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10 GARANTIA AO DIREITO À VIDA FUNDAMENTADA NA DIGNIDADE HUMANA – ÓPTICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA MARIA RITA MONROE DANIELLE 1 SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceituação de Dignidade Humana. 3. Res- gate Histórico Acerca do Direito à Vida e Dignidade Humana nas Constitui- ções Brasileiras. 3.1. Constituição de 1824. 3.2. Constituição de 1891. 3.2. Constituição de 1891. 3.3. Constituição de 1934. 3.4. Constituição de 1937. 3.5. Constituição de 1946. 3.6. Constituição de 1967. 3.7. Constituição de 1988. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas. Resumo: O presente estudo visa a abordar o princípio da dignidade hu- mana como garantidor do direito à vida, como direito fundamental e próprio da personalidade humana, o qual passou por grandes evoluções no decorrer da História, tendo sido considerado, com a Constituição de 1988, como fundamento da nação. Assim, mos- tra-se, não só motivador para o estudo peculiar da hermenêutica constitucional, mas, também, como núcleo que, necessariamente, molda todo cenário jurídico subjacente à Constituição. Palavras-Chave: dignidade humana – direito à vida – resgate histórico – constituições federais. 1. INTRODUÇÃO A ideia de que a dignidade humana constitui fundamento da República e do Estado Democrático de Direito por ela instituído, expressamente prevista no art. 1º, inciso III, do texto constitucional de 1988, só pode ser corretamente apreendida quando se observa que ela está intensamente impregnada de um valor historicamente construído (MARTINS, 2008). 1 Bacharel em Direito pela UNICOC. Pós-graduanda em Direito Penal pela UNIFRAN. Pós-graduanda em Direito Público pela FAAP. Pós- graduanda em Direito Processual Contemporâneo pela UNESP. Advogada. 10 UNI2 cap10.indd 173 3/1/2011 18:15:40

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FunDamentaDa na DiGniDaDe Humana – Óptica constitucional Brasileira

Maria rita Monroe Danielle1

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceituação de Dignidade Humana. 3. Res-gate Histórico Acerca do Direito à Vida e Dignidade Humana nas Constitui-ções Brasileiras. 3.1. Constituição de 1824. 3.2. Constituição de 1891. 3.2. Constituição de 1891. 3.3. Constituição de 1934. 3.4. Constituição de 1937. 3.5. Constituição de 1946. 3.6. Constituição de 1967. 3.7. Constituição de 1988. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.

Resumo: O presente estudo visa a abordar o princípio da dignidade hu-mana como garantidor do direito à vida, como direito fundamental e próprio da personalidade humana, o qual passou por grandes evoluções no decorrer da História, tendo sido considerado, com a Constituição de 1988, como fundamento da nação. Assim, mos-tra-se, não só motivador para o estudo peculiar da hermenêutica constitucional, mas, também, como núcleo que, necessariamente, molda todo cenário jurídico subjacente à Constituição.

Palavras-Chave: dignidade humana – direito à vida – resgate histórico – constituições federais.

1. Introdução

A ideia de que a dignidade humana constitui fundamento da República e do Estado Democrático de Direito por ela instituído, expressamente prevista no art. 1º, inciso III, do texto constitucional de 1988, só pode ser corretamente apreendida quando se observa que ela está intensamente impregnada de um valor historicamente construído (Martins, 2008).

1 Bacharel em Direito pela UNICOC. Pós-graduanda em Direito Penal pela UNIFRAN. Pós-graduanda em Direito Público pela FAAP. Pós- graduanda em Direito Processual Contemporâneo pela UNESP. Advogada.

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Assim, este estudo tem por objetivo comprovar, por meio de uma reconstrução histórico-jurídica da legislação brasileira, que, à medida que o valor da dignidade humana é construído no decorrer das sociedades, a garantia do direito à vida delineia-se, tornando-se mais protegida.

Entende-se o “direito à vida”, para fins desta pesquisa, como matriz originária dos principais direitos sociais.

Reconhecer e tratar alguém como pessoa é respeitar sua vida, bem como sua dignidade, própria de todos os seres humanos. Ne-nhuma pessoa deve ser escrava de outra; nenhum homem deve ser humilhado e agredido por outro; ninguém deve ser obrigado a viver em situação de que se envergonhe perante os demais, ou seja, que represente indignidade ou imoralidade, momento em que entra em pauta a conjuntura social de cada época, mas sem se esquecer da essência do conceito de dignidade humana em si mesma.

Todos os seres humanos têm direito a exigir que respeitem sua vida; e só existe respeito quando a vida, além de ser mantida, pode ser vivida com dignidade.

2. ConCeItuação de DigniDaDe Humana

Na filosofia cristã, o homem é concebido à imagem e semelhan-ça de Deus: portanto, todos os homens são radicalmente iguais, to-dos rerecem o mesmo respeito e consideração, tendo-se em vista que Deus não faz distinções. Assim, o ser humano (não apenas os cristãos) é dotado de um valor próprio que lhe é intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto ou instrumento, ou seja, o ser humano, não obstante as múltiplas diferenças físicas, sociais, entre outras, passa a ser considerado em sua igualdade essencial (Martins, 2008).

No entanto, como bem lembra CoMparato (2001, p. 17), “essa igualdade universal dos filhos de Deus só valia, efetivamente, no pla-no sobrenatural”. Basta lembrar-se das crueldades praticadas pela Santa Inquisição.

toMás De aquino referia-se à dignidade humana como qualidade que guarda intensa relação com a concepção de pessoa, nada mais que uma qualidade inerente a todo ser humano e que o distingue das demais criaturas: a racionalidade. É por meio da racionalidade

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que o ser humano passa a ser livre e responsável por seu destino, significando o que há de mais perfeito em todo o universo e consti-tuindo um valor absoluto, um fim em si (Martins, 2008).

Não se pode negar que o filósofo que mais contribuiu para a delimitação do conceito de dignidade humana foi iMManuel Kant ao definir o homem como fim em si mesmo e não como meio ou instru-mento de uso arbitrário de outrem.

Além disso, acrescenta Kant que tudo tem um preço ou uma dignidade no reino dos fins. Quando se pode dar um preço para uma coisa, pode-se pôr em seu lugar qualquer outra coisa equivalen-te; mas, quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade (Kant, 2000).

Nessa mesma linha, percebe-se que o pensamento de Kant con-sidera que todas as ações que levem à coisificação do homem, como instrumento de satisfação de outras vontades, são proibidas por absoluta afronta à dignidade humana (Martins, 2008).

CoMparato (2001) explica que a dignidade da pessoa humana, diferentemente das coisas, não consiste apenas no fato de ser a pes-soa considerada e tratada como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado, mas que também resulta do fato de que, por sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis ditadas por si mesmo.

Tal liberdade, segundo tavares (2007), não significa tão somente uma permissão jurídica, no sentido de agir em conformidade com as leis postas pela própria sociedade organizada, ou seja, pelo próprio indivíduo no uso da razão, mas, também, denota, na ausência dessas leis, agir de maneira que entender mais conveniente, pautando-se obviamente nos ditames da razão. Nesse sentido, faz-se presente a ideia kantiana de que a livre vontade e a vontade conforme as leis morais são uma e a mesma coisa; contudo, por ser a moralidade que nos serve como lei, como somos seres racionais, deve ser demons-trada a liberdade como propriedade de todos os seres racionais, e não basta verificá-la por supostas experiências da natureza humana, mas sim como pertencente à atividade dos seres racionais em geral e dotados de uma vontade.

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Jorge MiranDa (1988) conceitua a dignidade humana como uma autonomia vital da pessoa, pressupondo a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais outras pessoas. Nesse sentido, qualquer causa que venha limitar a capacidade de decisão do ho-mem, decorrente de sua vontade racional, fere intimamente o con-ceito de dignidade humana.

peres luño e Werner Maihofer explicam o caráter dúplice da dignidade humana, sendo esta uma garantia negativa, pois proíbe que um ser humano seja alvo de ofensas ou humilhações, bem como uma garantia positiva, por conter afirmação positiva do pleno desen-volvimento da personalidade de cada indivíduo, o que pressupõe o reconhecimento total da autodisponibilidade, ou seja, sem interfe-rências ou impedimentos externos das possíveis atuações próprias de cada homem, aliado à autodeterminação que surge da livre proje-ção histórica da razão humana, antes de uma predeterminação dada pela natureza (tavares, 2007).

3. resgate HIstórICo aCerCa do dIreIto à VIda e dIgnIdade Humana nas ConstItuIções BrasIleIras

3.1. Constituição de 1824

A Constituição Política do Império do Brasil foi outorgada em 25 de março de 1824, assinada pelo Imperador do Brasil e, em seus 65 anos de vigência, tornou-se a mais duradoura de todas as Consti-tuições brasileiras, garantindo quase um século de estabilidade ins-titucional para o Brasil.

A Revolução Americana (1776) e a Francesa (1789) trouxeram forte influência à Constituição de 1824, que continha importante rol de direitos civis e políticos, configurando a ideia de constitucionalis-mo liberal. Segundo Bastos (1997), o liberalismo centra o homem, in-dividualmente considerado, como alicerce de todo o sistema social.

Essas revoluções, sem dúvida, influenciaram as declarações de direitos e garantias das Constituições que se seguiram. Não obstan-te, a escravidão ainda era mantida, por força do regime que se base-ava na monocultura latifundiária e escravocrata.

Apesar da Lei nº 2.040 de 28.9.1871 (Lei do Ventre Livre), que assegurou a condição de livre aos filhos de mulher escrava, bem como

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a Lei dos Sexagenários, que tornou livre, a partir de 1885, os escravos com idade igual ou superior a 65 anos, essa mancha execrável no regi-me constitucional somente foi abolida em 13 de maio de 1888 quan-do da assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel (lenza, 2007).

Quanto ao habeas corpus, não era uma garantia prevista expres-samente. No entanto, o Decreto nº 114, de 23. 5.1821, alvará de D. peDro I, já abolia prisões arbitrárias. A Constituição de 1824 tutelou a liberdade de locomoção e vetou qualquer hipótese de prisão arbitrá-ria, conforme preconizavam os incisos VI, VIII e IX do artigo 179.

Com o Código Criminal de 16.12.1830 (arts.183-188), passou-se a estabelecer a garantia do habeas corpus¸ regra prevista, também, no Código de Processo Criminal de Primeira Instância (Lei nº 127, de 29.11.1832, arts. 340-345)e no art. 18 da Lei nº 2.033, de 20.09.1871, que assegurou a impetração, também, por estrangeiros (lenza, 2000).

Apesar desses passos importantes para garantia de uma vida digna, a Constituição Imperial, nos 35 incisos do art. 179, dedicados aos direitos e garantias individuais, não fazia menção expressa ao direito à vida. Porém, mesmo não afastando a pena capital, a Carta Magna imperial aboliu os açoites, a marca de ferro quente e as de-mais penas cruéis da época. Nesse sentido, previa o inciso XIX: “Des-de já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as demais penas cruéis” (Marques, 2000, p. 52).

No inciso XXI, do mesmo artigo, a Constituição de 1824 preo-cupa-se com as condições carcerárias, o que tende a afastar a ideia da pena unicamente retributiva. Nesse sentido: “As cadêas serão seguras, limpas, e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réos, conforme suas circumstancias, e natureza dos seus crimes”.

Percebeu-se a necessidade de um novo Código Criminal que acompanhasse tais garantias, que surgiu em 1830, individualizando a pena, dando arbítrio ao juiz, cuidando de forma exclusiva da repa-ração do dano, em seu capítulo IV, adotando o princípio da reserva legal, embora admitisse algumas arbitrariedades judiciais em deter-minadas hipóteses. É neste sentido que preceituava o artigo 33.

Esse Código de 1830 aboliu a chamada pena de morte ‘para sem-pre’, cujo executado não tinha direito à sepultura; a morte atroz, na qual era queimado ou esquartejado; e, a morte por flagelação, todas essas previstas no Livro V das Ordenações do Reino (Marques, 2000).

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No entanto, segundo noronha (1991), o Código Criminal Penal de 1830 baseava-se na lei da desigualdade no tratamento iníquo do escravo. Além disso, culminavam as penas de galés e de morte. Esta, por sinal, provocou acalorados debates quando foi da discussão do projeto, em que liberais e conservadores se opuseram. Prevaleceu a opinião dos conservadores, cujo argumento principal era a necessi-dade da pena capital para o elemento servil, em face do seu nível de vida, pois inócuas lhe seriam as outras penas.

A pena de morte no aludido Código Criminal era prevista nos casos de homicídio, se agravado com algumas das circunstâncias do art. 16 (art. 192); roubo com resultado morte (art. 271) e insurrei-ção, que nos termos do art. 113, ficaria confirmada se houvesse reu-nião de vinte ou mais escravos para obterem a liberdade por meio da força, tendo a forca como pena, após exposição do condenado pelas vias mais públicas.

Quanto à mulher grávida, esta somente poderia ser condenada à morte nos quarenta dias posteriores ao parto. Assim confirmava o artigo 43 do Código Penal de 1830: “Na mulher prenhe não se exe-cutará a pena de morte, nem mesmo ella será julgada, em caso de a merecer, senão quarenta dias depois o parto”.

Posteriormente, a situação dos escravos fora agravada em virtu-de de lei, uma delas, a lei nefanda de 10 de junho de 1835, que esta-beleceu em seu artigo 1º a pena de morte aos envolvidos em assas-sinato de seus senhores, familiares, ou contra administrador, feitor e suas mulheres, fato esse, descrito por pinauD (1987, p. 88) como a “arma decisiva do escravismo e a garantia de intangibilidade da clas-se senhoril, colocada, diante do servo, com força incontrastável”.

Para que fosse possível a aplicação da pena de morte nestes casos, nos termos do artigo 2º, dependeria de “reunião extraordi-nária do Júri do termo” que, não estando em exercício, deveria ser convocada pelo juiz de Direito, a quem tais acontecimentos seriam imediatamente comunicados. O artigo 4º dessa lei complementa no seguinte sentido: “em tais delitos a imposição da pena de morte será vencida por dois terços no número de votos; e para as outras pela maioria; e a sentença, se for condenatória, se executará sem recurso algum”.

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Ocorre que, pelo Decreto de 9-3-1837, prevalecia o recurso ao Poder Moderador, já previsto pela lei 11 de setembro de 1826, que, em seu artigo 1º, determinava que a pena de morte não poderia ser executada sem passar pelo crivo do Imperador que, perdoava ou moderava a pena (Decreto de 9-3-1837; Regimento 120, de 31-1-1842, art. 501 e Lei de 3-12-1841, art. 80). Nesse sentido, pelo art. 101, VIII, da Constituição Imperial, o Imperador exerce o Poder Mo-derador “perdoando, e moderando as penas impostas aos Réos con-denados por sentença”, e agia por meio do Ministro da Justiça: “Art. 132. Os Ministros de Estado referendarão, ou assignarão todos os Actos do Poder Executivo, sem o que não poderão ter execução”.

Um exemplo de total afronta à dignidade humana e direito à vida foi a execução de Mota Coqueiro, um fazendeiro natural de Campos dos Goytacazes.

Após a execução, houve inúmeras comutações de pena de mor-te em galés perpétuas. Isso não foi decorrência do erro do judiciá-rio, mas, sim, no que tange aos crimes cometidos pelos escravos, da economia escravista, pois na época em que se seguiu à condenação de Motta Coqueiro, coincidentemente, houve inicio de forte movi-mento a fim de abolir a escravatura, bem como em virtude da inefi-cácia da pena capital diante do escravo (dado este obtido no Arquivo Nacional). (Marques, 2000).

O fim da pena capital somente ocorreu com o Código Penal de 1890, que não a incluía entre as penas previstas (art. 43). No entan-to, pouco tempo antes da vigência do Código de 1890, o Decreto n. 774, de 20 de setembro de 1890, em seus artigos 1º e 2º, declarou abolida a pena de galés, substituindo-a pela prisão com trabalhos, e reduziu para trinta anos a prisão perpétua, bem como determinou que se computasse a prisão preventiva na execução e estabeleceu prescrição das penas (lenza, 2007).

Segundo Marques (2000), por causa da abolição da escravatura, em 1888, não houve mais a utilidade da capitis poena, por ser um reflexo da violência do poder escravista.

3.2. Constituição de 1891

A partir de 1860, percebe-se o enfraquecimento da Monarquia, abalada pelo Manifesto do Centro Liberal, em 1869, e, em 1870, o Manifesto Republicano, que atacou a vitaliciedade dos senadores e

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o papel do Conselho de Estado. Além disso, houve fortes entraves entre a Igreja Católica e a Monarquia, em 1874 (lenza, 2007).

Em 15 de novembro de 1889, a República é proclamada pelo marechal DeoDoro Da fonseCa, afastando-se do poder D. peDro II e toda dinastia de Bragança, sem ter havido muita manifestação popu-lar, já que se tratava de um golpe de Estado militar e armado. Assim, nascia a República, sem qualquer legitimidade.

Após o Governo Provisório (1889 até 1891), entra em vigor, em 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituição da República do Brasil, cujo relator era senador rui BarBosa, sofrendo uma pequena reforma em 1926, e vigorando até 1930 (lenza, 2007).

Quanto ao remédio constitucional do habeas corpus, essa Cons-tituição fez conter expressamente em seu artigo 72, parágrafo 20: “Dar-se- á habeas corpus sempre que o indivíduo soffrer ou se achar em imminente perigo de soffrer violencia, ou coacção, por illegalida-de, ou abuso de poder”. No entanto, é válido mencionar o aludido remédio constitucional foi assegurado a partir do Código criminal, de 16.12.1830 (artigos 183-188), no Código de Processo Criminal de Primeira Instância, de 29.11.1832 (artigos 340-345), bem como na Lei nº 2.033, de 20.09.1871 (lenza, 2007).

No que tange à declaração de direitos, a aludida Constituição aprimorou a declaração de direitos e garantias sem que se tenha re-ferência expressa ao direito à vida, mas que, apesar disso, aboliu-se a pena de galés, a de banimento e a de morte. Nesse sentido, há artigo 72, parágrafo 20 e 21, da Constituição de 1891.

Segundo lenza (2007, p. 77), os ‘considerados’ que apontam avanços em termos de direitos humanos lecionam “que as penas cruéis, infamantes ou inutilmente aflitivas não se compadecem com os princípios da humanidade, em que no tempo presente se inspiram a ciência e a justiça sociais”, assim, não contribuem para a restauração da lesão, segurança pública ou reabilitação do criminoso.

Ministravam que as galés, impostas pelo Código Criminal do extinto império, ao obrigarem os réus a trazerem calceta no pé e corrente, infligiam “uma tortura e um estigma” capazes de definha-rem as forças físicas e abater os sentimentos morais, gerando imensa aversão ao trabalho, principal elemento de correção, e destruição dos “estímulos da reabilitação”. Logo, defendiam que “a Constituição

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da República, embora ainda não em vigor já determinava a abolição desta pena”. Favoráveis à penalogia moderna para a época, enten-diam que a prisão perpétua igualmente era reprovada , informando que a justiça penal se faz perante a utilidade social, “devendo cessar, ainda depois da condenação e durante a execução, a pena abolida pelo poder público”. Dessa forma, enquanto não era publicado e posto em execução o novo Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, os excessivos rigores da legislação criminal vigente (dentre os quais a imprescritibilidade da pena) deveriam ser reme-diados (lenza, p. 77, 2007).

Em 3.9.1926 editou-se a primeira Emenda à Constituição de 1891, a Emenda nº 1, que, segundo Bastos (1997), foi marcada pelo racionalismo, autoritarismo, introduzindo alterações no instituto de intervenção da União nos Estados, no Poder Legislativo, no processo legislativo, no fortalecimento do Executivo, nos direitos e garantias individuais e na Justiça Federal. Com isso tudo, para impetrar habeas corpus exclusivamente, a liberdade à locomoção era o pedido e a causa de pedir.

3.3. Constituição de 1934

A Constituição de 16 de julho de 1934 instaura a Segunda Re-pública no Brasil, com a ascensão de getúlio vargas ao poder, e pro-curou expressar os movimentos político-sociais e, atendendo aos re-clamos do momento histórico da sociedade, inovou por introduzir um Estatuto Social (Cunha, 2001).

Assim, apesar do rol de direitos e garantias exibidos pelos in-cisos do artigo 113 dessa Carta Magna e da inclusão do direito à subsistência, o direito à vida não foi expressamente previsto, assim como na Constituição de 1824.

Quanto à pena de morte, havia possibilidade de aplicação para crimes especiais contra a segurança nacional e para crime comum de homicídio, cometido por motivo fútil e com extremos de perversida-de (Marques, 2000).

A primeira referência ao tema da dignidade da pessoa humana pode ser encontrada nessa Constituição, ainda que de modo princi-piante, no seguinte sentido: “Artigo 115 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades

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da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica”.

3.4. Constituição de 1937

A aludida Constituição é de autoria de franCisCo CaMpos, Minis-tro da Justiça do Governo de vargas, cujo projeto já se encontrava pronto desde 1926 e trouxe, ao cenário político nacional, dispositi-vos autoritários até então nunca introduzidos (Cunha, 2001).

Esse era o início do “nascer de uma nova era”, segundo as pa-lavras de vargas, cuja influência fora as ideias autoritárias e fascistas, instalando a ditadura, “Estado Novo” (lenza, 2007, p. 85).

Essa Constituição sofreu grande influência da Constituição po-lonesa fascista de 1935 e por isso foi apelidada de “Polaca” (lenza, 2007, p. 85).

Conforme a disposição seguinte, a Constituição Polaca deveria ter sido submetida a um plebiscito, o que nunca aconteceu:

“Art 187 – Esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República”.

Além de o parlamento ter sido fechado, o governo de getúlio manteve amplo domínio do Judiciário, bem como abalou a federação em razão da nomeação de interventores. Os direitos fundamentais foram enfraquecidos, especialmente em razão da atividade desenvol-vida pela “Polícia Especial” e pelo “DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda”. Para piorar, os partidos políticos foram dissolvidos em razão do Decreto-Lei nº 37, de 2.12.1937 (lenza, 2007, p. 85).

A finalidade precípua desse diploma constitucional era de ins-taurar e fundamentar o regime autoritário de vargas. Assim, os Po-deres Judiciário e Legislativo estavam sujeitos às intervenções do Po-der Executivo, ou seja, às vontades de getúlio. Nesse sentido: “Art. 170 – Durante o estado de emergência ou o estado de guerra, dos atos praticados em virtude deles não poderão conhecer os Juízes e Tribunais” (Cunha, 2001, p. 85). Para tanto, getúlio vargas e seu go-verno tiveram apoio do Congresso Nacional que decretou o estado de guerra, fundado no movimento de repressão ao comunismo, que anteriormente fez com que se fosse decretado o estado do sítio.

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Quanto à declaração de direitos, não houve previsão do man-dado de segurança, nem da ação popular, bem como não se men-cionaram os princípios da irretroatividade das leis e da reserva legal (lenza, 2007). A manifestação do pensamento também foi restringi-da, segundo o artigo 122, 15, “a”, desta Constituição.

Quanto à pena de morte, além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, poderia ser aplicada para crimes políticos e nas hipóteses de homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade. Nesse sentido discorre o art. 122, 13, Constituição de 1937.

De certa forma, o direito à vida era garantido dentro da ordem econômica, por meio do trabalho, no artigo 136. Mesmo assim, nos termos do art. 139: “A greve e o lock-out são declarados recursos antissociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.

No que tange à dignidade humana, tal Constituição, até mes-mo em função de suas características autoritárias, não faz qualquer referência. Os direitos e garantias individuais foram suspensos de acordo com a art. 186, por se declarar o estado de emergência. Neste sentido: “Art 186 – É declarado em todo o Pais o estado de emergên-cia” (lenza, 2007, p. 88).

A tortura foi utilizada como instrumento de repressão, situação esta simbolizada pela entrega de olga Benário à Gestapo, a polícia secreta de hitler. olga, mulher de luís Carlos prestes, líder comu-nista no Brasil e judia, viria a ser fuzilada, em 1942, em campo de concentração nazista na Alemanha (lenza, 2007).

Quanto a luís Carlos prestes, fora condenado à prisão por um tribunal composto por cinco juízes nomeados livremente pelo pre-sidente da República. Ele, durante seu cumprimento de pena na penitenciária, ficou incomunicável, tanto assim que somente soube que olga Benário, sua mulher, havia sido assassinada pelo nazismo alemão quando deixou a prisão em 18 de abril de 1945.

O bom aspecto dessa Carta autoritária era o seu cunho naciona-lista, configurando uma importante expansão capitalista. Seu fim se deu com a redemocratização pelo texto de 1945, e com a declaração em todo o País do estado de emergência. (lenza, 2007)

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3.5. Constituição de 1946

A participação do Brasil ao lado dos aliados contra as ditaduras nazifascistas durante a Segunda Grande Guerra, como consequên-cia, gerou, a imperiosa necessidade de redemocratização do País, uma vez que ele refletia uma grande incoerência: lutou contra os regimes autoritários no campo externo e, internamente, vivia uma ditadura (Cunha, 2001).

Segundo lenza (2007, p.90) “a Assembleia Constituinte foi ins-talada em 1. 2.1946, vindo o texto a ser promulgado em 18. 9.1946. Tratava-se da redemocratização do país, repudiando-se o Estado to-talitário que vigia no país desde 1930”.

O texto buscou inspiração nas ideias liberais do texto de 1891 e sociais de 1934. Conforme seu artigo 1º, essa Constituição estabeleceu no Brasil uma República Federativa, retomando a ideia de organizar a ordem econômica social de forma a garantir a todos uma existência digna, de modo a fazer expressa alusão à garantia do trabalho como meio de possibilitar essa existência digna (art. 145) (lenza, 2007).

No que tange às declarações de direitos, o mandado de segu-rança e a ação popular foram restabelecidos ao texto constitucional (lenza, 2007).

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional foi estabelecido no §4º, artigo 141. Quanto às regras para os partidos políticos, essas foram previstas, pela primeira vez, no art. 141, §13, sendo vedado programa ou ação que contrariasse o regime demo-crático, “baseado na pluralidade dos Partidos e na garantia dos direi-tos fundamentais do homem”.

Nos termos do art. 141, §31, a pena de morte, a de banimento, a de confisco e a de caráter perpétuo foram vedadas, caracterizando-se cunho humanitário.

3.6. Constituição de 1967

Essa Carta mantém a mesma linha do texto de 1937, concen-trando bruscamente o poder no âmbito federal, conferindo amplos poderes ao Poder Executivo, que sai bastante fortalecido com a com-petência de editar os decretos-leis que, com a urgência e o interes-

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se público relevante também obteve sua interpretação ampliada, de acordo com o artigo 83 (Cunha, 2001).

Essa Carta reduziu a autonomia individual com a suspensão dos direitos e garantias constitucionais (Cunha, 2001).

A preocupação dessa Constituição foi com a segurança nacional (lenza, 2007).

No que se refere à declaração de direitos, os direitos políticos foram ameaçados para os que praticassem atos contra a ordem de-mocrática ou corrupção. Nesses casos, incorrer-se-ia na suspensão desses direitos, pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supre-mo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais ampla defesa, conforme preconiza o art. 151, que também regulava o abuso de certos direitos individuais.

Nessa Constituição foi a primeira vez que se mencionou a “dignidade humana”; no entanto, a conotação era voltada à valori-zação do trabalho, dessa forma discorre o inciso II do artigo 157: “II – valorização do trabalho como condição da dignidade humana”.

3.7. Constituição de 1988

A luta pela democracia intensificou-se, em 1984, na medida em que a multidão tomou as ruas com objetivo de votar no presidente da República, dando início ao movimento “Diretas Já”, que se con-verteu em unanimidade nacional, fazendo com que fosse proposta a emenda de assegurar as eleições diretas, mas que não foi aprovada, pois na Câmara dos Deputados faltaram vinte e dois votos. Desse modo, ocorreu, então, a eleição indireta. A força democrática opôs-se ao candidato apresentado pela situação, apoiando e fazendo com que tanCreDo neves se consagrasse vencedor para a presidência da República em 15 de janeiro de 1985. Em 21 de abril de 1985, morre tanCreDo, assumindo o vice-presidente José sarney (lenza, 2001).

A Assembleia Nacional Constituinte, composta de vinte e qua-tro subcomissões incumbidas de dar início à elaboração de nossa Lei Maior, passou a se reunir em 1 de janeiro de 1987; seus trabalhos foram longos, encerrando-se apenas em 5 de outubro de 1988. O texto constitucional de 1988 espelha-se na sociedade brasileira, na

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medida em que trata de matérias que refletem as pressões de dife-rentes grupos de nossa sociedade (Cunha, 2001).

A Constituição de 1988 não pretendeu apenas reconstruir o Es-tado de Direito, após anos de autoritarismo militar, mas principal-mente dar um fomento ético à nova ordem constitucional brasileira, tomando-a como estrutura normativa que incorpora os valores de uma comunidade histórica concreta (Martins, 2008).

Dessa forma, a Carta de 1988 trouxe aplicações e perspectivas inovadoras dos direitos sociais como, por exemplo, para o campo, que até então não era motivo de interesse, tutelou a inserção do trabalhador rural na seguridade, a proteção jurídica de trabalho no campo e resguardou a força de trabalho feminina na composição da mão de obra (Cunha, 2001).

A Constituição brasileira atual avançou significativamente rumo à normatividade do princípio quando transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem jurídica, declarando-o, em seu art. 1º, inciso III, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a qual se constitui em Estado Democrático de Direito.

Um dos avanços dessa Carta é o acesso ao Judiciário, pois são previstos a ação popular, o mandado de segurança coletivo por parte de organização sindical, a ação direta de inconstitucionalidade de lei e o habeas data.

Inovou-se dotando o Poder Judiciário com a garantia de auto-nomia financeira e a garantia de autonomia orgânico-administrativa: é o que preconiza o artigo 96, da Constituição de 1988. Outra é a garantia de independência dos órgãos do Poder Judiciário, revela-da por meio da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos, discorrida pelo artigo 95, da Constituição de 1988.

Quanto à dignidade humana, não foi simplesmente inserida no atual texto constitucional: tornou-se um fundamento de todos os atos do País, nos termos do artigo 1º, III, da Constituição de 1988.

Com efeito, tal texto constitucional não se preocupou apenas com a positivação do valor da dignidade humana, mas, também, es-truturou a dignidade da pessoa humana de forma a lhe atribuir ple-na normatividade, projetando-a por todo sistema político, jurídico e

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social instituído. Nesse mesmo sentido, é atribuída ao valor da digni-dade humana uma proeminência axiológica sobre os demais valores acolhidos pela Constituição, de forma que o expresso reconheci-mento da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz, por um lado, a pretensão constitucional de transformá-lo em um parâmetro objetivo de harmonização dos diversos dispositivos constitucionais, fazendo com que o intérprete busque uma concor-dância prática entre eles (Martins, 2008).

Portanto, a dignidade humana fornece ao intérprete uma pauta valorativa essencial à correta aplicação da norma e à justa solução do caso concreto. Ao considerar que a dignidade humana funciona como parâmetro objetivo de interpretação de todo sistema constitu-cional, remete-se ao intérprete a noção de Constituição como ordem objetiva de valores (Martins, 2008). Isso quer dizer que tais valores éticos, que constituem a dignidade humana, passam a ser dota-dos de uma especial força expansiva na Constituição de 1988, projetando-se por todo universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídi-co nacional (piovesan, 2003).

Conforme assinala pinho (2005, p. 113) percebe-se nessa Cons-tituição que a dignidade humana é inegavelmente “um direito hu-mano, sendo o maior deles; mas, para o sistema jurídico brasileiro ela é, também, um direito fundamental, conforme se depreende da leitura do inciso III do artigo 3º da Constituição brasileira de 1988”:

“III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualda-des sociais e regionais”.

É nesse contexto que se deve interpretar o disposto do art. 5º, parágrafo 2º, da Constituição de 1988, que permite a interação en-tre tratados internacionais de direito humanos e o direito brasileiro. Estabelece a Constituição que “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados interna-cionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Enfa-tiza-se que, enquanto os demais tratados internacionais têm força hierárquica infraconstitucional, nos termos do artigo 102, III, “b” da Constituição de 1988, os direitos discorridos pelos tratados interna-cionais de proteção aos direitos humanos detêm natureza de norma constitucional (piovesan, 2003, p. 44).

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Sendo consagrada a dignidade da pessoa como norma funda-mental do Estado democrático de direito, a ordem constitucional destacou um dos valores mais importantes que integram a perso-nalidade dos indivíduos, por assim envolver determinada condição de vida na sociedade, não podendo o homem viver sem dignidade em todos os aspectos da sociedade. Nesse sentido, tem-se o valor da pessoa como centro e eixo do Direito (Correa, et al, 2006).

Fundamental é manter sempre vivo o sentimento que reinou durante sua elaboração, traduzido pelo constituinte ulysses guiMa-rães, em discurso proferido no término das votações da Carta no dia 29 de setembro de 1988. Tal sentimento representava amor ao próximo e fé na justiça, que deve ser desempenhada sempre com honestidade, pois, “o Estado é criatura do homem” e esse, amparado pela razão, torna-se o fim de toda atividade estatal.

4. ConClusão

No que tange ao ordenamento brasileiro, na Constituição de 1824 não apareceu garantia de uma vida digna, uma vez que nem mesmo se mencionou a garantia da vida e da dignidade humana. Nessa Constituição, o poder econômico influenciava as sentenças do judiciário, principalmente no que diz respeito à pena de morte.

Quanto à Constituição de 1891, a ditadura é o regime vigente e, apesar de alguns direitos individuais serem garantidos, não se tem nenhuma referencia à garantia do direito à vida; e, por ser um regi-me imposto, não se pode falar em dignidade humana.

O texto constitucional de 1934 inovou ao estabelecer um es-tatuto social e ao fazer a primeira referencia à dignidade humana. Ocorre que esta é mencionada apenas por incentivo às necessidades da vida nacional. Aqui o direito à vida não era garantido expressa-mente.

A Carta de 1937 trouxe ao cenário político nacional dispositivos autoritários, cujas ideias eram fascistas e o regime ditatorial. Ante a isso, já se percebe que não há em que se falar em dignidade humana, porque todos os seres humanos estavam condicionados à vontade de apenas um governante. Fica clara, então, a falta da garantia do direito à vida.

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A Constituição de 1946, apesar das ideias liberais e sociais, não tinha uma visão de dignidade humana tal qual se tem nos dias atuais, pois a garantia à vida com dignidade era estimulada apenas por meio do trabalho, com interesse de se estabelecer uma boa ordem econômica nacional. Assim, não há que se falar em garantia à vida com dignidade.

A ditadura se restabelece ante um novo golpe militar, e embasa a Constituição de 1967. Apesar disso, tal texto constitucional previa a dignidade humana como forma de valorização do trabalho. Nes-se texto, o poder do Estado se centraliza apenas no Executivo. Os homens tornam-se meio para a obtenção de determinado poder. É claro que não se pode aqui mencionar o conceito real de dignidade humana. E, consequentemente, a garantia à vida não é observada.

Os homens devem estar submetidos ao Estado sim, mas de for-ma relativa, uma vez que os próprios homens são o fim de todas as ações de um Estado, nunca o meio para a concretização de vontades. Jamais devem estar submetidos ao Estado de modo absoluto, uma vez que assim se tornariam escravos dele, homens não pensantes, cumprindo mecanicamente determinação alheia, provocando um abalo na dignidade humana.

Todos os seres humanos têm direito de exigir que respeitem sua vida, e isso se faz por meio do respeito à dignidade de ser humano.

A Constituição de 1988 foi a primeira a trazer a ideia de que a dignidade da pessoa humana constitui fundamento da República e do Estado Democrático de Direito, caracterizando o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos huma-nos no Brasil.

Concorda-se com a ideia de flavia piovesan de que a Constitui-ção Federal de 1988 inclui em seu texto grande avanço na consolida-ção dos direitos e garantias fundamentais, jamais adotado no Brasil. O texto constitucional fortalece os direitos fundamentais, prevendo novos direitos e a titularidade de novos sujeitos de direitos (os sujei-tos coletivos, como os sindicatos, associações, entidades de classe, entre outros).

Assim, tem-se a construção democrática, surgindo mediante o pleno exercício de direitos e liberdades fundamentais, com uma concepção personalíssima do Direito, de modo que é no respeito e

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na proteção do princípio da dignidade humana de cada cidadão que o Estado democrático encontra a sua legitimação.

A concepção personalíssima do Direito, reivindicadora do va-lor da pessoa como centro e eixo, fez com que tenha a supremacia do sentimento humano, a fim de alcançar a mais ampla garantia da dignidade do ser humano.

Por ser assim, nota-se o texto constitucional de 1988 não só como um comum ramo político do sistema jurídico da nação, mas, sim, como o seu principal referencial de justiça. Isso ao contemplar previsões inéditas de princípios fundamentais, dentre eles o princí-pio da dignidade da pessoa humana como compromisso de prote-ção ao ser humano e de seus valores.

A importância da dignidade humana como fundamento da Re-pública Federativa do Brasil e, consequentemente, garantia ao direi-to à vida, chega a transcender os limites do positivismo, já que, como se disse, é uma garantia ao direito à vida.

Em virtude da inovação da Constituição Federal de 1988, os tra-tados internacionais contribuem de forma importante para o reforço da promoção dos direitos humanos no Brasil.

Assim, a Constituição Federal de 1988 encontra-se em absoluta harmonia com a concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade de direitos, nes-tes termos, conforme sustenta piovesan.

Conclui-se que dignidade humana é um super-princípio cons-titucional, a maior norma a orientar o constitucionalismo contem-porâneo, uma vez que é garantidora do direito à vida e um critério supremo de interpretação de todo direito. Para que a vida seja uma garantia de todos os direitos fundamentais, esta deve estar funda-mentada pela dignidade humana, caso contrário nem mesmo a vida se torna a garantia a todos os outros direitos fundamentais. Sem vida não há dignidade, e sem dignidade não há vida.

É nesse sentido que, de modo a caracterizar uma proibição de retrocesso em matéria de direitos fundamentais, o conteúdo de dignidade humana, imune a restrições, acaba por ser identificado como núcleo essencial dos direitos fundamentais, tal qual a vida.

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Dessa forma, concorda-se com flavia piovesan quando diz que resta aos agentes jurídicos converterem-se em agentes propagadores de uma ordem renovada, democrática e respeitadora dos direitos humanos, impedindo que se perpetuem os antigos valores do regi-me autoritário, juridicamente repudiado e abolido.

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Enviado em: 09/2010Aprovado em: 10/2010

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