição e
que foram criados, essencialmente, para isso), sendo por essência o poder Executivo e o
Legislativo e; os não institucionais (aqueles que não têm tal competência prevista,
expressamente, na constituição, mas que a desenvolve por conta de desenhos institucionais do
Estado e pela prática)40.
Atento ao papel que o Judiciário vem desenvolvendo no mundo moderno,
Tsebelis o elenca como um veto player, também, justamente por ele ter a capacidade igual aos
outros poderes de aprovar, suspender ou impedir que uma decisão política seja tomada.
Apesar de o autor identificar que por conta da racionalidade do Judiciário, este fornece
respostas em um sentido mais técnico (não vai decidir se concorda ou não com a decisão
política feita pelos outros poderes, mas vai decidir se essa está de acordo com os parâmetros
legais), o autor não analisa qual seria essa racionalidade interna e a validade tanto teórica
quanto legal dessa decisão do Judiciário (TSEBELIS, 2009, pp. 311-326)41.
E é nesse ponto que esta pesquisa pode contribuir, pois ela fornecerá um modelo
analítico complementar para pesquisar a atuação do Judiciário a partir dessa perspectiva de
ator com poder de veto.
Contudo, ressalto dois pontos para que não haja confusão no desenvolver deste
trabalho. O primeiro, refere-se a que não estou utilizando os métodos empregados por
Tsebelis e muito menos confirmando a sua teoria na prática; eu a tomo como pressuposto da
pesquisa, por acreditar que o Judiciário deve se ater aos limites que a sua atribuição impõe,
que é a tecnicidade do sistema jurídico, mesmo que ao tomar a decisão esteja sendo um ator
que influencia nas tomadas de decisão política. O segundo, refere-se a que apesar de a
40 Tsebelis desenvolve a sua análise para a Ciência Política, preocupando-se em desenvolver ferramentais
necessários (estatísticos) para comprovar a sua tese. A utilização e apresentação da sua tese por este trabalho,
não tem o condão de reproduzi-la, mas apenas, de maneira simples e adaptada para a área do Direito, mostrar
como o Judiciário já vinha sendo identificado como um ator importante na tomada de decisão políticas, mas,
que, apesar disso, há questões que essa teoria não abarca, justamente por não ser do Direito, o que pode
complementar futuras análises na área. 41 Por conta disso, apesar de ser um veto player nessa tomada de decisão específica, não necessariamente a
decisão do STF será dentro de uma dicotomia de “a favor ou contra” a tomada de decisão do outro órgão, mas
sim dentro do raciocínio jurídico de válido ou inválido. Neste sentido, o Judiciário não deve decidir se concorda
ou não com a decisão política do caso, mas sim, se está de acordo com a constituição. Conseguinte, caso entenda
que a decisão do outro poder não está de acordo à constituição, o Legislativo e o Executivo não estão impedidos
de tomarem a mesma decisão por outro meio, desde que não seja o declarado inválido pelo Judiciário
(TSEBELIS, 2009, pp. 311-326; TAYLOR, 2008, pp.72-77).
50
nomenclatura de Tsebelis referir-se a atores com poder de veto ou veto players, este é
diferente do veto presidencial a projeto de lei (veto), por este estar contido naquele, dentro
dessa teoria. Nesse sentido, para quem analisa a teoria dos jogos, veto player é uma grande
categoria que envolve diversas formas (institucionais ou não institucionais) para que se
alcance o objetivo político do ator. Entre essas diversas formas encontra-se o veto, sendo um
instrumento institucional (jurídico-político) que permite com que, em situações específicas e
previsíveis, o chefe do poder Executivo imponha sua vontade de veto player ao poder
Legislativo. Por outro lado, ainda dentro deste instrumento institucional, é fornecido o direito
à resposta do poder Legislativo, que pode rejeitar ou aceitar essa ingestão do poder Executivo.
Justamente essa junção de expectativas dessas diferentes áreas é que permitiram o
desenvolvimento dessa percepção de separação dos poderes e de veto. Por meio da negativa
do Direito em pesquisar e aceitar a participação do Judiciário nesse momento, e por conta de a
Ciência Política já destacar as constantes participações do Judiciário em tomadas de decisões
políticas, foi possível identificar e compreender os motivos de casos como o dos Royalties do
pré-sal. Por mais que não haja a previsão de controle preventivo de constitucionalidade pelo
poder Judiciário, na constituição, a prática mostra um cenário diferente e o que explica isso é
a racionalidade política e o desenho institucional adotado no Brasil, como já destacado
anteriormente. Por isso que é necessário analisar essas situações, para que possamos pensar na
integridade de uma instituição fundamental ao Estado democrático de Direito brasileiro, que é
o Judiciário (mais especificamente, o STF).
Essa jurisdição fornecida ao STF e o seu próprio movimento de assumir papéis de
decisão nesses casos, é que criam essa figura do controle preventivo de constitucionalidade. O
universo da pesquisa constatou que a primeira decisão envolvendo veto no STF, disponível
em seu sítio de internet, foi o MS 1006, de 15 de junho de 194942. Logo nesse primeiro caso,
o STF já considerou presentes os pressupostos processuais e, portanto, competente para julgar
a demanda.
Gráfico 1 – Casos de vetos no STF
42 Este caso será desenvolvido no capítulo 5.
51
Gráfico 1 - Casos de Veto no STF. BISPO, Nikolay H. Fonte: Apêndice I.
Desse termo inicial até 05 de outubro de 1988 (data em que a CF/88 entrou em
vigor), o STF julgou mais quatorze casos, dentro de um universo de cinquenta e cinco casos.
A maioria dos casos ocorreu a partir de 1988 e de maneira progressiva. A década de 1990 teve
dois casos; a década de 2000 teve quatorze; e a década de 2010, até agora, vinte e quatro
casos. Empiricamente, fica nítido o aumento de casos que chegaram ao STF e que foram
julgados por ele. Levando em conta que estamos em 2016, e já são dez casos a mais do que da
década anterior, fica destacado o crescimento deste tipo de casos julgados pelo STF.
Devido a essa constatação, o STF passa a ser um veto player importante na
tomada de decisões quanto ao veto, tendo alcançado o que chamo de ápice da relação
institucional entre os poderes em 2012/2013, com o caso dos Royalties do pré-sal (MS
31816), que foi introduzido ao início deste trabalho e que será melhor desenvolvido nos
capítulos 5 e 6.
Neste caso, é possível constatar, por meio dos documentos disponibilizados (tanto
pelo Legislativo e Executivo quanto pelo Judiciário), a relação formal entre essas instituições;
além de destacar o papel de moderador assumido pelo STF e de competência para realizar o
controle preventivo de constitucionalidade.
Bolonha, Faroni, Rangel e Vieira, são autores que, apesar de não tratarem de veto,
já evidenciavam e apresentavam esse papel de ator político exercido pelo STF, também
destacando a diferença entre a forma e justificativa das decisões do STF frente aos demais
poderes. Em outras palavras, é a identificação de que o STF tem sua própria lógica
institucional de funcionamento, devendo conter-se dentro de suas atribuições e limites, que é
o Direito (BOLONHA; FARONI; RANGEL, 2014; VIEIRA, 2008). Isso implica dizer que se
52
espera que o STF resolva determinada questão com coerência e fundamentos jurídicos, não
lhe sendo autorizada a justificação com base no argumento de interesse próprio.
O objetivo deste capítulo foi organizar a proposta da metodologia conceitual de
análise, apresentada do tópico 2.1, e descrever as premissas teóricas utilizadas nesta pesquisa,
para ao final fornecer elementos novos para que essas áreas possam considerar futuramente.
No capítulo a seguir, apresento a evolução regulatória, nas constituições, do
processo legislativo de criação das leis, do veto e da estrutura do STF.
53
4. VETO PRESIDENCIAL NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
Neste capítulo apresento o veto na legislação brasileira e a sua evolução até a
CF/1988. Esta abordagem é necessária para conseguir entender os argumentos utilizados
pelos atores políticos institucionais em cada período, além de mapear quais foram as escolhas
institucionais feitas em cada época sob este ponto da separação dos poderes.
Apresento no presente capítulo apontamentos desde a origem daquele instituto no
Brasil; como este trabalho não tem a intenção de ser histórico, irei despender mais tempo de
sistematização a partir da CF/46, isso porque, há casos no universo de pesquisa de 1949 a
1965. Em seguida, tratarei da CF/67, pois há um caso de 1968. Entrarei na CF/69, devido aos
casos de 1981, presentes na pesquisa. Por último, a CF/88, pois a maioria dos casos
selecionados pertencem a este período. Além disso, como o objeto de estudo é o STF, em
cada um destes períodos apresento a estrutura orgânica do Tribunal fornecida pelas
constituições.
O veto está previsto no Brasil desde 1824, sempre na constituição, e passou por
diversas modificações em seus muitos aspectos, como apresenta Grohmann (2013), ao
reconstruir a evolução jurídica do veto nas constituições desde 1824, apresentando uma tabela
evolutiva:
Figura 3 – Trajetória Constitucional do Veto no Brasil
Figura 3 - GROHMANN, 2013. Quadro B.1, Anexo B - Trajetória Constitucional do Veto no Brasil.
54
Grohmann (2013) analisa as constituições desde 1824 até 1988 (1824, 1891, 1934,
1937, 1946, 1967, 1969-EC nº1 e 1988) e as alterações sofridas por elas, por isso há
indicações de períodos nos quais não se tratavam de novas constituições, mas de reformas a
elas (1926, 1961-1963, 1965).
Como destacado no primeiro parágrafo, irei me debruçar na sistematização do
veto a partir da CF/46.
4.1. Constituição Federal de 1946
A transição da CF/37 para a CF/46 é marcada pelo fim da ditadura varguista e a
promulgação de uma constituição considerada democrática (FAUSTO, 2004, pp. 389-406;
CARVALHO, 2004)43.
Diferente da CF/37, a CF/46 reinaugura os poderes do Legislativo de forma
independente. Com a reinauguração de um Legislativo aparentemente forte, o veto volta a ser
instrumento importante, pois, como apresentado, é por meio dele que ocorre uma das relações
institucionais que visa a separação dos poderes.
O veto deveria ser apreciado pelas duas Casas do Congresso Nacional, de forma
conjunta, conforme o artigo 41, inciso V44 e seria rejeitado caso obtivesse 2/3 dos votos dos
membros presentes (artigo 70, § 3º)45. Apesar de o quórum e o coeficiente de deliberação
terem sido mantidos em relação à CF/37, a forma de deliberação conjunta era uma novidade,
pois nenhuma das constituições anteriores a previa46.
O processo legislativo estava previsto na Seção V da constituição e entre os
artigos 67 e 72. A iniciativa dos projetos de lei, em suma, era tanto do Legislativo quanto do
Executivo (artigo 67, caput, CF/46), apesar de haver algumas matérias reservadas ao
43 Apesar de ser considerado por muitos um período democrático, há posicionamentos no sentido de que no
máximo este período foi de promessa democrática, mas que nunca chegou a se cumprir (CARDOSO, 1978, p. 6). 44 Este inciso foi adicionado pela Emenda Constitucional nº 9 de 1964. 45 Grohmann (2013, p. 39) cita que durante o período de setembro de 1961 a janeiro de 1963, a Emenda
Constitucional nº 4 modificou o sistema político do Brasil para o parlamentarista, mas manteve o instituto do
veto e ampliou o quórum de rejeição deste para 3/5. Interessante essa constatação do autor, pois em um sistema
parlamentarista em que o chefe do Executivo é escolhido pelo Legislativo, costuma-se atribuir a falta de
necessidade de um instrumento como o veto, tendo em vista que o Legislativo controlaria o primeiro ministro
(LIPHART, 2011). Contudo, sabendo da instabilidade vivida naquele período, pós renúncia de Jânio Quadros e
em que João Goulart fora impedido de assumir a presidência, mesmo sendo vice-presidente, é possível imaginar
o porquê manteve-se tal instrumento (CARVALHO, 2004). 46 Artigo 66 da CF/1937.
55
presidente da república, ao Congresso e aos tribunais, mas essas eram as exceções. Aliás, essa
é outra diferença frente à CF/37, em que, praticamente, todas as iniciativas de projetos de lei
eram do presidente da república ou dos Conselhos Federais e Econômico.
A fase final do processo legislativo permanecia como sendo de competência do
presidente da república, que poderia sancionar e promulgar o projeto de lei ou vetá-lo e
remetê-lo para discussão conjunta do Congresso, para que este, se quisesse, derrubasse o veto
ou o mantivesse. Caso mantido, o projeto era remetido ao presidente da república para que o
sancionasse (artigos 68; 70; 71 e; 87, incisos I e II, da CF/46).
O presidente da república poderia vetar o projeto de lei parcialmente ou
totalmente, desde que justificado em uma das duas hipóteses tradicionais de veto:
inconstitucionalidade ou contrariedade ao interesse público (artigo 70, § 1º, da CF/46). O veto
parcial aberto volta a ser uma opção, o que era novidade frente à CF/37, tendo em vista que
em 1945 uma emenda alterou os tipos de vetos, reduzindo-os ao veto total47.
O prazo para oposição do veto era de 10 dias úteis (diferente da CF/37, que tinha
o prazo de 30 dias)48 e, seguindo a regra, passado este período, considerar-se-ia aprovado o
projeto de lei, tacitamente (artigo 70, § 2º, da CF/46).
Derrubado o veto ou mantido, ou ainda, se passado o prazo de 10 dias úteis para
promulgação, o presidente da república tinha 48 horas para fazê-lo. Caso não o fizesse, o
presidente do Senado Federal tinha o mesmo prazo para realizar o ato. Na hipótese deste
também não o fazer, quem deveria fazê-lo era o vice-presidente do Senado Federal (artigo 70
e parágrafos da CF/46).49
Por último, havia a limitação temporal para repropor projetos de leis rejeitados ou
não sancionados. Estes não poderiam ser repropostos na mesma sessão legislativa50. A única
exceção a essa regra era caso a maioria absoluta da Câmara votasse pela aceitação.
47 A partir de Rodrigues (1981), Grohmman (2013) classifica a existência de duas extensões do veto: absoluto e
limitado. Para fins desta pesquisa, a tipologia importante e aplicável é a da subdivisão da extensão limitado, que
também se divide em suspensivo e qualificado e, este último, possui três tipos: total, parcial fechado e parcial
aberto (RODRIGUES apud GROHMMAN, 2013, p. 235).
Acredito que apenas a última classificação seja útil, cuja denominarei de abrangência do veto, e utilizarei a
definição de Rodrigues, citada por Grohmman.
Assim sendo, há 3 tipos de veto quanto a abrangência, sendo eles: (i) total (aquele que impede a lei inteira); (ii)
parcial aberto (impede parte da lei, apondo modificações de palavras, expressões, ou seja, era similar a uma
emenda) e; (iii) parcial restrito (impede parte da lei, apondo modificações apenas ao artigo inteiro, ou inciso, ou
alínea). 48 Cf. artigo 66 da CF/1937. 49 Ressalto que, assim como na CF/1988, havia projetos de leis que não passavam pela análise do presidente da
república, que eram os casos do artigo 66 da CF/1946, em que o Presidente do Senado promulgava diretamente. 50 Sessão Legislativa é o período anual de trabalho do Congresso Nacional. Este período, durante a vigência da
CF/1946 foi de 15 de março a 15 de dezembro, de 1946 a 1963; de 1º de março a 1º de dezembro, de 1964 a
56
Referente ao STF, a CF/46 prescrevia que a Corte seria composta por 11
ministros, inicialmente. Com o início da ditadura, em 1965, foi instituído o Ato Institucional
nº 2 que, entre outras alterações, ampliou o número de membros da Corte para 16 membros
(artigo 98 da CF/46).
Entre as atribuições do STF estava a jurisdição para julgar Mandados de
Segurança contra atos de parlamentares e do Executivo; a Representação contra
Inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual (Representação).
Além de recursos que chegassem até ele (artigo 101, alíneas “i” e “k”).51
Do universo de pesquisa, as ações que entram no período de vigência desta
constituição são as seguintes:
Tabela IV – Casos do Período de Vigência da CF/1946
Casos no período de vigência da CF/1946
Instrumento e nº Tema do Caso Relator
Decisão Colegiada ou Monocrática? Proponente Autoridade Coatora
Data do Julgamento
Data da Publicação do Julgamento
MS 1006
Procedimento de votação do veto no Congresso
Abner de Vasconcellos Colegiada
Prefeito de Barbacena/MG
Câmara Municipal de Barbacena Indisponível 15/06/1949
RMS 1039
Procedimento de votação do veto no Congresso
Ribeiro da Costa Colegiada
Prefeito de Barbacena/MG
Câmara Municipal de Barbacena Indisponível 15/06/1949
RC 994 Procedimentos do veto Rocha Lagoa Colegiada Cidadão Justiça Pública 13/11/1953 23/04/1954
RE 25601 Procedimentos do veto
Ribeiro da Costa Colegiada
Cidadão (pelo TJSP) Estado de SP 27/12/1954 16/05/1955
RMS 2920 Procedimentos do veto
Mário Guimarães Colegiada
Cidadão - Serventuário do TJ
ALESC e Governador do SC 19/01/1955 14/07/1955
MS 3764 Instrumento para arguição de veto Rocha Lagoa Colegiada Cidadão
Presidente da República e Congresso Nacional 02/09/1957 27/01/1958
Rp 310
Procedimento de votação do veto no Congresso Ari Franco Colegiada
Governador de SP ALESP 18/01/1958 12/06/1958
Rp 432 Procedimentos do veto Ari Franco Colegiada
Não identificado Governador de PE 22/01/1960 07/04/1960
RE 43995
Publicação de projeto de lei que não tem o veto mantido
Antônio Villas Boas Colegiada
Banco do Brasil União 09/08/1960 09/08/1960
RE 49103
Procedimento de votação do veto no Congresso Luiz Gallotti Colegiada
Câmara Municipal de Santa Rita
Prefeitura Municipal de Santa Rita 27/08/1962
Não contém informação
Rp 493 Procedimentos do veto
Antônio Villas Boas Colegiada
Governador de MT ALEMT 19/08/1963 19/09/1963
1965 e; de 1º de março a 30 de junho e de 1º de agosto a 1º de dezembro, de 1965 até 1967, quando entrou em
vigor a outra constituição federal. Vide: artigo 39 da CF/1946. 51 Destaco esses instrumentos, porque conforme visto no capítulo metodológico esses instrumentos são os
utilizados para se discutir veto presidencial no STF.
57
RE 43288
Publicação de projeto de lei que não tem o veto mantido Victor Nunes Colegiada Cidadão Prefeitura de Recife 26/10/1965 08/12/1965
Tabela 4 - Casos no período de vigência da CF/1946. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: planilha de casos -
Apêndice IV.
Esses casos trazem informações interessantes. Ao total foram doze casos sob
égide da CF/46 e todos com decisão colegiada. O maior proponente desse período foi o
cidadão (comum e pessoa jurídica), em um total de seis casos e a autoridade questionada era o
Executivo de maneira individual, ou o Executivo e o Legislativo; os instrumentos utilizados
foram três REs, dois MSs e um RC. O segundo maior proponente desse período foi o
Executivo, com o total de quatro casos, sempre questionando ato do poder Legislativo; os
instrumentos utilizados foram dois MSs, duas Rps. Por fim, o Legislativo foi pleiteante em
um caso, questionando ato do poder Executivo, por meio de RE.
Em todos os casos o STF julgou existir os pressupostos processuais da ação, para
poder analisar o mérito da questão. Contudo, apesar disso, apenas em quatro casos o STF
interfere no status quo da questão e altera-o ou determina que o alterem (MS 1006; RMS
1039; Rp 432; RE 43995). Interessante destacar que desses casos, três não ocorreram a nível
da União e um ocorreu (RE 43995).
4.2. Constituição Federal de 1967
Diferente da CF/46 que buscava em seu texto ressaltar a volta da democracia e o
fortalecimento do poder Legislativo, a CF/67 é o reflexo da alteração de comando estatal
passado pelo Brasil à época, que por meio de golpe militar deixava de ser uma democracia (ou
uma promessa de democracia) e passava a ser uma ditatura (tirania) (FAUSTO, 2004;
CARVALHO, 2004; CARDOSO, 1978).
Seguindo o processo legislativo estipulado em 1946, a sanção e o veto ainda eram
representantes dos momentos finais desse processo (artigo 46 da CF/1967). O processo
legislativo regular estava previsto na seção V – do processo legislativo (do artigo 49 ao 62).
A CF/67 traz uma sistematização maior quanto à técnica legislativa. A sua seção
V (do processo legislativo) traz uma inovação organizativa, elencando os tipos possíveis de
lei, e, consequentemente, de projetos de lei. A CF/46 fazia remissão aos tipos de projetos de
lei durante passagens de alguns artigos, que tratavam de outros temas centrais, como o artigo
58
67, § 8º, que especificava a lei complementar. Isso pode ser explicado com a justificativa de
que a CF/46 estava preocupada com as atribuições de início para propositura de projeto de lei
de cada poder do Estado, buscando reorganizar a separação dos poderes, concedendo
autonomia, principalmente, ao Legislativo. A CF/67, por sua vez, preocupa-se em aprimorar a
técnica processual, prevendo tipos específicos de leis, inclusive sendo uma forma de limitar
mais os poderes do poder Legislativo, por conta ditadura vivida no país.
O artigo 49, da CF/67, traz os tipos de leis que poderiam ser criados, cujos os
quais temos até hoje: (a) emenda à Constituição52; (b) leis complementares à Constituição; (c)
leis Ordinárias; (d) leis Delegadas; (e) decretos-leis53; (f) decretos legislativos; e (g)
resoluções. Assim como a constituição atual, cada tipo de lei tinha um procedimento,
minimamente, delimitado pela constituição.
A emenda à Constituição precisava de 4/5 de uma das Casas para poder ser
proposta como projeto de lei. A votação era realizada em sessão conjunta, no prazo máximo
de 60 dias, contados a partir do recebimento da proposta, e só seria aprovada caso conseguisse
a maioria absoluta das duas Casas nas duas sessões exigidas. E, assim como ocorre
atualmente, a promulgação era feita diretamente pela mesa do Senado Federal (artigos 51 e 52
da CF/67).
As leis Ordinárias e Complementares seguiam um rito mais simples, com a
diferença de que as Complementares deveriam ser aprovadas pela maioria absoluta de cada
Casa, enquanto as Ordinárias pela maioria simples (artigos 53, 61 e 62 da CF/67).
As leis Delegadas, diferente das atuais, podiam ser delegadas tanto para o
presidente da república quanto para comissões internas do Congresso Nacional. No mais,
seguiriam o trâmite comum de lei Ordinária, para votação e promulgação (artigos 56 e 57, da
CF/67).
Os Decretos-leis seriam utilizados pelo poder Executivo em caso de urgência e
interesse relevante, em casos de finanças públicas e segurança nacional, desde que não
importasse em aumento de despesas. O Decreto-lei criado era julgado pelo Congresso em até
60 dias, sob pena de que se convertesse, automaticamente, em lei (artigo 58, da CF/67).
Nos demais casos, por se tratar de matéria considerada interna, e sem força
específica de lei, não tinham este procedimento detalhado e não passavam por uma fase de
sanção e promulgação pelo presidente da república.
52 O artigo 50 traz especificações sobre este tipo legislativo. 53 Este, especificamente, é considerado pela doutrina de direito constitucional, como sendo similar à atual
Medida Provisória.
59
Com exceção das Emendas à Constituição, os projetos de lei aprovados no
Congresso Nacional deveriam ser remetidos ao presidente da república, para que fossem
sancionados e promulgados, ou, então, que os vetasse totalmente ou parcialmente, em até 10
dias, sob pena de considerar-se aprovado o projeto de lei (artigos 46; 61, § 1º; 62, §§ 1º e 2º e;
83, inciso I, da CF/67).
Caso ocorresse o veto, o presidente da república deveria comunicá-lo ao
presidente do Senado Federal em até 48 horas e apresentar as razões para o ato. E, diante
disso, deveria ser convocada a sessão conjunta para decidir quanto à manutenção ou
suspensão deste veto54.
Interessante destacar que a tabela citada por Grohmann (2013) apresenta que o
tempo para manifestação do Congresso ao veto era de 45 dias e, caso não apreciado em tal
período, considerar-se-ia aprovado (p. 40). Contudo, dentro do andamento regular do veto
(artigos 46; 61, § 1º; 62, §§ 1º e 2º e; 83, inciso I, da CF/67) isso não é especificado. O artigo
54 da CF/67 faz referência ao prazo de 45 dias para o Congresso apreciar os projetos de lei
feitos pelo presidente da república, caso este solicitasse e, caso não fosse apreciado em tal
prazo, este seria declarado aprovado55. No entanto, não há referência a veto presidencial.
Inclusive quanto à natureza jurídica do veto presidencial, este, como apresentado no início,
não se caracteriza como início de projeto de lei, pelo contrário, representa a fase final em que
deve haver controle do ato do poder Legislativo pelo Executivo (TAVARES, 2009, pp. 1213-
1230; FERREIRA FILHO, 2012, pp. 188-216).
Outro prazo que discordo do autor são os 15 dias para manifestação do presidente
da república quanto à sanção ou veto do projeto de lei (GROHMANN, 2013, p. 40). Isso
porque, o artigo 62, § 1º, da CF/67 estipula o prazo de 10 dias úteis56. Por isso, apesar de
54 Vide: artigo 62 da CF/1967. 55 CF/67, artigo 54 - O Presidente da República poderá enviar ao Congresso Nacional projetos de lei sobre
qualquer matéria, os quais, se assim o solicitar, deverão ser apreciados dentro de quarenta e cinco dias, a contar
do seu recebimento na Câmara dos Deputados, e de igual prazo no Senado Federal. § 1 º - Esgotados esses
prazos, sem deliberação, serão os projetos considerados como aprovados. § 2º - A apreciação das emendas do
Senado Federal pela Câmara dos Deputados far-se-á no prazo de dez dias, findo o qual serão tidas como
aprovadas. § 3º - Se o Presidente da República julgar urgente a medida, poderá solicitar que a apreciação do
projeto se faça em quarenta dias em sessão conjunta do Congresso Nacional, na forma prevista neste artigo. § 4º
- Os prazos fixados neste artigo não correm nos períodos de recesso do Congresso Nacional. § 5º - O disposto
neste artigo não é aplicável à tramitação dos projetos de codificação, ainda que de iniciativa do
Presidente da República. 56 CF/67, artigo 62 - Nos casos do art. 46, a Câmara na qual se concluiu a votação enviará o projeto ao Presidente
da República, que, aquiescendo, o sancionará. § 1 º - Se o Presidente da República julgar o projeto, no todo ou
em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á, total ou parcialmente, dentro de dez dias
úteis, contados, daquele em que o receber, e comunicará dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do
Senado Federal, os motivos do veto. Se a sanção for negada quando estiver finda a sessão legislativa, o
Presidente da República publicará o veto. O veto parcial deve abranger o texto de artigo, parágrafo, inciso, item,
número ou alínea.
60
considerar completa a tabela apresentada por Grohmann, não irei adotar esta definição quanto
ao prazo e consequência da não aprovação.
Retomando a regulação do processo legislativo e do veto, a sessão de votação
quanto ao veto deveria ser conjunta entre as casas e precisaria de 2/3 dos votos dos membros
para rejeitá-lo (artigo 62, § 3º, da CF/67). Esta é uma modificação frente à CF/4657, que trazia
que o coeficiente de votação do quórum seria 2/3 dos presentes na votação, enquanto a CF/67
estipula 2/3 dos membros.
Derrubado o veto ou mantido, o presidente da república tinha 48 horas para
sancionar o projeto de lei. Caso não o fizesse, o presidente do Senado Federal tinha o mesmo
prazo para realizar o ato. Na hipótese deste também não o fazer, quem deveria fazê-lo era o
vice-presidente do Senado Federal (artigo 62, § 4º, da CF/67).
Por último, havia a limitação temporal para se repropor os projetos de leis
rejeitados ou não sancionados. Estes não poderiam ser repropostos na mesma sessão
legislativa58. A única exceção a essa regra era caso a maioria absoluta da Câmara votasse pelo
processamento do projeto.
Interessante destacar que as matérias referentes ao artigo 4659 não passavam pelo
crivo do presidente da república, sendo sancionadas diretamente pelo presidente do Senado
Federal (artigo 62, §5º, da CF/67).
Cabe apenas mencionar que o presidente da república, desde a CF/67 era eleito
pelo voto indireto, por meio da escolha dos delegados representantes dos estados (indicados
pelas assembleias legislativas de cada estado) e pelo Congresso Nacional (artigo 76, da
CF/67). Isso oposto ao Congresso Nacional, que era eleito de forma direta (artigos 41 e 43 da
CF/67).
Quanto ao STF, a sua composição era de 16 ministros, e tinha como atribuição –
que destaco como importante à pesquisa – julgar mandados de segurança contra parlamentar,
a representação de inconstitucionalidade do procurador-geral da república e, por último, o
recurso extraordinário no caso de o tribunal inferior decidir pela constitucionalidade de lei
57 CF/46, artigo 70 – Nos casos do art. 65, a Câmara onde se concluir a votação de um projeto enviá-lo-á ao
Presidente da República, que, aquiescendo, a sancionará. § 3º - Comunicado o veto ao Presidente do Senado
Federal, este convocará as duas Câmaras para, em sessão conjunta, dele conhecerem, considerando-se aprovado
o projeto que obtiver o voto de dois terços dos Deputados e Senadores presentes. Nesse caso, será o projeto
enviado para promulgação ao Presidente da República. 58 Sessão Legislativa é o período anual de trabalho do Congresso Nacional. Este período, durante a vigência da
CF/67 foi de 1º de março à 30 de junho e de 1º de agosto a 30 de Novembro. Vide: artigo 31 da CF/1967. 59 “Aprovação de tratados internacionais, declaração de guerra e paz, autorização para ausência do Presidente da
República, aprovação da incorporação de territórios ou Estados, decretar a intervenção federal ou suspendê-la e
julgar as contas do Presidente da República”.
61
estadual ou municipal frente à constituição (artigos 113; 114, inciso I, alíneas “i” e “l” e,
inciso III, alínea “c”).
Dos casos selecionados e analisados nesta pesquisa, apenas o Recurso
Extraordinário nº 45.631 pertence a este período. Este caso não ocorreu a nível da União,
sendo o arguidor, quanto a um problema com o veto, um cidadão e o Legislativo, no Estado
do Paraná. O STF conheceu do caso, portanto, controlou-o, e julgou-o de maneira a alterar o
status quo da questão, determinando abusivo o ato do chefe do poder Executivo, no caso.
4.3. Constituição Federal 1969
Ainda dentro do contexto da CF/67, em 17 de outubro de 1969, a CF/67 foi
emendada com a Emenda Constitucional nº 1, que, na realidade, representou a criação de
outra constituição federal.
Em termos de veto presidencial, não houve muitas alterações. O processo
legislativo regular continuou previsto na seção V – do processo legislativo (do artigo 46 ao
62).
A especificação de tipos legislativos seguiu o exposto na CF/67, no artigo 46: (a)
emenda à Constituição60; (b) leis complementares à Constituição; (c) leis Ordinárias; (d) leis
Delegadas e; (e) decretos-leis; (f) decretos legislativos e; (g) resoluções.
A emenda à Constituição, diferente da CF/67, passou a precisar da assinatura de
ambas as Casas para proposição de projeto de lei e em número não menor do que 1/3 em cada
uma das Casas. A votação era feita em sessão conjunta e só seria aprovada caso conseguisse
2/3 das duas casas nas duas sessões exigidas61. E a promulgação era feita diretamente pela
mesa do Senado Federal e da Câmara dos Deputados (artigo 49 da CF/69).
As leis Ordinárias e Complementares mantiveram o rito mais simples, com
diferença de que as Complementares deveriam ser aprovadas pela maioria absoluta de cada
Casa, enquanto as Ordinárias pela maioria simples (50 e 58 da CF/69).
As leis Delegadas, assim como na constituição anterior, poderiam ser delegadas
tanto para o Presidente da República quanto para comissões internas do Congresso Nacional.
60 O artigo 47 traz especificações sobre este tipo legislativo. 61 Vide artigo 48, da CF/1969. Interessante notar que até 1977 o prazo para essa votação era de 60 dias. Em 1977
este prazo passou para 90 dias e em 1982 este prazo deixou de existir.
62
No mais, seguiriam o trâmite comum de lei Ordinária, para votação e promulgação (artigos
52, 53 e 54 da CF/69).
Os Decretos-leis seriam utilizados pelo poder Executivo em caso de urgência e
interesse relevante, em casos de finanças públicas e segurança nacional, desde que não
importasse em aumento de despesas. O Decreto-lei criado era julgado pelo Congresso em até
60 dias, sob pena de se converter, automaticamente, em lei. A CF/69 traz importante alteração
a esse instrumento, que é a impossibilidade de emenda ao Decreto-lei (artigo 55, da CF/1969).
Os demais casos, por se tratar de matéria considerada interna, e sem força
específica de lei, não eram detalhados pela Constituição e não passavam pela chamada fase
Executiva.
A regra de trâmite do projeto de lei era a mesma. Dessa forma, com exceção das
Emendas à Constituição, os projetos de leis aprovados no Congresso Nacional deveriam ser
remetidos ao Presidente da República, para ou sancioná-lo e promulgá-lo, ou, então, vetá-lo
(totalmente ou parcialmente), em até 15 dias úteis, sob pena de considerar-se aprovado o
projeto de lei (artigos 58; 59; 81, incisos III e IV, da CF/1969). Este prazo é superior ao da
CF/67, que era de 10 dias úteis.
Caso ocorresse o veto, o presidente da república deveria comunicar o presidente
do Senado Federal em até 48 horas e apresentar as razões do veto. O presidente do Senado,
diante do fato, deveria convocar julgamento conjunto entre as casas em até 45 dias e decidir
quanto à manutenção ou suspensão desse veto. Para que houvesse a rejeição eram necessários
2/3 dos votos dos membros em cada casa. Não cumprido o prazo, considerava-se o veto
mantido (artigo 59, §§ 2º, 3º e 4º, da CF/69).
Derrubado o veto ou mantido, o presidente da república tinha 48 horas para
sancionar o projeto de lei. Caso não o fizesse, o presidente do Senado Federal tinha o mesmo
prazo para realizar o ato. Na hipótese deste também não o fazer, quem deveria fazê-lo era o
vice-presidente do Senado Federal (artigo 59, parágrafo 5º, da CF/1969).
A limitação temporal para a reapresentação de projetos de lei rejeitados ou não
sancionados permaneceu nesta constituição. Esses não poderiam ser repropostos na mesma
sessão legislativa; a única exceção a essa regra era caso a maioria absoluta de qualquer das
Casas votasse pelo processamento ou, se fosse projeto de lei de autoria do presidente da
república, este ficaria também ressalvado62.
62 Artigo 58, parágrafo 3º, da CF/1969. A Sessão Legislativa deste período até 1972 era de 31 de março a 30 de
novembro; a partir de 1972 passou a ser de 1º de março a 30 de junho e de 1º de agosto a 5 de dezembro. Vide:
artigo 29 da CF/1969.
63
A forma de eleição do presidente da república permanecia a mesma (eleito pelo
voto indireto), por meio da escolha dos delegados representantes dos estados (indicados pelas
Assembleias Legislativas de cada estado) e pelo Congresso Nacional (artigo 74, da CF/69).
Tendo sido alterada apenas em 1985.
Por último, cumpre-me descrever a organização constitucional do STF neste
período. A sua composição era de 11 ministros, e tinha como atribuição – que destaco como
importante à pesquisa – julgar mandados de segurança contra parlamentar e a representação
de inconstitucionalidade do procurador-geral da república (artigos 118; 119, inciso I, alíneas
“i” e “l”).
Os dois casos julgados neste período são: Representação de
Constitucionalidade nº 1065 e Representação de Constitucionalidade nº 1076.
Em ambos os casos as autoridades participantes eram de nível estadual (São
Paulo) e foram questionadas mediante Rps. Ambas as decisões foram colegiadas e o STF
decidiu controlar a questão, por estarem presentes os pressupostos processuais, e alterou o
status quo da questão, declarando as leis questionadas inconstitucionais, o que favoreceu ao
chefe do poder Executivo.
Estes casos são simples, pois tratam da discussão se cabe ao Executivo, por meio
de decreto, ou ao Legislativo, por meio de lei, a nomeação legal de locais públicos (ruas,
escolas, etc.). No caso, as nomeações são feitas pelo Executivo e o Legislativo, em seguida,
propõe projeto de lei para também fazê-las. Este é vetado pelo Executivo, segunda a
justificativa de que não haveria necessidade da lei, tendo em conta a já nomeação via decreto.
Reagindo a isso, o Legislativo não cumpre o regular trâmite de apreciação do veto e o declara
não aceito e publica a lei. Apesar de simples, esses casos destacam a relação conflituosa entre
os dois poderes (Executivo e Legislativo) e a necessidade de interferência do STF para
resolução do problema político, por meio de interpretações e instrumentais jurídicos.
Confirmando os outros quatorze casos anteriores às CF/88, o STF continua se
entendendo competente para controlar as questões envolvendo veto e quando necessário
declara o ato inconstitucional e altera o status quo da questão. Isso ocorreu em sete dos quinze
casos desse período.
Outro achado interessante, é que a partir da alteração do regime político para a
ditadura, o número de questionamento quanto ao veto que foram decididos pelo STF cai.
Somando os dois períodos constitucionais (1967 e 1969) são apenas três casos frente a doze
do período da CF/46. Em termos de período, até a ditadura, da CF/46 até 1964, foram dezoito
64
anos. O período da ditadura durou de 1964 a 1985, um total de vinte e um anos. Este período,
apesar de maior, conta com um número de casos expressivamente menor.
A minha hipótese é que um dos motivos para essa diminuição, é a falta de
necessidade de discussão jurídica do veto, visto o sistema de ditadura de tirania do Executivo
e a ingerência do Executivo nas decisões do STF.
4.4. Constituição Federal de 1988
Com o fim da ditadura em 1985, houve início às discussões para criação de uma
nova constituição. Eleita a Assembleia Constituinte em 1987, a então nova constituição foi
promulgada em 5 de outubro de 1988, buscando construir um Estado democrático de Direito.
A CF/88 traz amplos deveres-poderes a todos os três poderes do Estado, além de
elencar diversos outros atores como potencial players políticos (Ministério Público, Ordem
dos Advogados do Brasil, Sindicatos, entre outros).
Em termos de processo legislativo, os procedimentos são revistos, mas a maioria
dos institutos anteriores são mantidos. O processo legislativo é abordado a partir do artigo 66,
que está agrupado, sugestivamente, dentro do Título IV – Da Organização dos Poderes, da
seção VIII – Do processo legislativo e da subseção III – Das leis.
Seguindo a regulação das constituições anteriores, a sanção e veto do presidente
da república a projeto de lei continuam sendo uma das últimas fases do processo legislativo
(artigos 66; e 84, incisos IV e V).
Seguindo os moldes das CF/67 e 69, o artigo 46 da CF/88 especifica quais são os
tipos legislativos possíveis de se criar: (a) emenda à Constituição63; (b) leis complementares64;
63 Sua regulamentação está prevista no artigo 60. 64 Sua regulamentação está prevista nos seguintes artigos: 59, parágrafo único; 61 e; 69. Além de artigos
específicos que tratam de especificações quanto ao conteúdo da lei complementar.
65
(c) leis Ordinárias65; (d) leis Delegadas66; (e) medidas provisórias67; (f) decretos legislativos68
e; (g) resoluções69.
A Emenda à Constituição não passa pela fase de sanção por ser uma espécie de
revisão ou implementação constitucional. Por conta disso, o quórum para a propositura de um
projeto de lei desse tipo é diferenciado (1/3 da respectiva casa para ser sugerido e 3/5 dos
votos, em dois turnos e de cada casa, para ser aprovado)70. Neste caso específico, o artigo 60,
no § 3º, determina que a fase de promulgação, que nos tipos legislativos citados no parágrafo
anterior é realizado pelo presidente da república, seja de titularidade da mesa do Congresso
Nacional.
As Leis Delegadas e as Medidas Provisórias apesar de terem a sua iniciativa
vinculada ao presidente da república, em regra, elas também terão a fase final do processo
legislativo, retornado ao presidente para que este sancione. Se houver modificações durante a
tramitação no Congresso, ou se as medidas provisórias forem aceitas pelo Congresso, pode o
presidente vetar as alterações sofridas71.
Após os respectivos processos legislativos, que ao menos minimamente estão
previstos na CF/88, os projetos de lei são remetidos ao presidente da república para que os
sancione e os transforme em lei, ou, caso tenha interesse e justificativa, vete-os e os remeta
para nova discussão no Congresso Nacional (artigo 66 da CF/88).
Quanto ao veto, especificamente, não há alteração aos tipos possíveis de veto, o
artigo 66, § 1º, traz os dois tipos de veto: parcial (restrito) ou integral. As justificativas para o
veto continuam sendo a inconstitucionalidade ou a falta de interesse público.
O prazo para que o presidente da república se manifeste quanto ao projeto de lei é
de 15 dias úteis, no máximo, conforme previsto no § 3º do artigo 66, sob pena de considerar o
projeto aprovado e sancionado.
65 Em termos gerais, sua regulamentação é o artigo 61. Apesar de haver algumas outras poucas especificações.
Tradicionalmente, a lei ordinária é conhecida por ser o tipo legislativo que trata de matérias residuais não
especificadas aos demais tipos de leis. 66 A regulamentação está prevista no artigo 68. 67 Previsto no artigo 62. 68 Não há uma regulamentação específica, mas há menções a algumas hipóteses de utilização desse tipo
legislativo, como no artigo 62, parágrafos 3º e 10. 69 Não há uma regulamentação específica, mas há menções a algumas hipóteses de utilização desse tipo
legislativo, como no artigo 68, parágrafos 2º e 3º; além de outros artigos específicos que tratam de conteúdo
legislativo. 70 O artigo 60 da CF/1988 é bem explicativo. Ele traz outros sujeitos que podem iniciar um processo legislativo
de emenda à constituição, como o Presidente da República e mais da metade das assembleias legislativas. 71 O artigo 62 e seus parágrafos traz isso de forma expressa. Segundo o artigo 64, parágrafo 3º, estes projetos
voltam ao Presidente para que ele analise eventuais emendas e alterações.
66
Sancionada a lei, deve o presidente da república promulgá-la e declarar o tempo
de vacatio legis, lembrando que, caso este não determine, o prazo será de 45 dias, conforme
especifica o artigo 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Vetado o projeto de lei, o presidente da república deverá comunicá-lo ao
presidente do Senado Federal em até 48 horas, para que o projeto de lei ou parte dele seja
apreciado pelo Congresso Nacional em sessão conjunta (artigo 57, §§ 1º e 3º, inciso IV). O
prazo regular para essa decisão é de 30 dias, sob pena de trancar a pauta do legislativo72
(artigo 66 da CF/88)73.
Este ponto da previsão constitucional é o que pauta a discussão do MS 31816,
introduzido nos capítulos iniciais e que será desenvolvido no próximo capítulo. Mas, adianta-
se que até este caso o prazo de 30 dias deixou de ser respeitado por diversas vezes pelo
Legislativo. Por meio de regulação interna, o Congresso Nacional previa em seu Regimento
Interno (RICN) que o prazo de 30 dias só seria contado a partir da sessão de recebimento da
mensagem do veto e não a partir do recebimento pelo Legislativo da mensagem. Após o caso
dos Royalties do Pré-sal, em que foi noticiado pelo senador Renan Calheiros que o Congresso
não votava vetos há pelo menos 12 anos, e que havia mais de 3 mil vetos para serem
analisados, e o STF interferir no processo legislativo, o Congresso Nacional alterou a previsão
do RICN e, aparentemente, vem seguindo a determinação constitucional74-75.
Em termos formais, analisado o veto e este sendo derrubado, deve o presidente
sancionar e promulgar o projeto de lei ou parte dele (§ 5º do artigo 66 da CF/88). E, caso não
o faça em até 48 horas, o presidente do Senado quem promulgará e, se este não o fizer
também neste prazo, quem o fará será o vice-presidente do Senado (artigo 66, parágrafo 7º da
CF/1988).
A fim de elucidar a breve evolução regulatória do veto presidencial, apresento
uma tabela com as principais alterações desde 1946:
72 A determinação de suspensão de todos os trabalhos foi adicionada em 2001, pela Emenda à Constituição nº 32.
Até então ela suspendia todas as atividades, com exceção às matérias de Medida Provisória. 73 A Emenda à Constituição nº 76 de 2013 altera esse dispositivo, contudo, apenas quanto à questão da votação
secreta. Atualmente, o prazo continua sendo de 30 dias, mas com votação pública. 74 Fazem parte deste caso específico, as seguintes ações: MS-MC 31816 – incluindo-se aqui o agravo; ADI-MC
4917. 75 A título de exemplo, vide as notícias MADUEÑO, 2013; BRITO, 2013.
67
Tabela V – Principais Mudanças do Veto Presidencial nas CFs
Principais mudanças do Veto Presidencial nas CFs
Alterações/Constituições CF/1946 CF/1967 CF/1969 CF/1988
Tempo máximo para o veto 10 dias úteis 10 dias úteis 15 dias úteis 15 dias úteis
Sanção presumida do projeto de lei após 10 dias úteis após 10 dias úteis após 15 dias úteis após 15 dias úteis
Tempo máximo para comunicação do veto
x 48 horas 48 horas 48 horas
Sessão conjunta para deliberação sobre veto?*
Sim Sim Sim Sim
Tempo máximo para apreciação do veto x x 45 dias 30 dias
Consequência pela não votação x Mantém o veto Mantém o veto
Tranca a pauta de futuras votações, mas
não mantém o veto
Nº de votos para derrubar o veto 2/3 (dos presentes) 2/3 (dos membros) 2/3 (dos membros)
Maioria absoluta (dos membros)
Tempo máximo para sanção após derrubada do veto
48 horas 48 horas 48 horas 48 horas
Tabela 5 - Principais Mudanças do Veto Presidencial nas Cfs.. Fonte própria.
Como se observa, a CF/88 parece ser mais rígida e equilibrada em termos de
relação entre poderes – a partir do veto –, do que as demais. Isso porque, se não for discutido
o veto em até 30 dias, este trancará a pauta, mas não considerar-se-á aprovado o veto. No
entanto, para que haja a rejeição do veto é necessário haver o voto da maioria absoluta do
Congresso. No mais, não há tantas diferenças entre as regras.
A atual composição do STF é de 11 ministros (artigo 101 da CF/88), e tem como
atribuição – que destaco como importante à pesquisa – julgar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) (artigo 102, inciso I, alínea “a” da CF/1988), a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) (artigo 102, parágrafo 1º, da CF/1988),
Mandado de Segurança (MS) contra presidente da Câmara e do Senado (artigo 102, inciso I,
alínea “d” da CF/1988) e o Recurso Extraordinário (RE) (artigo 102, inciso III, alíneas “a”,
“b”, “c” e “d” da CF/1988).
A seguir, encontra-se a tabela dos casos que se referem a este período
constitucional:
Tabela VI – Casos no período de vigência da CF/88
Casos no período de vigência da CF/1988
Instrumento e nº Tema do Caso Relator
Decisão Colegiada ou Monocrática? Proponente
Autoridade Coatora
Data do Julgamento
Data da Publicação do Julgamento
ADI 1254 Procedimento de votação do veto no Congresso
Sepúlveda Pertence Colegiada
Governador do RJ ALERJ 15/03/1995 09/12/1999
ADI-MC 1330 MP como assessório do veto
Francisco Rezek Colegiada
Confederação Nacional da Agricultura
Presidente da República 10/08/1995 20/09/2002
68
ADPF QO 1 Instrumento para arguição de veto
Néri da Silveira Colegiada PC do B
Prefeito do Município do RJ 27/01/2000 09/12/1999
MS-MC 24675 Instrumento para arguição de veto Cezar Peluso Monocrática
Município de Paranavaí
Presidente da República 23/10/2003 03/02/2000
ADPF 63 Instrumento para arguição de veto
Sepúlveda Pertence Monocrática
Governador do AP ALEAP 01/02/2005 03/02/2005
ADPF-MC 45 Instrumento para arguição de veto
Celso de Mello Monocrática PSDB
Presidente da República 15/10/2003 29/04/2005
MS 25443
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Cezar Peluso Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 04/07/2005 05/07/2005
MS 25443 (reconsideração)
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Cezar Peluso Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 04/07/2005 17/08/2005
MS 25939
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso
Sepúlveda Pertence Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Senado 10/04/2006 10/04/2006
MS 25939
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso
Sepúlveda Pertence Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Senado 10/04/2006 10/04/2006
MS-MC 25964
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso
Joaquim Barbosa Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 04/06/2006 05/06/2006
ADPF 73 Instrumento para arguição de veto Eros Grau Monocrática PSDB
Presidente da República 30/05/2005 07/05/2007
MS 25964
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso
Joaquim Barbosa Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 04/06/2006 05/06/2006
MS 26931
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso
Marco Aurélio Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 27/09/2007 13/10/2007
ADI 3719 Procedimento de votação do veto no Congresso Eros Grau Monocrática PSOL
Mesa do Congresso Nacional 02/05/2006 09/12/2008
MS 25443
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Cezar Peluso Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 04/07/2005 20/11/2009
MS 29359 Instrumento para arguição de veto
Gilmar Mendes Monocrática Cidadão
Presidente da República 18/10/2010 27/10/2010
MS 29345 Instrumento para arguição de veto
Gilmar Mendes Monocrática Cidadão
Presidente da República e outros 14/10/2010 27/10/2010
MS 29361 Instrumento para arguição de veto Dias Toffoli Monocrática Cidadão
Presidente da República e outros 18/10/2010 28/10/2010
MS 29358 Instrumento para arguição de veto
Gilmar Mendes Monocrática Cidadão
Presidente da República 18/10/2010 13/12/2010
MS-MC 29373 Instrumento para arguição de veto
Celso de Mello Monocrática
Presidente da República 18/10/2010 30/06/2011
MS-MC 31397 MP como assessório do veto Luiz Fux Monocrática
Deputado Federal
Presidente da República 06/06/2012 12/06/2012
MS 26763
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso
Marco Aurélio Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Senado 28/06/2007 10/08/2012
RE-RG 706103
Publicação de projeto de lei que não tem o veto mantido Luiz Fux Colegiada
Prefeitura de Lagoa Santa/MG
Mesa Diretora da Câmara Municipal de Lago Santa/MG 15/08/2012 27/09/2012
MS-MC 31816
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Luiz Fux Monocrática
Deputados Federais
Câmara dos Deputados 13/12/2012 17/12/2012
69
MS-MC 31832
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Luiz Fux Monocrática
Congressistas
Presidente do Congresso 19/12/2012 16/01/2013
MS-Emb 29345 Instrumento para arguição de veto
Gilmar Mendes Colegiada Cidadão
Presidente da República e outros 14/10/2010 07/02/2013
MS-MC-AgR 31816
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Luiz Fux Colegiada
Congressistas
Mesa do Congresso Nacional 13/12/2012 27/02/2013
ADI-MC 4917 STF como última fase do processo legislativo
Cármen Lúcia Monocrática
Governador do RJ
Congresso Nacional e Presidente da República 15/03/2013 18/03/2013
MS 31944
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Luiz Fux Monocrática Senadores
Mesa do Congresso Nacional 08/03/2013 15/08/2013
MS 31814
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Luiz Fux Monocrática Senadores
Mesa do Congresso Nacional 12/12/2012 22/08/2013
MS 31828
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Luiz Fux Monocrática Senadores
Mesa do Congresso Nacional 17/12/2012 22/08/2013
MS 31938
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Luiz Fux Monocrática Senadores
Mesa do Congresso Nacional 06/03/2013 22/08/2013
MS 31832
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Luiz Fux Monocrática
Congressistas
Presidente do Congresso 19/12/2012 22/08/2013
MS 31816
O STF no controle da pauta quanto ao Veto no Congresso Luiz Fux Monocrática
Deputados Federais
Câmara dos Deputados 13/12/2012 23/08/2013
MS-Emb 29359 Instrumento para arguição de veto
Gilmar Mendes Colegiada Cidadão
Presidente da República 18/10/2010 07/11/2013
ADI-MC 1491 Procedimentos do veto Carlos Velloso Colegiada PT; PDT
Congresso Nacional e Presidente da República 14/08/1996 08/05/2014
MS-MC 33356 Procedimento de votação do veto no Congresso
Celso de Mello Monocrática
Congressistas
Presidente do Congresso 28/11/2014 18/12/2014
MS-MC 33353 Procedimento de votação do veto no Congresso
Celso de Mello Monocrática
Congressistas
Presidente do Congresso 26/11/2014 18/12/2014
Tabela 6 - Casos no período de vigência da CF/1988. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: planilha de casos -
Apêndice IV.
Ao total são trinta e nove casos ocorridos neste período, o que é mais do que o
dobro dos períodos anteriores, o que evidencia um constante crescimento, como já
apresentado no gráfico 1 (Casos de veto no STF, p. 35-36).
Gráfico 2 – Casos na CF/88
70
Gráfico 2 - Casos na CF/88. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice I.
Diferente dos períodos anteriores, dos trinta e nove casos, em oito a decisão do
STF foi de forma colegiada, as outras trinta e uma decisões foram monocráticas, o que
também já evidencia uma tendência do STF em resolver esses casos ainda na fase preliminar.
Tanto que, das trinta e uma decisões monocráticas, oito tiveram a liminar indeferida e, em
seguida, a perda do objeto; e, vinte e um casos tiveram o não conhecimento da ação decretado
ainda em fase monocrática. Apenas em dois casos a liminar foi deferida, que foram
justamente nos casos objeto de estudo no capítulo 6, desta pesquisa, os casos do royalties do
pré-sal (MS 31816 e ADI-MC 4917).
Dos trinta e nove questionamentos, oito foram feitos por cidadão, que utilizaram
MS para questionar o veto. Como será desenvolvido no capítulo a seguir, o STF tem o
entendimento de que não cabe ao cidadão o questionamento do veto quando ainda não findo o
processo legislativo. Só cabe tal questionamento mediante controle de constitucionalidade de
lei, seja pelo meio concentrado ou difuso. Em seis, dos trinta e nove casos, o arguidor foi o
Executivo (estadual e municipal) que estava arguindo o Legislativo (estadual ou municipal),
ou o Executivo (federal) e Legislativo (federal); em termos de instrumentos utilizados há uma
variação entre ações de controle concentrado, MSs e um RE. O Legislativo figura como
arguidor em vinte e um casos, arguindo, na maioria da vezes, o próprio Legislativo (mesa da
Casa) e em apenas um caso arguindo o Executivo; e o instrumento por eles utilizados é o MS.
Os partidos políticos, por sua vez, figuraram em cinco casos, como arguidores e arguindo
desde o Executivo municipal, até os poderes federais; e os instrumentos por eles utilizados são
as ações de controle concentrado de constitucionalidade.
71
Uma tendência que diminui, relativamente, se comparado aos outros períodos, é
que das trinta e nove decisões, em dezessete o STF controlou a questão e, desses, apenas em
quatro há alteração do status quo da questão (ADI 1254; MS-MC 31816; MS-MC-AgR
31816; ADI-MC 4917). Comparado ao período anterior, o número de decisões em que o STF
se considerou competente é maior (de quatorze para dezessete), mas, proporcionalmente, o
número é menor, tendo em vista que a quantidade de casos da CF/88 é maior que as
anteriores. O número de casos em que o STF alterou o status quo mantém-se, mas também é
proporcionalmente menor.
72
5. O VETO PRESIDENCIAL NO STF: UMA VERTENTE DA RELAÇÃO ENTRE OS
PODERES
Neste capítulo apresento de forma sistemática os resultados alcançados com a
pesquisa. O objetivo não é ser um capítulo de fichamentos e de decomposição de argumentos
dos ministros, mas sim de construção de raciocínio a partir de breves descrições dos casos.
Todas as afirmações deste capítulo têm fundamentos nos documentos que decodificam a
leitura dos casos, que estão disponíveis no Apêndice III e na planilha de casos, disponível no
Apêndice IV. A fim de que o trabalho não fique cansativo com citações e extensas
referências, espera-se que os fichamentos sirvam como base para confirmação de argumentos.
Nesses arquivos estão dispostas todas as informações necessárias, inclusive eventuais
referências às páginas dos casos e citações diretas dos votos (quando necessários).
Neste tópico introduzo ao leitor as informações gerais dos casos da pesquisa.
Como já mencionado no capítulo metodológico, ao final, o universo de pesquisa contou com
cinquenta e cinco casos. A seguir, apresento o gráfico 2 que contém o número de casos e a sua
divisão conforme os instrumentos e a forma de decisão (monocrática ou colegiada).
Gráfico 3 – Casos e Decisões
Gráfico 3 - Casos e Decisões. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice IV.
73
Ao total a pesquisa contou com seis instrumentos processuais diferentes e de
períodos distintos. Como apresentado no capítulo 4, a Rp e o RC referem-se a constituições
anteriores à atual, quatro MSs e quatro REs também são de período anterior à CF/88.
Como destacado ao final do capítulo 4, os MSs são os instrumentos mais
utilizados e, dos trinta e quatro casos do universo, trinta foram a partir da CF/88. Em regra, os
MSs têm parlamentares questionando atos do próprio parlamento (chefe da Casa legislativa),
relacionados ao veto. Apesar de esse tipo de mandado de segurança ser competência do
plenário do STF (artigo 5º, inciso V), a maioria dos casos têm decisão monocrática. A
justificativa é que o Regimento Interno do STF (RISTF), em seus artigos 203, § 1º e 21,
incisos V e IV, permite que as apreciações de medidas liminares em MS possam ser
concedidas pelo relator, ad referendum do plenário. Outra justificativa, é que quando não
preenchidos os requisitos para conhecimento da ação, cabe ao relator, de maneira individual, a
decisão de não conhecimento da ação (artigos 21, inciso IX; e 202, do RISTF).
As discussões políticas desses casos, para serem apreciadas pelo STF, precisam
ser traduzidas em questionamentos jurídicos. Dessa forma, o veto discutido precisa questionar
alguma irregularidade procedimental-constitucional, para que o STF se considere competente
para apreciar a questão. Em regra, se o caso apenas fizer menção à regra regimental, o STF
considera-se incompetente para a análise da questão, apesar de em alguns casos haver
ministros questionando essa máxima76.
Isso se verifica na pesquisa e é apresentado nos tópicos seguintes, e afirmado pelo
ministro Celso de Mello, no MS 33353, conforme vemos a seguir:
Em consequência dessa orientação, o Supremo Tribunal Federal
somente tem deixado de conhecer de ações que, impugnando atos ou
procedimentos das Casas do Congresso Nacional, insurjam-se contra
deliberações de natureza interna (RTJ 173/805-810, 806 – RTJ 175/253 –
RTJ 176/718, v.g.) ou fundadas em prescrições de índole meramente
regimental, pois, em tais situações, a superação de eventual disputa político-
partidária no Parlamento deverá “encontrar solução no âmbito do Poder
Legislativo”, o que excluirá, por isso mesmo, a possibilidade de qualquer
fiscalização judicial nessa matéria, como esta Suprema Corte tem tido o
ensejo de advertir (MS 22.183/DF, Red. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO
CORRÊA –
MS 24.356/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – MS 26.062-AgR/DF, Rel.
Min. GILMAR MENDES, v.g.).
76 Por tempos entende-se que os atos parlamentares que produzem efeitos internos aos trabalhos das Casas são
interna corporis e, portanto, não suscetíveis a apreciação pelo Judiciário. Contudo, evidenciando as premissas
teóricas do trabalho, nos capítulos 1 e 2, o movimento de alteração desse entendimento, em alguns casos, vem
ocorrendo (como nas CPIs e até em casos de violação de procedimento legislativo constitucional, vide o caso do
ICMbio). Isso demonstra como a visão e a delimitação da separação dos poderes também se constrói a partir da
relação das instituições (BISPO, 2012, pp. 22-33).
74
Tendo-se presente o contexto em análise, entendo que se impõe a
formulação, na espécie, de juízo negativo de cognoscibilidade da presente
ação mandamental, eis que – além de a conduta impugnada traduzir-se em
expressão “interna corporis” (o que bastaria, por si só, para afastar a
pretendida intervenção jurisdicional, sob pena de flagrante ofensa ao
postulado da separação dos poderes) – o único fundamento constitucional
invocado (suposta ofensa ao “’quorum’ qualificado estabelecido no § 4º do
art. 66 da Constituição Federal”) não guarda
pertinência com o resultado da deliberação parlamentar, que, longe de haver
rejeitado os vetos presidenciais (o que exigiria o voto da maioria absoluta
dos congressistas), veio a mantê-los, mediante votação para a qual não se
mostrava exigível, constitucionalmente, aquele “quorum” qualificado (CF,
art. 66, § 4º) (MS 33353, p. 6-7)
O início do questionamento em relação ao limite da análise das regras regimentais
quanto aos procedimentos de processos legislativos, pode ser exemplificado no caso do MS-
MC 31816. Neste, o ministro Luiz Fux apresentou críticas a esse entendimento e o superou,
para poder declarar inconstitucional o ato do parlamento de apreciação do veto:
Preliminarmente, é preciso demarcar que a jurisprudência tradicional
desta Corte se consolidou no sentido de que tais assuntos se qualificam
como questões interna corporis, considerando-os imunes ao controle
judicial. Subjacente a tal orientação encontra-se um resquício da concepção
ortodoxa do princípio da separação de poderes, que, de certa forma, ainda
visualiza a existência de domínios infensos à intervenção judicial, reservados
que seriam à instituição parlamentar, responsável ela solução final de toda e
qualquer matéria emergente no seu interior.
Tal concepção, todavia, não parece a mais adequada. Em um Estado
Democrático de Direito, como o é a República Federativa do Brasil (CF, art.
1º, caput), é paradoxal conceber a existência de campos que estejam
blindados contra a revisão jurisdicional, adstritos tão somente à alçada
exclusiva do respectivo Poder. Insulamento de tal monta é capaz de
comprometer a própria higidez do processo legislativo e, no limite, o
adequado funcionamento das instituições democráticas. Daí por que se
impõe revisitar esta atávica jurisprudência do Tribunal. Há pelo menos
quatro razões substantivas para não se transigir com este entendimento
ortodoxo e, consequentemente, encampar um elastério no controle
jurisdicional nas questões jurídicas porventura existentes nas vísceras de
cada Poder.
Em primeiro lugar, as disposições regimentais consubstanciam, em tese,
autênticas normas jurídicas e, como tais, são dotadas de imperatividade e de
caráter vinculante. Sua violação, ademais, habilita a pronta e imediata
resposta do ordenamento jurídico. Nesse cenário, é inconcebível a existência
de normas cujo cumprimento não se possa exigir coercitivamente. Não há
aqui outra alternativa: (i) ou bem as normas regimentais são verdadeiramente
normas e, portanto, viabilizam sua judicialização, (ii) ou, a rigor, não se trata
de normas jurídicas, mas simples recomendações, de adesão facultativa pelos
seus destinatários.
Este último não parece ser o caso. Em segundo lugar, conforme assentado
supra, o papel das normas constitucionais é puramente estabelecer balizas
genéricas para a atuação do legislador, sem descer às minúcias dos diferentes
assuntos nela versados. E isso é verdadeiro também para o processo
legislativo constitucional. Seus detalhes ficam a cargo do próprio corpo
75
legislativo quando da elaboração dos Regimentos Internos. A fixação de tal
regramento denota autolimitação voluntária por parte dos próprios
legisladores, enquanto produção normativa endógena, que traduz um pré-
compromisso com a disciplina interna de suas atividades. Disso decorre que
se, por um lado, há um prévio espaço de conformação na elaboração da
disciplina interna das Casas Legislativas, por outro lado, não menos certa é a
assertiva segundo a qual, uma vez fixadas as disposições regimentais, tem-se
o dever de estrita e rigorosa vinculação dos representantes do povo a tais
normas que disciplinam o cotidiano da atividade legiferante. É dizer, o seu
(des)cumprimento escapa à discricionariedade do legislador. Em terceiro
lugar, como corolário do pré-compromisso firmado, as normas atinentes ao
processo legislativo se apresentam como regras impessoais que conferem
previsibilidade e segurança às minorias parlamentares, as quais podem,
assim, conhecer e participar do processo interno de deliberação. Justamente
porque fixadas ex ante, as prescrições regimentais impedem que as maiorias
eventuais atropelem, a cada instante, os grupos minoritários. As normas de
funcionamento interno das casas legislativas assumem aí colorido novo, ao
consubstanciarem elemento indispensável para a institucionalização e
racionalização do poder, promovendo o tão necessário equilíbrio entre
maioria e minoria.
Similar advertência foi feita pelo i. Ministro Marco Aurélio, que em lapidar
lição assentou que o desrespeito às regras regimentais “não se faz ao abrigo
de imutabilidade jurisdicional, sob pena de reinar no seio das Casas
Legislativas a babel, passando a maioria a ditar, para cada caso concreto, o
que deve ser observado. As normas instrumentais, tenham ou não
idoneidade constitucional, conferem a certeza quanto aos meios a serem
utilizados e exsurgem como garantia maior à participação parlamentar”.
(STF, MS nº 22.503/DF, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 06.06.1997). Em
quarto lugar, há um argumento de cidadania para admitir a sindicabilidade
judicial nas hipóteses de estrito descumprimento das disposições
regimentais. Trata-se de zelar pelo cumprimento das regras do jogo
democrático, de modo a assegurar o pluralismo necessário e exigido
constitucionalmente no processo de elaboração das leis (MS-MC 31816, pp.
22-24). (Grifos meus)
Os demais instrumentos, que foram utilizados e verificados por esta pesquisa, têm
suas peculiaridades mas não trazem tantos questionamentos quanto a sua apreciação e forma
de utilização.
O mandado de segurança, quando impetrado por parlamentar contra o Legislativo,
reflete reais problemas de entendimento político no andamento dos trabalhos e o STF é
chamado a determinar qual deve ser o trâmite daquele trabalho. Isso ocorre mesmo que não
haja decisão de mérito, no sentido de decidir quem estava certo, mas apenas o fato de
conceder ou não liminar já possibilita o andamento dos trabalhos.
Os REs foram usados em apenas seis casos. A maioria deles questionavam o veto
de chefes do poder Executivo de nível municipal ou estadual, e por meio de recurso, por
suposta violação à constituição, esse caso chega ao STF. Também tratam-se de casos
anteriores à CF/88, sendo a única exceção o RE-RG 706103, que até o momento apenas teve
76
analisada a existência de repercussão geral. Em regra, tratam-se de casos que, em sua origem,
poderiam conter um problema urgente, mas, por conta do instrumento utilizado, as questões
ficam sendo discutidas por algum tempo. Assim, quando efetivamente o STF vai analisar o
caso, já não há tanta preocupação com a situação fática, em si, mas apenas a questão de
direito.
Cito o RE 45631 como exemplo do tipo de questionamento feitos por meio desse
instrumento. Esse caso teve como questionamento o ato do prefeito de Recife de rejeitar
publicar parte da lei que teve o veto derrubado pelo Legislativo. O STF decidiu que deveria o
prefeito publicar essa parte, conforme determinava a CF/46. Esse caso é interessante, porque
o artigo 70, dessa constituição, previa que poderia o Legislativo publicar projeto de lei ou
parte dele quando o Executivo descumprisse o prazo de 48 horas; mas, mesmo assim, o
Legislativo preferiu utilizar o Judiciário para conseguir a publicação. Como as informações
nos autos são limitadas, não consigo criar hipóteses para esse fato.
O instrumento Rp também é anterior à CF/88. Todos os cinco casos presentes
nesta pesquisa questionam a constitucionalidade de atos estaduais relacionados ao veto. Os
cinco casos estão atrelados à discussão quanto a procedimento de oposição do veto ou da
votação deste no Legislativo. Assim como no RE, esses casos podem ter urgência em sua
origem, mas, com o procedimento natural dessa ação, quando o STF apreciava a situação, já
fazia mais de anos que o caso havia ocorrido. Por conta disso, a urgência não fica tão
evidente.
O Recurso Criminal foi utilizado apenas em um caso, durante o governo Getúlio
Vargas, em 1953. Nesse caso, Luiz Carlos Prestes seria prejudicado por conta de um veto que
retirara um artigo da lei penal que iria favorecê-lo. Por meio desse instrumento, o recorrente
alega vício de constitucionalidade do veto, por este ter sido apresentado após a sanção e
promulgação do projeto de lei. Contudo, o STF decide que não houve erro material, mas
apenas formal na publicação das informações quanto ao veto.
A ADPF foi utilizada quatro vezes. Os arguidores foram partidos políticos e em
um caso o Executivo estadual, todos questionando o veto quanto a sua qualidade ou quanto ao
seu procedimento. O STF decidiu, em todos os casos, que por mais que pudesse haver vício
procedimental ou material no objeto da ação, não caberia ADPF para questionar projeto de lei
e, muito menos, para questionar veto no projeto de lei. Dessa forma, instruía o STF que fosse
feito o questionamento pela via instrumental correta e rejeitava o conhecimento da ação. A
ADPF, apesar de ter fundamentação em vício de processo legislativo, questionava a lei em si,
77
pois o processo legislativo já tinha se findado; por conta disso que o STF rejeitara a análise
das questões.
Por último, a ADI foi usada cinco vezes, e o objetivo, como deveria de ser, era
questionar a constitucionalidade de lei, e um dos argumentos era algum vício quanto ao veto.
Tratam-se de casos em que o conflito entre os poderes é perceptível e relatado nos autos, mas
que, ao menos quanto ao veto, não aparentam ser questões urgentes, o que permite menor
pressão para resolução do ponto, ao STF. A única exceção é a já citada ADI-MC 4917, em
que é possível notar a evolução de todo o problema do caso dos royalties do pré-sal e a
utilização do STF como última fase do processo legislativo, como será explicado no capítulo
6.
Uma das provocações desta pesquisa é buscar verificar se o STF reconhece a sua
competência para controlar atos relacionados a veto ainda dentro do processo legislativo de
criação das leis, ou seja, ainda não tendo sido o projeto de lei convertido em lei. Isso porque,
caso haja casos em que há controle ainda na fase de projeto de lei, pode-se admitir um
controle de constitucionalidade preventivo informal (por não estar previsto nas constituições).
Fazer essa análise, com codificação e estruturação dos dados, é um ato que exige
descrição do método, para que não se confunda com outras informações. Nesse sentido, há
instrumentos que são utilizados para questionar o veto, ainda como fase do processo
legislativo de criação de leis, mas, que na prática, acabam por questionar a
constitucionalidade da própria lei e não do ato veto. Essa é a situação de todos os casos de
ADPF, ADI, RC, Rp e RE. Os únicos casos em que de fato há questionamento ainda no
momento do veto são os MSs.
Dentro dos MSs, os casos a partir de 1988 são de fáceis constatação de que o
questionamento no cerne da questão é veto ainda na fase de projeto de lei. Os casos anteriores
a essa constituição já têm a característica de discutirem atos relacionados a veto que são de
origem federativa estadual ou municipal. Contudo, mesmo assim, com base nas informações
dos autos, ainda tratavam-se de questionamentos específicos quanto ao veto e, por mais que
tenha ocorrido o percurso de subir ao STF para decisão, ainda estaria o processo legislativo de
criação das leis paralisados, para resolução do questionamento pelo Judiciário.
Isso posto, destaco que ao total há trinta e quatro MSs no universo da pesquisa e
que metade desses casos tiveram controle de seus atos pelo STF. Dessa forma, somando os
dezessete casos em que não tiveram controle e os casos de controle de constitucionalidade a
posteriori, há um total de trinta e oito casos em que não tiveram controle preventivo de
constitucionalidade e dezessete que tiveram.
78
Contudo, como será apresentado nos subtópicos a seguir, mesmo havendo casos
de controle preventivo, o STF não altera o status quo da questão (alterou em quatro casos),
nessas situações, tendo maior liberdade para o fazer no controle posterior de
constitucionalidade (seis casos).
Isso demonstra um STF que se considera competente para analisar veto em
projetos de leis, mas que quando o faz poucas são as vezes que altera a decisão política
dominante no caso (não altera o status quo da questão). O que pode representar passividade
do STF frente à hiperatividade de se determinar competente para decidir a maioria desses
casos.
Quanto aos atores ou pleiteantes, que figuram nesses casos, são variados, mas é
possível dividi-los em cinco grupos, como pode-se ver nos gráficos a seguir:
Gráfico 4 - Proponentes
Gráfico 4 - Proponentes. BISPO, Nikolay H. Fonte: Apêndice I.
Gráfico 5 – Proponentes por instrumentos
79
Gráfico 5 - Proponentes por casos. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice IV.
Cidadão é o grupo de sujeitos de atores políticos não institucionais, como
apresentado no capítulo 3, composto por pessoas naturais e pessoas jurídicas (de direito
público ou privado). Ao total, ele figura como proponente em quinze casos, sendo a maioria
por meio de MS ou RE.
Legislativo é o grupo que contém sujeitos políticos individuais (parlamentar) e
coletivos (representando o Legislativo municipal, estadual ou federal, como um todo). Ao
total são vinte e dois casos com a participação desse grupo como arguidor e o instrumento
mais utilizado é o MS.
O grupo Executivo é formado por chefes do poder Executivo (municipal, estadual
ou federal). Ao total esse grupo figurou em doze casos como proponente.
Partidos Políticos são compostos por sujeitos representantes de determinado
partido político. Esses figuraram em cinco casos como arguidores.
Esse quadro de atores também pode ser verificado pelo outro lado, que é por meio
dos arguidos. Nesses termos, o gráfico fica da seguinte forma:
Gráfico 6 - Arguidos por casos
80
Gráfico 6 - Arguidos por casos. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice IV.
Os arguidos, nesses casos, poderiam ser apenas o Legislativo ou o Executivo,
tendo em vista serem as autoridades responsáveis pelo veto. Ao total, o Legislativo figurou de
forma individual, como autoridade arguida, em trinta e nove casos. O Executivo figurou em
vinte e um casos e de maneira conjunta, Executivo e Legislativo figuraram em quatro casos.
Em termos de nível federal dos arguidos, temos o seguinte gráfico:
Gráfico 7 – Casos por Nível Federal
Gráfico 7 - Casos por nível federal. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice I.
A maioria dos casos são de questionamento de autoridades federais (Legislativo
ou Executivo, ou ambos); em seguida as autoridades de nível estadual (Executivo ou
81
Legislativo) e, por último, de nível municipal (Executivo ou Legislativo). Ressalta-se que esse
gráfico apresenta a informação com base na autoridade arguida e não na arguidora; o gráfico
mudaria, nessa última hipótese, pois há casos em que o arguidor é autoridade municipal ou
estadual, mas o arguido é federal.
Esse último gráfico, quando comparado cumulativamente com o gráfico a seguir,
traz informações curiosas:
Gráfico 8 – Favorecidos pela Decisão
Gráfico 8 - Favorecido pela Decisão. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice I.
Autoridade favorecida é aquela que tem benefícios com a decisão do STF, dessa
forma, se o Legislativo questiona ato do Executivo e o STF decide não alterar esse ato (pode
fazer isso decidindo o mérito ou a liminar), a autoridade favorecida é o Executivo, pois
conseguiu manter intacto o seu ato. Se o contrário ocorrer, e quem estiver questionando for o
Executivo, o Legislativo é o favorecido pela decisão. E esse raciocínio aplica-se às demais
categorias.
Dessa forma, a partir do gráfico acima, é possível verificar que, de maneira geral,
a autoridade que mais foi favorecida pelas decisões do STF foi o Legislativo, somando os dois
grupos (Legislativo e Legislativo (maioria)), com vinte e três casos; seguido pelo Executivo,
com um total de dezoito casos; em seguida, os casos em que não são possíveis determinar
quem foi o favorecido, por conta de diversidades nos polos ou por questão de tempo de
decisão, fica em terceiro, com dez casos; e o Legislativo e Executivo, juntos, ficam em quinto,
com três casos.
82
A categoria outros abarca apenas um caso, em que o favorecido é o procurador-
geral da república, especificamente na Rp 432, em que atuara a favor de um dos poderes
estaduais, mas, por meio dos autos não é possível identificar quem seria o interessado na
causa.
Quando se compara por níveis federais, verifica-se que em alguns grupos há
equilíbrio entre autoridades favorecidas, mas em outros não. Nesse sentido, o Executivo, em
todos os níveis, tem decisões favoráveis em menos da metade dos casos (são trinta e sete
casos a nível federal, em nove o Executivo é favorecido; de onze a nível estadual, em seis o
favorecido é o Executivo; e em sete casos de nível municipal, em três o Executivo é o
favorecido). A nível estadual e municipal há equilíbrio entre os favorecidos, ficando
aproximadamente a metade dos casos para cada poder. Já a nível federal, o Legislativo teve
dezesseis casos em que saiu como favorecido e o Executivo nove.
Por último, em termos de apresentações gerais, a variável tempo também é
importante. Devido ao número de casos, escolhi apresentar e analisar o tempo, nesta etapa,
conforme o instrumento utilizado. Mas adianto que nos tópicos a seguir, cada uma das
categorias analíticas criadas têm a sua própria análise de tempo, o que altera, bastante, a
percepção do gráfico a seguir.
Gráfico 9 – Média de tempo por instrumentos
Gráfico 9 - Média de tempo por instrumentos. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte:
Apêndice IV.
Antes de iniciar a descrição e análise desse dado, informo ao leitor que a variante
tempo serve apenas como meio de percepção e não de exatidão de tempo gasto pela Corte na
83
análise dos casos. Primeiro por falta de conhecimento estatístico para realizar uma análise
adequada. Segundo, porque a quantidade de casos por instrumento é muito diferente entre
eles, o que possibilita a existência de variáveis fora do padrão de controle, e que resulte em
aumento exponencial do tempo para aquela categoria.
Eu poderia isolar essa variável para chegar à proximidade real, mas como o
universo desta pesquisa resume-se a casos que tenham algum questionamento de veto
presidencial, não busco fazer uma quadro métrico e exato de tempo gasto pela Corte na
análise desses instrumentos. Além disso, a organicidade para a introdução deste capítulo é
para apresentação mais genérica dos dados; nos tópicos a seguir, ao fazer a análise de tempo,
apresento os dois resultados, quando necessário: análise geral dos casos daquele grupo e,
quando há caso destoando dos demais, isolo-o para conseguir um número sem influência
dessa variável.
Informo, também, que a variante tempo será utilizada para mim, principalmente,
conforme o grupo de casos. Mas, de maneira geral, entendo como razoável que tenha decisões
entre um dia e dois anos. Este prazo é estipulado com base no período de quatro anos de
legislatura, em que, caso o processo seja questionado ao início ou no meio da legislatura,
haveria tempo hábil para que a decisão tivesse efeito nessa mesma legislatura. Apesar disso,
essa variante tempo, como já mencionado, será melhor definida em cada grupo, conforme as
características de cada instrumento e dos fatos questionados.
No gráfico 9, a média de tempo gasto para resolução desses casos envolvendo
veto é de, aproximadamente, 875 dias, o que significam, praticamente, 2 anos e 4 meses.
Contudo, quando se utiliza a pesquisa de Falcão, Hartmann e Chaves, Supremo em Números
(2014), essa média passa a ser analisada de outra forma77.
Isso porque, segundo o Supremo em Números (2014, p. 71), que analisa a média
de prazo até a publicação de trânsito em julgado do caso, o MS dura em média 300 dias, a
ADI 368 dias, a ADPF 342 dias, o RC 419 dias o RE 131 dias e a Rp 601 dias. Isso resulta em
uma média final de, aproximadamente, 360 dias, o que equivale a uma média próxima de 1
ano.
77 Diversas ressalvas, além das feitas no corpo do trabalho, são necessárias. A pesquisa do Supremo em Números
pretende ser uma pesquisa big data e com alta expertise estatística. Por conta disso, a forma de composição do
banco de dados e análise deles são muito diferentes do que propõe a presente pesquisa. Este trabalho não está
preocupado em ser quantitativo, mas sim qualitativo; contudo, as informações quantitativas são importantes e
complementares à pesquisa, mas não o centro dela. Por conta disso, os dados de tempo aqui mencionados são
todos aproximados. Por isso, apesar de fazer apresentações e até comparações entre os dados obtidos, não é uma
tentativa de verificar ou refutar as conclusões daquela pesquisa, mas apenas é uma tentativa de dialogar para
tornar a presente pesquisa mais interessante.
84
De maneira individual, analisando cada instrumento, verifica-se que o MS tem um
prazo similar ao informado pelo Supremo em Números. Como em meus dados calculo liminar
e decisão de arquivamento de maneira conjunta, não é possível fazer uma inferência mais
específica quanto a razoabilidade desse prazo. Uma vez que, como destaco ao início deste
capítulo, a maioria dos casos de MS contam com decisão monocrática, mas essa pode ser
concedendo ou não a liminar ou apenas declarando o não conhecimento da ação. Por conta
disso, apenas exponho esses dados.
A ADI, nesta pesquisa, supera em muito a média de tempo informado pelo
Supremo em Números. Ao total são 1893 dias, aproximadamente, até a decisão final.
Equivale a mais de cinco vezes o prazo geral de resolução da ADI, informado pelo Supremo
em Números (368 dias) – Reitero as ressalvas feitas no parágrafo anterior.
A ADPF tem a média 342 dias, no Supremo em Números, e nesta pesquisa possui
média de 321 dias, o que é similar.
O RC, nesta pesquisa, possui média de 365 dias, enquanto no Supremo em
Números, 419 dias. O que também é um prazo próximo.
O RE dura em média 1619 dias, nesta pesquisa, e no Supremo em Números, 131
dias. É uma prazo expressivamente maior, equivalendo a mais de dez vezes esse prazo.
Por último, a Rp dura em média 601 dias, segundo o Supremo em Números, e
nesta pesquisa alcançou a média de 730 dias. Também é um número que apesar de maior, fica
relativamente próximo, sendo acrescidos algo em torno de quatro meses.
As informações apresentadas até este tópico são gerais e introdutórias. Para
conseguir extrair respostas que fossem capaz de responder às questões deste trabalho foi
necessário criar categorias de casos para analisar semelhanças, diferenças e, se possível,
extrair informações sistematizadas.
Nesse sentido, foi feito um esforço dogmático na observação dos pontos em
comuns em cada caso para conseguir conectá-los e extrair resultados consistentes para a
pesquisa. Essa alocação de casos por grupos foi feita a partir de duas informações: (a) da
narrativa dos fatos pelo próprio ministro relator, era feita uma primeira triagem sobre o tema
do caso; (b) em seguida, com base na questão de fundo discutida (se questionava o
procedimento do veto utilizado pelo Executivo; a qualidade do veto; o procedimento adotado
para votação do veto no Legislativo, entre outros) comecei a observar que era possível extrair
pontos gerais sobre a problemática.
Desse modo, como citado no capítulo 2, as categorias de casos criadas foram: (1)
Procedimentos do veto; (2) Procedimento de votação do veto no Congresso Nacional; (3)
85
Obrigatoriedade de publicação do projeto de lei vetado; (4) MP pode conter conteúdo de veto
rejeitado pelo congresso; (5) Instrumentos para arguição do veto; (6) O STF no controle da
pauta quanto ao veto no Congresso; (7) O STF como última fase do processo legislativo.
5.1. Procedimentos do Veto
Reuni neste grupo casos que arguiam qual seria o procedimento correto para a
oposição do veto, pelo Executivo. Nesses casos, questiona-se a validade do veto por supostos
vícios procedimentais. A tabela a seguir traz as principais informações desses casos.
Tabela VII – Grupo 1 - Casos de Procedimentos do veto
Tabela 7 - Grupo 1 - Casos de Procedimento do veto. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: planilha de casos -
Apêndice IV.
Ao total, este grupo contém oitos casos. São casos com decisão colegiada e a
maioria está atrelada ao período da CF/46 (cinco casos). Em termos de arguidores, cidadão
figura em quatro casos, Executivo (municipal e estadual) em dois, Legislativo figura com
interesse na causa em um caso (RE 45631) e Partido Político em um caso. Com exceção da
Grupo 1 - Casos de Procedimentos do veto
Instrumento e nº Relator
Decisão Colegiada ou Monocrática? Proponente
Autoridade Coatora
Data da Propositura
Data do Julgamento
Duração dos autos (propositura a julgamento)
A favor de quem?
RC 994 Rocha Lagoa Colegiada Cidadão
Justiça Pública 1953 13/11/1953 +/- 1 ano Executivo
RE 25601 Ribeiro da Costa Colegiada
Cidadão – Serventuário do TJ
Estado de SP 1950 27/12/1954 +/- 4 anos Executivo
RMS 2920 Mário Guimarães Colegiada
Cidadão - Serventuário do TJ
ALESC e Governador do SC 1954 19/01/1955 +/- 1 ano Executivo
Rp 432 Ari Franco Colegiada Não identificado Governador de PE
Não contém informação 22/01/1960 +/- 1 ano
Procurador Geral da República
Rp 493 Antônio Villas Boas Colegiada Governador de MT ALEMT
Não contém informação 19/08/1963 +/- 2 anos
Legislativo (ALEMT)
RE 45631 Barros Monteiro Colegiada Cidadão/legislativo
Governador do PR
Não contém informação 25/03/1968 +/- 21 dias
Legislativo (ALEPR)
MS 15226 Hermes Lima Colegiada
Prefeito de Pouso Alegre
Câmara de Pouso Alegre
Não contém informação 03/03/1996 Indisponível
Legislativo (CM de Pouso Alegre)
ADI-MC 1491
Carlos Velloso Colegiada PT; PDT
Congresso Nacional e Presidente da República 14/08/1996 08/05/2014
17 anos e 9 meses.
Executivo e Congresso Nacional (maioria)
86
ADI-MC 1491, todos os casos do grupo questionam autoridades estaduais (seis casos) ou
municipais (um caso).
Nos oito casos o STF entendeu presentes os pressupostos de conhecimento da
ação e se declarou competente para analisar o caso; portanto, o STF controlou o caso. Apesar
desse número de casos controlados, apenas em um (Rp 432) o STF declarou o ato
inconstitucional; o que significa dizer que o STF alterou o status quo da questão, visto que,
antes da decisão ela estava posta de uma forma e após a decisão da Corte essa é alterada.
O caso da Rp 432 ocorre em Pernambuco, no fim da década de 1950 e início da
década de 1960 (a decisão foi em janeiro de 1960). O governador de Pernambuco teria
apresentado veto a um projeto de lei e dois dias depois teria decidido não mais vetá-lo. Como
forma de mostrar o arrependimento pelo seu ato, o governador sanciona, promulga e publica a
lei de forma integral. O Legislativo estadual, Assembleia Legislativa do Estado de
Pernambuco (ALEPE), manifestou-se no processo de maneira favorável à decisão do
governador. Inconformado com essa prática, o procurador-geral da república patrocinou a
causa, mas não fica claro qual seria a autoridade interessada no caso, conforme já
mencionado.
O STF decidiu, de maneira unânime, que o trâmite adequado para esse
arrependimento seria usar da “diplomacia” frente à ALEPE, pois a partir do momento em que
o veto é oficialmente oposto, não há direito de arrependimento e deve seguir o trâmite regular
que determina a constituição, ou seja, a apreciação do veto pelo Legislativo. Isso fica evidente
no voto do ministro relator Ari Franco:
O presidente pode usá-lo (veto) só uma vez e, uma vez usado, não pode
arrepender-se. Tem de passar pelos trâmites que a Constituição lhe
determina. Páginas adiante, êle timbra em mostrar que o que perfaz o veto é
a devolução. Ora, desde que o Governador havia vetado a lei, a solução
estaria naquilo que, por vêzes, é usado pelo Presidente da República e
foi posto em relêvo pelo ilustre advogado, com muita oportunidade: é
aconselhar o Congresso a rejeitar o veto (no caso, seria a assembleia
Legislativa). Longe do entendimento que dá o Dr. Procurador Geral da
República ao assunto, em penso que o Governador bem se houve nesta
representação, porque atenta contra a independência e harmonia dos poderes
e torna inconstitucional a lei.
(...)
Assim sendo, acolho a representação, remetendo o processo à Assembléia
Legislativa para que se manifeste sôbre o veto que o Governador retirou (Rp
432, p. 5-6 – eletrônica) (grifos meus).
O ministro relator sugeriu, e foi seguido por mais um voto disponível no caso, que
diante da apresentação do veto, por não haver mais abertura ao Executivo formalmente para a
87
alterar o seu ato, o caminho seria a diplomacia, no sentido de dialogar com o Legislativo e
incentivar, ou convencer, esse a rejeitar o veto.
O STF realiza o controle das questões nesses casos, mas, seguindo os seus limites
formais, pois a decisão reflete a CF/46, que não prevê a possibilidade de arrependimento
formal do veto, pelo Executivo.
Nos outros sete casos, o STF decidiu não alterar o status quo das questões quanto
ao procedimento do veto, mas, assim como no caso anterior, é possível extrair regras quanto
ao procedimento do veto.
Referente aos cinco casos ocorridos no período da CF/46, o STF decidiu que o
prazo dos 10 dias para oposição do veto (artigo 70, § 2º) era peremptório, devendo o
Executivo cumpri-lo. No entanto, que a contagem do prazo deveria seguir o calendário do
poder Executivo (contando apenas os dias úteis e excluindo os finais de semana e feriados)
(RMS 2920). Também ficou decidido que o veto seria juridicamente válido a partir do
momento em que ele fosse oposto e não a partir da sua publicação (RC 994). O STF decidiu,
além disso, que se o Executivo não apresentasse o veto no prazo de 10 dias, o projeto de lei
seria considerado aprovado (artigo 70, §2º, da CF/1946) e deveria o Legislativo sancionar tal
diploma (Rp 493). Esta última decisão não ampliando ou diminuindo a prescrição
constitucional, mas apenas a aplicando. Por último, decidiu o STF que o Executivo pode vetar
projeto de lei que não seja de sua iniciativa. Assim sendo, projetos de lei de origem dos
demais poderes devem seguir o trâmite comum traçado pela constituição, passando pela fase
Executiva do processo legislativo de criação das leis (RE 25601).
O entendimento de que passados os 10 dias o projeto considera-se aprovado é
repetido no RE 45631, mas já referente à CF/67. O STF, além de confirmar esse
entendimento, concluiu que se o projeto for aprovado automaticamente, por inércia do
Executivo, eventual vício procedimental será convalidado.
Sob égide da CF/88, o STF confirma a interpretação das decisões ocorridas no
período da CF/46, e afirma que se o Executivo não exercer no prazo constitucional (15 dias) a
oposição do veto, esse será considerado aprovado e deve o Legislativo sancioná-lo (artigo 66,
§3º). Dessa forma, o entendimento de aplicação do texto da constituição, de forma literal,
mantém-se, apenas adaptando-se quanto ao prazo em si (MS 12226). O STF também decidiu
que o veto parcial a projeto de lei, previsto pela CF/88, em seu artigo 66, §§ 1º e 2º, pode
abranger texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea, de maneira autônoma; dito de
outra forma, ficou decidido que é juridicamente válido veto que abranja apenas caput de
88
artigo e deixe os respectivos incisos ou parágrafos vigentes, desde que eles tenham condições
de subsistência de maneira individual (ADI-MC 1491).
Gráfico 10 – Grupo 1 - Tempo de Decisão
Gráfico 10 - Grupo 1 - Tempo de decisão. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice
IV.
Quanto ao tempo de duração, a média geral é de 1397 dias para resolver casos
envolvendo procedimento de veto. Este prazo, a partir do critério inicial adotado no tópico
anterior, é muito superior aos dois anos, praticamente sendo o dobro. Contudo, algumas
considerações devem ser feitas antes de uma conclusão desse tipo.
A primeira consideração é que todos os casos foram decididos de forma colegiada,
o que, hipoteticamente, é uma variável que necessita de tempo diferente das decisões
monocráticas. A segunda consideração é que, como destacado no início deste tópico, a
maioria dos casos são de níveis estaduais e municipais; o que, devido a não ser possível
propositura direta no STF das questões, potencialmente aumenta o prazo entre o problema e a
decisão da Corte.
Além disso, isolando os casos que têm prazos fora do padrão dos demais, ADI-
MC 1491, RE 45631 e RE 25601, a média cai para, aproximadamente, 369 dias, o que
equivale a um ano. Isso, dentro do critério geral adotado, é um prazo aceitável.
O menor tempo de resolução deste grupo foi o RE 45631, que durou 21 dias; não
consigo criar qualquer hipótese para essa situação, porque não tem um padrão de repetição de
casos com esse instrumento, neste grupo.
89
O maior tempo foi o da ADI-MC 1491. Essa ação foi protocolada em 14 de agosto
de 1996, com pedido liminar, e só foi decidida em 08 de junho de 2014, são dezessete anos e
nove meses, apenas para a decisão de indeferimento da liminar. O caso ainda não teve o
mérito julgado. Uma hipótese para esse prazo é a complexidade do caso, que traz
questionamentos de constitucionalidade quanto ao regime de exploração dos serviços de
telecomunicações (Lei 9.295/1996).
Concluindo este tópico, é possível constatar que, nesses casos, o STF controla
casos envolvendo o veto, mas que, excepcionalmente, altera o status quo da questão
apresentada. Apesar disso, é possível extrair algumas interpretações que, potencialmente
geram regras, quanto ao procedimento de oposição do veto, sendo elas:
(1) O prazo de oposição do veto é peremptório, o que significa que após o fim
desse prazo o projeto de lei é considerado aprovado pelo Executivo. E se este
não publicar, deve o presidente do Senado o fazer. Seguindo, assim,
prescrição expressa da constituição (RMS 2920; RE 45631; MS 12226). E
caso haja vício, o Executivo não pode argui-lo após esse prazo (Rp 493).
(2) Não é admitido o arrependimento do veto, formalmente. Assim que
apresentado, não há meios formais para alterar a decisão (Rp 432).
(3) É juridicamente válido e vigente o veto, a partir da sua apresentação e não da
sua publicação (RC 994)78.
(4) Independente da iniciativa do projeto de lei, o processo legislativo de criação
das leis seguirá o trâmite constitucional geral, caso não seja previsto nenhum
outro procedimento. Assim, existirá a fase Executiva e pode o chefe do poder
Executivo vetar o projeto de lei, mesmo que não seja de sua iniciativa ou do
Legislativo (RE 25601).
(5) O veto parcial pode abranger texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou
alínea, de maneira autônoma, desde que não fique prejudicada as condições
de subsistência desses (ADI-MC 1491).
As características desses casos são de situações em que se tornam evidentes os
conflitos entre o poder Executivo e o poder Legislativo, mas que não aparentam ser urgentes.
Contudo, é possível verificar como as autoridades se relacionam nesses casos.
78 Tenho algumas dúvidas quanto, ainda, a validade dessa interpretação. Uma vez que, atualmente,
juridicamente, só existe o veto após a sua publicação formal, pois os seus efeitos só começam quando o ato se
torna público.
90
5.2. Procedimento de votação do veto no Legislativo
Neste grupo estão inseridos os casos em que se questionavam suposta violação a
procedimento de votação do veto no Legislativo. Tratam-se de casos em que alguma parte
interessada questiona o procedimento adotado pelo Legislativo para a votação de rejeição ou
não do veto. A tabela a seguir apresenta as principais informações sobre os casos.
Tabela VIII – Grupo 2 - Procedimento de votação do veto no Legislativo
Grupo 2 - Casos de Procedimento de votação do veto no Legislativo
Instrumento e nº Relator
Decisão Colegiada ou Monocrática? Proponente
Autoridade Coatora
Data da Propositura
Data do Julgamento
Duração dos autos (propositura a julgamento)
A favor de quem?
MS 1006 Abner de Vasconcellos Colegiada
Prefeito de Barbacena/MG
Câmara Municipal de Barbacena Indisponível 15/06/1949 Inaplicável
Executivo (prefeito)
RMS 1039 Ribeiro da Costa Colegiada
Prefeito de Barbacena/MG
Câmara Municipal de Barbacena Indisponível 15/06/1949 Inaplicável
Executivo (prefeito)
Rp 310 Ari Franco Colegiada Governador de SP ALESP 1954/1955 02/09/1957 +/- 3 anos
Legislativo (ALESP)
RE 49103 Luiz Gallotti Colegiada
Câmara Municipal de Santa Rita
Prefeitura Municipal de Santa Rita
Não contém informação 27/08/1962 Indisponível
Legislativo (CM de Santa Rita/PB)
Rp 1065 Soares Muñoz Colegiada Governador SP ALESP
Não contém informação 29/04/1981 +/- 2 anos
Executivo (Governador)
Rp 1076 Cunha Peixoto Colegiada Governador SP ALESP
Não contém informação 13/08/1981 +/- 2 anos
Executivo (Governador)
ADI 1254 Sepúlveda Pertence Colegiada
Governador do RJ ALERJ 15/03/1995 09/12/1999
3 meses - Liminar 4 anos e 9 meses – Mérito
Executivo (Presidente)
ADI 3719 Eros Grau Monocrática PSOL
Mesa do Congresso Nacional 02/05/2006 09/12/2008
2 anos e 7 meses.
Legislativo (maioria do Congresso)
MS-MC 33356
Celso de Mello Monocrática Congressistas
Presidente do Congresso 28/11/2014 18/12/2014 12 dias
Legislativo (maioria do Congresso)
MS-MC 33353
Celso de Mello Monocrática Congressistas
Presidente do Congresso 26/11/2014 18/12/2014 14 dias
Legislativo (maioria do Congresso)
Tabela 8 - Grupo 2 - Procedimento de votação do veto no Legislativo. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: planilha
de casos - Apêndice IV.
Este grupo possui dez casos em seu universo. Sete foram decididos de forma
colegiada e três de forma monocrática. Os casos decididos de forma colegiada questionam
91
autoridades estaduais (quatro) e municipais (três); e os casos decididos de forma monocrática
questionam autoridades federais (três). Quanto aos proponentes, em seis casos figuram como
arguidores o poder Executivo, em três o poder Legislativo e, em um, o Partido Político.
Dos dez casos, em oito o STF entendeu que estavam presentes os pressupostos de
conhecimento da ação e decidiu analisá-los79. Desses, em cinco casos (MS 1006; RMS 1039;
Rp 1065; Rp 1076; ADI 1254), o STF alterou o status quo da questão, ao decidir alterar o
procedimento de votação do veto. Ainda referente a esses cinco casos, quatro ocorreram antes
da CF/88, sendo dois julgados na vigência da CF/46 (MS 1006 e RMS 1039) e dois na
vigência da CF/69 (Rp 1065 e Rp 1076); e apenas um caso foi julgado na vigência da CF/88
(ADI 1254).
Os casos julgado no período da CF/46 têm em comum a discussão do mesmo fato,
mas em momentos processuais distintos. O RMS 1039 é o recurso interposto contra a decisão
do MS 1006. Este caso ocorreu em Barbacena, Minas Gerais, e foram os primeiros casos,
disponíveis no sítio do STF, em que se questionou o veto. Eles foram julgados em julho de
1949.
Os casos discutiam o procedimento de votação do veto que fora adotado pelo
Legislativo. Segundo consta nos autos, a Câmara Municipal de Barbacena teria rejeitado os
vetos opostos a um projeto de lei, com um quórum de oito vereadores presentes e com oito
votos pela rejeição. Contudo, afirma o prefeito, ao questionar o ato, que a Câmara era
composta por quinze vereadores e, portanto, o número de votos para rejeitar o veto seria de
dez votos, uma vez que a CF/46 exigia 2/3 dos presentes (artigo 70, § 3º). Pelo que consta nos
autos, o MS foi a medida adotada pelo Executivo municipal contra a decisão do tribunal
inferior que decidiu não avaliar o caso, por considerar o problema uma questão interna
corporis80.
O STF decide pela inconstitucionalidade do ato do tribunal a quo, visto que o
Judiciário não pode deixar de julgar lesão ou ameaça a direito e, pelo fato de o veto ser um
instrumento jurídico, por ter regulação constitucional. Quanto ao ato do Legislativo
municipal, o STF não se aprofunda no mérito, pois o MS questionava ato do tribunal a quo.
Mas, ao justificar o porquê deveria o tribunal a quo apreciar a questão, os ministros pareciam
tender à interpretação de inconstitucionalidade do ato da Câmara municipal.
79 Casos em que houve controle: MS 1006; RMS 1039; Rp 310; RE 49103; Rp 1065; Rp 1076; ADI 1254; MS-
MC 33353. Casos em que não houve controle: ADI 3719 e MS-MC 33356. 80 Como não há menção à data de propositura, isso fornece indícios de que se discutia o tema há algum tempo.
Portanto, provavelmente, não sendo algo imediato.
92
Esse caso é interessante por ser o primeiro caso disponível no sítio eletrônico do
STF e pelo que o ministro relator desenvolve em seu voto, abordando diversas questões
importantes para o trabalho. O STF defende a utilização do MS como instrumento hábil a
questionar irregularidades procedimentais dos poderes; também considera-se legítimo para
apreciar qualquer questão que tenha característica política e que tenha potencial violação a
direitos subjetivos de terceiros ou que violem procedimentos constitucionais. Essa afirmação
confirma-se por meio dos trechos do voto do ministro relator Abner Vasconcellos, expostos a
seguir:
Mas, dizendo isso, não se diz nem se poderia dizer que, adiscrição [sic]
legislativa ou administrativa pode exercitar-se fora dos limites
constitucionais ou legais, ultrapassar as raias que condicionam o
exercício legítimo do poder. Basta assentar êsse princípio para se ver,
desde logo, que a discrição só existe dentro dos limites objetivos, legais –
e que ultrapassados êstes começa a esfera jurisdicional (MS 1006, p. 3)
(grifos meus).
(...)
“Uma questão pode ser distintamente política, altamente política fora
dos domínios da Justiça, e, contudo, em revestindo a forma de um pleito,
estar na competência dos tribunais, desde que o ato, executivo ou
legislativo, contra o qual se demanda, fira a Constituição, lesando ou
negando um direito nela consagrado”. (MS 1006, p. 4) (grifos meus).
(...)
Trata-se de saber qual o limite que separa a atribuição do Poder
Judiciário das questões de natureza política, em face dos outros poderes
constitucionais. Diz-se, com fundamento em bôa doutrina, que os tribunais
são estranhos aos assuntos puramente políticos. Invocam-se exemplos da
vida político-constitucional americana, nos quais a Côrte Suprema se abstem
de interferir reservando-se á órbita restritamente judicial. Assim foi, de fato,
durante algum tempo. Mas, a jurisprudência não estaciona, avança,
acompanha a marcha das idéias e torna-se fator notável de evolução jurídica.
Se assim é no campo de direito Civil, que é dos ramos mais conservadores
da grande árvore da ciência jurídica, no domínio do direito constitucional é
da maior fecundidade para a fixação dos princípios. A dificuldade surge,
entretanto de início, quando se procura definir o que seja uma questão
política frente ao poder judiciário. Pedro Lessa – do Poder Judiciário § 16
iluminado pela experiência dos tratadistas americanos mais eminentes,
depois de mencionar a marcha evolutiva do pensamento constitucional da
grande democracia do continente, analisa o papel decisivo do judiciário.
Acusado, ao começo, de interferir em assuntos que lhe eram defesos, a
doutrina acabou aplaudindo as suas atitudes. Thayer teve expressão de
reconhecimento, ao órgão supremo do judiciário, de inegável caráter
político. Valha a verdade, disse êle, o arbítrio de pronunciar a nulidade
dos atos dos outros poderes, se bem seja uma simples função judicial,
implica, pela natureza da matéria sôbre que se exerce, o tomar parte,
ainda que secundariamente a ação política do governo (MS 1006, p. 6)
(grifos meus).
(...)
Se, á sombra dos princípios constitucionais clássicos da doutrina americana,
realidade da nossa vida política já adaptava ao contrôle judicial lesões
intimamente ligadas a atos genuinamente políticos, do Legislativo e do
93
Executivo, a partir da Constituição de 1946, outra mais dilatada esfera de
ação ficou aberta aos tribunais. O atual direito constitucional brasileiro
assumiu feição nova, ditada pelas próprias necessidades nacionais e pela
índole da nossa raça. O poder Constituinte, pondo-se ao serviço da
evolução política e social do país, num movimento de inspiração que o
enobrece, disciplinou o arbítrio do Legilativo e da administração,
deixando, á análise final do Judiciário, atos de natureza política que, até
1934, lhe eram defesos. A própria investidura dos dois poderes
eminentemente políticos passou a ter a interferência dos tribunais para maior
segurança de sua legitimidade (MS 1006, p. 8) (grifos meus).
(...)
Não hesito, dêsse modo, em admitir a medida de segurança como veículo
legítimo da defesa de prerrogativa constitucional que assiste praticar
qualquer dos poderes estatuais ou municipais. A forma é similar á da
representação desde que os poderes interessados no dissídio são ouvidos a
respeito e os Procuradores Gerais do Estado e da República oficiam,
analisam os fatos e opinam acerca da providência que vise restaurar a norma
constitucional violada (MS 1006, p. 9) (grifos meus).
O RMS 1039 apenas confirma a decisão anterior, não acrescentando nenhuma
informação.
Os outros dois casos, em que tiveram o status quo da questão alterada, são a Rp
1065 e a Rp 1076, ambas julgadas em 1981, na vigência da CF/69. Tratam-se dos casos do
Estado de São Paulo, em que o poder Executivo e o poder Legislativo entram em conflito para
determinar a quem e de que forma caberia o ato de nomear espaços públicos pertencentes ao
estado.
Neste caso, o Legislativo estadual apresenta projeto de lei para nomear duas
escolas públicas; o Executivo estadual, por já ter nomeado as escolas via decreto, veta o
projeto de lei e o envia ao Legislativo estadual para apreciação. O presidente da Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), ao receber o veto automaticamente declara-o
rejeitado, por ser esse juridicamente inexistente e converte o projeto de lei na Lei 2.256, de 27
de dezembro de 1979. O governador de São Paulo, inconformado com o ato da ALESP,
questiona a constitucionalidade dessa lei.
Esses casos demonstram, assim como os anteriores, o conflito existente entre os
poderes, e o chamamento do STF como moderador do problema. São casos simples, em
termos de matéria discutida, uma vez que a discussão resume-se a saber se o nome de duas
escolas seriam garantidas por lei ou por decreto. Mas, em termos de relacionamento
institucional, a discussão pode gerar desgastes entre os poderes.
O STF decidiu, de forma unânime, pela inconstitucionalidade da lei, uma vez que
essa não teria passado pelo trâmite adequado de apreciação do veto, não podendo ser
sancionada e publicada pelo Legislativo. Até o momento, seguindo as previsões nos
94
pressupostos desta pesquisa, o STF controla a questão do veto, e limita-se a aplicar regras
expressas na constituição.
O último caso em que o STF alterou o status quo do caso analisado é a ADI 1254,
que foi julgada em 1999, já na vigência da CF/88. Neste caso, o Legislativo estadual do Rio
de Janeiro (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ) edita um decreto
legislativo (55/1995) com conteúdo revogatório de vetos opostos à Lei 1.057 de 1986, sob a
justificativa de eles serem ilegais, por oposição tardia. O governador do Rio de Janeiro,
inconformado com tal medida, impetra a ADI discutida.
O STF julga a questão procedente e declara inconstitucional o decreto legislativo,
por este não ser instrumento hábil a revogar veto válido, posto que, no momento oportuno, o
Legislativo não se manifestou quanto à questão (precluiu a matéria).
Referente aos dois casos (ADI 3719 e MS-MC 33356) em que não houve controle
da questão, tratam-se de casos ocorridos na vigência da CF/88. Em ambos a autoridade
questionada era a mesa do Congresso Nacional.
No caso da ADI 3719, Partido Político (PSOL) questiona o artigo 104 do RICN,
que regula o procedimento de votação do veto. Segundo o arguente, esse artigo violaria a
disposição da CF/88 (§§4º e 6º, do artigo 66), que prescreve o trâmite para votação do veto.
Contudo, o ministro relator do caso, Eros Grau, decide não conhecer a ação, por entender que
a regra questionada é pautada na CF/69, tornando a ADI um instrumento inadequado para
questionamento.
No caso do MS-MC 33356, questiona-se a validade de sessão deliberativa de
alguns vetos, que ocorreram no final de novembro de 2014. Segundo o impetrante (deputado
federal), alguns parlamentares haviam permitido que seus assessores votassem por eles, o que
violaria a CF/88. O ministro relator, Celso de Mello, decidiu não conhecer da ação, por
entender que o MS deve estar devidamente instruído de provas e que as provas oferecidas
pelo impetrante (vídeos jornalísticos e notícias) não eram suficientes.
Os casos questionam pontos diferentes por meio de instrumentos diferentes.
Apesar de, no primeiro caso, o instrumento usado servir para arguir lei em tese, e, no segundo
caso, o instrumento utilizado servir para evitar lesão imediata, ambos apontam conflitos
internos ao próprio Legislativo, não resolvidos, e que extravasam ao STF para que este seja o
moderador.
Outro ponto interessante, é que os dois casos anteriores têm o aspecto de
subjetividade acentuada (no sentido de claramente existir argumentos contrários bons, mas
que não são sequer citados e, muito menos, refutados), o que torna as decisões dos ministros
95
relatores questionáveis. Isso por conta de que, no caso da ADI 3719, a justificativa de que o
RICN fazia referência à CF/67 não é válida, visto que o RICN, em 2004, foi emendado para
se adaptar à CF/88, o que já seria suficiente para o enquadramento, formal, a essa
constituição. E no caso do MS-MC 33356, em breve pesquisa em algumas mídias
jornalísticas, verifica-se que há vídeos com imagens nítidas contendo o fato narrado e há
depoimentos de parlamentares a jornalistas assumindo o ato e justificando-o81.
Apresentarei mais um caso, que é importante para a discussão quanto o quórum de
votação para aprovação ou rejeição do veto. Trata-se do MS-MC 33353, decidido em 2014,
sob égide da CF/88. No caso, parlamentares questionam a mesma sessão deliberativa de
vetos, que foi objeto do MS-MC 33356, em que teriam ocorrido vícios procedimentais. No
MS-MC 33353, o vício seria relativo ao quórum de votação do veto; segundo consta nos
autos, a sessão de votação teria começado com 1/6 dos parlamentares de ambas as Casas e,
como não presente o quórum necessário para rejeição do veto (maioria absoluta), o presidente
do Senado declarou os vetos aceitos.
O ponto de discussão é: o quórum previsto no artigo 66, § 4º, da CF/88 deve ser
interpretado de maneira restrita à palavra expressa (“só podendo ser rejeitado pelo voto da
maioria absoluta”), ou se o inverso deve ser interpretado (o veto só pode ser aceito pelo voto
da maioria absoluta)?
O ministro relator, Celso de Mello, decidiu pelo indeferimento da liminar e
arquivamento do caso, pelo fato de se estar questionando previsão regimental de início dos
trabalhos de votação, não havendo nenhum desrespeito a procedimento constitucional, visto
que não há quórum para aprovação ou início da sessão.
Apesar de, formalmente, não estar errado o ministro, materialmente defendo que a
interpretação aplicada não é a melhor para a democracia no Legislativo e para o Estado
democrático de Direito. Isso porque, como é possível ver na Tabela V, a CF/88 objetivou
alterar a aprovação tácita de vetos prevista nas CF/67 e 69; aceitar que não há quórum mínimo
para aceitação do veto permite com que táticas como a do MS-MC 33353 ocorram. Nesse
sentido, inicia-se a sessão com quórum muito inferior ao necessário para rejeição do veto,
para poder aprová-lo.
Não guarnece lógica admitir que convocada a votação, não presente o quórum
suficiente para rejeição do veto, este está aceito. Tanto para manter quanto para alterar deveria
ser estipulado um quórum. Aceitar essa premissa é admitir que a maioria do Legislativo
81 Apenas para comprovar a afirmação, veja a reportagem da Folha de São Paulo, 27 nov. 2014, em que traz o
fato apresentado. (BRAGON; FALCÃO, 2014)
96
sempre prevaleça nessa questão frente à minoria, sendo que este é o processo legislativo que
deveria exigir maior porosidade possível, que é a formação da lei.
Quanto ao tempo de decisão neste grupo, temos o seguinte gráfico:
Gráfico 11 – Grupo 2 – Tempo de decisão
Gráfico 11 - Grupo 2 - Tempo de decisão. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice
IV.
A média geral de tempo para julgamento, desses casos, é de aproximadamente
668 dias, o que equivale a praticamente um ano e dez meses. Utilizando o critério geral de
tempo (de um dia a dois anos) o prazo está dentro do considerado razoável. Analisando as
características dos casos deste grupo, que são casos em que se questionam o trâmite do
votação do veto, aparentemente, tratam-se de questões que exigem resposta imediata, caso
queira ter alguma eficácia para o caso concreto. Contudo, quando se analisam os instrumentos
que foram utilizados, neste grupo, essa urgência passa a ser relativizada.
Todavia, é interessante observar que os casos sob égide da CF/88 (MS-MC
33353; MC-MC 33356; ADI 1254) tiveram decisões, imediatas, em média menor do que 40
dias. A média de treze dias para resolver questões via MS e noventa dias via ADI, é um prazo
muito bom, em termos de ter efeitos para os fatos do problema colocado.
Em termos de interpretações quanto as prováveis regras ao procedimento
legislativo de votação do veto, é possível sistematizar as seguintes:
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(1) A apreciação do veto deve seguir os trâmites constitucionais de análise, não
sendo permitido à mesa do Legislativo, de ofício, declará-lo superado (MS
1006; RMS 1039; Rp 1065; Rp 1076).
(2) Eventuais vícios no veto devem ser analisados no período de apreciação do
veto pelo Legislativo; passado o prazo, não há outra forma de apreciação
desses vícios. Ressalva-se que pode haver questionamento quanto à
constitucionalidade da lei, por conta de vício procedimental, contudo, isso será
após o fim do processo legislativo de criação das leis (ADI 1254).
(3) Parte de projeto de lei que tenha o veto rejeitado pelo Legislativo, deve ser
promulgado por publicação simples e terá vigência considerada desde o início
da vigência das demais partes da lei (RE 49103).
As características desses casos são de situações em que ficam evidentes os
conflitos entre o poder Executivo e o poder Legislativo, e entre o próprio Legislativo. O STF,
neste grupo, mostrou-se ativo, no sentido de entender-se competente para controlar os casos, e
em casos específicos concedeu decisão que alterou o status quo da questão. É possível
verificar como as autoridades se relacionam nesses casos. Esses casos também mostram como
a linha entre política e direito, quando discutido veto, é tênue. Isso por ser o veto um
instrumento jurídico, com função política, que promove e aprimora a separação dos poderes.
5.3. Publicação de projeto de lei que não tem o veto mantido
No grupo 3 estão inseridos casos que discutem pontos relacionados à publicação
de projeto de lei que não tenha o veto mantido. Em outras palavras, são casos em que o
Executivo recusa-se a cumprir com o seu dever de publicação, e a parte interessada questiona
essa omissão, via Judiciário. Na tabela a seguir estão expostas as principais informações
referentes aos casos deste grupo.
Tabela IX – Grupo 3 - Publicação de projeto de lei que não tem o veto mantido
Grupo 3 - Publicação de projeto de lei que não tem o veto mantido
Instrumento e nº Relator
Decisão Colegiada ou Monocrática? Proponente
Autoridade Coatora
Data da Propositura
Data do Julgamento
Duração dos autos (propositura a julgamento)
A favor de quem?
RE 43995 Antônio Villas Colegiada
Cidadão - Banco do União
Não contém 09/08/1960 +/- 4 anos Indeterminável
98
Boas Brasil informação
RE 43288 Victor Nunes Colegiada Cidadão
Prefeitura de Recife
Não contém informação 26/10/1965 +/- 14 anos
Legislativo (CM de Recife)
RE-RG 706103 Luiz Fux Colegiada
Prefeitura de Lagoa Santa/MG
Mesa Diretora da Câmara Municipal de Lago Santa/MG
15/08/2012 27/09/2012
1 mês e 13 dias - (apenas reconhecimento da repercussão geral). Indeterminável
Tabela 9 - Grupo 3 – Publicação de projeto de lei que não tem o veto mantido. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte:
planilha de casos - Apêndice IV.
O presente grupo é composto por três casos com decisão colegiada. Dois casos
são de origem municipal e um de origem federal. O único caso sob égide da CF/88 é o RE-RG
706103, os demais casos, RE 43995 e RE 43288, foram julgados na vigência da CF/46.
Apesar de no RE 43995 a autoridade questionada ser a União, a origem do processo, assim
como os demais, é de instâncias inferiores. Quanto aos arguentes, em dois casos figuram
Cidadão e em um o Executivo municipal.
A percepção de análise, em termos de relação entre os poderes, é diferente dos
grupos anteriores e dos posteriores (sendo similar, apenas, ao grupo 5 – instrumento para
arguição do veto), visto que nos dois casos em que há julgamento do mérito, o arguidor é
Cidadão. Devido a isso, a autoridade que participa da problemática é, apenas, o Executivo.
Os três casos tiveram os pressupostos de conhecimento do processo preenchidos
e, portanto, é possível afirmar que em todos os casos houve controle, pelo STF, da questão.
Contudo, faz-se a ressalva quanto ao RE-RG 706103, que teve decisão apenas quanto a
existência de repercussão geral. O STF dá provimento, portanto altera o status quo da questão,
apenas no RE 43995; no RE 432888, o STF nega provimento.
O RE 43995 foi julgado em agosto de 1960, portanto na vigência da CF/46. Em
1956 foi publicada a Lei 983, que previa o reajuste das dívidas dos pecuaristas. Essa lei foi
promulgada e sancionada apenas quanto à parte não vetada; a parte do projeto de lei que foi
vetada retornou ao Legislativo para que este a apreciasse. O Legislativo decidiu pela rejeição
do veto e, então, essa parte do projeto de lei foi publicada. O Banco do Brasil, parte
interessada na causa, questiona a interpretação dada pelos tribunais inferiores, e pelo
Executivo, de que a essa parte da lei entraria em vigor depois do período de vacatio légis. Isso
porque, caso esse entendimento fosse aceito, o cidadão (que é interessado na causa) passaria a
dever não mais ao Banco do Brasil; e, caso fosse interpretado que a parte do projeto de lei
99
entraria em vigor de forma retroativa, o cidadão passaria a dever ao Banco do Brasil82. O STF
decidiu que a parte vetada entraria em vigor juntamente com o resto da lei, portanto haveria
uma espécie de efeito ex tunc83. Dessa forma, a decisão fez com que a questão fosse alterada,
visto que o entendimento dos tribunais inferiores vinham sendo o oposto ao do STF. Mediante
essa decisão, houve alteração do status quo da questão.
Nesse caso não há evidência de conflitos entre Legislativo e Executivo, apenas a
menção da oposição do veto e a rejeição pelo Legislativo. Contudo, não há documentos ou
informações necessárias para fazer qualquer inferência.
O RE 43288 foi julgado em 1965. Em Recife foi editado determinado projeto de
lei tributária, que, entre outras coisas, concedia isenção a um determinado cidadão. O
Executivo municipal rejeita parte desse projeto de lei e, entre as partes vetadas, estava a
isenção ao cidadão específico. O Legislativo municipal rejeita o veto e o envia para que o
Executivo publique a parte do projeto de lei. Contudo, o prefeito rejeita-se a fazer e, por conta
disso, o cidadão que era favorecido pela lei estava sendo autuado fiscalmente. O cidadão
decide entrar com interpelação judicial para questionar o ato do Executivo.
A justiça de nível inferior decidiu que deveria o Executivo municipal publicar a
lei de maneira integral. O prefeito, alegando haver omissão por parte do tribunal a quo,
recorreu da decisão ao STF via RE, sob alegação de decisão ultra petita e
inconstitucionalidade da matéria que tivera o veto rejeitado. O STF decidiu denegar o recurso,
por entender que o tribunal a quo determinou que o prefeito cumprisse determinação
constitucional. O STF realça que não tomou outra decisão por conta do largo prazo de tempo
entre a origem da questão (a lei é de 1951) e a data de julgamento (1965).
Por último, o RE-RG 706103, como informado, ocorre sob a égide da CF/88 e
tem julgado apenas o reconhecimento da repercussão geral. Nesse caso, o Prefeito de Santa
Lagoa teria rejeitado publicar parte do projeto de lei que tivera o seu veto negado pela
Câmara. Esta decide questionar o ato via Judiciário, por meio de ADI. O tribunal a quo
decidiu ser inconstitucional, em parte, a lei, pois teria o prefeito inovado o processo
legislativo ao não cumprir com sua obrigação de publicação. O prefeito, então, recorreu da
decisão ao STF, por meio de RE, afirmando que a lei em questão já havia atingido o seu
objetivo (era uma lei de execução de obras) e que a CF/88 prevê que, na hipótese de o
82 Este caso não é claro e não contém muitas informações. 83 Inclusive esta decisão confirma uma das regras do grupo anterior. Os grupos não foram juntados, por conta das
peculiaridades dos casos.
100
Executivo não publicar projeto de lei, quem deve fazê-lo é o presidente da respectiva Casa do
Legislativo. O STF decidiu existir repercussão geral e o caso está à espera para julgamento.
O gráfico a seguir apresenta informações quanto ao tempo de decisão neste grupo.
Gráfico 12 – Grupo 3 – Tempo de Decisão
Gráfico 12 - Grupo 3 - Tempo de decisão. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice
IV.
Por conter apenas três casos no grupo, a média geral de julgamento é alta,
chegando a aproximadamente 2204 dias, o que equivale a quase seis anos. Ultrapassando,
assim, em praticamente quatro anos o prazo máximo estipulado como razoável.
Quando se analisa esse ponto pelo viés dos instrumentos, faz-se todas as
observações já feitas nos tópicos anteriores, de que se tratam de casos que chegam ao STF via
recurso e que acabam perdendo a característica de urgência. Mas, mesmo assim, o prazo para
resolução dos dois REs em comento é muito alto. Contudo, não consigo pensar em nenhuma
hipótese, que seja minimamente consistente, para explicar esse fato.
Quanto às possíveis regras que se podem extrair desses casos, é possível
sistematizar duas:
(1) Parte de projeto de lei que tenha o veto rejeitado deve ser promulgado por
publicação simples e terá vigência considerada desde o início da vigência do
resto da lei.
(2) O Executivo deve publicar lei que tenha sido promulgada pelo legislativo,
após a rejeição ao veto.
101
No geral, este grupo confirma algumas regras dos grupos anteriores, mas devido a
sua peculiaridade fática, o desentranhamento desses para um grupo próprio possibilita maior
potencialidade analítica na apresentação dos dados, por conseguir evidenciar os pontos de
maneira exclusiva. Não é possível observar a relação dos poderes de maneira incisiva, como
tem ocorrido nos grupos anteriores, porque os arguidores pertencem à categoria Cidadão e os
instrumentos de questionamento, o RE, possibilitam menor análise dessa relação, na maioria
das situações.
5.4. Medida provisória como assessório ao veto
Este grupo reúne casos em que o Executivo federal utiliza o instrumento medida
provisória como complementar ou subsidiar o veto. Por outro lado, tratam-se de casos em que
as partes interessadas questionam a constitucionalidade dessa medida adotada.
A seguir apresento a tabela contendo as principais informações:
Tabela X – Grupo 4 – MP como assessório ao veto
Grupo 4 – MP como assessório ao veto
Instrumento e nº Relator
Decisão Colegiada ou Monocrática? Proponente
Autoridade Coatora
Data da Propositura
Data do Julgamento
Duração dos autos (propositura a julgamento) A favor de quem?
MS-MC 31397 Luiz Fux Monocrática
Deputado Federal
Presidente da República 06/06/2012 12/06/2012 6 dias
Executivo (presidente)
ADI-MC 1330
Francisco Rezek Colegiada
Confederação Nacional da Agricultura
Presidente da República 27/07/1995
10/08/1995 - Liminar 09/02/2004 - Mérito
1 ano e 3 meses - Liminar 9 anos e 9 meses - Mérito
Executivo (presidente)
Tabela 10 - Grupo 4 – MP como assessório ao veto. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: planilha de casos -
Apêndice IV.
Este grupo conta com dois casos. A justificativa para o desentranhamento desses,
dos outros grupos, é o pouco debate existente quanto a esse ponto.
Ambos os casos questionam o Executivo federal e estão inseridos sob égide da
CF/88. O MS-MC 31397 foi decidido por meio de decisão monocrática e a ADI-MC 1330,
por meio de decisão colegiada.
102
A ADI-MC 1330 questiona o artigo 2º da medida provisória 1.046 de 1995, que,
entre outras coisas, alterava disposições da Lei 8.880/94 (plano de estabilização econômica e
monetária). Essa lei teve origem na medida provisória 482/1994, mas com alterações feitas
pelo Congresso Nacional. Entre essas alterações, especificamente, havia o artigo 16, § 2º, que
acrescentou algumas exceções às regras do plano econômico. Diante disso, o presidente da
república, Itamar Franco, veta o parágrafo 2º do artigo 16, com a justificativa de que o
parágrafo iria permitir a alteração de contratos encerrados de operações de poupança pautadas
por outras regras e, porque não fazia previsão de cláusula de equilíbrio econômico-financeiro.
Diante desse veto, o Congresso Nacional o rejeita, em 1995. Para evitar problemas
com a nova redação que seria dada, o então presidente da república, Fernando Henrique
Cardoso, edita a Medida Provisória (MP) 1.046 de 1995 que dispunha sobre crédito rural. O
artigo 2º, afirmava que “para as operações de crédito rural contratadas a partir da
publicação desta Medida Provisória e até 31 de julho de 1996, não se aplica o disposto no §
2º do art. 16 da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994”. O que, tecnicamente, evitava a
preocupação no veto do presidente Itamar Franco, em 1994, sobre aplicar as regras da Lei
8.880 a contratos anteriores a ela.
Dessa forma, por meio da MP 1.046 de 1995, o Executivo federal reedita os
efeitos pretendidos com os vetos, que foram rejeitados pelo Legislativo federal.
O Cidadão, Confederação Nacional da Agricultura, interessado na não
permanência do veto ou na edição da MP 1.046/1995 (reeditada na MP 1.072), questiona a
constitucionalidade dessa, por violação aos artigos 2º; 62; 66, §§ 4º - 7º; 67; 187, I e II, da
CF/88. O principal argumento a ser destacado por esta pesquisa são os artigo 2º e 66, §§ 4º-7º,
que trazem o princípio da separação dos poderes e o devido processo legislativo de apreciação
do veto. O arguente alegava que o Congresso havia decidido não acatar o veto sobre o tema,
portanto, qualquer reedição daquele texto, por outros meios, seria inconstitucional. Buscando
tornar o argumento mais robusto, é alegado que a reapresentação de texto de veto seria similar
à reapresentação de projeto de lei rejeitado no Congresso Nacional, o que era vedado pela
CF/8884.
O STF, por maioria (vencido o ministro Marco Aurélio), rejeita a liminar, por
entender que o processo legislativo foi seguido e que não houve violação à separação dos
poderes. No mérito, afirma que a MP 1.046 traz temática menos abrangente que a Lei 8.880,
colocando apenas limite de tempo para o início da sua aplicação, não se tratando de matéria
84 Interessante essa colocação, uma vez que o presidente da república não apresentara um projeto de lei, mas sim
um veto. Isso também estaria vinculado a esse preceito constitucional?
103
idêntica à vetada pelo presidente da república, tendo em vista que a adição do artigo 16, §2º
foi realizada pelo Congresso à MP 482, não sendo matéria do presidente. Dessa forma, não
havendo violação ao artigo 187 da CF, tendo em vista que essa é uma norma programática.
Isso fica claro na passagem do voto do ministro relator, Francisco Rezek, que foi
o voto condutor do caso:
(...) aconteceu neste caso aquilo que a Constituição prescreve que há de
acontecer dentro da trivialidade do processo legislativo. Um veto é oposto a
uma norma pelo Presidente da República; o Congresso Nacional, por
maioria, derruba o veto; o Presidente da República se abstém de sancionar a
norma. A carta diz que nessa hipótese o Presidente do Congresso Nacional
tem o poder da promulgação direta, e outra coisa não aconteceu: a norma
resultou promulgada sob sua autoridade.
Todo o ritual que concerne à medida provisória, ao veto presidencial, à
rejeição do veto, à promulgação da norma de veto rejeitado: tudo se fez
observar com rigor. De tal modo não me parece que se tenha posto em
dúvida o império dessas regras de processo legislativo que figuram na
própria Carta. (ADI-MC 1330, p. 11 - eletrônica)
A questão, no fundo, é só uma, e em torno dela tudo mais gravita: pode
ou não o Presidente da República, uma vez derrubado pelo Congresso o
veto por ele outrora oposto a uma norma, reeditá-la mediante medida
provisória? Colocada a questão nesses termos, não há como negar
aspecto de bom direito à tese que conduz a uma resposta negativa. Faz
algum sentido entender que o Presidente da República não pode, em
princípio, promulgada certa norma por força da rejeição do seu veto, pô-la
na ordem jurídica, no dia seguinte, através da edição de medida provisória. O
Precedente relatado pelo Ministro Celso de Mello, e aqui citado várias vezes,
ajudaria a fomentar esse ponto de vista. (ADI-MC 1330, p. 11-12 -
eletrônica)
Sucede que, no caso concreto, o que se nos depara não é uma situação assim.
Deixo de lado, porque carente de efeito útil, a questão de saber se, quando
editada a Lei 8.880, o âmbito cronológico do seu § 2o era maior, ou não, do
que aquele estampado no caput. O caput do art. 16 da lei parecia referir-se a
um breve momento da nossa história econômica, quando dizia "continuam
expressos em cruzeiro reais até a emissão do real", ou seja, até 1o de julho
seguinte, "as operações de crédito rural etc."
(...) obviamente o Presidente da República não está reeditando norma
promulgada mediante derrubada de veto. Está dando prazo limitado ao
congelamento que ele, na Medida Provisória, estabelece para uma norma
anterior - cujo império se restaura, nos termos do seu derradeiro comando -,
em 31 de julho de 1996 (ADI-MC 1330, p. 12-13 - eletrônica) (grifos meus).
Entende o STF, dessa forma, que no caso em análise, a medida provisória não
reeditou o veto, mas apenas forneceu um prazo maior para sua aplicação. Essa interpretação é
interessante e dialoga com os pressupostos teóricos deste trabalho, no sentido de que a medida
provisória, assim como o veto, são instrumentos de garantias da separação dos poderes,
escolhidos pelo nosso desenho institucional, e ambos geram a relação mútua de controle entre
104
o poder Legislativo o Executivo. Nesse sentido, neste caso, verifica-se a utilização desse
instrumento como opção à rejeição do veto pelo Legislativo.
Algumas ponderações são necessárias, pois apesar de os efeitos gerarem
correlação ao veto, o instrumento apenas foi utilizado após o fim do processo legislativo, ou
seja, o projeto de lei que estava vetado já havia sido sancionado, promulgado e publicado pelo
Congresso; além disso, apesar de os efeitos pretendidos ao usar esses instrumentos serem os
mesmos, o presidente usou da técnica de redação jurídica que alterou, substancialmente, o
caráter pretendido com a MP do caráter do pretendido com veto. O objetivo deste último era
impedir a entrada em vigor daquela disposição; a MP, por sua vez, visava atrasar a entrada do
veto por tempo determinado. Dessa forma, a sutileza analítica entre considerar ponto
complementar ao veto ou situação distinta é tênue.
Contudo, a questão é que na prática, lendo os documentos do caso (projeto de lei,
medidas provisórias e veto), os efeitos gerados pela MP são idênticos aos do veto, impedindo
com que a previsão do §20, do artigo 16, fosse aplicada a contratos anteriores. Dessa forma,
parece haver, juridicamente, alteração do regular processo legislativo de criação das leis. Em
termos institucionais, essa prática é interessante e permite observar como as instituições se
auto desenham e usurpam atribuições dos outros poderes.
Essa também é a conclusão do ministro Marco Aurélio, que foi o único voto
contrário no caso, conforme é possível observar a seguir:
(...) O veto e a derrubada que se seguiu, bem como a promulgação da Lei
não pelo Executivo, mas via ato do Presidente do Congresso, fizeram-se no
âmbito de competência e prerrogativas próprias.
Todavia, o Executivo não se mostrou conformado diante dessa
manifestação dos representantes do povo, os Deputados e dos Estados -
os Senadores. Acionou o disposto no artigo 62 da Carta de 1988, para
mitigar - já que o fez também atento a um certo período - os efeitos da
derrubada.
Indaga-se: diante do processo legislativo, tal como definido na Lei
Básica Federal, havia campo propício para essa atuação? Na Carta em
vigor, a medida provisória exsurge como mecanismo,
constitucionalmente perfeito, para afastar-se do cenário político a
derrubada de veto? A resposta é desenganadamente negativa. Entendo que
em questão está - para não confundirmos a hipóteses, tomando-o como caso
concreto, já que o controle é concentrado - não a situação de penúria dos
agricultores retratada nestes autos, mas a própria Democracia direcionada à
observância do princípio político constitucional que é o da separação e
independência harmoniosa dos Poderes. Onde fica o princípio da realidade?
Onde fica o princípio da razoablidade, da boa fé [sic]? Refiro-me à
razoabilidade no tocante à interpretação das normas constitucionais, quando
se caminha para a admissibilidade do endosso, muito embora no terreno
precário do exame da liminar, de um ato do Executivo, que, contrariando
afastamento do veto, projetou no tempo a eficácia da norma editada pelo
105
Legislativo. Nem mesmo o período em que previsto o Decreto-Lei chegou-se
a essa utilização! (ADI-MC 1330, p. 23-24 - eletrônica) (grifos meus).
A decisão liminar foi tomada em 1995, e em 2004 foi arquivado o processo por
perda do objeto.
O MS-MC 31397, que é o segundo caso deste grupo, foi julgado em junho de
2012. O arguente era o Legislativo, composto por cinco deputados federais, em que se
questiona a edição de MP do presidente com conteúdo idêntico ao dos vetos rejeitados pelo
Congresso Nacional a determinado projeto de lei. No caso, a presidenta ao receber o Projeto
de Lei 1.876/1999, avisou, inclusive mediante a mídia, que iria vetar diversos dispositivos
desse projeto85. Ao receber o projeto, a presidenta vetou parte dele e sancionou, promulgou e
publicou a parte não vetada. Antes mesmo de a mensagem de veto ser enviada, a presidenta
editou a MP 571/2012 regulando os artigos por ela vetados e, também, alterando outras
disposições do Código Florestal que ela acabara de sancionar, promulgar e publicar. Por conta
disso, os arguentes questionam a MP 571/2012, por ter repetido os vetos do Projeto de Lei
1.876/1999, que originou o Código Florestal (Lei 12.651), e por ter alterado parte de lei
recém-aprovada pelo próprio Executivo. Em termos de alegações jurídicas, os arguentes
apresentam tese similar ao do caso anterior, de violação aos artigos 2º e 66º da CF/88, por
inovação do processo legislativo.
O STF decidiu, via decisão monocrática, confirmar o entendimento do caso
anterior, evitando uma análise mais profunda da MP e do veto, alegando que a MP foi
utilizada dentro das suas atribuições constitucionais e, portanto, não houve violação ao
processo legislativo. Contudo, concluiu o ministro relator, Luiz Fux, que esse questionamento
poder ser feito mediante outras vias, tanto em termos jurisdicionais quanto políticos,
conforme constata-se a seguir:
In casu, verifica-se inexistir qualquer direito líquido e certo a ser tutelado
por esta Suprema Corte. Diversamente do ventilado pelos Impetrantes, não
ocorreu a abreviação do processo legislativo ordinário, porquanto a edição
de Medida Provisória não tem o condão de obstar a apreciação do veto pelo
Congresso Nacional.
Muito pelo contrário. No tocante aos temas sancionados na PL n°
1.876/1999, a edição de Medidas Provisórias apenas suspende a sua
eficácia, inexistindo qualquer revogação aparente. Vale dizer, retiram-
se, temporariamente, os efeitos dos aludidos preceitos, não maculando a
sua existência no ordenamento jurídico.
85 Apenas a título de exemplo, veja a notícia do portal de notícias G1, em que é relatado que após a aprovação do
projeto de lei que originou o Código Florestal, a Advocacia-geral da União anunciou que a presidenta emitiria
vetos ao projeto por entender que esse violaria aos interesses públicos. COSTA; MENDES. 2012.
106
Em outras palavras, caberá ao próprio Congresso Nacional, quando da
deliberação da MP, o juízo decisivo de saber se haverá ou não a
revogação dos preceitos sancionados na PL n° 1.876/1999. Rememore-se
que, nesta ocasião, o Congresso Nacional examinará tanto os
pressupostos de edição – relevância e urgência – quanto a oportunidade
e conveniência da sua conversão em lei ou da rejeição da MP. Assim, se
convertida a MP em lei, haverá a revogação de tais preceitos, ainda que
anteriormente sancionados pela Presidenta Dilma Roussef. Do
contrário, manter-se-ão incólumes estes dispositivos legais. E, essa
decisão, repete-se, é atribuída soberanamente ao Congresso Nacional.
Por outro lado, no que pertine aos preceitos vetados pela Presidenta Dilma
Roussef, não há que se cogitar de suspensão da eficácia, porquanto não
ingressaram no ordenamento jurídico (plano da existência) e, por
conseguinte, não se encontram aptos a produzir seus efeitos (plano da
eficácia). Ocorre que a circunstância de o veto presidencial encontrar-se
pendente de deliberação pelo Congresso Nacional não obsta que a Presidenta
da República edite uma MP regulando o tema, desde que presentes os seus
pressupostos constitucionais.
(...)
Em suma, a questão de fundo debatida neste mandamus não caracteriza
qualquer ofensa à Constituição, em geral, e ao devido processo legislativo
ordinário, em especial, de modo que seu equacionamento deve ocorrer no
bojo do próprio sistema político. Descabe, portanto, trazer esta questão ao
Poder Judiciário (MS-MC 31397, p. 2-3) (grifos meus).
Assim como no caso anterior, a disputa entre os poderes é visível, apesar de os
vieses serem diferentes; no primeiro caso a parte interessada é Cidadão e não Legislativo,
enquanto no segundo caso, Legislativo (enquanto categoria utilizada por esta pesquisa) é o
interessado.
Não irei repetir as críticas e conclusões feitas no caso anterior, dessa forma,
apenas reitero que este é um tema de pesquisa interessante, pois por meio de uma análise da
MP no Legislativo, que tenha objetivo de assessorar de alguma forma o veto, é possível
verificar a utilização de dois instrumentos da separação dos poderes e de check and balances
se correlacionando; também é possível observar a disputa entre os poderes, nesses casos,
verificando como ocorre a ação e reação entre eles via regras institucionais (veto players
usando instrumentos institucionais).
Em termos de observação do tempo entre o pleito e o julgamento, temos uma
média de quase um ano para julgamento da cautelar. Contudo, esse dado deve ser relativizado,
vez em que se tratam de dois casos, apenas; e ainda, casos com base em instrumentos
diferentes. O MS-MC 31397 teve a cautelar julgada em 6 dias, o que mostra um prazo muito
bom, a partir do critério geral adotado. A ADI-MC 1330 demorou um ano e três meses para o
julgamento da liminar e mais nove anos até a decisão de arquivamento por perda de objeto.
Neste último caso, apesar de aparentemente ser um prazo muito superior ao anterior, dentro
107
do critério geral adotado, também é um prazo aceitável, ainda mais por se tratar de um
instrumento de controle abstrato de constitucionalidade com decisão colegiada, o que amplia
o prazo. Contudo, o prazo de oito anos inerte, após a decisão liminar, é um prazo que merece
maior atenção e crítica.
Como destacado no início deste capítulo, em muitos casos que tiveram decisão
quanto a liminar (deferimento ou não), no mérito têm a perda do objeto declarado. Isso indica
a tendência de o STF, nesse tipo de casos, manifestar-se quanto a liminar, muitas vezes de
maneira monocrática, mas quanto ao mérito permanecer inerte ao ponto de a questão perder o
objeto.
Quanto a possíveis regras extraíveis deste grupo, pode-se interpretar a seguinte:
(1) a MP é instrumento autônomo e legítimo, do Executivo, podendo este utilizá-
lo dentro dos limites constitucionais, não havendo impedimentos a matérias que interfiram ou
influam em resultado de análise de veto pelo Legislativo.
5.5. Instrumento para arguição do veto
O quinto grupo de casos contém as discussões quanto à legitimidade e os meios
processuais adequados para se arguir o veto no STF. Dito de maneira diferente, são os casos
em que se questionam algum ponto relacionado a veto e o STF, em sua decisão, conclui se a
parte é legítima e se o instrumento utilizado para questionamento é cabível. Portanto, são
casos em que o ponto a ser questionado não é saber se o instrumento utilizado pelo arguente é
o adequado, mas a resposta do STF para o caso refere-se, quase que exclusivamente, a isso. A
seguir apresento as principais informações deste grupo.
Tabela XI – Grupo 5 – Instrumentos para arguição do veto
Grupo 5 – Instrumentos para arguição do veto
Instrumento e nº Relator
Decisão Colegiada ou Monocrática? Proponente
Autoridade Coatora
Data da Propositura
Data do Julgamento
Duração dos autos (propositura a julgamento)
A favor de quem?
MS 3764 Rocha Lagoa Colegiada Cidadão
Presidente da República e Congresso Nacional
Não contém informação 18/01/1957 +/- 2 anos
Executivo e Congresso Nacional
ADPF QO 1
Néri da Silveira Colegiada PC do B
Prefeito do Município do RJ 27/01/2000 03/02/2000 7 dias
Executivo (presidente)
MS-MC Cezar Monocráti Município de Presidente da 23/10/2003 09/03/2004 4 meses Executivo
108
24675 Peluso ca Paranavaí República (presidente)
ADPF 63 Sepúlveda Pertence
Monocrática
Governador do AP ALESAP 01/02/2005 03/02/2005 2 dias
Legislativo (ALEAP)
ADPF-MC 45
Celso de Mello
Monocrática PSDB
Presidente da República 15/10/2003 29/04/2005
1 ano e 6 meses Indeterminável
ADPF 73 Eros Grau Monocrática PSDB
Presidente da República 30/05/2005 07/05/2007 2 anos
Legislativo (maioria do Congresso)
MS 29359 Gilmar Mendes
Monocrática Cidadão
Presidente da República 18/10/2010 27/10/2010 9 dias
Executivo (presidente)
MS 29345 Gilmar Mendes
Monocrática Cidadão
Presidente da República e outros 14/10/2010 27/10/2010 1 mês
Executivo (presidente)
MS 29361 Dias Toffoli
Monocrática Cidadão
Presidente da República e outros 18/10/2010 28/10/2010 10 dias
Executivo (presidente)
MS 29358 Gilmar Mendes
Monocrática Cidadão
Presidente da República 18/10/2010 13/12/2010 2 meses
Executivo (presidente)
MS-MC 29373
Celso de Mello
Monocrática Cidadão
Presidente da República 18/10/2010 30/06/2011 10 dias
Legislativo (maioria do Congresso)
MS-Emb 29345
Gilmar Mendes Colegiada Cidadão
Presidente da República e outros 14/10/2010 07/02/2013 3 anos
Executivo (presidente)
MS-Emb 29359
Gilmar Mendes Colegiada Cidadão
Presidente da República 18/10/2010 07/11/2013 3 anos
Executivo (presidente)
Tabela 11 - Grupo 5 – Instrumentos para arguição do veto. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: planilha de casos -
Apêndice IV.
Ao total, são treze casos pertencentes ao grupo. Com exceção do MS 3764, que
foi decidido em 1957, todos os casos foram decididos sob égide da CF/88. Na maioria dos
casos os aguentes não são autoridades, mas sim Cidadão ou Partido Político, a exceção são os
casos MS-MC 24675 (Executivo municipal) e a ADPF 63 (Executivo estadual).
Os casos podem ser divididos em subgrupos, a partir do questionamento feito em
cada caso.
O primeiro subgrupo contém os casos que questionam o veto presidencial ao
artigo 87 da Lei 12.249 de 2010, que determinava quais seriam os sujeitos que se encaixariam
na previsão do artigo 89 da ADCT86. Sete casos entram nesse subgrupo (MS 29359; MS
29345; MS 29361; MS 29358; MS-MC 29373; MS-Emb 29345; e MS-Emb 29359). Os casos
são resolvidos de maneira monocrática, sendo todos rejeitados por impossibilidade jurídica do
pedido e por impossibilidade de processamento da questão via MS. Ainda, há dois casos em
que os arguentes conseguem recorrer para o plenário do STF, mas que não alteram a decisão
monocrática. Portanto, em nenhum desses casos o STF conheceu os pressupostos da ação e,
dessa forma, não controlou o caso. O conhecimento da ação é feito apenas a nível do recurso,
mas não alterando a análise desse subgrupo.
86 Prevê a determinação que os funcionários do antigo território de Rondônia seriam enquadrados como
servidores federais
109
Em todos os casos a categoria de arguidores é a de Cidadão, sendo servidores
públicos afetados pelo veto. O questionamento desses casos giram em torno da
constitucionalidade do veto por violação material a direito fundamental de igualdade e por
violação material da sua função, que seria proteger a sociedade de leis injustas e não criar
óbices para aplicação de direitos fundamentais. Alega-se que o veto teria criado diferença
entre servidores ativos e inativos, alterando a disposição do artigo 87 da ADCT. A decisão do
STF, nesses casos, é de não conhecer a ação, com a justificativa de que só parlamentares
possuem legitimidade ativa para questionar veto mediante MS e, por se tratar de
questionamento de lei em tese, e não de projeto de lei, não cabe MS (súmula 266 do STF)87. A
título de exemplo, veja a decisão colegiada do STF, no MS-Emb 29359, em que teve como
base o voto do ministro relator Gilmar Mendes:
Insurgiu-se a impetrante contra o veto presidencial, ao argumento de que: (i)
seria inexistente a distinção entre servidores ativos e inativos no referido
dispositivo constitucional, sendo vedado realizá-la na legislação
regulamentadora; (ii) o princípio constitucional da isonomia vedaria a
realização de distinção entre ativos e inativos para quaisquer fins; e (iii) o
exercício do veto presidencial deveria se cingir à “proteção da sociedade
contra leis injustas”, em favor da concretização de garantias constitucionais.
Neguei seguimento ao mandado de segurança tendo em vista que a
impugnação do impetrante se dirigia em realidade à própria Lei
12.249/10 para questionar os critérios nela adotados, o que não é viável
em sede de mandado de segurança (MS 26.464, Rel. Min. Cármen Lúcia,
Pleno, DJ 16.5.2008).
Assim, incidiria sobre a hipótese a vedação prevista na Súmula 266/STF,
que declara incabível mandado de segurança contra norma legal de
caráter abstrato e genérico (MS-Emb 29359, p. 2-3) (grifos meus).
(...)
O objeto do mandado de segurança não seria, portanto, o veto
presidencial, havendo omissão na decisão embargada quanto ao caráter
preventivo da impetração (MS-Emb 29359, p. 3) (grifos meus).
Verifico que, no caso, não há ato concreto que tenha afastado a opção
prevista no art. 89 do ADCT com relação aos aposentados e pensionistas.
Em verdade, o que se tem é uma lei, a qual possui eficácia erga omnes.
Como se vê, a impetrante se insurge contra a própria lei, questionando os
critérios por ela adotados.
Aplica-se, portanto, a Súmula 266/STF, que inadmite o processamento de
mandado de segurança contra lei em tese. Ante o exposto, mantenho o
decidido anteriormente, por seus próprios fundamentos, para negar
provimento ao agravo regimental (MS-Emb 29359, p.4).
O segundo subgrupo agrupa casos de ADPFs em que o STF decide ser esse
instrumento hábil ou não para questionamento de veto. Ao total, quatro casos pertencem a
87 Entende o STF que, por ter o projeto de lei já virado lei, o veto torna-se não parte da lei e não pode ser
questionado por Cidadão. Pode-se questionar a constitucionalidade da lei, que já está publicada, mas a
apreciação do veto está inserida de forma exclusiva nas competências do Legislativo.
110
esse subgrupo (ADPF-QO 1; ADPF 63; ADPF-MC 45; ADPF 73). Um caso teve decisão
colegiada (ADPF-QO 1) e os outros tiveram decisão monocrática. Com exceção da ADPF 63,
que foi proposta por Executivo estadual, todos os casos foram propostos por Partido Político.
O STF entendeu existente os pressupostos de conhecimento da ação em um caso, que foi na
ADPF-QO 1 e, portanto, apenas neste caso houve controle da questão. Contudo, no mérito, a
decisão foi de improcedência, o que significa que não houve alteração do status quo da
questão. O questionamento dos casos giram em torno de vetos do Executivo a projetos de leis
que tratavam de temas relacionados à economia e aos sistemas tributários e financeiros88. A
questão fática de fundo é: o Executivo dá início a projeto de lei e o Legislativo o emenda;
quando remetido ao Executivo para sanção ou veto, esse é vetado e então começa a discussão
quanto a qualidade desse veto.
As alegações são que os vetos violam a separação dos poderes e diversos direitos
fundamentais, entre eles a dignidade da pessoa humana e o direito à saúde, por eles
impossibilitarem a concretização desses mandamentos constitucionais. Na ADPF 63, em que
o arguidor é o Executivo estadual frente ao Legislativo estadual, a alegação é que a não
manutenção do veto pelo Legislativo prejudicava a governabilidade e violava a separação dos
poderes.
A decisão do STF, para todos esses casos, é no sentido de não conhecer a ação
(ADPFs 45, 63 e 73) ou, quando conhecida, denega-a (ADPF-QO 1). A justificativa é, para
ambos os casos, que não cabe ADPF para questionamento de veto, enquanto este ainda estiver
na fase de criação de leis; e que quando o projeto de lei já tiver sido convertido em lei,
também não cabe ADPF, pois o questionamento passa a ser em torno da constitucionalidade
da lei e não do veto; Assim, por ser a ADPF instrumento subsidiário a questionamento de
constitucionalidade de lei, esse não pode ser usado para esse fim. Isso fica evidenciado na
decisão do ministro relator, Eros Grau, na ADPF 73, que cita os demais casos para
fundamentar a sua decisão de indeferimento, conforme constata-se a seguir:
A questão posta nestes autos diz com a possibilidade de análise, pelo
Supremo Tribunal Federal, de veto aposto no projeto de lei de diretrizes
orçamentárias do ano de 2005, no ponto concernente aos recursos
destinados às ações e serviços de saúde.
(...)
O Supremo Tribunal Federal, em oportunidade anterior, discutiu o
cabimento de ADPF cujo ato lesivo era veto presidencial, então fixando
entendimento no sentido de sua inadmissibilidade: "EMENTA: (...) O
objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental há de ser 'ato
do Poder Público' federal, estadual, distrital ou municipal, normativo ou não,
88 As ADPFs 45, 63 e 73 tratavam de veto a leis orçamentárias e a ADPF-QO 1 tratava de veto a lei tributária.
111
sendo, também, cabível a medida judicial 'quando for relevante o
fundamento da controvérsia sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou
municipal, incluídos os anteriores à Constituição'. Na espécie, a inicial
aponta como descumprido, por ato do Poder Executivo municipal do Rio de
Janeiro, o preceito fundamental da 'separação de poderes', previsto no art. 2º
da Lei Magna da República de 1988. O ato do indicado Poder Executivo
municipal é veto aposto a dispositivo constante de projeto de lei aprovado
pela Câmara Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, relativo ao IPTU. 8. No
processo legislativo, o ato de vetar, por motivo de inconstitucionalidade
ou de contrariedade ao interesse público, e a deliberação legislativa de
manter ou recusar o veto, qualquer seja o motivo desse juízo, compõem
procedimentos que se hão de reservar à esfera de independência dos
Poderes Políticos em apreço. 9. Não é, assim, enquadrável, em princípio,
o veto, devidamente fundamentado, pendente de deliberação política do
Poder Legislativo - que pode, sempre, mantê-lo ou recusá-lo, - no
conceito de 'ato do Poder Público', para os fins do art. 1º, da Lei nº
9882/1999. Impossibilidade de intervenção antecipada do Judiciário, - eis
que o projeto de lei, na parte vetada, não é lei, nem ato normativo, - poder
que a ordem jurídica, na espécie, não confere ao Supremo Tribunal Federal,
em via de controle concentrado. 10. Argüição de descumprimento de
preceito fundamental não conhecida, porque não admissível, no caso
concreto, em face da natureza do ato do Poder Público impugnado". [ADPF
n. 1/QO, DJ de 7 de novembro de 2.003]. 13. A presente arguição de
descumprimento de preceito fundamental carece de condições que
viabilizem o seu prosseguimento. Nego seguimento (ADPF 73, p.2) (grifos
meus).
Portanto, em outras palavras, a ADPF não pode ser usada para questionar veto,
quando não finalizado o processo legislativo, pois o Legislativo ainda tem espaço, tempo e
legitimidade para tratar do tema, logo, tratando-se de atos independentes e autônomos de cada
um dos poderes participantes, Executivo (vetar) e Legislativo (votar o veto); e, também, não
pode ser utilizada para questionar veto, após o fim do processo legislativo, pois o
questionamento passa a ser da lei em si e não do veto89.
89 Interessante notar que na ADPF-MC 45, mesmo a ação não sendo conhecida, por perda de objeto, o ministro
Celso de Mello levanta a tese de que cabe ADPF para averiguar cumprimento de políticas públicas: “Não
obstante a superveniência desse fato juridicamente relevante, capaz de fazer instaurar situação de
prejudicialidade da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, não posso deixar de
reconhecer que a ação constitucional em referência, considerado o contexto em exame, qualifica-se como
instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta
Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas
instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República. Essa
eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente
expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do
gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais – que se identificam, enquanto
direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min.
CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição,
comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional” (p. 2 – virtual).
Este é um tema interessante para se acompanhar, nos próximos anos, tendo em vista que apesar da manifestação
do ministro parecer ser em um sentido lato de controle de políticas públicas por meio de ADPF, o caso utilizado
para isso tem como base veto a projeto de lei orçamentária e este ainda não teria virado lei, portanto, tratando-se
de processo legislativo não findo. Em outras palavras, levando ao extremo, pode-se interpretar que o ministro
112
O terceiro e último subgrupo engloba casos por exclusão, ou seja, são os únicos
dois casos que não se encaixam fatidicamente aos demais subgrupos. Os casos são o MS 3764
e o MS-MC 24675.
O primeiro caso foi julgado em 1957 e tem como arguidor o cidadão, que
questiona o veto do presidente da república e a decisão do Congresso de mantê-lo. O tema da
lei que se originou é de regulação dos vencimentos do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Afirma o Executivo que o veto foi para evitar violação à autonomia do Distrito Federal para
regular seu quadro de funcionários. O servidor público daquele tribunal, prejudicado pelo
veto, questiona a qualidade do veto. O STF, de forma unânime, decide que não cabe MS
contra veto, por tratar-se de discricionariedade do Executivo, não gerando direito líquido e
certo até adentrar no ordenamento jurídico90.
O segundo caso, MS-MC 24675, tem como arguidor o Executivo municipal e
como arguido o Executivo federal. Questiona-se o ato do presidente vetar artigo do projeto de
lei que dá origem à Lei Complementar 116/2003, que trata do imposto sobre serviço. Alega o
arguidor que o veto teria gerado, reflexamente, isenção tributária a diversas empresas. O STF
decide, de maneira monocrática, não conhecer a ação, por ser um pedido juridicamente
impossível o questionamento da qualidade de veto presidencial. Só podendo haver
questionamento quando houver violação a procedimento constitucional.
Quanto ao tempo, neste grupo, temos o seguinte gráfico:
Gráfico 13 – Grupo 5 – Tempo para Decisão
está afirmando caber ADPF para controle de políticas públicas mesmo quando esse ainda estiver em fase de
processo legislativo e, ainda, mesmo que se trata de analisar a qualidade do veto que ainda sequer foi apreciado
pelo Legislativo. 90 Esse caso apesar de ser similar ao primeiro subgrupo não é incluso naquele por se tratar de um tema diferente
daquele grupo (todos questionavam uma norma específica da CF/88), e por ser antes da súmula 266, que só foi
editada em 1963.
113
Gráfico 23 - Grupo 5 - Tempo de decisão. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice IV.
Em termos de tempo entre pleito e decisão, a média geral é de, aproximadamente,
342 dias, o que significa, praticamente, onze meses. Dentro do critério geral de análise do
tempo (um dia a dois anos), o prazo é razoável. Contudo, algumas observações mais
específicas precisam ser feitas.
Verifica-se que os MSs, retirando as decisões colegiadas, tiveram média de tempo
de 23 dias, o que significa um excelente tempo, ainda mais se verificado que em todos os
casos questionados via MS, em termos de relação política, não há conflito urgente, pois
tratam-se de questionamentos a lei e não a projetos de lei. Quando analisado em termos de
decisão colegiada, verifica-se que a média sobe para aproximadamente um ano. Este prazo
também é razoável.
Quanto as ADPFs, a média de tempo é de 321 dias, ou, aproximadamente, dez
meses. Esse parece ser um bom tempo, pelas mesmas justificativa dos casos de MS, contudo,
há uma característica interessante. A ADPF-QO 1, única julgada de forma colegiada, tem o
tempo de resolução de sete dias91, enquanto as demais, que foram decididas de maneira
monocrática, têm períodos de quase dois anos. E, de outro lado, a ADPF 63 foi julgada em
91 A explicação talvez possa ser dada pela colocação de Questão Ordem e por ter sido a primeira decisão quanto
a ADPF, no STF. Estava-se diante de um instrumento novo, que precisava começar a ser definido os seus
limites.
114
dois dias. Mostrando não ter uma média constante para o tempo de julgamento por meio
desses instrumentos.
Quanto a possíveis regras extraíveis ao processo legislativo, desses casos, temos
as seguintes:
(1) Cidadão não pode questionar veto, enquanto ainda projeto de lei (MS 3764;
MS 29359; MS 29345; MS 29361; MS 29358; MS-MC 29373; MS-Emb
29345; e MS-Emb 29359).
(2) A motivação do veto não pode ser analisada (ADPF-QO 1; ADPF 45; ADPF
63; ADPF 73).
Em termos de regras processuais no STF, é possível extrair o seguinte:
(1) O veto não pode ser arguido por cidadão via MS, pois só quem possui
legitimidade para questionar e para utilizar esse instrumento nessa fase são os
parlamentares. Caso o cidadão queira questionar veto tem de o fazer via
instrumento hábil, mas só quando o processo legislativo já tenha sido
finalizado, ou seja, o questionamento acabará sendo contra lei e não contra o
veto (MS 3764; MS 29359; MS 29345; MS 29361; MS 29358; MS-MC
29373; MS-Emb 29345; e MS-Emb 29359).
(2) A ADPF não é um instrumento hábil para questionar veto presidencial, por
ser um instrumento subsidiário e não principal para se questionar lei e em
caso de questionamento de veto ainda em projeto de lei, esse não é hábil para
tal. (ADPF-QO 1; ADPF 45; ADPF 63; ADPF 73).
Em termos de percepções gerais, neste grupo, é possível constatar um baixo nível
de relação entre as instituições políticas, pois os arguentes dos casos são da categoria Cidadão
e os objetos questionados envolvem apenas interesse a esse grupo. Contudo, é um grupo que
permite observar como o STF interpreta o sistema da separação dos poderes como espaço
apenas para os atores políticos institucionais, não havendo espaço para Cidadão. Este grupo
também tem pouca interferência direta do STF, o que significa dizer que este não conheceu os
pressupostos de conhecimento da ação e, portanto, não controlou os casos.
Quanto ao tempo, este está dentro do critério geral, não havendo críticas
específicas a fazer, apenas as observações já descritas acima.
5.6. O STF no controle da pauta quanto ao veto no Congresso Nacional
115
O sexto grupo compõe-se de casos em que se observa a relação institucional entre
o poder Legislativo e o poder Judiciário, quando levado a este questões sobre controle de
pauta de votação de veto. Por regra, este grupo não contém a participação do Executivo de
forma direta (como uma das autoridades questionadas), mas apenas de forma indireta. O que
significa dizer que o poder Executivo participa do fato, mas não é questionado via Judiciário.
A seguir, apresento a Tabela XII, que contém as principais informações sobre os casos.
Tabela XII – Grupo 6 – O STF no controle da pauta quanto ao veto no Congresso Nacional
Grupo 6 – O STF no controle da pauta quanto ao veto no Congresso
Instrumento e nº Relator
Decisão Colegiada ou Monocrática? Proponente
Autoridade Coatora
Data da Propositura
Data do Julgamento
Duração dos autos (propositura a julgamento)
A favor de quem?
MS 25443 Cezar Peluso Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 04/07/2005 05/07/2005
1 dia (liminar); 4 anos e 7 meses (arquivamento)
Legislativo (maioria do Congresso)
MS 25443 (reconsideração)
Cezar Peluso Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 04/07/2005 17/08/2005
1 dia (liminar); 4 anos e 7 meses (arquivamento)
Legislativo (maioria do Congresso)
MS 25939 Sepúlveda Pertence Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Senado 10/04/2006 10/04/2006
1 dia (liminar); 1 mês (arquivamento)
Legislativo (maioria do Congresso)
MS 25939 Sepúlveda Pertence Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Senado 10/04/2006 08/05/2006
1 dia (liminar); 1 mês (arquivamento)
Legislativo (maioria do Congresso)
MS-MC 25964 Joaquim Barbosa Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 04/06/2006 05/06/2006 1 dia (liminar)
Legislativo (maioria do Congresso)
MS 25964 Joaquim Barbosa Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 04/05/2006 10/08/2007 1 dia (liminar)
Legislativo (maioria do Congresso)
MS 26931 Marco Aurélio Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 27/09/2007 13/10/2007
16 dias (liminar); 6 anos e 7 meses (arquivamento)
Legislativo (maioria do Congresso)
MS 25443 Cezar Peluso Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Congresso 04/07/2005 20/11/2009
1 dia (liminar); 4 anos e 7 meses (arquivamento)
Legislativo (maioria do Congresso)
MS 26763 Marco Aurélio Monocrática
Deputado Federal
Presidente do Senado 28/06/2007 10/08/2012
1 mês e 2 dias(liminar); 5 anos e 2 meses (arquivamento)
Legislativo (maioria do Congresso)
MS-MC 31816 Luiz Fux Monocrática Deputados Federais
Câmara dos Deputados 13/12/2012 17/12/2012 4 dias
Executivo (Presidente) e Legislativo (minoria parlamentar)
MS-MC 31832 Luiz Fux Monocrática Congressistas
Presidente do Congresso 19/12/2012 16/01/2013
29 dias (liminar); 8 meses (arquivamento)
Indeterminável
MS-MC-AgR 31816 Luiz Fux Colegiada Congressistas
Mesa do Congresso Nacional 13/12/2012 27/02/2013 2 meses
Maioria do Congresso
116
MS 31944 Luiz Fux Monocrática Senadores
Mesa do Congresso Nacional 08/03/2013 15/08/2013 5 meses
Indeterminável
MS 31814 Luiz Fux Monocrática Senadores
Mesa do Congresso Nacional 12/12/2012 22/08/2013 8 meses
Indeterminável
MS 31828 Luiz Fux Monocrática Senadores
Mesa do Congresso Nacional 17/12/2012 22/08/2013 8 meses
Indeterminável
MS 31938 Luiz Fux Monocrática Senadores
Mesa do Congresso Nacional 06/03/2013 22/08/2013 5 meses
Indeterminável
MS 31832 Luiz Fux Monocrática Congressistas
Presidente do Congresso 19/12/2012 22/08/2013
29 dias (liminar); 8 meses (arquivamento)
Indeterminável
MS 31816 Luiz Fux Monocrática Deputados Federais
Câmara dos Deputados 13/12/2012 23/08/2013 5 meses
Indeterminável
Tabela 12 - Grupo 6 – O STF no controle da pauta quanto ao veto no Congresso. BISPO, Nikolay Henrique.
Fonte: planilha de casos - Apêndice IV.
Ao total, este grupo é formado por dezoito casos. Todos estão sob égide da CF/88,
o instrumento utilizado é o MS e têm decisão de maneira monocrática. A exceção a esta
última afirmação é o MS-MC-AgR 31816, que é o recurso interposto à decisão do MS-MC
31816, que trata dos royalties do pré-sal. Em todos os casos os arguidores foram a categoria
Legislativo, composta por parlamentares; e os arguidos foram, também, a categoria
Legislativo, representado pela mesa do Congresso ou os presidentes de cada Casa.
O número de casos em que o STF reconheceu a existência dos pressupostos de
conhecimento da ação, e o número em que não reconheceu, é dividido, tendo nove casos para
cada lado92. Desses nove casos em que o STF conheceu a ação, apenas em dois houve
deferimento da liminar ou o provimento da ação, o que significa que o status quo da questão
foi alterado (MS-MC 31816; MS-MC-AgR 31816). Esses casos também têm a característica
de manifestação do STF, monocraticamente, quanto a liminar (deferindo ou não), em um
curto período, mas, após a decisão, o caso permanece sem movimento até que seja declarada a
perda do objeto. Indo ao encontro da provocação feita no tópico 5.4, de que o STF decide não
julgar os casos e deixa que os casos percam o objeto93.
Neste grupo, a questão fática e de direito é: o presidente do Senado Federal, na
sua atribuição de presidente do Congresso Nacional, (não) coloca em pauta de julgamento
algum projeto de lei que tenha sido vetado de maneira parcial ou integral. Parlamentares
92 Casos em que o STF reconheceu a existência dos pressupostos de conhecimento da ação: MS 25443; MS
25443-reconsideração; MS 25939; MS 25443; MS 26763; MS-MC 31816; MS-MC 31832; MS-MC-AgR 31816;
MS 31832. 93 Ao analisar o andamento processual desses casos, verifica-se que há diversos vácuos de informação durante
esses períodos. Por regra, ou o Ministério Público Federal demora anos para devolver o processo ou ao ir para
conclusão do ministro relator este não se manifesta até a declaração da perda do objeto.
117
interessados na discussão desse projeto de lei questionam a constitucionalidade desse ato, por
suposta violação ao prazo de votação de 30 dias e da sua consequência (§§ 4º e 6º, do artigo
66, da CF/88).
As decisões monocráticas do STF, com exceção dos casos em que houve alteração
do status quo, são de indeferimento da liminar, com base nos seguintes fundamentos: (i) não
há riscos em não conceder a liminar, pois os vetos não deixarão de ser analisados caso isso
ocorra; (ii) não se pode conceder a liminar por haver confusão entre o mérito e o pedido
liminar, o que anteciparia toda a medida.
O artigo 66, §§ 4º e 6º, prescreve que o Legislativo possui 30 dias para julgar o
veto; caso não seja respeitado esse prazo, a consequência é a colocação desse na pauta do dia
seguinte e o sobrestamento das demais proposições, até a apreciação desse. Inclusive, o § 6º
foi alterado pela EC n. 32/2001, que retirou a exceção a esse sobrestamento (as MPs não eram
suspensas).
O Congresso Nacional, ao regular essa previsão em seu regimento interno
(RICN), especificou, nos artigos 104 e 105, que o prazo de 30 dias só seria contado a partir da
sessão conjunta de leitura da mensagem do veto94. O que significa que se um veto fosse
enviado em 2002 e este só tivesse a sessão de conhecimento convocada em 2010, apenas a
partir de 2010 que esse prazo seria contado e os eventuais efeitos dos seus descumprimentos,
também.
Isso gerou um sistema em que a minoria parlamentar interessada no caso, ou até
mesmo a maioria parlamentar (quando a mesa do Congresso Nacional não apoiasse), não
poderia ter apreciado veto no qual tivesse interesse, mesmo que a CF/88 previsse prazo para a
sua apreciação.
Esse tipo de questionamento, a partir dos casos disponíveis no sítio do STF, são
recentes, sendo o primeiro de 2006. Mas, a partir desse período, o STF vem recebendo críticas
e indicações do sistema inconstitucional que estava sendo criado, mas ou o STF não conhecia
da ação ou indeferia a liminar.
94 Esses artigos foram alterados em 2014, conforme será apresentado no capítulo 6. Contudo, até esse período, a
redação dos artigos eram as seguintes: Art. 104. Comunicado o veto ao Presidente do Senado, este convocará
sessão conjunta, a realizar-se dentro de 72 (setenta e duas) horas, para dar conhecimento da matéria ao
Congresso Nacional, designação da Comissão Mista que deverá relatá-lo e estabelecimento do calendário de sua
tramitação. § 1º O prazo de que trata o § 4º do art. 66 da Constituição será contado a partir da sessão convocada
para conhecimento da matéria. § 2º A Comissão será composta de 3 (três) Senadores e 3 (três) Deputados,
indicados pelos Presidentes das respectivas Câmaras, integrando-a, se possível, os Relatores da matéria na fase
de elaboração do projeto. Art. 105. A Comissão Mista terá o prazo de 20 (vinte) dias, contado da data de sua
constituição, para apresentar seu relatório.
118
O ministro Sepúlveda Pertence, no terceiro caso decidido sobre o tema, MS
25939, chamou a atenção para o cenário de descumprimento de regras constitucionais que
existia por conta dessa prática do Congresso Nacional. Contudo, com receio de interferir e
decidir suspender toda tramitação do processo legislativo, o ministro afirmou que haviam
outros meios para questionar esse ponto (mas não especificou quais) e indeferiu a liminar.
Isso fica evidente em seu voto, como apresento a seguir:
Sustenta o impetrante que a atribuição do Presidente da Mesa Diretora de
definir a pauta de votações não é absoluta, certo que, no caso, dever-se-ia
observar o disposto nos §§ 4º e 6º do art. 66 da Constituição Federal (),
tendo-se em vista o transcurso do prazo de trinta (30) dias para a apreciação
de vetos presidenciais, ultrapassados os quais serão colocados na ordem do
dia, sobrestadas quaisquer outras proposições legislativas (). Roga, então,
pela concessão de liminar para "suspender as deliberações em sessão
conjunta de quaisquer proposições legislativas até (a) decisão definitiva do
mandamus ou até (b) que sejam devidamente apreciados os vetos
presidenciais que aguardam exame congressual há mais de 30 dias" (f. 9).
Decido. A instrução documental da petição inicial demonstra
efetivamente que o Congresso Nacional não tem observado a prioridade
conferida à apreciação dos vetos presidenciais pelos preceitos
constitucionais invocados. Sucede, no entanto, que, conforme a mesma
documentação, nenhum dos seis vetos, de anos anteriores, está incluído em
pauta: três, incluídos, dela foram retirados, em 20.05.2004 (f. 14, 27 e 31);
dois outros, devolvidos pela Comissão Mista, sem parecer, pendem da
confecção de avulsos (f. 23 e 34); do último, só se tem notícia da leitura e da
designação da Comissão Mista (f. 20). Não cabe ajuizar neste mandado de
segurança nem da compatibilidade com a rigidez do rito constitucional,
nem da regularidade dos empecilhos regimentais opostos à tramitação
dos procedimentos de apreciação das mensagens de veto pendentes de
deliberação: eventual ilegitimidade de cada um deles haveria de ser
argüida oportunamente e pelas vias adequadas. Afigura-se-me [sic]certo,
porém, que não havendo vetos aparelhados para a imediata deliberação do
Congresso Nacional - porque pendentes, devida ou indevidamente, de
obstáculos antepostos à sua tramitação, sem impugnação adequada -, não
cabe impor a paralisia de todos os processos legislativos já prontos para
a deliberação. O sobrestamento de todas as demais proposições
legislativas, determinado pelo art. 66, § 6º, da Constituição, pressupõe a
inclusão na ordem do dia das mensagens presidenciais de veto não
apreciadas no prazo. E a impetração sequer imputa à autoridade coatora o
retardamento da inclusão em pauta. Esse o quadro, indefiro a liminar (MS
25939, p.1) (grifos meus).
Apesar desse entendimento, essa prática continuou e os casos questionando a
mesma inconstitucionalidade começaram a aumentar.
Após seis anos da decisão do ministro Sepúlveda Pertence, o ministro Marco
Aurélio, em 2012, no MS 26763, também chama a atenção para a prática inconstitucional do
Congresso Nacional, quanto a votação do veto. Contudo, assim como no caso anterior, a
119
liminar é rejeitada, por entender que essa anteciparia o mérito da questão, portanto, não
podendo ser concedida, conforme verifica-se abaixo:
(...) No mais, muito embora o artigo 57 da Carta da República revele que o
Congresso Nacional reunir-se-á anualmente, na Capital Federal, de 2 de
fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro, a visão primeira
sobre o que seria uma única reunião sede à interpretação sistemática da
própria Constituição Federal, mais precisamente ao disposto no artigo 66, §
4º, nela contido, segundo o qual a apreciação do veto dar-se-á em sessão
conjunta, dentro de trinta dias a contar do respectivo recebimento. Ora, se
incumbe ao Congresso Nacional a deliberação sobre o veto – inciso IV
do § 3º do artigo 57 da Lei Fundamental –, uma vez ocorrido, faz-se
necessário reunião para tanto. Sob o ângulo da medida acauteladora, há
verdadeira confusão. O pleito liminar e o pedido final têm o mesmo objeto.
De qualquer forma, em jogo atividade de outro Poder, no que apontado
ato omissivo, porquanto não convocada a sessão conjunta das duas
Casas do Congresso, cumpre o crivo do Colegiado maior do Supremo, o
crivo do Plenário (MS 26763, p.1) (grifos meus).
Esse cenário narrado deu origem ao único caso que é exceção a todos os outros –
pois houve controle e interferência no status quo da questão –, o MS-MC 31816 de 2012 e
seus derivados, MS-MC-AgR 31816 de 2013 e os MS 31928, MS 31814, MS 31832, MS
31944 e MS 31938.
Em 2012, próximo ao recesso do Judiciário, foram protocoladas as ações MS
31816, MS 31928 e MS 31814, questionando adoção de urgência à votação do veto 38/2012
(ao Projeto de Lei 2.565/201195), pelo presidente do Senado. Esse caso refere-se à alteração
dos royalties de distribuição do petróleo e à estipulação da divisão dos royalties quanto ao
pré-sal.
A alegação do parlamentar, no caso, trouxe os questionamentos de todos os outros
casos (não cumprimento do artigo 66, §§ 4º e 6º), mas de forma inversa; justificando que por
haver vetos anteriores ao 38/2012, este não poderia ser apreciado pelo Legislativo, por ter
sido suspensa a pauta de votação do Congresso Nacional, desde a não votação dos vetos
anteriores. Esse caso cita nos autos os artigos 104 e 105 do RICN, que regula a votação do
vetos96. Afirma o arguente que o ato da mesa do Senado é inconstitucional por desrespeitar o
artigo 66, §§4º e 6º; afirma também que o procedimento de urgência, adotado, não existe
quanto à análise de veto, mas apenas para análise de projetos de leis de origem do Executivo e
que a utilização do RISF, para adotar tal rito, viola determinação do RICN que determina que 95 BRASIL, Câmara dos Deputados Federais. Projeto de Lei no 2.565/2011. Disponível em: <
http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=524645>. Acessado em: 28 dez.
2015. 96 Lembra-se que a ADI 3719, pertencente ao grupo 2, questionava a constitucionalidade do artigo 104, por
permitir o descumprimento do artigo 66, §§ 4º e 6º. Contudo, via decisão monocrática, foi entendido que o STF
não poderia analisar a questão via ADI, por ser o RICN anterior à CF/88.
120
primeiro seja utilizado o RICD para supressão de lacuna. (MS-MC 31816; MS 31814; MS
31928; MS 31828; MS 31938).
O ministro relator do MS-MC 31816, Luiz Fux, decide conhecer da ação e deferir
a liminar, determinando a suspensão do trâmite dos processos legislativos referentes à análise
do veto até a votação dos demais vetos (segundo consta nos autos, passava o número de 3060
vetos). Essa decisão – que será melhor explorada no capítulo 6 deste trabalho – gerou
questionamentos tanto no cenário político e jurídico quanto na mídia de maneira geral. Pela
primeira vez, como visto na reconstrução dos casos, o STF estava interferindo na pauta do
Congresso e determinava que um procedimento fosse feito de forma específica.
O ministro Luiz Fux afastava e superava o entendimento que foi construído
durante o período anterior a decisão, de que não caberia o deferimento de liminar, nesses
casos, devido a liminar adiantar toda a decisão de mérito97.
Após essa decisão, tiveram pronunciamentos de líderes do Congresso Nacional a
favor e contra esse entendimento. O STF entrou em recesso forense, e as discussões
continuaram. A decisão fez com que fossem planejadas medidas alternativas para poder votar
o veto 38/2012. O Congresso chegou a marcar sessões para discussões, de uma só vez, de
todos os vetos atrasados, para, então, discutir o veto 38/2012. Inclusive, esse foi o
questionamento no MS 31932, proposto por parlamentar que era contra a votação, pedindo
para que fosse impedida essa votação98.
Contra a decisão de deferimento da liminar, foi interposto o agravo regimental
(MS-MC-AgR 31816), pelo Congresso Nacional, questionando a concessão da liminar, com
base nos seguintes argumentos: (i) arguente estava cometendo abuso de direito por desvio da
função do instrumento MS; (ii) estava o arguente usurpando a vontade da maioria do
Congresso Nacional, de votar o veto em questão; (iii) existem dois ritos de apreciação no
artigo 66 da CF/88, e, por conta disso, a pauta de votação só seria trancada quanto aos vetos
que tivessem o mesmo rito99; (iv) impossibilidade de análise do Judiciário, por se tratar de
matérias interna corporis; (v) indaga que a decisão causou graves prejuízos ao andamento dos
trabalhos do Legislativo, visto que todas as votações estavam suspensas, até a resolução dos
3090 vetos; (vi) a ingerência do Judiciário causa riscos ao Estado democrático de Direito e
coloca o Legislativo de joelhos frente ao Judiciário (MS-MC-AgR 31816, p. 5-6).
97 Todos os casos, com exceção deste, fundamentam a sua decisão nesse ponto. 98 A liminar desse caso só foi apreciada em janeiro 2013, o que fez com que o objeto já tivesse sido perdido. 99 Esse argumento não fica claro nos autos.
121
Até o pronunciamento do plenário do STF, no caso (27 de fevereiro de 2013), já
havia se passado dois meses. O STF, ao se debruçar sobre o tema, recebe e julga o agravo
regimental no MS 31816 e decide que o ministro Luiz Fux não tinha razão em conceder a
liminar, por estar antecipando o pedido feito no mérito da questão. O ministro Luiz Fux
reforça o seu posicionamento e afirma que devido à urgência do caso e por o STF estar
entrando no período de recesso, não houve opção de levar o caso à apreciação pelo plenário
do STF, antes da concessão da liminar. Contudo, o ministro confirma que deveria a liminar
ser mantida, devido ao abuso que estava sendo cometido pelo Legislativo.
Após a decisão do STF, o Congresso Nacional marcou a sessão de julgamento do
veto 38/2012 para 6 de março de 2013 (oito dias após a decisão do STF). O STF ainda foi
acionado para suspender essa sessão, pelo MS 31938, que fundamentava o pedido de
suspensão em invalidade da sessão por não respeito ao artigo 104 do RICN. Afirma o
arguente que a não convocação da sessão de leitura da mensagem de veto gera vício
procedimental, por não seguir o trâmite do artigo 104 do RICN; dessa maneira, só após a
leitura da mensagem de veto, em sessão convocada para isso, é que poderia ser marcada a
sessão de votação. Contudo, esse caso foi declarado prejudicado, pois foi analisado apenas em
agosto de 2013.
Sem o empecilho da decisão do STF, em 6 de março de 2013, o Congresso
Nacional rejeitou os vetos à Lei 12.734/2012 e enviou o projeto de lei para que a presidenta o
publicasse.
Quanto ao tempo, neste grupo, temos o seguinte gráfico:
Gráfico 13 – Grupo 6 – Tempo de Decisião
122
Gráfico 33 - Grupo 6 - Tempo de Decisão. BISPO, Nikolay Henrique. Fonte: Apêndice IV.
A média geral é de, aproximadamente, 408 dias, o que equivale a, praticamente,
um ano e um mês. Dentro do critério geral adotado, este é um prazo razoável.
Isolando os casos em que há variação de tempo muito maior do que os demais
(MS 25443 – arquivamento (1); MS 25443 – arquivamento (2); MS 26931 – arquivamento;
MS 26763), a média cai para, aproximadamente, 118 dias (praticamente quatro meses). O que
é um bom prazo.
No mais, as decisões de arquivamento tendem a ser maiores, por conta da
justificativa dada no início deste tópico, de que após o pronunciamento monocrático os casos
ficam imóveis até a perda do objeto.
Em termos de possíveis regras a serem extraídas, pode-se elencar uma regra que
se aplica tanto ao processo legislativo quanto ao processo no STF:
(1) cabe questionamento de pauta de votação de veto, contudo, por ser tênue o
liame entre a decisão liminar e o mérito, o STF rejeita a concessão.
Este grupo de casos é interessante, pois é possível observar a relação entre os
poderes, a relação dentro dos próprios poderes (Executivo e Legislativo), e, no caso
excepcional, o potencial problema que uma decisão de ingerir na pauta de trabalho de outros
poderes pode causar ao Estado democrático de Direito.
Quanto ao STF, é possível observar um tribunal contido, no sentido de
interferência nessa matéria. Apesar de haver equilíbrio entre decisões em que o STF controlou
123
ou não os casos, na prática, esse não interfere na questão e deixa que essa permaneça da forma
em que se encontra. Também é possível observar um STF que segue o seu entendimento
praticamente em todos os casos. Isso gera segurança jurídica ao Legislativo, que sabe que a
sua autonomia de controle de pautas será respeitada.
No entanto, algumas críticas são necessárias. Apesar de apenas em um caso o STF
interferir na questão e alterá-la (no MS-MC-AgR 31816, apesar de o STF alterar o status quo
da questão, ele reestabelece o status anterior à decisão liminar), a consequência gerada na
relação com outros poderes foi impactante, como fica claro pelas descrições anteriores e como
desenvolvo nos tópicos seguintes.
Além disso, o julgamento de casos como esses, devem ser feitos de maneira
paulatina, para que não haja graves rompimentos com a cultura ou sistema que está sendo
aplicado; mas, por outro lado, sabe-se que o Legislativo, mesmo com algumas manifestações
do STF quanto à inconstitucionalidade do ato, não alterou estado inconstitucional da prática
de votação de veto. Nesse sentido, dentro das expectativas da função da separação dos
poderes com instrumentos de check and balances, não pode o Judiciário permitir que tal
prática se perpetue, violando não só procedimentos constitucionais, mas diversos direitos
subjetivos dos diversos interessados na resolução da questão. Cria-se um caso de difícil
solução.
5.7. O STF como última fase do processo legislativo
O grupo sete foi criado para acoplar apenas a ADI-MC 4917. Isso porque, o
objetivo do capítulo 5 é apresentar os casos desta pesquisa e extrair respostas para as
perguntas do trabalho. E esse caso, junto com o MS 31816 e casos conexos, são a base do
capítulo 6, em que faço um estudo de caso sobre o caso dos royalties do pré-sal.
A ADI-MC 4917 é a reação do Estado do Rio de Janeiro à decisão do Congresso
Nacional de rejeitar o veto 38/2012. Por ser prejudicado pela decisão, como um dos estados
afetados, o governador do Rio de Janeiro protocolou essa ADI no mesmo dia em a parte do
projeto de lei que teve o veto 38/2012 rejeitado foi publicada e integrou a Lei 12.734/2012.
Essa parte que estava vetada foi publicada no dia 15 de março de 2015, no mesmo
dia o governador pediu a suspensão da aplicação dos pontos que estavam sendo questionados
no MS 31816. A alegação do pleiteante era de violação às diversas regras constitucionais e de
124
iminente riscos à concretização de políticas públicas se aplicada a nova divisão dos valores. A
ministra relatora do caso, Cármen Lúcia, conhece da ação e defere a liminar, suspendendo a
aplicação dos artigos questionados, até decisão do mérito, pelo pleno. A justificativa foi de
evidência de eventual inconstitucionalidade nas alterações e o risco que a aplicação da nova
regra poderia causar.
Esse caso permite uma análise extensiva da relação dos poderes. O que significa
dizer, que a partir da junção desse caso com os anteriores, é possível observar a atuação dos
poderes em um processo de criação das leis, a partir da sua fase final, até a sua total conversão
em lei; e, em seguida, a relação entre esses poderes no controle concentrado de
constitucionalidade, que, na realidade, apenas reflete o penoso processo de criação de leis,
pelo qual passou a Lei 12.734. Não só isso, como será apresentado no próximo capítulo, esse
caso mostra como a separação dos poderes brasileira conta com diversos players importantes,
que participam no dia a dia da construção e reconstrução desse valor.
Um reflexão interessante é que em alguns casos a ADI pode representar um
prolongamento do processo legislativo. Isso porque, como visto em toda a pesquisa, nos casos
relacionados a veto, o STF conheceu a ação e controlou o caso discutido trinta e quatro vezes,
das cinquenta e cinco possíveis. O que significa que em mais da metade dos casos o STF
considerou-se competente para analisar a questão de processo legislativo relacionado ao veto
que estava sendo discutida. Portanto, esse vem se considerando competente para interferir
nesses pontos e, inclusive, alterar a questão, caso seja necessário (o que ocorreu na minoria
dos casos). Então o STF seria um player não só político em termos macros, mas fiscal ou
mediador de regras do processo legislativo, e casos como a ADI-MC 4917 indicam o fim do
processo legislativo, formalmente, mas informalmente a sua continuação no STF, mas agora
totalmente fora da seara do Legislativo e pautado, apenas, por regras jurídicas. Portanto,
externamente analisado, estaria a fase do controle de constitucionalidade posterior da lei pelo
Judiciário dentro do processo legislativo de criação das leis, nesse casos problemáticos. Uma
vez que a parte até então vetada não chegou a produzir efeitos, seria o mesmo que admitir que
o processo de disputa na tomada de decisão política não se findou e o STF está a extensão
desse processo.
Contudo, juridicamente (internamente) analisando, essa afirmação não é válida,
visto o término formal do processo legislativo e a conversão do projeto de lei em lei, não
havendo que se falar em continuação do processo legislativo de criação das leis. Essa
constatação só é possível a nível externo da instituição e do Direito.
125
6. O STF COMO PLAYER DO JOGO POLÍTICO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O
CASO DO ROYALTIES DO PRÉ-SAL
Neste capítulo desenvolvo um estudo de caso com base nas ações denominadas de
Royalties do pré-sal. O objetivo é explorar esse caso que, dentro do universo de pesquisa, é o
que mais destoa dos demais por conta das suas características, que foram expostas nos tópicos
5.6 e 5.7.
O método de pesquisa do estudo de caso permite descrever e analisar fatos sociais
complexos a partir de documentos e fontes de informações variadas. O caso do Royalties do
pré-sal pode ser descrito e analisado de diversas formas, mas dentro do propósito desta
pesquisa, o método do estudo de caso é o que melhor fornece meios para descrição e
avaliação desse fato social complexo. Dessa forma, para explorá-lo, desenvolvo um estudo de
caso explanatório, que busca responder questões de como e por que determinado fato social
pode ter ocorrido (YIN, 2001, p. 24).
As perguntas que busco responder com este estudo de caso são: quais eram os
atores envolvidos no caso royalties do pré-sal? Qual era a questão política discutida? Quando
e como o STF foi chamado para resolver a questão política, agora transformada em jurídica?
Como o STF resolveu a questão? É possível observar e descrever consequências da decisão
do STF na questão política? Como a relação entre os poderes, a partir desse caso, pode ser
observada? Este caso pode representar a evolução do sistema de check and balances ou o
declínio (a partir desse caso a tendência é um retrocesso, não havendo mais casos como esse)?
Os documentos para responder a essas questões são os mesmo utilizados por esta
pesquisa, com o acréscimo de notícias da mídia que relatam os acontecimentos daquele
período. Dessa forma, são analisadas: decisões do STF (MS-MC 31816; MS 31814; MS
31928; MS 31828; MS 31938; ADI-MC 4917), justificativas de veto (Veto Presidencial
38/2012), projetos de lei (2.565/2011), lei (12.734/2012), artigos acadêmicos e notícias na
mídia.
No tópico a seguir, inicio a apresentação do caso por meio da exploração dos
atores envolvidos e o início do debate da questão política. Ainda dentro desse tópico,
descrevo o papel do Executivo federal no caso e a utilização do veto como instrumento de
check and balances. No tópico seguinte, introduzo o STF ao caso, a partir da reação dos
atores ao veto; apresento como a questão política foi traduzida em um questionamento
jurídico; em seguida, descrevo e analiso as justificativas e fundamentos das decisões do STF.
126
Concomitantemente, descrevo e analiso as reações dos atores às decisões do STF e identifico
possíveis consequências jurídicas após a decisão do STF. No último subtópico, apresento
breves reflexões sobre este estudo de caso.
6.1. O caso do royalties do pré-sal: atores e questão política
O petróleo no Brasil representa cerca de 13% do PIB nacional, o que, no ano de
2014, representou um valor de aproximadamente 18,5 bilhões de reais injetados nos cofres
públicos (PETROBRÁS, 2014). Este valor arrecadado é denominado de royalties pela
exploração e utilização de bens originários do Estado. Neste caso, trata-se de bem da União,
que são os recursos naturais provenientes da plataforma continental e da zona econômica
exclusiva, conforme artigo 20, inciso V, da CF/88.
A sua forma de divisão, por determinação da CF/88, é federativa, o que significa
que os estados-membros e municípios também têm participação nesse valor arrecadado. Esse
valor arrecadado é distribuído entre os entes federais (municípios e estados) produtores ou
confrontantes de petróleo, e indiretamente aos demais entes não produtores, por determinação
geral do artigo 20, §1º, da CF/88 e por regulação da Lei do Petróleo (9.478/1997) e do
Decreto 2.705/1998100.
De maneira geral, a maior parte do valor arrecadado é dividido conforme o
critério de local de produção e extração: (i) em terra (ou em lagos, rios, ilhas fluviais e
lacustres)101; ou (ii) em plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica
exclusiva102. Com o advento da Lei 12.351 de 2010, que oficializou o pré-sal, pode-se dividir
as compensações em mais um grupo, que é a hipótese de se a extração e produção forem
realizadas (iii) em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas103; e a menor parte aos entes não
produtores ou confrontantes (RUBINSTEIN, 2012, pp. 66-97).
100 As leis citadas trazem uma lógica político-financeira de divisão, que não será aprofundada nesta pesquisa,
por não haver contribuição real a ela. 101 Nesse caso, a participação na exploração é devida apenas aos Estados e municípios em que ocorrerem a
produção, e a municípios afetados pelo embarque e desembarque dessa produção/extração, além dos fundos
especiais. Sistematização extraída do artigo 48, inciso I, da Lei 9.478 de 1997. 102 A participação é dividida entre todos os entes, previsto pela CF, conforme observado acima. A participação
do ente dar-se-á de forma direta se este for confrontante ou afetado, ou de forma indireta mediante os fundos
especiais (Geral e municipal). Cf. Art. 42-b, inciso II, da Lei 12.351 de 2010. 103 Segundo os incisos IV e V do artigo 2º, da Lei 12.351 de 2010, área do pré-sal é “a região do subsolo
formada por um prisma vertical de profundidade indeterminada, com superfície poligonal definida pelas
coordenadas geográficas de seus vértices estabelecidas no Anexo desta Lei, bem como outras regiões que
127
Ao total, atualmente, dos vinte e seis estados brasileiros, onze são produtores ou
afetados pela produção de petróleo, sendo eles: Amazonas, Maranhão, Bahia, Ceará, Espírito
Santo, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Sergipe, São Paulo. Por conta da
produção municipal, esse número de estados aumenta para dezoito, figurando neles, além dos
já citados: Alagoas, Amapá, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul,
Santa Catarina (ANP (a), 2015, p. 86). A nível municipal, o número de municípios afetados
ou produtores de petróleo passa de cem. Inclusive, segundo informação do Jornal Folha, cinco
dos maiores PIBs são de municípios produtores ou afetados pela exploração de petróleo
(BÔAS, 2015).
Os estados produtores e afetados pela exploração de petróleo, em 2014, ficaram
com 29,4% do valor arrecadado, os municípios com 34% e a União com 28,2% (divididos
entre Comando da Marinha (12,4%), Ministério da Ciência e Tecnologia (8,8%) e Fundo
Social (7,0%); 8,0% ao Fundo Especial dos estados e municípios; e 0,2% à Educação e
Saúde)) (ANP (a), 2015, p. 85).
De maneira direta, esses são os principais interessados na repartição dos royalties
do petróleo.
Ao final de 2007, o Brasil descobriu a chamada reserva petrolífera pré-sal. Foi
atribuído este nome a essas reservas, por elas estarem localizadas nas rochas denominadas
como pré-salinas. Contudo, segundo explica Kerr Oliveira, o nome dessa rocha é explicado
pelo seu período de formação anterior à salina:
O termo “pré” de pré-sal refere-se à temporalidade geológica e não à
profundidade. Considerando-se a perfuração do poço, a partir da superfície,
o petróleo do pré-sal é considerado subsal, pois está abaixo da camada de
sal. Entretanto, a classificação destas rochas segue a nomenclatura da
Geologia, que se refere à escala temporal em que os diferentes estratos
rochosos foram formados. A rocha-reservatório do pré-sal foi formadas [sic]
antes de uma outra camada de rocha salina, que cobriu aquela área milhões
de anos depois, ou seja, mais recentemente na escala de tempo geológica.
Portanto, o “pré” do pré-sal refere-se à escala de tempo, ou seja, está em uma
venham a ser delimitadas em ato do Poder Executivo, de acordo com a evolução do conhecimento geológico”; e
área estratégica é a “região de interesse para o desenvolvimento nacional, delimitada em ato do Poder
Executivo, caracterizada pelo baixo risco exploratório e elevado potencial de produção de petróleo, de gás
natural e de outros hidrocarbonetos fluidos”.
Além dos royalties, neste caso, ainda há o bônus de assinatura. Este grupo também se subdivide nos 2 anteriores,
mas a sua percentagem é diferente. (a) Se essa área for em terra (ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres),
recebem os Estados, Distrito Federal, municípios produtores e afetados, uma porcentagem vai para a constituição
do fundo especial geral e municipal, e, por último, à União – que deverá destinar toda sua porcentagem ao Fundo
Social; (b) se essa área for em plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica exclusiva,
recebem: Estados e municípios confrontantes, municípios afetados, o fundo especial estadual, fundo especial
municipal, União – que deverá destinar toda sua porcentagem ao Fundo Social. Cf. Art. 42-b da Lei 12.351 de
2010.
128
camada estratigráfica que é mais antiga do que a camada de rochas salinas.
(KERR OLIVEIRA, SD).
A atual projeção é que exista na reserva cerca de 12 bilhões de barris de petróleo.
Isso comparado à produção de petróleo do Brasil, anual (cerca de 840 milhões de barris,
segundo a ANP), são mais de dez anos de petróleo em um único local. Até 2012, quando
ainda não se tinha uma dimensão mais próxima da realidade, a estimativa era de que tivessem
mais de 70 bilhões de barris disponíveis.
O pré-sal começa a ser a “galinha dos ovos de ouro” do Brasil. A disputa para
lucrar com ele começou antes mesmo do primeiro teste para verificar a real potencialidade
dessas reservas. Interessados nesse potencial aumento financeiro, estados e municípios
considerados não produtores ou afetados pela exploração de petróleo, passaram a fazer
lobbies para que fosse alterada a regulação petrolífera, para prever maior participação desses
na divisão do repasse financeiro, conforme se destaca em notícia no portal G1
(Governadores fazem lobby no Congresso por royalties do pré-sal):
A semana em Brasília começou agitada com a presença de diversos
governadores em busca de recursos dos royalties do pré-sal. Representante
de um dos estados produtores, Paulo Hartung (PMDB-ES) já esteve nesta
segunda-feira (9) no gabinete do relator, Henrique Eduardo Alves (PMDB-
RN). Enquanto ele tentava aumentar a fatia do seu estado, governadores de
estados do Nordeste como Wilma de Faria (PSB-RN) e Cid Gomes (PSB-
CE) aguardavam na ante-sala para também pedir mais recursos a Alves. Em
meio ao lobby, a tendência é que a votação na comissão especial, marcada
para esta tarde, seja novamente adiada. Outros governadores devem chegar
ainda hoje.
(...)
Enquanto os estados produtores tentam reduzir o prejuízo, outros
governadores querem aumentar os ganhos. As novas regras definidas por
Alves seriam aplicadas apenas nas áreas não licitadas do pré-sal, cerca de
70% do total. Os governadores do Nordeste, no entanto, querem que a regra
valha também para a área já licitada. “Esta parte é onde vai começar a
exploração. Se a regra for a de exclusão não estamos fazendo nada porque
estamos consolidando uma regra injusta por 10, 15 anos”, argumentou
Eduardo Campos (PSB-PE). Em meio à disputa, o líder do governo,
Henrique Fontana (PT-RS), convocou todos os representantes de partidos
aliados na comissão para uma reunião. Ele deseja combinar uma estratégia
entre os deputados para tentar minimizar os embates entre aliados devido a
diferenças regionais. Um dos articuladores da votação, o deputado Eduardo
Cunha (PMDB-RJ) defendeu o adiamento da decisão. “Se há a possibilidade
de acordo, porque precipitar os fatos? Podemos votar amanhã na comissão e
tem tempo ainda no plenário” (BRESCIANI, 2009) (grifo meu).
Iniciava-se um período de discussão das reformas da relação petrolífera brasileira.
Foram propostas três leis que objetivavam regular a forma de exploração e afetação do pré-
129
sal, a vinculação das receitas oriundas desse objeto e a redistribuição desses valores (alterava
o modo antigo em que os produtores e afetados eram os que mais ganhavam com os repasses).
Entre esses projetos de leis apresentados a partir de 2010, estava o Projeto de Lei
da Câmara dos Deputado n. 2.565/2011, que teve origem no Projeto de Lei do Senado
448/2011, do senador Wellington Dias (PT/PI), representante de um estado não produtor ou
afetado pela exploração de petróleo.
A justificativa para proposição do senador foi exatamente a crítica pela divisão
injusta das arrecadações advindas desse tipo de produção, conforme é possível extrair da
justificativa apresentada junto ao projeto de lei: “este PLS tem por objetivo propor uma
divisão mais justa das participações governamentais decorrentes da exploração do petróleo”
(p. 9)104.
Os parlamentares representantes dos estados e municípios produtores e afetados,
passaram a ser contra esse projeto de lei, pois iriam sofrer perdas significativas com a
aprovação dessa medida. Segundo informa o jornalista José Maria Trindade, diante do
movimento do Senado Federal em aprovar o projeto de lei, os estados produtores e afetados
passaram a buscar alternativas políticas para impedir que o projeto obtivesse votação
favorável na Câmara dos Deputados.
Os estados produtores de petróleo reagem e se articulam para tentar impedir
a votação na Câmara dos Deputados da lei que redistribui os royalties do
petróleo. O projeto aprovado no Senado e que depende agora da Câmara foi
um acordo para evitar a votação do veto do ex-presidente Lula à emenda que
distribui de forma igual todos os recursos do petróleo, pior ainda do que o
projeto aprovado no Senado. Os governadores do Rio de Janeiro e do
Espírito Santo reuniram as bancadas para discutir estratégias no Congresso
para barrar a nova legislação. O PR já está solidário e os favoráveis aos
estados produtores vão tentar obstruir todas as votações. A expectativa é de
somar os votos da oposição e dos produtores de petróleo para travar o
Congresso (TRINDADE, 2011).
Fazendo comparação entre o antigo regime de divisão dos royalties e o que estava
a ser proposto pelo projeto de lei, Fonseca (2013) apresenta que antes os percentuais de
divisão ficavam na faixa de: 30% para a União, 26,25% para estados e municípios produtores,
8,75% para municípios afetados, 7% para estados não produtores e 1,75% para municípios
não produtores. E com a proposta de alteração, até 2020, os percentuais ficariam em: 20%
para a União, 20% para estados produtores, 4% para municípios produtores, 2% para
municípios afetados, 27% para estados não produtores e 27% para municípios não produtores.
104 Projeto de Lei do Senado n. 448/2011. Disponível em: <
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/101405>.
130
A partir da propositura daquele projeto de lei, iniciava-se uma disputa política
dentro do Congresso Nacional, por meio de representantes dos estados e municípios
produtores e afetados e os representantes do estados e municípios não produtores e afetados.
Não só isso, mas iniciava-se uma disputa de proporções nacionais, que extravasavam os
muros do Congresso Nacional, com municípios, estados e Executivo federal. Enquanto dentro
do Congresso as discussões ocorriam internamente à própria Casa, os demais interessados
passavam a discutir na mídia, inclusive fazendo ameaças de proposituras de ações no
Judiciário. A seguir, a notícia do Jornal O Globo de setembro de 2011 e do Jornal do Brasil de
novembro de 2011, destacam bem essa situação:
O governador do Rio, Sérgio Cabral, e os principais municípios fluminenses
produtores de petróleo reagiram à proposta do governo que altera a divisão
dos royalties e ameaçam entrar na Justiça. Rio de Janeiro, Campos, Macaé e
Rio das Ostras estão entre os mais afetados. Os municípios terão sua
participação limitada a 6% em 2020, no lugar dos atuais 26,25%. Pela
proposta, a queda seria gradual e já em 2012 a fatia cairia para 18% do total
dos royalties arrecadados. Para que estados e municípios não produtores de
petróleo entrem na divisão do bolo e passem a receber royalties, os
municípios produtores é que pagariam grande parte dessa conta, deixando de
ganhar R$ 24,03 bilhões até 2020. Nesse período, a União se propôs a abrir
mão de R$ 15,17 bilhões, já que sua parcela cairia de 30% para 20%. O
Estado do Rio ficaria sem R$ 1,5 bilhão, com a redução da fatia dos estados
produtores de 26,25% para 25% a partir do ano que vem. No total, todos os
estados produtores teriam R$ 1,7 bilhão a menos (ROSA et al., 2011).
O governador Sérgio Cabral já está participando da passeata que deve reunir
mais de 100 mil manifestantes na passeata em defesa das receitas de petróleo
do Estado do Rio. Também estão presentes ao ato o prefeito do Rio, Eduardo
Paes, e vice-governador e coordenador e Infraestrutura, Luiz Fernando
Pezão, e secretários de Estado (JORNAL DO BRASIL, 2011).
O projeto de lei foi aprovado pelo Senado Federal no dia 19 de outubro de 2011 e
foi enviado para a Câmara dos Deputados, onde permaneceu até fevereiro de 2013.
Dessa forma, essa reconstrução dos fatos evidencia quatro grupos de atores
importantes: (i) Entes Produtores e Afetados, composto por municípios, estados e
parlamentares federais representantes desses; (ii) Entes Não Produtores e Afetados, composto
por municípios, estados e parlamentares federais representantes desses; (iii) Executivo
federal; além do próprio (iv) Legislativo federal, como órgão único.
Essa polarização de players pode ser explicada por alguns vieses, que acredito que
são complementares e não excludentes. De um lado, a partir do movimento para o retorno da
democracia, os estados e municípios ganharam força política e começavam a despontar como
players a serem capazes de influenciar e impedir tomadas de decisões nacionais. Esse
131
movimento representa o rompimento com o que Abrucio (2002, p. 29) denomina de modelo
Unionista-autoritário, em que o Executivo federal era o único ator tomador de decisões
políticas105. De outro lado, a justificativa jurídica de que teria a CF/88 ampliado o rol de
legitimados a serem ouvidos em diversas situações de tomada de decisão, e a abertura para
que questionassem matérias de diversos tipos no Judiciário (VIEIRA, 2008; DIMOULIS et
al., 2014; LIMA LOPES, 1997).
Esse caso permite observar uma forma alternativa de enxergar a prática das
atividades políticas, no dia a dia, que vai além da dicotomia: a favor do governo ou contra o
governo. O caso destaca que essa chave de análise política não seria capaz de captar o
movimento político e social que estava acontecendo, de entidades dos três níveis federais e
parlamentares federais atuando em torno de interesse comum, que vai além de ser contra ou a
favor ao governo. Aliás, como destacado nas notícias acima, o governo federal, inicialmente,
figura como moderador desse debate, afirmando estar disposto a ceder parte de seu lucro para
os Entes Não Produtores e Afetados.
O papel da presidenta Dilma começa a se alterar em meados de dezembro de
2012, quando ficava evidente que o Projeto de Lei 2.565/2011 seria aprovado na Câmara dos
Deputados. Segundo notícias da Veja e do Último Segundo, em novembro de 2012, os Entes
Produtores e Afetados passaram a pressionar a presidenta Dilma, para que ela vetasse os
dispositivos do PL 2.565/2011.
Manifestantes lotaram as ruas do centro do Rio de Janeiro nesta
segunda-feira no ato “Veta Dilma: contra a injustiça, em defesa do Rio", protesto contra a proposta aprovada no Congresso que redistribui os royalties
e participações especiais do petróleo, reduzindo a parcela de Estados
produtores (BESSA, 2012) (grifo meu).
Depois de passarem a terça-feira empenhadas em retardar a votação do
projeto que altera a partilha de royalties e participações especiais da
produção de petróleo na costa brasileira, as bancadas do Rio e do Espírito
Santo depositam suas esperanças em um veto da presidente Dilma
Rousseff para amenizar as perdas para os estados. Caso não consigam
uma intervenção da presidente, que já sinalizou ser contrária às alterações
nos campos já licitados, a reação dos estados pode vir na forma de ações na
Justiça movidas pelas procuradorias fluminense e capixaba (RITTO, 2012)
(grifo meu).
No dia 06 de novembro de 2012, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de
Lei 2.565/2011 e o enviou à presidenta Dilma para que desse início à fase Executiva do
105 Explica Abrucio, que esse apogeu unitarista ocorreu devido às reformas institucionais do período, que
concentraram, principalmente, poderes financeiros, administrativos e políticos, no Executivo federal. Isso fez
com que os estados-membros fossem enfraquecidos (ABRUCIO, 2002, pp. 29-82).
132
processo legislativo. Recebido o projeto de lei, a presidenta aguardou até o último dia, do seu
prazo de 15 dias, para se pronunciar sobre o projeto de lei. Então, no dia 30 de novembro de
2010, a presidenta decidiu vetar parte do projeto de lei, principalmente quanto a alteração dos
de divisão dos royalties do petróleo. A justificativa para o veto foi que as novas percentagens
violavam os artigos 5º; 20, § 1º e 167, da CF/88, e por falta de interesse público.
A partir desse momento, o Executivo federal passava a fazer mais parte dos Entes
Produtos e Afetados do que do outro grupo. Contudo, também não é possível alocá-lo
totalmente dentro desse grupo. Isso porque, utilizando a MP como instrumento assessório ao
veto, a presidenta editou a MP 592/2012 que passava a vincular as novas receitas oriundas do
pré-sal para o setor da educação, no total de 100%. Ou seja, em outras palavras, por meio da
MP 592/2012 a presidenta impediu que os Entes Produtores e Afetados pudessem dispor do
valor repassado dos royalties, da forma que quisessem.
Em resposta ao ato da presidenta, os Entes Não Produtores e Afetados,
conseguiram mobilizar quantidade suficiente de parlamentares para convocar reunião de
votação dos vetos opostos (VP 38/2012), já anunciando que teriam a maioria absoluta para a
rejeição desse106.
Os Entes Produtores e Afetados, reagindo a esse ato, trouxeram o STF à discussão
e incluíram mais um player a ser considerado para a tomada de decisão. Por meio de
mandados de segurança, diversos parlamentares passaram a questionar a medida de urgência
adotada pelo Congresso Nacional (MS 31816, MS 31814, MS 31828 e MS 31832).
Dessa forma, o cenário de atores participantes desse caso, fica da seguinte forma:
(1) Entes Produtores e Afetados – (estados-membros, municípios e parlamentares
federais representantes desses) interessado pela não aprovação do Projeto de
Lei 2.565/2011 e pela manutenção dos vetos.
(2) Entes não Produtores e Afetados (estados-membros, municípios e
parlamentares federais representantes desses) – interessado pela aprovação do
Projeto e pela rejeição dos vetos.
(3) Legislativo federal – como será visto adiante, em determinadas situações terá a
sua mesa diretora atuando na disputa.
106 A fim de ilustrar a situação, a notícia da revista Época, de 12 de dezembro de 2012, anuncia que fora
aprovado o pedido de urgência para votação do VP 38/2012.
“O Congresso aprovou nesta quarta-feira (12) o requerimento de urgência para análise dos vetos da presidente
Dilma Rousseff à lei que redistribui os royalties do petróleo. O pedido de urgência passou por duas votações.
Na Câmara, foi aprovado por 348 votos a 84 e 1 abstenção. No Senado, o requerimento passou por 60 a 7.
Com a aprovação, a análise do veto dos royalties passa na frente de outros três mil vetos que aguardam
votação. O Congresso espera votar o mérito dos vetos de Dilma na próxima terça-feira (18). Para derrubar os
vetos, são necessários os votos de pelo menos 257 dos 513 deputados e 41 dos 81 senadores.” (ÉPOCA, 2012).
133
(4) Executivo federal – interessado em não alterar o sistema de distribuição dos
royalties para contratos já iniciados, mas apenas para contratos futuros e sem
alteração brusca do percentual pertencente aos Entes Produtores e Afetados.
(5) STF – local de alocação da discussão política, após a conversão para discussão
de irregularidades jurídicas no processo legislativo.
6.2. Transformando a questão política em jurídica: a atuação do STF no MS-
MC 31816
A partir do dia 12 de dezembro de 2012 começaram a ser impetrados MSs
questionando o ato do Legislativo federal em adotar medida de urgência, na votação do VP
38/2012, por supostas violações à CF/88 e ao RICN. Ao total, esta pesquisa contou com sete
documentos questionando a medida adotada e que foram protocoladas até o dia 19 de
dezembro de 2012, sendo esses acoplados em quatro casos: MS 31816, MS 31814, MS 31828
e MS 31832107.
Os proponentes são parlamentares federais pertencentes ao grupo de Entes
Produtores e Afetados. O MS 31814 foi proposto pelo senador Lindberg Farias (PT/RJ) e
outros parlamentares; o MS 31828 pela senadora Ana Rita Esgario (PT/ES) e outros
parlamentares; o MS 31816 pelo deputado federal Alessandro Molon (PT/RJ); e o MS 31821
pelo senador Magno Malta (PR/ES).
A questão política apresentada no tópico anterior foi levada, em termos jurídicos,
ao STF, com a seguinte formulação: ao acatar o requerimento de urgência e passar o VP
38/2012 à frente de outros vetos, o presidente do Senado violou o direito líquido e certo à
observância do devido processo legislativo, incorrendo nas seguintes violações às normas de
regência (MS-MC 31816, p. 5-6)108:
(a) Ofensa ao art. 66, §§ 4º e 6º, da Carta de 1988, configurada por
duas circunstâncias: (i) pela criação de “um inusitado regime de urgência
107 São sete documentos, porque há dois MSs decisão quanto ao pedido cautelar, o que gera a nomenclatura
“MC” aos MSs e gera outro documento de análise, distinto do primeiro; e, além disso, há o agravo regimental no
MS 31816, que também gera outro documento distinto. O que, somando-os, totalizam-se em sete documentos. 108 A mídia especializada chamava a atenção para o Bullyng Federativo sofrido pelas minorias parlamentares,
nesse caso. Isso porque, representando a minoria parlamentar na situação, os Entes Produtores e Afetados viam
um esforço do resto do Congresso em superar o vetos da maneira mais rápida possível, mesmo que para isso
tivesse de violar regras procedimentais. Dessa forma, liderados por Molon, esse grupo fez o que a mídia chamou
de rolo compressor de defesa das minorias parlamentares (CONSULTOR JURÍDICO, 2012).
134
sem qualquer amparo na Constituição”, o qual, a rigor, sequer faria sentido
em matéria de apreciação dos vetos, porquanto sujeitos a prazo peremptório
de 30 dias para sua análise; e (ii) pela apreciação “aleatória ou voluntarista”
dos vetos presidenciais a projetos de lei, que já se acumulam em número
superior a 3.000 (três mil), alguns deles pendentes há mais de uma década.
Alega que a análise dos vetos deveria seguir critérios objetivos e razoáveis,
não podendo flutuar puramente ao sabor das conveniências políticas;
(b) Desrespeito ao direito constitucional das minorias parlamentares,
traduzida na criação de um procedimento legislativo ad hoc, aplicável tão
somente a um veto específico, em franco prejuízo do debate justo, racional e
transparente do tema, como evidenciam algumas manifestações realizadas
naquela sessão legislativa por parlamentares contrários ao requerimento, as
quais teriam sido completamente ignoradas pelo bloco político majoritário;
(c) Afronta a diversos dispositivos regimentais do Congresso Nacional,
notadamente daqueles que (i) impedem a apreciação de matérias que não
estejam na ordem do dia; (ii) exigem a constituição de Comissão Mista para
elaborar relatório acerca dos vetos presidenciais; e (iii) estipulam que
eventuais lacunas normativas devam ser colmatadas prioritariamente com
recurso ao Regimento do Senado Federal (e não ao da Câmara dos
Deputados).
Os pedidos feitos nesses casos eram para que o STF concedesse a segurança e
impedisse a votação do VP 38/2012 e, que no mérito a concessão da segurança de maneira
definitiva, determinando a votação dos vetos antigos anteriores ao VP 38/2012. O fundamento
para concessão da liminar foi que a manutenção do veto garantiria a aplicação das regras
antigas, não havendo riscos, diferente do que ocorreria se os vetos fossem rejeitados.
Portanto, a alegação política foi traduzia em dois argumentos complementares:
(i) inconstitucionalidade da prática de votação de veto adotada pelo Congresso,
por desrespeito à regra do artigo 66 da CF/88. Segundo essa regra, se o veto
não fosse analisado pelo Congresso Nacional em até 30 dias, a pauta de
votação seria bloqueada e o veto entraria na pauta de discussão da sessão
subsequente. A partir dessa lógica, não se pode alegar urgência de um veto
frente aos outros, pois a pauta de votação estaria suspensa até a votação do veto
mais antigo;
(ii) Irregularidade procedimental, pois o RICN não prevê adoção de regime de
urgência em veto presidencial; e por não seguir os trâmites dos artigos 104 e
105 que determinam a convocação da comissão mista, antes da votação quanto
a qualquer veto.
O caso julgado pelo STF, e analisado neste momento, foi o MS-MC 31816,
protocolado no dia 13 de dezembro de 2012, e no dia 17 de dezembro do mesmo ano o STF
pronunciou-se sobre o caso, por meio de decisão liminar, do ministro relator Luiz Fux.
135
A decisão do ministro foi de conhecer a ação e deferir a liminar.
Como apresentado no tópico 5.6, pela primeira vez o STF estava superando a sua
jurisprudência de que em casos de controle de pauta de votação quanto ao veto, apesar de
poderem ser controladas, não podem ter liminar deferida por conta de a decisão liminar
antecipar a decisão de mérito.
Os argumentos utilizados pelo ministro, para a concessão da medida, foram
variados, mas todos encampados de justificativas e racionalidade jurídica. O que significa
que, apesar de ser uma decisão com consequências na política, a sua justificativa foi com
bases e formulação jurídica; o que se espera de decisões do STF, mesmo que se trate de
questões com impactos políticos, como defendido no capítulo 3.
O primeiro argumento do ministro foi no sentido de especificar a diminuição do
campo de diferenciação entre questões políticas (interna corporis) e questões jurídicas, por
meio do raciocínio do direito constitucional moderno de que a constituição prevê os limites à
democracia, para se garantir a democracia. Apesar de parecer redundante, o raciocínio do
ministro é bem formulado e interessante, segundo a teoria constitucional, a constituição
atribui limites à soberania da vontade popular. E, para o ministro, cabe à jurisdição
constitucional a cautela de análise e definição desses limites. A seguir, destaco trecho da
decisão:
A controvérsia travada nestes autos atinge o cerne da teoria
constitucional em um Estado Democrático de Direito na medida em que
conclama que o Supremo Tribunal Federal se pronuncie sobre a
validade jurídica do processo de elaboração das leis, núcleo
fundamental da atuação política exercida pelos representantes do povo.
Indispensável, por tal motivo, uma incursão, ainda que breve, sobre os
limites da atuação do Poder Judiciário em um regime democrático.
Os ideais da democracia e do constitucionalismo – não obstante caminhem
lado a lado – vez por outra revelam uma tensão latente entre si. É que, de um
lado, a democracia, apostando na autonomia coletiva dos cidadãos,
preconiza a soberania popular, que tem na regra majoritária sua forma mais
autêntica de expressão. De outro lado, o constitucionalismo propugna
pela limitação do poder através de sua sujeição ao direito, o que impõe
obstáculos às deliberações do povo. (...) Essa aparente contradição entre
os valores albergados pelo Estado Democrático de Direito impõe um
dever de cautela redobrado no exercício da jurisdição constitucional.
Com efeito, é certo que os tribunais não podem asfixiar a autonomia
pública dos cidadãos, substituindo as escolhas políticas de seus
representantes por preferências pessoais de magistrados não eleitos pelo
povo. (...) Nesse sentido, a Constituição não pode ser vista como
repositório de todas as decisões coletivas, senão apenas dos lineamentos
básicos e objetivos fundamentais da República. Deve-se, portanto,
rechaçar qualquer leitura maximalista das cláusulas constitucionais que
acabe por amesquinhar o papel da política ordinária na vida social. Sem
embargo, não se pode perder de mira que a Constituição
136
representa autêntica norma jurídica, dotada de força cogente,
vocacionada a conformar condutas e apta a ensejar consequências pelo
seu descumprimento. De há muito as Constituições deixaram de ser
vistas como mera “folha de papel”, como sugeria Ferdinand Lassale (A
essência da Constituição. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988), para assumir a
posição de centralidade no sistema jurídico, enquanto definidora dos
cânones estruturantes do Estado de Direito.
A efetividade da Constituição depende, em grande medida, da
atuação das cortes, as quais, embora não monopolizem a sua
interpretação, têm como função precípua fiscalizar a observância e zelar
pelo respeito das limitações constitucionais, cuja própria existência,
como apontava Alexander Hamilton, “somente pode ser preservada por
meio do Judiciário, cuja função deve ser a de declarar nulos todos os atos
contrários ao conteúdo manifesto da Constituição. Sem isso todos os
direitos e prerrogativas não significariam nada” (MS-MC 31816, pp. 6-8)
(grifos meus).
Superado o primeiro ponto, e entendendo existir competência ao STF para julgar a
questão, o ministro passou para o segundo argumento, desenvolvendo a importância do veto e
o procedimento constitucional estipulado quanto a isso. Conclui o ministro que o veto é
instrumento de suma importância para o sistema de check and balances e, que, a CF/88
determina a apreciação desse instrumento pelo Congresso Nacional. E a não apreciação do
veto traz consequências jurídicas, conforme o artigo 66, § 6º da CF/88. Por isso, enquanto
norma jurídica estruturante do processo legislativo, essas são controláveis pelo STF, não
indicando interferência indevida do Judiciário, nesses casos. A seguir destaco trecho da
decisão:
(...) A Constituição de 1988, porém, avançou ainda mais no fortalecimento
das discussões parlamentares ao prever o trancamento de pauta como
consequência imediata para a ausência de deliberação legislativa. Ao
sobrestar as demais proposições até a apreciação do veto, o constituinte
– ele próprio – reconhece a importância da discussão parlamentar
acerca do tema e, assim, direciona a pauta política do Congresso
Nacional no sentido da sua imediata realização. Subjacente a esse modelo
está uma tentativa de resgate da vitalidade legislativa brasileira, cujo vigor
restou sensivelmente esvaziado pelo regime autoritário e centralizador
característico da ordem constitucional pretérita. (...) Pouco importaria a
linguagem imperativa em que vazado o dispositivo se lhe faltassem
desdobramentos objetivos em razão do seu descumprimento. O
trancamento de pauta foi a medida encontrada pelo constituinte de 1988
para, a um só tempo, dissuadir a inação congressual (dentro dos trinta
dias assinalados pela Lei Magna) e impor a deliberação legislativa (após
o vencimento do lapso temporal fixado). Enquanto espécies de normas
jurídicas estruturantes do processo legislativo brasileiro, as regras
constitucionais que disciplinam a superação legislativa do veto
presidencial são plenamente sindicáveis em juízo, não se revelando, pela
sua invocação e aplicação a casos concretos, interferência indevida do
Poder Judiciário sobre questões políticas da alçada própria do Poder
Legislativo (MS-MC 31816, p. 13) (grifos meus).
137
(...) De qualquer sorte, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
consoante apontado supra, reconhece que as regras que disciplinam o
processo legislativo constitucional revestem-se de plena exigibilidade
quando descumpridas pelos seus destinatários, o que enseja a intervenção do
Poder Judiciário para restabelecer a higidez da ordem jurídica violada (ADI
nº 3.146, rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, j. 11/05/2006, DJ
19.12.2006; MS nº 20.257, rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, j.
08/10/1980, DJ de 27.02.1981; MS nº 21.642, rel. Min. Celso de Mello,
RDA 191/200; MS nº 21.303, Min. Octavio Galloti; MS nº 24.356, rel. Min.
Carlos Velloso, Tribunal Pleno, j. 13/02/2003, DJ 12.09.2003; e MS nº
24.642, rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, j. 18/02/2004, DJ
18.06.2004). Especificamente sobre a superação legislativa do veto
presidencial a projeto de lei, a Corte já teve a oportunidade de se manifestar
no julgamento conjunto do MS nº 1.006 e do RMS nº 1.039, cuja questão de
fundo versava o cumprimento pelo Poder Legislativo do quórum
constitucional para derrubada do veto presidencial. (...) É, pois, evidente que
forma estabelecida pela Constituição Federal para a elaboração das leis
limita a atuação do legislador e não configura questão política, mas sim
matéria plenamente cognoscível pelo Poder Judiciário. Destarte, a atuação
judicial neste campo, desde que adstrita às balizas constitucionais, resguarda
o império da lei (rule of law) e preserva as regras do jogo democrático (MS-
MC 31816, pp. 15-17).
Após confirmar a competência do STF e a legitimidade para controlar a questão
do caso, o ministro passa a justificar o porquê de deferir a liminar. Segundo o ministro, o
impetrante comprova a existência de mais de 3060 vetos pendentes de análise, o que geraria
desrespeito ao prazo do art. 66, § 4º. A deliberação do congresso é um dever constitucional e
o ato do Congresso de não apreciação gera uma omissão inconstitucional por parte desse.
Devido a isso, conclui o ministro que diante dessa omissão, não pode o Congresso
selecionar qual veto irá apreciar, pois a lógica extraída desse processo é de uma votação
cronológica. A partir do momento em que o primeiro veto (o mais antigo) ainda não apreciado
teria trancado a pauta, toda a liberdade de agenda é perdida, com base na lógica do § 6º do
artigo 66, da CF/88 (MS-MC 31816, pp. 18-20).
Dessa forma, a alocação de rito de urgência é inconstitucional, uma vez que todos
os vetos são urgentes, não havendo diferenciação pela CF/88. Afirma o ministro que a pauta
de urgência ocorre por determinação constitucional, sendo a análise do veto a terceira
hipótese de suspensão da liberdade de agenda do Legislativo, em casos excepcionais (1ª – não
votação de medida provisória; 2ª – apreciação de projeto de lei de origem da presidência; 3 –
o veto). A questão de haver milhares de vetos antes do que está em apreciação é um problema
que a própria Casa permitiu, não fazendo sentido não assumir o próprio ônus (MS-MC 31816,
p. 20-21).
138
Por fim, o ministro também afirma que o STF possui competência para garantir o
seguimento e aplicação dos regimentos internos da Casa, uma vez que o resquício da teoria
dos atos interna corporis não deve prosseguir. Isso porque, o ministro entende que a eventual
possibilidade de se admitir matérias não apreciáveis pelo Judiciário geraria um insulamento
do poder que coloca em risco a higidez do processo legislativo e o adequado funcionamento
das instituições. Além disso, as normas regimentais são caracterizadas de força jurídica; a
CF/88 determina parâmetros basilares ao regimento interno, portanto, a esse cabendo a
autolimitação desses poderes, e, se há liberdade ao Congresso para se regrar, também há
deveres a seguir; o regimento interno é a garantia das regras que fornecem segurança à
minoria parlamentar; e, por último, trata-se de zelar pelo cumprimento das regras do jogo
democrático.
Fazendo essa análise de competência, o ministro passa a analisar e concluir que o
Congresso Nacional praticou, também, as seguintes violações regimentais: (i) permitiu a
apreciação de matérias que não estavam previstas na ordem do dia; (ii) ignorou a
necessidade de constituição de Comissão Mista para elaborar relatório acerca dos vetos
presidenciais; e (iii) aplicou o Regimento do Senado Federal (e não ao da Câmara dos
Deputados, como seria o correto) para colmatar as lacunas normativas apresentadas pelo
Regimento Comum do Congresso Nacional. Conclui, o ministro, que, portanto, as violações
regimentais decorrem de inobservância dos artigos 104 e 105 do RICN, que prevê a
necessidade de passagem pela comissão mista o veto presidencial; portanto, há verdadeira
anarquia normativa, prevalecendo a vontade da maioria (MS-MC 31816, pp. 22-26).
O ministro justifica estar presente o periculum in mora (a possibilidade de votação
do VP 38/2012 a qualquer momento) e o fumus bonis iuris (as previsões constitucionais e
regimentais citadas). Assim, concede a liminar determinando que o VP 38/2012 só seja
votado após a análise de todos os vetos anteriores, em ordem cronológica (MS-MC 31816, p.
26).
O voto do ministro relator, analisado sob uma primeira percepção, revela um
conjunto de entendimentos que coloca nas “mãos” do STF um poder muito grande de
controlar todos os atos dos outros poderes, sob o fundamento de ser o guardião da CF/88 e
essa estar acima do jogo político da democracia, para garantir a democracia.
Contudo, se analisado esse posicionamento com o que esta pesquisa, de maneira
geral, vem descrevendo e analisando, este é o entendimento que a Corte vem desenvolvendo
desde 1949, paulatinamente. Mas, que se resume, na sua maioria, a se autodeterminar o
controlador dos casos de veto (seja em qualquer nível federal), mas a evitar interferir de fato
139
na questão posta, justamente por não haver regras constitucionais específicas, além das já
citadas, sobre o dia a dia desse instrumento.
Nesse sentido, o STF vem se autolimitando a atribuição constitucional de vigia da
própria constituição, de maneira aparentemente suprema, mas por estar limitado a uma lógica
jurídica, não possui meios justificáveis para de fato interferir em muitas dessas questões.
O ministro Luiz Fux, nesse caso específico, possuía previsões constitucionais
suficientes para interferir na questão, mas, não satisfeito com elas, assumiu o papel de garantir
o cumprimento de normas regimentais, para avalizar maior legitimidade a sua decisão.
Contudo, ao fazer isso, o ministro não respeitou o limite processual imposto pelo próprio STF
a sua atribuição. O ministro concedeu uma liminar que esvaziou a consequência de uma
eventual decisão quanto ao mérito, pois o objetivo era o mesmo: suspender a votação do VP
38/2012. Justamente por ser um excesso de poder, a liminar é uma exceção, pois por meio
dela violam-se diversas previsões, também de um Estado democrático de Direito, como o
devido processo legal e o contraditório. Esse é o entendimento do STF em todos os casos
relacionados ao grupo de casos 6.
Além dessa reflexão jurídica sobre a decisão, apresento a seguir as consequências
da decisão do STF naquele cenário político apresentado no tópico 6.1 e a reação dos atores
políticos.
6.3. O cenário político pós-decisão liminar e as novas decisões do STF (MS-
MC-AgR 31816 e ADI-MC 4917)
Após a decisão liminar no MS-MC 31816, o Congresso Nacional tentou se
organizar para votar, de uma só vez, todos os mais de 3 mil vetos. Conforme consta em
notícias, o Congresso agendou a votação de todos os vetos para o dia 19 de dezembro de
2012. Segundo aponta a notícia da Época, de 28 de dezembro de 2012, foi necessária uma
movimentação política para evitar a votação, devido ao receio quanto aos prejuízos
econômicos, financeiros, culturais, políticos e sociais que a rejeição dos vetos poderia causar,
se não fossem analisados com a devida seriedade.
Na manhã da quarta-feira, iniciou-se a atabalhoada tentativa de
derrubar o veto da presidente Dilma Rousseff ao projeto dos royalties
do petróleo. Dois dias antes, o ministro do STF Luiz Fux concedera uma
liminar impedindo que o Congresso passasse a apreciação do projeto dos
140
royalties na frente de outros vetos. Isso obrigou os parlamentares a respeitar
a ordem cronológica. Um caminhão-baú estava estacionado na rampa de
entrada do Congresso. No salão azul do Senado, em frente à sala da
liderança do PSDB, funcionários se juntavam em duplas para carregar
as urnas. A marcenaria do Senado Federal construiu rapidamente
caixotes de madeira de má qualidade, com quatro alças, para que os
parlamentares pudessem depositar seus votos. Cada cédula tinha 463
páginas, um livro de papel reciclado com lombada de 2 centímetros.
Dentro dele, estavam listados os 3.059 vetos presidenciais acumulados
nos últimos dez anos.
O tema dos royalties é daquelas matérias que geram posições radicais. De
um lado, parlamentares de Rio de Janeiro e Espírito Santo tentavam, a todo
custo, evitar que o Congresso votasse todos os vetos. Se o veto de Dilma no
caso dos royalties caísse, os dois Estados perderiam recursos em seus
orçamentos. Do outro lado estavam parlamentares dos outros Estados,
interessados em derrubar o veto e angariar mais recursos para seus caixas,
premidos pela diminuição de arrecadação. Na terça-feira, o Executivo
assistia em silêncio à confusão no Congresso, até que foi alertado sobre
os riscos que corria. Em meio aos 3.059 vetos, estavam armadilhas
capazes de quebrar o caixa do governo. O Congresso poderia derrubar
o fator previdenciário. Sem ele, trabalhadores podem se aposentar mais
cedo – e, nas contas do governo, abrir um rombo na Previdência. Outro
veto, se derrubado, obrigaria o governo a destinar o dobro do previsto no
Orçamento para a saúde. A presidente Dilma Rousseff telefonou pelo
menos duas vezes ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP),
pedindo que ele evitasse a votação dos vetos. Sarney respondeu que
dependia dos líderes partidários – que não pareciam dispostos a
colaborar. Ficou explícito o maior problema do governo Dilma: o mau
relacionamento com o Congresso.
Numa reunião, ficou combinado que Sarney não presidiria a sessão do
Congresso, marcada para o meio-dia da quarta-feira, para decidir a questão
dos vetos. A tarefa caberia à primeira vice-presidente da Câmara, Rose
de Freitas (PMDB-ES). Rose também estava em situação delicada, já
que seu Estado, o Espírito Santo, seria prejudicado. Ficou combinado
que, para não ficar mal com seus eleitores, Rose abriria a sessão e
passaria a condução da difícil matéria ao deputado Inocêncio Oliveira
(PR-PE). Ex-presidente da Câmara e veterano na mesa diretora, Oliveira
saberia lidar com a situação. Rose não cumpriu o combinado. Quando
Oliveira deveria assumir, ela voltou, sentou-se na cadeira e encerrou a
sessão. Nenhum veto foi sequer apreciado. A tensão aumentou. Nova
reunião aconteceu no gabinete da presidência do Senado. Havia a
proposta de executar uma manobra política, que driblaria as regras do
Congresso e proporcionaria a votação dos vetos rapidamente. Sarney foi
contra. “Eu não posso, ao final da minha carreira, ao final da minha
presidência do Senado, atropelar o regimento da casa”, disse. Os
senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Eunício Oliveira (PMDB-CE)
tentavam ajudar Sarney a debelar a pressão. Nada aconteceu. Por falta de
condições, o Congresso desistiu (ÉPOCA, 2012) (grifos meus).
Além disso, o grupo do Entes não Produtores e Afetados foi à mídia questionar a
inconstitucionalidade da decisão do STF que estava a interpretar regimento interno do
141
Legislativo, invadindo, assim, a autonomia do poder Legislativo109. Também ameaçaram a
aprovação de proposta de emenda à constituição com previsão de limites ao poder do STF
nesses casos envolvendo veto; ameaçaram não votar a lei orçamentária anual, por entender
que a pauta estava toda suspensa por conta da decisão110 (FONSECA; PRATES, 2012; O
POVO, 2012; O DIA, 2012).
A situação permaneceu nesse embate até que foi anunciado, no dia 19 de
dezembro, ao final do dia, que a votação dos vetos ficariam para o ano de 2013, por falta de
consenso entre os parlamentares. Além disso, o Congresso Nacional chegou ao consenso,
internamente, de que a paralisia causada pela votação dos 3 mil vetos seria muito grave.
Como é destacado na matéria da Época, de 19 de dezembro de 2012:
A decisão foi tomada em encontro que reuniu o presidente do Senado e do
Congresso, José Sarney, a vice-presidente do Congresso, deputada Rose de
Freitas (PMDB-ES), além de líderes partidários. A próxima sessão deve
ocorrer no dia 5 de fevereiro de 2013.
Segundo a líder do PSB no Senado, Lídice da Mata (BA), que participou do
início da reunião, os presidentes do Senado, José Sarney (PMDB-AC), e da
Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), devem emitir ao final do
encontro uma nota conjunta oficializando a decisão. "A votação dos mais de
3 mil vetos levaria à paralisia do Congresso", afirmou a senadora.
Reconhecendo que na pauta há vetos com mais de dez anos, o presidente
da Câmara, Marco Maia, afirmou que seria impossível votar todos os
vetos sem haver consenso entre os parlamentares. "Sem acordo entre
todas as bancadas, entre todos os líderes, levaríamos semanas na
votação de cada um dos vetos, com defesa específica para cada um
deles."
(...)
A votação do Orçamento 2013 também foi adiada e não há previsão de
nova data. Segundo Marco Maia e José Sarney, a proposta
orçamentária só poderá ser analisada depois da votação dos mais de 3
três mil vetos.
Por causa do impasse, o governo iniciará o ano que vem com cerca de R$ 30
bilhões disponíveis dos chamados restos a pagar relativos a recursos de
orçamentos de anos anteriores que foram empenhados mas não foram pagos.
Segundo o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) do
Congresso Nacional, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), dos R$ 30 bilhões
que o Executivo tem para gastar enquanto o Orçamento não for aprovado,
R$ 12 bilhões são referentes a investimentos em obras do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC). Desse montante, segundo Pimenta, R$
4,7 bilhões estão no orçamento do Ministério das Cidades; R$ 3,7 bilhões no
do Ministério dos Transportes; R$ 1,6 bilhão no Ministério da Saúde; e R$
1,3 bilhão no Ministério da Integração Nacional.
“O governo pode liberar esse dinheiro a partir de janeiro para o pagamento
de obras em andamento. O dinheiro não poderá ser utilizado para novos
109 Isso também fica comprovado com o MS 31832, que foi impetrado quando o Congresso marcou reunião para
discutir a possibilidade de votação de todos os vetos de uma só vez. 110 O ministro Fux realçou algumas vezes que o impedimento era apenas quanto ao veto questionado e não
quanto aos demais projetos de lei. Contudo, o Legislativo utilizou isso como forma de barganha durante um
período de mais de dois meses.
142
investimentos”, explicou o deputado Paulo Pimenta. “O estoque de recursos
a pagar dá para as empresas continuarem suas obras ainda por uns três
meses”, afirmou (ÉPOCA, 2012) (grifos meus).
As reações também foram diversas no setor especializado do Direito. Por
exemplo, o Advogado-geral da União, à época, afirmou ao Consultor Jurídico, em 15 de
fevereiro de 2013, que a decisão do ministro Luiz Fux estava gerando um colapso
institucional. Isso porque, os temas dos vetos poderiam significar mais de 471 bilhões de reais
ao orçamento do Estado. As decisões sobre o veto impactariam a estrutura da administração
pública e seus servidores; afetariam o fisco; além de outras matérias delicadas que seriam
votadas, de uma só vez, se o STF não se pronunciasse sobre o tema. O Advogado-geral da
União pediu para que, caso fosse mantida a decisão, houvesse a modulação dos efeitos da
decisão, a fim de evitar esses prejuízos (CONSULTOR JURÍDICO, 2013).
Ao voltar do recesso, o Congresso Nacional anunciou na mídia, por meio do então
vice-presidente do Senado, Renato Viana (PT/AC), que só voltariam a discutir os vetos após
pronunciamento do plenário do STF.
O reflexo alegado pelos parlamentares, como se verifica pelas notícias
apresentadas, era grave, causando a suposta paralisia do andamento dos trabalhos regulares do
Congresso Nacional.
Após muita discussão, foi marcada a sessão para análise do agravo regimental no
MS-MC 31816, interposto pelo Congresso Nacional, para o dia 27 de fevereiro de 2013. Até
essa data, foram 40 dias em que a mídia foi noticiando reações a manifestações de diversos
setores da sociedade.
Os argumentos do agravante do recurso podem ser resumidos da seguinte forma:
(i) arguente cometeu abuso de direito por desvio da função do instrumento MS; (ii) usurpou a
vontade da maioria do Congresso Nacional, de votar o veto em questão; (iii) existência de
dois ritos de apreciação no artigo 66 da CF/88, e, por conta disso, a pauta de votação só seria
trancada quanto aos vetos que tivessem o mesmo rito; (iv) impossibilidade de análise do
Judiciário, por tratar-se de matéria interna corporis; (v) indaga que a decisão causou graves
prejuízo ao andamento dos trabalhos do Legislativo, visto que todas as votações estavam
suspensas, até a resolução dos 3090 vetos; (vi) afirma que ingerência do Judiciário causa
riscos ao Estado democrático de Direito e que coloca o Legislativo de joelhos frente ao
Judiciário (MS-MC-AgR 31816, p. 5-6).
143
O STF decidiu, pelo voto da maioria (vencidos os ministros Luiz Fux, Joaquim
Barbosa e Marco Aurélio), em suspender a decisão do MS-MC 31816, pelas justificativas do
voto do ministro relator para o caso, Teori Zavascki.
É possível estruturar a fundamentação do ministro Teori Zavascki em quatro
pontos.
Como primeiro ponto, nota-se que o ministro fez questão de refutar a
possibilidade de análise do regimento interno do Legislativo, por tratar-se de matéria interna
corporis, conforme reiterada jurisprudência da Corte (MS-MC-AgR 31816, p. 31).
O segundo ponto, refere-se à sutileza de aplicação das regras constitucionais do
artigo 66, §§ 4º e 6º. O ministro entende que essas regras são aplicáveis de maneira direta, não
dependendo de qualquer outra disposição; dessa forma, não votado o veto no prazo de 30 dias,
a pauta do Congresso é suspensa de maneira integral, e não apenas quanto às análises de veto.
Portanto, a situação é inegavelmente de séria violação da constituição pelo Congresso
Nacional, por não votar vetos há treze anos.
Contudo, a sutileza da aplicação dessa regra está exatamente no fato de haver
inconstitucionalidade na prática do Congresso. Isso porque, o caso não se resolveria apenas
com a aplicação da sanção de trancamento da pauta, mas haveria a indicação de que todas as
leis produzidas, desde o descumprimento do prazo constitucional seriam inconstitucionais. E,
justamente por conta deste cenário, o ministro entende que a liminar e o MS devem ser
analisados da maneira adequada (MS-MC-AgR 31816, pp. 31-33).
O terceiro ponto, cinge-se a analisar a lógica de decisão nos casos em que o
questionamento é feito via MS. Justamente por haver verossimilhança, a probabilidade de
atender a decisão liminar na decisão final é muito grande. Segundo o ministro, caso a liminar
seja garantida no final, o cenário seria de que: daquela data para trás, todas as leis seriam
inconstitucionais, formalmente, por violação a procedimento constitucional; daquela data para
frente, os mais de 3 mil vetos iriam atravancar a pauta do Congresso, que passaria a analisar
esses casos de forma extensiva, ou, então, cumpriria com a proposta de voltar todos de uma só
vez. Concluiu o ministro que mesmo a verossimilhança sendo forte, dificilmente a decisão
seria confirmada no mérito, por haver esses riscos ao sistema. Poderia ser criado um cenário
de extrema insegurança e provável anomalia. Portanto, conclui o ministro, que não há como
garantir a liminar, se essa não poderá ser confirmada na decisão de mérito (MS-MC-AgR
31816, pp. 33-36).
O quarto e último ponto, são os argumentos do ministro quanto ao instrumento
MS. Segundo o ministro, a situação de anomalia também se instituiu na análise do caso
144
ICMBio (ADI 4029), em que foi declarado que o procedimento adotado pelo Legislativo,
quanto à conversão de MP em lei, era inconstitucional, inclusive declarando parte do
regimento interno inconstitucional; mas, com modulação de efeitos, para que não fosse criado
um cenário de instabilidade normativa.
Segundo o ministro, a principal diferença está no instrumento utilizado em cada
caso. No caso ICMBio, o instrumento era ADI, o que permite fazer o controle de
constitucionalidade de leis e atos normativos; contudo, no presente caso o instrumento é MS,
e o ministro acredita não ser o meio cabível para tais manifestações de inconstitucionalidade
(MS-MC-AgR 31816, p. 36-37).
O ministro entende existir aparente contradição na jurisprudência da Corte, porque
de um lado reitera não existir a possibilidade de controle preventivo de constitucionalidade
pelo Judiciário e, de outro lado, permite a impetração de MS contra diversos atos
parlamentares. E essa contradição é o que estava permitindo a existência de casos como o que
estava sendo julgado, que representa, na realidade, verdadeiro controle preventivo de
constitucionalidade pelo Judiciário.
O que está em causa, para o ministro, é um instrumento com jeito de MS, mas
com fisionomia diferente. Isso ocorre porque o MS tutela direito subjetivo, e no caso de
parlamentares, o MS ainda protege interesse de grupos específicos (como a minoria
parlamentar) e interesses específicos e determinados. Contudo, para o ministro, no caso não
há direito subjetivo, ou interesse específico de cargo, ou qualquer outro interesse que seja
justificável em MS. O que há é a utilização do MS como controle preventivo de
constitucionalidade.
Dessa forma, o ministro entende que o melhor instrumento para discutir essas
questões é a ADI, por ser ela o instrumento que tutela interesse transindividual; e como no
caso trata-se de processo legislativo, é inegável a característica de direito transindividual da
causa. O ministro defende que deveriam ser estabelecidos limites para a utilização de MS.
Durante o julgamento há vários momentos de debates entre os ministros,
destacando a sutileza do caso. Os ministros divergiam quanto ao alcance do MS no papel de
controle dos atos parlamentares111; limite da decisão em MS, em termos de
111 Os ministros não concordaram quanto a função do MS, se poderia ser utilizada apenas em casos excepcionais
que realmente houvesse direito subjetivo à causa ou interesse quanto ao cargo exercido; ou se poderia ser
utilizado para questionar qualquer ato parlamentar, por mais que não haja direito subjetivo envolvido.
145
constitucionalidade112; limite da decisão em agravo regimental113; grau satisfatório da
pretensão liminar no MS114; entre outros pontos menores, que não são importantes para esta
pesquisa.
O ministro Luiz Fux, por sua vez, confirma a sua fundamentação da decisão
liminar, e faz ressalvas quanto às diversas interpretações feitas da sua decisão liminar, durante
o período entre a decisão liminar e a apreciação do agravo regimental. O ministro afirma que
o artigo 66, §6º, da CF/88, bloqueia apenas a pauta de votação quanto a vetos, os demais
títulos não ficariam suspensos. Além disso, o ministro afirma que a decisão nunca buscou
fazer um controle de constitucionalidade do ato, mas apenas suspender uma prática
inconstitucional, em um caso específico. Também entendeu que a pretensão no pedido de
mérito seria possível de ser garantida, sem ser necessário discutir todo o argumento
consequencialista do ministro Teori Zavascki, por entender que não estaria havendo decisão
de controle de constitucionalidade do regimento interno, mas apenas do ato. Por isso deveria a
liminar ser garantida.
Apesar de os ministros decidirem suspender a liminar, todos afirmaram que o ato
do Congresso Nacional era extremamente abusivo e nitidamente inconstitucional. Todos
indicaram que, se o MS chegasse à fase de mérito, iriam declarar a inconstitucionalidade da
medida e da previsão do RICN, dos artigos 104 e 105.
Logo após a decisão do STF, o Congresso Nacional agendou a votação do veto
38/2012 para o dia 07 de março de 2013. Da data dessa decisão até a data da votação, tiveram
mais dois casos questionando outras irregularidades, mas agora apenas procedimentais, na
convocação da reunião para votação do veto 38/2012 (MS 31944 e MS 31938). Contudo,
esses casos só foram julgados meses após o término da respectiva votação, portanto, perdendo
o objeto.
Seguindo o que já era esperado, no dia 07 de março de 2013, os vetos do VP
38/2012 foram rejeitados e a parte do projeto de lei que estava vetada foi enviada para que a
presidenta a publicasse. No dia 15 de março de 2013 foi publicada essa parte da lei.
112 Os ministros não concordaram quanto ao limite da decisão em MS. A dúvida ficou em torno de saber se pode,
via MS, o STF decidir pela inconstitucionalidade de uma lei ou ato, ou se apenas cumpre impedir atos de abuso a
direito. 113 Os ministros não concordam quanto ao limite da decisão do STF em agravo regimental. Nesse sentido, a
dúvida fica em saber se o agravo regimental autoriza apenas a análise de uma liminar concedida; ou se o objeto
de análise seria expandido para todo o objeto da causa. 114 Os ministros não concordaram quanto ao limite da pretensão pretendida com a liminar no MS. O ponto
discutido é saber se a liminar concedida nos casos de MS são antecipação de tutela, portanto, antecipa o grau de
satisfação da pretensão do caso; ou se limita-se à concessão de medida cautelar, em que apenas antecipasse
alguns efeitos da decisão, até a resolução final do mérito.
146
Nesse mesmo dia, o governador do estado do Rio de Janeiro protocolou ADI-MC
4917, pleiteando a inconstitucionalidade de, praticamente, todos os pontos que estavam a ser
discutidos nos vetos, no MS-MC 31816. O governador do RJ esperou apenas os vetos serem
publicados, formalmente, para questioná-los e pedir a sua não aplicação, liminarmente.
Assim, essa parte da Lei 12.734/2012 não chegou a ter eficácia, uma vez que a decisão
liminar do STF saiu em três dias.
A ADI 4719 questionava constitucionalidade da Lei 12.734/2012, por afronta
material a diversos direitos fundamentais e de organização financeira previstos na CF/88. A
questão é bem resumida na passagem do relatório da ministra relatora, Carmén Lúcia (ADI-
MC 4817, pp.2; 4-5):
(...) a tese central da presente ação direta ... a de que o
pagamento de royalties e participações especiais insere-se no pacto
federativo originário da Constituição de 1988, sendo uma contrapartida ao
regime diferenciado do ICMS incidente sobre o petróleo (pago no destino, e
não na origem), bem como envolve, por imperativo do art. 20, § 1º, uma
compensação pelos ônus ambientais e de demanda por serviços públicos
gerados pela exploração desse recurso natural. Há ainda uma tese de menor
abrangência, referente à absoluta ilegitimidade da aplicação do novo regime
às concessões firmadas anteriormente à promulgação da Lei Federal n.
12.734/2012.
Requer suspensão cautelar “imediata do diploma impugnado, nos
termos do art. 10, § 3º, da lei n. 9.868/99, o que pede seja feito
monocraticamente, ad referendum do Plenário, tendo em vista a excepcional
urgência envolvida na questão. A magnitude dos danos causados pela
incidência (inclusive retroativa) das disposições impugnadas simplesmente
não admite que se aguarde o trâmite normal das ações diretas de
inconstitucionalidade. Por outro lado, não haverá nenhum prejuízo
irreparável na manutenção provisória do atual status quo, estabelecido há
décadas” Requer também a intimação da Presidente da República e do
Congresso Nacional. E remessa subsequente do processo à Advocacia-Geral
da União e à Procuradoria-Geral da República. No mérito, pede “a
declaração de inconstitucionalidade dos arts. 42-B;42-C; 48, II; 49, II; 49-A;
49-B; 49-C; 50; 50-A; 50-B; 50-C; 50-D; e 50-E da Lei Federal n. 9.478/97,
todos com a redação dada pela Lei Federal n. 12.734/2012” e reitera “o
pedido eventual de declaração de inconstitucionalidade, também, da Medida
Provisória n. 592/2012, caso se entenda encontrar-se ela vigente. Por fim, e
também por eventualidade, caso não se entenda viável a declaração de
inconstitucionalidade postulada, o requerente pede que seja reconhecida a
invalidade da aplicação das novas regras de distribuição às concessões
celebradas na vigência da legislação anterior”.
A ministra Cármen Lúcia, no dia 18 de março de 2013, concede a liminar
pleiteada na decisão e determina a suspensão de aplicação dos preceitos questionados. A
justificativa para a decisão foi que havia risco em permitir que a nova regra de divisão dos
royalties chegasse a ser aplicada na prática. Primeiro, porque poderia impactar na prestação
147
de serviços públicos dos estados e municípios produtores de petróleo, segundo, porque
causaria um cenário de insegurança jurídica e, terceiro, por aparente violação de igualdade
federativa que a CF exige.
Até o momento o caso ainda não foi julgado quanto ao mérito.
Após essa incômoda situação, o Congresso Nacional aprovou a Resolução do
Congresso Nacional nº 1 de 2013, que alterou as regras quanto ao procedimento de votação do
veto, no RICN, para evitar o acúmulo de casos e, até mesmo, para evitar que esse tipo de
questão tivesse interferência do STF.
A principal alteração foi o termo inicial de contagem do prazo para votação. Antes
esse iniciava-se a parir da sessão convocada para conhecimento da matéria; com a reforma, o
prazo passou a ser contado a partir do protocolamento da mensagem de veto enviada pelo
presidente da república (artigo 104, §1º do RICN).
Além dessa reforma imediata, em 2015, o Congresso Nacional editou a Resolução
nº 1 de 2015, que trouxe novas reformas ao procedimento de votação do veto, previsto no
RICN. Essa resolução revogou os artigos 104 e 105 e adicionou os artigos 104-a,106-b, 106-c,
106-d.
As principais alterações foram: (1) o artigo 104-a passou a fazer a previsão do
antigo artigo 104, § 1º; (2) o artigo 106 passou a determinar que assim que distribuídos os
avulsos contendo os vetos, esse já seria incluso na pauta da Ordem do Dia; (3) todas as
terceiras terças-feiras de cada mês haveria sessão de apreciação dos vetos (§ 1º do artigo 106);
(4) o artigo 106-a passou a prever a possibilidade de votação em globo, dos vetos; (5) os
demais artigos passaram a prever procedimentos específicos para o andamento da sessão de
votação.
6.4. Reflexões
Este estudo de caso permitiu observar a relação institucional entre os poderes a
partir do questionamento relacionado a apreciação do VP 38/2012. Foi possível observar e
analisar um perfil de atores diferentes do que a tradicional visão entre governistas e não
governistas. Também foi possível observar diferentes atuações do STF, sobre o mesmo caso,
em momentos distintos do problema analisado. Este caso também permitiu observar e analisar
alguns reflexos das decisões do STF, e a reação dos atores políticos a essa decisão.
148
Com essas observações e análises, é possível responder às perguntas deste
capítulo. Respondê-las-ei de maneira objetiva, e em tópicos, pois acredito que elas tenham
sido devidamente trabalhadas e respondidas ao decorrer de todo o capítulo.
Quais eram os atores envolvidos no caso royalties do pré-sal? – foram
identificados os seguintes atores: (i) estados-membros produtores de petróleo;
(ii) estados-membros não produtores de petróleo; (iii) municípios produtores de
petróleo; (iv) municípios não produtores de petróleo; (v) deputados federais
representantes dos estados e municípios não produtores de petróleo; (vi)
deputados federais representantes dos estados e municípios produtores de
petróleo; (vii) senadores representantes dos estados não produtores de petróleo;
(viii) senadores representantes dos estados produtores de petróleo; (ix)
Executivo federal; (x) Legislativo federal (de maneira coletiva); (xi) STF. Que
podem ser organizados em cinco categorias: Entes Produtores e Afetados;
Entes não Produtores e Afetados; Executivo Federal; STF; Legislativo Federal.
Qual era a questão política discutida? – alteração da distribuição dos royalties
de petróleo e divisão dos royalties do pré-sal.
Quando e como o STF foi chamado para resolver a questão política, agora
transformada em jurídica? – O STF começou a participar desse processo
quando os Entes Produtores e Afetados não tinham mais alternativas políticas
para impedir a aprovação da alteração da forma de repasse dos royalties. Para
isso, esse grupo utilizou o instrumento mandado de segurança, transformando o
problema em um questionamento de violação ao artigo 66, §§ 4º e 6º, da
CF/88, e violação a procedimentos regimentais do Congresso Nacional.
Como o STF resolveu a questão? – Inicialmente, o STF deferiu liminar
suspendendo o andamento do projeto de lei, que privilegiava os grupo de Entes
não Produtores e Afetados. Contudo, após esse deferimento, o STF suspendeu
a liminar, permitindo que o projeto de lei voltasse ao trâmite de votação. Ao ser
convertido em lei, o STF suspendeu a aplicação dos pontos discutidos, por
meio de decisão liminar em ação direta de controle de constitucionalidade. É
possível afirmar que o STF primeiro interferiu diretamente na questão; depois
permitiu que a questão voltasse para o ponto de origem; por último, voltou a
alterar o status quo. A verdade é que tanto a questão jurídica quanto a política
não foram resolvidas. Até o momento elas estão suspensas.
149
É possível observar e descrever consequências da decisão do STF na questão
política? – Sim, é possível observar e descrever alguns reflexos das decisões do
STF. Referente à primeira decisão, é possível verificar o cenário de
instabilidade criado ao Congresso Nacional e à sociedade (não votação de
orçamento e a não votação de nenhuma outra medida); além das constantes
discussões via mídia, entre os parlamentares. Referente à segunda decisão, é
possível observar a volta do andamento quase que regular das atividades do
poder Legislativo federal. Referente à terceira decisão, não é possível observar
muitos reflexos diretos, mas, após essa decisão, houve alteração do RICN,
especificamente dos artigos que fundamentaram os procedimentos
inconstitucionais adotados pelo Congresso Nacional.
Como a relação entre os poderes, a partir desse caso, pode ser observada? Este
caso pode representar a evolução do sistema de check and balances ou o
declínio (a partir desse caso a tendência é um retrocesso, não havendo mais
casos como esse)? – Sim, é possível notar os três poderes se relacionando, por
meio dos documentos, da mídia e pelos próprios autos dos processos. Este
caso, assim como o citado caso ICMBio, representam extremos da relação
institucional, que não são corriqueiramente repetíveis. Tanto pelo desgaste
institucional, político e social, que as decisões desse tipo geram, quanto pela
necessidade de tempo que casos desse tipo precisam para amadurecer as
próprias instituições participantes. Pode-se concluir que este caso representa o
possível extremo de alguns instrumentos do sistema de check and balances.
Nesse sentido, vemos a evolução e a indefinição do mandado de segurança; a
utilização do veto em um momento de pressão; a reação do Legislativo ao veto;
a medida provisória como instrumento assessório do veto; a utilização do
controle de constitucionalidade como limitador das decisões do Legislativo.
Todos esses instrumentos, que representam em alguma medida instrumentos de
check and balances, são observáveis e analisados neste caso.
Este caso permite retomar os pressupostos teóricos da pesquisa a fim de confirmar
a análise e descrição deles, nessa situação específica. É possível confirmar que a separação
dos poderes torna-se mais completa quando analisada e compreendida na prática da relação
entre as instituições. Também é possível observar alguns dos principais instrumentos de
funcionamento do sistema de check and balances, que foram previstos em O Federalista e
descrito por Vile. Verifica-se, a partir dos documentos, a constante disputa e usurpação de
150
poderes entre os poderes. Confirma-se que o STF, em casos excepcionais, atua no controle
preventivo de constitucionalidade, atuando como definidor da juridicidade dos demais
poderes, como destacado por Dimoulis et al. (2014), Vieira (2008), Cunha e Ramos (2013),
Arantes (2004), Pessanha (2002), Veríssimo (2008) e outros. E também é possível observar o
veto como reflexo de um conflito anterior ao projeto de lei, como destacado por Grohmann
(2013), Moya (2006), Tsebelis (2008), Abranches (1988), Lijphart (2011) e outros.
Portanto, este é um caso que permite não só fazer descrições e observações do
sistema prático da relação entre os poderes a partir de questionamento de veto no STF, como
também permite fazer reflexões quanto as descrições teóricas sobre o tema. Contudo, também
demonstra que é necessário incluir o Judiciário na análise do veto, devido ao potencial papel
de mediador de conflitos entre os poderes, nesses casos, que este órgão representa.
Além disso, especificamente ao STF, é possível fazer algumas reflexões sobre
essa instituição.
A primeira diz respeito à diferença em termos de estrutura argumentativa entre os
dois casos (MS-MC 31816 e MS-MC-AgR 31816). A liminar do ministro Luiz Fux
preocupou-se em apontar diversos pontos teóricos para justificar a sua decisão;
posteriormente, preocupou-se em apresentar a lógica jurídica interpretativa da CF/88 que ele
estava utilizando para conceder a liminar. Apesar de falhas e pontos obscuros que são
possíveis de apontar, o voto do ministro Luiz Fux foi bem construído.
A decisão do STF no MS-MC-AgR 31816, por outro lado, mostrou uma reunião
de votos com entendimentos comuns quanto ao fato (inconstitucionalidade do ato praticado
pelo Congresso Nacional), mas, sem preocupação de encampação de uma lógica jurídica.
Nesse sentido, o voto condutor do ministro Teori Zavascki apresenta o raciocínio jurídico de
inconstitucionalidade do ato do Congresso Nacional, mas, no momento de justificar o porquê
da suspensão da liminar, o ministro apresenta, apenas, questões fáticas para justificá-la. Além
disso, mesmo os ministros discordando de diversos pontos quanto a procedimentos e limites
dos próprios instrumentos processuais por eles julgados, isso não os impediu de concluir o
julgamento sem fazer nenhuma indicação de como resolveriam esses impasses.
As consequências desse casos são perceptíveis, não só pela própria manifestação
dos ministros no caso, mas também pelas notícias trazidas nesta pesquisa. A situação que foi
criada nos 40 dias posteriores à decisão liminar foi preocupante e de paralisia. Contudo, esse
argumento pautado em consequencialismo, por si só, é suficiente para superar o ato
inconstitucional praticado pelo Congresso? Em outras palavras, o sistema político estava
produzindo há 13 anos leis viciadas, o que é um grave problema no Estado democrático de
151
Direito. Diante dessa constatação, o argumento de que se a decisão manter a liminar
possivelmente geraria uma crise no Estado, é suficiente para fechar os olhos ao ato?
A segunda reflexão, não é só a questão das inconstitucionalidades do Congresso
ou do Executivo, mas do próprio STF. O STF, por meio de decisão liminar, antecipou uma
decisão que paralisou o sistema democrático de Direito, para impedir a prática de um ato
inconstitucional. Contudo, se há indícios fortes de que a decisão não seria confirmada pelo
plenário da Corte ao final e; há desrespeito ao próprio entendimento da Corte, de não
conceder liminar nesses casos; então, não representaria um ato de inconstitucionalidade pela
própria Corte, por violação ao devido processo legal, ao contraditório e a outros direitos
estruturantes do Estado democrático de Direito?
E diante desse eventual ato inconstitucional, qual foi o reflexo, para o STF, dessa
decisão? Ao menos externamente, nenhum. Enquanto a decisão tomada afetou o andamento
regular das instituições democráticas do Estado, o que, reflexamente, afeta toda a sociedade, o
STF entrou em período de recesso. Não parece ser sensato admitir que atos desse tamanho
não tenham consequências a essa instituição.
Organizando as reflexões propostas até o momento – juntamente com àquelas
feitas em tópicos anteriores deste capítulo –, a partir deste estudo de caso, é possível
apresentar três pontos de questionamentos referentes ao STF:
(i) É legítimo, em um Estado democrático de Direito, que o STF controle os atos
do poder legislativo e os declare inconstitucionais, mesmo que ao fazer isso o
próprio STF viole a constituição? Isso porque, ao conceder uma decisão
liminar que não se confirmaria ao final pelo plenário e que violaria
jurisprudência da Corte quanto ao tema, a própria decisão estava ferindo
direitos fundamentais e estruturais, como o devido processo legal e o direito ao
contraditório, além de ilegalidades processuais.
(ii) Qual é a legitimidade, política ou jurídica, do STF para tomar decisões que
afetam o trabalho regular do poder Legislativo, e reflexamente toda a
sociedade, e não ter nenhuma consequência pelos erros e abusos cometidos por
essa decisão? Isso porque, mesmo não sendo o melhor dos sistemas em termos
práticos, o Executivo, ao cometer erros e abusos, é penalizado pela lei de
improbidade administrativa; o Legislativo possui responsividade política,
prestando contas de seus atos aos seus eleitores e, além disso, responsabilidade
jurídica, podendo ser penalizado pela lei de improbidade administrativa;
contudo, especificamente ao STF, quais são as consequências dos seus atos?
152
(iii) Uma decisão jurídica do STF, sem aprofundamento jurídico de justificação
do ato, que tenha mais análises e fundamentos consequencialistas, é legítima?
Afinal, as formalidades jurídicas são o campo e também o limite de atuação do
poder Judiciário, mesmo em análise de matérias com grandes influências e
reflexos políticos.
153
7. CONCLUSÃO: RELAÇÃO ENTRE OS PODERES E O APERFEIÇOAMENTO
INSTITUCIONAL
Este capítulo propõe-se a organizar e a sintetizar as conclusões apresentadas
durante todo o trabalho. Para isso, retomo as premissas teóricas apresentadas nos capítulo 2 e
3, e as correlaciono com os dados e os achados desta pesquisa. Em seguida, retomo as
perguntas centrais e as respondo, de maneira objetiva, verificando, assim, se as hipóteses de
pesquisa são confirmadas. Por último, apresento algumas reflexões quanto ao papel do STF
no Estado democrático de Direito a partir dos dados da pesquisa, e ofereço críticas a sua
atuação.
As premissas teóricas deste trabalho podem ser resumidas da seguinte maneira:
(a) O veto é um instrumento, dentro da teoria da separação dos poderes, de check
and balances, em que, a partir dele é possível se observar a relação entre os
poderes, de forma teórica e empírica.
(b) Em termos políticos, dentro do presidencialismo de coalizão, o veto pode
representar um rompimento de alianças anteriores ou durante o processo
legislativo, indicando um problema entre os poderes Legislativo e Executivo.
Visto que os acordos de governo são feitos anteriormente ao processo formal
de tomada de decisão. O que, em larga escala, indica ainda mais o
funcionamento desse sistema de controle entre poderes.
(c) Dentro do processo político, os atores participantes da tomada de decisão são
denominados de veto players ou atores políticos com poder de veto. Esse é um
papel, em larga medida, reservado às instituições políticas do Estado
democrático de Direito, que, em sua essência, são o Executivo e o Legislativo.
Ao poder Judiciário ficaria a atribuição de tomada de decisão na seara jurídica,
por conta das escolhas institucionais feitas pela regulação brasileira, não
prevendo o controle preventivo de constitucionalidade, mas apenas o
repressivo. Esse controle permite que o Judiciário participe da fase de
formação da tomada de decisão política, e não apenas da fase de contenção.
Assim, ficaria reservado ao Judiciário, por conta de escolhas adotadas, a
repressão de decisões políticas.
(d) Contudo, análises empíricas indicam que a previsão teórica de não existência
de controle preventivo de constitucionalidade existe, mas que, na prática, o
154
Judiciário atua, por meio de diversos instrumentos processuais legítimos,
como moderador das decisões políticas e, inclusive, atuando como controlador
preventivo de constitucionalidade dos atos dos demais poderes. As
justificativas institucionais para isso são a larga previsão de acesso ao
Judiciário, previsto na CF/88, e a autorização para que esse julgue diversos
atos dos demais poderes. Dessa forma, a autorização para que o Judiciário
julgue os atos dos demais poderes, cumulado às lógicas internas dos
instrumentos de acesso ao Judiciário, permite com que esse poder atue dessa
forma, de maneira legítima. Nesse sentido, a atuação ocorre não só devido à
autorização constitucional, mas também pela própria prática do Judiciário em
assumir o ônus de decidir esses casos, interferindo, algumas vezes, de maneira
direta na decisão política tomada pelo outro poder.
(e) Esse movimento do Judiciário chama a atenção da Ciência Política, que passa
a enxergar nele uma função antes não desenvolvida, que é de atuar como veto
player, pois as suas decisões impedem, alteram e criam decisões políticas do
Estado. Apesar desse papel, a área de atuação do STF é o próprio Direito, e,
devido a isso, juristas vêm desenvolvendo argumentos de lógica jurídica que
trariam características próprias a essa atuação como veto player. Portanto, não
sendo uma atuação idêntica ao dos demais poderes, pois o próprio Direito e a
sua formalidade colocam características intrínsecas que devem ser seguidas,
para que essa atuação seja legítima.
(f) Essa atuação do Judiciário pode ser comprovada a partir dos conflitos
existentes no veto. Dessa forma, para que essa instituição seja aprimorada e
para que continue existindo equilíbrio político-institucional, no Estado,
pesquisas que analisam essa prática devem ser corriqueiras. Contudo, essas
pesquisas devem ter potencialidade de diálogo com as outras áreas do saber,
para que se consiga compreender melhor os fenômenos sociais complexos.
(g) As características desenvolvidas pelo STF colocam-no como um dos
personagens centrais da tomada de decisão política no Brasil. Esse papel vem
se desenvolvendo, paulatinamente, e é reflexo de um sistema constitucional
que permite e fornece meios de alta concentração de poderes decisivos.
Após analisar cinquenta e cinco casos que tratavam sobre veto, algumas
correlações são possíveis de se fazer, com referência à teoria.
155
A primeira, é que ao menos em termos jurídicos, para que uma inferência teórica
de que o STF, ou o Judiciário, vem aumentando, paulatinamente, o seu nível de atuação como
ator político, é necessário que se tenha definido o conceito do que está a ser identificado como
aumento dessa atuação, na prática.
Isso porque, empiricamente (por meio de casos), para se confirmar ou refutar essa
inferência teórica, é necessário definir qual variável será observada para se chegar a essa
conclusão. Pode ser o número de casos julgados pelo STF sobre determinada matéria; ou o
número de casos julgados (im)procedentes pelo STF sobre determinada matéria; ou ainda,
apenas casos de determinados tipos processuais... enfim, podendo haver variedade de dados
que serão considerados para conseguir confirmar ou refutar essa inferência, na prática.
Além disso, também será necessário que algumas premissas sejam definidas, para
poder determinar que há ingerência do STF na tomada de decisões políticas, como: (a) quando
pode ser afirmado que há controle pelo STF das atribuições dos demais poderes? Com o
conhecimento da ação ou só após uma decisão de concessão de um pedido feito? Caso seja
este último, só pode ser considerado se for decisão de mérito, ou pode ser considerada uma
decisão liminar? Ou ainda, só decisões colegiadas ou as monocráticas também podem ser
consideradas?; (b) a interferência será medida apenas por meio de decisões do STF ou será
necessária a manifestação do outro poder, de alguma forma, após essa decisão?; Quais outros
documentos me permitem analisar essa relação?.
Esses são apenas alguns dos pontos que precisam estar bem definidos para se
conseguir analisar casos que busquem responder as teorias apresentadas.
Utilizando como critério o conhecimento da ação, esta pesquisa apresentou que
em um total de 55 casos, em 34 o STF conheceu a ação e, portanto, nesse sentido, controlou e
ingeriu as atividades dos demais poderes.
Porém, mesmo que em mais da metade dos casos o STF tenha conhecido a ação,
na prática, a diferença entre quando o STF conhece a ação e quando não conhece, é muito
tênue. Há casos em que o STF não afirma, de maneira literal, que está conhecendo ou não a
ação, o que prejudica identificar se os critérios para o conhecimento da ação estavam
presentes.
Além disso, o próprio STF faz previsões e sugere estar controlando o ato mesmo
quando entende não estarem preenchidos os pressupostos da ação. Isso também seria uma
espécie de controle do ato do outro poder. Contudo, também não acrescentei isso como um
critério objetivo para computo de casos em que houve controle.
156
A teoria política do veto como instrumento de controle dos demais poderes,
cumulada à teoria da Ciência Política de racionalidade política, pode ser verificada a partir da
discussão desse instrumento, no STF.
Assim, essa teoria ganha poder de análise quando são feitas pesquisas deste tipo.
Os casos demonstram que por traz do veto há uma racionalidade de querer impedir que
determinada tomada de decisão política avance. E que há, durante a relação institucional,
disputa entre os poderes, para assunção de espaços antes não pertencentes àquele poder.
Os casos, de maneira geral, comprovam isso, não só pelos relatos nos próprios
autos, mas pelos documentos que muitas vezes estavam disponíveis, como a tramitação do
projeto de lei e a justificativa do veto. Além disso, a observação da evolução paulatina da
utilização de instrumentos processuais no STF; e a própria forma de decidir do STF, nesses
instrumentos, ora ampliando entendimentos ora diminuindo e ora se estabilizando, permite
analisar essa relação institucional de disputa entre poderes e assunção de espaços.
Como exemplo disso, podem-se observar os casos que foram questionados via
MS. Em um primeiro momento (período da CF/46 à CF/69), o STF expandiu a sua atuação
para casos de veto, por meio do instrumento processual MS (considerou-se competente para
analisar tais demandas, via MS). Com a CF/88, teve-se um momento de contenção, evitando
grande interferência em veto, via esse instrumento. Contudo, ao final dos anos 2000, inicia-se
a tentativa de expansão da atuação do STF, por esse instrumento, que chega ao seu ápice com
o caso dos royalties do pré-sal; seguido por um momento de estabilidade, que é o vivido
agora, como se viu no caso MS-MC 33353, em que o STF se recusou a controlar a
constitucionalidade de atos do Legislativo relacionados a veto.
Sem o condão de confirmar a percepção a seguir, mas apenas com fim de
hipóteses a serem confirmadas e que auxiliam na análise da correlação dessa teoria, podem-se
observar movimentos similares, a partir dos documentos analisados por esta pesquisa, tanto
do poder Executivo quanto do poder Legislativo.
Nesse sentido, no poder Executivo, vê-se momentos de expansão por meio do
veto, buscando utilizá-lo como instrumento discricionário, para ingerir no Legislativo (como
se não tivesse de seguir regras mínimas em sua utilização). Os casos antes da CF/88 apontam
esse perfil, visto que os temas levados ao STF eram de questionamentos de procedimentos
adotados pelo Executivo, para a oposição de veto. Nesses casos, questionam-se supostos
excessos por parte do chefe do poder Executivo ao utilizar o veto. O STF, nesse primeiro
momento, conheceu a ação e controlou o mérito da maioria desses casos, por vezes alterando
o status quo desse ato político, impedindo com que o Executivo assumisse um papel que o
157
STF entendia não estar atribuído ao Executivo. Após essa tentativa de expansão, contida pelo
STF, veio o período de estabilidade. Em seguida, nos casos a partir da CF/88, vê-se um
período de tentativa de expansão, por meio da medida provisória, sendo utilizada como
instrumento assessório ao veto. Como se verificou nesta pesquisa, esse espaço foi assumido
pelo poder Executivo e confirmado como legítimo pelo STF. Após conseguir ocupar esse
espaço há um período de estabilidade.
Pelo Legislativo, a situação não é diferente. Vê-se tentativas de ampliação do
domínio sobre o veto, buscando alternativas, com justificação jurídica, para não ter de seguir
o trâmite de votação adequado. Tentativa essa, que foi barrada pelo STF (até antes da CF/88).
Após, vê-se um período de contenção. Em seguida, observa-se a tentativa de expansão,
novamente, estipulando termos e procedimentos à apreciação do veto, que, praticamente,
impediam que esse instrumento suspendesse a agenda do poder Legislativo (a partir de 2000).
Esse espaço foi conquistado e confirmado pelo STF, e houve um período de estabilidade. Em
seguida, vê-se parte do Legislativo questionando este procedimento adotado, e pede que haja
uma retração desse espaço conquistado (a partir de 2007). O STF, novamente, interfere na
questão e incentiva a retração desse espaço ocupado e passa por um novo período de
estabilidade.
Contudo, a análise do Judiciário não se pode resumir a critérios externos de
observação, pois a lógica interna da própria racionalidade desse setor pode indicar ou
representar pontos diferentes da análise externa. Nesse sentido, como destacado no capítulo 3,
deve o Judiciário, ao ser analisado como veto player, ter uma análise interna completar, a fim
de descrever e analisar os motivos e justificativas das suas decisões, além da sua validade em
termos jurídicos.
Quanto à inferência teórica de ser o STF um ator político, a partir da definição da
teoria, de que atores políticos são instituições capazes de criar, alterar ou impedir a tomada de
decisão política, é comprovada por meio de todos os casos. Os efeitos da decisão do STF, para
todos os casos analisados, criou um cenário político novo, alterando a decisão dos demais
poderes ou mesmo impedindo que essa decisão tivesse eficácia. Portanto, a partir dessa
perspectiva, o STF é um ator político.
E a percepção de que esse é um papel que vem, paulatinamente, assumindo maior
relevância, pôde ser constatado, mas a partir de inferência genérica, e não de maneira
empírica. Isso porque, de maneira empírica, seria necessária uma pesquisa com um grande
banco de dados, que analisasse a quantidade de vezes em que o STF vem assumindo esse
papel de centralidade para a implementação de uma decisão política.
158
No entanto, a partir dos casos analisados, nota-se a ampliação de ações que
chegam ao STF questionando o veto e, ainda, a diversidade de pontos do veto que o STF foi
assumindo a responsabilidade para decidir.
Nesse sentido, o STF, nesta pesquisa, julgou casos de: (a) início do termo para
oposição do veto – desde que o projeto chega às mãos do Executivo, quando se inicia a
contagem do prazo; (b) forma contagem desse prazo – como o prazo para oposição do veto
deve ser contado; (c) existência e validade material e formal do veto – quando o veto pode ser
considerado oposto e quando passa a produzir efeitos; (d) início do termo para votação do
veto no Legislativo – quando começa o prazo para que o Legislativo aprecie o veto; (e)
procedimento de votação do veto – quais são as regras que deve seguir, o Legislativo, para
que a decisão de rejeição ou aprovação seja válida; (f) eventual publicação do projeto que teve
o veto rejeitado – quem, como e quando deve ser publicada essa parte do projeto de lei; (g)
produção dos efeitos da parte da lei publicada, posteriormente, por rejeição de veto – quando
a parte do projeto de lei que estava vetado passará a produzir efeitos no ordenamento jurídico;
(h) controle de constitucionalidade do veto – situações em que, após convertido em lei, poderá
ser declarada a inconstitucionalidade do veto.
Ao menos quanto ao veto, o STF vem assumindo, gradualmente, o papel de
legitimador da decisão tomada nesses casos, quando há litígio envolvido115. Sabe-se que
poucos são os casos desse tipo no STF, mas justamente por isso, a análise e a importância
deles são, potencialmente, ampliadas. Apesar de serem poucos os casos, há diversas regras e
normas criadas por eles, além de representar um momento excepcional de relação entre os três
poderes, podendo ser analisado via documentos.
Mesmo que, empiricamente, por critérios objetivos, não ser possível afirmar,
estatisticamente, que na totalidade de casos o STF é controlador e interventor nos demais
poderes, em casos específicos é possível confirmar isso, e, nesses casos, sendo possível ver a
gravidade causada pela decisão.
O exemplo desta pesquisa é o caso dos royalties do pré-sal, em que apesar de ser
o extremo dessa relação institucional, os reflexos nas atividades do Estado e da sociedade
foram grandes. Casos como esse ampliam a sensibilidade que todos têm em relação ao papel
do STF no Estado democrático de Direito.
115 Faço essa ressalva, porque como apresentado, o Brasil tem um sistema de presidencialismo de coalizão, o que
significa que muitas das decisões políticas são tomadas anteriormente ao processo legislativo. As decisões
políticas que tenham algum conflito envolvido, e que não são resolvíveis a nível político, chegam ao STF para
que esse decida sobre a questão. Contudo, como a própria pesquisa fornece, havia indicações de diversos vetos
não votados no Legislativo e que não foram questionados no STF; o que pode significar que não houve um
dissenso político, mas, pelo contrário, por meio de consenso político decidiu-se deixar essas medidas suspensas.
159
Apesar de ser necessário cautela na análise de casos assim, o grau de importância
e impacto que casos como esse têm, em larga medida, para o Estado democrático de Direito, é
grande. Não só neste caso, mas em diversos outros que o STF vem julgando nos últimos anos,
como o aborto de fetos anencefálicos; a constitucionalidade dos sistemas econômico e
financeiro adotados; a marcha da maconha; a importação de pneus usados; a extradição de
Batisti; o mensalão; a união homoafetiva; as cotas raciais e sociais; as cláusulas de barreiras
partidárias; o financiamento de campanha eleitoral, entre diversos outros, causam, na
sociedade, nas instituições do Estado e na economia do país, reflexos maiores do que casos de
menor potencialidade (por exemplo, o caso da análise da constitucionalidade da votação de
rejeição do veto, do Legislativo estadual, em projeto de lei de nomeação de espaço público).
Por conta disso, também de forma objetiva, variações e conjuntos de casos devem
ser levados em consideração no momento de analisar essas situações complexas da vida
moderna.
Também é possível verificar que o STF assume uma postura ativa no sistema de
separação dos poderes, assegurando um campo amplo de atuação para si, contudo, na prática,
mostra-se um órgão passivo, por pouco utilizar essas competências desenvolvidas.
Acredito que, de maneira geral e objetiva, essas são as correlações possíveis de se
fazer entre os dados empíricos e a teoria. Como afirmado por Pires (2010), as pesquisas
qualitativas de estrutura aberta permitem com que haja a operação “pinça”. De um lado,
ganha-se com as análises empíricas, no sentido de observar e entender melhor o
funcionamento das instituições e dos institutos, de outro lado, ganha-se na reflexão quanto a
teoria, buscando apresentar novas questões à teoria, ou questionando as verdades que são
apresentadas, ou ainda, confirmando a percepção da teoria sobre os fatos.
Esta pesquisa consegue confirmar a percepção da teoria sobre os fatos, além de
apresentar questionamentos novos a ela.
Superado esse ponto, passo à síntese, de maneira objetiva, das perguntas e
hipóteses deste trabalho. Apresento-as em forma de tópicos, expondo a pergunta e, ao lado,
respondendo-a de maneira objetiva, pois acredito que elas tenham sido desenvolvidas de
maneira extensiva durante a pesquisa.
Como o STF julga casos relativos a veto presidencial? – Como foi descrito
durante toda a pesquisa, o STF, de maneira geral, entende que os casos têm
questões jurídicas e que têm preenchido os pressupostos processuais e, portanto,
analisa-os para decidir se há (in)validade no ato questionado (controla o caso).
Dessa forma, o STF considera-se legítimo, para interferir nesses casos e decidir
160
quem está certo. Entretanto, quando na análise da questão, o STF poucas vezes
concede a liminar ou dá provimento à ação.
Há tendência a julgar a favor do poder Executivo ou do Legislativo ou ainda do
cidadão? – Conforme observado no Gráfico 8, o bloco Legislativo, com vinte e
três casos, é o mais favorecido pela decisão. Seguido pelo Executivo, com dezoito
casos e o Cidadão nunca foi favorecido. Contudo, no detalhe desses casos,
percebe-se ser relativa a afirmação de favorecidos pela decisão.
Isso ocorre, porque o bloco do Legislativo tem uma composição complexa: há
casos em que identifiquei que havia em um dos polos o Legislativo como um
órgão único, buscando um interesse comum aos seus membros; há casos em que
apesar de ser identificado como Legislativo, a atuação é da maioria deste poder,
no sentido de que, por um lado, há questionamento da minoria do Legislativo
contra uma decisão da mesa diretora do Legislativo, que representa a maioria; há
casos em que o Legislativo identificado é municipal, estadual ou federal, ora um
questionando o outro ora de forma independente.
Dessa forma, essa fragmentação da categoria Legislativo, reduz o poder de
resposta a essa pergunta. Assim, essa é uma correlação que os dados respondem,
mas que qualquer conclusão a partir deles necessitaria reflexão mais aprofundada,
e esse desenvolvimento não foi realizado por esta pesquisa.
Apesar disso, é possível extrair uma inferência desses dados, que é concluir que a
categoria Cidadão tem pouca voz na discussão do veto.
As questões são respondidas de imediato ou há um vácuo entre a propositura e a
primeira decisão? – De maneira geral, dentro do critério adotado (de um dia a 730
dias), o índice de tempo para resposta ao caso é de 875 dias (Gráfico 9), portanto,
não podendo ser considerada uma resposta imediata, e sim de vácuo. Inclusive,
correlacionando esse dado aos dados do Gráfico 3, verifica-se que a maioria das
decisões monocráticas são de perda do objeto; o que significa que o espaço entre o
pleito e a decisão faz com que o objeto questionado seja resolvido de outras
formas.
Contudo, analisado o tempo com base nos diferentes grupos de casos, verifica-se
que afastados os casos extremos, que aumentam os dias, de maneira geral, as
decisões são resolvidas em um tempo, dentro critério geral, satisfatório. Pois
ficam em torno dos 365 dias. Contudo, novamente quando comparado ao Gráfico
3, verifica-se que esse critério de tempo satisfatório, oposto à realidade de tempo
161
que problemas desse tipo exigem para a sua resolução, não é razoável, visto o
grande número de casos que perdem o objeto da ação.
O STF, ao julgar esses casos, acaba criando procedimentos ao processo
legislativo? Se sim, este é um pedido da parte, ou é feito de ofício? – Essa
pergunta é interessante, pois de início o objetivo era constatar se o STF afirmava,
de maneira expressa, que determinado procedimento do processo legislativo de
criação de leis deveria ser de determinada forma. Contudo, com o
desenvolvimento da pesquisa, verificou-se que os procedimentos, ou as regras,
que eram criadas para o processo legislativo, vinham tanto dessa forma expressa
quanto pela negativa, ou seja, a negativa confirmava qual era o procedimento que
se entendia por correto.
Além disso, também percebeu-se que não há relação entre criar procedimento ou
regra ao processo legislativo e controlar a questão116; ou em (não) deferir a
liminar/provimento. Há casos em que há controle da questão mas não é possível
extrair consequência ao processo legislativo, e casos em que não há controle mas
é possível extrair consequência ao processo legislativo.
Mas, respondendo de maneira objetiva, sim, o STF cria procedimentos e regras ao
processo legislativo.
Quanto à segunda parte da pergunta, os casos mostraram que não é feito um
pedido, de maneira expressa, no sentido de criar uma regra ao processo
legislativo, contudo, esse entendimento é consequência do próprio julgamento do
STF, que tem como base a forma como o questionamento é levado. Assim, não é
possível falar que é feito por pedido da parte e, também, que é feito de ofício; a
melhor definição é que é consequência de uma relação natural de um processo
judicial.
O STF acaba agindo como apaziguador do suposto problema relacionado ao veto?
Se sim, de qual forma? – De maneira objetiva, a partir dos dados coletados, na
pesquisa, não é possível responder a essa pergunta.
Os dados mostram um número alto de julgamentos por perda de objeto, o que
significa, que de maneira ativa, o STF não atuou como apaziguador, pois se o
objeto se perdeu, este foi resolvido de outra forma. Mas essa informação também
116 Reforça-se o conceito de controlar a questão, adotado nesta pesquisa. Controlar a questão é o conceito que
define que o STF considerou presentes os pressupostos de conhecimento da ação e, portanto, apto a analisar o
mérito da questão levada à sua apreciação. Dessa forma, ele estará no controle do problema (da questão),
podendo alterar ou mantê-lo o status quo da discussão.
162
é relativizada, quando se percebe que essa é uma cultura comum, principalmente
no MS; em que o STF decide por não decidir. A sua decisão de não decidir gera o
efeito de o Legislativo, ou o Legislativo e o Executivo, resolverem a questão de
outra forma. O que me parece também ser uma função apaziguadora, caso se
entenda que a função apaziguadora é atuar de forma com que a questão seja
resolvida; e uma decisão de não decidir pode ter essa função.
Dessa forma, a depender do critério adotado, o STF pode ser identificado como
atuante de maneira apaziguadora do problema.
Há alguma técnica de procedimento de deliberação específica do STF para estes
casos? – Essa pergunta também tornou-se difícil de se responder, com o decorrer
da pesquisa, pois não consegui extrair lógica específica ou técnica de deliberação
específica, para o julgamento desses casos. Dessa forma, é possível responder a
essa pergunta apenas afirmando que, em um conjunto de casos, é possível
observar um procedimento de deliberação da seguinte forma: não se defere a
liminar monocraticamente, e discute-se o mérito de forma colegiada, se o caso
subsistir até lá (controle da pauta do Congresso). Nesses casos, é possível
observar a criação de jurisprudência nesse sentido.
O STF é coerente e transparente em sua jurisprudência quanto às situações em que
exercerá ou não controle deste tipo de questionamento? – De maneira geral, a
resposta é que o STF se autodetermina competente para analisar questões
relacionadas ao veto, que questionam violação de procedimentos constitucionais.
Quando questionada violação de procedimento regimental, o STF entende não ser
competente para controlar a questão. Também é possível concluir que, apesar
dessa autodeterminação, por esses casos envolverem procedimentos
constitucionais específicos e gerais, o STF não se sente confortável para interferir
na questão, de maneira direta, no sentido de deferir liminar ou dar provimento ao
caso.
É possível afirmar que há algum tipo de interação entre os poderes nessa situação?
– Para não ser repetitivo, apenas confirmo que sim. A argumentação que confirma
essa informação está na primeira parte deste capítulo.
Com essas respostas, é possível confirmar ou refutar as hipóteses iniciais deste
trabalho:
163
“O STF tende a não decidir o mérito do pleito envolvendo o veto. Isso
ocorre por meio de manifestação tardia no processo, e a consequência é a perda do
objeto e o processo é arquivado. Isso revela uma tendência de favorecimento do
Executivo (ou à mesa do congresso – dependendo de quem for o proponente).”
Essa hipótese confirma-se, em parte, principalmente a partir do Gráfico 3.
Contudo, nos casos de controle concentrado, o STF tende a decidir. Quanto aos
MSs, realmente a maioria dos casos, quando da análise da decisão do mérito, são
de perda de objeto. Contudo, em termos liminares, mesmo que por decisões de
indeferimento, o STF decide. Dessa forma, a hipótese confirma-se, em parte.
Quanto a última parte da hipótese, essa é rejeitada.
“Mesmo não decidindo o mérito da questão, o STF cria procedimentos
legislativos (de forma obiter dictum) ao justificar o porquê desse não julgamento.
Essa justificativa de não julgamento evidencia o posicionamento da Corte em
casos futuros, tanto se eventualmente vier a decidir o mérito quanto se não julgá-
lo. Por isso, o resultado é a criação de uma regra, mesmo que informal, sobre
aquela situação. Em regra, esse pedido é feito pelo pleiteante, para que se crie uma
regra previsível”.
Essa hipótese confirma-se, em parte. Isso porque, a regra criada acaba sendo
reflexo, por vezes, da própria decisão de indeferimento da liminar, e não da
decisão de perda do objeto. Quanto ao pedido pelo pleiteante, isso não se
confirma.
“O STF não é coerente com suas próprias decisões, alterando o
entendimento quanto a determinada questão sem fazer um esforço argumentativo
de superação de casos anteriormente julgados de maneira diferente.”
Essa hipótese, de maneira geral, não se confirma. Como afirmado em todo o
trabalho, é possível afirmar que o STF é claro em sua jurisprudência e, inclusive, a
vem seguindo e aplicando. Com exceção de casos como o royalties do pré-sal, o
STF é coerente com as suas próprias decisões.
Por último, após as devidas reflexões teóricas e empíricas, acredito que além das
críticas realizadas no capítulo 6, algumas outras observações quanto a esse papel do STF, no
atual Estado democrático de Direito, devem ser feitas, assim, cumprindo com o propósito da
pesquisa de pensar o papel do direito no desenvolvimento institucional do STF e do Estado
democrático de Direito.
164
O entendimento de que o STF vem assumindo a centralidade no Estado
democrático de Direito, por conta da concentração de poderes decisivos nele, pode ser aceito,
com as devidas ressalvas feitas.
Esse é um papel que vem sendo desenvolvido, de maneira paulatina. Ele é reflexo
de um conjunto de decisões em um determinado sentido, que vai “testando” os demais
poderes, até ao ponto de esses aceitarem essa suposta usurpação de cenário, pelo STF.
Em geral, acredito que esse protagonismo é sadio à separação dos poderes e ao
Estado democrático de Direito, mas, desde que os demais poderes também reajam a essas
provocações. A partir do momento que esse movimento é aceito, de maneira passional, pelos
demais poderes, o que era uma atividade sadia se transforma em um indício de tirania, ou de
ditatura justificada pela tecnicidade.
A política e o sistema de representação organizam-se em bases não técnicas,
diferente do mundo jurídico, e sempre enfrentarão momentos mais ou menos tensos, assim
como as instituições burocráticas (técnicas). O seu aperfeiçoamento, por isso, é constante e
deve acompanhar as dificuldades e fragmentação social da vida moderna (PINZANI, 2013;
JARDIM PINTO, 2004; URBINATI, 2006; YOUNG, 2001). A substituição de um sistema
democrático representativo por um de centralização decisória em um suposto órgão técnico,
coloca em xeque diversas premissas basilares de uma democracia e de um Estado de Direito.
A representação e a forma democrática de governar são, atualmente, o melhor
sistema de governo, por permitir a porosidade representativa da sociedade e, ao mesmo
tempo, ter meios alternativos de incentivo e questionamento das tomadas de decisões do
Estado. Um sistema de concentração de decisão em uma autoridade técnica, pende para, como
dito, à tirania, ou à concepção de democracia elitista tecnocrata, pautada em uma visão
schumpeteriana (SCHUMPETER, 1984). Nessa concepção, o papel do eleitor, da política, e
das instituições representativas é meramente figurativo, de garantia de legitimidade das
decisões tomadas pelos técnicos.
Entendo ser a democracia um sistema em que a política, as instituições
democráticas representativas e os eleitores devem ser as figuras determinantes na tomada de
decisão. Nesse sentido, a democracia é o meio pelo qual é possível haver organização e
participação de atores diferentes, o que torna o sistema legítimo (DAHL, 1997). A função da
burocracia, ou da tecnocracia, nessa visão, é de atuar, conjuntamente, com o sistema, pois a
atuação conjunta aperfeiçoa a democracia, gerando maior qualidade nas decisões políticas
tomadas (LOUREIRO; ABRUCIO; PACHECO, 2009).
165
Nesse sentido, defendo que enquanto a atuação do STF ocorrer de maneira
equilibrada, a atuação é legítima e sadia ao Estado democrático de Direito, por ser justamente
uma das funções do Direito a limitação das próprias regras da democracia, para que não haja
excesso. E cumpre ao STF esse papel.
Mas a sua atuação deve ser de maneira parcimoniosa. Não deve o STF atuar de
maneira agressiva, violando, assim, as próprias regras constitucionais, a fim de se garantir o
fim de um abuso pelos outros poderes. A pesquisa constatou que a evolução paulatina de
atuação e relação mútua entre os poderes gera maior segurança nas tomadas de decisões. Os
casos em que as decisões foram tomadas de maneira abrupta, como no caso dos royalties do
pré-sal, fica evidente que o ato gera consequências graves ao Estado e à sociedade. Existe um
tempo necessário de resposta, de estabilidade de entendimentos, para que as instituições se
aperfeiçoem (MENDES, 2008).
Contudo, na prática, verifica-se que há um leque de autonomia grande do STF,
podendo esse autolimitar-se quanto a questão do veto, sem que haja uma reação imediata e
aparente a essa sua atuação. Isso pode gerar problemas, imediatos, não só aos poderes
envolvidos, mas à sociedade. E não há nenhum meio para que se questione e responsabilize o
STF por esse ato. Nesse sentido, se houver decisões, visivelmente, inconstitucionais, que
causem danos de forma transindivual à sociedade, o STF não é responsabilizado.
A título de exemplo, de experiência institucional interessante, em 2007, Portugal
sancionou a Lei 67, que regula a Responsabilidade Civil por consequências de irregularidades
e abusos de atos para todos os Poderes do Estado. Esse diploma prevê que pode um cidadão
questionar os danos que tenha sofrido por um ato viciado do Estado, de maneira geral. Nessa
lei, até o Judiciário pode ser responsabilizado por erros cometidos no controle de
constitucionalidade e por promover decisões que são, visivelmente, inconstitucionais (artigo
22 Constituição da República Portuguesa e 13, 1, da Lei 67/2007).
Em Portugal, nove anos após a sanção dessa lei, esse instrumento ainda não foi
totalmente aplicado e há ampla discussão entre os juristas sobre como relacionar essa lei às
demais escolhas institucionais feitas para Portugal. Em resumo, discute-se qual seria o órgão
aplicador dessas sanções; quem deve analisar se é ou não, visivelmente, inconstitucional uma
decisão do Tribunal Constitucional; a quem compete o controle da jurisdição administrativa
(compete ao Tribunal Constitucional ou ao Superior Tribunal Administrativo); enfim, há
discussões quanto a sua real aplicação.
Contudo, de maneira geral, acreditam os juristas portugueses, que a previsão desse
instituto já gera influências positivas no momento da tomada de decisão política ou jurídica.
166
Identifico, além disso, que uma lei desse tipo inclui, de forma definitiva, a
sociedade como um ator relevante, que influencia na tomada de decisão política, não só por
meio do processo eleitoral, mas por meio de fiscalização dos órgãos técnicos.
A título de comparação, caso existisse algo similar no Brasil, pergunto: a forma de
resolução do caso dos royalties do pré-sal seria a mesma que aquela adotada? Tendo a
defender que não; uma vez que, como indicado no capítulo 6, a própria decisão do STF viola
princípios jurídicos básicos do Estado democrático de Direito (e da CF/88), o que tornam a
decisão desse órgão, também, inconstitucional. As consequências dessa decisão foram
diversas, entre elas, afetou diversos programas sociais e políticas públicas garantidas pelo
Estado, por não votação do orçamento. Portanto, deveria o STF ser responsável,
conjuntamente ao Legislativo, por esses danos causados à sociedade? Parece-me que
reflexões desse tipo são necessárias para o aprimoramento do Estado democrático de Direito.
Nesse sentido, cumpre ao Direito, juntamente a outras áreas do conhecimento,
contribuir para essas discussões. É necessário que a academia discuta, além de tecnicidade,
valores de uma sociedade. A academia precisa assumir o papel de aproximação ao Estado,
para que possa contribuir tanto para a sociedade quanto para o Estado, com inferências e
propostas que auxiliem a melhorar as instituições e a democracia. Em outras palavras, é
necessário que a academia participe do debate de desenvolvimento das instituições, da
democracia e do próprio Direito.
167
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Artigos e Livros
ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. A crise política no presidencialismo que
deveria ser de coalizão. In: Matheus Leitão Blog. 12 de março de 2015. Disponível em:
<http://www.matheusleitao.com.br/7499-crise-politica-no-presidencialismo-que-deveria-ser-
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votacao-dos-royalties,1005691>. Acesso em: 02 abr. 2015.
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derrubou-veto-dos-royalties,1006203>. Acesso em: 02 abr. 2015.
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http://veja.abril.com.br/noticia/economia/royalties-bancadas-do-rio-e-do-espirito-santo-ainda-
apostam-em-veto-de-dilma>. Acesso em: 07 jun. 2012.
ROSA, Bruno; et. al. “Royalties: municípios do Rio ameaçam ir à Justiça contra mudança nos
royalties; governadores pedem diálogo”. In. O globo. 16/09/2011. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/economia/royalties-municipios-do-rio-ameacam-ir-justica-contra-
mudanca-nos-royalties-governadores-pedem-dialogo-2698373#ixzz42R2P7nx2>. Acesso em:
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TRINDADE, José Maria. Os donos do Ouro. In: De olho no Congresso. 2011. Disponível
em: < http://blogjp.jovempan.uol.com.br/deolhonocongresso/2011/11/os-donos-do-ouro-
negro/>. Acesso em: 09 mar. 2016.
Lista de casos utilizados no STF, por documento, em ordem de julgamento
176
MS 1006; RMS 1039; RC 994; RE 25601; RMS 2920; MS 3764; Rp 310; Rp 432; RE 43995;
RE 49103; Rp 493; RE 43288; RE 45631; Rp 1065; Rp 1076; MS 15226; ADI 1254; ADPF-
QO 1; MS-MC 24675; ADPF 63; ADPF-MC 45; MS 25443; MS 25443 (reconsideração); MS
25939; MS 25939; MS-MC 25964; ADPF 73; MS 25964; MS 26931; ADI 3719; MS 25443;
MS 29359; MS 29345; MS 29361; MS 29358; MS-MC 29373; MS-MC 31397; MS 26763;
RE-RG 706103; MS-MC 31816; MS-MC 31832; MS-Emb 29345; MS-MC-AgR 31816;
ADI-MC 4917; MS 31944; MS 31814; MS 31828; MS 31938; MS 31832; MS 31816; MS-
Emb 29359; ADI-MC 1491; MS-MC 33356; MS-MC 33353; ADI-MC 1330.
177
APÊNDICE I. TABELA DE SELEÇÃO DOS CASOS
Para evitar um número extenso de páginas de trabalho, disponibilizo o arquivo do
Apêndice I em pasta pública, no seguinte endereço:
https://onedrive.live.com/redir?resid=D90039C1715E5C6B!4449&authkey=!AP2lsJDIVomJ
xgk&ithint=file%2cxlsx >.
178
APÊNDICE II. EXPLICAÇÃO DO FICHAMENTO
Preâmbulo
Principal Discussão: apresento, de forma objetiva, qual era o tema discutido nos casos.
Caso: nome e número do caso (E.g., Representação nº 1.071).
Data do julgamento: informo a data do julgamento.
Data da publicação: informo a data da publicação.
Relator: nome do relator.
Partes: nome e qualificação das partes (e.g., governador, cidadão...).
Fatos: destaco quais são os fatos discutidos no caso, que envolvam veto presidencial.
Importante destacar que nem sempre irei relatar o fato como ele é apresentado nos autos,
pois os fatos que importam para a pesquisa é a problemática envolvendo o veto presidencial.
Dessa forma, irei estruturar os fatos mostrando qual é a questão de veto envolvida e o porquê
dessa discussão.
Pleito da Parte: destaco qual era o pedido feito pela parte questionadora.
Resposta da parte questionada: destaco qual foi a manifestação da parte questionada
Citação: construo o padrão de citação do caso para ser mais fácil no momento de citá-lo na
dissertação. (e.g., BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão nº 1.065. Relator
Ministro Soares Muñoz. Data do julgamento: 29/04/1981. Data da publicação: 04/12/1981).
Informações extra STF
Projeto de Lei: informo o número do projeto de lei, se tiver, e se está disponível
eletronicamente.
Virou lei: informo o número da lei, se tiver, e se está disponível eletronicamente.
Justificativa do veto presidencial: informo a justificativa para o veto presidencial. Esta
justificativa pode estar disponível no site do Legislativo ou nos próprios autos do caso, como
no relatório ou nos votos dos ministros.
Manifestação do congresso: informo se a manifestação do congresso é feita no sentido de
aceitar ou rejeitar o veto e a justificativa para isso. Esta justificativa pode estar disponível no
179
site do Legislativo ou nos próprios autos do caso, como no relatório ou nos votos dos
ministros.
Tempo entre o pleito e a decisão: indico o tempo de duração da ação entre a propositura e
a decisão. O objetivo é verificar os diferentes períodos em cada caso.
Há notícias ou manifestações sociais quanto a este caso: faço buscas de notícias sobre o
caso, para saber qual foi a reação da mídia, à época, e identificar possíveis problemas que
não estão identificados nos autos.
STF
Decisão: identifico se a decisão foi procedente ou improcedente (conhece ou não conhece) e
se essa decisão favorece ao questionador ou ao questionado. Também apresento uma síntese
da decisão, algo similar à ementa do processo. Mas, não necessariamente este tópico será
uma cópia da ementa, por vezes, identifico que a decisão e a justificativa para ela não estão
na ementa, mas nos votos dos ministros. Assim, com os tópicos a seguir, identifico a estrutura
argumentativa de cada ministro que tenha o voto disponível, estruturo-os em tópicos, e
extraio o resultado e o fundamento para decisão. Este é um processo simples que será
apresentado a seguir.
Votos individuais dos ministros:
(1) Ministro-relator – identifico o nome e se defere ou indefere o caso, e quem se favorece
com a decisão (questionador ou questionado). Se os onze ministros tiverem
disponibilizados os votos, haverá onze tópicos como este, com estruturas
argumentativas, por vezes, distintas. Ou seja, haverá o número de tópicos
correspondente ao número de votos disponíveis no caso.
(a) Identifico os argumentos em tópicos. Pode ser que um tópico seja suficiente, ou
pode ser que haja a necessidade de mais. Não há um padrão quanto a isso. Crio e
identifico os tópicos sempre objetivando responder uma questão em cada tópico.
Mesmo que no voto o ministro apresente em um único parágrafo ou oração a sua
justificativa para o voto, se ele responde a perguntas diferentes eu os separarei em
tópicos. Ou seja, se o ministro decide que a lei é inconstitucional porque o veto foi
oposto fora de prazo e sem justificativa, cada parte dessa afirmação estará em um
tópico. Isso permite identificar qual foi a decisão do caso e quais questões foram
180
respondidas pelos ministros. Destaco que não necessariamente os tópicos estarão
organizados de forma a responder o tópico de início do fichamento “questão
discutida”. Isso porque, este primeiro tópico retira a questão discutida do
relatório do caso. Já o tópico em comento retira dos votos a questão discutida.
Cria-se uma regra ao processo legislativo: analiso se, a partir dos argumentos dos
ministros, é possível extrair alguma regra em comum para o processo legislativo ou apenas
para o veto em si. Identifico como regra, quando dentro dos votos disponíveis é possível
extrair uma resposta a questão em comum a todos e que determine como essa questão deva
ser resolvida. Por exemplo, se há onze votos disponíveis com fundamentos diferentes mas
respondendo, entre outras coisas, a questão de qual é a forma correta para se contar o termo
final de oposição do veto e chega-se à conclusão de que exclui-se o dia de início (quando o
projeto de lei chega ao Executivo) esta é uma regra criada pelo STF. Ou seja, vai independer
se a decisão é (im)procedente, mas sim, se é possível retirar dos votos uma decisão quanto a
algum problema sobre o processo legislativo.
Cria-se um precedente: inicialmente classifico como “sim” apenas casos citados como
precedentes. Contudo, com o tempo, comecei a também classificar como “sim” casos que
mesmo que não citados diretamente pelos ministros, tenha(m) a(s) mesma(s) regra(s)
aplicada(s).
Análise
A partir das informações coletadas, é possível afirmar que há interação entre os
poderes: identifico se “sim” ou “não” e apresento a justificativa para essa classificação.
Inicialmente, se há documentos nos autos ou no relatório informando a interação entre eles,
de maneira simplista, classifico como “sim”. Geralmente, em casos de controle abstrato de
constitucionalidade classifico como “sim”, pois as partes arguidas, necessariamente, irão se
manifestar nos autos e apresentar justificativas para a tomada de decisão no caso. Os casos
de controle concreto nem sempre considero como que há interação, pois nem sempre há
documentos informando essa interação ou algum relato no relatório ou nos votos disponíveis
nos autos.
Observação: apresento alguma informação interessante sobre o caso que não seja possível
de alocar nos tópicos anteriores.
181
APÊNDICE III. FICHAMENTOS
Para evitar um número extenso de páginas de trabalho, disponibilizo o arquivo do
Apêndice III, caso haja interesse, em pasta pública, no seguinte endereço: <
https://onedrive.live.com/redir?resid=D90039C1715E5C6B!4258&authkey=!APoFWwQ0ve
Xgghg&ithint=folder%2c>.
182
APÊNDICE IV. PLANILHA DE FICHAMENTO
Para evitar um número extenso de páginas de trabalho, disponibilizo o arquivo do
apêndice IV em pasta pública, no seguinte endereço: <
https://onedrive.live.com/redir?resid=D90039C1715E5C6B!4452&authkey=!AP2lsJDIVomJ
xgk&ithint=file%2cxlsx>.