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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE TECNOLOGIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA DE PROCESSOS

GERAO DE METANO EM LAGOA ANAERBIA: UM ESTUDO DE CASO EM ABATEDOURO DE BOVINOS

DISSERTAO DE MESTRADO

Gabrieli Irrigaray Bohrz

Santa Maria, RS, Brasil 2010

GERAO DE METANO EM LAGOA ANAERBIA: UM ESTUDO DE CASO EM ABATEDOURO DE BOVINOS

por

Gabrieli Irrigaray Bohrz

Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Processos, rea de Concentrao em Desenvolvimento de Processos Agroindustriais e Ambientais, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Engenharia de Processos

Orientador: Prof. Dr. Djalma Dias da Silveira

Santa Maria, RS, Brasil 2010

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE TECNOLOGIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA DE PROCESSOS

A comisso Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertao de Mestrado

GERAO DE METANO EM LAGOA ANAERBIA: UM ESTUDO DE CASO EM ABATEDOURO DE BOVINOS

Elaborada por Gabrieli Irrigaray Bohrz

Como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Engenharia de Processos

COMISSO EXAMINADORA:

Djalma Dias da Silveira, Dr. (Presidente/Orientador)

Damaris Kirsch Pinheiro, Dra. (UFSM)

Celso Aita, Dr. (UFSM)

Santa Maria, 14 de abril de 2010.

Dedico este trabalho aos meus amores, meus maiores exemplos, meus pais, Walter e Lourdes, meu irmo, Rafael, e meus avs, Belinha e Arnaldo (in memorian).

AGRADECIMENTOS

A minha famlia por todo amor, companheirismo e dedicao, que embora longe presena constante em minha vida. Ao Prof. Dr. Djalma Dias da Silveira pela orientao, pelo incentivo, pelas idas e vindas ao abatedouro, pela gua gelada, barrinha de cereal e pelo emprstimo da capa de chuva, fundamental para a realizao deste trabalho. Ao meu namorado Tiago Rampelotto, pela compreenso, pelo carinho e momentos de muita alegria e paz. Aos Professores do Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Processos, em especial Dra. Damaris Kirsch Pinheiro e ao Dr. Srgio Jahn, pela troca de idias. Aos amigos Diego Silva Paz, Manuela Cardoso Gomes, Matias Marchesan de Oliveira e Sarah Mozzaquatro Pasini pelo faa sol ou faa chuva estamos com voc nos trabalhos de campo. Aos funcionrios do NUPEDEE Fernando, Zulmar e Gato pelo apoio na construo do sistema coletor, pela informao de que um choque de 12V no me maltrataria e pelas baterias carregadas e queimadas tambm. Aos funcionrios do Laboratrio de Controle Ambiental Alfeu ngelo Passini e Helena Goetz, pela amizade e pelo auxlio com as anlises dos efluentes. Ao professor Paulo Leito Barreto pelo emprstimo de um dos materiais necessrios realizao deste trabalho. Aos professores do CCR Dr. Celso Aita e Dr. Sandro Giacomini e aos alunos de doutorado Diovane Freire Mortele e Stefen Barbosa Pujol por todo apoio dado para a realizao das anlises dos gases. Aos motoristas da UFSM Jos, Luciano, Olavo, Hlio e Getlio, pelas idas e vindas ao abatedouro, esperas e conversas.

Aos senhores Angelita e Jos Momolli, que cederam o local para a realizao deste trabalho. amiga Gabriela Collazzo por todo o companheirismo, risadas, passeios e momentos de descontrao. Aos secretrios Ivanise Mariano Xavier e Leonardo Brondani pela ateno, amizade e auxlio. Aos TOPS Caroline Bertagnolli, Guilherme Cremonese, Joo Vinicios W. da Silveira, Manuela Cardoso Gomes e Patrcia Sabino da Silva pela amizade e carinho. Ao colega Raul Michel pela troca de informaes e doao de material para este trabalho. funcionria do INPE Marta Helena Seeger pelos auxlio com material bibliogrfico. A CAPES pelo apoio financeiro.

Aos demais colegas da Ps-Graduao e todos aqueles que de alguma forma contriburam para a realizao deste trabalho, muito obrigada!

RESUMO Dissertao de Mestrado Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Processos Universidade Federal de Santa Maria

GERAO DE METANO EM LAGOA ANAERBIA: UM ESTUDO DE CASO EM ABATEDOURO DE BOVINOSAUTORA: GABRIELI IRRIGARAY BOHRZ ORIENTADOR: DJALMA DIAS DA SILVEIRA Data e Local de Defesa: Santa Maria, 14 de abril de 2010.Este trabalho objetiva avaliar a emisso de metano (CH4) gerado em uma lagoa de estabilizao anaerbia utilizada no tratamento de guas residurias de um abatedouro de bovinos, o qual est localizado no municpio de Santa Maria, Rio Grande do Sul (RS). Adicionalmente quantificao do CH4 por cromatografia gasosa, foi avaliada a emisso de outros gases de efeito estufa (GEE), tais como o dixido de carbono (CO2) e o xido nitroso (N2O). Foi verificada a ocorrncia de dois tipos de fluxos para a liberao de metano produzido: o difusivo, com mdia diria igual a 196,0 51 mgCH4m-2h-1; e o ebulitivo, resultante da liberao aleatria e sbita de gases na forma de borbulhas, com variaes entre 67,0 e 1.295,0 mgCH4m-2h-1. Os valores de fluxos calculados a partir de modelos tericos apresentaram-se sensivelmente maiores do que os experimentais, variando de 387,0 a 410,0 mgCH4m-2 h-1, uma vez que no levaram em conta as diferentes variveis de interferncia no tratamento anaerbio, como as necessidades e interaes entre bactrias, diluio do efluente lquido, e fatores fsico-qumicos. Os dados revelaram uma maior produo de CO2 (55 vol%) do que de CH4 (45 vol%) indicando reduo na produo de CH4 ou sua oxidao parcial causada por oscilao na camada de escuma verificada durante o perodo da pesquisa. A presena de N2O nas amostras indicou a presena de O2 dissolvido no efluente. Os resultados obtidos nesse estudo evidenciam que as lagoas anaerbias constituem importantes fontes de GEE, ressaltando a importncia no controle na utilizao dessa tecnologia, como uma forma de mitigar a emisso de compostos gasosos para a atmosfera e contribuir para a reduo nos possveis efeitos negativos sobre o meio ambiente.

Palavras-chave: Lagoas anaerbias, efluentes de abatedouros, metano, gases de efeito estufa.

ABSTRACT Master Dissertation Graduate Program in Process Engineering Federal University of Santa Maria

GENERATION OF METHANE IN ANAEROBIC POND: A CASE STUDY IN CATTLE SLAUGHTERHOUSEAUTHOR: GABRIELI IRRIGARAY BOHRZ ADVISER: DJALMA DIAS DA SILVEIRA Place and date of defense: Santa Maria, April 14, 2010.

This study aims to evaluate the emission of methane (CH4) generated in an anaerobic stabilization pond used to treat wastewater from a cattle slaughterhouse, which is located in Santa Maria, Rio Grande do Sul (RS). In addition to the quantification of CH4 by gas chromatography, it was evaluated the emissions of other greenhouse effect gases (GHG) such as carbon dioxide (CO2) and nitrous oxide (N2O). It was verified the occurrence of two types of fluxes for a release of produced methane: the diffusive, with a daily average equal to 196.0 51 mgCH4m-2 h-1; and the ebullient, resulting of the random and sudden release of gases in the form of bubbles with variations between 67.0 and 1295.0 mgCH4m-2h-1. The flow rates values calculated from theoretical models presented significantly higher than the experimental ones, ranging from 387.0 to 410.0 mgCH4m-2 h-1, since it was not taken into account the different variables of interference in anaerobic treatment, such as the needs and interactions between bacteria, dilution of the wastewater, and physical-chemical factors. The data revealed a higher production of CO2 (55 vol%) than CH4 (45 vol%) indicating reduction in the production of CH4 and its partial oxidation caused by oscillation in the layer of foam found during the research period. The presence of N2O in the samples indicated the presence of O2 dissolved in the wastewater. The results of this study evidenced that the anaerobic ponds constitute important sources of GHG, emphasizing the importance to control the use of this technology, as a way of mitigating the emission of gaseous compounds into the atmosphere and contribute to reducing the possible negative effects in the environment.

Keywords: Anaerobic ponds, slaughterhouse wastewater, methane, greenhouse gases (GHG).

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mecanismo da digesto anaerbia ........................................................................ 28 Figura 2 Lagoa anaerbia coberta...................................................................................... 40 Figura 3 Lagoa anaerbia convencional............................................................................. 43 Figura 4 Lagoa anaerbia de alta taxa................................................................................ 43 Figura 5 Localizao do abatedouro .................................................................................. 76 Figura 6 Lagoa anaerbia em estudo ................................................................................. 77 Figura 7 Conjunto para amostragem de ar ......................................................................... 79 Figura 8 Coleta manual de amostras de GEE ..................................................................... 79 Figura 9 Componentes bsicos de um cromatgrafo a gs ................................................. 82 Figura 10 Cromatgrafo Shimadzu modelo GC-2014 ........................................................ 83 Figura 11 Limpeza das seringas de polipropileno .............................................................. 86 Figura 12 Determinao da vazo da bomba de ar ............................................................. 87 Figura 13 Armazenagem de CH4 em seringas de polipropileno novas e usadas.................. 98 Figura 14 Armazenagem de CO2 em seringas de polipropileno novas e usadas.................. 99 Figura 15 Armazenagem de N2O em seringas de polipropileno novas e usadas ................. 99 Figura 16 Comparao de amostras de CH4 com e sem refrigerao ................................ 102 Figura 17 Comparao de amostras de CO2 com e sem refrigerao ................................ 103 Figura 18 Comparao de amostras de N2O com e sem refrigerao................................ 103 Figura 19 Cromatogramas representativos de CH4 e CO2 nas amostras............................ 105 Figura 20 Cromatogramas representativos de N2O nas amostras...................................... 105 Figura 21 Gerao de metano para diferentes horrios do dia .......................................... 107 Figura 22 Gerao de dixido de carbono para diferentes horrios do dia........................ 108 Figura 23 Gerao de xido nitroso para diferentes horrios do dia ................................. 108 Figura 24 Filtro de slica gel a) anidra b) hidratada e saturada ......................................... 110

Figura 25 Influncia do vapor de gua na emisso de metano.......................................... 111 Figura 26 Influncia do vapor de gua na emisso de dixido de carbono........................ 111 Figura 27 - Influncia do vapor de gua na emisso de xido nitroso ................................. 112 Figura 28 Lagoa anaerbia a) com camada parcial de escuma b) com escuma diluda ..... 114 Figura 29 Chuvas acumuladas no municpio de Santa Maria no ano de 2009................... 115 Figura 30 Precipitaes no ms de janeiro de 2010 no municpio de Santa Maria ............ 115 Figura 31 Fluxos mdios difusivos de metano conforme horrio de coleta....................... 118 Figura 32 Fluxos mdios ebulitivos de metano conforme horrio de coleta...................... 119 Figura 33 Fluxo ebulitivo gerado a partir da lagoa anaerbia........................................... 120 Figura 34 Relao entre fluxo mdio difusivo e umidade relativa mdia.......................... 121 Figura 35 Relao entre fluxo mdio difusivo e temperatura ambiente mdia .................. 121 Figura 36 Relao do fluxo mdio difusivo com a DQO degradada................................. 122 Figura 37 Comparao do fator de emisso de metano terico e experimental ................. 124 Figura 38 Comparao entre os fluxos de metano tericos e experimentais ..................... 126 Figura 39 Fluxo mdio dirio de metano e dixido de carbono........................................ 129 Figura 40 Fluxo mdio dirio de xido nitroso ................................................................ 130

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Principais gases de efeito estufa e suas fontes .................................................... 53

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 pH timo para o crescimento das bactrias metanognicas .................................. 31 Tabela 2 Faixas de temperaturas para a digesto anaerbia................................................ 31 Tabela 3 - Efeito de sulfetos solveis no tratamento anaerbio ............................................. 35 Tabela 4 Efeitos de metais alcalinos e alcalino-terrosos na digesto anaerbia .................. 36 Tabela 5 Critrios tpicos de projeto para lagoas anaerbias .............................................. 45 Tabela 6 Produo anual de efluentes lquidos oriundos de abatedouros de bovinos .......... 48 Tabela 7 Tempo de vida do metano ................................................................................... 54 Tabela 8 Taxa mdia de crescimento de CH4 na atmosfera entre 1700 e 1985.................... 56 Tabela 9 Emisses naturais e antropognicas de metano em Tg/ano .................................. 59 Tabela 10 Coeficiente de produo de slidos e coeficiente endgeno............................... 72 Tabela 11 Fatores de emisso de metano para efluentes de abatedouros............................. 73 Tabela 12 Caractersticas do cromatgrafo usado nas anlises de GEE.............................. 84 Tabela 13 Especificaes dos gases padres...................................................................... 84 Tabela 14 Caracterizao do efluente bruto e tratado....................................................... 113 Tabela 15 Condies ambientais nos meses de pesquisa .................................................. 117 Tabela 16 Comparao entre fatores de emisso de metano experimentais ...................... 124 Tabela 17 Condies para clculo dos fluxos tericos de metano .................................... 125

LISTA DE ABREVIATURAS

AB AGV AT AV BRS CCR CFCs CH4 CNTP C:N CO CO2 CQNUMC DBO DP DQO ECD FID GEE Gg H2

Alcalinidade devida ao Bicarbonato cidos Graxos Volteis Alcalinidade Total Alcalinidade devida aos cidos Volteis Bactrias Redutoras de Sulfato Centro de Cincias Rurais Clorofluorcarbonos Metano Condies Normais de Temperatura e Presso Relao Carbono:Nitrognio Monxido de Carbono Dixido de Carbono Conveno Quadro das Naes Unidas sobre Mudana do Clima Demanda Bioqumica de Oxignio Desvio padro Demanda Qumica de Oxignio Electron Capture Detector Flame Ionization Detector Gases de Efeito Estufa Gigagramas Hidrognio

H2S IPCC

Gs Sulfdrico Painel Intergovernamental de Mudanas Climticas (Intergovernmental Panel on Climate Change)

IR N2 NH3 N2 O O3 OHO(1D) ppbv ppmv SS SV Tg UASB

Infravermelho Nitrognio Amnia xido Nitroso Oznio Radical Hidroxila Oxignio Excitado Partes por bilho em volume Partes por milho em volume Slidos Suspensos Slidos Volteis Teragrama Reator anaerbio de manto de lodo (Upflow Anaerobic Sludge Blanket)

UFSM UNEP

Universidade Federal de Santa Maria Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (United Nations Environment Programme)

UV WMO

Ultravioleta Organizao Mundial de Meteorologia (World Meteorological Organization)

SUMRIO

CAPTULO 1 - INTRODUO ....................................................................................... 18 1.2 OBJETIVOS GERAIS....................................................................................................... 19 1.3 OBJETIVOS ESPECFICOS ............................................................................................... 20 1.4 ORGANIZAO DA DISSERTAO ................................................................................. 21 CAPTULO 2 FUNDAMENTAO TERICA .......................................................... 22 2.1 TRATAMENTO ANAERBIO DE EFLUENTES .................................................................... 22 2.1.1 Fundamentos da degradao anaerbia ................................................................. 23 2.1.1.1 Hidrlise........................................................................................................ 24 2.1.1.2 Acidognese .................................................................................................. 25 2.1.1.3 Acetognese................................................................................................... 26 2.1.1.4 Metanognese ................................................................................................ 26 2.1.1.5 Sulfetognese................................................................................................. 28 2.1.2 Fatores de influncia na digesto anaerbia .......................................................... 29 2.1.2.1 Agitao do sistema ....................................................................................... 29 2.1.2.2 Mudanas na carga orgnica .......................................................................... 30 2.1.2.3 pH ................................................................................................................. 30 2.1.2.4 Temperatura................................................................................................... 31 2.1.2.5 Alcalinidade do meio ..................................................................................... 32 2.1.2.6 Nutrientes ...................................................................................................... 33 2.1.2.7 Inibidores....................................................................................................... 34 2.1.2.8 Metais alcalinos e alcalino-terrosos................................................................ 36 2.1.2.9 Metais pesados............................................................................................... 37 2.1.3 Tecnologias anaerbias ........................................................................................ 37 2.1.4 Lagoas anaerbias ................................................................................................ 39 2.1.4.1 Consideraes bsicas do processo ................................................................ 41 2.1.4.2 Configuraes das lagoas anaerbias ............................................................. 43 2.1.4.3 Principais critrios de projeto para as lagoas anaerbias ................................. 44 2.2 ABATEDOUROS DE BOVINOS ......................................................................................... 45 2.2.1 Processo produtivo de abatedouro de bovinos....................................................... 46 2.2.2 Gerao de efluentes lquidos em abatedouros...................................................... 47

2.2.3 Produo de efluentes lquidos de abatedouros no Brasil ...................................... 48 2.2.4 Sistema de Tratamento de efluentes...................................................................... 49 2.3 EFEITO ESTUFA ............................................................................................................ 50 2.3.1 Mecanismo do efeito estufa.................................................................................. 51 2.3.2 Gases de efeito estufa........................................................................................... 52 2.4 METANO ..................................................................................................................... 54 2.4.1 Concentraes de metano na atmosfera ................................................................ 55 2.4.2 Fontes e sumidouros de metano............................................................................ 58 2.4.3 Emisso de metano a partir de efluentes industriais .............................................. 61 2.4.4 Efeitos do acmulo de metano na atmosfera ......................................................... 62 2.5 ESTIMATIVAS DA PRODUO DE METANO ..................................................................... 64 2.5.1 Avaliaes experimentais ................................................................................. 65 2.5.2 Estimativas tericas.............................................................................................. 67 2.5.2.1 Estimativa a partir da composio qumica do efluente .................................. 67 2.5.2.2 Estimativa a partir da DQO degradada ........................................................... 68 CAPTULO 3 - METODOLOGIA.................................................................................... 75 3.1 LOCAL DE PESQUISA .................................................................................................... 75 3.1.1 Lagoas anaerbias ................................................................................................ 77 3.2 METODOLOGIA DE AMOSTRAGEM DOS GASES................................................................ 77 3.2.1 Sistema de amostragem ........................................................................................ 78 3.2.2 Construo do sistema de amostragem ................................................................. 78 3.2.3 Funcionamento do sistema de amostragem ........................................................... 80 3.3 METODOLOGIA DE ANLISE DOS GASES ........................................................................ 81 3.3.1 Cromatografia gasosa ........................................................................................... 81 3.3.2 Quantificao dos compostos gasosos .................................................................. 83 3.3.3 Calibrao do cromatgrafo gasoso ...................................................................... 84 3.4 TESTES PRELIMINARES ................................................................................................. 85 3.4.1 Armazenagem de GEE em seringas novas e usadas .............................................. 85 3.4.2 Condies de temperatura e tempo ideais na armazenagem das amostras.............. 86 3.4.3 Determinao da vazo da bomba ........................................................................ 87 3.4.4 Limite de deteco dos gases no cromatgrafo e intervalo de coleta ..................... 88 3.5 MEDIDAS DE CAMPO .................................................................................................... 88 3.6 ANLISES DE LABORATRIO......................................................................................... 89 3.7 MEDIDAS DE FLUXO DE METANO .................................................................................. 91

3.8 VALIDAO DOS FLUXOS ............................................................................................. 94 3.9 RELAO ENTRE OS FLUXOS E AS VARIVEIS AMBIENTAIS............................................. 94 3.10 VALIDAO DO MTODO CROMATOGRFICO .............................................................. 95 CAPTULO 4 RESULTADOS E DISCUSSO............................................................. 97 4.1 TESTES PRELIMINARES ................................................................................................. 97 4.1.1 Resultado da capacidade de reutilizao das seringas de polipropileno ................. 97 4.1.2 Resultados da temperatura e tempo ideal para armazenagem das amostras.......... 100 4.1.3 Determinao do limite de deteco dos gases e do intervalo de coleta............... 104 4.2 PRESENA DE INTERFERENTES NAS AMOSTRAS DE GEE .............................................. 106 4.3 RESULTADOS DA CARACTERIZAO DO EFLUENTE LQUIDO ........................................ 112 4.4 COLETAS DE AMOSTRAS DE GASES DE EFEITO ESTUFA (GEE) ...................................... 113 4.5 DETERMINAO DOS FLUXOS DE GASES DE EFEITO ESTUFA (GEE) .............................. 117 4.5.1 Determinao dos fluxos de metano ................................................................... 117 4.5.1.1 Fatores de influncia no fluxo de metano ..................................................... 120 4.5.1.2 Determinao do fator de emisso de metano a partir do sistema em estudo. 123 4.5.1.3 Determinao do fluxo de metano terico .................................................... 125 4.5.1.4 Comparao entre o fluxo de metano a partir de diferentes fontes ................ 127 4.5.2 Determinao dos fluxos de dixido de carbono ................................................. 128 4.5.3 Determinao dos fluxos de xido nitroso .......................................................... 129 4.6 AVALIAO DA EMISSO DE GEE PARA O SISTEMA EM ESTUDO .................................. 130 CAPTULO 5 - CONCLUSES ..................................................................................... 132 CAPTULO 6 - SUGESTES ......................................................................................... 134 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................ 135

18

CAPTULO 1 INTRODUO

O acentuado desenvolvimento tecnolgico ocorrido na rea de tratamento de guas residurias industriais, domsticas, ou aquelas de origem agrcola ou animal, sustentou o crescimento dos processos biolgicos anaerbios, os quais comearam a ocupar posio de destaque, no somente no Brasil, face s grandes extenses de terras e favorveis condies de temperatura, como tambm ao redor do mundo. Os processos anaerbios passaram a competir com os aerbios, uma vez que no necessitam de energia para aerao, geram menores quantidades de lodo e apresentam potencial para a gerao de energia. As tecnologias anaerbias se sobressaram quando os custos de operao das estaes de tratamento de efluentes lquidos elevaram-se substancialmente devido ao aumento nos custos energticos. Dentre as diferentes opes de tecnologias anaerbias, destacam-se as lagoas anaerbias, as quais so amplamente utilizadas como primeira etapa no tratamento de despejos com elevada carga orgnica, como aqueles oriundos de indstrias de bebidas e alimentcias em geral, curtumes, entre outras, em virtude dos seus baixos custos de instalao, operao e manuteno, no necessitando de mo-de-obra especializada ou qualquer fonte de energia para agitao ou aquecimento do sistema. Porm, apesar dos seus atrativos, as lagoas anaerbias apresentam a desvantagem de necessitarem maior tempo de reteno em relao s modernas tecnologias e requererem tambm maiores reas, alm de serem fontes emissoras de odores ofensivos e gases de efeito estufa (GEE). As lagoas anaerbias, associadas s lagoas facultativas, correspondem a uma das alternativas mais apropriadas ao tratamento das guas residurias provenientes de abatedouros, caracterizadas por uma composio predominantemente orgnica. No processo de tratamento dos efluentes lquidos sob condies anaerbias, o carbono presente na forma de compostos orgnicos (carboidratos, protenas e lipdios) convertido a, principalmente, metano (CH4) e dixido de carbono (CO2), nas propores de 55-75 vol% e 25-45 vol%, respectivamente (REITH et., 2003). Pelo fato de serem, em sua maioria, reatores anaerbios abertos, as lagoas anaerbias lanam diretamente na atmosfera os subprodutos de sua digesto, o que contribui para o aumento dos nveis de gases de efeito estufa, sendo assim, uma importante fonte de poluio atmosfrica, quando os gases no so devidamente recuperados.

19 O metano, principal subproduto da digesto anaerbia, o hidrocarboneto mais abundante na atmosfera terrestre. Foi durante muitos anos ignorado como um gs de efeito estufa, contudo, constitui-se no segundo maior contribuinte para o aquecimento global, depois do dixido de carbono, com uma participao relativa em torno de 20% do efeito total observado (MARANI, 2007). Por ser um potente GEE, a reduo ou controle em suas fontes de emisso podem ser mais efetivas na mitigao do potencial de aquecimento global da atmosfera terrestre, na ordem de 25 vezes maior, comparado a uma reduo nas emisses de dixido de carbono (LELIEVELD et al., 2004). Diversos trabalhos cientficos, com o intuito de colaborar com a elaborao de inventrios atmosfricos e permitir um melhor entendimento das questes relativas s mudanas climticas globais e poluio do ar, tm investigado a fora de diferentes fontes emissoras de metano, naturais ou antropognicas, entre as quais se podem citar: reas alagadas naturais ou construdas, reas de cultivo de arroz, aterros sanitrios, resduos domsticos, solos, trato digestivo de animais, vegetaes, queima de biomassa, falhas geolgicas, entre outras. Porm, estudos relativos gerao de metano em reatores anaerbios, utilizados no tratamento de efluentes lquidos industriais, so ainda muito escassos na literatura, no tendo ganho ateno suficiente, possivelmente devido a grande diversidade de indstrias cujas guas residurias podem ser tratadas anaerobiamente, somada s particularidades e complexidades da composio dos despejos. Baseado nisso, o presente trabalho visa verificar e demonstrar os sistemas anaerbios abertos como uma fonte emissora de GEE, a partir da avaliao da gerao de metano em uma lagoa anaerbia usada no tratamento de guas residurias de um abatedouro de bovinos, destacando uma oportuna alternativa para mitigar a emisso de gases responsveis pelo aquecimento global.

1.2 Objetivos gerais

O objetivo geral deste trabalho avaliar a emisso de metano em uma lagoa anaerbia, utilizada no tratamento de guas residurias provindas de um abatedouro de bovinos, o qual est localizado no municpio de Santa Maria - Rio Grande do Sul. Os frigorficos e abatedouros em geral tm suas principais preocupaes ambientais ligadas ao alto consumo de gua, gerao de efluentes lquidos com alta carga poluidora, ao odor, aos resduos

20 slidos, muitas vezes esquecendo o problema da poluio atmosfrica, uma vez que uma fonte contribuinte ao aquecimento global.

1.3 Objetivos especficos

Os objetivos especficos a serem alcanados so:

a) Estimar, secundariamente, os fluxos de outros GEE emitidos pela lagoa anaerbia, tais como o dixido de carbono e o xido nitroso.

b) Implementar e testar uma metodologia de coleta de gases a partir de uma lagoa anaerbia utilizada no tratamento de efluentes lquidos.

c) Avaliar o limite de uso das seringas de polipropileno, bem como as condies e tempo ideais de preservao das amostras nas mesmas.

d) Observar a influncia de fatores operacionais e ambientais, tais como, a presena de escuma na lagoa anaerbia, o pH, a temperatura, a umidade relativa do ar e as precipitaes, no fluxo de gs metano.

e) Definir um fator experimental de emisso de metano.

f) Avaliar os reatores anaerbios abertos como fonte de gases de efeito estufa, atravs da exposio de dados experimentais.

g) Comparar o fluxo experimental de metano com aqueles obtidos atravs do emprego de modelos tericos.

21 1.4 Organizao da dissertao

O Captulo 2 apresenta uma reviso bibliogrfica relacionada ao processo de tratamento anaerbio de efluentes lquidos, bem como seu fundamento, fatores de interferncias e tecnologias anaerbias. Alm disto, trata de um dos mais importantes gases de efeito estufa, o metano, com descrio do aumento de sua concentrao na atmosfera, das suas fontes e sumidouros. O Captulo aborda ainda os modelos tericos para as estimativas de metano, que sero posteriormente comparados aos valores reais obtidos a partir de experimentos realizados em campo. O Captulo 3 descreve toda a metodologia e os equipamentos utilizados no estudo. No Captulo 4 so apresentados os resultados e discusses relativos emisso de metano oriundo de uma lagoa anaerbia usada no tratamento de efluentes lquidos de um abatedouro de bovinos, localizado no municpio de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Ainda realizada uma breve abordagem de outros GEE, tais como o dixido de carbono e o xido nitroso, observados a partir do estudo de caso. O Captulo 5 aborda as concluses gerais da dissertao e o Captulo 6 apresenta as sugestes para novas pesquisas e continuidade do projeto.

22

CAPTULO 2 FUNDAMENTAO TERICA

2.1 Tratamento anaerbio de efluentes

Embora aplicada no tratamento de guas residurias desde a metade do sculo XIX, com a primeira planta industrial construda em 1859 na cidade de Bombaim (MONNET, 2003), a digesto anaerbia foi, por longo tempo, considerada instvel, ineficiente e lenta (GIJZEN, 2002; ALVES et al., 1995). Comeou a ser pesquisada com carter cientfico a partir de 1960, com significativos progressos quanto compreenso de seus fundamentos e controle do processo quando, na dcada de 70, atingiu o auge atravs da produo de biogs como fonte de combustvel, interesse esse despertado pela crise energtica da poca. Nos anos 90, a digesto anaerbia favoreceu grandes avanos tecnolgicos pelo fato de proporcionar a depurao de despejos lquidos contaminantes e gerar produtos com caractersticas de biofertilizao. Assim, a produo de biogs, inicialmente vista como objetivo principal da utilizao da digesto anaerbia, passou a ser apresentada, em conjunto com a degradao de efluentes orgnicos, como uma justificativa para a implantao e desenvolvimento dessa tecnologia (BERNI & BAJAY, 2000), capaz de produzir energia ambientalmente amigvel, contribuindo desse modo para a reduo das mudanas climticas (YACOB et al., 2006). Os processos anaerbios, por permitirem uma alta eficincia na remoo da carga orgnica e reduo nos custos de operao de uma planta de tratamento de efluentes, quando utilizados em conjunto com sistemas aerbios (CHAN et al., 2009), passaram a ser explorados como uma alternativa ao tratamento biolgico de despejos lquidos, em virtude de duas importantes razes, que foram as presses exercidas por leis ambientais mais rgidas e o aumento dos custos energticos nas estaes de tratamento (MONNET, 2003). Comparados aos sistemas aerbios, os anaerbios no requerem energia para aerao, estando o baixo consumo usualmente associado a uma elevatria da carga (VON SPERLING, 2002); necessitam de baixa concentrao de nutrientes, apresentam potencial para gerao de energia a partir da formao do metano e geram menores quantidades de lodo (MCCARTY, 1964a; SOUZA, 1984a; DALTRO, 1992, BEUX, 2005; CHAN et al., 2009), pois a taxa de crescimento dos microrganismos anaerbios baixa (ALVES & VIEIRA, 1998), o que proporciona uma economia considervel no manejo e destino final dos resduos (FORESTI et

23 al., 1999). No entanto, os sistemas anaerbios so mais sensveis s mudanas de temperatura e taxa de carga (MITTAL, 2006; FORESTI et al., 1999), susceptveis inibio por um grande nmero de compostos (CHERNICHARO, 2007) e possveis geradores de odores ofensivos (TRUPPEL, 2002; CHAN et al., 2009) e emissores de gases de efeito estufa (GEE) (BRASIL, 2004). No momento, as tecnologias anaerbias so reconhecidas como um mtodo de prtratamento atrativo e bem estabelecido para despejos lquidos de mdia a alta carga orgnica, com temperaturas variando desde as faixas psicrfila (baixas temperaturas) at a termfila (altas temperaturas) (SEKIGUCHI et al., 2001), existindo mais de 30 tipos de guas residurias industriais propcias ao tratamento por via anaerbia (MONNET, 2003), como aquelas geradas em matadouros, laticnios (VON SPERLING, 2002), cervejarias, indstrias de papel e celulose, qumica e alimentcia em geral (HULSHOFF et al., 1998), curtumes (CHERNICHARO, 2007), entre outras. Conforme destacam Alves & Vieira (1998) mais de 350 sistemas de tratamentos anaerbios so utilizados no Brasil desde 1980 e em mdia 197 mil metros cbicos de efluentes lquidos foram tratados em reatores anaerbios s no ano de 1994.

2.1.1 Fundamentos da degradao anaerbia

A degradao anaerbia um processo que ocorre de forma natural, denominado de autodepurao, dos quais os sistemas de tratamentos biolgicos de efluentes passaram a ser uma imitao, porm com o incremento de tecnologia. Baseia-se na atividade de microrganismos, sob condies anaerbias e controladas de operao, para a converso biolgica da matria orgnica complexa em compostos qumicos simples. Dentre esses, temse como principal produto o metano (CH4), o qual foi descoberto em 1776 pelo italiano Alessandro Volta, a partir da observaes das bolhas resultantes da decomposio de restos vegetais presentes em reas alagadas, passando a ser denominado inicialmente de gs dos pntanos (CHONG & CHONG, 2008). O entendimento dos fundamentos da digesto anaerbia foi exposto em 1913 por McBeth & Sales, os quais diziam que, a matria orgnica, sob condies restritas de oxignio, era decomposta em metano (CH4), dixido de carbono (CO2), hidrognio (H2), e uma variedade de cidos orgnicos em pequenas ou grandes quantidades (BUSWELL &

24 MUELLER, 1952). Logo, no ano de 1914, a digesto anaerbia foi discutida por Thum & Reichle, como um simples processo realizado em duas fases, denominadas posteriormente por Imhoff, em 1916, de digesto cida e metnica (JUCHEN, 2001). Nesse processo, segundo MCCarty (1964a), as bactrias acidognicas eram as responsveis pela transformao de lipdios, protenas e carboidratos em compostos orgnicos mais simples, principalmente cidos graxos volteis (AGV); e as metanognicas, transformadoras de produtos intermedirios em gs metano e dixido de carbono. Estequiometricamente, o processo anaerbio pode ser representado por um composto orgnico genrico, formado por molculas de carbono, hidrognio, oxignio e nitrognio (CnHaObNd), onde um consrcio de vrias espcies bacterianas atuam interativamente para a completa reduo a materiais mais simples. Caracteriza-se como um processo bioqumico complexo, que requer condies ambientais especficas (LASTELLA et al., 2002), composto pelas etapas sucessivas de hidrlise, acidognese, acetognese e metanognese (REITH et al., 2003; CHERNICHARO, 2007).

2.1.1.1 Hidrlise

A primeira fase da degradao anaerbia a hidrlise, realizada atravs da ao de exoenzimas excretadas pelas bactrias fermentativas hidrolticas, dentre as quais se destacam os gneros Clostridium, Staphylococcus, Bacteroides, Butyvibrio, Streptococcus, Bacillus, Eubacteriu e Acetivibrio (CHERNICHARO, 2007). Consiste na quebra da matria orgnica complexa - definida como o substrato que contm grande frao de slidos suspensos ou insolveis (ZEEMAN & SANDERS, 2001) - como os carboidratos, as protenas e os lipdios, em materiais solveis, ou seja, acares, aminocidos e cidos graxos de cadeia longa, respectivamente, uma vez que os microrganismos no so capazes de assimilar os compostos no seu estado particulado. Sob condies anaerbias, a hidrlise dos substratos orgnicos usualmente ocorre de forma lenta, podendo representar a fase limitante da velocidade do processo global quando o resduo constitudo predominantemente de matria orgnica no dissolvida (VITORATTO, 2004; JUCHEN, 2001), sendo afetada por diversos fatores, que so: a estrutura molecular do composto orgnico, a relao entre a superfcie e o volume das partculas (DALTRO, 1992), a temperatura e pH operacional do reator, o tempo de residncia e a concentrao de nitrognio

25 amoniacal e de produtos da hidrlise (LETTINGA et al., 1996 apud CHERNICHARO, 2007). Contudo, essa etapa de degradao anaerbia pode ser acelerada por meio da adio de compostos qumicos, proporcionando um maior rendimento na produo de CH4 (MONNET, 2003).

2.1.1.2 Acidognese

As substncias solveis, provenientes da etapa de hidrlise, so metabolizadas por bactrias fermentativas, dentre as quais pode-se destacar os gneros Escherichia, Clostridium, Staphylococcus, Streptococcus, Desulphovibrio, Lactobacillus e Actinomyces (METCALF & EDDY, 1991), e convertidas em diversos compostos simples, como por exemplo, os cidos graxos volteis (AGV) a, os lcoois, o cido ltico e os compostos minerais, que so o dixido de carbono (CO2), hidrognio (H2), amnia (NH3) e gs sulfdrico (H2S); alm de novas clulas bacterianas. Considerando-se que os AGV so os principais produtos dos organismos fermentativos, esses so usualmente designados de bactrias fermentativas acidognicas. A maioria das bactrias acidognicas so anaerbias estritas, mas cerca de 1% delas consiste em bactrias facultativas, as quais podem oxidar o substrato orgnico por via aerbia. Fato esse importante, salvo que o oxignio dissolvido, eventualmente presente no meio, poderia se tornar em uma substncia txica para a posterior etapa de degradao, a denominada metanognese.

Durante as etapas fermentativas de hidrlise e acidognese, no ocorre reduo da demanda qumica de oxignio (DQO), uma vez que h somente a converso de compostos orgnicos complexos em substncias mais simples, as quais tambm exercem uma demanda de oxignio.

a

A denominao de AGV conceitualmente incorreta, porm j se encontra consagrada no Brasil e ser mantida no texto como uma referncia aos cidos orgnicos de cadeia curta. No se tratando estritamente de compostos de origem graxa, nem sendo to pouco relativa a substncias volteis (CHERNICHARO, 2007).

26 2.1.1.3 Acetognese

As bactrias acetognicas so as responsveis pela transformao dos produtos gerados na fase acidognica em substratos intermedirios apropriados para as

metanobactrias, que so: hidrognio, acetato e dixido de carbono. Os gneros conhecidos de bactrias acetognicas encontradas em processos anaerbios so Syntrophobacter e Syntrophomonas (CHERNICHARO, 2007). De acordo com Foresti et al. (1999) aproximadamente 70% da DQO digerida nos processos anaerbios convertida em cido actico. Podendo, segundo Vitoratto (2004) esses valores chegarem a 73% devido atividade das bactrias homoacetognicas. A frao de DQO resultante fica concentrada no hidrognio, o qual produzido durante a formao dos cidos actico, propinico e butrico, fazendo com que o pH do meio decresa, e consumido principalmente atravs das bactrias metanognicas, que utilizam hidrognio e dixido de carbono na produo de metano.

2.1.1.4 Metanognese

A metanognese, etapa final do processo de degradao anaerbia, a responsvel direta pela produo de metano e dixido de carbono. As bactrias metanognicas apresentam a maior diversidade morfolgica entre todos os grupos responsveis pelo processo anaerbio, e degradam apenas um nmero limitado de substratos com baixo nmero de carbonos, dentre eles, o cido actico, o hidrognio/dixido de carbono, o cido frmico, o metanol, as metilaminas e o monxido de carbono (CHERNICHARO, 2007). So organismos anaerbios obrigatrios e necessitam de um ambiente redutor com potencial redox entre -300 e -400 mV para o seu crescimento (VON SPERLING, 1996). As metanobactrias so divididas em dois grandes subgrupos, de acordo com substrato utilizado como fonte de energia:

a) Bactrias que utilizam o acetato (acetoclsticas ou acetotrficas): na ausncia de hidrognio no meio, essas bactrias promovem a clivagem do cido actico, no qual o

27 grupo metil reduzido a metano, enquanto o grupo carboxlico oxidado a gs carbnico, conforme mostra a reao dada pela Equao 1:

CH3COOH

CH4 + CO2

(1)

A hiptese do mecanismo de reduo, aplicado ao acetato, para a produo de metano foi proposta em 1934 por van Niel (BARKER, 1956), no qual a matria orgnica era oxidada completamente a CO2, associada com a reduo do CO2, total ou parcialmente, para a produo de metano. Os principais gneros das bactrias acetotrficas so: Methanosarcina e Methanothrix (JUCHEN, 2001; ALVES et al., 1995).

b) Bactrias que utilizam hidrognio (hidrogenotrficas): quando h disponibilidade de hidrognio no meio, as bactrias hidrogenotrficas so responsveis pela produo de metano a partir da reduo do dixido de carbono, onde este atua como um aceptor dos tomos de hidrognio. A reao de produo de metano (Equao 2), foi observada primeiramente em 1910 em experimentos realizados por Shngen (BARKER, 1956):

CO2 + 4H2

CH4 + 2H2O

(2)

Os principais gneros pertencentes a esse grupo de bactrias so: Methanobacterium, Methanococcus, Methanogenium, Methanobrevibacter (JUCHEN, 2001), Methanospirillum, Methanoculleus e Methanocorpusculum (CHERNICHARO, 2007). Uma vez que as bactrias metanognicas so responsveis pela maior parte da degradao do resduo, atravs da reduo da DQO, a baixa taxa de crescimento e de utilizao dos cidos orgnicos normalmente representa o fator limitante no processo de digesto como um todo.

Alm das quatro fases descritas anteriormente (Figura 1), a digesto anaerbia pode incluir ainda uma quinta etapa, dependendo da composio qumica do efluente a ser tratado.

28

Figura 1 - Mecanismo da digesto anaerbiaFonte: Adaptado de Chernicharo (2007).

2.1.1.5 Sulfetognese

A sulfetognese a etapa na qual o sulfato, o sulfito e outros compostos sulfurados so usados como aceptores de eltrons, e reduzidos a sulfeto, atravs da ao de um grupo de bactrias anaerbias estritas, denominadas bactrias redutoras de sulfato (BRS) ou bactrias sulforedutoras. Tais bactrias so capazes de utilizar uma ampla gama de substratos, incluindo toda a cadeia de cidos graxos, diversos cidos aromticos, hidrognio, metanol, etanol, glicerol, acares, aminocidos e vrios compostos fenlicos. Com a presena desses compostos no efluente, muitos intermedirios formados passam a ser consumidos pelas bactrias sulforedutoras, provocando alterao das rotas metablicas no digestor anaerbio. Dessa forma, as BRS passam a competir pelos substratos disponveis com as bactrias fermentativas acetognicas e metanognicas, diminuindo a

29 produo de metano e provocando a emisso de gs sulfdrico (H2S), o qual corrosivo e confere odor desagradvel tanto fase lquida quanto ao biogs (CHERNICHARO, 2007).

2.1.2 Fatores de influncia na digesto anaerbia

A degradao de compostos orgnicos realizada por bactrias anaerbias pode ser seriamente afetada por um grupo de fatores, na sua maioria passveis de controle, que podem ser divididos em dois grupos: os relativos s condies de operao do sistema de tratamento e os relacionados s variaes ambientais (LEITO et al., 2006). Tais fatores, quando devidamente monitorados, podem contribuir para a otimizao da atividade bacteriana, aumentando assim a produo de metano. Segundo Eastman & Ferguson (1981), as bactrias metanognicas reproduzem-se mais lentamente e so muito mais sensveis s condies adversas ou alteraes bruscas no meio em que vivem. Desse modo, uma determinada alterao de equilbrio no meio geralmente ir refletir na diminuio da produo de biogs, em virtude da alta correlao existente entre a gerao de metano e a populao de bactrias metanognicas (SOLERA et al., 2001).

2.1.2.1 Agitao do sistema

Os sistemas de agitao, sejam eles por meio de retorno de gs produzido, recirculao de lodo, agitao mecnica ou liberao de gs na forma de pequenas bolhas, permitem um maior contato entre os microrganismos e a matria orgnica, o que evita a formao de zonas mortas, as quais so causadas pela sedimentao do lodo e podem ocasionar perda de parte da capacidade til do reator. O uso de agitao no sistema de tratamento de efluentes garante um melhor contato entre a biomassa ativa e a alimentao; uniformidade fsica, qumica e biolgica; disperso rpida dos produtos metablicos da digesto e de qualquer substncia txica que entre no sistema, minimizando assim os efeitos inibidores da atividade microbiana (POHLAND, 1982 apud VITORATTO, 2004); alm, de prevenir a formao de escuma e o desenvolvimento de gradientes de temperatura no interior do reator (MONNET, 2003).

30 2.1.2.2 Mudanas na carga orgnica

As variaes na carga orgnica do sistema podem ser divididas em duas diferentes classes, que so aquelas devido aos slidos suspensos (SS) e as relacionadas aos slidos dissolvidos. Uma contribuio adicional de SS no meio pode levar ao decrscimo no tempo de reteno do lodo e deteriorao no desempenho do reator, enquanto que, uma sobrecarga devido aos compostos dissolvidos pode acarretar no acmulo de AGV e na queda do pH possibilitando, possivelmente, uma inibio da atividade das bactrias metanognicas (LEITO et al., 2006).

2.1.2.3 pH

Quando uma populao de bactrias metanognicas se encontra presente em quantidade suficiente em um reator anaerbio, e as condies ambientais no interior do sistema so favorveis ao seu desenvolvimento, essas utilizam os AGV to rapidamente quanto so formados. Como resultado, os cidos no se acumulam alm da capacidade neutralizadora da alcalinidade presente no meio, e o pH permanece em uma faixa favorvel atividade das bactrias metanognicas. Contudo, se um determinado fator ocasiona um desequilbrio no meio, os cidos volteis continuam a ser produzidos provocando uma queda no pH e com isso a diminuio na produo de metano. Desse modo, uma vez que ocorre a produo de AGV no primeiro estgio do tratamento anaerbio, o controle do pH torna-se uma varivel de controle significativa. As diferentes populaes de bactrias presentes na digesto anaerbia sobrevivem e desenvolvem-se a valores de pH distintos, sendo para as bactrias hidrolticas um pH timo em torno de 6,0 (JUCHEN, 2001), enquanto que para as acidognicas a faixa tima est entre 5,5 e 6,0 (BEUX, 2005). J as bactrias produtoras de metano tm um crescimento timo na faixa de pH prximo neutralidade, com os valores expostos na Tabela 1 segundo diferentes autores, embora seja possvel conseguir estabilidade na formao de CH4 em uma faixa mais ampla, entre 6,0 e 8,3 (ANGELIDAKI & SANDERS, 2004), devendo os valores fora desse intervalo ser evitados, pois podem inibir por completo as bactrias formadoras de metano.

31 Tabela 1 pH timo para o crescimento das bactrias metanognicas Referncia Bibliogrfica Souza (1984); Rajeshwari et al. (2000) e Beux (2005) Van Haandel (1994) Ramalho (1983); Snelling (1979) e Grady et al. (1999) Leito et al. (2006) Omer & Fadalla (2003) Faixa de pH 6,8 7,2 6,3 7,8 6,8 7,4 6,5 7,5 6,8 7,5

2.1.2.4 Temperatura

Dentre os fatores fsicos que afetam o crescimento microbiano, a temperatura um dos mais importantes visto que os microrganismos no possuem meios de controlar sua temperatura interna, a qual determinada pela temperatura ambiente externa. Rajeshwari et al. (2000) observaram que o efeito da temperatura nas etapas de hidrlise e acidognese no significativo, em virtude da grande diversidade de bactrias atuantes, enquanto que as seguintes etapas de acetognese e metanognese, devido ao grupo de bactrias especializadas, so mais sensveis. Apesar de a formao de metano poder ocorrer em condies extremas, de 0 a 97C (CHERNICHARO, 2007), trs nveis de temperatura tm sido associados digesto anaerbia, sendo relatadas distintas faixas de valores para os diferentes autores (Tabela 2).

Tabela 2 Faixas de temperaturas para a digesto anaerbia Referncia Angelidaki & Sanders (2004) Rajeshwari et al. (2000) Metcalf & Eddy (1991) Psicrfila (C) < 20 0 20 -10 30 Mesfila (C) 25 40 20 42 20 50 Termfila (C) 45 60 42 75 35 75

Grady et al. (1999) destacam que na faixa mesfila a digesto anaerbia se desenvolve a temperatura tima de 30 at 40C, e na faixa termfila de 50 a 60C. J para Metcalf &

32 Eddy (1991), as temperaturas timas para as faixas mesfilas e termfilas variam de 30-38C e 49-57C, respectivamente. Portanto, mais importante que operar na faixa tima de temperatura impedir a ocorrncia de variaes bruscas, uma vez que estas afetam a populao microbiolgica presente no reator. De acordo com estudos realizados por Borja & Banks (1995), uma mudana sbita na temperatura caracterizada pela imediata queda no pH, devido ao aumento na concentrao de AGV, o qual posteriormente estabilizado em novos valores, entre 0,35 e 0,45 unidades de pH abaixo do valor de operao normal. Comparando a digesto mesfila com a termfila, esta apresenta benefcios adicionais, tais como: o elevado grau de estabilizao do resduo, mais completa destruio de vrus e bactrias, e melhora no ps-tratamento de lodo (CHEN et al., 2008), alm de uma maior eficincia na produo de gs (MONNET, 2003).

2.1.2.5 Alcalinidade do meio

A alcalinidade do sistema, sendo suficientemente elevada, provoca o tamponamento do pH evitando o desequilbrio no meio causado pelo acmulo dos AGV, principal fator que afeta o pH nos processos anaerbios. McCarty (1984b) mostrou que, em meios anaerbios, a alcalinidade total do sistema (AT) compensada pela alcalinidade devida ao bicarbonato (AB) e aos cidos volteis (AV), representada pela Equao 3:

AT AB 0,85 0,833 AV

(3)

Para a maioria dos efluentes lquidos, uma baixa concentrao de AGV est presente quando os valores de AB e AV so aproximadamente equivalentes. Porm, quando a alcalinidade devida aos cidos volteis ultrapassa a de bicarbonato, o sistema passa a ser instvel, podendo sofrer quedas de pH a qualquer novo aumento na concentrao de cidos volteis. Assim, desejvel um valor da alcalinidade bicarbonato na faixa de 2.500 a 5.000 mgCaCO3/L, em ordem de promover uma boa capacidade de tamponamento ao meio em

33 digesto (MCCARTY, 1964b; ECKENFELDER, 1989; SOUZA, 1984a). Alm disso, o nitrognio amoniacal, presente nos digestores em concentraes relativamente elevadas, entre 600 a 900 mg/L, tambm contribui para manuteno da alcalinidade do meio em nveis desejveis (SNELLING, 1979).

2.1.2.6 Nutrientes

Para que os processos biolgicos de tratamento de efluentes sejam operados com sucesso, indispensvel a presena de macro e micronutrientes em concentraes adequadas. Speece (1966 apud AMARAL et al., 2008) enfatiza a importncia da presena balanceada dos nutrientes necessrios, sendo que a restrio ou falta de algum deles pode levar reduo da taxa de metanognese, acmulo de AGV e consumo da alcalinidade. Rajeshwari et al. (2000) mencionam que o nitrognio, o enxofre, o fsforo, o potssio, o ferro, o cobalto, o nquel, o clcio, o magnsio, o zinco, o mangans e o cobre so elementos essenciais para o crescimento bacteriano no processo de digesto anaerbia.

Nitrognio: geralmente, o nutriente inorgnico requerido em maiores concentraes para o crescimento microbiano. A relao carbono/nitrognio (C:N) entre 20-30 pode ser considerada suficiente para o crescimento dos microrganismos (OMER & FADALLA, 2003). Uma alta relao C:N um indicativo de rpido consumo de nitrognio pelas bactrias produtoras de metano, resultando em baixa produo de gs; pelo outro lado, uma baixa relao C:N causa o acmulo de amnia no meio e a elevao do pH para valores excedentes a 8,5, o qual txico s metanobactrias (MONNET, 2003).

Fsforo: a incorporao microbiana de fsforo na digesto anaerbia, na relao de carbono/fsforo (C/P) 100 tem sido reportada como suficiente para o crescimento de microrganismos (SOUZA, 1984a; NUVOLARI et al., 2003).

Micronutrientes: a exigncia exata dos micronutrientes requeridos pelas bactrias difcil de ser determinada na prtica, uma vez que esses elementos precipitam em soluo devido presena de sulfetos no meio, o que faz com que a concentrao dos metais em equilbrio seja

34 muito baixa. Os principais micronutrientes requeridos pelas bactrias que formam o metano a partir do acetato so: ferro, cobalto, nquel e molibdnio (CHERNICHARO, 2007).

2.1.2.7 Inibidores

Alguns compostos qumicos, quando presentes em concentraes que excedem um valor crtico, podem ser biologicamente txicos ou inibidores do processo anaerbio. Assim, a inibio da digesto anaerbia geralmente indicada pelo decrscimo na taxa de produo de gs metano e acmulo de cidos orgnicos; enquanto a toxicidade apontada pelo trmino da atividade metanognica (KROEKER et al., 1979). De acordo com Souza (1984a), a toxicidade de um composto qumico digesto anaerbia um termo relativo onde, dependendo da concentrao, uma mesma substncia pode ser estimulante ou txica, associada aos fenmenos de antagonismo (reduo de efeitos txicos de uma substncia, quando na presena de outras substncias) ou de sinergismo (aumento do efeito txico na presena de outras substncias).

cidos orgnicos volteis e etanol: os cidos actico, propinico e butrico so os mais comuns de serem encontrados em reatores anaerbios, podendo causar efeito txico quando em situaes de baixos valores de pH, onde parte destes cidos esto na forma molecular. Recentes pesquisas, realizadas por Wang et al. (2009), revelam que o etanol e os cidos actico e butrico, quando presentes em concentraes de 2400, 2400 e 1800 mg/L, respectivamente, no provocam inibio significativa na atividade das bactrias

metanognicas; entretanto, concentraes de cido propinico iguais a 900 mg/L, causam a inibio do processo. J para Hejnfelt & Angelidaki (2009) concentraes de AGV de cadeia longa acima de 5000 mg/L causam inibio na produo de biogs. Ainda segundo Wang et al. (2009), as concentraes timas de etanol, cido actico, propinico e butrico, para a mxima produo de metano, so de 1600, 1600, 300 e 1800 mg/L, respectivamente.

Amnia: Amaral et al. (2008) citam que embora a faixa de inibio de microrganismos anaerbios, pela presena de amnia no meio, mais aceita seja de 100 a 200 mg/L, diferentes limites so estabelecidos. Para Liu & Sung (2002), concentraes de amnia abaixo de 200

35 mg/L so benficas para o processo anaerbio, uma vez que o nitrognio um nutriente essencial para os microrganismos. J Grady et al. (1998) observaram inibio do processo anaerbio para concentraes de amnia livre maiores do que 100 mg/L, enquanto que Hansen et al. (1999) verificaram o mesmo fenmeno para concentraes superiores a 1100 mg/L. Hejnfelt & Angelidaki (2009) ressaltam ainda que a inibio dos microrganismos metanognicos ocorre na presena de amnia em nveis superiores a 7000 mg/L. A diferena significativa nos valores de inibio por concentraes de amnia pode ser atribuda s distintas condies ambientais, tais como temperatura e pH, presena de outros ons, perodos de aclimatao e diferenas no substrato e inculo (CHEN et al., 2008).

Nitratos: a adio de nitratos nos digestores pode resultar em converses elevadas de nitrognio molecular (N2), atravs do fenmeno de desnitrificao. A inibio da metanognese geralmente mnima sob concentraes de nitratos iguais a 10 mg/L e completa quando a concentrao de 50 mg/L (SOUZA 1984a; NUVOLARI et al., 2003).

Sulfeto: quando presente em baixas concentraes um nutriente fundamental para a atividade metanognica, e sua presena em sistemas anaerbios resulta na precipitao de metais trao (TCHOBANOGLOUS & SCHROEDER, 1985). Entretanto, dependendo da sua concentrao no meio, pode exercer diferentes efeitos na digesto anaerbia, podendo at levar a paralisao do processo, conforme apresentado na Tabela 3.

Tabela 3 - Efeito de sulfetos solveis no tratamento anaerbio Concentrao de sulfetos solveis (mg/L) At 50 50 a 100 At 200 Acima de 200Fonte: Adaptado de Souza (1984a).

Efeitos na digesto anaerbia Nenhum efeito observado tolervel com pouca ou nenhuma aclimatao tolervel com aclimatao Produz efeitos bastante txicos

36 Cianetos: para Gijzen et al. (2000) uma concentrao de 5 mg/L de cianetos resulta em uma acentuada inibio na degradao da matria orgnica, com maior efeito inibitrio sobre as bactrias metanognicas acetoclsticas do que sobre as hidrogenotrficas. Conforme mencionam Yang et al. (1980), as bactrias metanognicas podem se aclimatar em concentraes de cianeto de 20 a 40 mg/L, sem inibio da produo de metano.

2.1.2.8 Metais alcalinos e alcalino-terrosos

Metais como o sdio (Na), potssio (K), clcio (Ca) e magnsio (Mg), presentes nos efluentes ou adicionados para a correo do pH, so exemplos de elementos que podem tanto estimular quanto inibir a digesto anaerbia. A Tabela 4 apresenta diferentes concentraes desses metais e seus efeitos sobre a digesto anaerbia.

Tabela 4 Efeitos de metais alcalinos e alcalino-terrosos na digesto anaerbiaElemento Sdio (Na) Concentrao (mg/L) 100 a 200 3500 a 5500 8000 200 a 400 2500 a 4500 12000 100 a 200 2500 a 4500 8000 75 a 150 1000 a 1500 3000 Efeitos na digesto anaerbia Estimulante Moderadamente inibitrio Fortemente inibitrio Estimulante Moderadamente inibitrio Fortemente inibitrio Estimulante Moderadamente inibitrio Fortemente inibitrio Estimulante Moderadamente inibitrio Fortemente inibitrio

Potssio (K)

Clcio (Ca)

Magnsio (Mg)

Fonte: adaptado de Souza (1984a) e Nuvolari et al. (2003).

37 2.1.2.9 Metais pesados

Somente as fraes solveis dos metais pesados so txicas digesto anaerbia e, portanto, a precipitao destes metais na forma de sulfetos ou carbonatos a maneira mais efetiva de evitar a inibio do processo, exceto para o cromo, que no forma sulfetos suficientemente insolveis para que o mecanismo de precipitao seja eficiente na proteo das bactrias metanognicas contra a inibio pelo metal. De acordo com Souza (1984a) a adio de 1 mg/L de compostos de enxofre na forma de sulfatos, precipita de 1,8 a 2 mg/L de metais pesados. Os limites de toxicidade, acima dos quais ocorre inibio total do processo, com a parada quase imediata na produo de gases e a elevao subseqente na concentrao de AGV, so os seguintes: zinco - 163 mg/L, cdmio 180 mg/L, cobre 170 mg/L e ferro 2.600 mg/L (SOUZA, 1984b).

2.1.3 Tecnologias anaerbias

As tecnologias anaerbias so bastante apropriadas para a depurao de guas residurias com elevadas cargas orgnicas e altas concentraes de slidos em suspenso (BRAILE & CAVALCANTI, 1993). Os principais tipos de reatores anaerbios que vm sendo utilizados na prtica, em maior escala, so: os reatores anaerbios com manto de lodo (UASB Upflow Anaerobic Sludge Blanket), os reatores de contato, os filtros anaerbios, as lagoas anaerbias e os reatores anaerbios de leito expandido ou fluidificado (HULSHOFF et al., 1998). Tais reatores anaerbios podem apresentar-se tanto individualmente em uma estao de tratamento de efluentes lquidos, quanto combinados com outros tipos de reatores. Em geral, os reatores anaerbios so precedidos de unidades de pr-tratamento, para a remoo de areia, slidos grosseiros e gorduras, e, em alguns casos, seguidos de unidades de ps-tratamento, para a remoo da carga orgnica remanescente ou de outros constituintes do despejo lquido. A princpio, em termos de tratamento biolgico de efluentes, quaisquer dos reatores citados podem ser utilizados, desde estaes de pequeno a grande porte. Entretanto, consideraes de ordem prtica, como a disponibilidade de terreno, requerem estudo de caso a caso (KATO et al., 1999).

38 Reator com manto de lodo (UASB): este modelo foi proposto por Gatze Lettinga, no final dos anos 70, atravs da observao do fenmeno de granulao da biomassa em ambientes anaerbios, o qual permitiu operar reatores com alta taxa hidrulica, sem arraste aprecivel dos microrganismos, oferecendo vantagens como baixo custo operacional e consumo de energia com maior estabilidade do processo (VITORATTO, 2004). Ganhou difuso no mundo todo como UASB, embora no Brasil tenha ainda outras denominaes: RAFA (Reator Anaerbio de Fluxo Ascendente) e DAFA (Digestor Anaerbio de Fluxo Ascendente). O princpio de funcionamento baseia-se no fluxo ascendente do despejo a ser tratado, o qual alimentado uniformemente pelo fundo do reator e atravessa um leito de biomassa ativa, onde sofre degradao. O efluente tratado recolhido em canaletas colocadas no topo do reator, separando assim a fase lquida da slida, a qual fica depositada no fundo do reator, e da gasosa, coletada no topo e encaminhada para queima ou recuperao.

Reator de contato: tambm denominado de reator de dois estgios, foi desenvolvido nos anos 50 para o tratamento de efluentes industriais concentrados. Surgiu a partir de uma derivao da lagoa anaerbia, porm com a reduo do volume do reator, onde a concentrao da biomassa aumentada pela separao e recirculao dos slidos no efluente. A biomassa no tem suporte fsico e um agitador possibilita o contato entre os microrganismos e o efluente, evitando a sedimentao de slidos no interior do reator. Conceitualmente, o reator de dois estgios basicamente similar ao sistema aerbio de lodos ativados (CHERNICHARO, 2007).

Filtros anaerbios: os primeiros trabalhos referentes a esses reatores datam do final da dcada de 60 que, desde ento, tm sido amplamente utilizados no tratamento de efluentes industriais e domsticos. Caracterizam-se por ter uma configurao de reator com parte de seu volume preenchido com material inerte (plstico, pedra, cermica), que serve como um suporte fixo, na superfcie do qual se desenvolve um leito de lodo biolgico (pelcula ou biofilme) que propicia alta reteno de biomassa. um dos precursores dos sistemas anaerbios de alta taxa e de fluxo vertical ascendente, embora exista ainda aqueles com fluxo descendente (KATO et al., 1999).

Lagoas anaerbias: sero abordadas separadamente na prxima seo (2.1.4).

39 Reator com leito expandido ou fluidificado: embora com duas denominaes, possuem configuraes de funcionamento bem semelhantes, estando a diferena bsica no grau de expanso do leito e no tamanho das partculas do meio suporte. Ambos os reatores so caracterizados por biomassa imobilizada em meio suporte, por aderncia dos microrganismos, porm, pelas suas caractersticas hidrodinmicas, so mveis no interior. Em geral, para a obteno de alto desempenho, so utilizadas partculas de menores dimenses e porosas, com alta rea superficial, para a formao de uma grande quantidade de lodo biolgico e para diminuir os custos energticos (KATO et al., 1999). Chernicharo (2007) classifica ainda, por convenincia, as tecnologias anaerbias em dois grupos: as convencionais e as de alta taxa. Salientando que, no entanto, no existe uma linha bem definida de separao entre os dois sistemas.

Sistemas convencionais: indicam os reatores que so operados com baixas cargas orgnicas, uma vez que os mesmos no dispem de reteno de grandes quantidades de biomassa de elevada atividade. Funcionam sem aquecimento e isentos de sistema de mistura, e operam com tempos de deteno hidrulica elevados, a fim de garantir a permanncia de biomassa no sistema por tempo suficiente para o seu crescimento.

Sistemas de alta carga orgnica: os reatores de alta carga orgnica, compostos por mecanismos de agitao ou aquecimento, caracterizam-se pela operao com baixos tempos de deteno hidrulica e elevados tempos de reteno celular.

2.1.4 Lagoas anaerbias

As lagoas anaerbias constituem-se em uma alternativa apropriada ao tratamento de guas residurias em regies de clima quente e pases em desenvolvimento, em virtude das temperaturas favorveis e disponibilidade de rea para a sua implantao, com isso so popularmente empregadas no Brasil (VON SPERLING, 2002) alm, de ter seu emprego associado a pases desenvolvidos como os Estados Unidos e a Austrlia (MITTAL, 2006). So frequentemente utilizadas no tratamento de esgotos domsticos, dejetos de animais e efluentes industriais predominantemente orgnicos, tais como os provindos de abatedouros, laticnios, indstrias de bebidas e alimentcia em geral.

40 Segundo Monteggia & Alm Sobrinho (1999), as lagoas anaerbias so reconhecidas como uma excelente alternativa para a remoo de poluentes orgnicos, porm devem ser consideradas como etapa inicial do tratamento visto que, como qualquer outro reator anaerbio, produzem efluentes com ausncia de oxignio dissolvido, concentraes indesejveis de amnia e sulfetos, fazendo-se necessria uma etapa posterior de tratamento, usualmente, baseada em processos biolgicos aerbios. As lagoas anaerbias caracterizam-se por serem reatores abertos, sem sistemas mecnicos de aquecimento ou mistura, operados em temperatura ambiente e sob condies estritamente anaerbias, as quais oferecem as vantagens de eficincia satisfatria, baixos custos de investimento e operao, baixa produo de slidos, associadas simplicidade construtiva e operacional (GRADY et al., 1999), alm de poderem ser aplicadas tanto em pequenas quanto em grandes escalas (NAVARAJ, 2005). Entretanto, as lagoas anaerbias apresentam a desvantagem de acmulo de materiais flutuantes em sua superfcie, o que confere aspecto visual desagradvel ao sistema de tratamento (MONTEGGIA & ALM SOBRINHO, 1999); risco potencial de exalao de maus odores, causado pela liberao de substncias volteis, entre elas o gs sulfdrico, resultante da digesto anaerbia de protenas ou da reduo dissimilatria do sulfato (ALMEIDA et al., 2005); e necessidade de grandes reas para a sua construo. Devido as grandes reas requeridas, as lagoas anaerbias apresentam, em sua maioria, a superfcie livre (CHERNICHARO, 2007), o que impede o controle e armazenamento dos gases formados, CH4 e CO2, os quais so emitidos diretamente para a atmosfera. Todavia, esses reatores podem ser revestidos por lonas flexveis, com a finalidade de armazenar e coletar o biogs resultante da digesto anaerbia, conforme apresentado na Figura 2.

Figura 2 Lagoa anaerbia cobertaFonte: Adaptado de Grady et al. (1999).

41 O gs formado nos processos anaerbios e armazenado nos biodigestores pode ser aproveitado para a gerao de energia (HOGAN et al., 1991; NAVARAJ, 2005), reduzindo com isso a utilizao de combustveis fsseis (SHAHABADI et al., 2009) e os custos de operao em plantas de tratamento de efluentes (NOURI et al., 2006). Isso contribui tambm para a reduo nas emisses de GEE e diminuio do potencial de poluio do meio ambiente. Alm de poder ser recuperado e utilizado como fonte de energia renovvel, o biogs pode ainda ser direcionado para combusto, por razes de segurana, lanando na atmosfera o produto de sua queima, o dixido de carbono (SHAHABADI et al., 2009). Conforme Bogner et al. (1995) e Wuebbles & Hayhoe (2002), a queima direta do biogs, dependendo da eficincia do sistema de captura, pode reduzir as emisses de metano em at 90%. O grande interesse na utilizao do biogs como uma fonte de energia renovvel provm do fato de a mistura gasosa, gerada nos processos de digesto anaerbia, apresentar um poder calorfico variando desde 20 a 27 kJ/m, dependente da composio do biogs, visto que, de acordo com Eckenfelder (1989), o CH4 puro contm um poder calorfico em torno de 35,70 kJ/m. O biogs composto principalmente por metano (55-75 vol%), e gs carbnico (25-45 vol%), com a porcentagem de cada constituinte intimamente ligada ao tipo de substrato utilizado (REITH et al., 2003).

2.1.4.1 Consideraes bsicas do processo

As lagoas anaerbias so projetadas para o recebimento de elevadas cargas orgnicas em relao ao seu volume, fazendo com que a taxa de consumo de oxignio seja vrias vezes superior de produo, resultando na ausncia de oxignio dissolvido na massa lquida. A remoo de poluentes obtida pela sedimentao e ao de microrganismos anaerbios, eliminando assim a necessidade de algas para a produo de oxignio no meio lquido. A etapa inicial de degradao da matria orgnica ocorre pela ao de foras fsicas, que fazem com que os slidos sedimentveis, aqueles com densidade superior a da gua, sejam depositados no fundo da lagoa formando banco de lodos; e as partculas menos densas se acumulem na superfcie, constituindo uma camada flutuante. De Souza (2006) define essa

42 camada, tambm denominada de escuma, como sendo essencialmente composta de leos, graxas e gorduras e outros materiais diversos, provindos do afluenteb, que, por serem de difcil degradao, pouco densos e insolveis, se acumulam na camada superficial do sistema de tratamento. Os microrganismos responsveis pela degradao da matria orgnica podem ser encontrados em qualquer ponto da massa lquida, porm, a maioria da biomassa ativa est disposta no lodo acumulado no fundo da lagoa, onde se concentra a zona de produo de biogs. Assim, a liberao de gs a partir da camada de lodo, sob a forma de pequenas bolhas, contribui para a mistura na camada lquida, promovendo o contato entre as bactrias e a matria orgnica. Na camada de escuma tambm ocorrem reaes de degradao da matria orgnica, e sua espessura e rea de recobrimento so bastante variveis, dependendo da carga orgnica aplicada e das condies ambientais, tais como insolao, temperatura e principalmente os ventos. Alguns problemas relacionados com o acmulo de escuma em reatores anaerbios, citados por Barber (2005 apud de SOUZA, 2006), incluem: a perda de capacidade volumtrica, o entupimento das tubulaes de coleta de gs devido aderncia de slidos presentes, a perda de gerao de energia eltrica a partir de menos produo de biogs, o extravasamento de espuma no reator gerando maus odores, o bloqueio de dispositivos de mistura a gs, a inverso do perfil de slidos, entre outros. Conforme apresentado por Hess (1980 apud MONTEGGIA & ALM SOBRINHO, 1999) existem duas correntes de opinio referentes conservao ou no da escuma em sistemas anaerbios: uma delas defende a permanncia da escuma, para diminuir o contato entre a massa lquida e o oxignio atmosfrico, com a finalidade de reduzir as perdas de calor do efluente e minimizar a emisso de odores (VON SPERLING, 2002); e a outra, acredita que a remoo da camada flutuante evita a proliferao de mosquitos e atenua os aspectos visuais indesejveis das lagoas anaerbias. Para Monteggia & Alm Sobrinho (1999), a deciso sobre a permanncia ou no da escuma presente em reatores anaerbios est relacionada s condies ambientais da regio, sendo que em regies de clima frio, os benefcios obtidos pela proteo superficial contra perdas de calor para a atmosfera justificam a no remoo dessa camada.

b

Afluente o termo usado para a definio da corrente de lquido que est entrando em um sistema, enquanto que efluente a definio da corrente de lquido que deixa o sistema. Esses termos no devem ser confundidos com efluente lquido, o qual se refere ao produto lquido gerado no processo industrial.

43 2.1.4.2 Configuraes das lagoas anaerbias

As lagoas anaerbias podem ser classificadas em dois modelos hidrulicos bsicos: as lagoas anaerbias convencionais e as de alta taxa. Nas lagoas convencionais (Figura 3) o escoamento do efluente lquido ocorre de forma horizontal, definido pela posio de entrada e sada.

Figura 3 Lagoa anaerbia convencionalFonte: adaptado de Monteggia & Alm Sobrinho (1999).

J as lagoas anaerbias de alta taxa (Figura 4), apresentam fluxo hidrulico ascendente junto zona de entrada, a qual est localizada na parte inicial da lagoa, ao fundo de uma cmara profunda. Apresentam menores tempos de reteno de slidos, uma vez que permitem um maior contato entra a biomassa ativa e o sistema de alimentao.

Figura 4 Lagoa anaerbia de alta taxaFonte: adaptado de Monteggia & Alm Sobrinho (1999).

Embora ocorram reaes bioqumicas de depurao similares em ambos os modelos, nas lagoas anaerbias convencionais a maioria dos microrganismos acumula-se no fundo do

44 lodo, com reduzida ao sobre os poluentes dissolvidos no efluente lquido, caracterizando-se por um maior tempo de deteno hidrulica. Por outro lado, nas lagoas anaerbias de alta taxa, possvel garantir um efetivo contato entre a matria orgnica e os microrganismos acumulados no poo de entrada, retendo elevadas quantidades de biomassa ativa, o que resulta em menores tempos para a estabilizao da matria orgnica.

2.1.4.3 Principais critrios de projeto para as lagoas anaerbias

Os principais parmetros de projetos de lagoas anaerbias esto relacionados com a taxa de aplicao volumtrica (carga aplicada), o tempo de deteno, a profundidade (VON SPERLING, 2002).

Taxa de aplicao volumtrica: um critrio importante de projeto, visto que a disponibilidade de oxignio no meio depender da carga orgnica aplicada, relacionada ao volume do reator.

Profundidade da lagoa: a profundidade, capaz de influenciar nos aspectos fsicos, biolgicos e hidrodinmicos (VON SPERLING, 2002), possibilita a reduo da penetrao do oxignio, que produzido na superfcie, para as demais camadas. Ao mesmo tempo, esse critrio tambm minimiza a rea requerida para a instalao da lagoa, e reduz a perda de calor da sua superfcie (GRADY et al., 1999).

Tempo de deteno: no um parmetro direto de projeto, que diz respeito ao tempo necessrio para a estabilizao da matria orgnica no reator pelos microrganismos presentes, dependente da composio do efluente e da temperatura de operao do reator (MONNET, 2003).

Monteggia & Alm Sobrinho (1999) citam que o tempo de deteno hidrulica pode limitar o desenvolvimento de organismos de lenta reproduo dentro de reatores biolgicos, como o caso das bactrias metanognicas. No entanto, nas lagoas anaerbias ocorre contnua interao entre os organismos presentes no banco de lodo e a camada lquida, devido a produo de gases, o que pode explicar o bom desempenho verificado para tempo de deteno

45 inferior a 3 dias. Tempo esse corresponde ao mnimo para a reproduo das bactrias metanognicas, responsveis pela converso de cido actico em biogs.

A Tabela 5 apresenta os critrios de profundidade, tempo de deteno hidrulica e carga orgnica aplicada, reportados por diferentes autores:

Tabela 5 Critrios tpicos de projeto para lagoas anaerbias Parmetros Tempo de deteno hidrulica (d) Faixa de valores 36a 5 10 b Carga orgnica aplicada (KgDBO5/m.d) 0,1 0,35 a 0,2 0,4c Profundidade (m) 3,0 5,0 a, b 3,6 5,2 c 2,0 6,0 d 2,0 5,0 eChernicharo (2007). Mittal (2006). c Braile & Cavalcanti (1993). d Grady et al. (1999). e Naravaj (2005).b a

2.2 Abatedouros de bovinos

Uma descrio sucinta do processo produtivo, do sistema de tratamento e gerao de efluentes lquidos em abatedouros de bovinos de pequeno porte ser apresentada nessa seo, visto que os processos industriais, bem como os sistemas de tratamento, podem sofrer algumas variaes de indstria para indstria e o interesse do trabalho est centrado na quantificao da gerao de GEE a partir desses sistemas.

46 2.2.1 Processo produtivo de abatedouro de bovinos

O processo produtivo tem incio desde o desembarque dos animais, pois esse deve proceder de maneira tranqila a fim de evitar qualquer estresse, leso no couro ou na musculatura do bovino. Uma vez recebidos, os bovinos so selecionados e mantidos em currais, para repouso, por um perodo em torno de 24 horas, durante o qual permanecem em jejum, com o intuito de facilitar o processo de eviscerao da carcaa evitando a contaminao da carne pelo contedo gastrointestinal, e sob dieta hdrica, para facilitar a esfola uma vez que aumenta o teor de gua no tecido subcutneo e tambm favorece uma sangria mais abundante devido a maior presso sangunea dos vasos. Feito o repouso, os animais so banhados por chuveiros, para a remoo de partculas slidas e esterco, e encaminhados para o boxe de atordoamento e posteriormente para a sala de abate, que inclui as etapas de: sangria, remoo do couro, eviscerao, limpeza e lavagem de carcaas. Os bovinos sofrem inicialmente a insensibilizao ou o atordoamento, considerado a primeira operao do abate propriamente dito, que consiste em colocar o animal em um estado de inconscincia que perdure at o final da sangria. realizado por meio da utilizao de pistola pneumtica no ponto da cabea entre a regio dos olhos e chifres, para a alterao da presso sangunea e lacerao enceflica, promovendo inconscincia rpida do animal. Em seguida, recebem mais uma lavagem e so iados por uma das patas traseiras e levados em trilhos para a rea de vmito e sangria. O vmito devido leso nervosa provocada pelo atordoamento e a sangria realizada pela seco dos grandes vasos do pescoo altura da entrada do peito, e faz-se necessria visto que o sangue um excelente meio de cultura para os microorganismos de deteriorao (ARRUDA, 2004). Os bovinos permanecem no mnimo 120 segundos na rea de sangria onde simultaneamente ocorre o processo de serragem manual dos chifres, orelhas e patas. Por meio de plataformas metlicas elevadas, os operrios do incio retirada manual do couro, com abertura superficial a altura da barriga do animal. Cumpridas essas etapas, passa-se remoo mecnica do couro e decapitao do bovino, com posterior abertura da carcaa por meio de um corte no abdmen para a eviscerao. As vsceras, tais como o fgado, rins, corao, pulmes, aprovadas na inspeo sanitria so enviadas para a cmara de resfriamento. As partes rejeitadas ou comprometidas so destinadas graxaria visando o reaproveitamento para rao animal. Logo aps a eviscerao, as carcaas so partidas ao meio, lavadas novamente e encaminhadas cmara frigorfica. Os olhos, crebro, amdalas e leo so normalmente destinados para a graxaria ou

47 em alguns casos, ainda encaminhados para incinerao para a eliminao dos riscos de disseminao da doena conhecida como encefalopatia espongiforme (vaca louca). Durante todo o processo de abate, os bovinos so conduzidos em trilhos areos desde a rea de vmito at a cmara fria, de forma que mantenham um distanciamento adequado do outros animais, dos operrios e das instalaes, em virtude de evitar possveis contaminaes (BRAILE & CAVALCANTI, 1993).

2.2.2 Gerao de efluentes lquidos em abatedouros

De acordo com Braile & Cavalcanti (1993), o consumo de gua em abatedouros bastante variado, difcil de ser estimado, contudo, de um modo geral, em todo processo industrial um considervel volume de gua utilizado, podendo chegar a 2,5 m por animal abatido. Com isso, so geradas grandes quantidades de efluentes lquidos com cargas orgnicas variando desde 800 at 32.000 mgDBO/litro (BRAILE & CAVALCANTI, 1993; SCARASSATI et al., 2003), e elevados teores de slidos volteis, amnia, fsforo, nitrognio e alcalinidade (CASSIDY & BELIA, 2005), compostos por gorduras, sangue, excrementos e substncias contidas no trato digestivo dos animais (BEUX, 2005). Pela composio, os efluentes lquidos so ento considerados ricos em protenas e lipdios. A degradao de protenas libera amnia, que em elevadas concentraes provoca inibio dos microrganismos anaerbios, enquanto que e a quebra de lipdios a responsvel pela tendncia da gerao de escuma na superfcie do efluente e pelo possvel acmulo de AGV de cadeia longa, que tambm podem causar a inibio do processo (HEJNFELT & ANGELIDAKI, 2009). Os efluentes lquidos de abatedouros so provenientes das diferentes etapas do processo industrial, constituindo-se naqueles gerados na lavagem dos currais, no banho dos animais, nas etapas de abate, na lavagem de pisos e de equipamentos, com caractersticas variando de indstria para indstria, dependendo, alm das etapas citadas, do consumo de gua por animal abatido (ARRUDA, 2004). Como conseqncia das operaes de abate, alm do grande volume de efluentes lquidos gerados, vrios outros subprodutos ou resduos so originados, os quais devem sofrer processamentos especficos, tais como o sangue, os ossos, o couro, as gorduras, as aparas de carne, as tripas de animais e outras partes condenadas pela inspeo sanitria.

48 2.2.3 Produo de efluentes lquidos de abatedouros no Brasil

Segundo dados publicados pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB, 2008) o Brasil conta com o maior rebanho comercial de gado bovino do mundo, com cerca de 200 milhes de cabeas, e o maior exportador de carne em toneladas. As unidades de preparao de produtos de carne e pescado totalizam 312 no Rio Grande do Sul e 2753 em todo o Brasil (IBGE, 2006a), entre os quais esto includos cerca de 750 frigorficos registrados no Servio de Inspeo Federal (SIF) (ARRUDA, 2004). S no ano de 2006, a produo nacional de carne bovina congelada foi de 1.995.212 t e de carne bovina fresca e resfriada de 3.277.357 t (IBGE, 2006b), com 30.373.560 bovinos abatidos, baseados em estabelecimentos sob inspeo sanitria federal, estadual e municipal (IBGE, 2007). De acordo com Alves & Vieira (1998), no Brasil entre 1990 a 1994, a produo mdia de efluentes lquidos industriais oriundos de abatedouros de bovinos girou em torno de 21.386.698 kgDBO5/ano (Tabela 6), para um fator de emisso de 7,00 kgDBO5 por tonelada produzida. Assim, somando-se a produo de carne bovina congelada e fresca, foram produzidas 5.272.569 t somente em 2005 no Brasil, totalizando a gerao de 36.907.983 kgDBO5, o que equivale a 50.558.881 kgDQO para uma relao DBO/DQO igual a 0,73 (RATTI & PASSIG, 2007) ou 69.637.704 kgDQO segundo a relao DBO/DQO proposta por Arruda (2004).

Tabela 6 Produo anual de efluentes lquidos oriundos de abatedouros de bovinos Ano 1990 1991 1992 1993 1994Fonte: Adaptado de Alves & Vieira (1998).

Produo de efluentes (kgDBO5/ano) 19 850 334 20 450 010 21 432 327 21 866 467 23 334 353

49 2.2.4 Sistema de Tratamento de efluentes

Os efluentes lquidos oriundos de abatedouros, caracterizados por composio predominante orgnica, so amplamente tratados por processos anaerbios (MITTAL, 2006), tendo como a alternativa mais apropriada ao tratamento o sistema de lagoas anaerbias seguidas por lagoas facultativas (VON SPERLING, 2002). Baseado nesse sistema, tambm denominado de sistema australiano, uma breve abordagem do tratamento das guas residurias oriundas de abatedoudos de pequeno porte ser relizada, dividindo-se o tratamento em: preliminar, primrio e secundrio. O estgio inicial do processo de tratamento o sistema preliminar, formado por peneiras e caixas de gorduras, responsvel pela remoo de distintos materiais presentes no efluente bruto. As peneiras ou grelhas retm os slidos grosseiros, os quais se constituem em plos, pedaos de carnaa e ossos, entre outros. J as caixas de gorduras so as responsveis pela reteno dos leos e gorduras, evitando a liberao desses compostos direto no efluente, uma vez que se tratam de materiais de degradao biolgica lenta e difcil, que em conjunto com outros materiais flutuantes vo constituindo-se em uma camada grossa de escuma, capaz de comprometer o funcionamento das unidades de tratamento (CHERNICHARO, 2007). O sistema de tratamento primrio consta normalmente no emprego das estrumeiras e destinado remoo de slidos sedimentveis atravs da filtrao do efluente lquido. J o sistema de tratamento secundrio constituido de uma ou mais lagoas anaerbias em srie, projetado como unidade de pr-tratamento para a recepo de efluentes brutos de elevada carga orgnica e tem como objetivo principal, a diminuio da frao de matria orgnica biodegradvel atravs de mecanismos fsicos e biolgicos, dentre eles a sedimentao, flotao e digesto anaerbia (ALMEIDA et al., 2005). Associadas as lagoas anaerbias em srie, normalmente, utilizam-se lagoas do tipo facultativas, as quais recebem o efluente proveniente da lagoa anaerbia e o retm por um perodo de tempo suficiente para a ocorrncia dos processos naturais de estabilizao da matria orgnica, segundo um mecanismo que acontece nas trs zonas da lagoa, que so: zona anaerbia, zona aerbia e zona facultativa (VON SPERLING, 2002). Somados aos tratamentos primrios e secundrios, dependendo da composio da gua residuria, unidades de ps-tratamento podem ainda ser utilizadas para a remoo da frao remanescente do material orgnico, a fim de garantir a gerao do efluente final compatvel com os padres legais de lanamentos (ARRUDA, 2004).

50 Alm do tratamento das guas residurias de abatedouros por lagoas anaerbias, outros sistemas tambm so utilizados, devido a forte tendncia de degradao deste dipo de despejo por via anaerbia, tais como os decantodigestores, os filtros anaerbios, os reatores anaerbios de manto de lodo e reatores anaerbios de leito expandido ou fluidificado (ARRUDA, 2004).

2.3 Efeito estufa

O aquecimento global, devido ao efeito estufa, hoje considerado um dos maiores problemas ambientais, no qual, muitos cientistas acreditam estar atuando h muitos anos e seja largamente responsvel pelo aumento de temperatura que ocorre desde 1860 (BAIRD, 2002). Em 1896, Svante Arrhenius, primeiro cientista a mencionar a possibilidade de interferncias no clima em virtude do aumento da concentrao de GEE (WUEBBLES et al., 1999), estimou um acrscimo na temperatura de 5-6C resultante de uma duplicao na concentrao de dixido de carbono na atmosfera (RODHE et al., 1997; FENGER, 2009). Ao contrrio da reduo nos nveis de oznio estratosfrico, que tem se manifestado na forma de um buraco na camada de oznio, comprovando a capacidade das aes humanas em alterar a atmosfera de uma maneira significativa (FINLAYSON-PITTS & PITTS, 2000), o fenmeno de aquecimento global, intensificado pelas emisses antropognicas, ainda no foi observado de maneira a convencer a todos de sua existncia (BAIRD, 2002). Considerado ainda por muitos, como uma fico incapaz de causar modificaes, embora tenha se tornado assunto pblico em torno de 1988 (LOVELOCK, 2006) e, suas conseqncias e impactos confirmadas por diversos modelos matemticos (FENGER, 2009). No passado, a preocupao com o efeito das atividades humanas sobre o clima global estava amplamente centrada em torno do dixido de carbono, em funo de sua importncia como um GEE e de sua rpida taxa de crescimento na atmosfera, no estando associada emisso de outros gases. No entanto, Manabe & Wetherald (1967) comprovaram a influncia na estrutura trmica da atmosfera terrestre de pequenas quantidades de oznio (O3), vapor dgua (H2O) e aerossis, alm do CO2. Na dcada de 70, o potencial de aquecimento global para gases trao como o metano, xido nitroso e amnia foi observado por Wang et al. (1976) e; o de clorofluorcarbonos (CFCs), reconhecido por Ramanathan (1975). Somente a partir dos anos 80, as influncias

51 antropognicas no aquecimento global ganharam credibilidade suficiente para que a Organizao Meteorolgica Mundial (WMO World Meteorological Organization) e a Programa Ambiental das Naes Unidas (UNEP United Nations Environment Programme) conduzissem criao do Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change), constitudo por cientistas de diversos pases e reas do conhecimento. O IPCC foi institudo com o objetivo de avaliar as mudanas climticas ao redor do mundo, incluindo as suas consequncias e interferncias humanas (IPCC, 2004); tendo publicado desde ento qua