GADELHA - Desenvolvimento, complexo industrial da saúde e política industrial

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Rev Saúde Pública 2006;40(N Esp):11-23 Desenvolvimento, complexo industrial da saúde e política industrial Development, health-industrial complex and industrial policy RESUMO O artigo situa a questão da saúde no contexto do desenvolvimento nacional e da política industrial. Tomou-se a idéia de corte estruturalista, marxista e schumpeteriano, onde a indústria e as inovações constituem os elementos determinantes do dinamismo das economias capitalistas e de sua posição relativa na economia mundial. Todos os países que se desenvolveram e passaram a competir em melhores condições com os países avançados associaram uma indústria forte com uma base endógena de conhecimento, de aprendizado e de inovação. Todavia, na área da saúde essa visão é problemática, uma vez que os interesses empresariais se movem pela lógica econômica do lucro e não para o atendimento das necessidades da saúde. A noção de complexo industrial da saúde constitui uma tentativa e fornecer um referencial teórico que permita articular duas lógicas distintas: a sanitária e a do desenvolvimento econômico. O trabalho procurou mostrar, com base em dados de comércio exterior, como a desconsideração da lógica do desenvolvimento nas políticas de saúde levou a uma situação de vulnerabilidade econômica do setor que pode limitar os objetivos de universalidade, eqüidade e integralidade. Nesse contexto, propõe-se uma ruptura cognitiva e política com as visões antagônicas que colocam, de um lado, as necessidades da saúde e, de outro, da indústria. Um país que pretende chegar a uma condição de desenvolvimento e de independência requer, ao mesmo tempo, indústrias fortes e inovadoras, e um sistema de saúde inclusivo e universal. DESCRITORES: Indústrias, economia. Indústrias, tendências. Indústria de assistência à saúde. Desenvolvimento tecnológico. Gestão de ciência, tecnologia e saúde. Política nacional de ciência, tecnologia e inovação. ABSTRACT This paper puts health questions within the context of national development and industrial policy. It follows the idea of structuralist, Marxist and Schumpeterian approaches, in which industry and innovations form determining factors for the dynamism in capitalist economies and relative positions within the world economy. All countries that have developed and started to compete under better conditions with advanced countries have had an association between strong industry and an endogenous knowledge, learning and innovation base. However, in the field of health, this vision presents problems because business interests move according to the economic logic of profit rather than to meet health needs. The notion of the health-industrial complex is an attempt to provide a theoretical reference that enables linkage between two distinct types of logic: health and economic development. This study has sought to show, on the basis of foreign trade data, how disregard for the logic of health policy development has led to a situation of economic vulnerability in this sector, which may Carlos Augusto Grabois Gadelha Departamento de Administração e Planejamento em Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública. Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil Correspondência | Correspondence: Carlos Augusto Grabois Gadelha Departamento de Administração e Planeja- mento em Saúde (DAPS) Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões, 1480 7 o andar Manguinhos 21041-210, Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: [email protected] Recebido: 5/6/2006

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Rev Saúde Pública 2006;40(N Esp):11-23

Desenvolvimento, complexoindustrial da saúde e políticaindustrial

Development, health-industrialcomplex and industrial policy

RESUMO

O artigo situa a questão da saúde no contexto do desenvolvimento nacional e dapolítica industrial. Tomou-se a idéia de corte estruturalista, marxista e schumpeteriano,onde a indústria e as inovações constituem os elementos determinantes do dinamismodas economias capitalistas e de sua posição relativa na economia mundial. Todos ospaíses que se desenvolveram e passaram a competir em melhores condições com ospaíses avançados associaram uma indústria forte com uma base endógena deconhecimento, de aprendizado e de inovação. Todavia, na área da saúde essa visão éproblemática, uma vez que os interesses empresariais se movem pela lógica econômicado lucro e não para o atendimento das necessidades da saúde. A noção de complexoindustrial da saúde constitui uma tentativa e fornecer um referencial teórico quepermita articular duas lógicas distintas: a sanitária e a do desenvolvimento econômico.O trabalho procurou mostrar, com base em dados de comércio exterior, como adesconsideração da lógica do desenvolvimento nas políticas de saúde levou a umasituação de vulnerabilidade econômica do setor que pode limitar os objetivos deuniversalidade, eqüidade e integralidade. Nesse contexto, propõe-se uma rupturacognitiva e política com as visões antagônicas que colocam, de um lado, as necessidadesda saúde e, de outro, da indústria. Um país que pretende chegar a uma condição dedesenvolvimento e de independência requer, ao mesmo tempo, indústrias fortes einovadoras, e um sistema de saúde inclusivo e universal.

DESCRITORES: Indústrias, economia. Indústrias, tendências. Indústria deassistência à saúde. Desenvolvimento tecnológico. Gestão de ciência,tecnologia e saúde. Política nacional de ciência, tecnologia e inovação.

ABSTRACT

This paper puts health questions within the context of national development andindustrial policy. It follows the idea of structuralist, Marxist and Schumpeterianapproaches, in which industry and innovations form determining factors for thedynamism in capitalist economies and relative positions within the world economy.All countries that have developed and started to compete under better conditions withadvanced countries have had an association between strong industry and an endogenousknowledge, learning and innovation base. However, in the field of health, this visionpresents problems because business interests move according to the economic logicof profit rather than to meet health needs. The notion of the health-industrial complexis an attempt to provide a theoretical reference that enables linkage between twodistinct types of logic: health and economic development. This study has sought toshow, on the basis of foreign trade data, how disregard for the logic of health policydevelopment has led to a situation of economic vulnerability in this sector, which may

Carlos Augusto Grabois Gadelha

Departamento de Administração ePlanejamento em Saúde. Escola Nacionalde Saúde Pública. Fundação OswaldoCruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência | Correspondence:Carlos Augusto Grabois GadelhaDepartamento de Administração e Planeja-mento em Saúde (DAPS)Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP),Fundação Oswaldo CruzRua Leopoldo Bulhões, 1480 7o andarManguinhos21041-210, Rio de Janeiro, RJ, BrasilE-mail: [email protected]

Recebido: 5/6/2006

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limit the objectives of universality, equality and comprehensiveness. Within this context,a cognitive and political break with these antagonistic visions that put health needs onone side and industrial needs on the other is proposed. A country that aims to reach acondition of development and independence requires strong innovative industries andan inclusive and universal health system, at the same time.

KEYWORDS: Industry, economics. Industries, trends. Health care sector.Technological development. Health sciences, technology and innovationmanagement. National science, technology and innovation policy.

INTRODUÇÃO

O presente artigo situa a questão da saúde no contex-to do desenvolvimento nacional e da política indus-trial. Tomou-se a idéia de corte estruturalista, marxis-ta e schumpeteriano, onde a indústria e as inovaçõesconstituem os elementos determinantes do dinamis-mo das economias capitalistas e de sua posição rela-tiva na economia mundial. Todos os países que sedesenvolveram e passaram a competir em melhorescondições com os países avançados, associaram umaindústria forte com uma base endógena de conheci-mento, de aprendizado e de inovação.

Todavia, na área da saúde, esta visão é problemática,uma vez que os interesses empresariais se movem pelalógica econômica do lucro e não para o atendimentodas necessidades da saúde. A noção de complexo in-dustrial da saúde constitui uma tentativa de fornecerum referencial teórico que permita articular duas ló-gicas distintas, a sanitária e a do desenvolvimentoeconômico. Isso porque a saúde, simultaneamente,constitui um direito de cidadania e uma frente dedesenvolvimento e de inovação estratégica na socie-dade de conhecimento.

O objetivo do presente trabalho foi mostrar, com baseem dados sobre o potencial de inovação no Brasil ede comércio exterior, como a desconsideração da ló-gica do desenvolvimento nas políticas de saúde le-vou a uma situação de vulnerabilidade econômicado setor que pode limitar os objetivos de universali-dade, eqüidade e integralidade.

DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAINDUSTRIAL: A TRADIÇÃO ESTRUTURALISTANA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

A questão do desenvolvimento e da política industri-al sempre permeou o debate em torno do papel do

Estado para a superação das condições de atraso nospaíses subdesenvolvidos. No Brasil, este debatenorteou as contribuições da economia clássica do de-senvolvimento para pensar a superação da dependên-cia e do subdesenvolvimento. Citam-se diversos au-tores, como: Prebisch,19 Furtado,10 Tavares,22 Cardoso& Faletto,4 Cardoso de Mello,5 entre muitos outros detradição cepalina,* sempre contrários à idéia de queas forças naturais de mercado levariam a uma conver-gência na renda per capita e no padrão de vida dosindivíduos. A mudança e a estratégia de desenvolvi-mento requeriam rupturas na estrutura econômica ede ordem política e institucional.

É neste contexto teórico que políticas desenvolvi-mentistas foram perseguidas em diversos países daAmérica Latina no período de 1930 a 1980. A indús-tria era tomada como o núcleo central da estratégiadaqueles países que almejassem superar a situaçãode dependência e sua localização na periferia do sis-tema econômico.

A industrialização permitiria, a um só tempo: a produ-ção de produtos com maior valor agregado, a endo-geneização da geração de progresso técnico, a melho-ria na inserção internacional – ou na linguagem cepa-lina, termos de troca entre bens industriais e primários.Isso levaria, progressivamente, ao desenvolvimento eà redução da dependência frente aos países desenvol-vidos. Em síntese, a luta pelo desenvolvimento era aluta pela industrialização. No nível político, a indús-tria também permitiria uma nova aliança entre a bur-guesia industrial e os trabalhadores em detrimento dossegmentos “atrasados” primário-exportadores. Assim,possibilitaria um padrão de desenvolvimento mais in-clusivo e igualitário, em conjunto com outras políti-cas, como a de reforma agrária.

O processo de industrialização, de acordo com Tavares22

(1979), não era natural e envolvia saltos qualitativos e

*Ver resenha em Goldenstein14 (1994).

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rupturas na estrutura produtiva. Numa primeira fase,passaria pela implantação de indústrias “leves” demenor necessidade de capital e de tecnologia para,numa fase posterior, entrar nas indústrias pesadas deinsumos básicos e de bens de capital. Nessa segundafase, o papel do Estado se mostrava central, permitin-do o financiamento da acumulação de capital e a coor-denação dos investimentos complementares, inclusi-ve na infra-estrutura econômica. Os instrumentos uti-lizados iam desde a reserva de mercado para o segmen-to privado nacional e estrangeiro até a constituição deempresas estatais de grande porte.

Não cabe, para os objetivos do presente artigo, fazeruma crítica mais aprofundada desta visão, mas apenasextrair algumas idéias mais importantes para o caso doBrasil por parte de autores que compartilhavam, à épo-ca, da tradição cepalina e desenvolvimentista. Sinteti-camente, a despeito da problemática nacional ser tra-tada em profundidade, as questões do modelo de de-senvolvimento, da desigualdade, da exclusão eramincorporadas segundo uma visão simplista da relaçãoentre o Estado e a sociedade. Os interesses internos declasse associados ao capital internacional, não consi-derados adequadamente, perpetuavam a dependênciae a incorporação dos segmentos de baixo da pirâmidesocial (Cardoso & Faletto,4 1979). Na realidade,desconsiderava-se a realidade endógena do desenvol-vimento das forças capitalistas no Brasil num quadrode desenvolvimento nacional, tardio no contexto his-tórico da fase avançada (ou oligopólica) do capitalis-mo mundial e do passado escravagista e colonial. Ouseja, a questão do desenvolvimento foi reduzida, emgrande parte, à relação entre o centro e a periferia, semconsiderar a dinâmica capitalista interna, econômica,política e social, de um país atrasado e dependente(Cardoso de Mello,5 1982).*

Do ponto de vista das teorias mais recentes, que par-tem dos trabalhos de Schumpeter21 sobre o desenvol-vimento centrado no processo de inovação, pode-seafirmar que o modelo tipicamente cepalino não dis-tinguia entre capacidade produtiva incorporada emmáquinas e equipamentos e a capacidade tecnológica.Ou seja, em termos mais atuais, a base de conheci-mento e de aprendizado constituem os fatores dinâ-micos mais destacados da competitividade empresa-rial e nacional. O caráter sistêmico da inovação, ten-do a indústria como o núcleo dinâmico da geração edifusão do progresso técnico, foi pouco considerado.Como conseqüência, pouco enfatizava as competên-cias requeridas a um processo contínuo de aprendi-zado e de constituição de uma base endógena de ino-

vação que permitisse a introdução de melhorias per-manentes nos bens, serviços e processos produtivos,elevando, inclusive, a capacidade de prospecção ede absorção da tecnologia da fronteira internacional.Ou seja, atualmente se percebe claramente que para odesenvolvimento econômico não basta ter capacida-de produtiva, mas também é essencial ter uma basesistêmica e industrial capacitada para a geração deconhecimento e de inovação (Kim & Nelson,16 2005).

Independentemente das críticas e do processo con-creto de expansão do capitalismo periférico em cer-tas situações ter sido extremamente excludente e de-sigual, como a brasileira, o crescimento e diversifica-ção do setor manufatureiro e a política industrial es-tavam na raiz da superação da dependência e da mu-dança na divisão internacional do trabalho. Isso unetodos os autores citados, que focam sua preocupaçãono processo de desenvolvimento, tendo por base seupapel de motor do progresso técnico e da difusão deinovações para todo o sistema, inclusive para a agri-cultura e para os serviços. A percepção cepalina es-truturalista constituiu uma referência muito forte quenorteou as trajetórias de desenvolvimento persegui-das pelo Brasil entre os anos de 1950 a 1980. Mesmosob um modelo excludente e concentrador, particu-larmente nos anos de autoritarismo, essa visão dodesenvolvimento esteve por trás de um processo vi-goroso de crescimento econômico (acima de 8% aoano em média) acompanhado de fortes mudanças naestrutura produtiva.

A revolução neoliberal ocorrida no final dos anos 70 enos anos 80, cujas idéias ainda são muito presentesnas políticas públicas vigentes, atacou de modo inci-sivo a estratégia de desenvolvimento adotada, modeloque ficou marcado como de substituição de importa-ções, negando o papel de indução e coordenação doEstado e acusando as políticas adotadas de ineficientese ineficazes. Agências internacionais como o FundoMonetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial(BIRD) adotaram em suas normas e políticas a visão deque o papel essencial do Estado deveria ser criar osfundamentos ao bom funcionamento de uma econo-mia de mercado (seguindo o marketing conformingapproach). Isso foi enfatizado em documentos de refe-rência da crítica e da proposição de um novo modelo(BIRD,1,2 1993, 1997).

A experiência bem sucedida dos países do Leste Asiá-tico foram inclusive (re)lidas, de modo distorcido efalacioso, como casos bem sucedidos de desenvolvi-mento sem intervencionismo seletivo do Estado na

*Autores como Celso Furtado, já no início dos anos 60, enfatizavam que o verdadeiro desenvolvimento somente ocorre quando o crescimentoé associado à distribuição de renda, ao desenvolvimento tecnológico endógeno e à autonomia frente ao capital estrangeiro e aos fluxos dobalanço de pagamentos, apontando até mesmo a necessidade de superação de padrões culturais e de consumo incompatíveis com a inclusãosocial das grandes massas da população (Furtado,10 1961).

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estrutura econômica, contrariando todas as evidênciashistóricas. Neste processo, o alvo principal do ataqueforam as políticas desenvolvimentistas e a política in-dustrial, em particular (Gadelha,11 2001). Na mesmadireção, e como contraponto aos casos bem sucedidos,a experiência brasileira era apresentada como um exem-plo emblemático de fracasso do modelo de substitui-ção de importações. Ignorou-se que as bases materiaisde um capitalismo mais desenvolvido tinham de fatose constituído entre os anos 1950 e 1980, a despeitodos problemas já mencionados relacionados à desi-gualdade, à exclusão e à precária base de inovações. Oresultado deste ataque e do esgotamento efetivo domodelo anterior frente aos novos desafios engendra-dos pela globalização assimétrica e pela terceira revo-lução tecnológica foram mais de duas décadas de es-tagnação macroeconômica e de involução na estruturaindustrial implantada (Coutinho,8 2005).

No campo da saúde, em direção contrária a esta visãorestrita do papel do Estado, são lançadas as bases doSistema Único de Saúde (SUS) justamente no final dosanos 80 e início dos anos 90. O SUS teve as diretrizesda 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986 comomarco, instituídas, em grande parte, na própria Consti-tuição Brasileira de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde(Lei n. 8.080 de 19/9/1990). Observe-se que esta últi-ma foi aprovada pelo Congresso Nacional em plenoGoverno Collor, que, por sua vez, e contraditoriamen-te, representou a vitória do paradigma neoliberal naestratégia nacional que vem permeando as sucessivaspolíticas econômicas implantadas desde então.

Assim sendo, em termos gerais, o setor saúde desen-volveu-se na contramarcha das reformas liberalizan-tes, tendo se assentado num movimento político e so-cial vigoroso (o movimento ou “partido” sanitário),engendrando uma das mais importantes formas de arti-culação federativa e de participação da sociedade ci-vil nas políticas públicas nacionais (Cordeiro,7 2001).Também é importante, em termos conceituais, a per-cepção promovida pelo movimento sanitário e na aca-demia de que a saúde não poderia ser tratada setorial-mente, apenas como combate às doenças. Ela está rela-cionada às condições gerais de vida, o que remete ànecessidade de um tratamento multissetorial integra-do, envolvendo a questão da promoção (Buss,3 2000)e, de modo ainda mais abrangente, do próprio padrãonacional de desenvolvimento.

Todavia, essa visão integral da saúde e de sua relaçãocom o desenvolvimento nunca abordou sua relaçãocom as estratégias para a atividade industrial e para ageração e difusão de inovações em saúde, exceto na

tradição das pesquisas e das ações relacionadas àAvaliação Tecnológica em Saúde (ATS). Essa era numaperspectiva voltada eminentemente para a regulaçãodo processo de incorporação de tecnologias pelo sis-tema de saúde, mediante análises econômicas do tipocusto-benefício em suas diversas vertentes.

Embora estratégica para a racionalidade do sistema epara o atendimento das necessidades de saúde, estaforma tradicional do tratamento da questão tecnoló-gica e da inovação no campo da saúde não abrange asaúde em uma outra dimensão. Isto é, a saúde comouma frente importante de inovação, geração de rendae emprego e de desenvolvimento num contexto deglobalização excludente e assimétrica (Lastres et al,17

2005), onde a dependência econômica aparece emdiversas formas, inclusive, e de modo importante, naprodução de bens e serviços em saúde.

A literatura contemporânea sobre desenvolvimentomostra que a área de saúde constitui uma frente im-portante para as atividades de ciência e tecnologia(C,T&I), de inovação, de geração de emprego e rendae, portanto, de desenvolvimento econômico. Invaria-velmente, é uma das áreas líderes nos sistemas nacio-nais de inovação em conjunto com o complexo in-dustrial-militar (Rosemberg et al,20 1995). Seguindoa própria lógica da concorrência capitalista (em ba-ses oligopólicas), a produção empresarial em saúdetambém constitui uma fonte de intensa geração deassimetrias, de apropriabilidade privada dos frutosdo progresso técnico e de exclusão de pessoas, regi-ões e países. A dependência e o subdesenvolvimentodeixam, portanto, uma marca estrutural expressivatambém no campo da saúde, restringindo a evoluçãoda atenção à saúde e a construção de um sistema uni-versal, equânime e integral.* Isso coloca como desa-fio para os países menos desenvolvidos a entrada denovos paradigmas tecnológicos, mediante a consti-tuição de uma base endógena de inovação em saúdee da montagem de uma indústria competitiva.

Em síntese, não se pode tratar o padrão de desenvol-vimento na sociedade do conhecimento de um lado,e o sistema de saúde, de outro, como se fossem duasdimensões independentes. O tratamento em separa-do, apenas sob uma lógica defensiva voltada paraproteção dos interesses e da pressão da indústria paraa absorção de novos produtos e processos no sistema,inadvertidamente faz com que as forças sociais, quehistoricamente vêm lutando por um sistema de saúdeamplo e inclusivo no Brasil, acabem atuando na mes-ma direção do modelo neoliberal. Por sua vez, essemodelo tem procurado vetar os processos endógenos

*A dificuldade de acesso aos novos medicamentos contra a Aids é ilustrativa, decorrente das assimetrias no potencial de inovação e dosregimes de apropriabilidade baseado em patentes.

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de desenvolvimento, de industrialização e de supera-ção da dependência dos países menos desenvolvi-dos, mediante a negação de políticas ativas e seleti-vas para a estrutura produtiva nas áreas de maior di-namismo como a de saúde.

Assim, observa-se um duplo e contraditório ataque paraa inovação em saúde vinculada ao desenvolvimentodas forças produtivas dos setores industriais. De umlado, de uma vertente neoliberal que simplesmentedescarta o papel do Estado na política industrial. Dooutro, uma vertente associada ao campo do pensamen-to crítico sanitarista que sempre defendeu a ampliaçãodo papel do Estado para a constituição de um sistemaequânime e universal, mas que, por raras vezes, rela-cionou a saúde como um campo vital para o desenvol-vimento nacional em bases empresariais.

A questão que se coloca é complexa, notadamenteno campo político, mas seu enfrentamento mostra-seabsolutamente necessário. À agenda usual da pes-quisa e da política de saúde, coloca-se a necessidadede acoplar uma nova agenda voltada para a concep-ção de políticas de desenvolvimento das atividadesprodutivas. Deve envolver políticas científicas, tec-nológicas e, fundamentalmente, políticas industriaise de inovação para os distintos setores, inclusive paraa área de serviços.

Nessa direção, torna-se necessário incorporar os te-mas ligados ao desenvolvimento das atividades eco-nômicas e à política industrial. Todavia, isso requeruma atualização para sua adequação a uma socieda-de em que as bases competitivas se assentam crescen-temente no conhecimento e na inovação (Cassiolato,6

1999). Entre esses temas de caráter analítico e norma-tivo, podem ser destacados:1. o estudo da dinâmica industrial e de inovação nas

indústrias da saúde e sua articulação com o siste-ma de atenção à saúde;

2. a análise da constituição de uma base endógena deconhecimento em áreas estratégicas do sistema pro-dutivo da saúde, seguindo a premissa de que oaprendizado ocorre com base numa capacitação lo-cal, tácita e sistêmica, se distinguindo do simplesprocesso de acesso e aquisição de informação;

3. a constituição de redes técnico-produtivas, envol-vendo um amplo conjunto de organizações de pro-dução, pesquisa, financiamento e regulação;

4. a análise e promoção de atividades localmenteinterligadas que configuram arranjos produtivoslocais em saúde;

5. a prospecção permanente de tecnologias porta-doras de futuro;

6. o estudo para a montagem de sistemas regulatóriosnão tradicionais no campo da saúde como os li-gados à propriedade intelectual e;

7. esforço para introduzir mudanças institucionaisno setor produtivo e nas instituições de suporte,sobretudo no âmbito financeiro e das organiza-ções de pesquisa e de tecnologia, envolvendo umaforte transformação do próprio Estado com a fle-xibilidade e novos requerimentos, e desafios daterceira revolução industrial.

O COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE: EMBUSCA DE UMA VISÃO INTEGRADA

É nesse contexto histórico, econômico e político quese desenvolve o conceito de complexo industrial dasaúde (Gadelha, 2002* e 200312). Procura-se captar,simultaneamente, a dimensão sanitária e a econômica,numa perspectiva de pensar, no limite possível, a inte-ração entre saúde e desenvolvimento. Tal relação vaialém da concepção de um sistema de atenção adequa-do. Remete, em última instância, para sua inserçãonuma estratégia de desenvolvimento que privilegie,ao mesmo tempo, o dinamismo e atenuação da depen-dência econômica em áreas estratégicas no atual con-texto histórico, a exemplo dos equipamentos eletrôni-cos, da biotecnologia e dos novos materiais. O grandedesafio é a constituição de um modelo que permitauma reestruturação da base produtiva nacional na di-reção do dinamismo econômico e da superação do atra-so em áreas críticas para a atenuação da desigualdadee da exclusão social, como é o caso de todos os seg-mentos que fazem parte do complexo da saúde.

A noção de complexo industrial da saúde é, a um sótempo, um corte cognitivo, analítico e político. Comomostra a Figura 1, configura “(...) um conjunto sele-cionado de atividades produtivas que mantêm rela-ções intersetoriais de compra e venda de bens e servi-ços (sendo captadas, por exemplo, nas matrizes deinsumo-produto nas contas nacionais) e/ou de co-nhecimentos e tecnologias (...)” (Gadelha,12 2003, p.523). Essas atividades produtivas estão inseridas numcontexto político e institucional bastante particular,envolvendo a prestação de serviços como o espaçoeconômico para o qual flui toda a produção em saú-de. Assim, esta atividade está completamente inseridano complexo, tanto por crescentemente se organizarem bases empresariais** quanto por configurar omercado em saúde, como construção política e insti-

*Gadelha CAG. Complexo da saúde. Dados inéditos integrantes do relatório de pesquisa do Projeto Estudo de Competitividade por CadeiasIntegradas, do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia, do Instituto de Economia, coordenado por Coutinho LG, Laplane, MF, KupferD, Farina E. (Convênio FECAMP/MDIC/MCT/FINEP). Campinas; 2002.**Aqui teria que se retomar a perspectiva marxista de que o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas e sua expansão pelo Globotende a difundir a lógica industrial para todos os setores de atividade, inclusive a agricultura e os serviços.

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tucional. Isso confere organicidade ao complexo,permitindo articular, num mesmo contexto, a produ-ção de serviços e bens tão diferentes como medica-mentos, equipamentos, materiais diversos ou produ-tos para diagnóstico.

A perspectiva é sistêmica, relacionada portanto, aoconceito de sistema nacional de inovação em saúde(Rosemberg et al,20 1995). O conceito de complexoindustrial da saúde privilegia como elemento críticodesse sistema a atividade produtiva, considerandoque o núcleo da vulnerabilidade econômica do Paísna área da saúde é a fragilidade do sistema industriale empresarial brasileiro. A capacidade de inovaçãodo País é determinada pelo potencial de transforma-ção de conhecimentos em bens e serviços novos oumelhorados em sua qualidade e/ou processo produti-vo. Essa capacidade, no Brasil, é descolada da basecientífica e tecnológica nacional e das necessidadesdo sistema de saúde, principalmente pela baixa capa-citação empresarial em realizar atividades de pesqui-sa e desenvolvimento (Gadelha,13 2005). Nesta pers-pectiva, pode-se afirmar que constitui um esforço derecuperar a perspectiva estruturalista, enfatizando aquestão do desenvolvimento, da dependência e dapolítica industrial e de inovação na área da saúde, nocontexto histórico da globalização assimétrica e darevolução tecnológico-industrial em curso.

Tomando essa referência teórica do complexo indus-trial da saúde no contexto do padrão nacional de de-senvolvimento, e tendo por foco seu potencial de ino-vação e o perfil das atividades que são efetuadas noPaís, trata-se agora de situá-lo frente à histórica ques-tão da dependência e do desenvolvimento.

Os dados mais recentes sobre a capacidade empresa-rial de inovação foram levantados pela Pesquisa Indus-

trial de Inovação Tecnológica (PINTEC) 2003(IBGE,15 2005). Esta iniciativa recente e degrande relevância evidencia a baixa intensi-dade de inovação das indústrias da saúde, comdados específicos para a indústria farmacêu-tica (fabricação de produtos farmacêuticos) ede equipamentos médico-hospitalares, embo-ra nesta última categoria estejam incluídosoutros produtos não relacionados à saúde (ins-trumentos de precisão e ópticos, automaçãoindustrial, cronômetros e relógios).* Os da-dos específicos são reveladores, mesmo con-siderando que relativamente, à média da in-dústria essas atividades estão bem posiciona-das. Em termos gerais, a taxa de inovação pa-rece elevada: 50,4% das empresas farmacêu-ticas e 45,4% das empresas de equipamentos

introduziram alguma inovação de produto ou proces-so entre 2001 e 2003. Todavia, os dados mais desagre-gados mostram que essas atividades se concentraramlargamente na aquisição de equipamentos para a me-lhoria de processos e em produtos e processos novospara as empresas, mas não para o mercado nacional.Foram gastos com atividades internas de pesquisa edesenvolvimento (P&D) apenas 0,53% das receitas lí-quidas nas empresas “inovadoras” farmacêuticas e1,22% nas empresas de equipamentos que introduzi-ram alguma inovação no mercado. Outros dados, cujodetalhamento não caberia no presente artigo, mostramtambém a pouca importância na relação com institui-ções de C&T para a realização de atividades de P&D, oreduzido nível de cooperação e alianças para o desen-volvimento de inovações e o impacto reduzido dosprogramas governamentais. Apenas 16% das empresasinovadoras receberam algum apoio do Estado nos doissetores, sendo o risco econômico de mercado (condi-ções de mercado e riscos econômicos) o fator maiscrítico que tem limitado ou mesmo bloqueado as es-tratégias mais intensas de inovação.

Por trás desses indicadores, torna-se necessário abriro complexo da saúde pelos seus segmentos, procu-rando captar o perfil das atividades produtivas reali-zadas no Brasil. Para tanto, os melhores indicadoressão os relacionados à balança comercial, uma vezque espelham em quais segmentos o País é capacita-do ou dependente de importações. Como a noção decomplexo industrial remete fundamentalmente paraa base produtiva existente no País, este indicador émuito mais relevante do que outros relacionados apublicações científicas e mesmo patentes. Esses últi-mos indicadores, no Brasil, refletem muito mais acapacitação em pesquisa aplicada e não necessaria-mente o potencial de inovação que sempre deve serrelacionado à base empresarial.

Figura 1 - Complexo industrial da saúde: caracterização geral.Fonte: Gadelha12 (2003)

Indústrias de Base Químicae Biotecnológica

• Fármacos e medicamentos• Vacinas• Hemoderivados• Reagentes para diagnóstivo

Indústrias de Base Mecânica, Eletrônica e de Materiais

• Equipamentos mecânicos• Equipamentos eletroeletrônicos • Próteses e órteses• Materiais de consumo

Hospitais AmbulatóriosServiços de diagnóstico

e tratamento

Setores prestadores de serviços

Setores industriais

*Essas categorias foram incluídas em ‘equipamentos’, servindo apenas como uma aproximação.

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SITUAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DOCOMÉRCIO EXTERIOR

Com base neste referencial teórico, a situação de depen-dência foi caracterizada mediante um levantamento esistematização dos dados de comércio exterior para ocomplexo da saúde em seu conjunto e para cada um dossegmentos. As informações utilizadas foram aquelas dis-poníveis nos bancos de dados da Secretaria de Comér-cio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, Indús-tria e Comércio Exterior (SECEX, Rede Alice).

Em linhas gerais os seguintes procedimentos metodo-lógicos foram adotados, conforme Gadelha* (2002):• Base de informação primária. Essa base foi con-

centrada no período de 1997 a 2001, uma vez queem 1997 houve mudança expressiva na classifi-cação dos produtos comercializados fruto da subs-tituição da Nomenclatura Brasileira de Mercado-rias (NBM) para a Nomenclatura Comum do Mer-cosul (NCM).** Para captar o ocorrido nos anos90, tomou-se como base os estudos setoriais dispo-níveis, que se mostraram adequados e suficientespara os objetivos pretendidos (Negri & Giovanni,18

2001). As dificuldades na base NCM para a iden-tificação dos segmentos industriais da saúde con-sistiam em problemas de identificação dos pro-dutos, quando inseridos em categorias mais abran-gentes e pouco definidas como as dos itens “ou-tros” ou em que o uso do produto não é específi-co à área da saúde. Embora houvesse essas difi-culdades, pôde-se trabalhar numa base primáriamais homogênea, sem perder de vista a dinâmicadesses segmentos no período inicial da liberali-zação comercial.

• Segmento farmacêutico. Foi adotado o procedi-mento usual de separar medicamentos (produtosformulados) e fármacos (princípios ativos). Naindústria de medicamentos foram utilizados ositens que constam no Capítulo 30 da NCM ondese concentram os produtos farmacêuticos. Incluí-ram-se medicamentos apresentados na forma dedoses ou acondicionados para venda a retalho,extratos, substâncias humanas ou animais prepa-radas para fins terapêuticos ou profiláticos e me-dicamentos não apresentados em doses. Não fo-ram considerados sangue humano, sangue animal,anti-soros, outras frações do sangue, produtosimunológicos, vacinas, toxinas e outros produtosincluídos na análise específica dos segmentos devacinas, reagentes, hemoderivados, soros e toxi-

nas, em decorrência dos propósitos específicosdo estudo.

• Fármacos. Foi mantido o recorte de subitens docapítulo de produtos químicos orgânicos (Capí-tulo 29 do NCM). Nesse recorte estão contempla-dos os fármacos e os intermediários utilizados emsua produção. Devido ao fato dos intermediáriose dos fármacos poderem ser usados em outras in-dústrias, além de alguns códigos poderem envol-ver substâncias não farmacêuticas, é possível aobtenção de alguns valores superestimados. Es-ses produtos podem ser usados em indústrias dealimentos, cosméticos, análises clínicas e até naindústria de plásticos (aditivos para borrachas eplásticos e corantes). Todavia, o risco de se subes-timar alguns valores também é presente pelo fatode os produtos químicos inorgânicos utilizadosna indústria farmacêutica e alguns orgânicos te-rem ficado de fora da análise. Em todo caso, adespeito destes problemas inerentes ao padrão declassificação adotado pela NCM, os valores agre-gados constituem um bom indicador do desem-penho global do segmento.

• Equipamentos e materiais. Seguindo a meto-dologia de Furtado & Souza9 (2001), comple-mentada com o recorte utilizado pela associaçãosetorial (Associação Brasileira da Indústria Mé-dico-Odontológica - ABIMO), classificou-se ossubitens da NCM em quatro grupos, a saber: gru-po 1: instrumentos médico-hospitalares; grupo 2:aparelhos e equipamentos eletromédicos, odon-tológicos e laboratoriais; grupo 3: próteses eórteses; grupo 4: materiais de consumo.

Os reagentes de diagnóstico/laboratório em suportee os reagentes para determinação dos grupos/fatoressangüíneos foram excluídos do grupo de materiaisde consumo (grupo 4), pois estes dois itens foramincluídos no segmento de reagentes para diagnósti-co. Em que pese as inclusões e exclusões efetuadas,fruto das necessidades específicas e do corte analíti-co adotado no estudo, os valores são bastante próxi-mos e comparáveis com os apresentados na literaturae pela associação empresarial.• Hemoderivados. Foram agregadas as frações do san-

gue, os produtos imunológicos modificados, entreoutros relacionados ao sangue e seus derivados.

• Reagentes para diagnóstico. O diagnóstico no pe-ríodo recente, infelizmente, não permitiu um nívelde desagregação recomendado para uma avalia-ção da competitividade dos diferentes produtos,

*Gadelha CAG. Complexo da saúde. Dados inéditos integrantes do relatório de pesquisa do Projeto Estudo de Competitividade por CadeiasIntegradas, do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia, do Instituto de Economia, coordenado por Coutinho LG, Laplane, MF, KupferD, Farina E. (Convênio FECAMP/MDIC/MCT/FINEP). Campinas; 2002.**Somente a partir de 1997 a conversão da NBM para a NCM foi totalmente efetuada, fornecendo a nova base de classificação dasestatísticas de comércio exterior no Brasil, seguindo o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias (SH), queconstitui o padrão internacionalmente aceito.

Page 8: GADELHA - Desenvolvimento, complexo industrial da saúde e política industrial

18 Rev Saúde Pública 2006;40(N Esp):11-23Complexo industrial da saúdeGadelha CAG

uma vez que incorporam bases tecnológicas bas-tante distintas. Não obstante, o corte metodológi-co procurou fazer uma seleção dos produtos item aitem, em diferentes capítulos e posições da NCM,incluindo os reagentes para diagnóstico de origemmicrobiana, os reagentes para determinação dosgrupos/fatores sanguíneos, os meios de cultura eos reagentes de diagnóstico em suporte.

• Vacinas. Tomaram-se como base para a análise asvacinas para medicina humana que, infelizmente,não estão desagregadas na forma do Programa Naci-onal de Imunizações (PNI). Porém, incorporam tan-to os bens acabados quanto os insumos importadose o atendimento do mercado público e privado.

• Soros e toxinas. Neste caso, o corte foi imperfeitopela diversidade do uso; foram incluídos os sorosantiofídicos, antitetânico, anti-soros polivalentes,toxinas, antitoxinas de origem microbiana e ou-tros produtos, que permitem uma visão geral desua evolução.

Com base nesta metodologia de tratamento da balan-ça comercial em saúde, levantaram-se as informaçõesem dólares (FOB - Free On Board) para o complexo epara seus segmentos no período 1997 a 2004. Proce-deu-se à atualização monetária para o ano de 2004com base no Índice de Preços ao Consumidor (IPC)dos Estados Unidos, tendo-se, portanto, valores reaispara subsidiar a análise.

Em termos gerais, analisando o período como umtodo, conforme mostrado na Tabela 1, parece ter ha-vido melhoria nas condições externas do complexorelacionas à balança comercial. O ano de 1998 foi ode pior desempenho no déficit comercial, atingindoum valor real de US$3,8 bilhões, sendo também o demaior valor nas importações (US$4,48 bilhões) efe-tuadas pelas indústrias do complexo. Em 2003, estesvalores atingiram um patamar reduzido frente ao fi-nal dos anos 90, chegando o déficit a um valor infe-rior a US$2,5 bilhões pela primeira vez nos oito anosanalisados, fruto da redução nas importações.

Todavia, este quadro da balança comercial do com-

plexo não é muito alentador quando se efetua consi-derações de ordem macroeconômica e uma análisemais desagregada por produtos e blocos de países.Do ponto de vista macroeconômico, houve um claroimpacto da evolução da taxa de câmbio no desempe-nho do setor, sendo mais forte do que avaliado emtrabalho anterior (Gadelha,12 2003). Como há certadefasagem entre a evolução do câmbio e seu resulta-do nas importações e nas exportações, pode-se inferirque o elevado patamar das importações até 2001 foi,em parte, decorrente da taxa ter sido excessivamentevalorizada até 1999, tornando as importações do com-plexo competitivas (ou seja, mais baratas) frente àoferta local. Nos anos de 2002 e 2003 o déficit sereduziu acentuadamente atingindo seu menor valorneste último ano, fruto dos efeitos, retardados no tem-po, da forte desvalorização cambial ocorrida em 1999.Em 2004, as importações voltaram a crescer em qua-se 20%, fato possivelmente relacionado à nova valo-rização cambial associada ao ajuste macroeconômicoefetuado com base em elevadas taxas de juros. Essecenário se mostrou muito atraente para a entrada decapital, que levou à valorização da taxa de câmbiodesde o início de 2003.

Aqui já aparece uma primeira fonte de vulnerabilida-de econômica do complexo industrial da saúde: suaforte dependência das condições externas e da políti-ca macroeconômica. Qualquer movimento na taxacambial pode levar a uma explosão do gasto em saú-de ou com as importações. Sob uma determinada con-juntura, a desvalorização do câmbio, ao menos numprimeiro momento, antes de gerar seus efeitos na re-dução das aquisições externas e no aumento das ex-portações, pode levar a uma pressão nos gastos desaúde (encarecimento em reais das importações) in-compatível com as disponibilidades orçamentárias.*Sob outra conjuntura macroeconômica, uma valori-zação cambial, como a assistida no presente, podelevar a uma explosão das importações e ao aumentoda demanda de divisas externas para fazer frente àsnecessidades de saúde.

Em ambas as situações, o que fica claro é que o mo-

Tabela 1 - Evolução da balança comercial do complexo da saúde. Brasil, 1997-2004.

Ano Exportação Importação Saldo Comercial

1997 612.787.671 3.869.714.328 -3.256.926.6571998 695.854.820 4.475.195.426 -3.779.340.6061999 669.882.828 4.402.954.388 -3.733.071.5602000 602.594.655 4.036.686.657 -3.434.092.0022001 590.239.217 4.289.482.785 -3.699.243.5682002 586.202.367 3.307.215.557 -2.721.013.1902003 668.661.566 3.113.349.015 -2.444.687.4492004 822.166.127 3.694.107.603 -2.871.941.476Fonte: Elaboração própria a partir de levantamento efetuado junto à SECEX/MDCI - Rede AliceOBS: Valores atualizados para 2004 pelo IPC-EUA

*Estima-se, muito preliminarmente, que cerca de 25% do orçamento em saúde é impactado pelas importações. (Gadelha CAG. Op. cit.)

Page 9: GADELHA - Desenvolvimento, complexo industrial da saúde e política industrial

19Rev Saúde Pública 2006;40(N Esp):11-23 Complexo industrial da saúdeGadelha CAG

delo econômico de ajustamento externo e internointerfere diretamente nas ações de saúde, limitandoseus graus de liberdade e, portanto, a própria políticasocial vinculada ao acesso e à inclusão. A relaçãoentre padrão de desenvolvimento, política industriale condições de saúde fica evidente, mostrando o ris-co de excessiva dependência externa para viabilizara política de saúde e seus objetivos.

Todavia, há também questões estruturais que a análi-se dos dados permite evidenciar, sendo ainda maisrelevantes numa perspectiva de desenvolvimento emlongo prazo. A Tabela 2 mostra, em termos da linhade produtos, que a dependência de importações seconcentra nos produtos de maior intensidade tecno-lógica e de conhecimento. Confirmando esta indica-ção da concentração da dependência nos segmentosmais dinâmicos, a análise do destino e origem porblocos econômicos confirma essa hipótese. As ex-

portações brasileiras em saúde se destinam majorita-riamente para blocos menos desenvolvidos, sendo queo Mercosul e o “Resto do Mundo” participaram, em2004, por 61% das vendas externas. Enquanto isso,73% das importações foram provenientes dos paísesmais desenvolvidos na União Européia e do NorthAmerican Free Trade Agreement (NAFTA - EUA eCanadá, sobretudo).

Há, portanto, uma clara assimetria nas relações in-ternacionais brasileiras, evidenciando a dependên-cia de tecnológica em produtos mais intensos emtermos de conhecimento provenientes dos paísesmais desenvolvidos. Para estes casos, não há muitasensibilidade das compras externas frente ao preçoe à taxa de câmbio. Para executar as ações de saúde,o País acaba tendo que importar produtos de altatecnologia dos países mais desenvolvidos a qual-quer custo. É isso que explica que, após o salto no

Segmentos NAFTA União EuropéiaExportação Importação Saldo Exportação Importação Saldo

Equip./ materiais 76.372.236 313.602.771 -237.230.535 37.772.286 267.258.249 -229.485.963Ap. não eletrônicos 24.158 776.057 -751.899 30.916 741.929 -711.013Ap. eletrônicos 15.688.525 183.234.508 -167.545.983 18.761.552 157.009.740 -138.248.188Próteses/ órteses 1.895.217 27.771.629 -25.876.412 3.398.650 37.750.432 -34.351.782Mat. consumo 58.764.336 101.820.577 -43.056.241 15.581.168 71.756.148 -56.174.980

Vacinas 1.199 5.953.270 -5.952.270 899.185 135.296.534 -134.397.349Reag. diagnóstico 1.242.700 108.509.801 -107.267.101 1.996.202 88.834.671 -86.838.469Hemoderivados 37.402 65.802.704 -65.765.302 2.496.369 139.928.033 -137.431.664Medicamentos 43.429.789 311.569.827 -268.140.038 18.263.678 420.236.431 -401.972.753Fármacos 48.491.798 279.151.186 -230.659.388 84.851.575 441.701.522 -356.849.947Outros produtos* 1.841 12.559.816 -12.597.975 2.261.866 29.938.619 -27.676.753Total 169.576.965 1.097.149.375 -927.612.609 148.541.161 1.523.194.059 -1.374.652.898

Segmentos Mercosul Resto do MundoExportação Importação Saldo Exportação Importação Saldo

Equip./ materiais 31.289.573 21.730.647 9.558.926 143.927.638 182.740.712 -38.813.074Ap. não eletrônicos 16.949 1.018 15.931 94.070 4.969.580 -4.875.510Ap. eletrônicos 6.436.789 1.695.762 4.741.027 89.762.171 98.546.280 -8.784.109Próteses/ órteses 1.207.362 7.373 1.199.989 8.785.783 9.759.282 -973.499Mat. consumo 23.628.473 20.026.494 3.601.979 45.285.614 69.465.570 -24.179.956

Vacinas 521.950 0 521.950 16.291.344 2.588.973 13.702.371Reag. diagnóstico 492.470 6.833.068 -6.340.598 623.650 10.153.832 -9.530.182Hemoderivados 615.718 7.434.775 -6.819.057 1.293.837 56.900.366 -55.606.529Medicamentos 64.631.339 47.365.933 17.265.406 107.037.130 363.149.943 -256.112.813Fármacos 12.967.354 4.193.547 8.773.807 123.924.556 364.390.100 -240.465.544Outros produtos* 295.390 5.301.800 -5.006.410 136.052 940.473 -804.421Total 110.813.794 92.859.770 17.954.024 393.234.207 980.864.399 -587.630.192

Segmentos TotalExportação Importação Saldo

Equip./ materiais 289.361.733 785.332.379 -495.970.646Ap. não eletrônicos 166.093 6.488.584 -6.322.491Ap. eletrônicos 130.649.037 440.486.290 -309.837.253Próteses/ órteses 15.287.012 75.288.716 -60.001.704Mat. consumo 143.259.591 263.068.789 -119.809.198

Vacinas 17.713.678 143.838.777 -126.125.099Reag. diagnóstico 4.355.022 214.331.372 -209.976.350Hemoderivados 4.443.326 270.065.878 -265.622.552Medicamentos 233.361.936 1.142.322.134 -908.960.198Fármacos 270.235.283 1.089.436.355 -819.201.072Outros produtos* 2.695.149 48.780.708 -46.085.559Total 822.166.127 3.694.107.603 -2.871.941.476

NAFTA: North American Free Trade AgreementFonte: Elaboração própria a partir de levantamento efetuado na Rede Alice (SECEX/MDIC).*Soros e ToxinasValores em US$ Free On Board

Tabela 2 - Balança comercial do complexo da saúde por bloco econômico. Brasil, 2004.

Page 10: GADELHA - Desenvolvimento, complexo industrial da saúde e política industrial

20 Rev Saúde Pública 2006;40(N Esp):11-23Complexo industrial da saúdeGadelha CAG

déficit comercial no f inal dos 80, estimado emUS$700 milhões com base na literatura exis-tente (Negri & Giovanni,18 2001), o patamarde importações do País nunca é inferior aUS$3 bilhões. Já nos segmentos e mercadossensíveis aos preços e, logo, à taxa cambial,a competitividade local se vincula a produ-tos e processos de menor intensidade de tec-nologia, como também evidenciaram osdados do IBGE15 (PINTEC, 2003) analisa-dos anteriormente.

As Figuras 2 a 8 ilustram a evolução dos seg-mentos do complexo no período analisado.Na indústria farmacêutica (Figuras 2 e 3),além do fraco desempenho das exportaçõestanto em fármacos como medicamentos, oque se observa, primeiro, é o grau de depen-dência existente. Somando os dois segmentos, a as-sistência farmacêutica tem dependido de importaçõesde modo muito acentuado e arriscado, com os valo-res somados nunca sendo inferiores a US$2 bilhões

em termos reais. Mesmo quando o segmentode fármacos parece evoluir favoravelmentereduzindo as importações, este movimentotem sido, ao menos parcialmente, compen-sado pelo aumento das importações de me-dicamentos. Isso indica uma situação aindamais desfavorável em que, ao invés das im-portações serem concentradas nos princípi-os ativos (como ocorria nos anos 80), o Paíspassa também a depender de produtos aca-bados formulados no exterior.

Na área de equipamentos e materiais (Figura4), que foi uma das que mais reduziu as im-portações ao longo do período, a dependên-cia se concentra nos equipamentos eletrôni-

cos, que certamente constituem os bens de maior com-

plexidade e potencial de inovação. Há uma indústriaimportante de fabricação instalada no País e que deuboas respostas frente à demanda local, mas, no con-texto da revolução microeletrônica e das condições

cambiais, sua capacidade competitiva no fu-turo pode estar claramente ameaçada.

No campo das tecnologias de base bio-tecnológica (hemoderivados, diversos pro-dutos para diagnóstico, vacinas e soros e to-xinas), todos estão elevando suas importa-ções, em alguns casos de modo muito acen-tuado. No caso dos hemoderivados (Figura5) a situação é explosiva, com as importa-ções já atingindo quase US$300 milhões,triplicando no período analisado em termosreais. Se não forem implementadas ações ur-gentes de desenvolvimento e produção in-dustrial,* o País pode vir a ter sérias dificul-dades em sua bem sucedida política de aces-so a estes produtos.

-1.500.000.000

-1.000.000.000

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1

Anos

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OB

corr

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Exportação Importação Saldo comercial

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Figura 2 - Evolução do comércio exterior de medicamentos. Brasil,1997-2004.

USD FOB: Dólares americanos, Free on Board

Figura 3 - Evolução do comércio exterior de fármacos. Brasil, 1997-2004.USD FOB: Dólares americanos, Free on Board

-2.000.000.000

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1 2 3 4 5 6 7 8

Anos

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ores

em

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es

Exportação Importação Saldo comercial

Figura 4 - Evolução do comércio exterior de equipamentos e materiais.Brasil, 1997-2004.

USD FOB: Dólares americanos, Free on Board

-1.500.000.000

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1.500.000.000

1

Anos

Val

ores

em

US

D F

OB

cor

rent

es

Exportação Importação Saldo comercial

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

*A aposta do governo, neste caso, é a criação de uma fábrica nacional (a Hemobrás em Pernambuco).

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21Rev Saúde Pública 2006;40(N Esp):11-23 Complexo industrial da saúdeGadelha CAG

No caso dos reagentes para diagnóstico (Fi-gura 6), a despeito dos dados serem muitoagregados, o déficit permanece crônico, ten-do havido uma expansão muito acentuadano último ano do período. Esta situação re-flete a perda de oportunidade para entrar numsegmento tecnológico promissor em termosda capacidade de interação entre o sistemade C&T e a indústria, considerando que osalto tecnológico entre as atividades labora-toriais e as industriais é relativamente menorfrente a outros setores.

Por fim, na área de vacinas (Figura 7) e desoros e toxinas (Figura 8), há uma clara piorana situação comercial, com um crescimentoacentuado nas importações e no déficit comercial.

Em parte, este processo pode ser resultado das estra-tégias dos principais produtores nacionais (Bio-Manguinhos/Fiocruz e Butantan) de estabelecer acor-dos de transferência de tecnologia com asgrandes líderes da indústria mundial, medi-ante compromissos de importação durante operíodo de absorção tecnológica. Todavia,há o risco, inerente a estes tipos de contrato,da fronteira tecnológica se deslocar ao tér-mino do período, recolocando a questão dadependência.

Em síntese, a análise da balança comercialdo complexo industrial da saúde reflete comoo padrão nacional de desenvolvimento in-duz a uma precária especialização da baseprodutiva e a uma inserção internacional for-temente assimétrica, tornando o sistema desaúde vulnerável e dependente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E PERSPECTIVAS

Os resultados permitiram evidenciar a neces-sidade de pensar a saúde no contexto geralda estratégia de desenvolvimento e da redu-ção da dependência do País, o que deveriaconstituir um desdobramento natural da con-cepção ampla (e não setorial) da saúde. Oconceito de complexo industrial da saúde,nesta perspectiva, se mostra útil, ao se rela-cionar justamente a necessidade de articula-ção da lógica sanitária com a lógica econô-mica do desenvolvimento na área da saúde.Seu estudo, com ênfase na questão da inova-ção e do padrão de especialização do País nocontexto mundial, evidenciou a desconside-ração, analítica e normativa, da dinâmicaeconômica setorial. Isso traz como conseqü-ência, uma extrema vulnerabilidade à políti-ca nacional de saúde, podendo implicar emriscos aos objetivos de universalidade, eqüi-

dade e integralidade.

Como desdobramento político, esta análise coloca a

Figura 5 - Evolução do comércio exterior de hemoderivados. Brasil,1997-2004.

USD FOB: Dólares americanos, Free on Board

-300.000.000

-200.000.000

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Anos

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Exportação Importação Saldo Comercial

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

USD FOB: Dólares americanos, Free on Board

Figura 6 - Evolução do comércio exterior de reagentes para diagnóstico.Brasil, 1997-2004.

-250.000.000

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250.000.000

Anos

Valo

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em

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ente

s

Exportação Importação Saldo Comercial

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Figura 7- Evolução do comércio exterior de vacinas. Brasil, 1997-2004.

USD FOB: Dólares americanos, Free on Board

-200.000.000

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Anos

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Exportação Importação Saldo comercial

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

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22 Rev Saúde Pública 2006;40(N Esp):11-23Complexo industrial da saúdeGadelha CAG

questão da articulação da política industrial com apolítica de saúde no centro de uma estratégia de de-senvolvimento do complexo, tendo como pano defundo o debate e a perspectiva de um novo modelode desenvolvimento para o País. Esse modelo deveprivilegiar, ao mesmo tempo, a dinâmica de inovaçãoe desenvolvimento da indústria e a inclusão social,retomando a perspectiva estruturalista colocada des-de Furtado10 (1961), numa releitura contemporânea.

No período recente, alguns passos importantes, ain-da que insuficientes, foram dados. No campo da polí-tica industrial, a Política Industrial, Tecnológica e deComércio Exterior (PITCE), lançada em novembrode 2004, incorporou segmentos-chave do complexoindustrial da saúde. A indústria farmacêutica, numapercepção ampla, que inclui medicamentos, fármacos,hemoderivados e vacinas, foi selecionada como umadas quatro opções estratégicas relacionadas às áreasde elevado dinamismo e intensidade de conhecimen-tos. Esta política já implicou na mobilização de ins-trumentos importantes de financiamento (como o Pro-grama de Apoio de Desenvolvimento da Cadeia Pro-dutiva Farmacêutica – Profarma, do Banco Nacionalde Desenvolvimento Econômico e Social) e de ou-tras iniciativas relacionadas aos investimentos pú-blicos em medicamentos e hemoderivados. Além dis-so, uma das outras opções estratégicas são os bens decapital, com uma articulação para priorização dosequipamentos médicos no âmbito desta política,mediante a intervenção da recém-criada Agência Bra-sileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

Ademais, algumas medidas genéricas para a melho-ria no ambiente institucional vêm facilitando eflexibilizando a relação de instituições de pesquisacom o setor produtivo privado (Lei n. 10.973 de 2/

12/2004 - “Lei da Inovação”). A concessãode incentivos fiscais às empresas, incluindoos investimentos em tecnologia (Lei n. 1.196de 21/11/2005 - antes conhecida como a“MP do Bem”), também atua na direção dese criar um ambiente favorável à inovação eaos investimentos nas indústrias da saúde.

No campo da política de saúde, pode-se afir-mar que a questão do complexo industrialda saúde começa a fazer parte de inúmerosdocumentos de política (na forma de “Com-plexo Produtivo da Saúde”). Estabelecem-se diretrizes inclusive no Plano Nacional deSaúde vigente, além de um conjunto de po-líticas setoriais, como para os medicamentosgenéricos, estratégicos, excepcionais e paraAids. Além disso, na própria estrutura doMinistério da Saúde, foi criada a Secretaria

Nacional de Ciência, Tecnologia e Insumos Estraté-gicos, passando a haver um locus específico voltadopara o desenvolvimento científico, tecnológico e in-dustrial em saúde, deixando a questão industrial deser tratada de forma independente da questão da ge-ração de conhecimentos.

Em síntese, o contexto atual se mostra muito maisfavorável do que foi no passado. Não obstante, aindahá muito a avançar em uma ruptura cognitiva e polí-tica com as visões antagônicas que ainda separam emcampos muito estanques as necessidades da saúde eas necessidades do País no desenvolvimento indus-trial. A não utilização, na prática concreta, do poderde compra associado à política de saúde para o de-senvolvimento tecnológico e industrial constitui umexemplo destacado de que a dicotomia entre as duaslógicas ainda persiste. Nessa direção, a necessidadede superação desta dicotomia mostra-se essencial. Umpaís que pretende chegar a uma condição de desen-volvimento e de independência requer, ao mesmotempo, indústrias e fortes e inovadoras, e um sistemade saúde inclusivo e igualitário. Este talvez seja umdos mais importantes desafios estratégicos do Siste-ma de Saúde brasileiro.

AGRADECIMENTOS

À Carmen N. P. Romero Casas da Escola Nacionalde Saúde Pública (Fiocruz), pelo apoio no levanta-mento e sistematização dos dados de comércio ex-terior e na organização das informações; à MilitzeBortoloto Cajazeira, do Departamento de Planeja-mento e Desenvolvimento (Depla) da Secretaria deComércio Exterior (Secex) do Ministério de Desen-volvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC),pela orientação na obtenção dos dados do Governo

Figura 8 - Evolução do comércio exterior de soros e toxinas. Brasil,1997-2004.

USD FOB: Dólares americanos, Free on Board

-60.000.000

-40.000.000

-20.000.000

0

20.000.000

40.000.000

60.000.000

Anos

Val

ores

em

US

D F

OB

cor

rent

es

Exportação Importação Saldo comercial

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

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Federal (Rede Alice); a Jorge Luís do Núcleo de Co-mércio Exterior da Secretaria de Comércio Exterior(Secex) do Rio de Janeiro, pelo envio dos códigosdos itens que fazem parte da Nomenclatura Comum

do Mercosul com as mudanças atualizadas de todosos itens do Complexo Industrial da Saúde; e aHenrique Chaves pelo apoio na organização finaldas figuras e tabelas.

REFERÊNCIAS

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Erratum

Tabela 2 / Table 2 – Página / Page 19

Os valores das colunas referentes à União Européia e Mercosul foram trocados. Substituir a Tabela conforme aseguir. / Values in the columns of European Union and Mercosul were switched. Replace the Table as follows:

Tabela 2 incorreta / Incorrect Table 2

Segmentos NAFTA União EuropéiaExportação Importação Saldo Exportação Importação Saldo

Equip./ materiais 76.372.236 313.602.771 -237.230.535 31.289.573 21.730.647 9.558.926Ap. não eletrônicos 24.158 776.057 -751.899 16.949 1.018 15.931Ap. eletrônicos 15.688.525 183.234.508 -167.545.983 6.436.789 1.695.762 4.741.027Próteses/ órteses 1.895.217 27.771.629 -25.876.412 1.207.362 7.373 1.199.989Mat. consumo 58.764.336 101.820.577 -43.056.241 23.628.473 20.026.494 3.601.979

Vacinas 1.199 5.953.270 -5.952.270 521.950 0 521.950Reag. diagnóstico 1.242.700 108.509.801 -107.267.101 492.470 6.833.068 -6.340.598Hemoderivados 37.402 65.802.704 -65.765.302 615.718 7.434.775 -6.819.057Medicamentos 43.429.789 311.569.827 -268.140.038 64.631.339 47.365.933 17.265.406Fármacos 48.491.798 279.151.186 -230.659.388 12.967.354 4.193.547 8.773.807Outros produtos* 1.841 12.559.816 -12.597.975 295.390 5.301.800 -5.006.410Total 169.576.965 1.097.149.375 -927.612.609 110.813.794 92.859.770 17.954.024

Segmentos Mercosul Resto do MundoExportação Importação Saldo Exportação Importação Saldo

Equip./ materiais 37.772.286 267.258.249 -229.485.963 143.927.638 182.740.712 -38.813.074Ap. não eletrônicos 30.916 741.929 -711.013 94.070 4.969.580 -4.875.510Ap. eletrônicos 18.761.552 157.009.740 -138.248.188 89.762.171 98.546.280 -8.784.109Próteses/ órteses 3.398.650 37.750.432 -34.351.782 8.785.783 9.759.282 -973.499Mat. consumo 15.581.168 71.756.148 -56.174.980 45.285.614 69.465.570 -24.179.956

Vacinas 899.185 135.296.534 -134.397.349 16.291.344 2.588.973 13.702.371Reag. diagnóstico 1.996.202 88.834.671 -86.838.469 623.650 10.153.832 -9.530.182Hemoderivados 2.496.369 139.928.033 -137.431.664 1.293.837 56.900.366 -55.606.529Medicamentos 18.263.678 420.236.431 -401.972.753 107.037.130 363.149.943 -256.112.813Fármacos 84.851.575 441.701.522 -356.849.947 123.924.556 364.390.100 -240.465.544Outros produtos* 2.261.866 29.938.619 -27.676.753 136.052 940.473 -804.421Total 148.541.161 1.523.194.059 -1.374.652.898 393.234.207 980.864.399 -587.630.192

Segmentos TotalExportação Importação Saldo

Equip./ materiais 289.361.733 785.332.379 -495.970.646Ap. não eletrônicos 166.093 6.488.584 -6.322.491Ap. eletrônicos 130.649.037 440.486.290 -309.837.253Próteses/ órteses 15.287.012 75.288.716 -60.001.704Mat. consumo 143.259.591 263.068.789 -119.809.198

Vacinas 17.713.678 143.838.777 -126.125.099Reag. diagnóstico 4.355.022 214.331.372 -209.976.350Hemoderivados 4.443.326 270.065.878 -265.622.552Medicamentos 233.361.936 1.142.322.134 -908.960.198Fármacos 270.235.283 1.089.436.355 -819.201.072Outros produtos* 2.695.149 48.780.708 -46.085.559Total 822.166.127 3.694.107.603 -2.871.941.476

NAFTA: North American Free Trade AgreementFonte: Elaboração própria a partir de levantamento efetuado na Rede Alice (SECEX/MDIC).*Soros e ToxinasValores em US$ Free On Board

Tabela 2 - Balança comercial do complexo da saúde por bloco econômico. Brasil, 2004.

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Erratum

Segmentos NAFTA União EuropéiaExportação Importação Saldo Exportação Importação Saldo

Equip./ materiais 76.372.236 313.602.771 -237.230.535 37.772.286 267.258.249 -229.485.963Ap. não eletrônicos 24.158 776.057 -751.899 30.916 741.929 -711.013Ap. eletrônicos 15.688.525 183.234.508 -167.545.983 18.761.552 157.009.740 -138.248.188Próteses/ órteses 1.895.217 27.771.629 -25.876.412 3.398.650 37.750.432 -34.351.782Mat. consumo 58.764.336 101.820.577 -43.056.241 15.581.168 71.756.148 -56.174.980

Vacinas 1.199 5.953.270 -5.952.270 899.185 135.296.534 -134.397.349Reag. diagnóstico 1.242.700 108.509.801 -107.267.101 1.996.202 88.834.671 -86.838.469Hemoderivados 37.402 65.802.704 -65.765.302 2.496.369 139.928.033 -137.431.664Medicamentos 43.429.789 311.569.827 -268.140.038 18.263.678 420.236.431 -401.972.753Fármacos 48.491.798 279.151.186 -230.659.388 84.851.575 441.701.522 -356.849.947Outros produtos* 1.841 12.559.816 -12.597.975 2.261.866 29.938.619 -27.676.753Total 169.576.965 1.097.149.375 -927.612.609 148.541.161 1.523.194.059 -1.374.652.898

Segmentos Mercosul Resto do MundoExportação Importação Saldo Exportação Importação Saldo

Equip./ materiais 31.289.573 21.730.647 9.558.926 143.927.638 182.740.712 -38.813.074Ap. não eletrônicos 16.949 1.018 15.931 94.070 4.969.580 -4.875.510Ap. eletrônicos 6.436.789 1.695.762 4.741.027 89.762.171 98.546.280 -8.784.109Próteses/ órteses 1.207.362 7.373 1.199.989 8.785.783 9.759.282 -973.499Mat. consumo 23.628.473 20.026.494 3.601.979 45.285.614 69.465.570 -24.179.956

Vacinas 521.950 0 521.950 16.291.344 2.588.973 13.702.371Reag. diagnóstico 492.470 6.833.068 -6.340.598 623.650 10.153.832 -9.530.182Hemoderivados 615.718 7.434.775 -6.819.057 1.293.837 56.900.366 -55.606.529Medicamentos 64.631.339 47.365.933 17.265.406 107.037.130 363.149.943 -256.112.813Fármacos 12.967.354 4.193.547 8.773.807 123.924.556 364.390.100 -240.465.544Outros produtos* 295.390 5.301.800 -5.006.410 136.052 940.473 -804.421Total 110.813.794 92.859.770 17.954.024 393.234.207 980.864.399 -587.630.192

Segmentos TotalExportação Importação Saldo

Equip./ materiais 289.361.733 785.332.379 -495.970.646Ap. não eletrônicos 166.093 6.488.584 -6.322.491Ap. eletrônicos 130.649.037 440.486.290 -309.837.253Próteses/ órteses 15.287.012 75.288.716 -60.001.704Mat. consumo 143.259.591 263.068.789 -119.809.198

Vacinas 17.713.678 143.838.777 -126.125.099Reag. diagnóstico 4.355.022 214.331.372 -209.976.350Hemoderivados 4.443.326 270.065.878 -265.622.552Medicamentos 233.361.936 1.142.322.134 -908.960.198Fármacos 270.235.283 1.089.436.355 -819.201.072Outros produtos* 2.695.149 48.780.708 -46.085.559Total 822.166.127 3.694.107.603 -2.871.941.476

NAFTA: North American Free Trade AgreementFonte: Elaboração própria a partir de levantamento efetuado na Rede Alice (SECEX/MDIC).*Soros e ToxinasValores em US$ Free On Board

Tabela 2 - Balança comercial do complexo da saúde por bloco econômico. Brasil, 2004.

Tabela 2 correta / Correct Table 2

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