Games e educação

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matéria no jornal O Globo

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Page 1: Games e educação

l SÃO PAULO. Os alunos do 9ºano do ensino fundamental doColégio Bandeirantes, em SãoPaulo, passaram boa parte doúltimo bimestre jogando na es-cola “SimCity”, game que simulaa administração e crescimentode uma cidade. Eles não esta-vam matando aula para se diver-tir. A atividade foi sugerida pelacoordenação pedagógica da es-cola, depois de aulas em que ha-viam debatido problemas de li-xo, energia e transporte da capi-tal paulista.

Iniciativas como essa aindasão raras nas escolas brasilei-ros, mas desafiam a lógica deque videogame e sala de aulanão combinam. Quando beminseridos num contexto peda-gógico, jogos, tanto os comer-ciais quanto os criados comfins educativos, são preciososaliados dos professores nasmais variadas disciplinas.

— Escolhemos esse jogo (Sim-City) porque achamos que seriauma maneira de o aluno aplicaro que foi aprendendo ao longodo ano nas aulas e simular umacidade. Percebemos que é moti-vador. Eles gostam, e mesmo osmais resistentes ficam anima-dos. Os resultados não necessa-riamente se refletem em notas,mas percebemos que eles con-seguem trabalhar lógica e racio-cínio, entre outras habilidades— diz a coordenadora de Tecno-logia Educacional do ColégioBandeirantes, Cristiana MattosAssumpção.

A aluna do Bandeirantes Be-atriz Rossi, de 14 anos, nãocostuma jogar videogame,mas gostou da experiência naescola.

— Conseguimos colocar emprática, no jogo, o que aprende-mos nas aulas. Às vezes, se umassunto fica muito na teoria,não entendemos a importânciadele. Quando usamos o game,vimos melhor por que as coisasna cidade aconteciam — diz.

Bastante popular, o jogo “An-gry Birds”, em que pássaros sãolançados como dardos, já estásendo usado por professoresde Física para ensinar sobre tra-jetória, angulação, lançamentoe resistência de materiais. Fran-cisco de Assis Nascimento Júni-or dá aulas no Colégio Brasil-Ca-nadá e acredita que o “AngryBirds” ajuda os estudantes a vi-sualizarem melhor os concei-tos da disciplina. Após explicara matéria para os alunos, ele fa-la sobre a física do game paraos alunos, que depois têm queresponder a um questionáriosobre o tema enquanto jogam eexperimentam as diferentestrajetórias dos pássaros na tela.

No ano passado, Nascimen-to Júnior usou o “Angry Birds”nas aulas que deu no colégioGuilherme Dumont Villares,mas não pôde fazê-lo em outraescola privada, que adota umsistema de apostilas, e diz quea recepção dos alunos das du-as instituições foi diferente.

— Quando eu falo a pala-vra “oblíquo”, o aluno já seassusta. Mas, se ele vê co-mo esse conceito funcio-na brincando, percebeque é simples. A moti-vação dos estudantesmuda muito, porque ascoisas começam a fazersentido para eles. Te-mos uma geraçãoávida por tecnolo-

gia e comunicação. E, no “AngryBirds”, a linguagem é visual —afirma o professor.

Mitologia gregacom “God of War”l Professor de LínguaPortuguesa na Escola Sulameri-cana, em Salvador (BA), MarcosPaulo Pessoa percebeu que po-deria usar jogos na sua disciplinaquando alunos, numa aula sobrenarrativas mitológicas, ficarammais interessados do que o nor-mal e disseram que já conheciamalgumas histórias porque joga-vam “God of War”, que é conside-rado um game de violência.

— Usei na sala partes do jo-go, cenas não jogáveis que nar-ram a história, tratam da mito-logia grega e não trazem violên-cia. Trabalhei-as com os alu-nos. Mostrei que as históriasmitológicas têm mais de umaversão, porque são contadas

oralmente — explica Pessoa.O professor também pediu

aos alunos que escrevessemtextos sobre a lógica do jogo“Counter-Strike”, que envolveestratégia e organização deequipes, de maneira a criar umoutro jogo, mas de cartas.

No Rio, a prefeitura publicoupara as escolas um portal deconteúdo educacional chama-do Educopédia, em que, alémde aulas em vídeo, há vários jo-gos pedagógicos para o ensinofundamental, inclusive algunsque ajudam na alfabetização.

Francisco Velasquez é profes-sor de História da Escola Munici-pal Pereira Passos, no Rio Com-prido, e usa os jogos da Educopé-dia com os alunos.

— Depois que já ensinei a ma-téria e preciso trabalhar o as-sunto de forma lúdica, uso osminigames para reforçar o con-teúdo que foi dado. No 6º ano,por exemplo, abordamos a des-coberta do fogo e a arqueolo-gia. O jogo faz perguntas, e oaluno tem que dar as respostas— afirma Francisco Velasquez.

Para o subsecretário de Assun-tos Estratégicos da Secretariamunicipal de Educação do Rio,Rafael Parente, os games, assimcomo a internet, atraem a aten-ção dos jovens para a educação.

— Uma das maiores reclama-ções dos professores é sobre odesinteresse dos jovens. Só queeles já nasceram na época da in-

ternet e gostam de jogos, de mú-sica e da grande rede. Tentamosaproximar o que eles gostam doambiente educacional e exploraro conteúdo por meio de coisasque os atraem — afirma Parente.

Professora e pesquisadorada área de jogos da Universida-de do Estado da Bahia (Uneb),Lynn Alves trabalha no desen-volvimento de games educati-vos, que são testados em esco-las públicas do estado, mas dizque essa indústria ainda é pou-co desenvolvida no Brasil. Se-gundo ela, o governo da Bahiaencomendou jogos educativosa especialistas, e o governo fe-deral os financiou em 2006.

— Há escolas que ainda resis-tem aos games. Quando alguémdiz que está trabalhando com jo-gos em sala de aula, há quemache que o que se quer é que asala vire uma lan house. Não é is-so. Queremos mais uma lingua-gem na escola — afirma Lynn.

Autor de um livro sobre jogose educação e professor da Esco-la de Engenharia e Tecnologiada Universidade Anhembi Mo-rumbi, João Mattar diz que osgames educativos ficaram coma fama de chatos, pois, na cabe-ça de muitas crianças, educaçãoe diversão são coisas diferentes.Além disso, muitos jogos educa-tivos têm qualidade gráfica infe-rior à dos comerciais. Outros fa-tores que afetam o uso de ga-mes nas escolas são a falta de fa-miliaridade de muitos professo-res com os jogos e o fato de quemuitas escolas públicas sequertêm computadores ou internet.

Mesmo assim, segundo Mat-tar, nos últimos dois anos, háuma aceitação maior do uso devideogames na educação.

— O “Horizon Report”, re-latório produzido por duasinstituições americanas,aponta o game educacionalcomo uma tecnologia que se-rá mais adotada nos próxi-mos dois anos — afirma.n

Bem utilizados, games estimulam ensinoEscolas usam jogos como ferramentas pedagógicas para despertar o interesse de alunos que nasceram na era da internet

Marcelle [email protected]

Cecília Acioli

ALUNOS TÊM aula de História na Escola Municipal Pereira Passos, no Rio, com um jogo da Educopédia

Eliária Andrade

ESTUDANTES DO Colégio Brasil-Canadá: jogos para aprender

4 • O PAÍS O GLOBO Segunda-feira, 4 de junho de 2012

EDUCAÇÃO

‘Jogos usam técnicaspoderosas para ajudarna concentração’Especialista americano diz que engajamento dosjovens nas disciplinas aumenta com o recurso

ENTREVISTA

Barry Fishman

l SÃO PAULO. O professor deTecnologias de Aprendizagemdas escolas de Educação e deInformação da Universidadede Michigan, Barry Fishman,afirma que os games fazem osalunos ficarem mais engaja-dos e ajudam a desenvolver ahabilidade de solucionar pro-blemas de forma criativa.

l O GLOBO: Os games podemmelhorar o processo de apren-dizagem? Como?BARRY FISHMAN: Os jogospodem ser eficazes em apoi-ar a aprendizagem porqueum game bem feito usa técni-cas motivacionais podero-sas para fazer com que os es-tudantes se concentrem noassunto em questão. Emcompensação, um game feitode maneira pobre pode serruim para a aprendizagem,porque pode reforçar ideiaserradas ou entreter estudan-tes sem fazer com que elestenham foco nos aspectosmais importantes do que sequer ensinar.

l Os estudantesde fato apren-dem mais quan-do usam gamesna sala de aula,ou a aula ape-nas fica mais di-vertida?FISHMAN: Nãogosto de usar apalavra “diver-são” quando fa-lo de games eeducação. Prefi-ro usar “engaja-mento”. Os alu-nos aprendemmais com osbons games por-que eles ficamprofundamenteengajados coma atividade deaprendizagem, eisso é necessá-rio; é o primeiro passo no pro-cesso de ensino. Às vezes,chegar a um empenho profun-do requer um grande esforço,é quase uma luta, e nós nãodescreveríamos a luta comodivertida, assim como correruma maratona ou escalar umamontanha. Mas nós podemosdescrever essas atividadescomo profundamente satisfa-tórias e engajantes.

l O que é melhor: usar gameseducacionais ou comerciais?FISHMAN: Não há melhornesse caso, depende dos ob-jetivos que tentamos alcan-çar. Há excelentes games emvárias áreas. Um dos meus fa-voritos, “The Lure of the

Labyrinth”, trabalha a mate-mática. Nele, os alunos têmque resolver uma série de de-safios de lógica e enigmas re-lacionados a tópicos de ma-temática, como o cálculo deproporções, por exemplo.

l Alunos que usaram gamespara aprender na escola têmresultados melhores que aque-les que não usaram?FISHMAN: Ainda não há bonsestudos e pesquisas que fa-çam essa comparação. Poroutro lado, existem múltiplasmaneiras de aprender um as-sunto, e, de maneira geral, seos alunos ficam mais motiva-dos, eles vão efetivamenteaprender mais.

l Os games poderiam tornaros estudantes mais inteligen-tes, no fim das contas?FISHMAN: Qualquer ativida-de permanente em que alguémse concentre em tarefas desafi-adoras pode aumentar a suainteligência. Os jogos podemfazer isso, pois ajudam a de-senvolver habilidades para asolução de problemas de for-ma criativa, além de estimula-rem a coordenação e a disposi-

ção para correrriscos.

l O senhor achaque os professo-res, em todo omundo, deveri-am recorrermais aos video-games para aju-dar no processoeducativo?FISHMAN: Meuinteresse não éespecificamenteno uso de gamesnas salas de au-la. É em tentarentender o quefaz os gamesfuncionarem co-mo ambientespoderosos paramotivação e en-gajamento, e co-mo criar algunsdesses elemen-

tos nas escolas de maneiramais geral. O que precisamosfazer é tornar a escola maismotivadora. Vamos ajudar amelhorar os resultados edu-cacionais se encontrarmosmaneiras de reengajar os es-tudantes. Se os games ajudamnesse processo, então eu di-go: “Ótimo!”

l Nos Estados Unidos, o uso degames no processo educacio-nal já se tornou uma práticacomum?FISHMAN: Eu não diria queeles são comuns nas salasde aula, mas certamente es-tá aumentando o interesseem usá-los como parte doaprendizado. n

“Os jogosdesenvolvem acapacidade desolucionarproblemas. Eexistem múltiplasmaneiras deaprender umassunto. Háexcelentes gamesem várias áreas

Eliária Andrade

FRANCISCO USA “Angry Birds”

para ensinar Física

a seus alunos