FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA E O PLANO DIRETOR REGINA GABR… · LILIAN REGINA GABRIEL...

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LILIAN REGINA GABRIEL MOREIRA PIRES FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA E O PLANO DIRETOR Dissertação apresentada à banca examinadora de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em direito: direito do estado, sob orientação da Professora Doutora Lucia Valle Figueiredo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SÃO PAULO 2005

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LILIAN REGINA GABRIEL MOREIRA PIRES

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA E O

PLANO DIRETOR

Dissertação apresentada à banca

examinadora de Direito da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do

título de MESTRE em direito: direito do

estado, sob orientação da Professora

Doutora Lucia Valle Figueiredo.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SÃO PAULO 2005

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS À Professora Lúcia Valle Figueiredo, pela atenção e disposição em orientar-me na realização do presente trabalho. Aos colegas da Procuradoria Jurídica do Departamento de Estradas e Rodagens de São Paulo (DER) e em especial a Procuradora Chefe Maria Ângela da Silva Fortes pelo companheirismo e constante estímulo. Aos amigos que, cada um, à sua maneira foram fonte de estímulo e confiança. Em especial a Rangel Perruci Fiorin pela paciência e incansável colaboração e a Sarah Martins Pereira. Aos meus irmãos Yara Cristina Gabriel e Milton Gabriel Junior, pelo carinho e apoio em momentos importantes e preciosos. Aos meus pais, pelo amor e dedicação. Ao Cecílio por compartilhar cada minuto deste trabalho incentivando-me nos momentos difíceis e por proporcionar, com seu amor, o que há de melhor para se viver. Às minhas filhas, por existirem e darem sentido à minha vida, bem como pela paciência que tiveram diante de tantas horas roubadas.

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Ao Cecílio, com amor de sempre, hoje como ontem, sempre renovado. À Marília e Heloísa, razão da minha vida.

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Resumo A partir do século XIX, o conceito de propriedade passou por grandes alterações e à sua estrutura foi incorporada a idéia de função social, impondo ao proprietário a utilização do bem em benefício da coletividade e não mais para sua satisfação exclusiva . A Constituição Federal de 1988, inovou dedicando um capítulo à Política Urbana. Assim, a função social da propriedade urbana veio tratada como um direito fundamental, um princípio diretamente conectado aos interesses sociais e valores econômicos. Posteriormente, a Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 – denominada Estatuto da Cidade - regulamentou os dispositivos constitucionais. O legislador constitucional não definiu o que seria a função social da propriedade urbana, permitindo que cada município, de acordo com os interesses da comunidade e a vocação de cada localidade, a configurasse. Ainda que assim seja, estabeleceu que para cidades com mais de vinte mil habitantes o plano diretor seria o instrumento basilar da política urbana, devendo a propriedade urbana cumprir a sua função social a partir do atendimento das exigências expressas no referido plano diretor ( §§ 1º e 2º, do artigo 182 da CF). De se ver, a planificação ganhou relevo e destaque. Não obstante a inovação, o comando constitucional careceu de algumas definições, tais como: conteúdo mínimo ,sanções para a não edição do plano, prazos para sua implementação.Destarte, os contornos jurídicos e os reflexos concretos a respeito do planejamento urbano vieram com a edição do estatuto da cidade. Tendo como sustentáculo o panorama sobredito, o presente trabalho tem por objetivo examinar o princípio da função social da propriedade urbana e os artigos 39 a 42 do estatuto da cidade, dispositivos estes que vieram preencher as lacunas do instituto denominado plano diretor. Para tanto, fizemos uma breve evolução histórica da propriedade, perpassando, ainda que rapidamente, pelas diversas constituições pátrias. Posteriormente, apresentamos o conceito de propriedade e função social, com enfoque na função social da propriedade urbana, especificamente no que diz respeito às funções de habitar, circular, trabalhar e recrear, concluindo que a funcionalização da propriedade é um dever para todas as cidades. Releva registrar ainda que, à luz da Constituição, há determinação para que os municípios com mais de vinte mil habitantes editem o plano diretor, pelo que a planificação ganhou relevo e importância, na medida em que o plano diretor foi elevado a categoria de importante instrumento para a implementação de políticas públicas e, em especial, para o cumprimento da função social da propriedade urbana. Via de conseqüência, passamos, então, a uma análise a respeito do planejamento e plano e, ao final, fizemos um exame a respeito do plano diretor à luz dos artigos 39 a 42 do Estatuto da Cidade. Por derradeiro, trouxemos algumas decisões do Poder Judiciário, no sentido de demonstrar que há um desafio para os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e sociedade de modo geral, qual seja: a fazer valer o princípio da função social da propriedade urbana como um dos meios de cumprir os objetivos estampados no artigo 3º da Constituição Federal de 1988.

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Abstract From XIX century the concept of real state has gone through by important changes and on its structure the idea of social function was incorporated on it, compeling the landlord to use the land property not for individual advantages but, for settlers benefit as well. The 1988 Federal Constituition brought forward to devote a paragraf to urban policy. Thus, the social function of urban society started being treated as a basic right, a principle straight atached to the social concernings and financial values. Further the 10.257, law from the 10th july 2001 – named the City Law regulated constitucional mechanisms. The social function was not stablished by the constitutional legislator, and each municipal district was allowed to feature the law in accordance to their interests and need. Nevertheless it was settled that, for cities with up twenty thousand inhabits, a director scheme would be the basic mean of urban policy, compeling the urban property to accamplish its social function, as long the demands expressed at the director scheme were rendered. As it can be observed the planification has won prominence and relenance. Despite the inovation, the constituition was in need of some definitions as such: minimum content, sanctions for not edition of the plan, terms for its implementation. So that, the jurirical alternatives and pratical effects about the plan, came with the City Estatute ediction. Having as support the mentioned survey, this work has a purpose: to inquire the urban property social function and the articles 39 to 42 of the City Estatute, which came to fullfil the gaps of the institute named director scheme. For all that a short historical evolution of the property, perpassing briefly by several native countries societies constitutions. Further, it was presented the concept of property and social with a focus at the social function specifically at the points about dwelling, moving working and recreation. For this we came to the conclusion that social function of state property is a duty for every cities. Even, still having the constitution as reference, there is a determination which stands out the idea that any municipal district with rather than twenty thousand inhabits must adopt and publish the director scheme, reason wich made the planification reached relevance and importance, due to the fact that the director scheme became a issue of important matter, to implement public policies, specially to the acomplishiment of the social function of urban society. Consequently the scheme the planing and the director plan, were studied under the view of the articles 39 to 42 from the city statute. At last some decisions of Judiciary Power were brought in order to show that there is a chalenge for Executive, Legislative and Judicial Power and general society to stake a claim at the principle of social function as a mean to accomplish the objectives printed in the article 3º from 1988 Federal Constituition.

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ÍNDICE

Introdução............................................................................................10

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE PROPRIEDADE

1.1 Breves considerações ................................................................12 1.1.1. No Direito Greco-Romano...........................................................16 1.1.2 No Feudalismo............................................................................ 21 1.1.3 Na Revolução Francesa..............................................................22 1.1.4 Na Idade Contemporânea...........................................................24

2. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PROPRIEDADE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS 2.2.1 Constituição do Império do Brasil de 1824..................................27 2.2.2 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 ................................................................................................................29 2.2.3 Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1934 ................................................................................................................31 2.2.4 Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1937

...............................................................................................................33 2.2.5 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 ................................................................................................................35 2.2.6 Constituição do Brasil de 1967...................................................37 2.2.7 Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1969 ............41 2.2.8. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988...........43 3. O DIREITO URBANÍSTICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 3.1. Conceito de direito urbanístico.........................................................46 3.2. Evolução da legislação urbanística no Brasil..................................47

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3.3 A Constituição Federal de 1988 e a política urbana........................54

4. CONCEITO DE DIREITO DE PROPRIEDADE

4.1. O direito de propriedade e alterações introduzidas pelo novo código civil..........................................................................................................56 4.2 O direito de propriedade e as alterações introduzidas pelo novo código civil...............................................................................................63 5. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.........................................72

6. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA

6.1.1 A Cidade.....................................................................................88

6.1.2 Meio ambiente.............................................................................95

6.1.2.1 Meio ambiente direito fundamental da terceira geração.............96

6.1.2.2 Conceito e classificação do meio ambiente..............................103

6.1.3 Função social da propriedade urbana......................................113

7. DO PLANEJAMENTO E PLANO 7.1 Conceito ......................................................................................125

7.2. Regime jurídico do plano urbanístico...........................................134

7.3 Planos urbanístico e sua tipologia...............................................136

8. DA POLITICA URBANA E O PLANO DIRETOR 8.1 Da Política urbana........................................................................140

8.2. Competência em matéria urbanística..........................................150

8.2.1 Competência municipal para implantar a Política Urbana...........153

8.2.2 Obrigatoriedade da instituição do plano diretor .........................155

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9. ESTATUTO DA CIDADE E PLANO DIRETOR 9.1. O estatuto da cidade...................................................................167

9.2. Plano diretor

9.2.1 Notas introdutórias.....................................................................170

9.2.2. Parâmetros e conceito do plano diretor.....................................171

9.2.3 A elaboração e implementação do plano diretor........................173

9.2.4. Conteúdo mínimo do plano diretor.............................................176

9.2.5 Abrangência...............................................................................177

9.2.6. Do prazo.....................................................................................179

9.2.7. Sanção pela não edição do plano diretor...................................181

9.2.8 Alteração do plano diretor..........................................................183

10. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA E O PODER JUDICIÁRIO. ..............................................................................................................184 11. CONCLUSÃO...............................................................................194 BIBLIOGRAFIA....................................................................................198

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho, diante dos artigos 182 e 183 da Constituição

Federal, objetiva uma análise a respeito da função social da propriedade

urbana, bem como do plano diretor que é o instrumento básico da política de

desenvolvimento urbano e meio de desenhar e redesenhar a função social da

propriedade urbana.

Em síntese, iniciamos nosso trabalho desenvolvendo breve histórico

acerca do tema propriedade, passando por uma rápida análise do conceito em

nossas constituições.

Posteriormente, apresentamos o conceito de propriedade, função social

da propriedade e função social da propriedade urbana, concluindo que o plano

diretor é instrumento de máxima importância para levar a efeito a concretização

desta última.

Em seguida, passamos a uma sintética análise de planejamento e

plano, diferenciando os planos urbanísticos e apresentando, ao final, sua

tipologia.

Ato contínuo, apresentamos considerações a respeito do Estatuto da

Cidade e analisamos os artigos 39 a 42 da Lei 10.257/2001, que estabeleceu

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as regras de planificação urbana delineando, de maneira pontual e objetiva, o

instrumental para a materialização da função da propriedade urbana.

Ao final, trouxemos algumas decisões do Poder Judiciário relativas à

função social da propriedade urbana.

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1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE PROPRIEDADE

1.1 Breves considerações.

A propriedade – do latim “proprietas” derivado de “proprius”, que

pertence a alguém1 - é objeto de investigações quanto à sua história, origem e

relações. É fonte de estímulo para filósofos, religiosos, sociólogos,

economistas, historiadores e juristas, bem como interesse de diversos ramos

da ciência. Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, todos buscam “fixar-

lhe o conceito, determinar-lhe a origem, caracterizar-lhe os elementos,

acompanhar-lhe a evolução, justificá-la ou combatê-la”.2

A história do homem passa pelas suas descobertas e, sem medo de

errar, podemos asseverar que a transformação do ser humano de caçador e

pescador para agricultor, da vida nômade para a sedentária, foi a revolução

mais marcante da humanidade. Foi decorrência da agricultura que a população

aumentou e surgiram as aldeias comunitárias. Tudo começou com o

derretimento da calota de gelo e o surgimento de um mundo novo a ser

explorado e dominado – temos o homem primitivo3.

1 Para Ernout e Meillet, propuis tem origem na expressão pro privo, a favor de cada um.Outros autores acham que provém de prope, que significa perto, daí o sentido de proximidade de dependência da coisa em relação a seu dominius, in Dicionário de ciências sociais, p. 1001, Editora da Fundação Getulio Vargas – Instituto de documentação- RJ. 1986 2 Pereira. Caio Mario da S. Instituições de direito civil.v.4. p. 337. Forense, 1981, 4ª edição. 3 “Hoje , as atividades de caça e coleta são representadas pelos Koisans,bosquimianos, esquimós e aborígenes autralianos. Eles abrangem apenas algumas centenas de milhares do total da população mundial, mas fornecem uma possibilidade valiosa e única compreensão das atividades primitivas do homem...Estudos recentes revelam estreito relacionamento entre povos caçadores e seu ambiente natural...ausência de riqueza individual e mobilidade. As unidades sociais, bandos ou hordas , são pequenos grupos familiares e poucos amigos que podem viver e trabalhar bem em conjunto...suas atitudes

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Há seis mil anos, originadas das vilas dispersas dos povoados

neolíticos, surgem as primeiras civilizações: no baixo vale do Rio Tigre e

Eufrates, no vale do Indus e no rio Huang. A principal característica dessa

civilização foi a cidade, com uma complexa divisão de trabalho, com pessoas

que possuíam a capacidade de ler e escrever, composta ainda, por uma classe

culta, hierarquizada politicamente e religiosamente, com edifícios públicos e

monarquia com origem divina (Deuses). Temos, então, o Homem civilizado,

onde existem grandes proprietários, pagamentos de impostos aos governos e

escravos.

Assim, nos primórdios do desenvolvimento da humanidade é possível

reconhecer a propriedade, não nos sendo defeso asseverar que a história da

propriedade caminha com a liberdade do homem e com a organização política

e jurídica do Estado.

No que diz respeito à determinação da propriedade, em seu primeiro

estágio, encontramos duas correntes: aquela que a entende como propriedade

individual4 e outra como propriedade coletiva5.

em relação a propriedade são flexíveis e seus grupos admitem recém chegados de outros grupos.” In Atlas da História do Mundo. Editado por Geofrey Barraclough, 4ª edição. Publicado originalmente por Times Books, p.34 4 Dentre aqueles que sustem a propriedade individual trazemos Fustel de Coulanges” as populações da Grécia e da Itália desde as mais longínqua antiguidade, sempre reconheceram e praticaram a propriedade privada. Nenhuma lembrança histórica nos chegou, e de época alguma, que nos revele a terra ter estado em comum.” A cidade antiga, p. 49 , Editora Hemus. 1975 5 Pontes de Miranda asseverou “ a propriedade coletiva – tribal ou mais amplamente grupal – precedeu à propriedade individual”, Tratado de direito Privado – 4ª edição, São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1983, T.7. Fernando Andrade Oliveira: “ a opinião mais difundida entre os historiadores afirma a precedência da propriedade coletiva, que somente se converteu na forma individual na medida em que se definiu a personalidade autônoma do homem, desprendendo-se dos seus vínculos comunitários, para depois reintegrar-se no meio social. Assim a propriedade começa por ser coletiva, torna-se em seguida

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Serpa Lopes ensina que:

“a) o problema das origens da propriedade não se encontra inteiramente elucidado; b) no estado atual das coisas, é impossível afirmar que a propriedade comum (ou coletiva) tenha sido, em épocas mais afastadas, generalizada, quer do ponto de vista dos países, quer do ponto de vista das categorias dos bens, sendo provável jamais ter existido um sistema comunitário integral; c) forçoso é lembrar que as palavras propriedade comum, propriedade coletiva, comportam elastérios, e assim englobam a propriedade familial, a qual desempenhou um grande papel histórico, muito diferente de propriedade comum ou coletiva, no sentido em que os socialistas de nossos dias compreendem.”6

De toda sorte, quer nos parecer que na sociedade primitiva não existia a

responsabilidade pessoal, na medida em que a autoridade do grupo absorvia a

individualidade de seus membros7.

Assim, o grupo possuía consciência na pessoa do seu líder e é por meio

dele que vivenciava todas suas experiências. Desta forma, o homem não tinha

individualidade, não se considerava dono de sua pessoa e não poderíamos

esperar que almejasse ser proprietário de qualquer coisa.

individual e egoísta e tendo por fim à harmonia da forma individual com a coletiva”, in Limitações Administrativas à propriedade privada imobiliária, p.1. Rio de Janeiro:Ed. Forense,1982. 6 Serpa Lopes, MM de.Curso de direito civil – direito das coisas: princípios gerais, posse, domínio e propriedade imóvel. V.6,p 233. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960. 7 Nessa linha, Lévy-Bruhl, analisando os registros dos missionários sobre a vida dos africanos primitivos de Tonga, utilizando-se do pensamento do Kelsen concluiu que: “ A nação não tem sido uma mente, uma vontade. O indivíduo é aniquilado, temos aqui o princípio de centralização elevado a seu limite extremo, ou seja, a morte de todos a favor de um” tradução nossa. In Kelsen Hans. Sociedade y Naturaleza – Uma Investigacion Sociológica .Tradución de la edicion original norteamerica”Society and Nature(Chicago,1943) por Jaime Perriaux. Editarial Depalma, Buenos Aires 1945, p.455, nota 88.

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No que concerne à civilização primitiva, aparentemente, encontramos a

propriedade individual para determinadas situações, na medida em que havia o

poder de origem divina – a quem tudo pertencia – o pagamento de impostos ao

governo, grupos sociais que detinham domínio de alguns espaços e escravos. 8

Cabe aqui ressaltar que estamos com o conceito metajurídico de

propriedade, ficando caracterizado o seu desenvolvimento lento e progressivo.

Não há dúvida que o estudo da propriedade é alterado de acordo com

as modificações de estrutura e conjuntura pelas quais passam as sociedades.

De qualquer modo, nos interessa alguns aspectos que justificam a propriedade

privada até seu reconhecimento como instituto jurídico e, para alcançar tal

desiderato, é necessário, mesmo que em vôo de pássaro, verificar sua

evolução histórica.

Com efeito, a passos largos, passamos a uma incursão histórica do

instituto.

1.1.1. No direito greco-romano.

Grécia e Itália sempre reconheceram a propriedade privada, no dizer

de Fustel de Coulagens “ há três coisas que, desde as mais remotas eras, se

encontram fundadas e estabelecidas solidamente pelas sociedades grega e

italiana; a religião doméstica, a família e o direito de propriedade; três coisas que

8 V. Gordon Childe registrou “terra da cidade, aparentemente, já é de propriedade individual, enquanto os pastos continuam de propriedade comum”, in O que aconteceu na história, 5ª edição, Rio de Janeiro: Editora Guanabara, p.100.

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apresentaram entre si manifesta relação e que parece terem mesmo sido

inseparáveis.9

Na Grécia a justificativa da propriedade residia no fato de que tudo o

que se possuía pertencia à família. Essa concepção concentrava grande

carga religiosa e familiar pela adoração do deus-lar, bem como possuía um

caráter de finalidade. Assim a propriedade era “algo que se deve revestir de

uma utilidade para os indivíduos reunidos em comunidade, em cujo bem-

estar ele tem sua ultima ratio”10

Contudo, foi com a ascensão de Roma que a propriedade privada

desenvolveu-se. O Jurisconsulto romano Ulpiniano apresentou a distinção

entre o direito público e o privado. Todavia, não temos dúvida que um dos

legados deixados foi em torno das instituições de direto privado, onde o

direito de propriedade, de longe, se distingue.

No Direito Romano, a propriedade estava vinculada à religião, na

medida em que o costume era enterrar os mortos no campo de cada família.

As almas eram as tutoras do direito de propriedade e a sepultura estabelecia

o vínculo da família com a sua terra. A proteção do altar indicava uma divisa

que separava o domínio de um lar, de outro domínio que pertencia a um

outro lar, sendo a demarcação uma faixa a rodear o solo sagrado. Em

9 Coulagens, Fustel de. A Cidade Antiga. Editora Hemus. Página 50 10 Guerra Filho, Willis Santiago. Teoria processual da constituição, São Paulo: Celso Bastos Editor, 2000, p. 71..

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determinados períodos o pai de família circundava a linha demarcatória da

propriedade familiar, fazendo oferendas, cantando hinos e fixando as divisas

que eram invioláveis. Nesse passo, tudo girava em torno do culto aos

mortos, uma vez que a terra em que repousavam era sagrada.

Em caso de venda, o romano conservava o campo onde estava a

sepultura (antepassados). Se o campo fosse vendido a família continuava

proprietária do túmulo e tal direito era eterno posto que: “a propriedade era

sagrada; termo inamovível significava propriedade inviolável. Para apossar-se do

campo de uma família, era preciso derrubar ou deslocar o marco, ora, o marco era

do deus Terminus, o sacrilégio seria horrível e a sanção a morte”11

A propriedade romana era divida em quiritária, pretoriana12,

peregrina e provincial.

No que diz respeito à propriedade quiritária podemos dizer que a

transmissão era solene, era o “dominium ex iure Quiritum” peculiar aos

cidadãos romanos transmitido pelo processo da “mancipatio ou a in jure

cessio”. Assim, a propriedade quiritária opunha-se a outros tipos

de propriedade.

11 Segurado, Milton Duarte. Direito Romano, página 44, 1ª edição.Julex livros Ltda. 1989. 12 “o direito romano distinguiu duas espécies de propriedade; a quiritária, protegida pelo direito civil e a pretoriana, baseada em criação jurisprudencial dos magistrados” in Arnold Wald,Curso do direito civil Brasileiro, direito das Coisas, 9ª edição, São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1992, página 111.

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A propriedade pretoriana ou bonitária emergiu da necessidade de

proteção aos que estavam em situação de donos, contudo não eram titulares

do “dominium ex iure quiritum”, pelo fato de não cumprirem a solenidade

necessária para completar a compra e venda. Esta propriedade era

fundamentada na equidade dos magistrados.

A peregrina tinha origem no fato do proprietário não possuir o

“dominium ex iure Quiritum”, por ser estrangeiro.

E, por fim, a provincial era a propriedade de territórios conquistados

por Roma, nesse caso “o particular usava e gozava, quase sem limites, da

terra, podendo até alienar por simples tradição. Diferenciava-se do

“dominium ex iure Quiritium” por pagar um tributo anual ao Estado “13

De tudo isso, não temos dúvida em afirmar que na Roma antiga a

propriedade era fundamentada na religião. Assim, a religião, a família e o

direito de propriedade encontravam-se intimamente ligados. Os deuses

Lares eram cultuados com o objetivo de proteger a família que os adoravam,

havia uma espécie de co-relação entre propriedade entre família e

antepassado. Foi nesse sistema que o direito de propriedade ganhou

conceito individualista e absoluto.

No dizer de Orlando Gomes: 13 Cretella Júnior, José. Curso de direito romano, Rio de Janeiro:Editora Forense, 1968, página 125-126

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“ ... o conceito de propriedade que veio prevalecer entre os romanos, após longo processo de individualização, é o que modernamente se qualifica como individualista. Cada coisa tem apenas um dono. Os poderes do proprietário são os mais amplos”14

No que concerne ao caráter individualista Celso Ribeiro Bastos

ensina:

“É com os romanos que floresce a concepção individualista de propriedade, mesmo aí tendo ocorrido uma sensível evolução de épocas mais primitivas, com predomínio ainda da propriedade comunitária, embora restrita à das gens e à família. Ao indivíduo cabia uma pequena porção e terra, de resto inalienável. A propriedade individual é atingida por um caminho que passa pelo fortalecimento da propriedade familiar que se sobrepõe à propriedade coletiva da cidade e gradativamente avulta no seio familiar a figura do pater famílias”15

Sinteticamente nos primórdios, a propriedade era comunitária, com o

início da civilização e em especial no direito romano, progrediu para uma

propriedade privada, consistindo no direito que o proprietário possui de usar,

gozar e dispor do bem, de acordo com sua vontade16.

14 Gomes, Orlando. Curso de direito Civil – direitos reais, p.97 16 Importante frizar que a livre disposição dos bens foi consagrada textualmente como Código de Napoleão – artigo 544- A definição ius utendi, fruendi et abutendi – não é encontrada nas fontes do Direito Romano, mas deriva dos interpretes da Idade Média. in Alexandre Sciascia Gaetano Correâ. Manula de Direito Romano. 6ª edição, Rio de Janeiro: Revista dos tribunais, 1988, p.124.

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1.1.2 No feudalismo.

A queda do império Romano deu início ao período conhecido por

invasões bárbaras, em conseqüência da desintegração dos territórios

conquistados por Roma.

A característica do período, sem dúvida, foi a decomposição do

domínio. Duas pessoas detinham ao mesmo tempo direitos perpétuos de

natureza diferente sobre a mesma terra: o senhor o “dominium directum “ e

ao vassalo o “dominium utile”.

A riqueza essencial era a terra, a qual estava em poder de poucos.

Os que lavravam a terra pagavam tributos, prestavam serviços e precisavam

do auxílio do senhor feudal – detentor “máxime” da propriedade.

Vale registrar, que no sistema feudal a propriedade passou a ser

símbolo de poder, não existindo senhor sem terra, nem terra sem senhor.

Assim, forçoso concluir que a propriedade adquiriu um valor político.

No Feudalismo ocorreu uma alteração do conceito de propriedade,

não mais sendo vista aos moldes romanos, como unitária. Modificou-se a

forma de apropriação e manutenção da terra, bem como com relação ao

domínio.

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O titular direto da terra cedia o gozo e a fruição de determinada área

da propriedade a um vassalo, e este poderia explorá-la, devendo retribuição

àquele.

1.1.3. Na Revolução Francesa.

O conceito de propriedade é reunificado com a revolução francesa e

seu caráter unitário é reconstituído, de acordo com a concepção romana,

marcando a individualização da propriedade17.

A declaração dos direitos do Homem e do cidadão – 1789 - trouxe

para a era moderna a garantia da propriedade dentre os direitos

fundamentais. Seus artigos 2º e 17º, dispõem:

“ artigo 2º : O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência a opressão. ...

17 Eric J. Hobsbawn delineou o contexto social do período:“O problema agrário era portanto fundamental no ano de 1789, e é fácil compreender por que a primeira escola sistematizada de economistas do continente, os fisiocratas franceses, tomara como verdade o fato de que a terra, e o aluguel da terra, era a única fonte de renda liquida. E o ponto crucial do problema agrário era a relação entre os que cultivavam a terra e os que a possuíam, os que produziam sua riqueza e os que a acumulavam”in A era das revoluções.Trad. Maria Tereza Lopes Teixeira e marcos Ènchel, 12ª edição. São Paulo: Editora paz e terra, 2000, p. 29. E Caio Mário da Silva Pereira preleciona:“A Revolução Francesa foi um acontecimento de raízes profundas, de tão grande alcance social que se chega a dividir a história em face das transformações que causou .Não passaria da superfície o movimento, se deixasse intacto o conceito medieval de domínio , e ,disto conscientes , aqueles homens revolucionaram a noção de propriedade”in Direito de propriedade sua evolução atual no Brasil, Rio de Janeiro: Revista Forense, nº 152, p. 7.

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artigo 17º : como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob condições de justa e prévia indenização”

Nesse passo, a propriedade foi concebida como direito natural18 do

homem, em posição de igualdade aos direitos individuais e liberdades

fundamentais. Tal concepção restaurou a conceito unitário da propriedade,

numa reação radical ao fragmentado Direito de Propriedade do feudalismo.

Direitos fundamentais, liberdades públicas ou direitos humanos, são

expressões que designam a prerrogativa do indivíduo em face do Estado,

portanto, uma limitação do poder estatal.

É de se concluir, portanto, que a propriedade embora reconhecida desde

o início da civilização, a partir do século XVIII, tornou-se o prolongamento da

personalidade humana e ficou cunhada como instituto jurídico que merece

proteção. O princípio constitucionalista estabelece limites à ação do Estado,

sobrepondo o cidadão ao súdito e consagrando, dentre outros, o direito de

propriedade.

18 Locke expõe uma teoria da propriedade como direito natural, subjetivo e exclusivo: o fruto de nosso trabalho (labor de nosso corpo e a obra de nossas mãos) são nosso enquanto houver abundância, p.405...a propriedade é direito natural e para ele deriva diretamente do trabalho humano: o suor de nosso corpo e labor das mãos misturam a natureza humana à natureza física. Neste sentido, o direito de propriedade é um direito natural. E , no entanto, há limites para a apropriação natural: ela só pode valer enquanto houver abundância. Se houver escassez já não se pode considerar a propriedade natural: tornam-se necessárias regras. Por isso, o direito natural proíbe o desperdício... Já no estado civil é preciso regular o entesouramento. A invenção da moeda liberou a propriedade dos limites do estado de natureza e a partir daí já não cabe falar na propriedade natural, pois torna-se possível acumular, coisa que inexistira no estado de natureza. No estado de natureza há uma propriedade natural, mas no estado civil há uma outra propriedade, a propriedade civil e convencional .In O direito na história. Lopes Lima. José Reinaldo, 2ª edição, São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 405 e 194.

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1.1.4. Na Idade Contemporânea.

Podemos dizer que foi da Revolução Francesa que emergiu o

individualismo. Entretanto, deve-se ao advento da Revolução Industrial as

sensíveis alterações da matriz econômica.

Deveras, a Revolução Industrial contribuiu de forma significativa para a

urbanização das cidades, haja vista que parte da sociedade antes dedicada às

atividades agrícolas, abandonou o campo, partindo em busca de trabalho nas

indústrias.

Decorrente disso, os assalariados passaram a viver sob o jugo do

poderio econômico dos mais fortes, sujeitando-se, em princípio, a baixos

salários e ao não pagamento de horas extras, isso tudo sem falar da desumana

jornada de trabalho que se submetiam.

Não há que pairar dúvidas que o modelo capitalista determinado pelo

liberalismo, com uma atividade econômica levada a efeito sem qualquer

espécie de controle, somente poderia redundar na desigualdade e exclusão

social. Via de conseqüência, instalou-se o desemprego em massa e a

concentração de riquezas.

Em face desse panorama algumas correntes de pensamentos surgiram.

O liberal – capitalismo (idéia individualista e absoluta da propriedade) e o

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totalitarismo-socialista (submissão da propriedade ao Estado), terminaram por

trazer sensíveis mudanças no entendimento da propriedade.

Adilson de Abreu Dallari ensina:

“Por sua vez, como reação ao individualismo da revolução Francesa, começou a haver um movimento no sentido da publicização do direito de propriedade, cujo exercício deveria ser condicionado ao bem – estar geral, ao interesse publico, ou, ainda, deveria corresponder a uma função social”19

Releva registrar que já é possível identificar uma nova visão do direito

de propriedade. A discussão acerca da propriedade privada ou estatal

encontra-se superada. A discussão acerca do direito de propriedade muda

completamente o seu eixo, na medida em que a temática cinge-se à forma de

utilização da propriedade e a satisfação do interesse coletivo.

Assim, a discussão vai muito mais além, posto que importa também

verificar a forma de controlar democraticamente se a propriedade está a

satisfazer a sua finalidade. De tudo isso, conclui-se que a questão dominial

perdeu, em muito, a sua importância inicial.

Com efeito, surge à intervenção do Estado na atividade econômica,

como modo de regrar e coibir abusos do poder econômico e meio de realização

do bem comum.

19 Dallari, Adilson de Abreu, in Desapropriações para fins urbanísticos, 1981, p. 31/32.

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Postas essas digressões, faremos uma evolução do conceito do direito

de propriedade nas Constituições Brasileiras.

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2. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PROPRIEDADE NAS

CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

À guisa de complementar o panorama histórico a que nos

propusemos, faz-se necessário apresentar, ainda que em rápidas

pinceladas, a concepção de propriedade no direito brasileiro para, em um

segundo momento, conceituá-la e, em seguida, examiná-la ao lume da

função social preconizado pela Carta Política de 1988.

Passemos, pois, a isso.

2.2.1 Constituição do Império do Brasil de 1824

A constituição do império20 garantiu a propriedade de modo absoluto

e aos moldes das Constituições Francesa e Portuguesa. Importante ressaltar

que dois fatos históricos estão relacionados com esse momento

constitucional brasileiro.

20 A inquietação com a propriedade no Brasil surgiu em conseqüência da ocupação da Coroa Portuguesa. Referida ocupação ocorreu por meio das sesmarias, capitanias hereditárias. Tornou-se uma questão fundamental, estando associada a dois problemas: escravidão e imigração. Foi só na segunda metade do século XIX, com o objetivo de separar as terras públicas das privadas, que foi publicada a Lei de Terras _ Lei 601, 18/09/1850. Jose Reinaldo de Lima Lopes preleciona: “Não se pode confundir a posse de que se fala nesta época com a posse do lavrador pobre.Posse havia também de inúmeras terras novas que se aplicavam a lavoura do café...Assim a regularização da posse interessava a grandes fazendeiros. Isto explica quem promovia a lei e terras...O problema era ao mesmo tempo regularizar o regime das terras e preparar o fim da escravidão, atraindo colonos estrangeiros que trabalhassem livremente e com alguma esperança de se tornar proprietário.

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O primeiro deles foi a Revolução Pernambucana de 1817, marcada

por um cunho republicano. Utilizando as palavras de Carlos Maximiliano

“dificultava-se a entrada de livros subversivos. Entretanto eles vinham, sua

leitura e a exemplo dos Estados Unidos originaram a revolução republicana

de Pernambuco,em 1817. O pretexto para instalar o levante foi a rivalidade

entre oficiais portugueses e brasileiros.”21

O segundo está relacionado com a primeira Constituição Portuguesa

– de 23 de setembro de 1822 – que determinou em seu artigo 6º a

propriedade como um direito sagrado e inviolável do indivíduo, em dispor a

sua vontade, de todos os seus bens, segundo as leis vigentes. O texto,

também, era dirigido ao reino do Brasil, isto porque embora a declaração de

independência tenha ocorrido em solo brasileiro no dia 07 de setembro

daquele ano, somente em 29 de agosto de 1825 que Portugal reconheceu

oficialmente o fato.

Tais documentos possuíam um caráter absolutista, na medida em que

não observavam o interesse social no exercício do domínio.

Neste contexto, temos a Constituição de 1824 que não apresentou

dispositivos sobre a ordem Econômica e Interesses Sociais. Seu artigo 179,

inciso XXII, dispunha:

21 Maximiliano, Carlos. Comentários à constituição brasileira de 1946, VOL.I. Livraria Freitas Bastos. SP. 1954, p. 25e 26

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“ art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis, e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: ... XXII. É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A Lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização.” (grifos nossos).

O direito de propriedade assemelhava-se ao conceito romano de “jus

utendi”, “fruendi” e “abutendi”, não contemplando, em seu regime jurídico

qualquer indício do princípio da função social da propriedade privada.

2.2.2 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891

A constituição republicana, promulgada em 24 de fevereiro de 1891,

contemplou antiga reivindicação nacional quando albergou o presidencialismo

e o federalismo. Em seu texto, nítida é a influência do pensamento americano22

de concepção liberal, no campo político, econômico e social.

Com relação à propriedade o artigo 72,§ 17, dispunha:

“ artigo 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e á propriedade nos termos seguintes: ... § 17. O direito de propriedade mantêm-se em toda plenitude, salvo a desapropriação por necessidade ou

22 a influencia americana fica evidente quando verificamos a Constituição Norte-Americana de 1787- com seus dez aditamentos- onde ficou expressamente registrado que a propriedade privada foi um dos temas basilares na organização da nova sociedade.

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utilidade pública, mediante indenização prévia” (grifos nossos).

De se ver, o direito de propriedade foi mantido de forma absoluta23,

seguindo os princípios adotados pela Constituição anterior e aprofundou o

caráter individual da propriedade, no momento em que criou um maior

distanciamento do Estado na relação do domínio, estabelecendo que a

desapropriação não estaria estribada a exigência do bem público, mas em

razão da necessidade ou utilidade pública24 .

2.2.3 Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1934

A constituição de 1934 abarcou interesses e relações da família,

educação, saúde, paz internacional e outros interesses sociais. Essa carta

política foi inspirada na Constituição de Weimar - 1919 e na Espanhola - 1931,

instituindo a democracia social.

A história altera a concepção do “jus utendi”, “fruendi et abutendi”, onde

o limite para dispor do que lhe pertencia, era a vontade do proprietário e traz

consigo uma concepção mais humana e menos egoísta com relação à

23 O ato de proclamação do governo Provisório – 15 de novembro de 1889 – assinado por Deodoro da Fonseca, Aristides Lobo, Ruy Barbosa, Benjamin Constant, Eduardo Wandenkolk e Quintino Bocaiúva, assim foi disposto : “ No uso das atribuições e faculdades extraordinárias de que se acha investido para a defesa da integridade da pátria e da ordem pública, o governo provisório por todos os meios ao seu alcance promete e garante a todos os habitantes do Brasil, nacionais e estrangeiros, a segurança da vida e da propriedade , o respeito aos direitos individuais e políticos, salvas, quanto a estes, as limitações pelo bem da pátria e pela legítima defesa do governo proclamado pelo povo, pelo exército e pelas armas nacionais” 24A respeito do tema assevera Paulino Jacques: “ a República reproduziu o preceito, tendo, contudo, substituído a expressão bem público por necessidade pública ou utilidade pública (Constituição Federal de 1891, art. 72§ 17), com o que restringiu o poder expropriante do Estado, porque o conceito de bem público é bem mais amplo do o que necessidade ou utilidade pública” in curso de direito constitucional, 5ª edição-1967, Rio de Janeiro: Editora Forense, p. 223.

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apropriação dos bens da vida no domínio material. Assim, floresce a idéia de

que a propriedade há de ser útil a aquele que a adquiriu e útil à comunidade

em que se encontra seu titular.

O Ilustre Ministro Seabra Fagundes prelecionava:

“Essa utilidade diz com todos, ultrapassando o plano egoístico do poder total reconhecido remotamente ao dono, exprime-se no condicionamento ao bem comum, do que ele pode fazer, do que pode não fazer e do que deve fazer”25

O projeto da constituição elaborado pelo Governo Provisório e enviado à

Assembléia Constituinte –1933- demonstra que o princípio da função social

surge de acordo com a vontade do movimento social e dentro de um contexto

revolucionário.26 O texto final não seguiu na integra a proposta inicial , contudo

substituiu a concepção individualista da propriedade por uma concepção social

de seu exercício.

Nesse passo, o direito de propriedade é assujeitado ao interesse social.

O artigo 113, inciso XVII, prescrevia;

Artigo 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes a liberdade, a subsistência, a segurança individual e a propriedade, nos seguintes termos: ...

25 Fagundes, Miguel Seabra. Da ordem econômica na nova constituição. In estudos sobre a constituição de 1967.1967, FGV., p.159 26 O direito de propriedade no projeto figurou no Título VIII que trata da Declaração de Direitos (art. 102) e no Título da Ordem Econômica e Social ( artigo 114,§ 1º) com a seguinte redação “ a propriedade tem,antes de tudo, uma função social e não poderá ser exercida contra interesse social”

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17.É garantido o direito de propriedade que não poderá ser exercido contra interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito de indenização ulterior”

A propriedade, na Constituição de 193427, encontrava-se garantida,

na medida em que não ferisse o interesse coletivo. Com efeito, a concepção

romana, portanto individualista da propriedade, é afastada de sorte a

alcançar uma concepção social.

Constata-se que não havia lugar para o descaso do proprietário no

que concerne a observância do interesse social na relação de domínio. Tal

condicionante seria estabelecido pela lei ordinária, a quem competiria

conceder eficácia à norma constitucional.

Foi estabelecida, também, pela Constituição a possibilidade de uso da

propriedade particular em caso de guerra ou comoção intestina, a critério de

exigência do bem público, ressalvado o direito a indenização.

27 os documentos que inspiraram a Constituição de 1934 foram a Constituição Mexicana (1917- artigo 27) e a Constituição Alemã(1919- artigo 153), exemplos positivistas ao constitucionalismo, ao lado da doutrina de Leon Duguit – que considerou a propriedade como uma função social “Hoy, la propriedade deja de ser derecho subjetivo del indicuduo, y tiende a convertirse em la función social del detentador de capitales mobiliários e imobiliários. La propriedad implica,para todo detentador de uma riqueza, la obrigacion de emplearla em acrescer la riqueza social.y. merced a ella, la interdependência social. Sólo él puede cumplir cierto menester social. Solo él puede aumentar la riqueza la riqueza general, haciendo veler la que él detenta. Se halla, pues socialmente obligado a cumplir menester, a realizar la terefa que lê icumbe em relación a los biens que detenta y no puerde ser socialmete protegido si non la cumple, y solo em la medida em que la cumple” Manuel de Derecho Constitucional, 1926, p.276

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2.2.4. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937

A constituição de 10 de novembro de 1937 foi outorgada tendo como

paradigma as constituições ditatoriais.

No que concerne ao direito de propriedade a constituição de 1937 foi

tímida na explicitação do instituto, não demonstrando com a mesma clareza

que sua antecessora (1934). Porém, manteve a mesma estrutura. Assim, o

direito de propriedade foi afirmado, tão-somente, no Capítulo Direitos e

Garantias Individuais.

Na verdade, o novo texto em nada inovou. Substancialmente, em

ambas as Constituições, o que se reconheceu foi uma limitação fiscalizatória

por força do interesse público, ficando tal providência a cargo da lei

ordinária, como condição de eficácia normativa.

O artigo 122, inciso 14, assim estabelecia:

“Artigo 122. A constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: ... 14. O direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão definidos nas leis que lhe regularem o exercício”.

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O texto legal não deixa margens a dúvidas: a desapropriação em

caso de necessidade ou utilidade pública era permitida. Todavia, a

Constituição era silente com relação ao exercício do direito de propriedade

em consonância com o interesse social ou coletivo.

2.2.5 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946

A Constituição promulgada em setembro de 1946 era republicana,

federativa e democrática e fruto de uma Assembléia Nacional Constituinte.

No novo panorama democrático, o presidente era escolhido de forma

direta, com período determinado. O legislativo retoma a forma bicameral e o

judiciário tem suas competências alargadas (garantia constitucional do

mandado de segurança e julgador da constitucionalidade das leis). Os

direitos individuais são resgatados – artigo 141§4º.

Nesse passo, sem medo de errar, podemos afirmar que o caminho da

democracia foi retomado28, bem como o estado democrático de direto

encontrava-se respeitado.

28 Celso Ribeiro Bastos a respeito do período averba: “ Tecnicamente é muito correta e do ponto de vista ideológico traçava nitidamente uma linha de pensamento libertário no campo político sem descurar da abertura para o campo social que foi recuperada da Constituição de 1937.Com isto o Brasil procurava definir seu futuro em termos condizentes com os regimes democráticos vigentes no Ocidente, da mesma forma que dava continuidade à linha de evolução democrática iniciada durante a Primeira República” in Curso de direito constitucional, São Paulo:Editora Saraiva, 21ª edição, p. 277.

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Não obstante a Constituição de 1946 não tivesse apresentado

novidades ao garantir o direito de propriedade lado a lado com outros direitos

fundamentais, sem dúvida marca novo período de sua evolução no âmbito

constitucional brasileiro, na medida em que ela fez figurar aquele direito sob o

regime da função social, de forma mais clara e definida.

O artigo 141, § 16, assim foi estatuído:

“artigo 141. A constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida,à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: ... §16. É assegurado o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurando o direito a indenização ulterior.

Dentre os dispositivos constitucionais acrescentou-se mais um caso de

desapropriação: por interesse social. O artigo 147 assim dizia:

“artigo 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem – estar social. A lei poderá , com observância do disposto no artigo 141,§ 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”

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Há uma conciliação das prerrogativas individuais com as exigências

sociais, visando uma justiça distributiva. Nesse passo, os dispositivos

constitucionais citados concederam um traço social à propriedade.

Na vigência dessa Constituição, o campo foi fértil e emergiu o estatuto

da terra – Lei nº 4504, de 30 de novembro de 1964-, com contornos específicos

a respeito da função social da propriedade rural. Coube a lei ordinária a missão

de definir as circunstâncias em que a exploração (propriedade rural) poderia

contrariar o disposto na norma constitucional.

2.2.6 Constituição do Brasil de 1967

O Presidente João Goulart, por meio de um golpe militar, foi deposto em

31/03/1964. A constituição de 1946 foi mantida pelo ato institucional de

09/04/1964, de lavra da Junta Militar, sofrendo tantas emendas que foi aos

poucos desnaturada.

O ato institucional nº 04 convocou o Congresso Nacional,

extraordinariamente, para votar e promulgar o texto da constituição

apresentada pelo Presidente da República. A Constituição entrou em vigor

em 15 de março de 1967, não obstante ter sido promulgada em janeiro

daquele ano.

Portanto, nos permitimos concluir que a constituição foi outorgada, na

medida em que o congresso não possuía a legitimidade para representar a

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vontade nacional, tendo em vista que diversos congressistas da oposição

tiveram seus mandatos cassados, bem como não foram eleitos com esta

finalidade.

Celso Ribeiro Bastos, com precisão registra:

“A constituição de 1967 foi uma tentativa de agasalhar princípios de uma constituição democrática,conferindo um rol de direitos individuais,liberdade de iniciativa, mas onde a todo instante se sente a mão do Estado autoritário que a editou”29

No que concerne a propriedade, essa constituição a garantiu nos

exatos termos da Carta de 1946, mantendo dois interesses básicos: o

interesse individual e o interesse social, bem como elevou a função social da

propriedade a condição de princípio.

Assim, prescreviam os artigos 150 e 157:

“Artigo 150. A constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e a propriedade, nos seguintes termos: ... § 22. È garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no artigo 157,VI, § 1º. Em caso de perigo público iminente,

29 Bastos, Celso Ribeiro. Curso de direito Constitucional, São Paulo: Editora Saraiva, 21ª edição, p. 135.

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as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior. ... Artigo 157. A Ordem Econômica tem por fim realizar a justiça social. Com base nos seguintes princípios; ... III- função social da propriedade. ...

§ 1º - Para os fins previstos neste artigo, a União poderá promover a desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento de prévia e justa indenização em títulos especiais da divida pública, com cláusula de exata correção monetária, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação, a qualquer tempo, como meio de pagamento de até cinqüenta por cento do imposto territorial rural e como pagamento do preço de terras públicas. ...

§ 3º - A desapropriação de que trata o § 1º é da competência exclusiva da União e limitar-se-á às áreas incluídas nas zonas prioritárias, fixadas em decreto do Poder Executivo, só recaindo sobre propriedades rurais cuja forma de exploração contrarie o disposto neste artigo, conforme for definido em lei.

§ 4º - A indenização em títulos somente se fará quando se tratar de latifúndio, como tal conceituado em lei, excetuadas as benfeitorias necessárias e úteis, que serão sempre pagas em dinheiro.

§ 5º - Os planos que envolvem desapropriação para fins de reforma agrária serão aprovados por decreto do Poder Executivo, e sua execução será da competência de órgãos colegiados, constituídos por brasileiros, de notável saber e Idoneidade, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal.

A Constituição de 1967, no momento em que vinculou a propriedade

privada ao princípio da função social demonstrou o comprometimento dela

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com o interesse social de ordem econômica. A propriedade passou a ser

regida por um princípio basilar que conjuntamente com outros comporiam a

ordem econômica e espraiou juridicidade para todo o sistema.

Com relação ao princípio da função social José Afonso da Silva

reconhece que ele possua eficácia plena e averbou:

“ interfere com a estrutura e o conceito de propriedade, valendo como regra que fundamenta um novo regime jurídico desta, transformando-a numa instituição de direito público, especialmente, ainda que nem a doutrina nem a jurisprudência tenham percebido seu alcance, nem lhe dado aplicabilidade adequada, como se nada tivesse mudado”30

A Constituição de 1967 não tratou da propriedade urbana, mas tão-

somente da rural. Tal fato levou ao entendimento, equivocado, diga-se de

passagem, de que somente a propriedade rural estaria vocacionada a uma

função social. De toda sorte, a função social interferiu no conceito do direito de

propriedade, embora pelo ranço individualista o princípio não recebeu a

atenção devida.

2.2.7 Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1969.

O panorama institucional do País era delicado. O cerceamento das

liberdades, as práticas de torturas, prisões ilegais, exílios e mortes em

30 Silva, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 134

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conseqüência de perseguição política emolduravam o autoritarismo instituído

pelo governo posto.

Em 1969, o Presidente Costa e Silva faleceu e a Junta Militar

promulgou a emenda nº 1 à Constituição de 1967, assumindo o poder. A

intenção do regime militar foi incluir o conteúdo dos atos institucionais na

própria Lei Fundamental, na busca por uma pretensa legalidade.

A edição da emenda, hodiernamente, provoca uma disceptação

doutrinária, onde, no dizer de Celso Ribeiro Bastos, “Para uns, como visto,

esta emenda é uma nova constituição, para outros não passa de mera

emenda”.31

Há que se ressaltar que o STF, reunido em sessão plenária,

reconheceu, expressamente, que a Constituição do Brasil, de 1967, estava

revogada - RTJ 98:952-63.

A emenda nº 1, de 17 de outubro de 1969, denominou a carta magna

como Constituição da República Federativa do Brasil. No que diz respeito à

propriedade, não ocorreu qualquer alteração. No capítulo Ordem Econômica

e Social acrescentou-se os termos desenvolvimento nacional e justiça social,

permanecendo o texto anterior sem grandes alterações. A alteração

31 Bastos, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, São Paulo Editora Saraiva, 21ª edição, p. 139

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existente foi a que facultou ao expropriado aceitar o pagamento em título da

dívida pública em caso de desapropriação da propriedade em geral, não

sendo imóvel rural (artigo 153,§ 2º). No regime anterior o referido pagamento

seria somente em dinheiro (artigo 150, § 22). Quanto a desapropriação de

propriedade rural o pagamento passa a ocorrer com justa indenização, de

acordo com critério estabelecido em lei ordinária não observando, como

antes, que tal pagamento seria prévio. Em ambos os casos, se instituiu a

indenização do imóvel rural em títulos especiais da dívida pública,

especialmente em se tratando de latifúndio como delineado em lei ordinária.

O direito de propriedade ficou comprometido com a justiça social e

com o desenvolvimento nacional. Assim ocorreu um discreto freio ao seu

caráter individual, mas sua estrutura foi conservada.

2.2.8 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

O regime político instaurado em 1964 pouco a pouco foi se

esgotando, havendo nítido propósito do retorno ao regime democrático. Sem

sombra de dúvida a Constituição de 1988 foi resultado de imensa

mobilização nacional.

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A propriedade foi elevada à categoria de direito fundamental (artigo

5º, XXII) ao lado da vida, liberdade, igualdade. Manoel Gonçalves Ferreira

Filho, ensina:

“ ao assegurar a propriedade como direito fundamental...o texto de 88 estabeleceu uma garantia, entendida não como remédio ou meio de defesa dos direitos, mas como barreira à ação dos Poderes Políticos, inclusive o legislativo, a fim de manter íntegro o direito reconhecido”32

A lição em comento é cristalina: o direito de propriedade continuou tal

como era no regime constitucional anterior, assegurado e garantido como

individual.

O gizamento constitucional da propriedade vem estampado no artigo

5º, incisos XXII (garantia), XXIII (atendimento a função social), XXIV (prévia

e justa indenização em caso de desapropriação por necessidade ou utilidade

ou por interesse social).

No Título VII “Da Ordem Econômica e Financeira” o texto maior

disciplina os princípios da atividade econômica e dentre eles traz a

propriedade (170,II) e a função social (170,III).

32 Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Comentários á constituição brasileira, São Paulo: Saraiva, 1975, volume III.p.78/79

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Nesse plexo legal o conceito de propriedade continuou com

tratamento constitucional do regime anterior, garantido como individual, mas

a ele foi jungido, explicitamente, a obrigatoriedade do atendimento da função

social. “As maiores e mais significativas inovações nos parecem residir na

definição do conteúdo da função social da propriedade – com relação a propriedade

urbana e também à rural – e na instituição da desapropriação sanção”33.

Considerando que o tema de nosso trabalho está circunscrito a

função social da propriedade urbana, necessário se faz registramos, a breve

trecho, algumas considerações a respeito do direito urbanístico na

constituição de 1988.

33 Rabahie, Marina Mariani de Macedo. Função social da propriedade urbana, temas de direito urbanístico – 2, coordenadores Adilson de Abreu Dallari e Lucia Valle Figueiredo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p.251

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3. O DIREITO URBANÍSTICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1988.

3.1 Conceito de direito urbanístico

A revolução industrial alterou significativamente o modo de vida da

sociedade, na medida em que os campos foram abandonados e

“transformando os centros urbanos em grandes aglomerados de fábricas e

escritórios permeados de habitações espremidas e precárias”34. Assim,

quando a população urbana cresce mais do que a rural temos o denominado

fenômeno da urbanização, conceito moderno e que hodiernamente revelou-

se um problema. Com o fenômeno da urbanização foi necessário pensar na

ordenação dos espaços habitáveis, surgindo, assim, o urbanismo.

Hely Lopes Meirelles definiu urbanismo como:

“...conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade. Entendem-se por espaços habitáveis todas as áreas em que o homem exerce coletivamente qualquer das quatro funções sociais: habitação, trabalho, circulação e recreação”35

34 Wilhem, Jorge. Urbanismo e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Saga, 1969, p.24 35 Meirelles. Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, São Paulo: Malheiros Editores, 13ª edição, atualizada por Célia Marisa Prendes e Márcio Schneider Reis, 2003, p. 491

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Da realidade advinda da urbanização chegamos ao urbanismo e

como conseqüência criou-se o direito urbanístico que nas palavras de José

Afonso da Silva “consiste no conjunto de normas jurídicas reguladores da

atividade do Poder Público destinada a ordenar os espaços habitáveis – o que

equivale a dizer : conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade

urbanística.” 36

As normas urbanísticas no Brasil evoluíram de acordo com a

complexidade das cidades, nos primórdios foram baseadas nos costumes e

mais tarde transformaram-se em regras.

3.2. Evolução da legislação urbanística no Brasil

No período colonial as Ordenações Filipinas fixavam princípios

básicos e genéricos sobre a ordenação das povoações, cuja preocupação

estava assentada na extração das riquezas naturais e garantia da

dominação da coroa portuguesa. No que diz respeito as construções o

objeto de atenção era pela estética das cidades37, neste período haviam

algumas manifestações jurídicas relacionadas com o domínio e espaços

públicos e privados. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello ensinou que “ desde

o tempo do Brasil Colônia...se haviam distinguido das terras de sesmaria,

36 Da Silva, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro, São Paulo Malheiros Editores, 3ª edição revista e atualizada, 2000. p. 36. 37 Toshio Mukai em sua obra Direito e legislação urbanísitca no Brasil, São Paulo:Saraiva, 1988, cita o historiador E.Taunay e registra que na era colonial varias providências foram tomadas, pois a edilidade mostrava-se zelosa em trazer a vila “bem arrumada”.p. 15/16.

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em conseqüência, das terras devolvidas, os terrenos reservados às margens

dos rios público”38 , havia domínio público distinto do privado.

A Constituição do Império nada dispôs a respeito do assunto,

declarou, apenas, a existência de Câmaras em cada cidade e vila , cuja

competência era deliberar sobre meios de manter a tranqüilidade,

segurança, saúde e comodidade dos habitantes, asseio, segurança,

elegância e regularidade externa dos edifício e ruas. As primeiras normas

urbanísticas foram delineadas com as leis de desapropriação39.

No período republicano a Constituição estabeleceu a desapropriação

por utilidade pública (artigo 72,§ 17) o que nada trouxe de interesse para o

direito urbanístico , apenas serviu de fundamento para algumas leis.40

O Brasil cresceu e ampliou seus espaços urbanos ao sabor do acaso

e da necessidade de escoamento da produção,41 não ocorreu preocupação

38 Bandeira de Mello, Oswaldo Aranha. Servidão pública sobre terrenos reservados, RDA, 6;39 39 Lei de 9 de setembro de 1826 – autorizava a desapropriação por utilidade pública para a execução de obras de comodidade geral e decoração pública. Lei 57, de 16.03.1836 – regulava a desapropriação por utilidade municipal ou provincial para abertura ou melhoramentos de estradas, canais, portos etc, 12 de julho de 1845 – nova lei de desapropriação por utilidade pública geral ou do município da corte; Lei 816, de 10.07.1855, e seu regulamento Decreto 1644, de 27.10.1855 – regulava as desapropriações para construção de estrada de ferro, porque subordinava a desapropriação ao plano de obras. 40 Decreto 602, 24/07/1890 – regulamentava a desapropriação por utilidade pública municipal na capital federal. Lei 1.021, 26.08.1903, autorizava o Governo Federal a expedir regulamento e a consolidar as disposições vigentes sobre desapropriações. 41 Ana Maria Brasileiro averbou : “as cidades localizaram-se principalmente na costa , onde os portos, elo de ligação entre a então colônia e a sua metrópole, exerceram papel fundamental numa economia voltada para fora. Grande parte da população esteve, durante os primeiros séculos, dispersa em fazendas ou pequenos povoados, entendimento às necessidades de um sistema basicamente agrário-exportador. Alguns destes centros surgiram em função dos ciclos econômicos” Política Urbana – Quem decide? In Direito do urbanismo – uma visão sócio – jurídica, organizado por Álvaro Pessoa , Instituto Brasileiro de Direito Municipal - IBAM , 1981

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ou cuidado com objetivos e metas que tivessem o condão de organizar esse

espaço em nível nacional, regional ou local.

Nessa senda, no século XIX, a preocupação com as cidades foi

mantida e direcionada para a estética e no início do século XX nas cidades

de São Paulo e Rio de Janeiro, ocorrem muitas intervenções

consubstanciadas em construções de pontes, construções de avenidas e

etc.

Foi no início da década de 30, com a inserção do país no contexto

internacional, que se originou os denominados pólos industriais. Tais

localidades atraíram uma grande concentração de pessoas, com o sonho de

uma melhor qualidade de vida, não havendo, contudo, infra-estrutura e muito

menos trabalho para o contingente humano que migrava. Esses fatos

acirraram as desigualdades sociais, na medida em que quanto maior era

demanda de mão de obra, menores eram os salários e consequentemente a

miséria aumentou.

Esse período foi o embrião para a análise da cidade de maneira

global. Registre-se, aqui, que os males causados pelo desenvolvimento

industrial fizeram surgir a necessidade de olhar o urbanismo não mais como

uma arte de embelezar a cidade, mas como meio de ordenar os espaços

habitáveis

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Na década de 40, período da segunda guerra, a ação estatal foi

acentuada e o período repleto de propostas para coordenação e

planejamento da economia, o que não teve resultados concretos. O plano de

metas de 1956 pode ser considerado a primeira experiência de

planejamento.

A questão urbana e a necessidade de planejamento das cidades

passaram a ser alvo de preocupações mais específicas pelo governo na

década de 1960, conseqüência do rumo tomado pela economia naquele

período. Oportuno lembrar na construção de nova Capital – Brasília – o

Governo Federal chamou arquitetos e urbanistas para erguer a “nova

cidade”, o que permitiu o início do debate amplo a respeito do planejamento.

As discussões à época eram em torno do poder dos planos urbanísticos em

eliminar os conflitos sociais. 42

O movimento de 1964 acarretou modificações profundas no sistema

político pátrio e instalou-se um governo centralizador. As relações

intergovernamentais foram redefinidas e se institucionalizou uma política

urbana para o país.

42 “...Passado alguns anos, Brasília e seu entorno(cidades satélites) viessem a exibir, dentro de sua especificidade, o padrão urbano característico do modelo centro-periferia. Em cidade alguma apresenta-se com tal nitidez um esquema de segregação espacial” Política Urbana – Quem decide? In Direito do urbanismo – uma visão sócio – jurídica, organizado por Álvaro Pessoa, Instituto Brasileiro de Direito Municipal - IBAM, 1981.

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Naquele período o Governo Federal trouxe para si o planejamento

das cidades e criou o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo –

SERFHAU43- e o Banco Nacional de Habitação – BNH44, ambos criados por

meio da Lei 4380, de 21 de agosto de 1964. Pertinente registrar que o ponto

positivo da existência do SERFHAU foi o fato de que a idéia de

planejamento foi amplamente difundida.

Com a extinção SERFHAU em 1974 e como conseqüência da

chamada política urbana, foi criado o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Urbano, conselho interministerial, comandado pelo

Ministério do Interior, cujo objetivo e atenção eram voltadas para as regiões

metropolitanas, localizadas em cidades de porte médio e capitais.

A atuação do Conselho foi dirigida especificamente para algumas

localidades, e várias cidades, com expressão na política nacional, ficaram

fora do desenho estabelecido pelo Ministério do Interior, situação que gerou

insatisfação e desencadeou um desinteresse pelo assunto planejamento.

Assim, ao longo das décadas 70 e 80, poucos municípios tiveram a iniciativa

de elaborar planos ou aceitar gestões planejadas. 43 O SERFHAU tinha a competência de promover, difundir e uniformizar a prática de elaboração dos planos diretores e foi extinto em 1974. Sua atuação não obteve sucesso primeiro porque a política de atuação era centralizadora e a concepção dos planos para os diferentes municípios do pais, não consideravas a vocação e características de cada município, em segundo , porque as municipalidade sofriam um esvaziamento de sua autonomia e enfrentavam uma longa distância entre suas possibilidades financeiras e as necessidades que cresciam com a infra-estrutura urbana. 44 O BNH tinha por finalidade ativar o financiamento para habitações para a população de baixa renda, sua importância, até sua extinção em 1986, foi ligada ao fato dela ter se tornado a agência governamental mais importante no financiamento. Aos poucos passou a ser visto como banco de desenvolvimento urbano, tendo em vista que na sua área de atuação forma incluídos o financiamento de infra-estrutura (água, esgoto e infra-estrutura viária). Os Estados e Municípios saiam em busca de recursos disponíveis e arcavam com um dinheiro caro, onerado por juros e correção monetária. Assim, de certa foram o banco contribuiu para o empobrecimento daqueles entes, via endividamento

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A respeito das cidades que foram objeto dos pólos de

desenvolvimento (regiões metropolitanas), Marcio Cammarosano descreve a

situação da época:

“ As cidades principalmente aquelas localizadas nesses pólos de desenvolvimento, tornaram-se destino obrigatório da população rural que buscava melhores condições de vida. Com o crescente e rápido aumento da população urbana e com o estímulo governamental para a aquisição da casa própria, as cidades foram demandadas a atender às necessidades de habitação, serviços públicos e equipamentos urbanos que incrementavam a construção civil”.45

O fato é que o desenvolvimento industrial, repetimos, causou males

reais e urgia a necessidade de medidas concretas. Contudo, em nosso

direito urbanístico prevaleceu, por longo período, a falta de sistematização

de normas e diretrizes gerais. Hely Lopes Meirelles, em 1965, já se insurgia

contra a falta de normas federais a respeito do tema.

Nesse passo, a questão urbana não podia mais ser ignorada, a

situação da ocupação das cidades era real e exigia medidas concretas.

Dessa realidade emergiu o Projeto de Lei 775/1983, enviado ao Congresso

Nacional, que materializava a discussão das questões urbanas que

possibilitassem ação concreta. Não obstante a situação fática e os reclamos

45 Cammarosano,Márcio. Estatuto da cidade – comentários a Lei Federal 10.257/2001- coordenadores Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz, São Paulo : Malheiros Editores, 2002, p.28

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populares, sob o ponto de vista legislativo, com a nova república o assunto

foi esquecido.

Ainda que patente a ausência de normas, mas diante da situação

fática de caos, estudiosos de várias áreas do conhecimento produziram

reflexões a respeito do tema. A título de exemplo temos, dentre muitos

outros, a produção dos textos: Solo Urbano e ação Pastoral, produzido pela

20ª Conferência dos Bispos do Brasil – CNBB- e publicado pela Edições

Paulinas em 1982-; Os Problema Urbanos no Brasil e Interesses Sociais em

Jogo, elaborado pelo professor de Planejamento Urbano da FAU-USP,

Cândido Malta Campos Filho.

No campo legal, existiam as normas a respeito do direito de construir,

parcelamento do solo e outras que limitavam a propriedade, mas era fato a

necessidade de se tratar do tema de maneira incisiva e sistematizada.

Assim, a realidade e as conseqüências da expansão urbana

desordenada e desumana aliada ao clamor da sociedade, de estudiosos e

juristas, refletiram na Constituição de 1988.

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3.3 A Constituição Federal de 1988 e a Política Urbana

Fato inédito na história de nossas constituições foi a inserção no título

da Ordem Econômica e Financeira de um capítulo dedicado à Política

Urbana.

O artigo 182 da Constituição determina que a política urbana tem a

finalidade de ordenar o pleno desenvolvimento das cidades e garantir o bem

estar de seus habitantes, que será executada pelo município e que suas

diretrizes gerais serão estabelecidas por lei federal, cuja competência é da

União, artigo 21, XX da Carta Magna.

Interessante notar que o dispositivo constitucional, no que se refere a

função social da propriedade urbana, fixou seu conteúdo (182, §2º), exigiu

seu cumprimento (182, §4º) e sancionou seu descumprimento ( incisos I a

III, do § 4º, artigo 182).

Assim, o plano diretor é instrumento básico da política de

desenvolvimento urbano e obrigatório para as cidades com mais de vinte mil

habitantes. E o não atendimento do adequado aproveitamento do solo

urbano acarretará o parcelamento compulsório, a instituição do IPTU

progressivo no tempo e desapropriação com pagamento em títulos da dívida

pública.

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A Política Urbana recebeu tratamento constitucional e a Lei Federal

10257/2001 - estatuto da cidade - estabeleceu suas diretrizes gerais. Assim,

a Constituição de 1988 avançou no tratamento concedido ao direito de

propriedade e sua função social, sendo um marco para o início do caminhar

do instituto jurídico da propriedade urbana que vai amadurecendo aos

poucos em nosso sistema normativo.

Feitas essas rápidas considerações a respeito da evolução das

normas urbanísticas em nosso país e a introdução, inovadora, da política

urbana na Constituição, passemos a discorrer a respeito do tema direito de

propriedade e função social, para em seguida analisarmos a função social

da propriedade urbana e sua conformação no plano diretor.

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4. CONCEITO DE DIREITO DE PROPRIEDADE

4.1. O direito de Propriedade

A propriedade, seu conceito e suas características caminharam com a

história da sociedade. Hodiernamente não se pode confundir, utilizando as

palavras de Renato Alessi, propriedade (ou liberdade) com direito de

propriedade (ou direito de liberdade). Necessário trazer à colação a precisa

lição de Celso Antônio Bandeira de Melo:

“Direito de propriedade é a expressão juridicamente reconhecida à propriedade. É o perfil jurídico da propriedade. É a propriedade, tal como configurada em dada ordenação normativa. É, em suma, a dimensão ou o âmbito de expressão legítima da propriedade: aquilo que o direito considera como tal. Donde, as limitações ou sujeições de poderes do proprietário impostas por um sistema normativo não se constituem em limitações de direitos pois não comprimem nem deprimem o direito de propriedade, mas, pelo contrário, consistem na própria definição deste direitos, compõem seu delineamento e, deste modo, lhe desenham os contornos. Na Constituição – e nas leis que lhe estejam conformadas – reside o traçado da compostura daquilo que chamamos direitos de propriedade em tal ou qual país, na época tal ou qual”46.

O direito de propriedade é institucionalizado como um direito no

momento em que exista a organização da sociedade com a constituição do

46 Bandeira de Mello, Celso Antonio. in Novos Aspectos da Função social da Propriedade no Direito Público, Doutrina – RDP-84, p. 39.

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Estado.47Em outras palavras direito de propriedade terá o perfil delineado pelo

sistema jurídico de cada país.48

Modernamente, foram reconhecidos deveres fundamentais ligados a

propriedade e foi a Constituição alemã de Weimar de 1919, que registrou,

pioneiramente, tal conceito. Seu artigo 153 - última alínea estabeleceu:

“ a propriedade é garantida pela constituição. Seu conteúdo e seus limites resultam das disposições legais. ... A propriedade obriga. Seu uso deve, ademais, servir ao bem comum”

No nosso sentir, reconheceu-se constitucionalmente a propriedade como

um direito humano49 e fundamental50 , haja vista a sua função de proteção

pessoal que abrange os proprietários e os não proprietários.

47 A instituição jurídica da propriedade é objeto de intensas indagações por diversas formas de correntes doutrinárias. Norberto Bobbio assevera “que essas teorias podem ser dividas em dois grandes grupos: aquelas que afirmam que a propriedade é um direito natural, ou seja, um direito que nasce no estado de natureza, antes e independentemente do surgimento do Estado, e aquelas que negam o direito de propriedade como direito natural e , portanto, sustentam que o direito de propriedade nasce como conseqüência da constituição do Estado civil . Direito e Estado no Pensamento de Emmanuel Kant.editora Universidade de Brasília.1984. trad. de Alfredo Fait. Pagina 103 48 Assim se assentam as teorias positivistas. Nesse grupo temos, dentre outros, Thomas Hobbes que é partidário de uma soberania absoluta “pertence a soberania todo o poder de prescrever regras através das quais todo homem pode saber quais os bens de que pode gozar, e quais as ações que pode praticar, sem ser molestados por qualquer de seus concidadãos é a isto que os homens chamam de propriedade. O leviatã-capítulo XVIII, coleção Os Pensadores - Tradução João Paulo Monteiro-1983. Editora Victor Civita, página 110 e Jean-Jacques Rousseau diz que “ o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil a propriedade de tudo que possui . A fim de não fazer um julgamento errado dessas compensações, impõe-se distinguir entre a liberdade natural, que só conhece limites nas força do indivíduo, e a liberdade civil, que se limita pela vontade geral, e, mais, distinguir a posse, que não é senão o efeito da força ou do direito do ocupante, da propriedade, que só pode fundar-se num título positivo” Do contrato social,Livro Primeiro,capítulo VIII (do Estado Civil).Coleção Os Pensadores- Tradução João Paulo Monteiro-1983. Editora Victor Civita 49 Manoel Gonçalves Ferreira filho averba “ O pacto social, para estabelecer a vida em sociedade de seres humanos naturalmente livres e dotados de direitos, há de se definir os limites que os pactuantes consentem em aceitar para esses direitos. A vida em sociedade exige o sacrifício que é a limitação dos direitos naturais. Não podem ao mesmo tempo todos exercer todos os seus direitos naturais sem que daí

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Nossa Lei Fundamental garantiu o direito de propriedade – artigo 5º,

inciso XXII, cujo conteúdo, no dizer de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, é “

econômico, é direito patrimonial”.

Quanto ao regime jurídico do direito de propriedade há uma tendência

de considerá-lo subordinado ao direito civil. Contudo, seu fundamento está

alicerçado na Constituição Federal.

Com propriedade ensina José Afonso da Silva:

“Significa isso que o Direito Civil não disciplina a propriedade, mas tão – somente regula as relações civis, as disposições do Código Civil que estabelecem as faculdades de usar, gozar e dispor de bem (art. 524), a plenitude da propriedade (art. 525), o caráter exclusivo e ilimitado do domínio (art. 527). ... Vale dizer enfim, que as normas de Direito Privado sobre a propriedade privada hão de ser compreendidas de conformidade com a disciplina que a Constituição lhe impõe”51

Assim, o regime jurídico do direito de propriedade foi espraiado e

adjetivado pelo princípio da função social.

advenha a balbúrdia, o conflito. Desta lição de Sieyès não se costuma apreender um aspecto-....Ou seja: a vida em sociedade presume uma coordenação por parte de cada um de seus direitos naturais. Direitos que ninguém abre mão, exceto na exata e restrita medida imprescindível para a vida em comum. É o que o artigo 4º da Declaração de 1789 exprime...” o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites não podem ser determinados senão pela Lei”. Direitos humanos fundamentais, São Paulo:Editora Saraiva,4ª edição.2000,p.04 e 05. 50 Manoel Gonçalves Ferreira Filho ensina “ É um direito fundamental que não está nem acima nem abaixo dos demais. Deve,como os demais, sujeitar-se á limitações exigidas pelo bem comum. Pode ser perdida em favor do Estado quando o interesse público reclamar...Pode ser recusada quando certos bens cujo uso deve deixado a todos, quando a exploração deles não convém que se faça conforme a vontade de um ou mais cidadão. in Curso de direito constitucional, 27ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, p. 301. 51 Da Silva, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro, 3ª edição, São Paulo:Editora Malheiros, p. 69/70

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Em nossa Lei Maior, a propriedade vinculada à função social é

assegurada como direito individual (art. 5º, incisos XXII e XXIII) e como

instituição da ordem econômica (art. 170, incisos II e III).

De tudo isso, forçoso é concluir que o direito de propriedade é

configurado como direito individual, mas adjetivado pela função social.

Celso Ribeiro Bastos prelecionava:

“ ... o direito de propriedade está, assim, condicionado a dois fatores independentes; o fator aquisitivo da propriedade, segundo o qual será proprietário aquele que a adquirir de forma legítima, conforme a lei, e um fator de caráter contínuo, segundo o qual é preciso que o proprietário use esta propriedade de forma condizente com os fins sociais a que ela se preordena”52

A respeito do tema, Carlos Ari Sundfeld registra:

“ Como se vê, ao acolher o princípio da função social da propriedade, o constituinte pretendeu imprimir-lhe uma certa significação pública,vale dizer, pretendeu trazer ao direito privado algo até então tido por exclusivo do direito público: o condicionamento do poder a uma finalidade. Não se trata de extinguir a ´propriedade privada mas de vincula-la a interesses outros que não os exclusivos do proprietário... Importa notar que, como conseqüência da submissão da propriedade, ou do proprietário, a objetivos sociais –evidentemente obrigatórios – criam-se verdadeiros deveres”53

52 Bastos, Celso Ribeiro. A função social da propriedade, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo , p. 9 53 Sundfeld,Carlos Ari, função social da propriedade, in Temas de direito Urbanístico 1, RT, 1987, p.05

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Em verdade, ao longo do tempo assistimos a uma verdadeira

publicização do direito de propriedade, já visto sob o prisma exclusivo do direito

civil.

Junia Verna Ferreira de Souza registrou:

“O direito de propriedade não mais pode ser examinado e estudado somente no âmbito do Direito Civil, cujas regras dizem respeito, apenas, entre as relações de particulares. O direito de propriedade é matéria de Direito Público, desde que a propriedade há de estar vinculada à sua função social”54.

De hialina clareza a conclusão de que, sob o ponto vista jurídico, a

propriedade desenvolve-se no plano do Direito Público e irradia-se no campo

do Direito Administrativo e do Direito Econômico .

Quanto ao conteúdo atual do direito de propriedade, trazemos o

ensinamento de Gustavo Tepedino:

“ ... não obstante estar em vigor uma série de ‘estatutos de propriedades’, com tutelas diversas segundo a destinação dos bens sobre os quais incidem, não obstante a própria Constituição fixar proteção especial para certas formas de propriedade, existe um conteúdo central, mínimo e essencial que delineia o direito subjetivo proprietário. O senhorio, o aproveitamento econômico do bem apropriado, em qualquer circunstância, deve se direcionar pela função social constitucionalmente fixada. A tutela Constitucional, evidentemente, assim como os deveres impostos ao proprietário para que sejam alcançados os objetivos da

54 Souza, Junia Verna Ferreira de . Solo criado - um caminho para minorar os problemas urbanos, in Temas de Direito Urbanístico 2, Coordenadores Adilson de Abreu Dallari e Lucia Valle Figueiredo São Paulo:Revista dos Tribunais, 1991, p. 146/171

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República, variarão, caso a caso, dependendo da destinação econômica do bem. ...”55.

Em nossa Constituição há múltiplas espécies de propriedades,

sujeitando-as a regimes jurídicos peculiares, a saber: propriedade autoral (art.

5º, XXVII, XXVIII); propriedade de inventos, de marcas, de indústria e nomes

de empresa (art. 5º, XXIX); propriedade-bem de família (art. 5º, XXVI);

propriedade dos bens de produção (art. 171); propriedade dos recursos

minerais (art. 176); propriedade urbana (art. 182); propriedade rural (art. 183 a

191). No dizer de José Afonso da Silva “onde ser cabível não falar em

propriedade, mas em propriedades”56.

Em face das considerações ora expendidas, parece-nos acertado

asseverar que a estrutura do conceito do direito de propriedade passou por

modificações, sendo jungido a ele a função social. Disso decorre que há um

elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição , gozo e

utilização dos bens57

De todo o exposto, não paira dúvidas quanto ao fato de que ocorreu a

publicização do direito de propriedade. A assertiva ganha força quando

verificamos as alterações introduzidas pelo Novo Código Civil, na medida em

que agregou ao conceito do direito de propriedade a função social.

55 Gustavo Tepedino, A nova propriedade (o seu conteúdo entre o Código Civil, a legislação ordinária e a Constituição). Revista Forense, vol. 306, p. 77. 56 Da Silva, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro, São Paulo:Malheiros Editores,3ª edição, p.70 57 Fiorella, D’Angelo, “Ius aedificandi: piani regolatori generali e particolareggiati”. In Santoro-Passarelli, Francesco e outros, Propeità privata e funzione sociale. Pádua, Cedam,1976.

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4.2. O direito de propriedade e alterações introduzidas pelo novo código civil

O novo Código Civil foi marcado com uma notável qualidade, qual seja:

a busca da função social de seus institutos. Saliente-se que o art. 5° da Lei de

Introdução ao Código Civil já apontava tal caminho, determinando aos juízes

que, na aplicação da lei, deveriam observar a sua finalidade social.

Talvez pelo fato da existência de uma concepção equivocada do que

seja função social, muitas vezes vista como um conceito indeterminado que

busca limitar o exercício absoluto e arbitrário de direitos os efeitos da regra não

vinham cumprindo a eficácia desejada. Contudo, com a evolução do Estado

Social apresentou-se como necessário a reavaliação da atuação e intervenção

estatal, como meio de equilibrar e buscar o bem estar coletivo. Nesse contexto

a Constituição estabeleceu o preceito e os interesses passaram a ser

regulamentados por diversos institutos.

Gustavo Tepedino averbou:

"propriedade, portanto, não seria mais aquela atribuição de poder tendencialmente plena, cujos confins são definidos externamente, ou, de qualquer modo, em caráter predominantemente negativo, de tal modo que, até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para suas atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem. A determinação do conteúdo da propriedade, ao contrário, dependerá de centros de interesses extraproprietários, os quais vão ser regulados

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no âmbito da relação jurídica de propriedade. [...] Tal conclusão oferece suporte teórico para a correta compreensão da função social da propriedade, que terá, necessariamente, uma configuração flexível, mais uma vez devendo-se refutar os apriorismos ideológicos e homenagear o dado normativo. A função social modificar-se-á de estatuto para estatuto, sempre em conformidade com os preceitos constitucionais e com a concreta regulamentação dos interesses em jogo" 58

Como já apontado neste trabalho, direito de propriedade terá o perfil

delineado pelo sistema jurídico de cada país. Assim, entre o Código Civil de

1916 e o atual Código, é possível observar profundas mudanças, sendo que o

segundo recebeu o influxo da determinação constitucional e albergou o

princípio da função social da propriedade.

Não pretendemos, aqui, fazer uma análise de todas as modificações

relativas às diversas formas de propriedade (móvel e imóvel) introduzidas no

novo Código, mas alguns apontamentos relativos ao acolhimento do princípio

da função social no âmbito privado.

Assim, o revogado artigo 524 estatuía: A lei assegura ao proprietário o

direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem

quer que injustamente os possua, sem qualquer restrição formal na sua

redação. O dispositivo era amplo e as suas limitações somente apareciam ao

longo dos demais artigos, de maneira esparsa.

58 TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada, Carlos Alberto Menezes (coordenador). Estudos em homenagem ao Professor Caio Tácito. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.321/322.

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O novo Código, textualmente acolheu o princípio da função social no

§ primeiro do artigo 122859 : O direito de propriedade deve ser exercido em

consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que

sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a

flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio

histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. Note-se

que o legislador preocupou-se em minudear o exercício do direito,

especificando o dever de exercê-lo e incluiu, conjuntamente às finalidades

sociais, a preservação do meio ambiente em seu sentido mais abrangente,

como meio de garantir a qualidade de vida e bem estar da coletividade.

A grande novidade é que o exercício do jus proprietatis não é absoluto e

egoísta, ou seja, o detentor do domínio não está livre para a utilização de seu

bem do modo que lhe aprouver. O direito de propriedade é garantido e

respeitado, mas seu exercício é condicionado pelo princípio da função social.

Não é nossa intenção aqui, discorrer e comentar um a um dos

parágrafos do artigo mencionado, mas citar algumas alterações trazidas que

modificaram a feição da utilização da propriedade, com ênfase ao

59 Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. § 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. Grifos nossos

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cumprimento do princípio da função social. Nessa linha, importante verificar

a atenção dispensada pelo legislador ao instituto da posse, materializada na

denominada desapropriação pro labore60 prevista no artigo 1228,§ 4º,do

Novo Código Civil.

Com efeito, cumprido os requisitos legais de : 1. ser extensa área; na

posse boa-fé e ininterrupta ; por mais de cinco anos. 2. de considerável

número de pessoas.3. e na área houver realizado obras e serviços

considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.4. o

proprietário poderá perder a propriedade, mediante justa indenização.

Nesse contexto, cumpridos os requisitos estabelecidos em lei, o

proprietário poderá perder a propriedade, em ação reivindicatória61 proposta,

mediante a justa indenização fixada pelo juiz, a ser paga pelos ocupantes do

imóvel.

Tal situação ganha relevo nas ocupações em áreas rurais, que pode

funcionar como instrumento de pacificação de conflitos socias em torno da

propriedade62, na medida em que para as áreas urbanas o Estatuto da Cidade

trouxe a usucapião urbana coletiva, instituto muito próximo, não idêntico, da 60 Registre-se aqui que há controvérsia na doutrina com relação a denominação do instituo, bem como várias criticas com relação a dificuldade do julgamento dos casos concretos.

61 A respeito do assunto, o Enunciado 84 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal aprovado na jornada de direito civil realizada em setembro de 2002 assim está disposto: “ a defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social(art. 1228,§§4º e 5º, de novo Código Civil) deve ser argüida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização”

62 Rocha, Silvio Luis Pereira da. In tese de livre docência defendida na PUC/SP, no ano de 2004, A função social da propriedade pública, p.102.

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denominada desapropriação pro labore, onde não se exige o pagamento da

indenização63, cujas exigências são: (a) aplicação restrita às áreas urbanas

com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados; (b) só se aplica a

possuidores de baixa renda; (c) está condicionada à utilização da área para fins

de moradia dos possuidores; (d) prescinde da posse de boa-fé; (e) exige a

impossibilidade de se identificar os terrenos ocupados por cada possuidor; e (f)

não beneficia possuidores que sejam proprietários de outro imóvel urbano ou

rural.

A última faceta a ser analisada deste novo instituo, diz respeito ao

bem público, ou seja, poderia tal bem ser objeto desta desapropriação pro

labore? A respeito do tema, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da

Justiça Federal rejeitou a possibilidade por meio do enunciado nº 84, que

estabelece: “Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não

são aplicáveis as disposições constantes dos §§ 4º e 5º do artigo 1228 do

novo Código Civil.”

Ainda sob a ótica da função social cunhada ao direito privado, temos

o instituto da usucapião.

A usucapião legitima a posse (uso e gozo) do bem, consubstanciada

em um ato unilateral de vontade daquele que em benefício próprio e sem

condições de adquirir a propriedade, age como se proprietário fosse, na

63 Acreditamos que pelo fato de não se exigir a indenização, a usucapião urbana coletiva, trazida pelo Estatuto da Cidade, será mais utilizada do que a desapropriação pro labore do §4 , do artigo 1228 do CC.

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manutenção e exploração do bem. Nesse sentido, J. de F. Tavares, comentado

por Norma Lacerda e Lúcia Leitão, assim expõe:

“(...) uma aquisição originária uma vez que dá origem a uma propriedade ativa onde havia um vácuo jurídico decorrente da inércia de um domínio, portanto, propriedade sem função social, que a Constituição Federal exige como requisito para a sua garantia. A nova propriedade, com desempenho da função social constitucional, a Lei Civil considera primitiva do possuidor, que lhe dá a vida do uso e gozo. Como se jamais tivesse pertencido a outrem. Equiparando-se à res nullios, que passa a ser conferida àquele que utiliza de fato. É a dinâmica do direito social da propriedade particular.”64

O instituto da usucapião goza de longa tradição no Direito Pátrio.

Sua aplicação já era prevista, com fundamento no princípio da função social da

propriedade, desde o Código Civil de 1916, que o estabelecia em seus artigos

550 e 553. Embora o princípio tenha sido pouco utilizado, sempre foi aplicado

com sucesso, conforme assevera Paulo José Vilella Lomar:

“(...), não é de hoje que a lei brasileira reconhece direitos ao possuidor perante o proprietário inerte que não utiliza efetivamente sua propriedade. Em outras palavras, a lei privilegia o possuidor que dá ao imóvel uma função social efetiva em detrimento do proprietário que apenas tenha o seu título de propriedade, não o defenda nem dê ao imóvel um uso real compatível com sua função social.”65

A marca da função social da propriedade no instituto sob comento se

verifica por meio das alterações dos prazos, que ficou assim disciplinada:

64Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM. “Estatuto da Cidade”- coord. por Mariana Moreira. São Paulo, 2001, p. 284 65 Lomar ,Paulo José Villela.In Usucapião Especial Urbano e Concessão de Uso para Moradia- Estatuto da Cidade coord. por Mariana Moreira. São Paulo, 2001, Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM, São Paulo, 2001, p. 262.

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Usucapião Extraordinária: o prazo estabelecido pelo código de 1916 era

de 20 anos. Hipótese definida no art. 1.238 do NCC – não requer justo título e

boa-fé. Prazo aquisitivo: quinze (15) anos - exceção (parágrafo único) reduz a

dez (10) anos, se o possuidor estabelecer no imóvel moradia habitual ou

realizar obras e serviços de caráter produtivo.

Usucapião Ordinária – o prazo estabelecido pelo código de 1916 era de

(10) dez ou (15) quinze anos em razão da presença ou ausência das partes.

Hipótese delineada no art. 1.242 do NCC – requer justo título e boa-fé. Prazo

aquisitivo: (10) dez anos - exceção (parágrafo único) reduz a (05) cinco anos,

se o imóvel tiver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante

do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os moradores

tenham estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse

social e econômico.

Verifica-se a preocupação com a função social da propriedade, na

medida em que a redução do tempo de posse em função da constituição de

moradia habitual ou (note-se o caráter alternativo dos requisitos) a realização

de obras ou serviços de caráter produtivo e investimentos de interesse social e

econômico. (parágrafo único dos artigos 1238 e 1242).

Os artigos 1.239 e 1.240 do novo Código Civil reproduziram as

hipóteses de usucapião rural e urbana estabelecidas pela Constituição Federal

nos artigos 183 e 191, quando delineou o Usucapião especial ou pro labore –

que não requer justo título e boa-fé, mas sim, que o possuidor não seja

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proprietário de outro imóvel – rural ou urbano -, que resida no imóvel que

deseja usucapir, que o torne produtivo por seu trabalho ou de sua família, que

o bem, se rural, não tenha área superior a 50 hectares e, se urbano, sua área

não seja superior a 250 metros quadrados

O princípio da função social da propriedade foi positivado em nossa

Carta Magna e espraiado pelo ordenamento jurídico, resta-nos aplicá-lo

buscando efetivar os objetivos da República Federativa do Brasil de construir

uma sociedade justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional,

erradicando a pobreza, a marginalização e reduzindo as desigualdades

sociais e regionais.

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5. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Assente é que a propriedade terá o perfil jurídico delineado pelo

sistema jurídico de cada país. Assim, a construção do modelo de proprietário

e conseqüentes formas do exercício advindo daquele poder não são

estáticas e amalgamadas, mas sujeitas a ruptura66. Tais conceitos passam

pelos meios de produção e modos de apropriação que a sociedade cria e

estabelece em determinado momento.

A idéia de que a propriedade deveria ser exercida funcionalmente em

razão da coletividade, adveio da constatação de que as proposições do

Estado liberal – garantidor de segurança política, social e jurídica – focado

nas relações de troca observadas sob a égide do direito privado-, não

resistiriam às reivindicações dos participantes do jogo social. Ficou evidente

que a igualdade formal não trouxe a igualdade material, na medida em que a

dificuldade de acesso à riqueza gerou um déficit social gigantesco e tornou-

se cristalina a necessidade da passagem do Estado Liberal para o Estado

Social67.

Analisando a questão, Jorge Reis Novaes averbou:

66 Adilson de Abreu Dallari averba “Portanto, parece também axiomática a afirmação de que o direito acompanha as mutações sociais e, dado o caráter dinâmico da sociedade humana, o direito jamais será algo estático, jamais poderá ser uma obra completa, acabada e consolidada, pois é, na verdade, um processo e não um ser”, in Desapropriação para fins urbanísticos, Rio da Janeiro, Editora Forense, 1981, p. 01. 67 Pietro Barcelona apresente três premissas do Estado Social “ a) a igualdade material em contrapartida a igualdade formal;b) o reconhecimento recíproco da subjetividade social em face da subjetividade abstrata e c) o princípio da solidariedade e de intervenção do Estado na economia” in Diritto privato e società moderna. Napoli: Jovene, 1996, p. 119.

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“...o que a nova época exigia não era apenas um acréscimo das intervenções do Estado, mas uma alteração radical na forma de conceber as suas relações com a sociedade.Constatado o perecimento da crença na auto-suficiência da esfera social, tratava-se agora de proclamar um novo “ethos político”: a concepção da sociedade não já como um dado, mas como um objeto susceptível e carente de uma estruturação a prosseguir pelo Estado com vista à realização da justiça social.É na plena assunção deste novo princípio de socialidade e na forma como ele vai impregnar todas as dimensões de sua atividade- e não mera consagração constitucional de medidas de assistência ou no acentuar de sua intervenção econômica – que o Estado se revela como “Estado Social”.68 Grifos nossos

O melhor exemplo de desenho do Estado Social se deu nas

constituições do México – 1917- e Weimer -1919 - e após as guerras69 do

século XX , esta modelagem espraiou-se e foi traço marcante nas novas

constituições.

As relações entre Estado e Sociedade foram se transformando e

emergiu uma nova realidade econômica com a mudança na forma de pensar

a respeito da assistência aos grupos menos favorecidos, de distribuição de

68 Novaes,Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito-do estado de direito Liberal ao estado social e democrático de direito.Separata de suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra, v. 24, 1987. 69 Gustavo Tepedino preleciona:” A primeira guerra, na Europa, marcaria, então,definitivamente, a modificação do papel do legislador, antes mero árbitro das relações contratuais.O Estado, primeiro excepcionalmente e, depois,sistematicamente, intervém na economia, objetivando evitar a expansão das desigualdades e o atendimento de interesses básicos da população carente. OS “sem terra”, os “sem teto”, o exército dos subempregados, os desassistidos dos serviços básicos, formam um robusto contingente reivindicante,fomentador de notáveis movimentos sociais, no âmbito dos quais a revolução bolchevique e a experiência constitucional de Weimer serve de ponto de referência”. In A nova propriedade ( o seu conteúdo mínimo,entre o Código civil, a legislação ordinária e a constituição). Rio de Janeiro:Revista Forense,1985,.v. 306,p. 73-78, abr/maio/jun. 1989.

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renda e do uso dos bens70. O Direito não passou alheio, nem poderia

passar, a esta nova fase de voltar o olhar para o viver social dos excluídos e

buscou repensar a propriedade, em decorrência de sua relevância no mundo

jurídico, econômico e social.

Nessa busca, emergiu a necessidade de que a propriedade possuísse

uma função. A funcionalidade da propriedade foi um processo evolutivo, o

individualismo e o funcionalismo são noções históricas e caminham com a

evolução e mutação valorativa da sociedade.

Assim, a faceta egoísta da propriedade71 – que garante o uso de

seus bens da maneira que convier a seu titular – trazida no percurso

evolutivo do tema, serviu de fundamento para moldar o discurso a respeito

do assunto na modernidade.

Diante da nova realidade e preocupação com relação a maneira de

ver a propriedade e, conseqüentemente, com o surgimento dos direitos

sociais e econômicos, muitos pensadores e a igreja72 registraram a

70 Pietro Barcelona afirma que “foi a mediação destas exigências com os postulados do Estado Liberal que fizeram elaborar a fórmula do Estado social de Direito” i in Diritto privadto e società moderna.Napoli: Jovene,1996,p.112/113.. 71 Gustavo Tepedino registrou: “A propriedade cumpria necessariamente sua função social pela apropriação em si, como fórmula máxima de expressão e de desenvolvimento da liberdade humana.esta dogmática inspiraria, com efeito, a codificação de Europa no último século, e , em sua esteira, o nosso Código de 1916”in A nova propriedade ( o seu conteúdo mínimo,entre o Código civil, a legislação ordinária e a constituição). Rio de janeiro:Revista Forense, 1985, v. 306, p. 74, abr/maio/jun. 1989. 72 Augusto Comte foi o primeiro filosofo a destacar a propriedade como função social(1798-1857) afirmando que: “Em todo estado normal da humanidade, todo cidadão, qualquer que seja,constitui realmente um funcionário público, cujas atribuições, mais ou menos definidas, determinam por sua vez, obrigações e pretensões. Este princípio universal deve certamente estender-se até a propriedade, na qual o

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necessidade de que aquela tinha ou deveria ter uma finalidade social. Mas,

sem sombra de dúvida, Leon Duguit foi um marco para a discussão a

respeito da função social da propriedade.

O tratadista francês asseverou que a propriedade não é um direito

absoluto, mas é a subordinação total de um bem a um fim, é uma coisa, uma

riqueza. A propriedade não seria um direito, mas uma função social, uma

condição para a prosperidade da sociedade. Assim, posicionou-se:

“ a propriedade é protegida pelo direito; mas ela é uma coisa, uma utilidade, uma riqueza. O que o proprietário tem é uma coisa, não é um direito,ou ele usa e goza da coisa, sem encontrar resistência e, então, a coação social não intervém; ou ele encontra resistência e, nesse caso, a coação intervém, a seu pedido, para remover o obstáculo. A propriedade, porém, é a coisa em si mesma”73 tradução livre. ... Todo indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade uma certa função na razão direta do lugar que nela ocupa. Ora , o detentor da riqueza, pelo próprio fato de deter a riqueza, pode cumprir uma certa missão que só ele pode cumprir.Somente ele pode aumentar a riqueza geral, assegurar a satisfação das necessidades gerais, fazendo valer o capital que detém.Está, em conseqüência, socialmente obrigado a cumprir esta missão e só será socialmente protegido se cumpri-la e na medida que o fizer. A propriedade não é mais um

positivismo vê, acima de tudo, uma indispensável função social destinada a formar e a administrar os capitais, com os quais cada geração prepara os trabalhos da seguinte” in Tomasivicius Filho, Eduardo. A função social da empresa. RT 810/34.E mais, assinalou que a função social da propriedade “condenou os abusos do sistema capitalista de propriedade e ao mesmo tempo as doutrinas socialistas consideradas por ele como utopias e extravagância” in Systeme de Polítique Positive – 1852/1854. Paris São Tomás de Aquino sintetizou que a função social da propriedade é a realização do bem comum. As encíclicas papais “Rerum Novarum” – Leão XIII, “Mater et Magistra” – João XXXIII , “Quadragésimo Anno” – Pio XI, mencionaram que a propriedade estava condicionada a seu bom uso. 73 Duguit, Leon.Traité de droit constitucionel. 3ª ed. Paris, Fontemoing, 1927, v.1, p. 446/447.

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direito subjetivo do proprietário:é função social”74 grifos nossos

A natureza subjetiva do direito de propriedade – a propriedade função

-, firmada por Duguit, não foi acolhida totalmente, mas serviu para

redimensionar o tema. A sua doutrina foi o princípio da modificação no

pensamento jurídico e , sem dúvida, contribuiu para as já citadas

Constituições do México e de Weimar.

Atualmente a propriedade não é aceita como na concepção de

Duguit: uma função social, mas possui uma função social, em outras

palavras, há um condicionamento de um direito a uma finalidade. A

expressão função tem o significado de exercício de poderes para o

atendimento de uma finalidade.

Celso Antonio Bandeira de Mello preleciona:

“Numa primeira acepção, considerar-se-á que a função social da propriedade consiste em que esta deve cumprir um destino economicamente útil, produtivo, de maneira a satisfazer as necessidades sociais preenchíveis pela espécie tipológica do bem (ou pelo menos não poderá ser utilizada de modo a contraditar estes interesses) cumprindo, dessarte, às completas, sua vocação natural demolde a canalizar as potencialidades residentes no bem em proveito da coletividade (ou, pelo menos não poderá ser utilizada de modo a adversá-las). Em tal concepção do que seria função social da propriedade exalça-se a exigência de que o bem seja posto em

74 Sundfeld,Carlos Ari. Função social da propriedade. In Temas de direito urbanístico-1, coordenadores Adilson Abreu Dallari e Lúcia Valle Figueiredo, São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1987, p. 05.

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aptidão para produzir sua utilidade específica, ou , quando menos , que seu uso não se faça em desacordo com a utilidade social”75

Pedro Escribano Collado registra que “a função social da propriedade

introduziu, na esfera interna do direito de propriedade, um interesse, que

pode não coincidir com o do proprietário e que, em todo caso, é estranho ao

mesmo”76

Em nosso sistema constitucional, temos o termo função social escrito

e reescrito a saciedade. A função social aparece expressamente nos artigos

182, §2º que traduz a função social da propriedade urbana, bem como o

caput traz a função social da cidade e os artigos 184 caput, 186, incisos I a

IV, função social da propriedade rural. A desapropriação para fins

urbanísticos, artigo 182, § 3º, e a usucapião urbana, artigo 183, ambos da

Constituição Federal, não trazem menção expressa e explícita da função

social, mas são, sem dúvida, informados pelo princípio em questão.

E mais, no rol de direitos e garantias individuais foi inscrito a garantia

da propriedade - artigo 5º, inciso XXII, bem como que a propriedade

atenderá sua função social, inciso XXIII. O seccionamento dos incisos se

manteve no artigo 170, onde dentre os princípios a serem observados estão,

a propriedade privada – inciso II- e a função social da propriedade – inciso

III.

75 Bandeira de Mello, Celso Antonio. Novos aspectos da função social da propriedade no direito público, p. 43. 76 Collado. Pedro Escribado. La propriedade privada urbana:encuadramento y régimen, p. 118.

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Considerando que as palavras não são utilizadas sem propósito

específico, o fato de a Constituição Federal manter separadamente a

garantia do direito de propriedade e o cumprimento de sua função social,

nos leva a entender que a segunda (função) como um dever77 jurídico

imposto.

Ora, se a função social da propriedade é dever, há que se perquirir se

o seu descumprimento estará a ensejar uma sanção.

Nesse sentido, releva, pois, lembrar que a Constituição Federal

garante e assegura o direito subjetivo da propriedade, mas disciplina que ela

deverá atender a sua função social. Assim, são impostos deveres para

diminuir as tensões que possam emergir da utilização egoísta que o

proprietário possa dar a sua propriedade. O caráter sancionatório reside no

fato de que se o proprietário não conceder a sua propriedade a função social

estabelecida perderá a proteção jurídica do bem e o Estado pode lhe impor

sanções78. Exatamente aqui reside a missão, o desafio e o dever do Estado

em dar efetividade a um dos objetivos da Republica Federativa do Brasil:

suprimir as desigualdades sociais, inciso III, do artigo 3º da CF.

77 Entendemos, estribados em Kelsen, que a idéia de dever jurídico está ligada à possibilidade de aplicação de sanção, na hipótese de um ato ilícito. 78 Especificamente no caso da função social da propriedade urbana a sanção vem disciplinada no § 4º do artigo 182 da CF.

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Importante alertar que nosso tema está adstrito à função social da

propriedade urbana. Nesse passo veremos em capítulo posterior as sanções

para seu descumprimento, pelo proprietário e para o administrador.

O princípio da função social é o norte, a diretriz do direito

propriedade, portanto, é dirigido a todos, inclusive ao legislador79. Posto que,

utilizando as palavras de Roque Carrazza “a Constituição não é um mero

repositório de recomendações, a serem ou não atendidas, mas um conjunto

de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas,

inclusive pelo legislador infraconstitucional”80

Entendemos a propriedade como um direito e a função social como

um dever. Necessário se faz frisarmos, aqui, inexistir incompatibilidades

entre ambos. O primeiro deve ser vislumbrado estaticamente, onde o

proprietário está legitimado a manter o que lhe pertence protegido de

pretensões de outros, e, o segundo, deve ser examinado do ponto de vista

dinâmico, onde proprietário tem o dever de destinar o objeto de seu direito

ao bem comum.

Lucia Valle Figueiredo, ensina:

79 Com relação a sanção estatal, iremos discutir a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção, no capítulo VIII, subitem 8.2.2 , deste trabalho. 80 Carrazza, Roque. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 12ª edição, 1999, p. 28.

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“O direito de propriedade alojado no inciso XXII, do artigo 5º, é temperado imediatamente pelo subseqüente inciso XXIII: a propriedade atenderá sua função social. Se é assim, parece-me inarredável termos que compatibilizar, procurar a real e efetiva compatibilização entre direito individual de propriedade com função social da propriedade,direito difuso de todos nós, direito metaindividual ou transindividual, como preferirem. Porém, direito a transcender a esfera jurídica do indivíduo”81

O direito de propriedade, outrora visto como individualista, teve a sua

utilização condicionada ao bem comum (função social). E o desempenho

desta utilização condiciona o reconhecimento e a proteção jurídica do bem.

Assim, esse condicionamento traz a idéia de limite, o que resultou,

muitas vezes, na interpretação que a função social da propriedade estaria

identificada com as limitações administrativas.

Referido entendimento não pode prosperar, na medida em que a

“funcionalização” da propriedade surgiu exatamente do desequilíbrio social

ocasionado pelas idéias liberais, onde o Estado garantia as condições

mínimas somente para as regras de mercado. Destarte, asseverar que a

função social é um meio de legitimar as limitações administrativas, seria o

mesmo que manter a concepção do Estado Liberal – concepção que trouxe

a igualdade formal e não a material e gerou, como já falado, um déficit social

gigantesco.

81 Figueiredo, Lucia Valle. Licenças Urbanísticas. Revistas de direito Público, nº 90, p. 190.

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Impende, portanto, considerar que a função social da propriedade não

pode ser confundida com as limitações impostas a propriedade. As

limitações estão atreladas a obrigações de fazer ou não fazer e tais atos são

condicionantes para o exercício do direito. Já a função social se constitui em

um dever imposto ao proprietário, dever que objetiva a manutenção da

proteção do seu direito.

A função social está na estrutura interna do direito de propriedade.

José Afonso da Silva averba que “A função social da propriedade não se

confunde com os sistemas de limitação da propriedade. Estes dizem

respeito ao exercício do direito, ao proprietário; aquela, à estrutura do direito

mesmo, à propriedade”82

Assim, as limitações impostas ao proprietário encontram razão no

poder de polícia que condiciona exercício do direito, com a finalidade de

adequá-los ao bem estar da coletividade. Tais restrições/limitações facultam

ao proprietário, atendidas todas as exigências impostas pela Administração,

a utilização e destinação do bem da forma que melhor lhe convier.

Rosah Russomano, averbou;

“A função social da propriedade, pois, na atualidade não é concebida, como foi na época do liberalismo, como “princípio gerador da imposição de limites negativos,

82 Da Silva, José Afonso. Curso de direito constitucional, 10ª edição, p. 273.

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estabelecidos à atividade do proprietário”- e que simbolizam simples projeção do poder de polícia, antes, imprimem-se-lhe uma “concepção positiva”, “como princípio gerador da imposição de comportamentos positivos do proprietário”. Por força do preceito normativo,este não possui apenas o dever de não exercitar seu direito em detrimento de outrem, como sucedia anteriormente. Possui, de modo correlato, o dever de exercitar aquele direito em favor de outrem.”83

A função social da propriedade diferencia-se das limitações, bem

como ultrapassa seu conceito, na medida em que determina que para a

propriedade seja designado destino certo, com o objetivo de possibilitar a

existência digna e promover a justiça social.

Sem sombra de dúvida que o princípio da função social traz a

possibilidade de impor ao proprietário uma obrigação de fazer, um dever

positivo que condicione o uso da propriedade a uma finalidade social.

Portanto, incide com intensidade na estrutura do direito de propriedade.

Passemos, agora, a uma breve análise do conteúdo da função social

da propriedade, o que não é tarefa fácil84, na medida em que como princípio

que é, sua interpretação é permeada por valores metajurídicos; devendo o

interprete traçar suas linhas, por meio da interpretação sistemática da

Constituição.

83 Russomano Rosah. Função social da propriedade, in Revista do direito Público, 75:263/268. 84 Conforme já assinalaram inúmeros autores, tais como Celso Seixas Ribeiro Bastos, in A função social da propriedade, in revista da Procuradoria Geral do Estado, jan/dez 86, p.77; Carlos Ary Sundfeld, in Função social da propriedade. Fundamentos de direito público, São Paulo: Malheiros Editores, 1992.

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Assim, se não fizermos a interpretação sistemática do texto

constitucional e analisarmos a função social única e simplesmente à luz dos

incisos XXII e XXIII, do artigo 5º da Constituição, poderíamos chegar a

conclusão de que o proprietário teria a obrigação de conceder a propriedade

uma destinação simplesmente social. E a palavra social pode ter uma

conotação vaga e fluida.

Celso Antonio Bandeira de Mello a respeito dos conceitos vagos

proclamados na Constituição Federal ensina:

“Nem se diga que está em pauta conceito vago ,fluido, impreciso e por isso carente de especificação legal. Já se anotou que conceitos dessa ordem são comuns nas regras jurídicas e têm, todos eles, um núcleo significativo estreme de dúvidas. Por isso ao Judiciário cabe conhecer de seu alcance para a aplicação do direito no caso concreto. ... Ainda aqui, a fluidez do conceito função social não é causa bastante para considerá-lo de valência nula. Recusar-lhe algum conteúdo, implicaria sacar do texto o que nele não esta. Corresponderia a ter como não-escrito o que ali se consignou. Equivaleria a desmanchar, sem título jurídico para tanto para tanto, um princípio apontado como cardeal no sistema.”85

A utilização dos conceitos fluidos pelo legislador faz com que as

regras sejam atuais e harmonizadas com a realidade de cada ordenamento

e incidam sobre várias situações fáticas.

85 Bandeira de Mello, Celso Antonio. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. RDP 57-58, p.249/250

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Não obstante a defesa dos conceitos fluidos, o dever do proprietário

vai além da destinação social que deve ser concedida ao bem. Isto porque,

no capítulo destinado à ordem econômica e financeira, a propriedade e a

função social, têm por fim assegurar a todos existência digna, conforme

ditames da justiça social, artigo 170, caput c/c incisos I e II. E mais os

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão elencados

no artigo 3º da Carta Magna e constituem-se, dentre outros, na construção

de uma sociedade livre, justa e solidária, na erradicação da pobreza, da

marginalização e na redução das desigualdade sociais.

Diante desse panorama constitucional e de sua interpretação

sistêmica, o dever do proprietário vai além da destinação socialmente útil

que se deve conceder ao bem e se fixa na obrigação de dar um destino

que atenda a justiça social.

Tal disposição constitucional ganha compreensão pontual e exata de

seu significado nas palavras de José Afonso da Silva:

“Os conservadores da constituinte, contudo, insistiram para que a propriedade privada figurasse como um dos princípios da ordem econômica, sem perceber que, com isso, estavam relativizando o conceito de propriedade, porque submetendo-o aos ditames da justiça social, de sorte que se pode dizer que ela só é legitima enquanto cumpra uma função dirigida à justiça social”.86

86 Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 19º edição. São Paul: Malheiros Editores, 2001, p. 790.

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Eros Roberto Grau explicita o significado da justiça social:

“Justiça social’, inicialmente, quer significar superação das injustiças na repartição, a nível pessoal, do produto econômico. Com o passar do tempo, contudo, passa a conotar cuidados, referidos à repartição do produto econômico, não apenas inspirados em razões micro, porém macroeconômicas; as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista.”87

E Celso Antonio Bandeira de Mello averba:

“O Estado ultrapassa o papel anterior de simples árbitro da paz, da ordem, da segurança, para assumir o escopo mais amplo e compreensivo de buscar, ele próprio, o bem-estar coletivo. Não deixa, como dantes, que tal resultado desponte – se despontar – como fruto do livre jogo das forças privadas atuante na sociedade. Passa a coordená-la, engajando-as na busca desta meta, havida, agora, como finalidade estatal, isto é, escopo de toda a coletividade:indivíduos e poder público.”88

Com relação à repartição de riquezas, temos que em nossa Carta

Magna a propriedade tem o condão de buscar a satisfação das

necessidades econômicas. A respeito do tema Carlos Ari Sundfeld registra:

“ A propriedade como elemento fundamental na ordem econômica, há que servir à conquista de um

87 Grau, Eros Roberto. A ordem econômica da Constituição de 1988, São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 245. 88 Bandeira de Mello, Celso Antonio. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social, Revista de direito Público, vol 58, p. 235.

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desenvolvimento que realize justiça social. Consequentemente, o regime jurídico que lhe for traçado deve ensejar o desenvolvimento e favorecer um modelo social que seja o da justa distribuição de riqueza”89

A função social da propriedade possui o objetivo de buscar e alcançar

uma equânime distribuição de riqueza, portanto, está diretamente ligada a

concretização da justiça social.

Entendemos que os efeitos da função social da propriedade, como

princípio que é, deve colocar as atividades estatais de contenção de

comportamento (poder de polícia), bem como as de propulsão do exercício

dos poderes do domínio, a favor da concretização da justiça social.

Com isso, deixamos claro que o princípio da função social, como já

registrado, não se identifica com as limitações administrativas, mas

potencializa seus efeitos sobre qualquer instrumento de intervenção

calcados no poder de polícia, bem como possibilita e permite imposições ao

exercício do direito de propriedade (edificação compulsória, parcelamento)

Nesse passo, as limitações e todas as formas de intervenção na

propriedade estão albergadas e, portanto, recebem o influxo do princípio da

função social, com a finalidade de alcançar a justiça social.

89 Sundfeld. Carlos Ari. Função social da propriedade. Temas de direito urbanísitico 1. Coordenadores Adilson de Abreu Dallari e Lucia Valle Figueiredo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 13.

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6. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA

Quando falamos em função social da propriedade urbana, estamos a

dizer sobre, nas palavras do José Afonso da Silva, necessidades conexas do

estabelecimento humano na cidade. Portanto, necessário fazer uma rápida

análise a respeito do conceito de cidade, bem como do meio ambiente, com

especial atenção ao meio ambiente artificial, para em seguida enfrentarmos

o tema. Passemos a isso.

6.1.1 A Cidade

Não é nosso objetivo mergulhar em aspectos históricos e sociais da

cidade. Decorrente disso, parece-nos adequado partir do momento da

ruptura da estratificação feudal. Fato este que contribuiu para a evolução

das cidades, crescimento e desenvolvimento do comércio. O

enfraquecimento da vida no campo e a expulsão das terras conduziu grande

parte da população aos centros urbanos em busca de trabalho, que foram

absorvidos pela indústria que nascia.

Foi nesse contexto que a vida na cidade cresceu e, com o passar do

tempo, surgiu um conglomerado de indústrias, comércios, atividades e uma

enorme concentração de pessoas.

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Assim, as primeiras cidades formaram-se há muito tempo, mas o

fenômeno urbano se manifestou significativamente a partir da metade do

século XIX. Gideon Sjoberg preleciona que os estágios das cidades, desde

sua origem até a urbanização, são três, sendo o primeiro o pré-urbano, o

segundo o aparecimento da cidade – sociedade pré-industrial, e o terceiro a

cidade industrial moderna.90

Com estas breves digressões, passemos ao conceito de cidade na

atualidade. Washington Peluso Albino de Souza, caracteriza a cidade da

seguinte forma:

"O chão define o espaço utilizado pelo homem-individual e pelo homem social na configuração e na prática da própria convivência e a partir dos problemas de sua subsistência. Como indivíduo ou como componente do todo social, é do chão que ele retira tudo o de que depende e no exercício de sua própria vida, é dele que se utiliza. Enquanto gente, os problemas do homem projetam-se do âmbito individual ao social. Mais do que a sobrevivência animal, configura-se todo o condicionamento da estrutura social, na qual ele se inclui. Desejos, necessidades, sonhos, anseios, compõem a gente no organismo urbano. Por fim, os conhecimentos, as experiências, as vivências acumuladas pela própria humanidade vão traduzir-se na cultura. Reunidos no conceito de cidade, estes elementos permitem-nos afirmativas incontestáveis como a de que devemos tratá-la como organismo vivo, ou, no dizer de Bandeira, que ela tem caráter"91.

90 SJOBERG,Gideon. Origem e evolução das cidades. In cidades: a urbanização da humanidade, traduzido por Alfred A. knoop,Rio de janeiro:Editora Zahar, 1970. 91 Souza, Washington Peluso Albino de. O Direito Econômico e o Fenômeno Urbano Atual. Conferência pronunciada no seminário de estudos urbanos, promovido pela OAB/MG, Belo Horizonte, out. 1978, p.01.

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Deveras, a cidade é vista como a somatória, inseparável, do chão,

gente e cultura.

Lucrecia D’Alessio Ferrara conceitua a cidade da seguinte maneira:

"A cidade, o lugar urbano pode ser definido como dependente de duas variáveis: 1.Setor do solo fisicamente urbanizado onde se situam edifícios e outros equipamentos; 2. Onde as pessoas realizam atividades que estão tipicamente relacionadas e dependentes entre si.Assim sendo, não se pode considerar a cidade como um simples produto de demarcações administrativas; edificações mais ou menos adequadas a um pertinente uso do solo, densas e heterogêneas agregações populacionais, fachadas arquitetônicas, vias urbanas que se cruzam, equipamentos com soluções técnicas sofisticadas. Mas, a cidade está justamente na interação daquelas duas variáveis, o que implica concebê-las como uma apropriação do seu usuário, isto é, ela só se concretiza na medida em que é centro de atração de vivências múltiplas e atende à necessidade de centralizar, de fazer convergir as relações humanas. São estas que fazem falar a cidade, que lhe dão sentido, as características físicas e materiais dos assentamentos urbanos encontram sua justificativa enquanto organização espacial das comunicações urbanas. É a acessibilidade à informação e sua troca que caracterizam a apropriação do ambiente urbano e o modo pelo qual o usuário faz da cidade um objeto que precisa ser decifrado, uma escritura que precisa ser lida. Se reconhecemos que a função principal dos ambientes urbanos é comunicar ou favorecer a comunicação é necessário saber como comunicam e isto exige a revisão dos instrumentos críticos tradicionais ou mesmo o emprego de metodologia de análise que permite instaurar uma crítica ao ambiente urbano."92

92 Citada por Cardoso, Elizabeth Dezouzart, e Zveibil,vitor Zular (organizadores). Gestão metropolitana, experiências e novas perspectivas, Rio de Janeiro: IBAM, 1996

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A respeito do tema José Afonso da Silva, preleciona:

“Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político – administrativo, econômico não – agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população. A característica marcante da cidade, no Brasil, consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal”93

Adotamos o conceito de José Afonso da Silva, e partimos da

característica marcante da cidade, no Brasil, qual seja: núcleo urbano e sede

do governo municipal.

Com efeito, a Constituição Federal estabeleceu que a República

Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, portanto, a divisão político-administrativa da

Federação será desdobrada em Estados e Municípios.

No que concerne aos municípios, temos a divisão administrativa em

distritos e subdistritos e tantas outras que podem ser estabelecidas no

sentido de garantir o melhor funcionamento do governo e da prestação dos

serviços. Podem ser criadas regiões agrícolas, fazendárias, policiais,

sanitárias, delimitam-se núcleos industriais, zonas urbanas, bairros

residenciais e etc. As cidades são divisões urbana, delimitadas e sede do

município.

93 Silva, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro, 3ª edição.São Paulo:Malheiros Editores, p. 25.

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Do ponto de vista jurídico ensina o saudoso Mestre Hely Lopes

Meirelles:

“ A delimitação da zona urbana ou perímetro urbano deve ser feita por lei municipal, tanto para fins urbanísticos como para efeitos tributários.No primeiro caso a competência é privativa e irretirável do Município, cabendo a lei urbanística estabelecer os requisitos que darão a área condição urbana ou urbanizável, e, atendidos esses requisitos, a lei especial delimitará o perímetro urbano, as áreas de expansão urbana e os núcleos em urbanização.No segundo caso(efeitos tributários) a lei definidora da zona urbana deverá atender os requisitos do CTN (artigo 32,§§ 1º e 2º), estabelecidos para fins meramente fiscais”94

E mais, o saudoso mestre estabelece as definições de área

urbanizável e área de expansão urbana:

“ Área urbanizável e área de expansão urbana têm conceitos equivalentes, diferindo apenas quanto à localização. Com efeito, ambas são porções do território municipal destinadas a urbanização, mas a expressão área urbanizável aplica-se à parte distinta e separada de qualquer núcleo urbano, ao passo que área de expansão urbana é a que se reserva em continuação a área urbanizada, para receber novas construções e serviços públicos, possibilitando o normal crescimento de cidades e vilas.”95

O Código Tributário Nacional delineou o conceito fiscal de zona urbana,

urbanizáveis e de expansão urbana. Assim, a área declarada por lei como

94 Meirelles, Hely Lopes, in Direito Municipal Brasileiro, São Paulo:Malheiros Editores, 13ª edição. p. 525. 95 Meirelles, Hely Lopes, in Direito Municipal Brasileiro, São Paulo:Malheiros Editores, 13ª edição. p 525.

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urbana, somente poderá ser alvo da cobrança do respectivo tributo de

competência municipal (IPTU) se possuir ao menos dois dos equipamentos

determinados pelos incisos do parágrafo 1º, do artigo 32 do CTN : I - meio-fio

ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II - abastecimento de água;

III - sistema de esgotos sanitários; IV - rede de iluminação pública, com ou sem

posteamento para distribuição domiciliar; V - escola primária ou posto de saúde

a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado, todos

os equipamentos construídos ou mantidos pelo Poder Público.

Área urbanizável e de expansão urbana96 tem conceitos equivalentes

e estas se declaradas como tais por lei municipal, desde que aprovados

pelos órgãos competentes, nos termos do artigo 32, §2º, do Código

Tributário Nacional serão objeto de incidência de IPTU.

A par do exposto, entendemos que a cidade é um espaço físico

delimitado por lei, onde se localiza a sede do município, bem como um

conjunto de sistemas com diversas atividades e prestação de serviços que

são relacionadas e dependentes entre si, cuja finalidade precípua deve ser a

convergência de relações humanas, a busca da promoção da justiça social e

qualidade de vida.

96 Segundo Hely Lopes Meirelles “área urbanizável aplica-se à parte distinta e separada de qualquer núcleo urbano, ao passo que área de expansão urbana é a que se reserva em continuação a área urbanizada, para receber novas construções e serviços públicos, possibilitando o normal crescimento de cidades e vilas” in Direito municipal brasileiro, 13ª edição, São Paulo:Malheiros editores, 2003, p. 201.

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Feitas as considerações relativas à cidade, e antes de adentrarmos

no tema Função Social da Propriedade Urbana, imperioso se faz proceder a

um exame a respeito do meio ambiente, com especial atenção ao meio

ambiente artificial, tendo em vista sua relação com o meio urbano.

6.1.2 Meio ambiente

O desenvolvimento tecnológico, industrial, as formas de gestão e

organização econômica da sociedade, inegavelmente acarretaram uma crise

no meio ambiente, trazendo conseqüências nefastas e comprometendo a

qualidade de vida no planeta.

Não há como ignorar os perigos que pairam sobre a humanidade, na

medida em que a camada de ozônio esta comprometida, o ar é poluído – se

tornando irrespirável -, o clima encontra-se alterado, as florestas

desaparecem, a água e os recursos naturais escasseiam, a produção de lixo

aumenta, as conseqüências são desastres naturais, doenças, falta de água

e alimento. Em suma, fatores que afetam a sobrevivência do homem no

planeta.

Esses fatos sinalizam a urgência da humanidade em equacionar o

crescimento econômico com a preservação do meio ambiente, como forma

de garantir a manutenção e a qualidade de vida no planeta. Sem dúvida que

estas preocupações são recentes e, atualmente, o tema meio ambiente vem

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sendo objeto de atenção. Diante da relevância do assunto não poderíamos

passar distante da questão ambiental, e em especial no que diz respeito ao

meio ambiente artificial.

Nesse contexto, necessário se faz tecer rápidas considerações a

respeito do meio ambiente, abordando alguns aspectos do assunto.

6.1.2.1. Meio ambiente direito fundamental da terceira geração

A Constituição Federal de 1988 delineou as características próprias

do meio ambiente. O artigo 225, da Constituição Federal é a norma nuclear

que disciplina o tema e está assim disposto:

“artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”

Da intelecção da disposição constitucional em comento conclui-se

que o meio ambiente ecologicamente equilibrado implica em: a) é direito de

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todos, brasileiros e estrangeiros97; b) que o dever de defesa e preservação é

do Poder Público e da coletividade; e c) é um bem de uso comum do povo.

Preliminarmente, convém uma breve análise a respeito do tema Bem,

na medida em que temos uma classificação de bens disciplinada pelo

Código Civil e que necessita estar adequada, ou melhor, interpretada de

acordo com a norma Constitucional.

O Código Civil subdivide os bens em públicos ou particulares. O artigo

98 do diploma legal citado, assim dispõe: “são públicos os bens do domínio

nacional pertencentes às pessoas jurídicas de Direito Público Interno; todos

os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertença”. Quanto a

sua destinação, o artigo 99, classifica-os em de uso comum do povo, uso

especial e dominical.

A noção clássica do tema nos conduz a interpretar o meio ambiente

como algo que deveria ser corpóreo, palpável e, portanto passível de

apropriação que recairia no domínio de pessoa jurídica de direito público e o

97 A respeito do tema Celso Antonio Pacheco Fiorilo registra: “ A primeira tarefa concentra-se no preenchimento do conteúdo do termo todos....Assim, brasileiros e estrangeiros residentes no país poderiam absorver a titularidade desse direito material...Daí entendemos que a constituição, ao fixar fundamentos visando constituir um Estado Democrático de Direito, pretendeu destinar às pessoas humanas abarcadas por sua soberania o exercício pleno e absoluto do direito ambiental brasileiro. Uma outra corrente não menos importante e interessante, estabelece o conteúdo da expressão todos presente no artigo 1º, inciso III, da constituição Federal, sustentando que , além dos brasileiros e estrangeiros residentes no País, toda e qualquer pessoa humana teria a possibilidade de estar adaptada à tutela desses valores ambientais. Dessa forma , fazendo-se menção à pessoa humana, teríamos um a visão, não importa perquirir se o destinatário da norma constitucional seria brasileiro, ou estrangeiro, indígena ou alienígena. Qualquer pessoa humana, desde que sustentando essa condição, preencheria os requisitos de direito positivo necessários ao exercício de direitos ambientais em nosso país.” Obra citada. p 12.

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bem receberia a denominação de bem de uso comum do povo. Contudo,

está não é a melhor intelecção.

Calha aqui, por pertinente que é, frisar que são passíveis de domínio

as coisas corpóreas e incorpóreas. A respeito do tema averba Maria Helena

Diniz: “Tanto as coisas corpóreas como as incorpóreas podem ser objeto de

domínio desde que apropriáveis pelo homem, que, como sujeito da relação

jurídica, poderá exercer sobre eles todos os poderes, dentro dos limites

impostos pela ordem jurídica.”98

Assim, por suas características o meio ambiente não pode estar

restrito aquilo que é palpável. Podemos concluir, então, que o meio ambiente

é bem incorpóreo de domínio público e de uso comum do povo, portanto,

bem de interesse público. 99

Feitas as considerações necessárias a respeito da classificação do

bem ambiental, passemos a analisar o objeto da tutela constitucional para

em seguida estabelecer sua categoria, ou seja, se é ou não considerado

direito fundamental.

98 Diniz. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – direito das coisas, 2ª edição, 4º vol. São Paulo:Saraiva, p.90. 99 José Afonso da Silva, trazendo as palavras de Massimo Severo Giannini , preleciona : “ A doutrina vem procurando configurar outra categoria de bens – bens de interesse público - , na qual se inserem tanto bens pertencentes a entidades públicas como bens dos sujeitos privados subordinados a uma particular disciplina para consecução de um fim público”.

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Interpretando o artigo 225 da Constituição Federal, conclui-se que o

objetivo a ser buscado é a qualidade de vida, que será alcançada por meio

de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, o bem protegido não

pode ser entendido restritamente, mas dentro do contexto de um plexo de

atributos que compõe o meio ambiente saudável. Disso decorre, nas

palavras de José Afonso da Silva, “que o proprietário, seja pessoa pública ou

particular, não pode dispor da qualidade do meio ambiente a seu bel –

prazer, porque não integra a sua disponibilidade” 100

O direito ambiental protege bens e valores de interesse público, com

a finalidade precípua da qualidade de vida e não deve ser visto dentro da

concepção tradicional do direito: público ou privado.

Postas essas considerações, concluímos que a norma constitucional

objetiva a proteção do ser humano, na medida em que define o meio

ambiente como essencial à qualidade de vida, portanto o bem tutelado é a

vida.

Nesse sentido, e sob a ótica da necessidade da preservação do meio

ambiente como meio essencial à manutenção da qualidade de vida, esse

direito visa à pessoa humana101 e como tal é classificado como direito

fundamental. 102

100 Silva. José Afonso. Direito ambiental constitucional, 5ª edição, São Paulo, Malheiros, p.84. 101 Entendemos que a pessoa humana é a destinatária do direito ambiental, portanto, é ao homem que deve servir-visão antropocêntrica. Diogo de Freitas do Amaral apresenta visão diversa: “já não é mais possível

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A Declaração do Meio Ambiente de Estolcomo, datada de junho de

1972, definiu 26 princípios e reconheceu o meio ambiente como direito

fundamental. O princípio de número um determina que: “principio 1 – O

Homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de

condições de vida adequada em um meio cuja qualidade lhe permite levar uma vida

digna e gozar do bem estar e tem solene obrigação de proteger e melhorar esse

meios para as gerações futuras”

No que concerne aos direitos fundamentais, temos que a doutrina

mais recente qualifica os direitos em: de primeira geração (individuais), de

segunda geração (direitos sociais), os de terceira geração (direitos difusos).

Quanto ao surgimento dos direitos fundamentais de terceira geração.

Paulo Bonavides registra:

“Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano, mesmo num momento expressivo de

considerar a proteção da natureza como um objetivo decretado pelo homem em benefício exclusivo do próprio homem. A natureza tem que ser protegida também em função dela mesma, como valor em si, e não apenas como um objeto útil ao homem.... A natureza carece de uma proteção pelos valores que ela representa em si mesma, proteção que, muitas vezes, terá de ser dirigida contra o próprio homem”. in Direito ao Meio Ambiente, Lisboa, Ed. INA.1994 102 Édis Milaré averba: “Direito fundamental que, enfatize-se, nada perde em conteúdo por situar-se topograficamente fora do título II 9 Direitos e Garantias Fundamentais), Capitulo I ( Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), da Lei Maior, já que está admite, como é de tradição do constitucionalismo brasileiro, a existência de outros “decorrente do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”(cf. art.5º,§ 2º), in nota 17. Direito do Meio Ambiente, 2ª edição, p. 111. Editora : Revista dos Tribunais.

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sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade correta. Os publicistas e os juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante do coroamento de uma evolução de trezentos anos dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.”103

Especificamente aos direitos fundamentais de terceira geração Norberto

Bobbio preleciona:

"ao lado dos direitos, que foram chamados de direitos da segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos da terceira geração [...] O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído". 104

O direito fundamental à vida105 é preponderante e deve nortear as

várias maneiras de atuação que tem por objetivo a proteção do meio

ambiente.

Oportuno registrar a conhecida decisão do Supremo Tribunal Federal,

cujo relator foi Celso de Mello:

“ O direito a integridade do meio – ambiente – típico de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa

In 103 Bonavides, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo:Editora Malheiros-2001, p. 523 104 Bobbio, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro. 1992, p.06 105 Antonio Cançado Trindade registra “o caráter fundamental do direito à vida torna inadequados enfoques restritos do mesmo em nossos dias; sob o direito à vida, em seu sentido próprio e moderno, não só se mantém a proteção contra qualquer privação arbitrária da vida, mas, além disso, encontram-se os Estados no dever de buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a todos os indivíduos e todos os povos. Neste propósito tem os Estados a obrigação de evitar riscos ambientais sérios à vida”, in Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Fabris. Porto Alegre, 1996, p. 76.

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de um poder atribuído, não ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos)- que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”106

Concluindo, direitos humanos são os direitos que visam resguardar os

valores preciosos da pessoa diante de seus semelhantes e do Estado. Do

reconhecimento dos direitos humanos, evoluímos para a necessidade de se

identificar o plexo de situações jurídicas que se busca proteger e designar: os

direitos fundamentais.

No que tange aos direitos fundamentais, podemos falar em dimensões

ou gerações desses direitos e o meio ambiente está no âmbito dos direitos

difusos e coletivos – transindividuais – classificados como fundamental de

terceira geração.

6.1.2.2 Conceito e classificação do meio ambiente

106 STF- Pleno- Mandado de Segurança 22.164/SP –Rel. Min. Celso de Mello.Diário da Justiça, Secção I, 17 nov.1995, p.39.206. No mesmo sentido: RE 134.297, publicado em 22/09/1995.

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Previamente ao conceito legal do tema, buscamos a definição da

palavra no dicionário: Ambiente: “do Lat. Ambiente. adj. 2 gén., envolvente;

que rodeia os corpos por todos os lados; s. m., a esfera social em que se

vive;o ar que se respira;tudo aquilo que envolve os seres vivos e as

coisas”107

Do significado da palavra, que engloba tudo o que envolve o ser

humano, inclusive a esfera social, concluímos que há um conjunto de

elementos naturais: solo, ar, água, fauna, flora, e culturais: patrimônio

histórico, arqueológico, artístico, turístico, que devem interagir entre si.

Assim, agregar a palavra meio a ambiente torna a expressão “ ...mais rica de

sentido (como conexão de valores)...” 108

José Afonso da Silva define meio ambiente como : “...a interação do

conjunto de elementos naturais, artificiais que propiciem o desenvolvimento

equilibrado da vida em todas as duas formas.” 109

Antes de adentrarmos a definição legal de meio ambiente, registramos

que encontramos discussões a respeito dos destinatários do direito ambiental,

isto é, a quem o direito serviria: ao homem (antropocentrismo) ou a toda forma

de vida (biocentrismo).

107 Novo Diconário Aurélio, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro. 108 Da Silva. José Afonso. Direito ambiental constitucional, 5ª edição. Malheiros Editores, p. 20 109 Da Silva. José Afonso. Direito ambiental constitucional, 5ª edição, São Paulo:Malheiros Editores, p. 20 .

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Sem entrar no mérito das questões, quer nos parecer que o equilíbrio é

o melhor caminho, portanto, o homem é parte integrante da natureza e não

compete a ele subjugá-la aos seus prazeres, mas deve conviver com ela da

maneira menos danosa, garantindo a manutenção das espécies e em especial

da vida humana. Assim, cumpre ao direito ambiental estabelecer a harmonia

entre o homem e seu compromisso com a natureza.

A respeito do tema Paulo Leme Machado averba:

“O terceiro caminho coloca o homem como centro das preocupações do desenvolvimento sustentado. Onde há centro, há periferia. O fato de o homem estar no centro das preocupações, como afirma o mencionado princípio I, não pode significar um homem desligado e sem compromissos com as partes periféricas ou mais distante de si mesmo.”110

Feitas estas rápidas considerações, passemos a definição legal de meio

ambiente.

A Lei Federal nº 6.938 de 31.08.81 (Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente), em seu artigo 3º, conceituou o meio ambiente como "o conjunto de

condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica,

que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas."

A Constituição Federal de 1.988 em seu artigo 225 prescreve:Todos têm

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

110 Machado, Paulo Leme. Estudos de direito ambiental. São Paulo. Malheiros Editores , 1994, P.19

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essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público à coletividade o

dever de defende-lo para as presentes e futuras gerações”.

A conceituação legal de meio ambiente em nossa legislação é ampla e

relacional. Desse modo, é assente na doutrina que o meio ambiente possui

vários aspectos e, portanto, uma classificação. 111

Encontramos quatro aspectos ou classificações: meio ambiente natural

- o solo, a água, o ar atmosférico, a flora e a fauna; meio ambiente cultural - o

patrimônio arqueológico, artístico, histórico, paisagístico e turístico, arquivo,

registro, museu, biblioteca; meio ambiente artificial - os edifícios,

equipamentos urbanos, comunitários,; e meio ambiente do trabalho - a

proteção do trabalhador em seu local de trabalho e dentro das normas de

segurança, bem como fornecendo-lhe uma qualidade de vida digna, por meio

da proteção ao meio ambiente (art. 200, VIII, da Constituição Federal).

Meio ambiente artificial possui um caráter relacional entre a natureza e

as intervenções feitas pelos homens nas cidades, assim pensar em meio

ambiente artificial é fazer correlação com as zonas urbanas.

A propriedade urbana na Constituição Federal de 1988 não é

considerada, tão-somente, para efeitos fiscais, como um imóvel localizado em

determinado perímetro e sujeito a um tipo de incidência de imposto, mas possui

características próprias que demandam obrigações tanto de particulares,

111 Lucia Valle Figueiredo averba “ ... qualquer classificação somente é útil na medida em que pudermos imputar aos componentes da mesma espécie igual regime jurídico, pelo menos em suas linhas mestras”. Curso de Direito Administrativo. 6ª edição. São Paulo. Malheiros Editores, P. 539

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quanto do poder público. Do texto constitucional podemos asseverar que a

Política Urbana tem por finalidade a ordenação dos espaços habitáveis,

visando à realização do desenvolvimento das funções sociais da cidade. Tais

funções estão relacionadas com o meio ambiente equilibrado e saudável.

Considerando que as cidades cresceram e agigantaram-se, bem como o

fato de que água, ar, solo e áreas verdes, são objeto de forte consumo pela

população urbana, temos que é no meio urbano que a degradação ambiental

tem sua primeira repercussão.

Atualmente é impossível desconsiderar que “ a qualidade de vida das

pessoas que se reúnem nas comunidades urbanas está claramente

influenciada por quanto suceda nos meios , natural e obra do Homem que se

acham diretamente inter-relacionados”112

Nessa linha de entendimento Ana Claudia Bento Graf e Márcia Dieguez

Leuzinger, registraram:

“Está contida na realidade urbana a necessidade de preservação do ambiente natural, eis que os habitantes consomem ar, água, alimentos provenientes do solo etc, e é justamente no meio ambiente urbano onde são percebidos os primeiros efeitos da degradação ambiental, tais como os provenientes da poluição, em todas suas formas.”113

112 Perloff. Harvey S. La calidad del médio ambiente urbano, Barcelona, Oikos-Tau (Colección de Urbanismo),1973 p. 10 113 In Revista de Direitos Difusos, vol I, direito ambiental imobiliário em juízo. São Paulo:Editora Adcoas, junho de 2000, fls.31

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Importante ressaltar, que é na cidade que todas as formas de poluição

conspurcam o meio ambiente: o ar é contaminado com toda sorte de elementos

químicos - poluição atmosférica; a grande quantidade de resíduos (sólidos,

orgânicos, hospitalares) não tratados de maneira adequada - poluição solo,

ruídos das mais variadas fontes (motores, buzinas e etc) - poluição sonora, a

água é submetida ao depósito de várias substâncias que a contaminam ou

destroem suas propriedades - poluição da água, a cidade é massificada com

os apelos publicitários ou vandalismo (banner, faixa, outdoors, pichações)-

poluição visual.

Assim, toda a política de desenvolvimento urbano deve ser balizada

pelos caminhos da proteção ambiental, como meio de garantir a qualidade de

vida de seus habitantes. Quanto a política ambiental, em uma de suas facetas,

deve ser norteada pela ordenação adequada dos espaços urbanos.

Quando falamos em política urbana, estamos a dizer dos espaços

urbanos: o espaço fechado – que são as unidades edilícias- e o espaço aberto

– que são bens públicos destinados a satisfazer as necessidades dos

habitantes: ruas, praças, parques, canalizações e etc.

Assim, os espaços fechados estão sujeitos à regulamentação edilícia114,

cujas limitações incidem na taxa de ocupação do solo, recuos ou afastamentos

de frente e/ ou fundos, coeficiente de aproveitamento e limitação de altura das

edificações. “Na verdade, a regulamentação edilícia objetiva dois aspectos bem

114 A regulamentação edilícia é competência do município e complementada pelo controle da construção (art.572 do código civil de 1916 e 1299 do novo código)

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distintos, embora oriundos das mesmas exigências sociais, e tais são o

ordenamento da cidade no seu conjunto e o controle técnico-funcional da

construção individualmente considerada”115

Quanto ao ordenamento da cidade116 a preocupação e finalidade estão

ligadas ao seu desenho geral, visando à segurança e sua funcionalidade da

urbe, incluindo o sistema viário, sistema hidrográfico, terrenos para edifício

públicos e sociais, rede de água e esgoto, o zoneamento, disciplina dos

loteamentos urbanos e o controle das construções.

No que concerne a política ambiental urbana nos socorremos , mais

uma vez, do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles: “No tocante à proteção

ambiental a ação do município limita-se espacialmente ao seu território, mas

materialmente estende-se a tudo quanto possa afetar seus habitantes e

particularmente a população urbana Para tanto sua atuação nesse campo deve

promover a proteção ambiental nos seus três aspectos fundamentais:controle da

poluição, preservação dos recursos naturais e restauração dos elementos

destruídos”117grifos nossos.

Não há dúvida que nas grandes cidades a concentração de pessoas, de

indústrias, comércios e veículos causam algum tipo de intervenção no meio

ambiente. Portanto, necessário a fixação118 técnica e legislativa dos padrões de

115 Meirelles, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, São Paulo: Malheiros Editores, 13ª edição, p.524. 116 O ordenamento do solo municipal é competência do município e faz parte das diretrizes do plano diretor e /ou da regulamentação edilícia. 117 Meirelles, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, São Paulo Malheiros Editores, 13ª edição, p.550. 118 A União, os Estados, os Municípios e Distrito Federal devem atuar nos limites de sua competência e território, no controle – poder de polícia administrativo - da poluição. E conjuntamente unir esforços e manter colaboração nas providências de prevenção de âmbito nacional.

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alterabilidade que serão admitidos. A Constituição Federal determina que:

exigir para instalação e obra ou atividade potencialmente causadora de

significativa degradação ambiental estudo prévio de impacto ambiental (artigo

225, incisos IV)

D se ver, a licença prévia é o instrumento de controle119 da poluição,

bem como o zoneamento se mostra um excelente instrumento de controle

administrativo, prévio, das atividades poluentes.

Calha aqui, por pertinente que é, observar que a cultura da preservação

ambiental, com meios jurídicos para obrigar sua execução, é recente. O

planejamento, de igual modo, é tema pouco utilizado. Assim, temos como

problema a ser solucionado as ocupações industriais que possam ser

consideradas desconformes, diante de uma nova legislação para a localidade.

Em outras palavras, a licença foi concedida na vigência de uma regra e a lei

posteriormente é modificada.

Nessas situações, a Administração pode impedir a ampliação do uso

desconforme, exigindo medidas que mitiguem a situação e incentivar a

voluntária mudança do local. Se a retirada do estabelecimento for imperiosa e o

proprietário não aceitar sua saída, cabe a Administração desapropriar, na

medida em que a empresa possui seu direito adquirido adequado pelas normas

anteriores.

119 O EIA será expedido pelo órgão ambiental estadual e nos casos de obras ou serviços de significativo impacto nacional ou regional a licença será competência do Ibama. Referido estudo (EIA) foi previsto na Lei Federal 6938/1981, objeto da primeira resolução do Conama, resolução que determinou o conceito de impacto ambiental e definiu as atividades onde deveria ser exigido o RIMA (relatório de impacto ambiental) como ato necessário para a instrução do pedido de licença.

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No que toca a preservação dos recursos naturais, a competência do

município está adstrita ao interesse local e são objeto de seu cuidado as:

“fontes e mananciais que abastecem a cidade, os recantos naturais de lazer, as áreas

com vegetação nativa próxima para parques turísticos ou reservas da flora e da fauna

em extinção, e outros sítios com peculiaridades locais”120. E a preservação decorre

das limitações administrativas – que não retira a propriedade – ou a

desapropriação – retirando a propriedade, com justa e prévia indenização e

transferindo-a para o domínio público, no sentido de preservá-la.

Por último, muitas vezes, na busca da manutenção do equilíbrio

ecológico, há necessidade de restaurar o ambiente destruído. E como meio de

conseguir o renascimento da vida vegetal e animal faz-se necessário a

recuperação de águas poluídas, reflorestamento de terras desmatadas,

recriação de espécies silvestres e outras medidas.

A respeito do tema, novamente utilizamos da fonte do saudoso Hely

Lopes Meirelles: “Todavia cabe ao Poder Público editar normas impositivas de

restauração do meio ambiente destruído ou degradado, para recomposição da

natureza até onde for possível essa restauração, mas é indubitável que tais normas

devem vir acompanhadas de apoio técnico e financeiro do governo, para que o

particular possa atendê-las no tempo e nas condições necessárias à sua eficiência.

Tais normas e providências competem preferencialmente à União, dado o

predominante interesse nacional, mas podem ser suprimidas ou complementadas por

120 Meirelles, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, São Paulo: Malheiros Editores, 13ª edição, p.554.

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disposições e medidas regionais e locais, dos Estados-Membros e municípios

particularmente interessados no assunto.”121

Ressalte-se que o poluidor tem a obrigação de recuperar e /ou indenizar

os prejuízos de sua atividade que resultou em lesão ao meio ambiente – Lei

Federal 6.938/1981, artigos 2º, VIII e 4º, inciso VII. A Constituição Federal

determina entre as funções do Ministério Público, a promoção de inquérito civil

e ação civil pública para a proteção do meio ambiente, artigo 129, inciso III.

Não obstante ao arsenal jurídico colocado a disposição em nosso

sistema jurídico, acreditamos que o homem cuida / preserva aquilo que ele

conhece e aprende a respeitar, portanto, ações educativas e informativas

devem ser levadas a efeito, onde o Poder Público incentive a demonstre a

importância da preservação do bem ambiental.

Feitas as breves observações a respeito do meio ambiente, sua

classificação e relação com a função social da propriedade urbana,

retornaremos ao tema proposto para estudo.

6.1.3 Função social da propriedade urbana

A Constituição Federal de 1988 garante a propriedade em geral, mas,

nas palavras de José Afonso da Silva, distinguiu seus regimes, diferenciando 121 Meirelles, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, São Paulo:Malheiros Editores, 13ª edição, p.558/559.

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a propriedade urbana (artigo 182, § 2º) da propriedade rural (artigo 5º, XXVI,

e artigos 184, 185,186), além de outras manifestações de propriedades,

reguladas por regras específicas.122Como já alertado, nossa atenção está

dirigida à propriedade urbana e seus contornos delineados pelo plano

diretor.

A propriedade urbana está intimamente ligada com o conceito de

cidade, portanto, com a vida na urbe. É cediço que atualmente grande parte

da população vive na zona urbana 123 , fato que traz consigo um plexo de

problemas que devem ser tratados de maneira global, para garantir um

mínimo de qualidade de vida para seus habitantes.

É certo dizer que no decorrer dos tempos, a vida nas cidades

intensificou-se e foi surgindo um conglomerado de indústrias e comércio.

Atualmente, as cidades cresceram e na maioria dos casos agigantaram-se,

os avanços tecnológicos propiciaram uma série de atividades econômicas e,

consequentemente, há uma grande concentração de pessoas que vivem

nela. Aliada àquela realidade, temos o fato de que nos países

subdesenvolvidos, as dificuldades de se viver no campo acarreta o êxodo

rural, trazendo mais pessoas para a cidade.

122 Da Silva, José Afonso, in Curso de Direito Constitucional, 10ª edição, p. 266. 123 Em matéria publica no jornal “O Estado de São Paulo” em 28.12.2001, p.A-2, foi registrado que “já temos 81,2% da população vivendo em zonas urbanas, as cidades com mais de 100 mil habitantes significam 50% população total”

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Não paira dúvidas quanto ao fato de que, atualmente, há uma enorme

concentração urbana Em outras palavras a população rural é inferior a

população urbana e, como já vimos, este fenômeno recebe a denominação

de urbanização.

A urbanização, portanto, é fenômeno moderno que desencadeia uma

série de problemas com uma infinidade de escassez, tais como, falta

emprego, inexistência de habitação digna a toda a população, saneamento

básico que atenda a todos os moradores, excesso de população e

degradação ambiental. Com a consolidação da urbanização o solo urbano

passa a ter múltiplas utilizações.

No que concerne ao solo, nas cidades, a forma de usar e edificar o

imóvel não diz respeito apenas a seu proprietário, mas apresenta repercussão

no entorno e atinge, de forma indireta, toda a coletividade. O tráfego viário, a

insolação, o adensamento, a ventilação, a poluição sonora e atmosférica e a

valorização venal são determinados pelas características de uso e de

edificação do conjunto dos imóveis da cidade. Pode-se afirmar que a qualidade

da vida urbana resulta do conjunto dos usos e edificações de cada imóvel, bem

como da distribuição dos espaços abertos e fechados existentes na cidade.

A urbanização acarretou uma série de situações e alterou a vida na

cidade. Essa nova realidade levou a preocupação com a urbe e nasceu a

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atividade urbanística124 . Tal atividade resulta ao poder público a obrigação

de ordenar os espaços habitáveis.

Os princípios do urbanismo foram estampados na Carta de Atenas,

de 1933. O item 77 da Carta assim prescreve:

“Primeiro, assegurar aos homens alojamento saudável, isto é, lugares em que o espaço, o ar puro e o sol, estas três condições da natureza, estejam, amplamente garantidas; Segundo, organizar os lugares de trabalho de modo que estes, em vez de ser uma penosa sujeição, recupere seu caráter de atividade humana natural; Terceiro, prever as instalações necessárias para uma boa utilização das horas livres, fazendo-as benéficas e fecundas; Quarto,estabelecer o vínculo entre estas diversas organizações por meio de uma rede circulatória quer garanta os intercâmbios sem deixar de respeitar as prerrogativas de cada uma delas”125

A cidade passa a ter como funções essências a habitação, o trabalho,

o lazer, a circulação e tudo isso visando à qualidade de vida.

Todas essas funções estão ligadas, principalmente, à forma de uso

do solo apresentando, portanto, a propriedade urbana especial relevo. Essa

124 Urrutía. José Luis Gonzáles-Berenguer: “ a atividade urbanística se refirirá aos seguintes aspectos: planejamento, o regime do solo, a execução das urbanificações e a intervenção no uso do solo e na edificação dos particulares. in Teoria y practica del planejamento urbanístico, p. 09. 125 Documento celebrado em Atenas, Grécia, em 1933, quando do 4º Congrès Internacional d’Architecture Moderne – C.I.A.M – constante de três partes, divididas em 95 itens.

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realidade veio estampada em nossa Constituição Federal , que dedicou um

capítulo à política urbana.

O artigo 182, da Constituição Federal, assim está disposto:

“artigo 182. A política de desenvolvimento urbano, executado pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem– estar de seus habitantes”

Da análise do dispositivo constitucional em comento, concluímos que

a política urbana determina o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade, e alcançando esta plenitude no momento em que for proporcionado

a seus habitantes o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a

propriedade – artigo 5º da CF- e , também, garantido a educação, saúde,

trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à

maternidade e a infância, assistência aos desamparados – artigo 6º da CF.

A Carta de Atenas definiu as funções da cidade: habitação,

circulação, trabalho e lazer. O artigo 182 da Constituição não elencou tais

itens de maneira clara, mas estabeleceu que a política urbana deve garantir

o bem-estar de seus habitantes, isto é, a todos que vivem no território do

município. Assim, entendemos que a função social da propriedade urbana

estará cumprida no momento em que todas as funções forem plenamente

executadas de forma coordenada e harmônica.

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A preocupação com a moradia veio gizada na Constituição Federal,

na medida em que estabeleceu o usucapião urbano – artigo 183- e rural,

artigo 191, bem como posteriormente, com a emenda 26 , foi elencada

objetivamente no caput do artigo 6º da Constituição Federal como direito

social. Assim, a cidade estará cumprindo sua função social quando garantir

a possibilidade de moradia digna a seus habitantes, impedindo que a

utilização do solo urbano se transforme em forma de segregação e exclusão

social.

Além, de morar, o habitante tem que ter garantido seu direito a

circular. Essa circulação deve ser analisada sob diversos enfoques.

O primeiro aspecto é o que diz respeito ao deslocamento em vias

públicas e possui dois pontos: um referente à infra-estrutura viária – rede

viária - e o outro a estrutura operacional – transportes- .

O sistema viário, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, esta

tipificado em: via de trânsito rápido, arterial, coletora, local, rural, urbana, vias e

áreas de pedestres. Esse conjunto denominado rede viária são os locais de

circulação, que garantem o direito constitucional de ir e vir, locais estes que

devem ser planejados de modo a propiciar a fluidez e segurança do tráfego,

fiscalizados e mantidos sempre com a finalidade de propiciar uma circulação

rápida, tranqüila e segura. A estrutura operacional, diz respeito ao transporte

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público, meios colocados à disposição da população de modo equânime, com

boa qualidade, com trajetos inteligentes que interliguem a cidade em sua

totalidade (centro e periferia), com a utilização de material e combustível que

não prejudiquem o meio ambiente.

Outro aspecto do direito de circular diz respeito ao acesso aos bens

públicos de uso comum do povo. Em outras palavras, é a possibilidade de

acessar e transitar, em praças públicas, ruas, praias, que todo cidadão deve

ter sem objeção verbal ou material.

Nesse sentido foi a decisão da 7ª Câmara Cível de Férias ”C” do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da apelação cível

219.012-1-5, relator Desembargador Rebouças de Carvalho, que entendeu

como legal o ato do município que determinou a retirada de obstáculos, os

quais impediam o livre acesso a determinada praia no litoral do Guarujá,

sob o argumento de que a colocação de cancela e guarita com vigilantes,

por associação de proprietários de lotes em loteamento convencional

fechado, agride o direito da coletividade de desfrutar de bens de domínio

público.

E mais, o Tribunal de Justiça de São Paulo, RJTJE-SP Lex 138/26,

entendeu como ilegal “a colocação, por associação de moradores, de

portões na rua de um bairro, fechados a cadeado, e de guarita com

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vigilantes que paravam veículos, anotavam placas e indagavam sobre o

destino de seus ocupantes, ou de pedestres”

Rodolfo Camargo Mancuso, a respeito das excessivas lombadas

colocadas em vias públicas, averba “ cabe o acesso à Justiça, em defesa da

via pública ameaçada ou lesada por construção irregular ou abusiva da

lombada, sobretudo nos casos em que elas se apresentem excessivamente

numerosas, mal ou irregularmente construídas, desnecessárias à vista das

peculiaridades do tráfego local, ou ainda perigosas, dadas às condições

específicas das vias públicas consideradas”126

A locomoção, o direito de ir e vir, deve ser visto sob seus diversos

aspectos e estes devem estar atendidos de modo a garantir a circulação

efetiva e eficaz a todos os habitantes da cidade.

No que concerne ao trabalho, tal função está ligada à criação de

condições reais e efetivas de exigências, no âmbito do município, que

possibilitam um ambiente laboral saudável, onde a autorização de

funcionamento, para atividades que utilizem mão-de-obra, leve em

consideração o entorno, isto é, que o local possua em sua redondeza: área

verde, estabelecimento para alimentação – se a empresa não possuir

refeitório-, que sua localização faça parte do trajeto de linhas de ônibus ou

outros meios de transporte, que sua atividade não agrida o meio ambiente. 126 Mancuso. Rodolfo Camargo. Lombadas em vias públicas: uma análise jurídica da relação custo benefício. São Paulo:Revista dos Tribunais, 702/45.1994

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Tais preocupações devem, também, fazer parte do trabalho informal, criando

condições para o desenvolvimento e prática do comércio de artesanato,

trabalhos manuais e outros.

Para o exercício das atividades laborais em local saudável deve ser

observado o bem estar de todos – trabalhador e moradores do entorno-.

Estamos a dizer que compete ao poder público determinar e fiscalizar os

locais onde as empresas poderão fixar estabelecimento, levando em conta,

para sua decisão, o modo que as atividades comerciais pretendidas irão

interferir na vida da população do entorno – todos os tipos de poluição e em

especial a sonora127, e etc. -.

Trazemos à colação a decisão do acórdão da 3ª Câmara de Direito

Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgamento do AI nº

066.025-5/5 em 24.03.1998, relator Desembargador José Cardinale, cuja

ementa diz: “Ação Civil Pública. Liminar determinando a desativação de

estabelecimento comercial instalado em zona residencial e sem alvará.

Regularidade. Agravo não provido.”

Quanto ao lazer, a cidade deverá possuir áreas destinadas à

recreação, tais como: praças e parques que deverão ser construídos e

127 Fernando Célio de Brito Nogueira averbou que : “os ruídos urbanos que atormentam a população na forma de poluição sonora podem ser tutelados pela ACP, em face de interesse difuso que encerram, pois o repouso, o sossego e mesmo o trabalho em condições auditivas salubres são direitos assegurados a todos....O ruído provoca a diminuição da capacidade de concentração do indivíduo, dispersa sua atenção, incomoda os nervos e provoca irritabilidade, podendo até chegar a perturbações mentais” in Ação Civil Pública por poluição sonora, cabimento e legitimidade do MP.RJ 239,set.97, p.21-25

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mantidos, bibliotecas em condições efetivas de utilização, atividades

culturais de inclusão social deverão ser buscadas, espaços públicos devem

ser disponibilizados para utilização nos finais de semana, como rua de lazer

ou similar. Tais atividades não podem possuir um caráter de discriminação

ou exclusão, isto significa dizer que, para o desfrute da recreação, as

pessoas efetivamente devem ter acesso a todas as propostas e isso inclui

ter conhecimento dos eventos, poderem participar a um custo mínimo,

possuir condições de locomoção (transporte a preços menores) e os locais

escolhidos devem atender a todo tipo de habitante, independente de sua

classe social, com especial atenção a população de baixa renda, que sob

hipótese alguma não poderá ser segregada ou confinada ao nada.

Ainda quanto a recreação, outro ponto a ser observado é a estética

urbana, onde as posturas municipais deverão apontar os locais onde os

cartazes, anúncios e outros deverão ser proibidos, permitidos e nestes casos

quando, como e por quem deverão ser retirados, lembrando que tal ato

necessita de fiscalização. De toda sorte, isto significa dizer que o lazer

implica, também, em uma cidade limpa, cuidada, ou seja, onde a estética

urbana esteja e seja preservada.

Em linhas gerais o bem estar será alcançado quando as funções da

cidade acima elencadas forem cumpridas. Assim, o princípio da dignidade

da pessoa humana e a promoção da redução das desigualdades serão

conseqüências, também, da funcionalização da propriedade. Quanto à

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previsão Constitucional da função social da propriedade urbana, o § 2º do

artigo 182 estabelece:

“ a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende à exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”

Nesse passo, a propriedade urbana cumpre sua função social quando

atende as diretrizes do plano diretor. Portanto, a Carta Política estabeleceu

um novo instrumental para a efetivação daquela função. E por disposição

constitucional, a competência para legislar a respeito de direito urbanístico é

concorrente entre a União e os Estados (artigo 24,I) e aos municípios

compete “ promover, no que couber,adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação

do solo urbano” ( artigo 30,VIII).

Do simples compulsar de nossa Constituição verificamos que emerge

o plano diretor com robusta importância, na medida em que a conformação

da função social da propriedade estará delimitada no plano.

E mais: abriu-se a possibilidade de existirem várias formas dessa

função, isto porque nosso território possui características gigantescas e,

conseqüentemente, temos disparidades entre os municípios.

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Cabe ressaltar que cada município, atendendo sua vocação e

peculiaridade, buscará a conformação mais adequada para atender as

funções urbanas elementares definidas na carta de Atenas, agregando a

qualidade de vida e o respeito ao meio ambiente.

Expendidas essas considerações, verificamos que o plano diretor é

instrumento de vital importância para levar a efeito a concretização da

função social da propriedade urbana. Assim, necessário se faz, a breve

trecho, tecer algumas considerações a respeito do planejamento, para em

seguida fazermos uma análise do assunto plano diretor.

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7. DO PLANEJAMENTO E PLANO

7.1. Conceito

Árdua é a tarefa de conceituar o planejamento, na medida em que

não é exato, concreto e específico. É algo que se situa no plano subjetivo

das idéias, sendo um meio de resolver problemas, e como tal é dinâmico, na

exata proporção em que as situações a serem solucionadas não são

estáticas e apresentam vibração e mutação constantes.

Ressalte-se que não é o objetivo deste trabalho analisar com

profundidade o assunto, mas, tão-somente, trazer um panorama geral,

apresentando a posição de alguns autores sobre o tema.

Eros Grau ensina:

“ A partir , no entanto, da adoção das técnicas de planejamento, que envolvem previsões de desenvolvimento futuros como base para a tomada de decisões, começou a administração estatal a ser desenvolvida do modo prospectivo...A natureza prospectiva do planejamento, assim, quando as definições através dele consumadas assumem forma normativa, implica uma ruptura da técnica ortodoxa da elaboração do direito, tradicionalmente retrospectiva. A afirmação de que a partir das experiências vividas é que são elaboradas normas jurídicas é então negada

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pela realidade do planejamento e o método retrospectivo e substituído pelo prospectivo”128

Alaôr Caffé Alves preleciona:

“Essas atividades, ao formar um conjunto consistente e pautado segundo normas diretivas e técnicas suficientes para lhe garantir um mínimo de unidade, coerência e eficácia, constituem um processo de planejamento. Convém notar, entretanto,que este conceito exprime idealmente o processo de planejamento, não o descreve tal como se dá na realidade. É uma expressão lógica e não real daquele processo”129

José Afonso da Silva sintetiza:

“ O planejamento, em geral, é um processo técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido do objetivos previamente estabelecidos”130

Examinando as lições pré-citadas, temos para nós que planejamento

é um processo técnico que tem por finalidade transformar uma situação

existente. E como tal, faz referência ao tempo e é composto pelo agir e fazer

humanos, para a obtenção de uma ordem, objetivando a consecução de fins

previamente estabelecidos e, conseqüentemente, deve ser flexível, na

medida em que sua composição (agir e fazer humanos) não pode ser

estática. Em última análise, é um método, onde se processa o modo de

executar para o alcance de certos objetivos.

128 Grau, Eros Roberto. Planejamento econômico e regra jurídica. São Paulo: RT, 1977, p. 74 129 Alves, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1979, p.47 130 DA Silva, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores , 3ª edição, p.87

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Com efeito, tudo isso leva-nos a uma seqüência concatenada de

atividades, a um conjunto de elementos materiais ou ideais relacionados

entre si para uma finalidade comum , surgindo , portanto a idéia de sistema.

Ora, se, em apertada síntese, essa concepção sistêmica do

planejamento é uma seqüência concatenada de atividades, parece-nos certo

afirmar que sua elaboração atenda aos seguintes passos: o diagnóstico, as

diretrizes de atuação, o estabelecimento de prioridades e a

instrumentalização.

Sem prejuízo dos demais elementos que integram o planejamento,

vamos focar nossa atenção à questão da instrumentalização deste. Assim,

do ponto de vista legal o meio pelo qual o processo de planejamento se

instrumentaliza cinge-se na elaboração do plano e este ingressará no mundo

jurídico na forma de Lei.

Na Constituição Federal de 1988 o planejamento foi, às largas,

enfatizado, contando com sólidos fundamentos.Vejamos alguns pontos: o

art. 21, IX, define a competência da União para elaborar e executar planos

nacionais, regionais de ordenação do território, de desenvolvimento

econômico e social; o inciso XX do mesmo dispositivo– instituir diretrizes

para o desenvolvimento urbano.. , art. 25, § 3º, estabelece que - os Estados

poderão instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e

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microrregiões...para integrar a organização, o planejamento e a execução de

funções públicas de interesse comum; o art. 30 estatui que: compete ao

município promover adequado ordenamento territorial, mediante

planejamento e controle do uso do solo ..; o art. 174 estatui instrumentos de

atuação no domínio econômico, o § 1º determina que a lei estabelecerá as

diretrizes e bases do planejamento, do desenvolvimento nacional

equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e

regionais de desenvolvimento; o § 1º, do artigo 182 determina que o

instrumento básico para a política de desenvolvimento e expansão urbana é

o plano diretor , para cidades com mais de 20 mil habitantes.

Há que se considerar que os dispositivos constitucionais trazidos à

baila espelham, em razão de sua eficácia, que o planejamento não depende

da vontade dos administradores públicos, tratando-se, destarte, de uma

imposição jurídica.

Aliás, oportuno registrar os ensinamentos de José Afonso da Silva:

“ O planejamento, assim, não é mais um processo dependente da mera vontade dos governantes. É uma previsão constitucional e uma provisão legal. Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos , que são os instrumentos consubstanciadores do respectivo processo.Importa aqui notar , entre nós, sua natureza está perfeitamente estabelecida na constituição Federal, quando no artigo 48, IV, diz que cabe ao congresso Nacional dispor, com a sanção do Presidente da Republica, sobre plano e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento.Com isso os

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planos adquirem natureza de lei, pois , de fato, são aprovado por lei que ficam fazendo,parte integrante.”131

Importante frisar que há uma distinção entre planejamento e plano.

Nesse sentido, não podemos nos furtar de fazer nossas as palavras de John

Friedmann, que tão bem define os conceitos em comento:

“o planejamento é, por vezes , definido como sendo um meio de resolver problemas de maneira mais ou menos racional;os planos são,por outro lado, aqueles documentos que dão corpo a tais decisões.O planejamento é um processo dinâmico, os planos têm características estáticas : são impressos, encadernados, lidos , postos em prateleiras de biblioteca... O planejamento não pode ser lido: é uma atividade contínua”132

Neste diapasão, o programa de administração (plano) é uma

obrigação que decorre da materialização do planejamento, na forma da lei. A

problemática que suscita tanta controvérsia na doutrina é a obrigatoriedade

dos planos e a responsabilidade do Estado por sua não execução.

Em que pese as diversas posições doutrinarias sobre a questão, não

nos parece, talvez até por força de uma ótica simplista, maiores razões para

divergências à cerca do tema.

131 DA Silva, José Afonso.Direito urbanístico brasileiro.São Paulo: Malheiros Editores , 3ª edição, p.86 132 Friedmann, John R.P., Introdução ao planejamento regional.Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1960, p.6 e 7

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Para tanto basta, a nosso ver, detido exame das disposições do art.

174 da Constituição Federal. Vale transcrevê-lo.

“ artigo 174- como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da Lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado .” (grifos nossos.)

É de se ver, que nossa lei Fundamental definiu, embora tratando da

atividade econômica, que o planejamento (plano) será determinante para o

setor público e indicativo para o setor privado. Nesse contexto, se nos

afigura que tal conceito deve ser espraiado para todo e qualquer

planejamento (plano).

Considerando que o planejamento possui um aspecto relevante no

tema plano, na medida em que são dotados de força vinculante, a doutrina

classifica-os com indicativos, incitativos ou imperativos. Lucia Valle

Figueiredo ensina:

“Planos indicativos são aqueles em que o governo apenas assinala em alguma direção, sem qualquer compromisso, sem pretender o engajamento da iniciativa privada. De outra parte, planos incitativos são aqueles em que o Governo não somente sinaliza, mas pretendo também o engajamento da iniciativa privada para lograr seus fins. Nesses planos há não apenas a indicação como também, e, muitas vezes, promessas com várias

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medidas, quer por meio de incentivos, ou por qualquer outra forma para que a iniciativa privada colabore. Nessas hipóteses, contam os administrados que aos planos aderem com a confiança, a boa fé e a lealdade da administração. Portanto, se modificações houverem, certamente, em casos concretos existiram prejuízos. Já os planos imperativos falam por si próprios, ou seja, a própria palavra define-os. Imperativo é o que deve ser observado.133

Os planos indicativos embora não obriguem o particular ao seu

cumprimento ou não possuem a pretensão do seu engajamento, não

significa que seu regramento não produzirá efeitos jurídicos aos particulares.

Deveras o plano indicativo possui determinações que devem ser cumpridas,

ou seja, o setor privado não está livre para adotar medidas e meios

contrários aos objetivos disciplinados no plano. No que toca a Administração

Pública esta, também, deve observar os critérios marcados no plano,

quando as atividades ali previstas dependerem de licença ou autorização.

Quanto aos incitativos há a necessidade da adesão voluntária e se

esta acontecer a Administração deve cumprir as medidas estabelecidas, sob

pena de ferir o princípio da boa-fé. No caso da quebra de confiança e o

desrespeito pela Administração gerar prejuízo, o Estado tem o dever de

indenizar o particular.

133 Figueiredo, Lúcia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do estado por dano decorrente do planejamento. Curitiba:GÊNESIS – Revista de direito administrativo aplicado, setembro de 1995, p.647.

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Por fim, aos imperativos possuem como característica marcante a

cogência, isto é, os particulares ficam obrigados a uma determinada

conduta.

Importante registrar que a instituição de qualquer tipo de plano obriga

ao atendimento dos princípios da legalidade e da igualdade. Em outro giro,

as normas do plano não podem beneficiar grupos ou interesses particulares,

mas devem estar direcionadas e condicionadas a um tratamento igual para

todos.

No que diz respeito ao planejamento urbanístico, este não pode estar

adstrito aos planos meramente indicativos para o setor privado, pois a

normação urbanística preconizada no texto constitucional, tem como

essência propiciar faculdades e direitos e gerar obrigações aos indivíduos

para o cumprimento dos objetivos da política urbana, como o de garantir que

a propriedade atenda sua função social”134

Os planos urbanísticos determinam regras a respeito do uso e

ocupação do solo na urbe, regulamentando os instrumentos de atuação do

Poder Público, possuindo, portanto, a característica de normas impositivas

que obrigam o particular. Características dos planos imperativos.

134 Saule Junior,Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento constitucional da política urbana, aplicação e eficácia do plano diretor. Porto Alegre:Sérgio Antonio Fabris editor, 1997, p.147.

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As normas constitucionais a respeito da política urbana determinam o

processo de planejamento urbano, com a finalidade de ordenar as funções

sociais da cidade e garantir o bem – estar de seus habitantes. Assim, para

os planos urbanísticos, não cabe a distinção de plano imperativo e/ou

indicativo.

Ao cuidar dos planos urbanísticos José Afonso da Silva entende que :

“Todavia, há diferenças que justificam um tratamento especial de sua problemática. Basta dizer que, nele, já não se configura, com nitidez, aquela distinção de plano em imperativo e indicativo. O que, em regra, se verifica é que os planos urbanísticos podem ser gerais ou especiais (particularizados ou pormenorizados), e aquelas são menos vinculantes em relação aos particulares, porque são de caráter mais normativo e dependentes de instrumentos ulteriores de concreção, enquanto os outros vinculam mais concretamente a atividades dos particulares, mesmo nos regimes de economia de mercado. É que, aqui, não se trata de intervenção no domínio econômico propriamente dito, mas no domínio mais restrito do direito de propriedade, a respeito do qual a ordem constitucional permite a interferência imperativa do Poder Público por meio da atuação da atividade urbanística. Em vez de planos imperativos e planos indicativos, fala-se,preferentemente, no campo urbanístico, em planos gerais, ou planos preparadores, e em planos vinculantes, planos especiais, planos preparadores, e em planos vinculantes, planos especiais, planos particularizados, planos de urbanização ou planos de edificação.Todos são, porém, imperativos no limite de sua normatividade e todos são vinculantes em certo sentido, à vista de seus destinatários mais imediatos.”135

135 Da Silva, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro, São Paulo: Malheiros Editores, 3ª edição, 2000, p.89/90.

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Temos que as regras gizadas nos planos urbanísticos integram as

normas de direito urbanístico, portanto devem ser constituídos com

fundamento nos preceitos constitucionais norteadores da política urbana.

7.2. Regime jurídico do plano urbanístico

O plano urbanístico, na medida em que retrata o planejamento do

Poder Executivo, deve possuir os objetivos que devam ser atingidos,

estipular políticas para alcance de suas finalidades e identificar recursos

para alcançar tal desiderato.

Como já dito, o plano urbanístico deve ingressar no mundo jurídico

por meio de lei, que deverá prever as diretrizes normativas do plano, de

modo a conceder eficácia às regras nele contidas.

Assim, se a função social da propriedade é um dever constitucional –

artigo 5º, inciso XXIII - e esta função social será realizada por meio da

edição do plano diretor, o poder executivo municipal tem o dever de editar o

referido plano.

Nesse passo, se o poder executivo e legislativo omitirem-se em seu

dever de delinear o desenvolvimento pleno da função social da cidade e de

garantir que a propriedade esteja voltada ao uso socialmente justo e

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ecologicamente equilibrado de seu território, como forma de assegurar o

bem estar da população, estarão incorrendo em omissão.136

Quanto ao legislador omisso, José Joaquim Gomes Canotilho,

averba:

“ o legislador omisso suporta uma censura jurídico-constitucional de violação de direitos fundamentais equivalente à antiga interferência ilícita no âmbito da liberdade e propriedade dos cidadãos”137

Assim, a não edição do plano diretor viola, por omissão, direitos

fundamentais, na medida em que não cria meios necessários à

concretização da imposição constitucional estampada no artigo 182, § 2º e

artigo 5º, inciso XXII e XXIII da Constituição Federal.

7.3 Planos urbanístico e sua tipologia

O plano urbanístico possui características próprias, sendo certo que a

ordem constitucional permite a interferência no direito de propriedade. E

como tal, não é simplesmente um documento técnico. No dizer de José

Afonso da Silva é: “um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo normativo

e ativo, no sentido de que anteprojetos elaborados por técnicos especialistas

136 Registramos que no capítulo VIII do presente trabalho, tratamos da questão da omissão. 137 Canotilho. José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra Editora, 1982, p.369

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adquirem a categoria de diretrizes para a política de solo e sua

edificação”.138

Não bastasse a dificuldade conceitual do planejamento dado a seu

caráter geral e flexível imbricamos, agora, na questão da natureza jurídica

do plano.

Ora, o plano importa em profundas inovações impondo obrigações e

gerando direitos e, como já registrado, ingressa no sistema jurídico por meio

de edição de lei.

Com estas características a lei que aprova o plano contém diretriz

normativa e concede eficácia às regras contidas nele. Portanto, sua natureza

jurídica é de lei, no sentido material e formal.

Oportuno ressaltar que historicamente a idéia de planejamento/plano

sempre esteve intimamente ligada ao município, personificado nos planos

diretores. Contudo, com a realidade trazida pelo fenômeno da urbanização

139 e do desenvolvimento, constatou-se que planejar somente no âmbito

municipal seria muito pouco. Via de conseqüência, a necessidade de

138 DA Silva, José Afonso.Direito urbanístico brasileiro.São Paulo: Malheiros ,3ª edição, p.91/92 139 urbanização processo de crescimento em proporção superior da população urbana em relação a rural ; urbanificação : correção da urbanização; urbanismo técnica e ciência para ordenação dos espaços habitáveis

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ordenação espacial nacional tornou-se medida imperiosa e emergiu como

forma de solucionar toda a problemática urbana existente.

Antonio Otávio Cintra já registrou:

“ estariam em jogo decisões em duas amplas frentes, uma delas voltada para a rede urbana nacional, como um todo, a ser alvo de políticas de ocupação territorial, e a outra voltada para as próprias cidades como lugares onde as atividades setoriais, principalmente levando-se em conta a sua proximidade física, se tornam interdependentes”140

O planejamento deve considerar a sistematização interurbana no

nível nacional, regional, estadual e intra-urbano no nível local, ou seja, deve-

se levar em conta o mapeamento nacional no desenvolvimento do

planejamento regional e estadual e, de igual modo, o local não pode estar

dissociado daqueles, caso contrário continuaremos com a famigerada falta

de comunicação e total ausência de concatenação de atos, que resulta no

prejuízo do desenvolvimento nacional e na impossibilidade de erradicar as

desigualdades sociais e regionais, que são objetivos da nossa lei

Fundamental.

Diante dessa realidade, se nos afigura muito apropriada a tipologia

apresentada por José Afonso da Silva:

140 Cintra, Antonio Otávio e outros. Dilemas do planejamento urbano e regional no Brasil, p. 189

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“Planos Urbanísticos: Federais: Nacionais: estabelecem as diretrizes e objetivos gerais do desenvolvimento urbano (da rede urbana); Macrorregionais: sob a responsabilidade das superintendências do desenvolvimento das regiões geoeconômicas do país; Setoriais: ordenação territorial especial (plano de viação, plano de defesa do meio ambiente etc.) Estaduais: Gerais: de ordenação do território estadual, respeitadas as diretrizes federais. Setoriais: defesa do meio ambiente, plano de viação estadual, respeitados diretrizes e princípios do plano nacional de viação (CF,art 21,XXI) Municipais: - microregionais: com valor de planos de coordenação no âmbito de cada região administrativa estadual - Gerais: planos diretores -Parciais: zoneamento, alinhamento, melhoramentos urbanos etc. - Especiais; distritos industriais, renovação urbana, etc”141

No que concerne ao plano diretor, este se enquadra na tipologia de

plano municipal geral, que tem por finalidade o adequado ordenamento do

território do município com o objetivo de disciplinar o uso do solo. Em outras

palavras “ seu objetivo geral é o de instrumentar uma estratégia de

mudança no sentido de obter a melhoria da qualidade de vida da

comunidade local”142

141 DA Silva, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro, São Paulo: Malheiros Editores, 3ª edição, p.101. 142 DA Silva, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro, São Paulo: Malheiros Editores, 3ª edição, p.134.

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Após essas brevíssimas considerações a respeito desse tema,

passemos, pois, a discorrer a respeito da política urbana e o Plano Diretor.

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8. DA POLITICA URBANA E O PLANO DIRETOR

8.1 Da Política Urbana

A palavra política, tem origem do grego politike, significa arte de

governar e quer dizer modo de organização; e urbana, tem origem do latim

urbanos, “ diz respeito aquele que é relativo ou pertencente a cidade, ou que

lhe é próprio”143, significa a urbes ou cidade. Política urbana, portanto, é o

modo de organizar a cidade.

O meio urbano e a vida na cidade, ganharam relevo e transformaram-se

em objeto de preocupação após o abandono do campo. Especificamente em

nosso país, temos a considerar que o Brasil passou por um forte processo de

urbanização a partir de 1930. Entre meio rural e urbano não havia mais

equilíbrio e decorreram as migrações campo-cidade, que geraram graves

conseqüências.

Sobre o tema Toshio Mukay averbou:

"O mencionado fenômeno da industrialização, auxiliado pelo desenvolvimento dos meios de transportes, provoca violentas modificações nas antigas e equilibradas relações entre o meio rural e o meio urbano. A intensa urbanização, fenômeno conseqüente do primeiro e que significa a criação de novas áreas urbanas e intensificação do gênero urbano de vida de todas as áreas já existentes, é acontecimento típico da era que se seguia à Revolução Industrial. Da necessidade de impedir o aparecimento inevitável de inúmeros males ligados a esse crescimento

143 Dicionário Eletrônico Houaiss, versão 1.0, dezembro de 2001, distribuído pela Editora Objetiva Ltda., de acordo com o dicionário foi em 1702 que a palavra urbano foi utilizada no sentido de cidade.

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desordenado, começou a surgir uma especialização nova que visa não só ordenar a cidade, mas, agora com uma preocupação de maior alcance, qual seja a de disciplinar e conseguir estabelecer técnicas de intervenção no processo de ocupação do espaço"144

No período pós 2ª Guerra esse processo foi intensificado, a

necessidade de se executar um planejamento se fez presente de modo

efetivo. Não obstante a realidade e a necessidade, pouco de fato ocorreu.145

Desde então, o processo de expansão das cidades se acelerou146 e a

matéria foi pela primeira vez tratada no âmbito constitucional e veio

estampada na constituição de 1988.

O constituinte originário de 1988, trouxe meios de compatibilizar o

conceito de propriedade às novas necessidades sociais. De acordo com os

artigos 182 e 183 o Poder Público municipal é munido de meios de coagir o

proprietário a dar uma utilização social à propriedade.

Assim, a política urbana tem por objeto a organização da propriedade

urbana que é matéria tratada no âmbito do Direito Urbanístico. José Afonso da

Silva adverte que:

144 Mukai,Toshio. Apud Bastos, Celso Ribeiro. Comentários à constituição do Brasil, vol VII. São Paulo:Saraiva, 1990, p.200

145Toshio Mukai registrou que "no período que medeia entre o após-guerra imediato e a década de 60, um trabalho apenas se destaca no quadro de planejamento da Região (São Paulo): é o estudo elaborado pela equipe SAGMACS, sob coordenação do Padre Lebret." Idem obra citada.

146 É cediço que as grandes cidades brasileiras cresceram descontrolada e desordenadamente, onde loteamentos clandestinos, irregulares e invasões de áreas públicas ocorreram à revelia do poder público. E hodiernamente temos a denominada cidade ilegal, cuja existência e permanência, em boa parte, é resultado da omissão estatal.

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“Propriedade urbana é um típico conceito de direito Urbanístico na medida em que a este cabe qualificar os bens urbanísticos e definir seu regime jurídico. A qualificação do solo como solo urbano, porque, destinado ao exercício funções urbanísticas elementares (habitar,circular,recrear e trabalhar), dá a conotação essencial da propriedade urbana. Esta se define assim pelo seu destino urbanístico.”147

O direito urbanístico precipuamente tem por finalidade normatizar os

espaços habitáveis. Com fundamento no artigo 182, da Constituição Federal,

podemos afirmar que este ramo do direito deve legislar sobre e para a

cidade.

Assim é, que a Constituição Federal no capítulo da Política Urbana148

determinou que a função social da propriedade urbana fosse delineada por

meio do plano diretor (artigo 182, parágrafo 2º), bem como estabeleceu as

sanções em caso de seu descumprimento(artigo 182, parágrafo 4º).

Por expressa disposição constitucional, a função social da

propriedade urbana, seu conteúdo positivo e suas condições serão

estabelecidas pelo plano diretor. A respeito do tema Celso Ribeiro Bastos

assinalou:

147 Silva, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo:Malheiros Editores, 3ª edição.

148 A regulamentação da matéria veio com a edição da Lei 10.257, de 10/07/2001 - Estatuto da Cidade, que estabeleceu diretrizes gerais para a política urbana.

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“No que diz respeito à propriedade urbana a Lei maior não é tão rica. Diz tão-somente que ela há de atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressa no plano diretor. A primeira conseqüência que se extrai é que a propriedade urbana não está sujeita a uma modalidade qualquer de exigência feita em nome de uma teórica concepção de que seja função social do imóvel. Só são admitidas exigências que digam respeito à ordenação da cidade, e mais, é necessário ainda que se trate de exigência inserida no plano diretor. Consequentemente, há de se manter estreita consonância com a natureza deste,que, como o próprio § 1º explicita, é um instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.”149

O bem estar dos cidadãos residentes nas cidades se concretizará por

meio da ordenação da urbe. Ordenar significa pôr em ordem, dispor da

melhor maneira os espaços habitáveis e a ordem posta será materializada

por meio do plano diretor.

Importante ressaltar, que a necessidade de demarcar a preocupação

com o solo urbano, além do fato da expansão da cidade e a conseqüente

qualidade de vida, reside na diferença entre solo rural e urbano.

O primeiro (rural) depende de investimentos de seu proprietário para

a produção de riquezas naturais. O segundo (urbano), na maioria das vezes,

não é destinado à produção de riquezas naturais e não depende de nenhum

investimento de seu proprietário, localização, acessibilidade, equipamentos

149 Bastos, Celso Ribeiro. Comentários à constituição do brasil, p.21

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urbanos de seu entorno, serviços públicos que o cercam é que agregam

valor ao bem.

Assim, o valor do solo urbano não é resultado do trabalho individual

de seu proprietário, mas sim da contribuição de toda a sociedade. Tal fato

resultou na especulação imobiliária.

A especulação imobiliária na cidade cresceu de modo assustador, na

medida em que o especulador entendeu que adquirindo uma área, mesmo

longínqua e esperando a implantação dos serviços, de equipamentos

públicos, conseqüência natural do crescimento da urbe, lucraria sem esforço

ou investimento no local.

Portanto, surgiu a necessidade do combate aos espaços vazios nas

cidades, inibindo e combatendo a especulação. Caminhando nesse sentido

o Constituinte de 1988, a teor do § 4º , do artigo 182, sanciona o proprietário

com o parcelamento ou edificação compulsório, com o IPTU progressivo no

tempo e desapropriação, que será indenizada com títulos da dívida pública.

O arcabouço constitucional conforma o princípio da função social da

propriedade urbana, informando que ele (princípio) qualifica e condiciona o

uso do bem, no sentido de obrigar o proprietário a dar ao imóvel destino

compatível com a justiça social.

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Considerando o objeto de nosso estudo e antes de seguirmos nosso

tema, imperioso se faz uma breve digressão a respeito da progressividade

da alíquota do IPTU em face da Emenda 29/2000.

Preliminarmente, necessário trazer a definição de progressividade:

“progressivo vem do latim progressus, de progredi (progredir, ir para adiante

ou avançar), é empregado, notadamente na terminologia do Direito

Financeiro, para designar a situação de alguma coisa que aumenta, em

progressão, à elevação do valor da coisa sobre que se baseia. Dessa forma,

a progressividade (qualidade, caráter e condição o que é progressivo),

caracteriza-se pelo aumento crescente da tarifa ou dos elementos, que

servem de base à verificação do imposto, em razão do aumento da cota ou

da riqueza, em que vai incidir.”150

A Constituição Federal (§ 1º, inciso I, do artigo 156) determina que,

sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º,

inciso III, o IPTU poderá: I. Ser progressivo em razão do imóvel. II. Ter

alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel (redação

da Emenda 29 de 13.09.2000).

Assim, um preceito Constitucional utiliza-se da expressão poderá, que

leva ao entendimento de caráter facultativo, (156) e outro determina a

150 De Plácido e Silva. Vocabulário jurídico, v.3, p. 1236.

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progressividade (182). A dicotomia, existente ou não, faz surgir, portanto, a

polêmica situação do IPTU.

O assunto progressividade do IPTU, antes da emenda 29, já foi alvo

de discussões. A exemplo, temos a legislação do município de São Paulo,

que em 1991, criou alíquotas mais elevadas para terrenos ociosos ou

imóveis não residenciais, sem a previsão das referidas localidades em plano

diretor, obrigatório para municípios com mais de vinte mil habitantes. O

Tribunal de Justiça de São Paulo julgou legitima a tributação fundamentando

que a distinção entre imóveis residenciais e não residenciais não viola o

princípio da isonomia tributária – Adin nº 14.927-018 – Pleno – DJ

07/06/1995. O Primeiro Tribunal de Alçada de São Paulo decidiu pela

inconstitucionalidade – Súmula nº 43-. O STF acolheu a ADIN para decretar

a inconstitucionalidade da tributação progressiva151, assentando que “ é

inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda

constitucional 29/1000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se

destinada assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”

Súmula 668 do STF.

O STF demonstrou a incompatibilidade da progressão de alíquotas

decorrente de uma suposta presunção da capacidade econômica do

contribuinte consubstanciada no art. 145, §1º da Constituição Federal. A única

progressividade admitida pela Lei Maior ao imposto versado fundamenta-se na

extrafiscalidade constante da disposição do art. 182, II, § 4º combinado com o

disposto na redação anterior do art. 156, §1º. 151 RE nº 199.281-6. Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, j. 11.11.98,DJU de 24.11.98

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A emenda nº 29 veio tentar constitucionalizar a progressividade fiscal do

imposto imobiliário urbano, diante das reiteradas decisões contempladas pela

Suprema Corte Brasileira em desfavor dos Municípios. Todavia, para todos os

efeitos, enquanto tal Emenda não seja objeto de revisão, a municipalidade

encontra-se plenamente capacitada para editar leis que viabilizem a

progressão do IPTU em sua modalidade fiscal e extrafiscal, já que dispõem de

um dispositivo constitucional a seu favor.

Após a emenda, o tema ainda é polêmico. José Eduardo Soares de

Mello averbou:

“ A circunstancia de a CF haver considerado a progressividade do IPTU em dois capítulos distintos (sistema tributário – art. 156,§ 1º; e a ordem urbanística – art.182,§ 4º,I), não significa autonomia e tratamentos jurídicos diferenciados, uma vez que a progressividade justifica-se no âmbito do desenvolvimento urbano,condicionado a prévia edição de lei específica de área incluída no plano diretor, no contexto da função social da propriedade.Injustificável a progressividade do IPTU como singelo procedimento fiscal, de cunho meramente arrecadatório, divorciado da política de desenvolvimento urbano. A nova diretriz constitucional (Emenda nº 29/2000) possibilita, além da progressividade no tempo, a progressividade em razão do imóvel” 152

Saliente-se, tão-somente, a guisa de registro, que a situação da emenda

29/2000 traz consigo acaloradas discussões a respeito de sua

constitucionalidade. De um lado há defensores da natureza real do IPTU, fato

152 Paulsen, Leandro. Impostos: federais, estaduais e municipais/ Leandro Paulsen, José Eduardo Soares de Melo. - Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004.

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que impede levar em consideração a condição pessoal do sujeito passivo

(capacidade contributiva) afastando a progressividade fiscal.

De outro lado, temos os defensores de que no texto constitucional não

há vedação ao emprego do princípio da capacidade contributiva em relação

aos tributos reais. Tal corrente afirma que a relação jurídico-tributária é de

ordem pessoal obrigacional e não real. Sustentam, também, que a

determinação da base de cálculo do IPTU não possui precisão matemática,

havendo uma presunção de seu valor, e por mais este motivo defendem que o

aludido imposto deve obedecer o princípio da capacidade contributiva

Após, estas rápidas colocações a respeito das divergências que o

tema progressividade do IPTU traz consigo, temos a apontar que a posição,

atual e, portanto, anterior a emenda 29, do STF com relação à

progressividade somente é admissível para assegurar o cumprimento da

função social. E a função social da propriedade urbana estará conformada

no plano diretor ou normas urbanísticas.

Não obstante a determinação constitucional da busca do bem comum,

por meio da ordenação dos espaços urbanos habitáveis, temos uma

situação: não há tradição no planejamento das cidades.

Como conseqüência de tal realidade, os municípios cresceram

desordenadamente e vivemos o caos urbano, com um número elevado de

pessoas que se encontram em condições de extrema pobreza, favelas

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levantadas com restos de madeira e situadas em locais insalubres, sujeitos a

todo o tipo de risco: deslizamentos, fogo, inundações; e mais, loteamentos

clandestinos que trazem insegurança jurídica àqueles que pagaram pela

posse e lucros àqueles que se valeram da especulação imobiliária. E não

podemos nos furtar de apontar aqueles que “estocam” terrenos urbanos,

com a finalidade única de especulá-los, para a obtenção de lucro na exata

proporção dos investimentos públicos levados a efeito, investimentos estes

que se materializam em decorrência da contribuição de toda a população.

O grande desafio de todos nós, poder público e sociedade, é

promover a busca do bem comum, utilizando os meios jurídicos, legais e

sociais que existem para a correção das mazelas impregnadas na vida das

cidades.

Posto isso, emerge com robusta importância o plano diretor que é o

instrumento básico da política de desenvolvimento urbano e meio de

desenhar e redesenhar a função social da propriedade urbana , cuja

competência para execução de tal política é do município, conforme

veremos a seguir.

8.2. Competência em matéria urbanística

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A estrutura federativa do Estado exige a divisão de competência153,

consistente no meio territorial da divisão jurídica do poder político.

Os entes políticos repartem atribuições, sendo que a descentralização

política possui a característica da capacidade legislativa de cada ente

federado. Há descentralização, mas é mantida a unidade como um todo154.

O sistema constitucional pátrio procedeu a repartição de competência

entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. ”...as competência

constitucionais assumem uma estrutura verticalizada, porém não

hierarquizada. Significa dizer que naquelas matérias nas quais deva haver

normas federais os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios

devam respeitar as orientações gerias para , após, particularizarem seus

interesses.”155

Especificamente a respeito das competências urbanísticas, a

Constituição Federal determina que compete à União “ instituir diretrizes

para o desenvolvimento urbano, inclusive saneamento e habitação”, nos

termos do artigo 21, inciso XX, são competências materiais ou de execução

153 Celso Antonio Bandeira de Mello conceitua competência “... como o círculo compressivo de um plexo de deves públicos a serem satisfeitos mediante o exercício de correlatos e demarcados poderes instrumentais, legalmente conferidos para a satisfação de interesses públicos” in Curso de direito administrativo, São Paulo: Malheiros Editores, 2002, 15ª edição, p.134. 154 Raul Horta Machado registrou que “ a repartição de competência é a técnica que, a serviço da pluralidade dos ordenamentos do Estado Federal, mantém a ‘unidade dialética de duas tendências contraditórias: a tendência à unidade e a tendência a diversidade” in Repartição de competências na Constituição Federal de 1988. Revista trimestral de direito público, São Paulo:Malheiros Editores, n.2, p.02, 1993. 155 Di Sarno. Daniela Libório. Estatuto da cidade, São Paulo:Malheiros Editores, 2002, p.62.

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e “ legislar concorrentemente com Estados e Municípios sobre Direito

Urbanístico, conforme artigo 24, inciso I, traçando uma política geral (normas

gerais) de desenvolvimento urbano para a Federação como um todo. Na

competência concorrente admite-se a complementação pelos Estados,

Distrito Federal e Municípios , de acordo com o artigo, 30 inciso II.

Quanto aos Estados a sua competência privativa restringiu-se a

instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microregiões, artigo

25, § 3º. Também, foi atribuída a competência para legislar a respeito de

direito urbanístico de modo suplementar – artigo 24, § 1º.

No que concerne as competências urbanísticas Municipais, o

município deve legislar sobre a matéria de “interesse local”, artigo 30, inciso

I, e “ promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante

planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo

urbano” – inciso VIII.

O poder executivo municipal detém a competência para realizar a

política urbana. Em outras palavras, o município possui um papel de grande

relevo na concretização da organização do espaço urbano, que serão

organizados segundo as Leis Orgânicas próprias. Assim, na Legislação em

comento deverão estar traçadas diretrizes gerais a respeito do cumprimento

da função social da propriedade e para o plano diretor, quando for o caso de

sua obrigatoriedade, observando-se as normas federais e estaduais.

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8.2.1 Competência municipal para implantar a Política

Urbana.

Decorre do texto constitucional a competência municipal para :

legislar a respeito de assuntos de interesse local, suplementar a legislação

federal no que couber, promover o adequado ordenamento territorial, por

meio do planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo

urbano.

Antonio Celso Di Munno Corrêa apresenta o significado dos

vocábulos uso, parcelamento e ocupação do solo.

“...Para atingir esse objetivo conta o Município com a competência legislativa para planejar e disciplinar: a) o uso do solo urbano (destinação de áreas do solo urbano ao exercício das funções urbanísticas elementares, o que se faz através da técnica do zoneamento);o parcelamento do solo urbano (processo de urbanização de glebas, através dos institutos do loteamento, arruamento,desmembramento,desdobro do lote e reparcelamento) e c) a ocupação do solo urbano (assentamento urbano, com o controle da densidade edilícia e populacional, através da fixação de taxas de ocupação, coeficientes e gabaritos de edificação”156

156 Corrêa, Antonio Celso di Munno. Planejamento urbano, Revista de Direito Público, nº 98, p. 260,1991.

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Além das competências disciplinadas no artigo 30, o artigo 182 da

Constituição estabelece competência para a elaboração do plano diretor,

obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes.

O plano diretor fixará a política de desenvolvimento urbano, com o

objetivo de ordenar o desenvolvimento das funções sociais das cidades e

garantir o bem estar de seus habitantes. Deverá, também, legislar de modo

a estabelecer a desconformidade do uso do solo urbano não – edificado,

sub-utilizado ou não utilizado com seu adequado aproveitamento, visando a

aplicação das sanções disciplinados no parágrafo 4º, do artigo 182, cujos

incisos são I- parcelamento ou edificação compulsória; II- imposto sobre a

propriedade predial e territorial urbana progressiva no tempo157 ; II

desapropriação com pagamento de títulos da dívida pública.

Não há dúvida que o planejamento no âmbito municipal ganhou

relevo e expressão, na medida em que é por meio do plano diretor que a

ordenação e utilização do solo serão estabelecidas, que a função social da

propriedade urbana estará conformada e moldada. Trazemos o registro de

Yara Prado F. Francisco:

157 O STF julgou que é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não exclusivamente ao disposto no artigo 156,§ 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182 , ambos da Constituição Federal. – RE 153.771, Rel Min. Moreira Alves, DJ 20/11/96. e mais a Súmula 668 do STF assenta é inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional nº 29/2000, alíquotas progressivas de IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.

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“ Essa natureza funcional (refere-se à eficiência social) se acentua com características próprias na esfera da Administração Municipal, pois o governo do Município é justamente aquele que cuida das necessidades imediatas das populações, com raízes profundas na comunidade básica. Nos países de grande dimensão, do tipo federal como Brasil, um grande espaço se abre para o exercício da planificação municipal e da planificação regional, com base no exercício da ampla autonomia e descentralização”158

Concluindo, o ordenamento territorial da cidade, mediante o

planejamento, é competência própria e exclusiva do município.

8.2.2 Obrigatoriedade da instituição do plano diretor

A Constituição Federal determinou a obrigatoriedade da instituição de

Plano diretor para municípios com mais de vinte mil habitantes – artigo 182,

parágrafo 1º.

O ordenamento territorial, mediante planejamento, é competência

municipal. Tal competência não é suplementar, ao contrário, é própria e

exclusiva do município.

Destarte, cabe ao município levar a efeito sua competência, de sorte

a ordenar o território, em consonância com os interesses locais. Isso que

158 Francisco, Yara Prado Fernandes. Planejamento como instrumento de desenvolvimento urbano. Revista Trimestral de Direito Público, nº 23, p.152. 1998

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dizer que, o município com mais de 20 mil habitantes deverá possuir plano

diretor, de outra parte, aqueles com número inferior,159 deverão condicionar

a propriedade por meio de lei orgânica e normas urbanísticas municipais

Vale registrar que nossa tomada de posição, com relação aos

municípios com menos de vinte mil habitantes, sustentou-se em nosso texto

constitucional, na medida em que a propriedade é garantida, desde que

atendida sua função social ( incisos XXII e XXIII , do artigo 5º). Aliás, como

já dito anteriormente, o constituinte compatibilizou o direito individual –

propriedade- com o direito difuso – propriedade condicionada ao uso

socialmente justo e ecologicamente equilibrado, de modo a garantir o bem-

estar de todos.

As normas que estabelecem direitos e garantias têm aplicação

imediata, nos termos do § 1º, do artigo 5º, utilizando das palavras de Maria

Helena Diniz, estamos diante “do fenômeno eficácia positiva”160.

A propriedade deve cumprir a função social e tal princípio tem eficácia

plena e imediata, assim a atuação harmônica com os valores normados está

condicionada.Tal arcabouço deve levar ao cumprimento dos objetivos da

República reduzindo as desigualdades sociais.

159 A respeito do tema, Pedro Escribano Collado averbou quando da análise da Lei do Solo espanhola:“ Na ausência do plano é possível dar um destino urbanístico ao solo? O problema é complexo e exige um estudo detido....E afirma que A Lei do Solo possui uma série de instrumentos para suprir a ausência do plano e dentre eles o projeto de delimitação, aprovado pela Comissão Provincial de Urbanismo.” La propiedade privada urbana (encuadramiento y regimen), Madrid: Montecorvo, 1979, p.175/175

160 Diniz, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos, São Paulo:Editora Saraiva, 1989, p.71

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Estamos a dizer que o princípio da função social da propriedade não

esta adstrito somente às normas do Plano Diretor. Assim, em decorrência

do princípio da legalidade, para os casos sob comento, deverão existir leis

municipais a regular a matéria.

Impende aqui registrar que, a exclusão dos municípios com menos de

vinte mil habitantes da obrigação de um planejamento, apresenta proporções

gigantescas, na medida em que se verificou, por meio do último senso, que

a maioria das cidades brasileiras possui população inferior ao número

determinado pela Carta Magna. E estas não podem ficar a mercê dos

desajustes provocados com o crescimento desordenado a que estarão

submetidas quando alcançarem aquele mínimo definido.

A par disso, temos duas possibilidades de obrigação estatal visando

garantir que a propriedade cumpra sua função social e estejam voltadas ao

uso justo e ecologicamente equilibrado: 1. Obrigatoriedade da instituição

do plano diretor, para municípios com mais de vinte mil habitantes; 2.

obrigatoriedade de fazer cumprir o princípio da função social da

propriedade, utilizando dos meios colocados à sua disposição, para os

municípios com número de habitantes inferior àquele definido no parágrafo

2º, do artigo 182, da Constituição Federal, portanto, dispensados da

instituição do plano.

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Com relação aos municípios com mais de vinte mil habitantes, o

Estatuto da Cidade determinou o prazo de cinco anos para aprovação do

plano diretor161, artigo 50 da Lei 10.257/2001. A falta de cumprimento da

regra estatuída leva o prefeito a incorrer, sem prejuízo da aplicação de

outras sanções, em improbidade administrativa, de acordo com o artigo 52,

inciso VII.

Não obstante a previsão legal trazida pelo Estatuto da Cidade, temos

que pelo o descumprimento da obrigação estatal, tanto para municípios com

mais de vinte mil habitantes ou aqueles com número inferior, haverá sanção

para a municipalidade, haja vista a omissão legislativa162.

A respeito do legislador omisso, José Joaquim Gomes Canotilho

averbou que o mesmo suporta “ uma censura jurídico—constitucional de

violação de direitos fundamentais equivalente à antiga interferência ilícita no

âmbito da liberdade e propriedade dos cidadãos.” 163

161 Aqui nos restringimos a uma análise a respeito da obrigatoriedade da instituição do plano direto. No próximo capítulo do trabalho faremos uma análise a respeito do plano diretor e o Estatuto da Cidade 162 Se julgada procedente a ação de inconstitucionalidade por omissão será comunicado o Poder Legislativo Municipal para adoção de providências para o cumprimento do comando constitucional. O questionamento pertinente aqui é : Há sanção? Do ponto de vista político sim , na medida em que com a sentença o omissão do município torna-se pública. Marcelo Figueiredo averbou: “a dificuldade reside no contínuo desafio em encontrar um órgão que tenha força suficiente para “julgar” o legislativo, para compeli-lo a edição de leis”.Mandado de Injunção e Inconstitucionalidade por Omissão. RT, 1991, p.49. Em outro giro registramos que a ausência de plano diretor não autoriza o suo nocivo da propriedade, na medida em que a propriedade deve atender a sua função social, portanto, o município deve adequar o uso daquela propriedade.Contudo não existindo o plano diretor não poderá se valer dos instrumentos citados no § 4º, do artigo 182 da CF – I- parcelamento ou edificação compulsória;II imposto progressivo no tempo; III desapropriação sanção. Nesse sentido, a inexistência do plano diretor levar a uma “sanção” a municipalidade, posto que está impedido de utilizar todos os meios constitucionalmente assegurados para garantir a função social da propriedade. 163 Canotilho,J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador.Coimbra Editora,1982, p. 369

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Da lavra de Michel Temer os ensinamentos que seguem:

“Normas Constitucionais dependentes de legislação integrativa para ganharem eficácia plena terão, necessariamente, que ser implementadas, pena de racair sobre o regulamentador faltoso a pecha jurídica de omisso, por força da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Isto significa que todas as normas constitucionais deverão, em breve espaço de tempo, ganhar eficácia integral, imediata, absoluta. Para não ocorrer, como no passado, a ineficácia da vontade constituinte pela inércia do legislador infra-constitucional”164

No que concerne ao fato do Estado deixar de adotar medidas

necessárias à realização concreta dos preceitos constitucionais, de modo a

torná-los operantes e exeqüíveis, o STF já se pronunciou no sentido de que

“o desrespeito à constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal como

mediante inércia governamental”. ADI 1458-MC, Rel. Ministro Celso de

Mello,DJ 29/06/96

O ponto a ser destacado aqui seria a impossibilidade de se propor a

ação direta de inconstitucionalidade por omissão, diante lei ou ato normativo

municipal. Sobre o tema Luis Pinto Ferreira solucionou a questão:

“não é possível a argüição de inconstitucionalidade por omissão de ato municipal perante o STF. Embora tal limitação não se encontre expressamente contida como comando constitucional, induz pelo artigo 102,I,a, que tal ação só tem por objeto lei ou ato normativo municipal .

164 Temer, Michel. Limites do Mandado de Injunção, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, nº 34, p. 108/109.

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... A solução a ser encontrada está no artigo 125,§ 2º, da Constituição Federal, autorizando aos Estados a Representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em desacordo com as Constituições Estaduais. Em conseqüência, descumprida a exigência da edição de planos diretores, o remédio cabível é uma ação perante o Tribunal de Justiça do Estado. Outras medidas também podem ser invocadas. “No caso de omissão municipal por parte do prefeito, comete crime de responsabilidade” 165

Nessa linha de raciocínio importante registrar que, em razão da

competência concorrente para legislar a respeito do direito urbanístico, os

Estados devem estabelecer, em suas Constituições, regras específicas para

a questão urbana, que envolvem pontos de âmbito regional e que cruzarão

com a atuação municipal.

O artigo 23 da Constituição Federal determina como competência

comum, dentre outras, a proteção dos documentos, obras e outros bens de

valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, paisagens naturais

notáveis e os sítios arqueológicos (inciso II); proteger o meio ambiente e

combater a poluição em qualquer de suas formas (inciso VI); preservar as

florestas, a fauna e a flora (inciso VII), combater as causas da pobreza e os

fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores

desfavorecidos (inciso X).

165 Ferreira, Luis Pinto. Comentários à constituição brasileira, Editora Saraiva. 1994, v.06, p.207

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O constituinte atribuiu ao Estado a competência de instituir regiões

metropolitanas, aglomerações urbanas e microregiões, visando a integração

das políticas regionais com a organização e execução de funções públicas

de interesse comum entre Estado e Município.

De se ver, no sentido de garantir a melhora da qualidade de vida nas

cidades de modo global, as políticas setoriais de habitação, transporte e

saneamento necessitam de integração e cooperação entre Estados e

Municípios. Por óbvio, respeitando as competências aos moldes

disciplinados pela Carta Política.

Portanto, a articulação entre Estado e Município para a execução das

políticas públicas é uma necessidade frente a várias situações presentes na

cidade: coleta e destinação de lixo, abastecimento e tratamento da água,

saneamento básico.

Em outras palavras estamos a dizer que se nas Constituições

Estaduais deve existir o regramento atinente a política urbana166 e as

políticas de nível setorial, regional e local, deverão ser compatibilizadas no

sentido de enfrentarem os problemas urbanos de modo global.

166 A Constituição de São Paulo estabelece como condição para a promoção do planejamento regional a compatibilização por parte de seus municípios de seus planos, programas e investimentos com as diretrizes e objetivos estabelecidos nos planos e programas estaduais, regionais e setoriais de desenvolvimento econômico social e de ordenação territorial, a mesma regra vale para o Município, que deve compatibilizar seus a constituição do Rio Grande do Sul define que os planos diretores deverão contemplar os aspecto de interesse local, respeitar a vocação ecológica e serem compatibilizados com as diretrizes do planejamento do desenvolvimento regional.

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Assim, existindo na Constituição Estadual regramento a respeito da

política urbana, o município, com menos de vinte mil habitantes, poderá

optar pela utilização do plano diretor, para ordenar o espaço urbano, ou

deverá fazê-lo por meio da lei orgânica e normas urbanísticas municipais. Se

assim não fizer, entendemos possível a utilização da ação de

inconstitucionalidade por omissão contra o município, que será proposta no

Tribunal de Justiça do Estado.

Se aquelas exigências não estiverem materializadas nas

Constituições Estaduais, quando houver lesão individual,caberá mandado de

injunção167, conforme artigo 5º, inciso XXIII ,da Constituição Federal.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro traçou diferenças entre a ação de

inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção:

“1. a ação direta tem alcance amplo...enquanto o mandado de injunção só é cabível quando haja omissão de norma regulamentadora necessária para tornar viável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; deve-se entender a expressão norma regulamentadora em sentido amplo, de modo a abranger todos os atos normativos, emanados ou não do Poder Legislativo, sem os quais a norma constitucional não pode ser aplicada;

167 Nossos Tribunais têm admitido mandado de injunção coletivo, que pode ser proposto por entidades associativas. O STF decidiu: “Mandado de Injunção coletivo: admissibilidade, por aplicação analógica do artigo 5º,LXX, da Constituição;legitimidade, no caso, entidade sindical de pequenas e médias empresas , as quais, notoriamente dependentes do crédito bancário, têm interesse comum na eficácia do artigo 192,§ 3º, da constituição, que fixou limites aos juros reais” MI 361,Rel. Min. Sepúlveda Pertence,DJ 17/06/94

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2. na ação direta, o julgamento é competência exclusiva do STF, enquanto no mandado de injunção a competência é outorgada a Tribunais diversos, dependendo da autoridade que se omitiu; 3. a titularidade da ação direta cabe às pessoas e órgãos indicados no artigo 103 da Constituição; a do mandado de injunção, ao titular do direito que não pode ser exercido por falta de norma regulamentadora...168

Com o advento da Lei 10.257, de 10/07/2001, foi acrescentado o

inciso III à Lei 7.347, de 24/07/1985, cabendo, portanto, Ação Civil Pública

em defesa da ordem urbanística. Mais uma vez, ordem urbanística é

competência do município. Assim, municípios com 20 mil ou número inferior

de habitantes, poderão sofrer os efeitos da ação citada. A ação civil pública

poderá ser proposta169 em caso de lesão ou ameaça de lesão e terá por

objeto a condenação em perdas e danos ou no cumprimento de obrigação

de fazer ou não fazer – artigo 3º, da citada lei.

De todo arcabouço constitucional, dessume-se que o município

deverá dar concreção ao princípio da função social da propriedade urbana,

utilizando-se dos meios legais postos a sua disposição para alcançar tal

desiderato.

168 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella.Curso de direito administrativo. São Paulo: Editora Atlas, 18ª edição, p.672. 169 O sujeito ativo poderá ser o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, as Autarquias, as Empresas Públicas, Fundações, Sociedades de Economia Mista, Associações , constituídas no mínimo há um ano, e dentre suas finalidades institucionais possuam a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico,estético, histórico, paisagístico ou outros interesses difusos. Conforme interpretação do artigo 129, §1º da Constituição Federal c/c o artigo 5º da Lei 7347/85. Registrando que, de acordo com o artigo 2ºA, acrescentado à Lei 9.494, de 1997, pela MP 21809-35, quando a ação for proposta por entidade associativa , a sentença abrangerá os substitutos que tenham domicílio no âmbito da competência territorial do órgão que prolatou a decisão.

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Nesse passo, os municípios com número de habitantes estabelecidos

no § 1º, do artigo 182 da CF, estão obrigados a editar o plano diretor e,

consequentemente, autorizados a fazer uso das sanções estabelecidas no

§4º, ao proprietário de solo urbano não edificado, subutilizado ou não

utilizado, utilizando-se dos instrumentos: parcelamento e edificação

compulsórios170; imposto territorial e predial urbano progressivo no tempo171

e a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública172.

Os municípios com o número de habitantes que não obriguem a

planificação, inferior a 20 mil, poderão optar pela edição do plano diretor e

com isto poderão utilizar-se dos instrumentais definidos no Estatuto da

Cidade e das sanções estabelecidas no §4º, do artigo 182 da Constituição

Federal, ou poderão decidir por regular a matéria por outros instrumentos

disponíveis não podendo valer-se dos instrumentais e sanções ali citadas.

Nelson Saule Junior, a propósito do tema registrou:

170 O artigo 5º da Lei Federal 10.257/2001 – Estatuto da Cidade - determinou que Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado. Especificou o que subutilização, bem como determinou que o proprietário deverá ser comunicado via notificação averbada no registro de imóveis e definiu o prazo para cumprimento da obrigação. 171 O artigo 7º do Estatuto da Cidade determinou que o não cumprimento do artigo 5º da Lei citada, o Município poderá aplicar o IPTU com alíquotas progressiva , definida em lei própria, cujo valor não exceda a duas vezes o valor referente ao ano anterior e que seja respeitada a alíquota máxima de 15%. Caso a obrigação do artigo 5º da lei citada não seja atendido no prazo de cinco anos, o Município manterá a cobrança da alíquota máxima até que se cumpra a referida obrigação. 172 O artigo 8º do Estatuto da Cidade estabeleceu que decorrido os cinco anos da cobrança do IPTU progressivo, sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação estabelecida no artigo 5º da lei em comento, o município poderá proceder a desapropriação do imóvel , com pagamento em títulos da dívida pública resgatáveis em até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis por cento ao ano. Os títulos da dívida pública terão aprovação do Senado Federal.

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“Os municípios com menos de vinte mil habitantes têm a competência para dispor sobre a função social da propriedade urbana nos termos do artigo 30,VIII...Com base nessa competência , os Municípios com menos de vinte mil habitantes podem adotar um plano diretor, sendo necessário para o plano diretor ser obrigatório essa previsão na Lei Orgânica...No caso da Lei Orgânica não estabelecer essa obrigatoriedade, permanece para o município a faculdade de instituir o plano diretor mediante lei municipal, com o intuito de garantir o cumprimento da função social da propriedade urbana. ...

O último aspecto é referente à possibilidade dos Municípios com menos de vinte mil habitantes poderem aplicar os instrumentos previstos no § 4º, do artigo 182... A condição para o exercício dessa faculdade é o Município ter um plano diretor.” 173

Concluindo, a política de desenvolvimento urbano é competência

municipal, que tem por finalidade garantir a existência digna da população

urbana, bem como o condão de materializar os objetivos fundamentais do

Estado, estampados no artigo 3º da Constituição Federal, reduzindo as

desigualdades sociais. Disso decorre que sob nenhuma hipótese, os

municípios poderão deixar de determinar o modo que a propriedade terá sua

função social cumprida.

173 Saule Junior, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do plano diretor. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 153/154.

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9. ESTATUTO DA CIDADE E PLANO DIRETOR

9.1. O estatuto da cidade

Tramitando desde 1990 pelo Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº

5.788/90, após onze anos e algumas mudanças, foi aprovado em 10 de julho

de 2001. Transformado, finalmente, na Lei Federal 10.257, passou a vigorar

em 10 de outubro de 2001, traçando as diretrizes gerais para o ordenamento

urbano, conforme explicitado na Constituição Federal.

Conjuntamente com as Leis de Processo Administrativo e

Responsabilidade Fiscal, a edição do Estatuto da Cidade faz parte de um

processo de modificação e modernização da estrutura jurídica,

administrativa e social de nosso país.

Sem sombra de dúvida, a lei sob comento assumiu como base de sua

normatividade a parametrização da função social da propriedade. O estatuto

da cidade, se utilizado adequadamente, poderá corrigir ou colaborar

imensamente para a correção da exclusão social e outras mazelas urbanas.

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É o meio pelo qual a cidade será um local de congregação social,

onde as políticas públicas poderão, de maneira eficiente, pensar na justa

distribuição, equilibrando ônus e benefícios.

A administração pública municipal poderá determinar, em razão do

interesse público, qual a forma mais adequada e o melhor local para

edificação. O norte será atender as razões estéticas, econômicas,

ambientais, sociais, dentre outras e não mais o apetite dos especuladores

imobiliários.

De toda sorte, o estatuto da cidade veio a regulamentar os artigos

182 e 183 da Constituição Federal, definindo diretrizes gerais da política

urbana. Por disposição constitucional, o plano diretor é o instrumento básico

da política de desenvolvimento e de expansão urbana, bem como o

parágrafo 2º do artigo 182 , disciplina que a propriedade urbana cumprirá

sua função social quando atender as exigências fundamentais de ordenação

da cidade expressa no plano diretor.

O estatuto da cidade constitui, segundo Carlos Ary Sundfeld, “a

primeira tentativa de resposta jurídica abrangente a esse impasse, por meio

da instituição de um direito urbanístico popular. Ele resulta da adoção de

duas orientações convergentes:...transferência dos grupos marginalizados

para dentro do mundo jus-urbanísitco...e por outro a adequação da ordem

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urbanística à situação real da população, por meio de normas especiais de

urbanização.”174

Mas convém alertar que “as normas do estatuto formam um conjunto

normativo intermediário”175, isto é , a implementação de vários institutos

dependem de lei posteriores176.

Assim, a edição do plano diretor, de modo genérico177, se presta a:

delimitar as áreas urbanas em que se poderá exigir o parcelamento,

edificação ou utilização compulsória178; fixar o coeficiente de aproveitamento

básico dos terrenos para edificação; indicar áreas onde o direito de construir

possa ser exercido acima do coeficiente – mediante outorga onerosa-;

indicar área em que poderá ser permitida a alteração onerosa do uso do

solo; delimitar áreas para incidência do direito de perempção; delimitar as

áreas para as operações consorciadas, definir áreas para a transferência do

direito de construir. Para todos esses casos outras leis serão editadas para

especificação da delimitação de cada item, bem como para definir os casos

de necessidade de estudo de impacto de vizinhança.

174 Sundfeld.Carlos Ari. Estatuto da cidade e suas diretrizes gerais – Comentários ao estatuto da cidade sob coordenação de Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo – Malheiros Editores, 2002, p. 58/59. 175 Idem p. 52 176 Há normas que dispensam complementação como é o caso do: usucapião especial de imóveis urbanos, direito de superfície, concessão de direito real de uso especial para moradia 177 Não temos a pretensão de esgotar todos os instrumentais colocados à disposição no estatuto da cidade, mas tão-somente elencar a importância de alguns na definição e bojo do plano diretor. 178 O artigo 5º do estatuto da cidade e seus parágrafos definiu o que se considera imóvel subutilizado, bem como estabeleceu o procedimento administrativo para o cumprimento da obrigação. Em seguida, pelo descumprimento da obrigação, o modo que se processará a aplicação do IPTU Progressivo – artigo 7º e seus parágrafos. Decorridos cinco anos da progressividade, sem o cumprimento da obrigação, o município poderá proceder à desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, artigo 8º parágrafos e incisos. Aqui a lei condicionou o §4º, do artigo 182 da CF.

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Feitas essas rápidas digressões a respeito do estatuto da cidade,

asseveramos que o plano diretor foi elevado a categoria de instrumento

jurídico necessário à implementação das políticas urbanas e como meio de

materializar a função social da propriedade, delimitando-a. Passemos, então,

a uma análise desse tão importante instrumental.

9.2. PLANO DIRETOR

9.2.1 . Notas introdutórias

A Constituição de 1988 foi a primeira a mencionar a expressão plano

diretor. O artigo 182 da Carta Política deu as notas de seu regime jurídico e

estabeleceu sua principal finalidade.

Sem dúvida alguma, a planificação urbana e o plano diretor foram

elevados a categoria de instrumentos jurídicos indispensáveis à adoção de

políticas urbanas.

Não obstante a inovação, o comando constitucional careceu de

algumas definições, tais como: conteúdo mínimo do planejamento, sanções

jurídicas para a não edição do plano e prazos para sua implementação.

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Por evidente, os contornos jurídicos e os reflexos concretos a respeito

do planejamento urbano vieram com a edição do estatuto da cidade. Com

ele emoldurou-se a abrangência do plano diretor, especificaram-se quem

está compelido a editá-lo, os requisitos para sua edição e o seu conteúdo

mínimo. Os artigos 39 a 42, da Lei 10.257/2001, vieram a preencher as

lacunas do instituto denominado plano diretor.

9.2.2. Parâmetros e conceito do plano diretor

A partir do texto constitucional, foram fixados determinados

parâmetros para o Plano Diretor, quais sejam:

1ª- O instrumento jurídico apropriado para a edição do Plano Diretor

é lei, decisão do poder legislativo e não tão – somente decisão do chefe do

executivo. Aliás, diga-se de passagem, que tal situação foi expressamente

fixada no comando constitucional (artigo 182, parágrafo 1º);

2ª- Outro elemento trazido foi o fato do plano consistir no instrumento

básico da política de desenvolvimento e expansão urbana (artigo 182,

parágrafo 1º). O mesmo dispositivo estabeleceu sua obrigatoriedade às

cidades com mais de vinte mil habitantes;

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3º- È o instrumento normativo que determina a função social da

propriedade urbana;

4º- O Plano Diretor é condição para a imposição de obrigações ao

proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado (

artigo 182, parágrafo 4º)

A norma constitucional determinou a principal finalidade do plano

diretor, sem apresentar qualquer definição para o mesmo, de igual modo

ocorreu com a edição do estatuto da cidade. Dessa forma, acolheu-se o

conceito do instituto delineado pela doutrina. A pena de Hely Lopes Meirelles

assim registrou:

“O plano diretor é o complexo de normas legais diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo desejado pela comunidade local”179

O plano diretor é o instrumento de planificação urbana mais

importante em nosso direito, pois ele determinará as exigências de

ordenação da cidade, tendo por finalidade assegurar a qualidade de vida, a

justiça social e o desenvolvimento das atividades econômicas dos cidadãos

que habitam a urbe.

179 Meirelles, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, São Paulo:Malheiros Editores, 13ª edição atualizada por Célia Marisa Prendes e Márcio Schinder Reis, 1990, p.518.

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9.2.3 A elaboração e implementação do plano diretor –

participação popular

Como já falado neste trabalho o plano é conseqüência de um

planejamento, que possui um caráter multidisciplinar, devendo envolver vários

setores e profissionais técnicos.

A edição da lei que institui o plano diretor ganha contornos especiais,

não podendo seguir um rito simplista180, na medida em que deve envolver a

sociedade como um todo. Destarte é imprescindível que os poderes Executivo

e Legislativo encontrem o caminho para garantir a voz da população,

objetivando descobrir: a vocação local, o modo que a cidade quer crescer e o

meio de levar a efetivação da justiça social com vida digna aos habitantes da

cidade.

Assim, por expressa disposição legal, disciplinada no artigo 40, § 4º,

inciso I, do Estatuto da Cidade, foi determinado aos poderes legislativo e

executivo que garantissem a promoção de audiências públicas e debates com

a participação popular e de associações representativas da comunidade, no

processo de elaboração do plano e de sua fiscalização.

180 No sentido de conceder estabilidade legislação de uso e ocupação do solo, os municípios podem determinar quorum qualificado para a aprovação e alteração do plano diretor A Lei Orgânica do município de São Paulo estabelece que as matérias relativas ao plano diretor e zoneamento urbano dependerão do voto de três quintos dos Membros da Câmara.

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Não houve definição precisa de como e quando as audiências e os

debates aconteceriam. Apenas determinou-se a realização de ambos, com a

imposição de sanção pelo descumprimento da norma, de acordo com o artigo

52, VI, do mesmo diploma legal. (ato de improbidade administrativa).

Como regra procedimental temos, ainda, as referentes ao princípio da

publicidade181: garantia à publicidade dos documentos produzidos (art.

40,parágrafo 4º) e acesso de qualquer interessado a tais documentos (art. 40,

parágrafo 4º, III).

Evidentemente, que a intenção do legislador ordinário é a participação

efetiva da população, não bastando, portanto, a mera publicação dos atos em

diário oficial. Ao contrário, é imperioso que a municipalidade abuse da

criatividade, visando a criação de meios para dar conhecimento e propiciar a

efetiva participação.

Da pena de Paulo Bonavides encontramos a seguinte afirmação:

“A Democracia participativa que se incorpora ao Estado Social tende a adquirir nas constituições do Estado de direito uma dimensão principal e a transladar-se da esfera programática, onde era idéia, para a esfera da positividade, onde, por ser princípio é norma das normas....A politização da espécie assim personificada faz do Homem o eixo e a referência de toda a dignidade participativa que cimenta as bases do novo do novo Estado Social, com a Democracia convertida, doravante,

181 A Lei Orgânica do Município de São Paulo contempla a participação popular, o § 3º, do artigo 143 assim está disposto: “È assegurada a participação direta dos cidadãos em todas as fases do planejamento municipal, na forma da lei, através de suas instâncias de representação, entidades e instrumentos de participação popular”

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em instrumento de libertação. Mas instrumento que se deseja palpável, efetivo, concreto e não abstrato, a um tempo ação e palavra, verdade e dogma,valor e fato, teoria e práxis, idéia e realidade, razão e concreção.”182 Grifos nossos

Portanto, a publicidade há de ser efetiva. No mais, a publicidade deve

ser empregada consoante a sua já consagrada concepção, de sorte a

possibilitar a divulgação dos atos administrativos. Sendo certo que, a

disponibilização ao público deverá ser a mais abrangente possível, de modo a

permitir o acesso de forma efetiva e fácil, usando, inclusive, os meios que a

tecnologia dispõe.

9.2.4 Conteúdo mínimo do plano diretor

O Estatuto da Cidade procurou elencar os elementos necessários a uma

planificação, de modo a estabelecer um conteúdo mínimo para o plano diretor.

Assim, a planificação deve delimitar o aspecto físico da ordenação do

solo, edificação ou utilização compulsória. A especificação e delimitação das

áreas têm por finalidade garantir a implementação do instrumento e

estabelecer a segurança jurídica para a medida que será adotada. Outros

pontos também foram delimitados: direito de preempção (art. 25 e 27), outorga

onerosa do direito de construir e da alteração onerosa do uso do solo urbano

(28 a 31), operações urbanas consorciadas (32 a 34 ) e a transferência do

direito de construir (35).

182 Bonavides, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa, São Paulo:Malheiros Editores, 2001, p.189.

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Tais matérias já estavam vinculadas a um plano diretor, mas no sentido

de não pairar dúvida, foram arroladas de modo sistêmico no inciso II do art. 42.

O inciso III, do dispositivo supracitado, determina um sistema de

acompanhamento e controle, guardando uma íntima relação com outros

comandos que estabelecem a fiscalização da execução do plano, em especial

no que concerne aos artigos 2º, II e 40, parágrafo 4º.

Considerando que o plano diretor é o instrumento de desenvolvimento e

expansão urbana, bem como o fato de sua essência ser a generalidade, não

podendo, portanto, estabelecer detalhes e especificações de implementação e

execução183 , deve fixar as linhas mestras a respeito de todos os assuntos de

interesse do município no âmbito da matéria de urbanismo.

9.2.5 Abrangência

A Constituição Federal, em seu artigo 182, § 1º, obriga a instituição

do plano diretor para cidades com de 20 mil habitantes. Logo, duas são as

suas exigências: 1º cidade; 2º com mais de 20 mil habitantes.

183 Assim, de acordo com a essência da planificação, o plano deve delinear as linhas mestras daquilo que se deseja. No caso do plano diretor leis próprias cuidaram de sua implementação e execução.

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Considerando a disciplina constitucional, poder-se-ia considerar

cidade somente a sede do município. Não obstante, o § 2º, do artigo 40, do

estatuto estabelece que :“O PLANO DIRETOR DEVERÁ ENGLOBAR O

TERRITÓRIO DO MUNICÍPIO COMO UM TODO”. De ver, o instrumento

legal espraiou a área de atuação do plano diretor.

Da intelecção do dispositivo sobredito, o plano diretor, como processo

e planejamento, deverá englobar área urbana e rural184. Contudo, o

legislador municipal não poderá prescrever políticas agrárias ou disciplinar o

uso de imóveis rurais, mas deverá ater-se aos aspectos urbanísticos ( p. ex.

disciplinar o trânsito de veículos entre cidades e centros-urbanos, disciplinar

forma de expansão urbana , etc.)

Outro requisito é que a cidade possua mais de vinte mil habitantes.

Localidades com número inferior ao estabelecido na Constituição não

estariam obrigados a edição do plano diretor. Ainda que assim seja, o

estatuto nos inciso II a V, do artigo 41, estabeleceu:

“... II- integrantes da área metropolitana e aglomeração urbana; III- onde o poder público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do artigo 182 da Constituição Federal; IV- integrantes de áreas de especial interesse turístico;

184 Como já registrado neste trabalho adotamos o conceito de cidade apresentado por Hely Lopes Meirelles , qual seja : A delimitação da zona urbana ou perímetro urbano deve ser feita por lei municipal.

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V- inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional;

O simples perpassar de olhos nos dispositivos em comento é

suficiente para se concluir que houve uma ampliação de municípios

obrigados a implementar o Plano Diretor.

Diante de tal fato, há discussão relativa à inconstitucionalidade ou não

dos dispositivos citados, tendo em vista que a lei federal não poderia ampliar

o rol estipulado na carta magna.

No sistema constitucional pátrio é competência da União estabelecer

normas gerais sobre matéria urbanística. Nesse sentido, entendemos que a

previsão constitucional serve como limite mínimo a ser seguido. Em outro

giro, não há inconstitucionalidade na lei geral que redefina as diretrizes e

remodele o rol de entidades sujeitas a obrigatoriamente editar o plano.

9.2.6. Do prazo

O artigo 50 do Estatuto da cidade determinou que as cidades

enquadradas nos incisos I e II do artigo 41, que não tenham plano aprovado na

data da entrada em vigor da lei, deverão fazê-lo no prazo de 5 anos. O

descumprimento da determinação legal acarreta ao prefeito a tipificação de

improbidade administrativa, por força do artigo 52,VII.

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Há que se perquirir qual o prazo para a aprovação do plano nas

demais cidades obrigadas a adotá-las, inciso III a V, do artigo 41. Para

responder tal indagação trazemos ao lume o entendimento de Jacinto Arruda

Câmara:

“Aqueles sujeitos submetidos ao prazo independem de qualquer decisão estatal para se enquadrarem na hipótese legal que obriga à elaboração do plano. São hipóteses que se concretizam (incisos I e II) por obra e graça do crescimento urbano, muitas vezes desordenado. Já nas demais hipóteses dependem de uma decisão estatal prévia, que decida utilizar os instrumentos constitucionais de implementação de políticas públicas (inciso III), que defina como área de especial interesse turístico (inciso IV), ou que autorize a realização de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental (inciso V)”185

Forçoso concluir que as demais cidades: integrantes de regiões

metropolitanas e aglomerações urbanas, onde o Poder Público Municipal

pretenda utilizar os instrumentos previstos no parágrafo 4º do artigo 182 da

Constituição Federal, integrantes de áreas de especial interesse turístico,

inseridas em área de influência de empreendimentos ou atividades com

significativo impacto ambiental (incisos III a V, artigo 41) estarão

obrigadas a editar o plano no momento em que a condição estabelecida na

lei se concretize.

185 Câmara,Jacinto Arruda. Plano diretor, in comentários a Lei Feral 10.257/2001,coordenação Adilson de Abreu Dallarri e Sergio Ferraz, São Paulo:Malheiros Editores,2002,p. 315.

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9.2.7. Sanção pela não edição do plano diretor

Como já asseveramos, a política urbana é um caminho para a redução

das desigualdades regionais e sociais, possuindo em seu centro a ordenação

da cidade, cujo núcleo esta adstrito ao cumprimento da função social da

propriedade. Assim, a funcionalização da propriedade é determinante para que

se possa exigir do Estado a efetivação da ordem social.

O parágrafo 2º, do artigo 182, da Constituição Federal determinou o

meio pelo qual a propriedade urbana cumprirá sua função social, portanto há

uma obrigação para o Poder Público Municipal (Poder Executivo e Legislativo)

que é editar o plano diretor. Em caso de descumprimento a sanção pertinente,

até a edição da Lei Federal 10.257/2001, era, tão-somente, a Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão. 186 Entretanto, a lei federal citada pontuou a

punição para o Prefeito que não cumpra a edição do plano diretor, no prazo de

cinco anos.

Jacinto Arruda Câmara, define três tipos de sanção para os municípios

que não editaram o plano diretor, são elas:

“ De natureza institucional, significa privar o municípios da utilização de todos os instrumentos urbanísticos disponíveis; ... De natureza funcional ordinária, o caráter obrigatório da instituição do Plano Diretor para determinadas cidades, submete os infratores à sanções ordinárias previstas nos

186 A respeito do assunto nos posicionamos no capítulo VII deste trabalho

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regimes jurídicos funcionais aplicáveis as autoridades responsáveis ... De natureza funcional extraordinária, a conduta do o prefeito que impeça ou deixe de garantir os meios de divulgação e participação popular na elaboração do plano diretor ( art. 40,§4º), bem quando se deixe de tomar as providências necessárias a aprovação e atualização do plano (§3º, do art 40)”187

A edição do estatuto da cidade trouxe eficácia a determinação

constitucional (artigo 182, parágrafo 1º), na medida em que seu

descumprimento implica em uma sanção pontual. Logo, é de se concluir que a

edição de plano diretor deixa de ser critério de conveniência do administrador

público, passando a se constituir em uma imposição legal. Deveras, o modo

efetivo de exigir seu cumprimento veio estampado no artigo 52, inciso VII, da lei

sob comento, implicando, pois, em improbidade administrativa.

9.2.8 Alteração do plano diretor

Considerando a dinâmica das situações planificadas, bem como das

modificações das situações fáticas, oriundas da dinâmica social e econômica, o

plano não pode ser estático.

Assim, as normas estabelecidas em determinado momento e sob certas

circunstâncias, devem ser objeto de revisão. O estatuto da cidade transformou

a necessidade de adaptação das políticas públicas em dever, na medida em

187 Idem citação retro,p.316/317

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que o artigo 40, § 3º, determinou que “ a lei que instituir o plano diretor deverá

ser revista, pelo menos a cada dez anos” . E mais, o descumprimento da

obrigação implica a sujeição do chefe do executivo municipal a lei de

improbidade administrativa, de acordo com o artigo 52, inciso VII da Lei

10.257/01.

Oportuno, registrar que a alteração da lei que instituiu o plano deve

ocorrer a cada 10 anos. No entanto, não há impedimento de alterações

pontuais em menor espaço de tempo, desde que tais modificações não alterem

a diretriz e sistemática do plano assumidas na sua origem.

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10. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA E O PODER JUDICIÁRIO. O direito de propriedade foi adjetivado pelo princípio da função social.

Em última análise, estamos a dizer que o proprietário tem o direito de utilizar a

coisa, mas sua utilização está condicionada ao bem comum.

Não há dúvida da evolução legislativa e das construções doutrinárias a

respeito do tema. Entretanto, a jurisprudencia não acompanhou referida

evolução. “O entendimento de que não cabe ao Poder Judiciário discutir temas já

discutidos pelo Poder Legislativo e que o Magistrado deve se limitar a adequar o caso

à hipótese legal, genérica e abstrata, sob a pena de interferir na independência e

harmonia dos Poderes, não legislando como se legislador fosse e não emitindo

determinações típicas do Poder Executivo como se administrador fosse, muitas vezes,

faz com que problemas referentes à propriedade imobiliária urbana sejam resolvidos

ao arrepio das questões social”188.

É certo, também, que o fortalecimento dos institutos jurídicos ocorre na

medida em que as garantias abstratas são emolduradas e marcadas por

decisões dos tribunais.

Os tribunais Italianos e Alemães, por exemplo, têm sido de grande

contribuição para a fixação e delimitação da vinculação do direito de

propriedade. O Tribunal constitucional alemão, em sentença proferida em

12.01.1967, já determinava a obrigação social da propriedade do solo ao 188 De Biasi, Maria Helena Boendia Machado. Delineamento da função social da propriedade urbana brasileira, dissertação de mestrado apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004, p.123.

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estatuir : “O fato de o solo ser indispensável e de não ser multiplicável impede que a

sua utilização seja abandonada completamente ao jogo incontrolável da livre iniciativa

e à vontade do particular, uma ordem social e jurídica justa exige, pelo contrário, que

os interesses gerais sejam salientados no caso do solo numa medida mais forte do

que nos outros bens econômicos.”189

Nossos Tribunais têm enfrentado e discutido o princípio da função

social da propriedade, na maioria dos casos, no sentido de alertar o Poder

Público para o fato de que providências urgentes devem ser tomadas para

amenizar os erros decorrentes da urbanização descontrolada, vejamos:.

“o fato social pode e deve ser resolvido pelo Poder Público, mas de ordinário ele o faz mediante desapropriação e construção de conjuntos habitacionais. A destinação social da propriedade é obtida, mediante tributação progressiva e desapropriação, que é a maneira civilizada de promover a sua finalidade social. O critério da força, no qual o mais forte e mais agressivo, passa a ser o mais necessitado, ficando o mais débil e fragilizado condenado ao desabrigo, não é o melhor. (grifei) (Ação Possessória – Ag.nº 851.855-0-1ª Câm.- j.07.06.1999 – Rel Juiz Henrique Nelson Calandra).190

Ou ainda:

“Ementa Oficial: Compete ao Município estabelecer as normas e verificar se o imóvel urbano cumpre sua função social à luz do Plano Diretor (art. 182 e parágrafos da CF). Invasão de propriedade urbana. Ausência de direito líquido e certo dos invasores. A desapropriação deve ser realizada pelo Poder Público mediante prévia e justa indenização” “Ementa da Redação: A invasão de propriedade urbana não encontra respaldo na ordem jurídica, inobstante enquanto movimento político, os objetivos até possam

189 Texto retirado da Revista de Informação legislativa nº 132, out/dez 1996, autor Fábio Conder Comparato, p.318 190 *RT 771/253. jan.2000

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ser justos. A discussão sobre a função social da propriedade compete ao Poder Público Municipal, estabelecendo e verificando seu cumprimento. Qualquer desapropriação há de ser realizada mediante prévia e justa indenização em dinheiro”. (grifei). (MS 195.050.986-4ª C.0J.29.06.1995 – Rel. Juiz Moacir Leopoldo Haeser).191

O 1º Tribunal da Alçada Civil, em 1982, nos autos de embargos

infrigentes teve a oportunidade de assim se manifestar:

POSSESSÓRIA – reintegração de Posse – Imóvel adquirido por sucessão – inexistência de atos de dominação sobre a coisa – Inocorrência de qualquer reação contra o apossamento lento progressivo por parte de terceiros – Favela – Posse, entretanto, não provada por alguns ocupantes – Embargos Infrigentes – consagração no acórdão embargado do princípio da função social da propriedade – Inaceitabilidade, no entanto, em face do direito vigente – Reforma em parte do julgado. Nada obstante o respeito que a tese da destinação social da ocupação do imóvel urbano para fins residenciais, empolgante, por sem dúvida, possa merecer, sua aplicação é inaceitável em face do Direito vigente. Aplicá-la ao arrepio da lei importaria, em

verdade, transposição para o campo do Direito Civil da

figura do uti possidetis do Direito Internacional, via do

qual se reconheceria ao posseiro ou mero ocupante e

garantia da posse por decorrência de suposta soberania

oriunda exclusivamente do fato da ocupação. (grifei).

A questão, se é grave no aspecto social e está a merecer

atenção e solução, em caráter urgente, pelo Poder

competente, não pode ser decidida senão segundo os

191 *RT 727/295, maio 1996.

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critérios que disciplinam a posse, seus efeitos e sua

proteção. (grifei).

N.291.722.(Embargos Infringentes) – Capital.

Embargantes: Manoel Carlos Vieira de Moraes e outros –

Embargados: Hamilton Lourenço Reis e outros e Izaltina

Teles de Oliveira e outros. Presidiu o julgamento o Juiz

Rafael Granato e dele participaram os Juízes Benini

Cabral, revisor, José Osório, vencido, Paulo Shintate,

vencido e Fonseca Tavares, vencido. Olavo Silveira

Relator. São Paulo, 18 de agosto de 1982).192

Em outra decisão, mais recente, ainda o entendimento de que

cabe ao legislador e não ao Juiz, traçar as regras de aproveitamento ideal dos

imóveis urbanos, como foi expresso pelo Relator, Dr. Juiz Morato de Andrade

em sede de Agravo de Instrumento:

“Ementa da Redação – Comprovada a invasão em

propriedade particular por integrantes do movimento dos

“sem-teto”, não pode o Juiz, com fundamento no princípio

da função social da propriedade, negar liminar de

reintegração de posse se presentes todos os

pressupostos legais para a sua concessão, pois a norma

insculpida no art. 5º, XXIII da CF não pode ser aplicada

discricionariamente pelo magistrado, segundo seus

critérios subjetivos de Justiça, mas sim em estrita

conformidade com a lei. (grifei) (Agln 860.101-6-2ª Câm.-

j. 05.05.1999.rel.Juiz Morato de Andrade).**

192 RT 565/105, nov. 1982

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Decisão proferida no Estado do Paraná, em 1994, por

unanimidade, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça que julgou procedente o

pedido no sentido de ser cumprida a reintegração de posse deferida nos autos

de n. 121/89:

Ementa: Pedido de Intervenção Federal. Invasão de

Terras. Reintegração de Posse. Descumprimento de

Ordem Judicial. 1. O caso em exame envolve grave

problema social, o qual não compete ao Poder Judiciário

resolve-lo, por não se encontrar na esfera de suas

atribuições e sim determinar o cumprimento da lei,

inclusive de norma constitucional que assegura o direito

de propriedade. 2. Indiscutível, no caso concreto, que a

decisão judicial deixou de ser cumprida por omissão da

autoridade competente, e por isso, cabível a intervenção

federal, na forma autorizada pelo artigo 35, IV, parte final,

da Constituição Federal. Pedido precedente, (grifei)

(TJ/PR, Pedido de Intervenção nº 0140086900, Ac. nº

2028, Órgão Especial unânime, j.01.07.94, DJPR,

15.08.94, p. 28).193

Temos, também, decisões de forma diversa. A Corte Gaúcha, em sede

de Apelação Civil em dezembro de 2000, assentou:

193 Site tribunal de justiça acesso em agosto 2005

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Ação reivindicatória. Improcedência. Área de terra na

posse de centenas de famílias, há mais de 22 anos.

Formação de verdadeiro bairro, com inúmeros

equipamentos urbanos. Função social da propriedade

como elemento constitutivo do seu conceito jurídico.

Interpretação conforme a Constituição. Inteligência atual

do art. 524 do CC. Ponderação dos valores em conflito.

Transformação de gleba rural, com perda das qualidades

essenciais. Aplicação dos arts. 77,78 e 589 do CC.

Conseqüências fáticas do desalojamento de centenas,

senão milhares, de pessoas, a que não pode ser

insensível o Juiz. Nulidade da sentença rejeitada por

unanimidade. Apelação desprovida por maioria. (TJ/RS

.Ap. 597163518-6ª Câm. C.j.27.12.2000.rel.Des. João

Pedro Freire.)194

A 8ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 1994, manifestou-

se de forma unânime, a respeito da função social da propriedade urbana

abandonada, nos seguintes termos:

“Ação reivindicatória. Lotes de terreno transformados em

favela dotada de equipamentos urbanos. Função social

da propriedade. Direito de indenização dos proprietários.

Lotes de terrenos urbanos tragados por uma favela

deixam de existir e não podem ser recuperados, fazendo,

assim, desaparecer o direito de reivindica-los. O abandono dos lotes urbanos caracteriza uso anti-social da propriedade, afastado que se apresenta do princípio constitucional da função social da

194 Site Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acesso agosto 2005.

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propriedade. Permanece, todavia, o direito dos

proprietários de pleitear indenização contra quem de

direito”.(grifei)[...]Loteamentos e lotes urbanos são fatos e

realidades urbanísticas. Só existem, efetivamente, dentro

do contexto urbanístico. Se são tragados por uma favela

consolidada, por força de uma erosão social, deixam de

existir como loteamento e como lotes. (TJ/SP – Apelação

Cível n.212.726-1-4-8ª Câm.-v.u.-16.12.1994-rel. Des.

José Osório)195

Há a recente decisão da 9ª Câmara do Primeiro Tribunal de

Alçada Cível de São Paulo que por maioria indeferiu em sede de Recurso de

Apelação a reintegração de posse promovida por particular contra invasores

em atendimento ao princípio da função social da propriedade, nos seguintes

termos:

“Ementa : O particular que tem sua propriedade invadida

por mais de cinco mil pessoas que, se desalojadas, não

terão para onde ir, deve buscar do Poder Público a

indenização a que faz jus decorrente da desapropriação

indireta. Entretanto, a reintegração de posse não deve

ser deferida, em homenagem ao princípio da função

social que a propriedade tem, nos termos do art. 2º, IV

Da Lei 4.132/672 e art. 5º, XXIII da CF.Ementa do voto

vencido: Não há a falar que a propriedade invadida não

cumpria sua função social, isto é, que não atendia às

exigências fundamentais da ordenação da cidade

expressas no plano diretor, razão pela qual sua invasão

195 Ementário de Jurisprudência.direitos humanos - legislação e jurisprudência, vol II, p. 47.

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configura esbulho possessório, sendo a reintegração de

posse proposta pelo proprietário legítima e embasada no

sistema jurídico em vigor (Juiz Luiz Carlos de Barros).

Ap. 823.916-7 – 9ª Câm.-j.27.08.2002 – rel. Juiz José

Luis Gavião de Almeida)”196

O Juiz da 7ª Vara da Comarca de Londrina (PR), Dr. José

Cichocki Neto, decidiu em ação de reintegração de posse, processo 155/98, no

termos que seguem:

“Direito à moradia. Função social da propriedade.

Interpretação da lei. O problema da moradia da

população é um dos mais graves problemas sociais da

Nação. Nos aportes de conflitos dessa natureza, em sede

jurisdicional, normalmente não se tem tomado em conta

aspectos axiológicos da norma e nem as prescrições

constitucionais relativas ao escopo e função social da

propriedade. Desconsideram-se, ainda, as modificações da sociedade atual e propende-se, nessas decisões, a aplicar, cegamente, prescrições legislativas do início do século. Administrativa e

politicamente priorizam-se obras que alavancam votos ou

que projetam o administrador público, em prejuízo das

garantias constitucionais asseguradas aos cidadãos.

Também assim, comumente, as decisões judiciais:

olvida-se que “toda decisão do juiz é um compromisso

político e ético, pois, como detentor do poder político, tem

as responsabilidades a ele inerentes. (grifei) (7ª Vara da

196 RT 811/243, maio de 2003

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Comarca de Londrina- PR – Reintegração de Posse –

Processo n. 155/98-Juiz José Cichocki Neto)197

Trouxemos aqui algumas decisões a respeito da matéria objeto de

nosso estudo. De tudo isso e considerando, notadamente, essa nova faceta do

direito de propriedade espera-se que os Poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário, conjuntamente com a sociedade, caminhem juntos para a busca da

melhor qualidade de vida na cidade e consequentemente realizem os objetivos

da nossa Constituição: Construir uma sociedade livre, justa e solidária,

erradicar a pobreza e a marginalização reduzindo as desigualdades regionais.

197 Direitos humanos. Legislação e Jurisprudência, p.48

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10. CONCLUSÃO

1. O direito de propriedade trilhou pelos caminhos da concepção

individualista e absoluta, sendo disciplinado tão–somente pelo direito civil.

Evoluiu e, pouco a pouco, foi publicizado tendo seu regime deslocado para o

âmbito do direito público.

2. No final do século XIX eclodiram questionamentos relativos a

exploração do homem pelo próprio homem, bem como com relação a

propriedade. A visão individualista da propriedade foi revista.

3. Surgiu, então, a idéia de condicionar o direito de propriedade com

vistas à consecução do bem comum. Assim, o entendimento de que a

propriedade deve atender a função social ganhou robustez e espraiou-se pelas

constituições nascentes do século XX.

4. A Constituição de 1934 conferiu um caráter social da propriedade,

mas foi na Carta de 1967, emendada em 1969, que a função social da

propriedade constitucionalizou-se.

5. Na atual Constituição, a propriedade vinculada à função social, é

assegurada como direito individual (art. 5º, incisos XXII e XXIII) e como

instituição da ordem econômica (art. 170, incisos II e III), conceito que foi

incorporado pelas recentes alterações em nosso código civil. Nesse passo, o

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direito de propriedade é configurado como direito individual, mas adjetivado

pela função social, ou seja, ao proprietário é garantido uso e gozo da

propriedade, desde que atenda ao bem comum e aos ditames da justiça social.

6. Não obstante as diversas formas de propriedade, o fenômeno

urbano acarretou um crescimento desordenado nas cidades e afetou a

qualidade de vida nos espaços urbanos. Surgiu, assim, grande preocupação e

atenção com a busca da qualidade de vida nas cidades.

7. Dentro desse contexto a POLÍTICA URBANA mereceu relevo e

destaque em nossa Constituição, ganhando capítulo próprio, objetivando

ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais das cidades e garantir o

bem estar de seus habitantes. Tais funções estão ligadas à habitação, trabalho,

lazer e circulação, tudo visando à qualidade de vida.

8. A Constituição Federal determinou que a função social da

propriedade urbana fosse delineada por meio do plano diretor (artigo, 182,

parágrafo 2º), bem como estabeleceu as sanções em caso de seu

descumprimento (artigo 182, parágrafo 4º). O planejamento ganhou relevo e

destaque na nova ordem constitucional.

9. De clareza lapidar que o plano diretor foi elevado à categoria de

instrumento jurídico necessário à implementação das políticas urbanas, bem

como o mecanismo que delineou a função social da propriedade.

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10. Planejamento é um processo sistêmico, que visa a alteração de

uma situação existente, materializando-se no plano, que do ponto de vista

legal, deverá ser aprovado por lei. Com relação ao plano urbanístico,

dependendo da sua tipologia, será obrigatório para a administração ou para

administração e administrados. Especificamente com relação ao cumprimento

da função social da propriedade urbana foi gizado pelo constituinte a obrigação

do município de implementar o plano diretor, para cidades com mais de vinte

mil habitantes.

11. Os municípios com população inferior a vinte mil habitantes, não

estão desobrigados do cumprimento da função social da propriedade urbana.

Poderão fazê-lo por meio de normas urbanísticas que tenham por finalidade

ordenar os espaços habitáveis ou pela edição do plano diretor. Se a opção for

pela implementação do plano diretor, estarão autorizados a utilizarem as

sanções disciplinadas na Constituição Federal.

12. Não obstante a inovação, relativa à menção expressa ao plano

diretor, o comando constitucional careceu de delinear algumas definições ao

instrumento urbanístico, tais como conteúdo mínimo, prazos para sua

implementação e sanções para a não edição.

13. A Lei Federal n.º 10.257, que passou a vigorar em 10 de outubro

de 2001, denominado Estatuto da Cidade, veio a regulamentar os artigos 182 e

183 da Constituição Federal.Referida legislação trouxe os contornos jurídicos e

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os reflexos concretos do planejamento urbano, determinando parâmetros para

o plano diretor.

14. Não temos dúvida que Estado e Sociedade, utilizando-se de todo

o arcabouço jurídico colocado à disposição, tem o compromisso de fazer valer

o princípio da função social da propriedade urbana, como um dos meios de

cumprir os objetivos estampados no artigo 3º da Constituição Federal.

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BIBLIOGRAFIA

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autor Fábio Conder Comparato

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Dicionário Eletrônico Houaiss, versão 1.0, dezembro de 2001,

distribuído pela Editora Objetiva Ltda.,

Dicionário Aurélio, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro.